grupos de trabalhadores e familiares rurais

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Orqanização do trabalho e da farnília em grupos marginais rurais do Estado de São Paulo José César A. Gnaccarini * 1. Introdução. 2. Dependência EconOmica, Marginalidade e Relações Comunitárias. 3. As Funções Sociais do Casamento pelo Rapto na Crise EconOmica e Social. 4. Conclusões. 1.1 Objeto ~ste estudo tem como objetivo, de modo especial, a reconstituição sociológica dos meios de vida de agrupamentos de tra- balhadores rurais, e de como se relacionam com outros aspectos da vida social, em par- ticular a organização da família, do compa- drio, da vizinhança. 1 Baseia-se em pesquisas de campo e de reconstrução histórica que se levou a efeito em três municípios da região açucareira de Piracicaba, no Estado de São Paulo. Julgou-se conveniente, para atingir o fim proposto, reconstituir com especial ênfase um fenômeno muito comum naqueles agrupa- mentos: o casamento pelo rapto da noiva. Vi- sando a colocar o fenômeno em seu contexto histórico, formularam-se os seguintes proble- mas: como se relacionam expansão econômi- ca em área dependente e mudanças nas for- mas tradicionais de relação social e proprie- dade da terra; como se ligam divisão social do trabalho e diferenciação de papéis sociais complementares em um sistema, e interêsses grupais opostos em uma realidade contradi- tória; como se combinam regime capitalista de tipo plantation e formas de organização so- cial de tipo industrial, na agricultura. Auxiliar de Ensino da cadeira de Sociologia do Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. R. Adm. Emp., Rio de Janeiro, A área em estudo tem sido caracteriza- damente agrfcola ao longo do tempo, muito embora a maioria das pessoas agora passasse a residir em zona urbana. Esta zona é, na ver- dade, constituída de pequenos núcleos de- tentores de algumas funções de comércio, ser- viços, administração pública e residência. A cana-de-açúcar e o café sempre fo- ram as culturas predominantes, de grandes proprietários e efetuadas em grandes estabe- lecimentos agrícolas. A importância numérica do algodão e do milho, nas estatísticas com- pulsadas, deve-se ao fato de serem plantados em consórcio com o café e a cana. Assim plantados aparecem também os mantimentos feijão e mandioca. Já no ano de 1940, no en- tanto, apenas uma parcela mínima de área em algodão é intercalada, sendo também o ano em que é menor o número relativo de grandes e médios estabelecimentos; decorrência, por certo, da crise da cafeicultura. Os casamentos pelo rapto da noiva che- garam a atingir proporções elevadas no total de casamentos inscritos nos cartórios de re- gistro civil das três localidades, constituindo um fenômeno particularmente rural. 1 o estudo ctãsslco neste tema é a bela obra de AntOnio Cândido. O. parceiro. do Rio Bonito (Estudo sObre o Caipira Paulista e a Transformação dos seus Meios de Vida.) Rio. 1964. 11(1): 75-94 Jan.lMar. 1971

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organização familiar e agricultura no país

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Page 1: Grupos de Trabalhadores e Familiares Rurais

Orqanização do trabalho e da farníliaem grupos marginais rurais doEstado de São PauloJosé César A. Gnaccarini *

1. Introdução. 2. Dependência EconOmica, Marginalidadee Relações Comunitárias. 3. As Funções Sociais doCasamento pelo Rapto na Crise EconOmica e Social.4. Conclusões.

1.1 Objeto

~ste estudo tem como objetivo, demodo especial, a reconstituição sociológicados meios de vida de agrupamentos de tra-balhadores rurais, e de como se relacionamcom outros aspectos da vida social, em par-ticular a organização da família, do compa-drio, da vizinhança. 1 Baseia-se em pesquisasde campo e de reconstrução histórica que selevou a efeito em três municípios da regiãoaçucareira de Piracicaba, no Estado de SãoPaulo. Julgou-se conveniente, para atingir ofim proposto, reconstituir com especial ênfaseum fenômeno muito comum naqueles agrupa-mentos: o casamento pelo rapto da noiva. Vi-sando a colocar o fenômeno em seu contextohistórico, formularam-se os seguintes proble-mas: como se relacionam expansão econômi-ca em área dependente e mudanças nas for-mas tradicionais de relação social e proprie-dade da terra; como se ligam divisão socialdo trabalho e diferenciação de papéis sociaiscomplementares em um sistema, e interêssesgrupais opostos em uma realidade contradi-tória; como se combinam regime capitalistade tipo plantation e formas de organização so-cial de tipo industrial, na agricultura.

• Auxiliar de Ensino da cadeira de Sociologia doDepartamento de Ciências Sociais da Faculdade deFilosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidadede São Paulo.

R. Adm. Emp., Rio de Janeiro,

A área em estudo tem sido caracteriza-damente agrfcola ao longo do tempo, muitoembora a maioria das pessoas agora passassea residir em zona urbana. Esta zona é, na ver-dade, constituída de pequenos núcleos de-tentores de algumas funções de comércio, ser-viços, administração pública e residência.

A cana-de-açúcar e o café sempre fo-ram as culturas predominantes, de grandesproprietários e efetuadas em grandes estabe-lecimentos agrícolas. A importância numéricado algodão e do milho, nas estatísticas com-pulsadas, deve-se ao fato de serem plantadosem consórcio com o café e a cana. Assimplantados aparecem também os mantimentosfeijão e mandioca. Já no ano de 1940, no en-tanto, apenas uma parcela mínima de áreaem algodão é intercalada, sendo também o anoem que é menor o número relativo de grandese médios estabelecimentos; decorrência, porcerto, da crise da cafeicultura.

Os casamentos pelo rapto da noiva che-garam a atingir proporções elevadas no totalde casamentos inscritos nos cartórios de re-gistro civil das três localidades, constituindoum fenômeno particularmente rural.

1 o estudo ctãsslco neste tema é a bela obra deAntOnio Cândido. O. parceiro. do Rio Bonito (EstudosObre o Caipira Paulista e a Transformação dos seusMeios de Vida.) Rio. 1964.

11(1): 75-94 Jan.lMar. 1971

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1.2 Hipóteses e Teorias

As seguintes hipóteses foram formula-das para explicar o fenômeno: a) a moder-nização constitui uma variável do desenvolvi-mento econômico; assim sendo, caracteriza-se como um processo uniforme, atinge todosos setores da vida, e tende a moldá-los segun-do os princípios básicos de eficiência da or-dem industrial em constituição: divisão orgâ-nica do trabalho, secularização, racionalizaçãoe individualização; b) as instituições da fa-mília como parte de um sistema social maisamplo e de uma totalidade funcional seguemo princípio que está fundado na realidade daadequação funcional das partes entre si e decada uma com o todo. No caso do rapto, êsteindicaria a formação de processos de secula-rização e individualização dentro da organi-zação famitial (relações ,eletivas versus pres-critivas) e crise do modêlo de famflia pa-triarcal.

Os fatos infirmaram essas hipóteses, noseu significado global, confirmando-as apenasparcialmente, permitindo concluir que o de-senvolvimento econômico em uma sociedadede classes como a nossa é um processo con-traditório, pois se acha firmado em certas ir-racionalidades que, de acôrdo com o modêloque êle seguiu historicamente, lhe são ineren-tes; é custeado, no que tange às irracionali-dades, por um processo especial de distribui-ção de poder na sociedade, de tal modo queêste determina a dependêncía e a marginali-dade de amplos setores na sociedade.

No caso especial da agricultura, que éo que interessa neste artigo, modalidades di-versas de trabalho extracapitalistas ou pré-ca-pitalistas, como têm sido indistintamente de-nominadas na literatura, servem de suporteàs irracionalidades do sistema econômico-so-cial, assentado como êle está na divisão dotrabalho própria do modêlo de classes. Cons-tituem as instituições da família de trabalha-dores, nessas condições, uma modalidade deajustamento (e os valôres que lhe são associa-

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dos, uma forma de legitimação) com que sedefendem e se opõem aquelas camadas dapopulação, situadas marginal e desfavoreci-damente perante os núcleos dominantes dosistema e os meios de exercício do poder queêstes detêm ou manipulam e ainda perantesuas ideologias, pols são aquêles desfavore-cidos e marginalizados que arcam com osmaiores custos das irracionalidades. Só po-dem, assim, ser buscadas nos significados gru-pais, e não na própria realidade, a funcionali-dade e a uniformidade, verificáveis entreinstituições, valôres e situações de existênciavividas pelas pessoas e grupos.

Partiu-se, na elaboração' das hipóteses,da suposição corrente na sociologia em as-sociar urbanização e industrialização sob otítulo de modernização a mudanças corres-pondentes nas estruturas e funções da famíliae do parentesco, entre outras instituições. 2 Defato, diz Gino Germani, que devem entender-se as variações nas bases do consenso fami-Ilal (acentuação sôbre o indivíduo, diminuiçãodo alcance das relações de tipo prescritivo)como sendo pré-condições que facilitam o sur-gimento da sociedade industrial, uma vez quefavorecem o ajustamento dos indivíduos a re-lações sociais do tipo especifico, afetivamenteneutro, universalista e assinalado ao indivíduona base do esfôrço e capacidade. Trata-se,como se vê, da inscrição do princípio da efi-ciência no sistema institucional, de modo a es-tar adequado funcionalmente à sociedade in-dustrial. 3 Aparentemente uma suposição se-melhante se encontra em Max Weber, quandoêle faz distinção entre comunidade e socie-dade, sendo as relações comunitárias as quese baseiam em sentimentos afetivos, emotivose tradicionais de união no todo, e relações so-cietárias as que se inspiram em uma compen-

2 Talcott Parsons e Louis Wirth, entre outros, citadosem Rosen, B. C. & Berlinck. M. T. Modernizationand family structure in the region of SAo Paulo, Brazi!.América Latina, 11 (3): 75-7. 1968.

3 Polltlca 'I IOcledad en una época de translclón. Bue-nos Aires, Paidos, s. d. p. 87-91.

R&V/sta de Administração de Empr'sas

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sação de interêsses por motivos racionais ouem uma união de interêsses dessa nature-za, 4 e ao relacionar a expansão do capitalismoespecifico de emprêsa lucrativa ou industrial,com capital fixo e organização racional do tra-balho livre à racionalização crescente das di-versas instituições sociais. 5

Essa suposição não tem encontrado su-porte em distintos achados da pesquisa levada

.a cabo em países com diversos nfveis de ur-banização e industrialização, como indicaramBernard Rosen e Manoel Berlinck em um ba-lanço de muitas investigações e na própriapesquisa que realizaram, 6 e também OscarLewis em sua pesquisa na cidade do México. 7

Rosen e Berlinck, em sua pesquisa, indica-ram existir variáveis intervenientes que modi-ficam aquela relação. Suposição associadaàquela já citada é afirmar que o sistema detipo plantation é uma espécie de organizaçãoindustrial e, acompanhando as caracterfsticasda modernização, associa-se invariàvelmentea inovações especfficas nas pessoas e rela-ções sociais englobadas pelo subsistema ruralao acompanhar o modêlo de sociedade mo-derna, urbana e industrial. 8

As irracionalidades resultantes das con-tradições do sistema dominante são transfe-ridas para a população trabalhadora agrícola,sendo uma maneira de operar essa transferên-cia, no interior da emprêsa agrfcola, a utiliza-ção de relações patrimonialistas como técni-cas de contrôle por parte dos empresários coma finalidade de manipular adequadamente ocomportamento dos trabalhadores. Como, noentanto, a eficácia destas técnicas é reduzida,em situações conjunturais frustram-se freqüen-

4 Economia y IOcl.dade. t. 1, p.. 33.

5 Economia y IOcledad.. t. 1, p. 92.

6 Op. cit.

7 Urbanización sin desintegración. Kahl. J. A. '(org,)Industrlallzaclón en América Latina. México, 1965. p.461-7.

8 Mintz. Sidney W. The folk-urban continuum and therural proletarlan community. The amerlcan joumal ofIOclology, n. 59, 1953, p. 139,

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temente as expectativas dos trabalhadores,ocorrendo o apêlo à violência institucionaliza-da e à espoliação arbitrária, podendo romper-se o padrão tradicional de integração. 9 Oêstemodo, diz Maria Sílvia Franco Moreira, - dequem é a proposição acima - é necessárioíntroduzir-se a noção de história nas análisesdas relações comunitárias verificáveis no meiorural brasileiro. 10

Como resultado da transferência dasirracional idades do sistema dominante àpopulação trabalhadora agrfcola, que se fazpor via de modalidades de trabalho ex-tracapitalista e economia de subsistência,os grupos desfavorecidos e marginalizadosopõem a êsse mecanismo econômico-socialteias de solidariedade (e valOres que aslegitiman) com as quais se ajustam precà-riamente à situação real, mas também inter-nalizam aspirações e sentimentos contrá-rios à ordem social dominante. Trata-se exa-tamente daquela situação prevista por Flo-restan Fernandes - e os nossos dados con-firmam a sua hipótese: "um quadro econômicobem distinto daquele que Sombart traçou arespeito da sobrevivência de 'sistemas eco-nômicos pré-capitalistas' em economias capi-talistas avançadas. Sob o capitalismo depen-dente, a persistência de formas econOmicasarcaicas não é uma função secundária e su-plementar". 11 Essas teias de solidariedadese valOres constituem um modo de defesa re-trocessiva oposta (a) à dependência dos gru-pos de trabalhadores aos proprietários de ter-ras, (b) aos intermediários na comercializaçãode seus produtos, e (c) à ordem administrativae governamental, ideológica e coercitiva, que

9 Dados s6bre tais expectativas entre trabalhado-res agricolas e a sua frustração na ação empresarialencontram-se, por exemplo, em Comitê Interamerlcanodo Desenvolvimento Agricola. Po•• e e UIO da terra •desenvolvimento IOcloecon6mlco do •• tor agricola: Bra-sil. Washington, 1966; Cardoso, Fernando Henrique.Tensões Sociais no Campo e Reforma Agrária. Revistabrasileira d. estudos polltlcos, (12): 1961.

10 O estudo sociológico de comunidades. Revista deantropologia, 11 (1 e 2): 33, 1963.

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sustenta tais relações. Mas é, também, ummodo de defesa que é marginal aos processosdinâmicos dessa sociedade, como, por exem-plo, os processos de mobilidade e democra-tização. Constituem, por isso, uma expressãoretrocessiva da rigidez de estruturas de podere qualificação social, sem nenhuma valoriza-ção do trabalho humano na ordem patrimonia-lista que, em razão dos mecanismos econõ-micos de transferência de irracionalidades, seconstitui no subsistema rural. Mas que tam-bém, sob determinadas circunstâncias, podemevoluir para incorporar valõres críticos da pró-pria situação.

~ no casamento que vários mecanismosde solidariedade tradicional e de efetiva ajudamútua são disparados nesses agrupamentos.O casamento, em realidade, consiste de duascoisas: de um lado estão os valôres de natu-reza sagrada que emprestam legitimidade epráticas costumeiras de constituição de gru-pos Iamiliais e de adjudicação de pessoas afamílias extensas existentes; de outro lado es-tão as próprias práticas de solidariedades cos-tumeiras entre os grupos de famílias extensase no interior dêstes mesmos grupos. Além dastrocas de pessoas que o casamento simbolizae que torna efetivas, vários outros mecanismossão disparados. Assim é que o casamento setorna um acontecimento essencial na vida decertos agrupamentos de trabalhadores agrí-colas. E o casamento pelo rapto da noiva ocor-re quando, em razão de um nôvo casal nãopoder constituir-se de conformidade com asprescrições tradicionais, os pais não podemcumprir suas obrigações para com os com-padres e vizinhos, no bairro rural de que seconsideram membros, convidando-os a umafesta, custeando o enxoval e o casamento re-ligioso; e também quando a escolha dos pa-drinhos pelas opções preferenciais dos costu-mes esbarram em impedimentos, pois os pa-drinhos também participam das despesas e seassociam ao prestrgio que o casamento impli-ca em têrmos de relacionamentos no bairro ou

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em outras esferas. Consiste o rapto em umexpediente tolerado com a finalidade de con-tornar as normas e as eventuais sanções, nãoas violando, quando elas não podem ser cum-pridas. ~, pois, um procedimento para-institu-cional, e liga-se a sociabilidades e a modos deassociação não seculares, não racionais, quese têm denominado de cultura e vida caipiras.

Os bairros, grupos de vizinhança rural,podem ser considerados, justamente, comogrupos de pares. Não são grandes, ou nãoexistem diferenças de posição social entre ostrabalhadores pertencentes a um bairro, con-forme se verificou na área estudada, o queconcorda com observações em outras áreas.12 Essas pessoas interligam-se por relaçõesde solidariedade tradicional e por laços deparentesco, seja consagüineo, seja sagrado.São relações comunitárias que se sobrepõemaos interêsses pessoais e tendem a contrariá-los. O casamento consiste de instituições atra-vés das quais se dá a seleção nesses gruposde pares. ~ a relativa liberdade de disposiçãode parte do tempo de um trabalhador em ati-vidades de cooperação econômica com os vi-zinhos (e pares) que faz das modalidades detrabalho semi-autônomo na agricultura posi-ções altamente valorizadas. Nessas posiçõesêle pode dispor de tempo e de meios ma-teriais (terra, ferramentas, animais, mão-de-obra familial) que de outro modo dificilmentepossuiria. Tem razões contraditórias a valori-zação: as motivações econômicas pela espe-rança de formar pecúlio e tornar-se indepen-dente econômicamente; e as motivações oriun-das da distribuição do poder e prestrgio nosbairros e na comunidade local. Em ambos oscasos o casamento tem mecanismos para en-caminhar àqueles fins o uso do patrimôniofamiliar, selecionar os grupos de cooperaçãoe adjudicar outras fontes de apoio e segurança.

11 Sociedade de ela.... e .ubde •• nvolvlmento. Rio,1968. p. 65.

12 Pereira de Queiroz, Maria rsaura. Bairros rurais pau-listas. Revista do Mu•• u Paulista, N. S. (17): 134, 135,165, 189, 201, 1967.

Revista de Admlnlstraçio de Empr'sas

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2. Dependência econômica, marginalidade erelações comunitárias

2.1 Relações Coloniais Internas

Os benefícios que setores urbanos de~têm na sucção do excedente econômico gera~do pela agricultura chamam-se relações colo-niais internas. A marginalidade econômica daagricultura depende do papel que lhe é atrl-buído na constituição de uma economia naclo-nal. A industrialização em grande medida éviável em nosso país porque os vários setoresse rearticularam, a partir da economia colonial,e a agricultura passou a absorver parcela dos

. custos industriais, sendo êste um fenômenoprimeiramente político (em especial o proble-ma do pêso, nos salários urbanos, da allmen-tação, e o do custo das matérlas-prlmas aqrl-colas). 13 Várias, pesquisas empíricas têm jádemonstrado que os rendimentos líquidos dasemprêsas agrícolas são negativos, de modoparticular quando se computam alguns com-ponentes de custo em um modêlo econômico(depreciação e juros do capital fixo) que amaioria dos empresários não calcula. 14

O fenômeno foi compreendido comab-soluta clareza por Ignácio Rangel, estabele-

13 Demonstrou-o a pesquisa de Martins, José de Sou-za. Modernização agrária e industrialização no Brasil.América latina; 1,2 (2): 8-9, 1969.

14 Vários aspectos da relação de Intercâmbio jáforam estudados entre nós. As pesquisas que mos-tram a rentabilidade negativa das emprêsas são as deWilllam H. Nicholls e Rubens M. Palva, Octavlo Tei-xeira Mendes Sobrinho e Vicente Unzer de' Almeida. Cf.Junquelra, P. C. et aI. Comercializaçãode produtosagrf-colas no estado de São Paulo. Agricultura em Slo Pau-lo, 15 (1-2), 1968; Monbelg. P. Novos estudos de geo-graf~a humana brasileira. São Paulo, 1957; Netto, A.Delfim. Problemas econô,nicos da agricultura paulista.São Paulo, 1964; Queiroz, M. I. P. de. Bairros ruraispaulistas. Op. cit.; Gnaccarinl. J. C. A. Formaçio daempr.sa e relações de trabalho no Brasil rural. SãoPaulo, 1966, (MS); Nicholls, W. H. & Palva, R. M., ci-tado em Martins, J. S. Op. cit.; Mendes Sobrinho, O. T.Condições de vida do pequeno agricultor no munfcfplode Lins. Boletim da agricultura, 1953; Almeida, V. U.Condições de vida do pequeno agricultor no munlclplode Registro. São Paulo, 1956.

15 Rangel, I. M. "~ Inflaçio brullelra. Rio, 1963, p.91-93.

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cendo OS seguintes mecanismos: a) situa-sea rentabilidade marginal do investimento agrí~cola abaixo da rentabilidade marginal da eco-nomia global; b) aos gravames que interêssesurbanos impõem à agricultura é que se deveimputar a situação (gravames como confiscocambial, tabelamento de preços agrícolas, fal-ta de garantia eficaz de preços mínimos, de~fesa da margem de comercialização); tem c)Estado' sancionado e legitimado a relaçãode intercâmbio, atuando como intermediárioentre os distintos participantes do oligopsôniode comercialização agrícola e como expres-são dos interêsses médios. 15

Algumas categorias de empresáriosagrfcolas defenderam-se dessas relações deintercâmbio garantindo pela pressão políticavalorizações e subsídios, diretos e indiretos.Em todos os casos, porém, constituíram-se, apartir dessas relações empobrecedoras, me-canismos internos de transferência dos grava-mes para setores econômicamente marginaise socialmente carentes de poder. Era de 77%do menor salário mfnimo legal do Estado deSão Paulo, em 1957, o salário médio de tra-balhadores de enxada na agricultura paulista,segundo levantamento do Ministério da Agri~cultura. Equivalia a 60% e a 50% do saláriomínimo legal da Capital do Estado, respecti-vamente em 1959 e 1960, êsse mesmo salário,segundo' levantamento do Instituto Brasileirode Geografia e Estatística. E era de 48% dosalário mínimo legal da Capital do Estado, em1959-60, o salário diário médio de camaradasde enxada, computados 25 dias de serviço aomês, segundo levantamento da Secretaria daAgricultura do Estado de São Paulo. 16 ,

A transferência do gravame econômicopara os trabalhadores se fêz ainda por outrasvias. É o caso do regime de trabalho de par-ceiros, colonos e empreiteiros, equivalentesentre' si a êste respeito, e largamente utíüza-do durante muito tempo, até mesmo muito re-centemente. 17

Dêsse modo, os empresários conse-guiam diminuir o dispêndio monetário. uma

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vez que parte da subsistência dos trabalhado-res, senão tôda, era obtida por êles próprioscom o trabalho autônomo de familiares nãoremunerados, e ainda pela razão de que fa-miliares não remunerados auxiliavam os tra-balhadores em tarefas subordinadas às em-prêsas. Comparando-se os salários de umafamília de colonos de café com prática e outrasem prática com os salários de camarada deenxada fixo e de arador, em 1929, ano decrise da cafeicultura, equivalia o primeiro, res-pectivamente, a 60% e 100% dos últimos, eo segundo, respectivamente, a 40% e 70%dos últimos. Os salários dos colonos não in-cluem, aqui, os frutos do trabalho autônomopara obtenção da subsistência; incluem, po-rém, o trabalho de várias pessoas da .tamütae de eventuais de fora. 18

2.2 A Miséria do Trabalho

Devido a essa transferência de grava-mes, tornaram-se freqüentes os casos de en-dividamento progressivo de colonos, parceirose empreiteiros, desde os inícios da utilizaçãodêsses sistemas até aos nossos dias. Os do-cumentos históricos, compilados por SérgioBuarque de Holanda para a sua edição deMemória de um Colono no Brasil, do colonoda fazenda de Ibicaba, Tomás Davatz, mostramque a maioria das afirmações de Davatz arespeito daqueles problemas era verdadeira.

16 Dados citados, respectivamente, em Comitê In-teramericano do Desenvolvimento Agricola. Po... euso da terra e desenvolvimento sócloecon&mlco do •• toragrícola: Brasil. Washington, 1966. p. 325; Szmrecsanyi.T. Mudança social e mudança educacional. Faculdadede Filosofia, Universidade de São Paulo, 1968. p. 108(Boletim n. 340); Schattan, S. Algumas caracterrsticasda agricultura paulista. Agricultura em 810 Paulo, 7(9): 30, 1960.

17 A caracterização dêstes regimes de trabalho en-contra-se detalhadamente em Ettori, J. O. Thomazinl.Mão-de-obra na agricultura em São Paulo: categorias,remuneração, legislação. Agricultura em 810 Paulo, 8(12): 1961.

18 Dados de Piza, Marcelo. Conferência na Socieda-de Rural Brasileira. São Paulo, 1929; Cardim, Mário.Ensaio de anáU.. dos fat&res econ&micos e financeirosdo estado de Slo Paulo. São Paulo, 1936.

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Na região que estudamos, nos nossos dias, emum caso de colono-empreiteiro de cana-de-açúcar, o endividamento do trabalhador res-ponsável pelo contrato chegou a uma quantiaque era superior a uma vez e meia o valor dacana que êle, os membros de sua família ealguns assalariados eventuais conseguiramproduzir na safra de 1967/1968. Essa era ape-nas a dívida com a emprêsa onde estava em-pregado. Da quantia, uma quinta parte repre-sentava dívidas não saldadas no armazém daemprêsa, uma quarta parte era devida porserviços que a emprêsa fizera no corte e trans-porte da cana, uma têrça parte era a parceladevida pelo trabalhador, do impôsto de circula-ção de mercadorias.

Uma particularidade da agricultura co-merciai, que é setor dependente da economianacional, é a agricultura de subsistência. Elanão apenas reduz os dispêndios das emprêsasem dinheiro, com os salários, e torna, porcomparação, o empreendimento famílial de pe-queno tamanho flexível às irracionalidades dosistema, como, de outro lado, torna mais to-lerável para os trabalhadores, face às suasaspirações generalizadas de autonomia, a re-dução absoluta que sofrem regUlarmente emseus ganhos e níveis de vida. O que quer dizerredução na parte que detêm sôbre a divisãodo trabalho (e da renda, que é expressão da-quela) na sociedade. Tem o efeito, assim, deuma técnica que faz aderir o trabalhador àemprêsa por via das motivações.

Reduzir o impacto negativo de reajus-tes provocados por crises conjunturais é outroefeito importante. Permite, assim, dar um em-prêgo alternativo aos fatôres da produção,mantendo o nível anterior de ocupação demãe-de-obra, os quais, de outro modo, nãoencontrariam destinação.

Mas qualquer que seja o caso, tais ati-vidades permitem reduzir (do ponto de vistado empresário, de sua posição no mercado,e dos interêsses urbanos) os custos dos em-preendimentos agrícolas, embora isto se façaà custa de sacrifício material e moral dos agru-

. Revista de AdmlnlstraçSo de Emprêsas

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pamentos desfavorecidos de trabalhadores:êles se empobrecem, reduzem ao rnlnlmo suavida social, e seus relacionamentos sociais setornam mais estreitos. 19

Estimativas não publicadas, fornecidaspor gentileza da Seção de Previsões e Estima-tivas do Instituto de Economia Agr!cola deSão Paulo, davam como ainda significativasas extensões das lavouras d, subsistência doscolonos e trabalhadores no ano de 1968, e mui-to mais ainda no ano de 1966. Em têrmos desacas colhidas, sôbre o total do Estado paracada cultura, as áreas representavam, em 1964e 1968, respectivamente, 15% e 9% do fei-jão, 3% e 3% do arroz, 5% e 1% do milho. Selevar em conta os baixos rendimentos físicosdas lavouras dos trabalhadores e o seu cultivoem tempo parcial, a significação dos dadosaumenta muito, especialmente com referênciaao número de pessoas ocupadas, colonos ecamaradas, a quem os dados se referem.

2.3 Relações Comunitárias

As atividades de subsistência, quandose trata de trabalhadores não residentes noslocais de trabalho (e, particularmente, de tra-balhadores eventuais), decrescem de impor-tância embora não se percam inteiramente. Amodalidade de trabalhadores eventuais requeralta mobilidade geográfica da mão-de-obra,concentrando-se a população em bairros peri-féricos de algumas cidades e deslocando-se aspessoas constantemente de uma região paraoutra, de acôrdo com os ciclos de colheita.Já, porém, no caso de trabalhadores residen-tes, que não colonos e parceiros, são impor-tantes as atividades de subsistência e suple-mentam os salários recebidos. é tão arraigada

19 Cândido, A. Op. clt.

20 Veja, a propósito da "constituição p.rcl.1 da con-figuração capitalista nos subsistemas periféricos",Pereira, Luiz. Tr.b.lho e de•• nvolvlmento no Br•• II. SãoPaulo, 1965. p. 69-78 e 119-31; Fernandes, Florestan.Sociedade de cl••••• e aubdelenvolvlmento. Rio. 1968.p. 61-90; Furtado. Celso. Dlalétlc. do de•• nvolvlmento.Rio, 1964. p. 146-9; e lanni, Octavio. O col.pso do pe-punImo no Br.llI. Rio. 1968. p. 75-93.

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nos costumes esta particularidade que a legis-lação especial sôbre a agricultura canavieira,e também a tributação regulada pelo Estatutoda Terra, a disciplinaram.

Para os grupos familiais de uma vizi-nhança, essas atividades constituem, em qual-quer das modalidades de trabalho apontadas,uma fonte essencial de solidariedades. Elasnão são, contudo, a única fonte. Outras neces-sidades estabelecem e reforçam solidarieda-des semelhantes: a situação de extrema misé-ria material dos agrupamentos de trabalhado-res, a escassa mobilidade, as reduzidfssimasoportunidades de trabalho - e o outro ladodêsse círculo vicioso: a falta de qualificaçãoprofissional, o analfabetismo, as motivaçõesrestritas, a ausência de apoios institucionaisà mobilidade ocupacional no meio urbano. Tra-ta-se, visivelmente, de relações estreitas, car-regadas de emoções e de considerações pelaspessoas: são vfnculos totais (próximos da de-finição de instituições totais). Observa-se aíidêntica associação que as pesquisas socio-lógicas têm estabelecido entre, de um lado, au-sência de individualização das ações e moti-vações e não-secularização das normas evalôres, e, de outro lado, estruturas pré-indus-triais extracapitalistas. No caso particular dosgrupos estudados nesta pesquisa, associa-sea constituição dessas formações à situação dedependência e marginalidade em que certossegmentos se encontram em uma sociedadede classes. Constitui, em outras palavras, umadecorrência da dinâmica de classes em queo nosso modêlo de capitalismo está basea-do. 20 Contudo, não se trata dos processos esituações que sujeitam o trabalhador industrialassalariado, pois neste caso não intervêm osprocessos e situações próprias de pequenasunidades domésticas de trabalho autônomo ede solidariedades sociais estreitas. Nas comu-nidades estudadas, complementam-se vida es-treita e estreiteza do modo de produção.

Tanto nas verbalizações das entrevistasfeitas, quanto na observação de atividades dosgrupos, verificou-se que é dada muita ênfase

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à ajuda especial que os compadres se pres-tam. Os trabalhadores falam de seus compa-dres com mais carinho do que de seus pró-prios parentes. Tratando-se de um "parente eamigo que foi escolhido, tem de escolher bem;parente mesmo às vêzes é cruz". A escolhaé, porém, ditada pelos favores que as pessoasjá trocaram. São mecanismos de solidariedadevicinal, com seus apropriados padrões de so-ciabilidade, que permitem estender às trocasde trabalho entre as diversas unidades domés-ticas o modo de cooperação inerente a gruposdomésticos de produção e vida social. Nessesentido pode-se afirmar que nos casos estu-dados a família é o grupo social básico déssesubsistema rural. O bairro rural, onde ocorreo casamento pelo rapto, é assim uma unidademaior de troca e produçãà que tem por basea vizinhança e se fundamenta em vrnculos deparentela. As unidades familiais que o com-põem realizam conjuntamente definidas mo-dalidades de trabalho autônomo, ou vinculam-se a uma mesma e única economia de sub-sistência.

O mutirão só é compatrvel com umaampla liberdade na disposição de tempo eenergias das pessoas, por parte dos gruposde vizinhança.

Com a redução dessa liberdade no tra-balho, o mutirão foi redefinido institucional-mente, de sorte que a obrigação sagrada deatender à convocação para trabalhos coletivos(preparar roçado, fazer a colheita, carpir aplanta, construir paiol ou chiqueiro, ergueruma casa, derrubar o mato, preparar os pro-dutos, abrir um caminho ou conservá-lo) pas-sou em muitos bairros a ser restringida a pa-rentes consangüíneos próximos ou compadreschegados, ou então, ao manter a generalidadeantiga, restringiu-se a atividade de curta du-ração. Neste nôvo contexto, o casamento as-sumiu uma relevância nova e especial, na suaqualidade de vínculo sagrado por excelência,para legitimar e regular as relações entre osgrupos domésticos. Até mesmo diante do com-padrlo, que é uma modalidade de parentesco

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espiritual sagrado (com as mesmas obrigaçõesdo parentesco carnal) e por meio do qual assolidariedades se regulavam e se desencadea-vam efetivamente: para muitas das pessoas ocompadrio perdeu a sua fôrça normativa e asua eficácia cognitiva (deslegitimação de cer-tos limites das instituições de cooperação es-treita).

Ainda se observa o mutirão entre colo-nos e camaradas da área estudada que rece-bem pequenos tratos de terra para lavourasautOnomas ou que tratam de sítios das emprê-sas. A ajuda recebida é compensada com umaparticipação na colheita, isto depende tantodos costumes locais, como da generosidade(valorizada) do dono da lavoura ou dificulda-des econOmicas que éle enfrenta. Muitas des-sas dividas são perdoadas pelo fato de umacolheita ter ido mal ou por causa das más fi-nanças do devedor, e isso não é consideradouma questão de critérios pessoais mas de va-,IOres sagrados e mágicos. Se uma pessoadesobserva ésses valOres, além de ficar malvista, presume-se que desgraças possam so-brevir para ela, pois não é bom comportar-sedésse modo. Como a festa ou simplesmente oalmOço caprichado (costume mais recente) nãose dão mais, os presentes por ocasião da co-lheita são considerados um substituto equi-valente. Na expressão de um dos entrevista-dos: "não dão almOço, mas sempre dão algumacoisa para a gente". Em todo caso, o fatode ter ajudado alguém implica expectativa dereciprocidade por parte de quem recebeu,quando solicitado. Esta expectativa é aindareforçada pela legitimação de valOres sagra-dos e mágicos. Assim se fazem ou se referema essas práticas por consideração de avalia-ções tais como: "não é bom fazer o contrário","não é bom a gente não ter dó de ninguém".Tais mandamentos só têm significação quan-do se referem aos limites da ajuda mútua. Tam-bém na troca de dias de serviço ou na contra-prestação de trabalho equivalente, é estranhana área e encontra sanções negativas a orien-tação para o ganho pessoal, à custa da des-

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valorização do trabalho alheio ou da desob-servância dos preceitos mágico-sagrados.

Êsse modo de cooperação não ocorreapenas nas atividades consideradas propria-mente econômicas, antes penetra tôda a vidadas pessoas e dos grupos.

Sob tais condições, o trabalho de pes-soas, o que se realiza como troca mercantilou o que se destina à auto-subsistência dire-tamente, e a ampla rêde de cooperação estrei-ta necessária à sobrevivência constituem-sede situações que agem no sentido de bloquearqualquer modalidade de relacionamento maisamplo e mais rico na sociedade global. SãositUações que a sociedade global, nos seusprocessos, apenas atinge superficialmente.Nem a socialização das pessoas, nem o rela-cionamento delas com o mundo exterior, cons-tituem situações da sociedade global .tIe clas-ses, e por isso não acompanham tôdas as suasdimensões. Para exemplificar, podemos tomarum caso.

Inquirindo um trabalhador que reclamade várias indenizações contra uma fazenda,verificou um juiz de direito que estava diantede uma "dessas pessoas que encostam nosparentes e deixam o barco correr. Contentava-se com o pouco que lhe davam. Em troca, aju-dava-os nos serviços que tinham. Não é criveique, sendo o A. maior e capaz, ficasse longosanos trabalhando para a ré, sem nunca per-ceber, ajustar ou conhecer seus ganhos."21 Àparte a condenação moral implícita nessa ob-servação, ela retrata a realidade, embora semcompreender tôdas as determinações sociaisda ação humana.

Foi com a morte do pai, e o distratoposterior da relação de emprêgo pelo irmãomais velho que nela havia sucedido, apenasquando o grupofamilial extenso se desfêz,que o trabalhador despencou da segurançaque as solidariedades tradicionais lhe davam.Desde que formulara a hipótese de que depen-dia a sua existência da tutela de outros e dacooperação estreita com pessoas que a êle

21 Reclamação trabalhista no juízo de Capivari, 1968.

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estavam ligadas por relações primárias, per-sonalizadas, envolvendo por igual tôdas assuas motivações e reforçadas por sentimentosacanhados, o mundo exterior lhe era integral-mente alheio. No entanto, pela razão dos pro-cessos da sociedade de classes atingirem ape-nas superficialmente a vida social de uma pes-soa nessa situação, aquela hipótese, normativaem um nivel e legitimadora em outro, era am-plamente confirmada na vida material, peladivisão natural do trabalho na economia desubsistência, e na vida cultural, pelas solida-riedades e valôres estreitos. A vida materialdaquele trabalhador comportava aquelas fa-bulações, não outras. Enquanto a sociedadede classes determinasse apenas pela periferiaas condições materiais do trabalho humanonos grupos domésticos, não os penetrando ra-dicalmente, estimularia formações extracapi-talistas de efetivação do trabalho, embora per-manecesse a dominação geral capitalista sôbreas condições de realização do trabalho comomercadoria. Pode-se destacar, na vida do gru-po doméstico a que o trabalhador pertenceu,dois momentos, um de situação na estruturade classes, outro de oposição comunitária aela - ambos igualmente essenciais, mesmoquando se trate de relações de emprêgo nacultura comercial da emprêsa (quando a re-lação de dependência ao capital e à adminis-tração alheia é direta). Ainda neste caso darelação de emprêgo na cultura comercial daemprêsa, os processos da sociedade de clas-ses apanham as pessoas variàvelmente, e aestrutura extracapitalista da cooperação no tra-balho se faz presente.

Em resumo, podemos afirmar que a es-trutura social dêsse subsistema é assimétricae rigida. Assimétrica porque existem barreirasefetivas à comunicação entre os distintos es-tratos (e as formações de classes que lhe sãosubjacentes). Sentimentos arraigados de de-pendência e submissão, ideologias da suces-são, qualidade estamental (natureza integral-mente inferior ou superior dos sêres) dos me-canismos de internalização de atitudes e níveis

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de aspiração, são componentes da situaçãodos grupos desfavorecidos; e também ngida,porque impermeável aos processos de mudan-ça da sociedade global. Dêsse modo, podemosdefinir a situação dos grupos desfavorecidoscomo de marginalidade e isolamento.

3. As funções sociais do casamento pelorapto na crise econômica e sociíd

3.1 A Amplitude da Instituição do Casamento

Nos bairros rurais e nas fazendas daárea estudada, é amplamente verificável a exis-tência de grupos difusos e indiscriminados,como a família extensa, orientando e situandoas pessoas. Nenhuma distinção de função eestrutura, nenhuma especificidade de relaçõessociais U se associou às mudanças ocorridasao nível da propriedade e da administraçãoda emprêsa agrícola, da intervenção estatalnas relações de trabalho, da constituição demovimentos de associação sindical, das lutaspela democratização da sociedade. As popu-lações de trabalhadores nas localidades es-tudadas estavam reproduzindo invariàvelmen-te a sua existência tradicional.

A constituição da família, nessa situa-ção, tem significado especial para as pessoas.O fato de a família constituir-se, na área, en-tre os trabalhadores rurais de que estamostratando, de um grupo extenso e indiscrimina-do, reunindo várias gerações e várias exten-sões de parentesco, as quais vivem pràtica-mente sob o mesmo teto e em muitas questõesdecisivas prestando obediência a uma mesmaautoridade paterna, torna-a um fat~r impor-tante. Em tudo isso está incluído·O uso emcomum do patrimônio e mesmo, a certos res-peitos, um orçamento comum. Onde a autori-dade é exercida com maior vigor é nas rela-ções do subgrupo familial com outros sub gru-pos e com a emprêsa.

é primàriamente econômica a coopera-ção entre os subgrupos familiais: associaçãonas lavouras de subsistência e mesmo na la-

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voura comercial, redistribuição de crédito pes-soal através de repasses ou de escambo debens e serviços obtidos com crédito pessoal. Acooperação direta entre êsses trabalhadores,isto é, aquela não mediatizada pelo cálculoeconômico rigoroso, reduz a interferência deinterêsses individuais, diferenciados e estrutu-rados de acôrdo com perspectivas de acumulação e especialização de funções econômicaspolarizadas em tôrno de lucros e salários. ~s-sas perspectivas não estão ausentes, pois setrata de pessoas que desempenham papéis emuma economia de mercado capitalista, sejacomo produtores independentes, seja comoassalariados. Tais processos são no entantocontrariados, porque se atualizam através demodalidades de cooperação familial e vicinaldireta. Observe-se, contudo, que se de umlado êsses processos se contrariam mutua-mente, por outro, êles se acham unificados etendem à identidade por meio dos significadossubjetivos da ação, pois é um dado que a açãohumana habitual tende a estruturar-se combase em propósitos conscientes unificados,os quais se objetivam socialmente como co-operação propositada de vários, não importan-do a distância e mesmo a total contrariedadeque eventualmente exista entre os propósitosconscientes e a falta de consciência de aspec-tos fundamentais da ação.

Verificamos, nas localidades estudadas,que o casamento entre famílias de trabalhado-res rurais é, em si mesmo, uma modalidade decooperação econômica regulada por normas.Em têrmos de encargos recíprocos, êstes sãomaiores para a família da mulher, justamenteporque ela é considerada mais como uma car-ga que uma fonte de riqueza e segurança parao subgrupo. A figuração cultural da mulher é,por Isso, a de ser bruto, infra-humano, incapazde várias responsabilidades sociais, relegadaassim à submissão e à tutela do homem e des-

22 Rosen, B. C. & Berlink, M. T. Op. Cit. p. 78

23 Nunca é demais ressaltar que aqui estamos refe-rindo-nos apenas a certa camada da população traba-lhadora, conforme já definimos.

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tinada aos fundos da casa. 23 U'a mãe, cujofilho casara recentemente, verbalizou, na en-trevista, aquela imagem cultural nestes têrmos:"Mulher é que encalha, não o homem", "mu-lher não presta para nada". Mas, além de seruma instituição ampla, ligada a muitas funçõesconcretas, o casamento é também - e talvezna sua acepção mais decisiva - uma formade legitimação religiosa e sagrada, devido -na área estudada - ao seu caráter de sacra-mento católico. Nessa qualidade, êle empres-ta validade cognitiva e imperativa de normati-vidade às práticas, vigentes nos grupos de vi-zinhos, relativas à associação, cooperação eintercâmbio em geral (inclusive o competitivo).Através da reflexão coletiva que se fixou e setransmite habitualmente através do patrimô-nio cultural tradicionalista, quer se trate da-quele particular dos grupos locais, quer setrate do comum subsistema rural da região,as valorações legitimadoras do casamentobus-cam explicitar fenômenos da vida quotidianae a êles sobrepor uma identidade ontológicauniversal. Marginais como se encontram essaspessoas, por referência aos processos diferen-ciadores da sociedade global, as relações en-tre elas, entre os subgrupos e entre os sub-sistemas, identificam-se em um momento, eem outro se opõem ao conteúdo sagrado dacultura tradicionalista da região e dos gruposlocais.

o casamento, dêsse modo, tem váriosefeitos controladores e disparadores sôbre acooperação grupal e o intercâmbio em geral.Através das expectativas ligadas ao casamen-to, controlam-se os comportamentos dos ima-turos (obediência à escolha ou aprovação pa-terna), solidarizam-se de um modo previsto eestável os membros de um subsistema familiale outro, reforçam-se os laços estabelecidos navida prática, estabelece-se a coerência entreos padrões de comportamento através dos sig-nificados subjetivos, pela referência ao valorúltimo e mais alto da sacraticidade mágico-re-ligiosa. Entrecruzam-se, no aspecto mágico-religioso do casamento, os vários mandamen-

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tos que regulam ou explicam o compadresco,a ajuda mútua e o próprio casamento, enquan-to instituição social. Os padrinhos têm de serescolhidos entre personagens determinados(os padrinhos do batismo ou pessoas a quemos pais devem algum favor com referência àafirmação do status familial); e o apadrinha-mento por sua vez implica deveres e direitosdefinidos (dar e receber auxílio e deferênciaespectats). Se com respeito aos demais convi-dados às cerimônias do casamento não sedistinguem obrigações e direitos assim defini-dos, é do consenso, no entanto, que ser con-vidado representa uma deferência muito es-pecial prestada pelas famrtias dos noivos, umaprova de amizade, e, por isso, um conjuntode expectativas de reciprocidades sagradasde mútuo atendimento, as quais estão par-.ticularizadas em outras e distintas instituições.

O status-prestrgio das famrtias dentro dosgrupos locais estudados dependia da capaci-dade que cada famflia possuía de controlar ointercâmbio interfamilial das pessoas em idadede casar, e fazer observar os símbolos cultu-rais das obrigações entre as .famrtias. Alémdisso, dependia, e fundamentalmente, da ca-pacidade de serem bem sucedidas as famíliasna competição interfamilial por presUgio. A

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competição estava determinada na área pordiferenças de poder e prosperidade econOmi-ca de cada família e. dai, pela extensão derelações de solidariedade vicinal que cada fa-mília conseguia dominar, diferencialmente.Neste particular, o casamento assume impor-tância crucial nas representações grupais, por-que nas instituições do casamento desenca-deiam-se ou simbolizam-se todos êsses aspec-tos do status-prestfgio familial. Primeiramente,as questões da escolha do futuro marido pelafamília e a adesão da futura espOsa ao papelque lhe é assim atribuldo são questões nasquais se fixa o prestigio de uma famfJia nobairro, determinando as suas relações de so-lidariedade. Em segundo lugar, a deferênciapara com os vizinhos e a solicitação do bene-plácito dêstes constituem outros aspectos im-portantes para reforçar o prestigio e a possi-bilidade de futuras relações de solidariedade.Em terceiro lugar, tais decisões' devem sertomadas de modo a realçarem aimportânciâdo acontecimento, o prestígio e a imagem deprosperidade da família dos. noivos.

A cerimônia do casamento requer, porisso, entre êsse tipo de famllias trabalhadoras,uma ostentação de relativa largueza. Nas en-trevistas e na observação péssoal ficou claroque a noiva tem a obrigação de ir apetrecha-da com suficiência. Isso porque vai passar aviver em casa alheia e não lhe assenta bemnem à sua família estar na condição de pedlr,sem retribuição virtual. A famllia da noiva estána obrigação de fornecer completo enxoval,pois a môça mudando-se de casa não deveráusar o que não é seu. A posição totalmentesecundária e marginalizada da mulher em re-lação à cooperação nesses grupos torna-semuitas vêzes insuportável para ela e dai a re-lutância em casar cedo para continuar gozan-do da afeição e amparo que os sentimentosprescrevem entre pais e filhos nos subgruposfamiliais. A festa de casamento tem uma gran-de importência tanto para a famllia da noivaque a dá, como para os padrinhos que auxi-liam e os demais parentes e compadres da

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família obrigada. A festa fornece uma imageminstitucional de sucesso da famllia na compe-tição por status-prestígio, de prosperidade, ede extensão das relações de amizade (e pres-tigio) que ela domina, e também da deferên-ela que ela pode prestar aos amigos da casa,ligados a ela por vlnculos de solidariedadevicinal. Um entrevistado afirmou mesmo quedar festa é sagrado. A famllia que não cumpreessa obrigação passa por vergonha e deson-ra. Idênticos sentimentos verificamos tambémem relação ao fornecimento de enxoval e ves-tido de noiva na cerimônia religiosa.

3.2 A Seleção Social nos Grupos de Parese a Tensão de Desigualdade

Era patrilocal a modalidade de casa-mento ditada pelas normas entre as famlliaspesquisadas. Também patrilocal era a moda-lidade mais freqüente de casamento rural naárea. Por via dessa modalidade, consolidam-see crescem as famllias extensas que têm umnúmero maior de filhos, do sexo masculino,e decrescem até fenecer as famílias em si-tuação contrária. Essa modalidade de resi-dência do nOvo casal tem implicações com aherança de patrimônio em uma famllia exten-sa; dar existir uma regra estabelecida de pre-ferência masculina para a herança. Os filhosdo sexo masculino são aquinhoados com aqui-lo que constitui da riqueza da famllia o maisvalioso e essencial, que deverá permanecerem poder do núcleo da famllia. ~ste núcleo éque perpetua, como grupo com identidade so-cial e como instrumento de aglutinação e exis-tência social, a família nos descendentes. Nasfabulações das pessoas, observamos essa ima-gem cultural, associada a determinados mem-bros masculinos adultos da famllia, como de-posltárlos do status-prestigio familial.2

Essas observações indicam que os gru-pos de vizinhança da área estudada estavam

24 Maria Isaura Pereira de Queiroz observou aexistência dessa regra de preferência masculina naherança, em um bairro rural do munlclplo de LemeSão Paulo. Cf. Bairros rurais paulistas. Op. clt. p. 99. '

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próximos do que se denominam grupos depares, e que a relativa igualdade e ausênciade estratificação acentuada no interior dosbairros tinha por determinante alguma espéciede seleção social. Verificamos um caso rarona área: o casamento matrilocal; a mãe do ra-paz que casara (para beneficiar-se de um sta-tus na família da noiva, que gozava de posiçãomais alta) queixava-se amargamente, tendoem vista que o filho constitula o único apoiona obtenção da subsistência e no desenca-deamento de solidariedades vicinais e de pa-rentela extensa, e portanto de seleção social.

A competição por status e seletividadena composição dos pares pode ser tomadacomo indicadora de uma relação de contra-riedade nos processos sociais que ocorremno interior dos bairros pesquisados. De umaparte, as relações sociale eram presididas porcritérios de natureza extra-econômica, e êstescritérios tendiam a institucionalizar-se, na me-dida em que os va/ôres últimos, apoiados naconcepção de que a tradição é, acima de tudo,sagrada, legitimavam a ordem social daquelemodo construída. Mas, de outro lado, em al-guma medida, os processos sociais da ordemcompetitiva da sociedade global baseada nadesigualdade e na hierarquia e os imperativospuramente econômicos, resultantes da situa-ção dos grupos familiais no mercado, pertur-bavam a integridade daquelas relações sociais.Verificou-se, pelas entrevistas, que, nos perío-dos de expansão econômica da agricultura lo-cai (sob o modêlo tradicional), os processosexternos à dinâmica dos grupos locais ten-diam a obscurecer os processos internos, jus-tamente naquelas famflias que se beneficiarammais da expansão. Isto deve ser creditado aofato de a economia de subsistência perder im-portância coma monetarização da economiaagrícola conseqüente da expansão econômicalocal.

Por baixo da superestrutura legitimado-ra constata-se a permanência da tensão entrecomponentes contraditórios da vida grupal. As

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obrigaçôes tradicionais, nessas situações pro-píclas, figuram, diante das aspirações contrá-rias dos indivíduos, como um fardo que con-traria os projetos de mobilidade individual oufamilial. Quando as condições concretas o fa-cilitaram e se êles não as enfrentaram aberta-mente, deixaram de observá-Ias pela inércia.Quando o permitiram a situação de comercia-lização de um produto ou o número de com-ponentes aptos ao trabalho em uma famrlia,os indivíduos valeram-se tanto do trabalho as-salariado como o da própria família com o fitode preterir a cooperação vicinal, que se afi-gurava econômicamente onerosa, para os pro-pósitos de mobilidade do indivIduo ou da fa-mília. Então, a economia de subsistência, queestimula uma vida grupal (SOb modalidadestradicionais, no bairro) mais intensa, refluiu,cedendo lugar a formas de individualizaçãopróprias da organização de produtores inde-pendentes prósperos. No estado de retraçãoeconômica da agricultura local, ao contrário,as solidariedades tradicionais reforçaram-secomo se fôssem a única maneira viável demútuo amparo institucional para êsses tiposde trabalhadores.

3.3 O Casamento pelo Rapto:Uma Resposta à Situação de Crise

~ justamente nas épocas de retraçãoeconômica da agricultura local que a realiza-ção do casamento em acôrdo com as normastradicionais adquire maior importância; mastambém depara com maiores dificuldades.· Ascondições de vida e de trabalho da populaçãodesfavorecida, no meio rural da área estuda-da, sempre foram e ainda continuam sendo, demodo geral, bastante precárias.

Dados estatrsticos do Departamento Es-tadualdo Trabalho, do recenseamento agrr-cola de 1934, do Instituto Brasileiro de Geogra-fia e Estatrstica, e da Divisão de EconomiaRural da Secretaria da Agricultura, referentesaos períodos de 1912/1925, 1933/1934 e aosanos 1955, 1958 e 1960, indicam uma queda

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acentuada dos salários (deflacionados) de tô-das as categorias de trabalhadores agrfcolasa partir de 1915/1916. Infelizmente, não hádados estatlsticos para o perfodo 1926/1932.No entanto, o nfvel da inflação foi superior aode 1925 no período 1926/1929 e manteve-seigual ao de 1924 no perfodo 1930/1933, emvirtude da taxa de inflação ter declinado nosanos de crise. 25 Os salários devem ter sidobaixos, por isso, entre 1926/1932, relativamen-te aos anos anteriores a 1915. As reduçõesmaiores deram-se nos pagamentos de colheitado café e de diária de serviços de trabalhado-res avulsos no cafezal. Nessas duas catego-rias as reduções foram de 50% aproximada-mente. Nas categorias de trato anual do éafe-zal e de mensalidade de serviços de camara-da no cafezal, alcançaram 37% no primeirocaso e 39% no segundo. Se puder ser sus-tentada a hipótese de que no perlodo 1926/1932 as reduções foram maiores, a vida dostrabalhadores da região nessa época teria sidoinsuportável, especialmente se se levar emconsideração as aspirações generalizadas depoupança e de independência econômica en-tre êles. Os anos em que ocorreram as maisacentuadas reduções foram 1918, 1922/1923e 1925 e posslvelmente 1926/1927, para a ca-tegoria de trato anual de cafeeiros; 1916/1917,1919/1921 e 1925, e posslvelmente 1926/1932,para a categoria de colheita de café; 1917,1921/1922, 1924, e possivelmente o período1926/1932, para a categoria de camarada men-salista; e a partir de 1914, para a categoria decamarada diarista. Deve-se salientar que nocaso de camarada mensalista à redução nãodeve ter sido indicada, pois os dados para osdois primeiros anos da série referem-se ao es-tado e são aparentemente superiores aos sa-lários vigentes na região; e a redução indicada,por isso, deve ter sido ligeiramente inferior.Para as categorias de mensalidade de cama-rada e diária de camarada e volante, existemdados entre 1955 e 1960, e êstes indicam que

25 Cf. Baer. Werner. A InnaçAo e o de•• nvolvlmentoecon6mlco do Bra8l1. Rio, 1966. p. 310-1.

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para as diárias a redução salarial continuoutambém nesse perlodo recente, havendo ligei-ra alta apenas para as mensalidades. Compa-rando-se os dados dêsse perfodo com os sa-lários mfnimos oficiais vigentes, verifica-se queaquêles salários representavam tão-sàmenteuma parcela do salário rnlnlrno oficial da re-gião, variando de 52 a 66% para os mensa-listas, de 41 a 59%, para os diaristas, e de 86a 75% para os volantes.

Além dêsse empobrecimento absolutoque os dados indicam, os trabalhadores ruraissofreram um empobrecimento relativo. ~steé devido a mudanças qualitativas na estruturade necessidades da população trabalhadoracomo conseqÜência da expansão econômica eda industrialização. Às necessidades antigassomaram-se novas, que só podiam ser satis-feitas através da posse de dinheiro; e algumasdas necessidades antigas foram substituídaspelas de nova natureza. Em conseqüência,muitas das velhas práticas artesanais de satis-fação de necessidades desapareceram ou setornaram inconvenientes. A modernização dainfra-estrutura econômica no meio rural, con-seqüência da expansão canavieira em moldesagro-industriais, tornou possrvel e estimulouessas mudanças, com os resultados aponta-dos.

~, pois, justamente nas épocas de re-tração econômica que o refOrço às práticasde solidariedades tradicionais se torna maissignificativo e é dificultada a realização do ca-samento segundo as normas tradicionais. Nãoera apenas da parte dos pais dos noivos adificuldade de atender convenientemente, emtêrmos práticos, às obrigações (especialmen-te da noiva, como já vimos), mas também daspessoas do grupo de vizinhança, em posição dereceberem a incumbência de apadrinhamentodos noivos. Vimos que essa incumbência cons-titui uma deferência para com vizinhos certos,e implica participação nas despesas havidascom a cerimônia e no brilho do casamento,por meio dos quais se selecionam socialmenteos grupos de pares e se estabelece a extensão

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das solidariedades. Por isso, a incumbênciainterfere nos status dos padrinhos e no grupotodo, que se constitui. Escolher, ou comunicara certas pessoas (segundo as regras de pre-ferência) que serão pedrinhos, pode tornar-seem mais um impedimento à realização de umcasamento com prazo marcado. A saída para-institucional face à inadimplemência das re-gras é o rapto da noiva. Os depoimentos sãoconclusivos. Um exemplo típico é êste: "Fazmais de ano que eu disse a êle que aceitavao namOro; depois aceitei o pedido de noiva-do... não realizei logo devido faltar os meios"(pai da noiva): "Pediu em casamento logo quecomecei a namorar, minha famllia não cuidoulogo do casamento, então convidou para fugir,para casar fugido" (noiva). Outro exemplo: "Afilha queria o casamento logo, eu dizia queprimeiro precisava vender o café (recebidocomo pagamento de salário em espécie),não era contra" (pai); "Tem dois anos quenamorava, ficou combinado que logo casa-ria (noivado)", resolveram fugir porque "o

. pai, sem motivo, começou a fazer oposição"(noiva). Em outro caso, êle, com 21 anos, e elacom 18, namoravam há tempos. Êle era aceitopela família da namorada, tanto que freqüenta-va a casa dela. Pediu-a pela primeira vez emcasamento (noivado), o pai esquivou-se de daruma resposta; depois ouviu dizer que êle nãose opunha; pediu-a segunda vez, não foi aten-dido; finalmente, ao terceiro pedido, que fêzem vista de a mãe da mOça afiançar-lhe queo pai queria o casamento, passou a ser mal-tratado. Quanto ao pai da noiva, também en-trevistado, informou que ficara bastante sur-prêso com a fuga dos jovens, sem saber porque -razão o haviam feito, visto que êle queriao casamento. A saída do rapto dá solução aoimpasse, uma vez que desobriga os pais danoiva de darem a festa, de fornecerem o enxo-val e de arcarem com as despesas de igrejae cartório. pois êstes se transferem para aalçada da nova famllia a que a jovem se agre-gou.

Janeiro/Março 1971

Naqueles períodos em que mais dura-mente os efeitos das irracionalidades do sis-tema foram acumulados sObre a população tra-balhadora (e especialmente nos interessa aquio caso daqueles tipos de trabalhadores a quemestamos referindo neste artigo), os casamen-tos pelo rapto tornaram-se mais freqüentes doque em outras ocasiões.

Devido a uma mudança nas práticas deregistro dos casamentos por rapto, os dadosestatrsticos, a partir de 1953, tornaram-se pre-cários; foram por isso desprezados. Para oano de 1969, no entanto, conseguimos fazeruma reconstituição aparentemente fidedignaem uma das localidades estudadas, tomando-se por base o registro mnemOnico das par-ticularidades dêsse tipo de casamento, porparte de dois funcionários do cartório local.Todos êsses dados estatísticos foram obtidosnos arquivos dos cartórios de registro civildas três localidades.

Pela inspeção nos dados do quadro 2,que focaliza os anos em que os casamentospelo rapto eram mais freqüentes nas três loca-lidades, podemos ver um aumento progressivodessa ocorrência a partir de 1920 até atingir1932, e uma queda sensível a partir de 1933,novamente, e de maneira acentuada, em 1969.Os anos em que mais decresceu o númerodêsses casamentos foram 1916, 1921, 1939,1945, 1950, e provàvelmente tOda a décadade 1950.

Comparando-se os quadros 1 e 2 e le-vando-se em conta outros dados sObre a evo-lução da economia, verifica-se que o númerode casamentos pelo rapto aumentou em rela-ção direta com os decréscimos aos salárlosagrícolas em geral, e que no ano de 1969 oaumento de raptos deve estar ligadO às dimi-nuições de salários e de oportunidades deempregos decorrentes de mudanças na orga-nização econOmica das emprêsas agro-indus-triais açucareiras, tais como: deslocamento dasresistências da maioria dos trabalhadores parafora dos limites das propriedades das emprê-sas, acabando pràticamente com o regime de

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Salários (Area)(1913 = 100)

Quadro 1 - EvoluçAo dos Raptos, Casamentos Comuns e Salários Agrlcolas, em Perlodos e Anos Escolhidos,1913-1969

(Indlces dos valôres aproximados, a preços deflacionados)

(1913 = 100)

1913/19171918/19241925/1929 .1930/19321933/19351936/19411942/19451946/19501969

• Excluslve 1916.** Excluslve 1935.

• • * Apenas o cartÓflo do mais populoso dos três distritos de paz.

Casamentos (Area)(1913 = 100)

Perlodos

1913/19171918/1924

CasamentosComunsRaptos

73192

99147

Casamentos (Area)(1913 = 100)

Perlodosou Anos

CasamentosRaptos Comuns

73 99192 147237 . 135288 127155 161200 170128 17070 167

267**- 103**·

Colono Colheita

9472

8560

Salários (Estado de SAo Paulo)(1913 = 100)

Carpa(Café)

8084818984**

Colheita Colono Camarada(Café) (Café) (Café)

88 91 8583 102 6775 90 8896 103 9796" 109*' . 72"

Fontes: a) Salários, Departamento Estadual do Trabalho, Recenseamento Agrlcola de 1934, Instituto Brasileiro deGeografia e Estatlstica, DivisA0 de Economia Rural da Secretaria da Agricultura.

b) Casamentos,' Cartórios de registro civil dos munlclplos de Caplvari, Rafard e Mumbuca.c) Deflatores, Indices do Custo de Vida na Guanabara, Serviço de Estatlstlca Econômica e Financeira do

Ministério da Fazenda, transcritos em Baer, Werner. A Indu.trlallzaçlo e o de•• nvolvlmento econômicodo Bra.lI. Rio. 1966. p. 310-311.

colonato em suas terras; redução sensfvel dacessão de terras para as atividades de sub-sistência dos empregados; emprêgo de núme-ro menor de camaradas fixos e a utilizaçãomaior de mão-de-obra apenas em épocas decolheita. O decréscimo do número de rap-tos no perlodo após-guerra e na década de1950 se deve provàvelmente à expansão eco-nômica dêsses anos. Isto parece ser parti-cularmente verdadeiro no caso dos sitiantes,cujas dificuldades econômicas foram certa-mente maiores a partir de 1928, com a quedageral dos preços, que só se recuperaram demodo compensador em 1936 e dai para frenteapenas experimentaram pequenos acréscimosaté o ano de 1941, com exceção do ano de1937.26 Porém, deve ser também verdadeiro no

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caso das demais categorias de trabalhadores,para as quais o salário em espécie é relevantena composição do salário total. Nesses casos,as sobras da subsistência que se poderiamdestinar ao mercado perderam valor ou se tor-naram até mesmo onerosas para seus pos-suidores, especialmente nos anos de ~ Osdados. sôbre salários, para a área estudada,vão infelizmente apenas até o ano de 1924.Observa-se, porém, nos dois perfodos iniciaisconsiderados, uma queda bastante acentuadanos salários percebidos na área, em compara-

26 As alterações nos preços foram as seguintes:1924: 17%; 1925: 7%; 1928: -2%; 1930: -9%; 1934:8%; 1936: 15%; 1939: 3%; 1940: 6%: 1941: 16%.O Indice é o geral de preços por atacado da FundaçãoGetúlio Vargas, dados transcritos por Simonsen, MárioHenrique. B•.••II 2001. Rio, 1969. p. 314.

Revista de AdminIstração de Emprêsas

Page 17: Grupos de Trabalhadores e Familiares Rurais

Quadro 2 - EvoluçAo dos Raptos e Casamentos naArea, 1900-1969

(ValOres absolutos aproximados)

Raptos Casamentos*

Perlodos Médias Totais no Médias Totais noou Anos Anuais Perlodo Anuais Perlodo

1900, 05,6 95 38010 e 12 2

1913/17 4 22 115 5771918/22 11 54 163 8141923/29 14 98 169 1.1811930/32 17 52 149 4461933/44 11 126 200 2.3961945/50 4 25 195 1.1701969 16** 16** 120*· 120

* Inclusive os raptos.Apenas o cartório do mais populoso dos três dis-tritos:

Fontes: Cartórios citados no quadro 1.

ção com todo o estado. No· caso do salárioanual do colono, ao aumento verificado no es-tado corresponde um sensrvel decréscimo' naregião estudada. .

Pode-se, em resumo, afirmar que osdados expostos não afastam nossa hipótesea respeito da relação entre organização dotrabalho, organização da famllia e meios devida, nas categorias consideradas da popula-ção trabalhadora.

4. Conclusões

A discussão que desenvolvemos atéaqui permite agora tirar algumas conclusões arespeito da solução do problema agrário bra-sileiro. Essa discussão contraria algumas dasafirmações a respeito da evolução das rela-ções de trabalho na agricultura que descartamo problema da posse da terra pelos trabalha-dores. Verificamos que, no estágio de desen-volvimento particular da agricultura em umasociedade de classes como a nossa, o peque-no empreendimento familial (inclusive as for-mas hrbridas de salariado), repartido entre asa1ividades para a auto-subsistência e o mer-

Janeiro/Março 1971

cado, é O que absorve as irracionalidades dosistema. As contradições verificáveis nesse mo-do de organização do trabalho poderiam atin-gir um estágio mais elevado que, no momento,se encontra apenas em estado latente.

A sociedade de classes no Brasil nãotem incorporado aos seus processos nuclea-res determinados contingentes da. população.Assim, êsses se encontram em uma situaçãode disponibilidade diante de processos con-traditórios, os quais sob certas condições dãoorigem ao que se pode chamar de coletivismotradicional. Não obstante, tal disponibilidadetem sido canalizada, até hoje,' com fins pró-prios, alheios aos interêsses da populaçãomarginalizada, pelas fôrças políticas e econô-micas, para o paternalismo e o conformismofatal1sta.27

Dêsse modo, constiturram-se compor-tamentos estranhos aos processos sociais donúcleo dinâmico da sociedade inclusiva declasses, em virtude das possibilidades de se re-fazerem, a qualquer título, precário que seja,os padrões de organização social de gruposextensos, baseados 'em atividades de subsis-tência e em solidariedades estreitas. Não po-dem os processos sociais. comunitários, a con-figuração de comunidade cabocla e os meca-nismos legitimadores para sua sustentação (aonível dos significados dos agentes) ser ade-quadamente explicados se são tomados comoreminiscências de padrões de denominaçãofeudal ou senhorial. Devem ser tomados comomodalidades de ajustamento de grupos, emtêrmos de respostas defensivas contra condi-ções opressivas de existência, dentro da dinâ-mica de classes. São, no entanto, essas mes-mas condições que condenam as respostascoletivas ao localismo que as caracteriza, eàs estreitezas várias que, como vimos, se asso-ciam a essa caracterletlca. Na área estudada,

27 Cf. Soares, Glâucio A. D. Brasil: a polftica dodesenvolvimento desigual. Revista brasi!elra de es-tudos polfllcos, 22: esp. p. 52-6. 1967. Também a pes-quisa de Juarez R. B. Lopes nas fábricas de duas ci-dadezinhas do interior de Minas Gerais. A crls. doBras" arcaico. São Paulo. 1967.

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os empresArios têm-se aproveitado da existên-cia dêsses processos para manipular o com-portamento dos trabalhadores agrlcolas, usan-do técnicas sociais adequadas: preferênciasna escolha de novos empregados e na promo-ção de cargos conferida a empregados antigos;favores pessoais vários, visando a premiar afidelidade à emprêsa; cessão de terras para la-vouras de subsistência a parentelas extensascom vínculos antigos com a emprêsa. Dianteda situação de marginalidade e das perspec-tivas abertas para atividades econômicas ar-tesanais e de auto-subsistência, o modo en-contrado pelas pessoas e grupos desfavoreci-dos para fazer face ao universo valorativo es-tranho de mercadorias, de mobilidade, de ra-cionalidades e de secularizações, foi o de to-mar o universo valorativo mágico de solidarie-dades estreitas, de imobilidades, de pré-racio-nalidades, de sacraticidades, que não apenasenfrentasse o outro universo, mas ainda, eprimordialmente, garantisse apoio à sobrevi-vência, direcionando a organização dos com-portamentos e atividades para o aproveitamen-to das oportunidades abertas à auto-subsis-tência e à cooperação estreita. Isso equivalea afirmar que os sentidos da evolução que ossistemas de valOres e de ações dos agrupa-mentos desfavorecidos podem ter dependemdas condições conjunturais de interação entreos grupos dominantes e os desfavorecidos; eque as condições estruturais só abrem uma ga-ma de possibilidades que se pode prever e de-limitar.

São quatro as verificações teóricasmais importantes desta reconstrução socioló-gica que se fêz com o fenOmeno do casamen-to pelo rapto, em área rural escolhida, verifi-cações essas que se ligam à problemática aci-ma. A primeira confirma a hipótese de Ber-nard Rosen e Manoel Berlinck: o "processode modernização não é homogêneo, mas, pelocontrário, irregular e desigual em seus efeitosestruturals''.» Da exposição feita dos dadosobtidos na pesquisa, pode-se concluir que aformação histórico-social capitalista de classes

92

que se implantou na agricultura mais desen-volvida do pais - e da qual a área escolhidapode ser tomada como representativa - nãopode ser considerada como um sistema inde-pendente do processo de descolonização glo-bal e de formação de uma economia nacionalque envolve todo o pais. Conseqüentemente,além das contradições conjunturais própriasdessa agricultura capitalista, somam-se à di-nâmica contradições estruturais inerentes aopapel que lhe foi atrlbuldc - pollticamente -em um sistema econômico mais incluso. Taisprocessos impedem que a modernização seespraie homogêneamente a todos os setoresda existência dos grupos envolvidos. Ou, en-tão, em outros têrmos, êles estimulam em todoo caso um tipo de modernização econômica eadministrativa ao nlvel da emprêsa açrfcola,que dá apoio a processos de dominação oligár-quica e de exploração econômica com custosexcessivos e nenhuma participação nos be-neficios por parte dos trabalhadores.

A segunda conclusão que se pode tiraré a de que tais contradições e as conseqüen-tes tensões sociais têm sido absorvidas des-proporcionalmente pela população de famrJiastrabalhadoras. A criação de excedentes de ca-pacidade produtiva e de mão-de-obra no Bra-sil, pela expansão de uma economia nacional,se tem feito com a transferência das irraciona-lidades, implicadas nesse processo, para aagricultura. Foi complexo rural a designaçãoque Inácio Rangel deu ao mecanismo pelo qualo setor primário e as próprias emprêsas agrr-colas absorviam a capacidade ociosa da eco-nomia, derivando-a para o setor de subsistên-cia.29 Outro economista, Paul Singer, observouque carece dar mais atenção, do que a que setem dado, às classes conjunturais do sistemaeconômi-co brasileiro, em oposição às crises

28 Op. cit., p. 94.

29 'Introduçlo 80 estudo do de.envolvlmento econ&-mico bra.llelro. Salvador, 1957.

30 Singer. P. Ciclos .de conjuntura em economias sub-desenvolvidas: Revl.ta clvlllzaçio brasileira. 2: 97-111,1965.

Revista de Adminlstraçlo de Emprêsas

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estruturais, para se compreender os mecanIs-mos que estão permitindo dar destinação àscapacidades ociosas de trabalho e capital, eassim poder modificar os impasses criadospelas crises conjunturais.3o

A terceira conclusão a ser tirada é ade que as formas de trabalho, que têm sidodenominadas de pré-capitalistas ou extracapi-talistas, não constituem uma excrescência nosistema capitalista brasileiro, mas fazem partede sua dinâmica contraditória; mais precisa-mente, são uma de suas expressões. Se o re-gime capitalista deve consolidar-se no pais,uma polítlca de reforma agrária tornaria viávela absorção de tôdas essas irracionalidades, eespecialmente a do excedente de mão-de-obra,ao qual as mais recentes tendências na agri-cultura não têm permitido dar destinação. Co-mo conseqüência mais importante, permitiriadesenvolver, na agricultura, uma nova classeempresarial - a do estrato médio do empre-sariado. Essa poHtica seria o fator para fazerconstituir ou expandir, na agricultura, proces-

sos que, nos primeiros estágios da industria-lização, constitufram fatôres de propulsão.

A quarta conclusão é a de que a vivênciadessas modalidades de trabalho tem efeitosnotáveis para as aspirações e a organizaçãosocial. de vida das tarnlllas de trabalhadores,na situação de dependência e marginalidadeem que as categorias de que estamOs tratandose encontram. Na ausência (e na impossibili-dade) de instituições que estruturem sua par-ticipação na sociedade global, as manifesta-ções de seus problemas são marginais a essasociedade. ~sses efeitos se observam tanto nomeio rural como no urbano, mas de maneiramais acentuada no meio rural. No urbano, ape-nas alguns dêles são conhecidos. Assim, po-demos dizer que' o casamento pelo rapto é umfenômeno propriamente rural, pois é na agri-cultura que existem as condições materiais emorais que se ligam a êle. Porém, no meio ur-bano, onde essas condições estão presentes,existe também a probabilidade de ar ocorrero fenômeno.

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