greve de 1917 e imigração italiana

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Considerado um dos momentos fundamentais de amplamobilização operária no Brasil por meio da greve geral, omovimento grevista na cidade de São Paulo de meados de 1917foi estudado, sobretudo, como fenômeno, em grande parte,espontâneo e ligado à atuação dos grupos anarquistas. Este artigopretende apresentar novos elementos na análise deste movimento,enfatizando a complexidade organizativa e conjuntural da grevegeral, ao também destacar a participação e a liderança de outrosgrupos e militantes políticos e sindicais (como os socialistasitalianos), na organização do movimento operário paulistano antese durante a greve geral. Pretende-se mostrar, principalmente,também a influência do conflito entre identidades de classe enacionais entre os trabalhadores italianos na eclosão da greve de1917 e o papel desenvolvido pelas diversas associações políticas ede socorro mútuo compostas por italianos, considerando ocontexto local e internacional.

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  • A greve geral de 1917 emSo Paulo e a imigraoitaliana: novas perspectivas

  • A GREVE GERAL DE 1917 EM SO PAULO E A IMIGRAOITALIANA: NOVAS PERSPECTIVAS

    RESUMOConsiderado um dos momentos fundamentais de amplamobilizao operria no Brasil por meio da greve geral, omovimento grevista na cidade de So Paulo de meados de 1917foi estudado, sobretudo, como fenmeno, em grande parte,espontneo e ligado atuao dos grupos anarquistas. Este artigopretende apresentar novos elementos na anlise deste movimento,enfatizando a complexidade organizativa e conjuntural da grevegeral, ao tambm destacar a participao e a liderana de outrosgrupos e militantes polticos e sindicais (como os socialistasitalianos), na organizao do movimento operrio paulistano antese durante a greve geral. Pretende-se mostrar, principalmente,tambm a influncia do conflito entre identidades de classe enacionais entre os trabalhadores italianos na ecloso da greve de1917 e o papel desenvolvido pelas diversas associaes polticas ede socorro mtuo compostas por italianos, considerando ocontexto local e internacional.

    PALAVRAS-CHAVEMigraes. Italianos. So Paulo: Greves. Socialismo.

  • Luigi Biondi1 A GREVE GERAL DE 1917 EM SOPAULO E A IMIGRAO ITALIANA:

    NOVAS PERSPECTIVAS

    UMA INTRODUO: ESPONTANESMO, ORGANIZAOE ALGUNS ELEMENTOS COMPARATIVOS NO ESTUDO DAGREVE GERAL EM 1917

    Quando cerca de 400 operrios e operrias da seo txtildo Cotonifcio Crespi entraram em greve depois que a diretoriada fbrica tinha se recusado a conceder um aumento entre 15% e20% do salrio e a abolir a extenso da carga horria noturna, nopensavam, talvez, que estariam desencadeando o perodo de maiorconflito da histria do movimento operrio em So Paulo ataquele momento.

    Embora tais trabalhadores no pudessem imaginar queessa greve teria prolongados efeitos no mbito de um amploprocesso de organizao proletria (como foi definido por YaraAun Khoury h mais de vinte anos)2 , eles estavam agindo dentrode um contexto no qual, como tentarei mostrar adiante, em muitossetores operrios e artesos politizados (incluindo alguns dostrabalhadores que estavam participando do protesto), esperava-seque esta greve, aparentemente episdica, se transformasse nummovimento grevista e sindicalista bem mais vasto e bem-sucedido.

    Sem excluir a importncia dos fatores econmicos htempos detectados e que deram s greves paulistanas de 1917 umforte carter de levante espontneo, nas pginas que se seguiromostraremos que outros fatores, no ligados reao contra adeteriorao repentina nas condies de vida e de trabalho,

    1 Historiador formado na Universidade de Roma La Sapienza e doutor emHistria Social pela Unicamp, atualmente docente da rea de HistriaContempornea do Curso de Histria da Unifesp. Contato do autor:[email protected]

    2 KHOURY, Y. A. As greves de 1917 em So Paulo e o processo de organizaoproletria. So Paulo: Cortez, 1981.

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    estavam por trs do surgimento e do desenrolar desse movimento,sobretudo na tica do comportamento dos trabalhadores italianosenvolvidos na greve, tenham sido eles militantes ativos de grupospolticos ou somente trabalhadores que participaram da greve.

    Alm disso, tambm aqueles historiadores que deramimportncia aos processos de organizao imediatamenteanteriores ao desenrolar da greve e destacaram sua funo naformao das organizaes sindicais paulistanas deixaram de ladoo papel desenvolvido pelos socialistas italianos neste movimento.Veremos, pelo contrrio, como, embora ofuscados por umapresena mais intensa dos anarquistas, tambm os socialistasitalianos foram ativos e, sobretudo, fundamentais para que omovimento de reorganizao das ligas sindicais tomasse rumosum pouco diferentes dos pregados pelos propagandistas detendncia anarquista.

    Boa parte da historiografia do movimento operriobrasileiro concordou sobre o fato de que a greve geral paulistanade 1917 representou um ponto de diviso entre um perodo dedesorganizao das associaes sindicais e outro no qual taisassociaes amadureceram uma estrutura consistente, uma redede grupos mais slida que passou a desenvolver uma ao evidentetambm aos olhos da classe dirigente brasileira. Esta, at aqueleperodo tinha encarado a questo social urbana em So Paulo comoum fato de ordem pblica referente populao imigrada queno tinha se inserido nos padres da imigrao subsidiada para ocomplexo cafeeiro3 .

    3 HALL, M. M. O Movimento Operrio na Cidade de So Paulo, 1890-1954.In: Porta, P. (Org.). Histria da Cidade de So Paulo. So Paulo: Paz e Terra,2004, v. 3, p. 272-279; BEIGUELMAN, P. Os companheiros de So Paulo. SoPaulo: Smbolo, 1977; FAUSTO, B. Trabalho urbano e conflito social. (1890-1920). Rio de Janeiro; So Paulo: Difel, 1978; HARDMAN, F. F.; LEONARDI,V. Histria da indstria e do trabalho no Brasil. So Paulo: Global, 1982; MARAM,S. L. Anarquistas, imigrantes e o movimento operrio brasileiro (1890-1920). Riode Janeiro: Paz e Terra, 1979; PAOLI, M. C. So Paulo working-class and itsrepresentations (1900-1940). Latin American Perspectives, Riverside, v. 14, n.4, p. 204-225, 1987; ver tambm o debate entre Wolfe e French na revistaHispanic American Historical Review, v. 71, n. 4, nov. 1991: WOLFE, J. AnarchistIdeology, Worker Practice: the 1917 General Strike and the Formation ofSo Paulos Working Class, p. 809-846; WOLFE, J., Response to John French;FRENCH, J. D. Practice and Ideology: a cautionary note on the historianscraft, p. 847-855.

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    Se parece ter ficado estabelecido que esse movimentorepresentou a concluso de um perodo e o incio de outro, htodavia alguma discordncia em torno de sua natureza. Foi ummovimento espontneo? Nasceu pela presso da inflao daquelesanos de 1915-1917, limitando-se a uma simples exploso de raivapelo no atendimento de seus pedidos, no fundo moderados; oufoi o ponto final (naquele instante) de um processo dereorganizao do movimento operrio paulistano ocorria j halgum tempo? Qual foi, se existiu, o papel dos grupos polticosque depois formaram o Comit de Defesa Proletria que tomou aliderana da greve? Eles se limitaram insero no movimento,uma vez que este desencadeou uma srie de greves, ou oimpulsionaram desde o incio?

    O debate, consequentemente, ficou sempre em torno daverificao do grau de espontaneidade da greve de 1917, tentandocom isso compreender tambm que relaes foram estabelecidasentre uma massa de grevistas que chegou a cerca de 50.000 pessoas(numa cidade que contava com 400.000 habitantes) e os militantesque depois participaram como lideranas do movimento e queposteriormente sofreram processos de expulso e as mais variadasformas de represso.

    Dificilmente poderemos negar a importncia do papeldesempenhado pela crise econmica que se alastrava na cidadede So Paulo naquele momento. Assim como a ausncia de umarede organizativa entre os empresrios paulistanos (grandes epequenos) deve ter determinado uma certa lentido em atenderaos pedidos de operrios enfurecidos por uma inflao dirianunca vista at ento e, portanto, uma inaptido para compreendera necessidade de fornecer uma plataforma comum decontrapropostas viveis para as comisses grevistas que seformavam.

    Todavia, achamos que muitos outros fatores deveriam serlevados em conta para explicar um movimento que, em poucotempo, atingiu dimenses to amplas e que, de fato, obteve oreconhecimento de quase todos os seus pedidos, graas ao fato deapresentar, no espao de algumas semanas, uma proposta dereivindicao acordada por todas as categorias. Igualmente, aformao de lideranas durante a greve de 1917, capazes decoordenar todo o movimento, um fato indiscutvel. Ainda hojeele deve ser compreendido em todas as suas implicaes, umavez que lideranas sindicais (provenientes ou no do seio dos

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    setores operrios), como as que coordenaram o movimento dejunho e julho de 1917, no surgiram do nada, nem foramsimplesmente emprestadas ao movimento, embora tenham sidoimpulsionadas pelo tamanho das foras operrias em campo.

    As reflexes em torno da espontaneidade do movimentode 1917 tentaram compreender at que ponto o contexto paulistanodaquele perodo podia permitir a formao de organizaesestveis do movimento operrio e ocasionar o protagonismo deminorias anarquistas que depois apareceram como as mentorasde todo este movimento, fundou o discurso da prepondernciaanarquista no movimento operrio paulista, como smbolo de suafraqueza e, ao mesmo tempo, como sinal de seu fundamentalespontanesmo. Esta caracterstica explicitava, enfim, adesorganizao do movimento sindical paulista, a sua distnciade uma expresso poltico-partidria (ao menos no plano local), aprovenincia estrangeira da maioria dos trabalhadores em fbricase oficinas e sua eventual liderana anarquista nos momentos degreve ou protesto (exatamente porque os anarquistas eramconsiderados supostamente contrrios s organizaes sindicaisestveis e internamente estruturadas e s greves parciais).4

    Alguns trabalhos, todavia, j apontaram que, pouco antesde a greve se tornar geral, havia comeado um trabalho deorganizao prvio da greve e, ao mesmo tempo, dos rgossindicais que depois acompanhou o restante das manifestaesgrevistas e formou novamente, aps cinco anos de ausncia, umacentral (federao) sindical operria em So Paulo.

    Boris Fausto, por exemplo, ao analisar o desenvolvimentoda greve de 1917, embora no chegue a negar por completo o seucarter espontneo, destacou como a Liga Operria da Mooca e aLiga Operria do Belenzinho comearam um trabalho decoordenao da greve antes que esta se transformasse em grevegeral e estiveram na base do processo de reorganizao de todo omovimento sindical, ao menos a partir do incio de junho de 1917.5

    Mais recentemente, Christina Roquette Lopreato, aocontrrio de parte da historiografia que a precedeu, foi maisadiante na determinao de mostrar o nvel organizativo da greve

    4 Sobretudo MARAM, op. cit.5 FAUSTO, op. cit., p. 202-205.

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    geral de 1917, enfatizando e aprofundando o papel desenvolvidopelos anarquistas na organizao da greve, em primeiro lugarpelos militantes prximos ao sindicalismo e que participavam dogrupo do jornal A Plebe, de Edgard Leuenroth.6 Na linha traadapelo trabalho de Cristina Hebling Campos7 , Christina Lopreatodefine a greve geral de 1917 como anarquista, aps uma anlisede seu desenvolvimento e de suas caractersticas e finalidades,tanto no que se refere dinmica da greve em si, como sorganizaes operrias que surgiram antes e no decorrer da greve.Ao criticar a idia da simples insero dos anarcossindicalistas nomovimento grevista de 1917, ela prope que o processo deautoconstituio dos grupos operrios, dentro de um movimentode reivindicao impulsionado pela situao econmico-social domomento, surgiu como efeito de um imenso trabalho conjunto depropaganda e de ao das correntes anarcocomunistas eanarcossindicalista, que tornou possvel a operacionalizaopoltica da ao direta.8

    O discurso da espontaneidade das greves de 1917, todavia,remonta em grande parte s consideraes que naquele momentoe posteriormente foram expressas pelos prprios lderesparticipantes da greve, assim como por parte da grande imprensa(O Combate, Fanfulla, O Estado de S.Paulo), que conservou umapostura de simpatia e apoio aos grevistas.

    Em 1966, por exemplo, foi o prprio anarquista EdgardLeuenroth, um dos principais organizadores da greve geral de1917, que, numa carta ao Estado de S.Paulo, sublinhou que a grevefoi um movimento espontneo do proletariado [...] umamanifestao explosiva consequente de um longo perodo de vidatormentosa que ento levava a classe trabalhadora.9

    Todavia, seria necessrio limitar um pouco a efetividadedeste argumento, considerando que, como aconteceu com a atitudetomada pelo dirio italiano de So Paulo Fanfulla, o apelo

    6 LOPREATO, C. S. R. O esprito da revolta: a greve geral anarquista de 1917.So Paulo: Annablume/FAPESP, 2000.

    7 CAMPOS, C. H. O sonhar libertrio: movimento operrio nos anos de 1917 a1921. Campinas: Pontes, 1988.

    8 LOPREATO, op. cit., p. 18.9 Apud HALL, M.; PINHEIRO, P. S. A classe operria no Brasil. So Paulo: Alfa-

    mega, 1979, v. 1, p. 227.

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    espontaneidade do movimento por causa de uma situaoeconmica de fato insuportvel fazia parte de uma estratgia quevisava enfraquecer os empresrios que gozavam do apoio quaseincondicional do aparelho repressivo das vrias delegaciaspoliciais de bairro. O apelo a motivaes unicamente econmicase no poltico-sindicais era a arma usada tambm pelos grevistasfrente represso policial, que estava decidida a impedir omovimento, reprimindo-o no somente nas praas, mas atacandodiretamente aqueles que eram considerados seus lderes.

    De forma geral, o ano de 1917 foi caracterizadomundialmente por toda uma srie de protestos, motins e grevessem precedentes, cujo evento maior foi como todos sabemos a revoluo russa, momento ligado exatamente a processos deorganizao sindical e poltica, no qual misturavam-se fenmenosde autoconstituio e de interveno poltica e organizativa externanas organizaes operrias, mas que surgiam de um estado derevolta aberta que ia alm da luta contratual entre empresrios etrabalhadores usualmente praticada.

    Todos estes movimentos, que desembocaram em revoltasurbanas, estavam diretamente ligados a uma conjunturaeconmica causada pelo prolongamento da I Guerra Mundial.Inflao, perda do poder de compra, misria acentuada pelaescassez de abastecimentos, foram aspectos experimentados nosomente pelas classes trabalhadoras que deram vida aos sovietesde Petrogrado, nem, portanto, apenas pela populao operriapaulistana, mas caracterizaram o ano de 1917 em muitos pasesdireta ou indiretamente envolvidos na guerra.10

    Sem aprofundar mais o argumento, talvez seja oportunauma comparao com um movimento grevista que tem muitassemelhanas com o de So Paulo, e que aconteceu um ms depois,em agosto de 1917, na cidade italiana de Turim. Tambm nestacidade italiana11 , na qual o movimento operrio no poderia com

    10 Ver, entre outros, HAIMSON, L. H. e Sapeli, G. (Orgs.). Strikes, SocialConflict and the First World War. Annali Fondazione Feltrinelli. 1990-91.Milano: Feltrinelli, 1991; HOBSBAWM, E. J. Era dos extremos. O breve sculoXX (1914-1991). So Paulo: Cia. das Letras, 1995, p. 66-71; PROCACCI, G.Dalla rassegnazione alla rivolta. Mentalit e comportamenti popolari nellagrande guerra. Roma: Bulzoni, 1999.

    11 Turim sede da FIAT junto com Milo, era a cidade industrial que maisfornecia meios de transporte, armamentos e roupas para o exrcito italiano.

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    certeza ser chamado de desorganizado, e que durante a guerraatravessou um perodo de intensa produo (como o caso de SoPaulo), as greves e protestos de agosto de 1917 tiveramcaractersticas deste tipo: grande mobilizao das mulheres oufamlias operrias, greves por melhores condies de trabalho eaumento salarial, assaltos a moinhos e padarias, embate violentocom a polcia e depois com o Exrcito. Tambm no caso de Turim, evidente o poder de presso exercido pela deteriorao dascondies de vida e trabalho (alto custo dos bens associado a umaumento extremo da carga horria) para que a greve explodissefora dos padres de reivindicao salarial tpicos dos anosanteriores e se transformasse rapidamente em revolta espontneae violenta.

    Foi uma revolta cuja imediatez e intensidade surpreendeuos prprios sindicalistas socialistas que dirigiam a Camera del Lavoro(a federao operria local, uma das mais antigas da Itlia, porsinal). Tratavam-se, todavia, de operrias e operrios acostumadoscom greves sindicais nas quais o carisma na mediao e a lideranade seus representantes sindicais da Camera era notvel edificilmente discutvel. Todavia, naquele agosto de 1917, a forada carestia de vida era to profunda que nem a militarizao dotrabalho instituda na Itlia durante a guerra, nem as iniciativasdos principais organizadores sindicais ou polticos do PartidoSocialista (entre os quais, vale a pena lembrar, estava o jovemAntonio Gramsci) podiam diminuir os aspectos espontneosdaquela greve, assim como seu carter insurrecional. Mas tambmno devemos pensar que o movimento tenha se desenvolvido semlevar em considerao a propaganda efetiva realizada pelosorganizadores sindicais contra a situao criada pela guerra ousem levar em conta o papel organizativo que estes mesmodirigentes desenvolveram durante o motim.12

    12 SPRIANO, P. Storia di Torino operaia e socialista. Torino: Einaudi, 1972;CARCANO, G. Cronaca di una rivolta: i fatti torinesi del 1917. Torino:Stampatori Nuovasociet, 1917. Hobsbawm tambm nos lembra como aRevoluo de Fevereiro de 1917 na Rssia comeou quando umademonstrao de operrias coincidiu com a deciso de fechartemporariamente as principais unidades das fbricas metalrgicas Putilov(onde tambm trabalhavam muitas mulheres por causa do envio guerrade uma parte dos operrios), acabando por produzir uma greve geral com ainvaso do centro da capital Petrogrado (atual So Petersburgo), com a

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    As semelhanas entre as dinmicas das revoltas de SoPaulo, Turim e Petrogrado so muitas e fundamentais. Tambmem So Paulo, a greve iniciou-se num grande estabelecimento fabrile a resposta empresarial foi fechar a fbrica. Rapidamente, ocorreua transformao desta greve localizada em greve geral; pedidosde aumento salarial e diminuio de horas foram associados apedidos mais urgentes de controle dos preos e distribuioigualitria dos bens alimentares; e, finalmente, a greveprogressivamente assumiu feies de revolta generalizada com ainvaso das reas centrais da cidade, num perodo deconfinamento dos trabalhadores nos bairros operrios.

    O espontanesmo das greves e revoltas urbanas de 1917foi uma constante, independentemente de os operrios terem umaexperincia organizativa profunda ou fraca, uma vez que asituao econmica era alarmante. Ao mesmo tempo, esteespontanesmo, ou melhor, a presena da principal causa da greve,representada por condies econmicas cada vez piores, no eraincompatvel com a presena ativa no movimento deorganizadores operrios, antes, durante e depois da greve. Nestecaso, uma considerao da Camera del Lavoro de Turim em 1917mostrava como, embora destacando a diminuio do nmero defiliados na federao sindical local13 , em todas as agitaes osoperrios em greve pediam a interveno e assistncia da Camera,mesmo quando as greves no foram iniciadas sob a sua direo.14

    Como no caso paulistano de junho-julho de 1917, tambmna Turim de 1917, ainda que o movimento grevista tivesse umalto grau de espontanesmo, a interveno de organizadoressindicais foi imprescindvel, assim como se nota que estes nosurgiram do nada, mas eram os organizadores presentes nosestabelecimentos fabris ou que frequentavam o mundo operrio;em suma, eram conhecidos. Igualmente, como veremos, os

    finalidade de pedir po e farinha. Quatro dias de revolta espontnea e semdireo poltica puseram fim a um imprio, foi a sinttica considerao dohistoriador ingls. HOBSBAWM, E. op. cit., p. 67.

    13 Cerca de 10.000 scios, na segunda cidade industrial italiana depois deMilo.

    14 BALLONE, A.; DELLAVALLE, C.; GRANDINETTI, M. Il tempo della lotta edellorganizzazione: linee di storia della Camera del Lavoro di Torino. Milano:Feltrinelli; CGIL, 1992, p. 64.

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    organizadores que constituram o Comit de Defesa Proletriaeram familiares populao operria paulistana.

    Os movimentos de protesto social de 1917, aos quais sejuntaram greves reivindicativas e revoltas abertas, que severificaram em muitas cidades europias e americanas, foramcaracterizados por impulsos tanto espontneos como organizados,que coexistiam e constituram o pano de fundo destas agitaes,sendo que o contexto econmico exasperava aquelas que teriamsido em outros momentos somente greves parciais. Em algunscasos, foram reconstrudos laos mais slidos entre ostrabalhadores e seus representantes nas organizaes sindicais(como foi na de Turim), enquanto em outros foi retomado umcaminho organizativo que tinha se interrompido h algum tempo(como ocorreu em So Paulo).

    IDENTIDADES EM FORMAO E EM CONFLITO:MILITANTES E TRABALHADORES ITALIANOS NAGREVE GERAL

    Temos de destacar que os trabalhos que analisaram estemovimento, talvez porque era bvia a presena majoritria detrabalhadores estrangeiros no seu seio, no consideraram asdinmicas relativas ao fato de esta comunidade ser composta, emgrande parte, por italianos. suficiente pensar, por exemplo, queas greves comearam exatamente numa fbrica, a Crespi, cujo donoera italiano e que empregava 947 italianos, num total de 1.305operrios.15

    Quando foi refundada a Federao Operria de So Paulo(FOSP), em agosto de 1917, ao lado dos sindicatos de bairro, queem maior grau explicitavam um novo momento organizativo desuperao das diferenas tnicas, supranacional e brasileiro,uma boa parte das ligas, sobretudo as de ofcio, continuouusando oficialmente seu nome em italiano, algumas sendochamadas na prtica somente por este nome ou exibindo-o, comonos processos de formao sindical ocorridos no incio do sculo,

    15 Condies de trabalho na indstria txtil no Estado de So Paulo. Boletimdo Departamento Estadual do Trabalho. So Paulo, 1912.

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    signo da presena de uma identidade de classe em muitos casosainda com forte definio tnica no alvorecer da segundadcada do sculo XX.16

    A presena de um proletariado de origem italiana deve terrefletido no movimento as tenses que caracterizaram internamentea comunidade talopaulistana, uma vez que a I Guerra Mundial,na qual a Itlia estava participando h mais de dois anos, tinhareflexos imediatos em todas as comunidades de italianos noexterior.

    O Estado de So Paulo, naquele momento, concentravamais de 1.500 famlias italianas que tinham pelo menos um deseus componentes no front no norte da Itlia. Mas, o que maisimportante para o nosso estudo, a solidariedade para com estasfamlias baseava-se na rede tecida pelo Comitato Italiano Pro-Patriade So Paulo (composto na sua maioria pelos setores da classemdia e empresarial da comunidade italiana), cujas listas desubscrio eram difundidas pelos contramestres nas fbricas entreos operrios.17 A contribuio pro-patria foi, com certeza, uma doselementos de atrito que desencadearam a greve, visto que afetavamensalmente o salrio real cada vez menor destes trabalhadores.Sobre o carter voluntrio desta contribuio as dvidasdesaparecem quando verificamos que uma das reivindicaes dosoperrios italianos para voltar ao trabalho depois da greve era ono-pagamento das subscries em favor do Comitato Pro-Patria.18

    Se, por um lado, a relao contrastada destes operriositalianos com as associaes patrcias que apoiavam a guerrarepresentava um fator de desentendimento e, portanto, de

    16 Por exemplo: Liga dos Trabalhadores em Cermica (Lega Ceramisti), Ligados Trabalhadores em Madeira (Lega dei Lavoranti in Legno), Sindicatodos Ferreiros e Serralheiros (Sindacato dei Fabbri-Ferrai), Sindicato Grficodo Brasil (Sindacato Grafico del Brasile); Sociedade dos Alfaiates (Societdei Sarti), Unio dos Sapateiros (Unione Calzolai), Unio dos Chapeleiros(Unione dei Cappellai); Unio dos Canteiros (Unione degli Scalpellini),Unio dos Padeiros (Unione dei Fornai); Sociedade Metalrgicos de SoCaetano (Societ Laminatori di S. Caetano).

    17 O Fanfulla dos anos de 1915 a 1918 publicava quase diariamente as listas desubscrio do Comitato Italiano Pro-Patria, nas quais possvel verificar ondea lista era levantada e quem a controlava.

    18 J no acordo sobre a greve na fbrica Labor aparece o atendimento destepedido. Ver: Agitazioni Operaie. Fanfulla, So Paulo, 24 jun. 1917.

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    desunio, com setores de artesos ou comerciantes que poderiamter sido simpticos causa da greve, por outro era um fatoragregador nas reivindicaes propostas durante a greve,funcionando como um ncleo de auto-reconhecimento dentro dossetores operrios paulistanos.

    Alm disso, no podemos esquecer o papel desenvolvidopelo jornal Fanfulla, que se apresentava como porta-voz de toda acomunidade talo-paulistana durante a greve geral: envolvendoos protestos de julho 1917 milhares de italianos, o Fanfulla foi, desdeo incio da greve, mas tambm antes, um ponto de referncia paraa difuso das atividades organizativas e de protesto que ostrabalhadores iam desenvolvendo. A sua ao foi to central(conjuntamente com O Combate de Nereu Rangel Pestana), queuma anlise deste jornal imprescindvel para acompanhar,sobretudo do ponto de vista dos trabalhadores italianos envolvidosna greve, os eventos de julho de 1917.19

    A dinmica demogrfica relativa aos trabalhadoresitalianos, tambm, no foi muito explorada. De fato, acredito queno podemos enfrentar todas as questes envolvidas na greve de1917 sem pensar que a especificidade desta greve, que a torna ummarco em relao aos movimentos anteriores, est profundamenterelacionada estabilidade dos fluxos migratrios internos eexternos ao estado de So Paulo, dos quais os italianos eram osprotagonistas.

    De fato, mais do que sobre a frustrao para com os desejose as possibilidades de ascenso social no realizados de muitostrabalhadores italianos imigrados em So Paulo, a ateno tem deser posta sobre dois aspectos associados entre si: 1) a inserodefinitiva na economia do trabalho urbano industrial ou artesocomo a forma de renda mais importante de muitas famlias

    19 Os artigos do Fanfulla de apoio s reivindicaes dos operrios apareciamdiariamente j desde os anncios de greve no Lanificio De Camillis no finalde maio de 1917. Em agosto, aps dois meses de campanha em prol dosoperrios, assim defendia sua posio: este jornal se preocupa em discutirtodas as questes que podem interessar o milho e meio de italianos quevivem neste Estado, que contribuem com seu trabalho, suas atividades,seu intelecto, que pagam os impostos, e que so condenados a sofrer asconseqncias das negligncias das autoridades. [traduo do autor dooriginal em italiano] Pane... anarchico. Fanfulla, So Paulo, p. 4, 4 ago. 1917.

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    imigradas; 2) a fixao no territrio urbano causada por estainsero e pela impossibilidade de voltar Itlia devido guerrae crise econmica que a precedeu.

    Ambos fatores so um reflexo de uma renovadaestabilidade dos fluxos migratrios, inclusive dos internos, quecaracterizou o perodo 1916-1917. A tendncia urbanizao demuitos colonos italianos egressos das fazendas de caf aumentouconsideravelmente nos anos que precederam a Primeira GuerraMundial, quando centenas destas famlias do interior transferiram-separa So Paulo para trabalhar como carpinteiros, operriosindustriais ou pedreiros, ocupando, sobretudo, qualificaessecundrias com baixos salrios.20 Quando comeou o perodo dedesemprego, em meados de 1913, os primeiros a serem demitidosforam exatamente esses trabalhadores. Entre 1913 e 1916, oDepartamento Estadual do Trabalho, por meio de sua agnciaoficial na Hospedaria, enviou gratuitamente de So Paulo para ointerior para trabalhos agrcolas mais de 40.000 pessoas semocupao, anteriormente vindas do interior para a cidade nos anosentre 1910 e 1912.21

    Interrompido o xodo do campo para a cidade de SoPaulo e revertido o processo anterior de urbanizao, diminudasconsideravelmente as entradas da Itlia e as sadas de italianospara a sua terra por causa da guerra22 , o panorama relativo aositalianos imigrados na cidade apresentava-se bastante estvel noano de 1917, quando os nveis de produo recuperaram osanteriores a 1913. Vale a pena lembrar, inclusive, que a maiorparte da comunidade de italianos na cidade de So Paulocontinuou a formar-se seja por migrao interna, seja porimigrao externa , tambm ao longo do perodo 1902-1912,usualmente considerado como o perodo de refluxo da imigraoitaliana no Brasil. Os imigrantes camponeses do norte da Itliaquase no se dirigiam mais ao Brasil, a partir de 1902, quando foiproibida a passagem subsidiada para este pas, mas os italianos

    20 Lazione dellufficio statale del lavoro. La Rivista Coloniale, n. 2, p. 15, 28fev. 1917.

    21 Id.22 TRENTO, A. Do outro lado do Atlntico. So Paulo: Nobel, 1989, p. 57-65. Ver

    tambm Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, So Paulo, nos nmerosde 20 a 26, de 1916, 1917 e 1918.

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    do sul continuaram a emigrar para So Paulo procura deocupaes urbanas. Alis, a consolidao do elemento meridionaleda comunidade talo-paulistana se intensificou no perodo seguinteao ano de 1902. Porm, a partir de 1913-1914, tambm este fluxoterminou definitivamente.23

    Essa estabilidade temporria das famlias foi observada,exatamente em funo dos acontecimentos de 1917, peloanarquista italiano Gigi Damiani, o qual afirmou que a intensidadedo movimento de organizao entre os anos de 1917 e 1919 emSo Paulo deveu-se ao fato de as famlias terem comeado aconstruir uma vida em So Paulo sem pensar em voltar mais paraa Itlia. Segundo Damiani, isso teria proporcionado uminvestimento maior na construo de organismos de defesa desuas condies de vida e de trabalho no Brasil: no se sentiammais como trabalhadores estrangeiros, mas como brasileiros.24

    Seja como for, a estabilidade dessa massa imigrante, queconstitua o ncleo maior dos trabalhadores de fbrica e oficinasem So Paulo, um fator que teve sua importncia nadeterminao da greve geral como um momento inicial e no comouma exploso isolada devida crise econmica: um momento emque foram postas as bases da construo de organizaes sindicaismais estveis no mbito paulistano. De fato, a formao das ligasoperrias por bairro reflete essa estabilidade, uma vez que aparalisao (ou diminuio) dos fluxos migratrios internos eexternos em So Paulo s podia favorecer uma sociabilidade maisintensa e estvel nos bairros operrios que cercavam o centro dacidade.

    A origem da estrutura da Federao Operria de So Paulo(FOSP), criada em agosto de 1917, aps os eventos da greve gerale o trabalho de organizao que os acompanhou, deve serprocurada tambm na ao desenvolvida pelos grupos anarquistase socialistas (estes ltimos formados quase exclusivamente poritalianos).

    procura de retomar os fios perdidos da organizaosindical desde as tentativas de aliana em 1914-1915 para formarum amplo bloco revolucionrio (como atuao paulista da

    23 TRENTO, Id.24 DAMIANI, L. I paesi nei quali non si deve emigrare. La questione sociale nel

    Brasile. Milano: Edizioni di Umanit Nova, 1920.

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    estratgia experimentada por grupos similares na Itlia aps osfatos de Ancona25 com o blocco rosso), os anarquistas e socialistasde So Paulo tentavam h tempos encontrar os modos apropriadospara inserirem sua ao dentro de um contexto no qual osdescontentamentos entre os trabalhadores eram cada vez maisevidentes. O perodo de intenso desemprego (1913-1914) havia seencerrado, deixando em seu lugar, graas a uma fase desubstituio forada de parte das importaes e at de exportaode bens produzidos em So Paulo, um perodo de alta de preose, ao mesmo tempo, de intensificao da carga horria de trabalhonas fbricas.26

    As aes dos grupos socialistas e anarquistas frente a estasituao e com o objetivo de reconstruir o mundo organizativosindical paulistano foram diferenciadas.

    25 Na Itlia central, pouco antes da ecloso da I Guerra Mundial, em junho de1914, a cidade porturia de Ancona foi tomada por uma insurreio popularque logo foi chamada de semana vermelha, durante a qual, a partir deuma revolta antimilitarista em vista da tenso internacional do momento,eclodiu uma greve geral em que participaram os sindicatos(independentemente de sua tendncia), diversos marinheiros e soldados, etodos os grupos polticos italianos de esquerda republicanos, socialistas eanarquistas -, que formaram, na ocasio, uma aliana chamada Blocco Rosso[Bloco Vermelho]. Terminou, em parte, pela represso da polcia militaritaliana (carabinieri), em parte por desistncia da CGdL, central sindicalque congregava uma parte consistente dos sindicatos de categoria e deofcio nacionais. Sobre os fatos de Ancona e suas repercusses em So Paulo,ver o captulo 2 de BIONDI, L. La stampa anarchica italiana in Brasile (1904-1915). Tesi di Laurea in Storia Contemporanea (Laurea in Lettere) Facoltdi Lettere e Filosofia, Universit di Roma La Sapienza, Roma, 1995, p.164-192.

    26 DEAN, W. A industrializao de So Paulo (1880-1945). So Paulo: DIFEL,1971. Segundo Dean, mais que um aumento de produo em relao aoperodo anterior a 1913, houve uma retomada dos nveis produtivos de1909-1912 graas utilizao intensssima do parque de mquinas at aquelemomento disponvel. Por causa da guerra, a importao de maquinriosera mnima e, portanto, os operrios, para enfrentar o aumento de produoexigido naqueles anos, e no podendo as fbricas aumentar seu nmero demquinas, foram obrigados a trabalhar muito mais intensamente em turmasque se sucediam ao longo de um dia inteiro. A situao era bem diferenteda dos anos 1913-1914, quando a maioria dos estabelecimentos fechavapor dois ou trs dias durante a semana.

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    Os socialistas, exatamente pelo fato de serem um grupoquase que exclusivamente italiano, dedicaram-se com maisintensidade campanha chamada Il patriottismo di lor signori [Opatriotismo de vossas senhorias] e, mais tarde, em fevereiro-marode 1917, La cuccagna patriottica di lor signori [A cocanha de vossassenhorias].27 Esta campanha, baseada em uma coleta de dadosrecolhida por operrios especializados que trabalhavam emalgumas fbricas, por funcionrios da administrao complacentese tambm pela anlise dos balancetes publicados nos boletins daCamera Italiana di Commercio di San Paolo, tentava mostrar o nvelde enriquecimento alcanado pelos empresrios italianos de SoPaulo graas guerra.

    Mais especificamente, esta atividade era direcionada a porem choque, dentro da comunidade italiana, os grupos que naguerra tinham um interesse evidente (econmico ou de prestgiodentro da prpria comunidade) com os que a apoiavam comoreflexo de suas fidelidades nacionais: em suma, a contrastar onacionalismo mais politicamente estruturado de alguns com opatriotismo popular. Todavia, essa campanha visava, sobretudo,colocar em crise, dentro das fbricas, o sistema de coleta das listasde subscrio que vinha h algum tempo sendo feita pelo ComitatoItaliano Pro-Patria por meio de seus subcomits de bairro.

    O objetivo dos socialistas italianos era, portanto, mostraraos operrios como, enquanto seus empresrios ganhavam coma bandeira da italianidade e o apoio guerra um retornoeconmico notvel, eles, que tambm eram obrigados a contribuirpara o Comitato Pro-Patria, tinham uma diminuio ainda maior

    27 Os socialistas italianos em So Paulo se organizavam em torno do CentroSocialista Internazionale (s vezes Centro Socialista Internacional), no qualo ttulo internacional era mais uma referncia nominal referente aointernacionalismo da II Internacional do que real, pois a composionacional dos seus membros era quase exclusivamente italiana. Os socialistasalemes de So Paulo, ligados ao SPD, tinham um grupo prprio. O Centroera responsvel tambm pelas publicaes do jornal socialista de lnguaitaliana de So Paulo, Avanti!, fundado em 1900, que na poca da grevegeral era semanrio. Havia grupos socialistas de bairro ligados ao Centro eao Avanti!, na Lapa, gua Branca e Brs. Do Centro no faziam parte ossocialistas italianos moderados muito escassos, para dizer a verdade ,que se reuniam em torno da figura de Antonio Piccarolo.

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    de seus salrios, que dia-a-dia eram consumidos por uma inflaonunca vista.28

    A coleta de dados acerca do enriquecimento dosempresrios italianos funcionava com certo sucesso, uma vez quemostrava dados desconhecidos ao grande pblico.29 Em marode 1917, os socialistas italianos j podiam mostrar dados relativosa algumas das maiores empresas de italianos em So Paulo, noperodo 1914-1916. Por exemplo, enfatizava-se como a CompanhiaPuglisi (proprietria do Moinho Santista, da Unio dos Refinadorese da Manufactura de Chapus) tinha duplicado seus lucros em1915 em relao ao ano anterior.30 Igualmente o Cotonifcio Crespida Mooca, que em 1914 teve um lucro de 196 contos de ris, e noano de 1915 lucrou 349 contos.31

    28 Em So Paulo, considerando 100 o ndice dos preos em 1914, este subiupara 108,5 em 1915 e para 128,3 em 1917. DEAN, op. cit., p. 101. No entanto,o ndice dos salrios (sempre considerando 100 o relativo a 1914) permanecia100 em 1915 e passava somente a 107, em 1917. PINHEIRO, P. S. Oproletariado industrial na Primeira Repblica. In: FAUSTO, B. (Org.).Histria geral da civilizao brasileira. Rio de Janeiro; So Paulo: Difel, 1978,t. III, v. 2, p. 147. Mais que os ndices, talvez sejam as palavras do Fanfullaque esclaream a situao: o jornal calculava que boa parte dos alimentoshavia aumentado em at 200-300% em 1916. Ver: Il malcontento delle classioperaie va aumentando. Fanfulla, So Paulo, p. 4, 8 jul. 1917. Em junho de1917, notava que o salrio mdio dirio de um tecelo adquiria metade doque comprava alguns meses antes. Ver: La grave agitazione operaia alcotonificio Crespi. Fanfulla, So Paulo, p. 4, 27 jun. 1917. Ainda no Fanfulladestacava-se que, durante a greve de julho de 1917, enquanto os operriosficavam sem receber, o saco de farinha passava dos 30$000 aos 40$000. Ver: IlComitato di Difesa Proletaria allopera. Fanfulla, So Paulo, p. 4, 1 ago. 1917.

    29 Il patriottismo di lor signori. Avanti! (2a srie), So Paulo, n. 139 a 143, 10mar. 1917 a 21 abr. 1917.

    30 No conselho dos acionistas (oito pessoas), da Manufactura de Chapus,Nicola Puglisi teria afirmado que o estado de guerra salvou a firma dafalncia, e, de fato, se em 1914 o balancete desta empresa apresentavaperdas, j durante os primeiros meses de 1916 havia um lucro de 117contos. Ver: La cuccagna patriottica di lor signori. Avanti! (2a srie), SoPaulo, n. 139, 10 mar. 1917.

    31 Id. No mesmo artigo so apontados os casos da Fbrica de Chapus deSerricchio e Pepe, da Companhia Fabril Pinotti Gamba, da fbrica deperfumes de Vincenzo Comodo, da Indstria de Papis e Cartonagem,dirigida por Nicolino Matarazzo (que participou das represses de 1898-1904 aos grupos socialistas e anarquistas italianos), da CompanhiaMechnica e Importadora de Alessandro Siciliano.

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    279Cad. AEL, v.15, n.27, 2009

    Os socialistas italianos souberam reconhecer que aarrecadao do Comitato Italiano Pro-Patria era um fator de elevaoda tenso interna nas fbricas paulistanas, que estava chegando aum momento de definio. O valor explosivo desta questo tornou-seevidente quando as primeiras greves parciais em maio e junho,meses aps a campanha socialista contra o nacionalismo italianodos empresrios talo-paulistas, eclodiram com a palavra de ordemda abolio das contribuies guerra. Tambm a redao deGuerra Sociale, o peridico anarquista de lngua italiana, punhaem evidncia como as simpatias patriticas de muitostrabalhadores italianos do final de 1916 tinham se revertido apsa compreenso de que, frente ao seu empobrecimento, a guerras tinha trazido melhorias para os donos (e seus patrcios) dasfbricas nas quais trabalhavam. O jornal notava tambm como odespertar do movimento operrio se iniciava com o pedido deabolio da taxao para o Pro-Patria dentro das fbricas.32

    De fato, havia sinais inegveis do desinteresse dosempresrios italianos para com seus prprios empregadospatrcios, como a participao na Itlia de Francesco Matarazzona organizao do Ente Autonomo dei Consumi di Napoli eProvincia no final de maio de 1917. Naquela ocasio, enquantoa populao de origem napolitana de So Paulo (em boa parteconcentrada na Mooca)33 sofria os efeitos do aumento dospreos diariamente, Matarazzo figurou entre os maioresfinanciadores, atravs do Banco di Napoli, para a criao do fundodesta nova instituio que devia se ocupar de comprar alimentospara a populao napolitana afetada pela guerra. Em troca,Matarazzo conseguiu armar uma operao financeira de cercade 6 milhes de liras da poca para renovar suas indstrias, emais a sua candidatura para ser o prximo conde italiano naAmrica do Sul (o outro de origem burguesa, e nico, era o

    32 Lora dei lavoratori. Guerra Sociale, So Paulo, n. 47, 12 mai. 1917.33 Ver, por exemplo, a abundncia de sobrenomes da regio italiana da

    Campnia (como Capuano, Salerno, Santoro) entre os operrios txteis eos operrios do setor de calados que povoavam a Mooca, tanto nas listasde subscrio para o Comitato Iitaliano Pro-Patria (Fanfulla, So Paulo, ediesde maio-junho de 1917), como nas listas mais antigas, em 1901, deconstituio do Sindicato dos Trabalhadores em Fbricas de Tecidos emAvanti!, n. 41, 27 jul. 1901 e n. 42, 3 ago. 1901.

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    talo-portenho Devoto), nomeao que chegou pontualmente noincio de julho daquele ano de 1917.34

    A presso sobre os operrios das indstrias Matarazzo porcausa da guerra tornava-se evidente tambm de outras formas,que, como no caso das subscries dentro do estabelecimento,mostravam como agia o poder interno dos contramestres ou dealguns gerentes.

    Em abril de 1917, por exemplo, tentando desfrutar datenso acumulada por causa da crise econmica, Matarazzoconcedeu um dia de folga aos operrios para que estesparticipassem de uma manifestao de apoio guerra: protestodurante o qual, de fato, a sede do Diario Allemo foi assaltada poruma multido composta em boa parte por trabalhadoresitalianos.35 Era manifesta a inteno de reverter contra algumasentidades alems um descontentamento difuso entre os operrios,uma vez que nos meses anteriores a prtica de conceder folgas,sob a condio de participar de manifestaes de apoio Itlia emguerra ou em prol da entrada do Brasil na guerra no era comum;ainda mais suspeita fica a sua espontaneidade se pensamos que amanifestao de abril de 1917 aconteceu num perodo em que asfbricas paulistanas funcionavam a todo vapor, fato alis queaumentava a tenso dentro dos estabelecimentos por causa doenorme crescimento da jornada de trabalho.36

    Antes de prosseguir na anlise da atividade dos socialistasitalianos contra o setor empresarial italiano da cidade de So Paulo,seria necessrio aqui abrir um parntese sobre o funcionamentodo Comitato Italiano Pro-Patria dentro das fbricas.

    Por meio de um estudo do Fanfulla, dirio de lngua italianaque certamente no mantinha posies polticas socialistas, foipossvel determinar com mais detalhes a atividade capilarmentedesenvolvida por esse comit nas fbricas, mostrando como asdenncias dos socialistas italianos no eram uma invenopropagandista, mas uma demonstrao de como estavam

    34 Una patriottica offerta del conte Matarazzo. Fanfulla, So Paulo, p. 5, 8 jul.1917; Il re dItalia ha conferito il titolo di conte al Comm. FrancescoMatarazzo. Fanfulla, So Paulo, p. 4, 3 jul. 1917.

    35 Dopo le manifestazioni guerraiole di S. Paolo. Avanti! (2 srie), So Paulo,n. 142, 21 abr. 1917.

    36 Id.

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    281Cad. AEL, v.15, n.27, 2009

    estruturadas internamente nas fbricas as relaes de poder,sobretudo no que se referia relao entre mestres, contramestrese operrios, relacionamento que naquele perodo passava tambmpela postura e pelo grau de adeso aos ditames nacionalistas.

    O Comitato Italiano Pro-Patria era, desde maio de 1915(entrada da Itlia na Guerra), estruturado por subcomits debairro. Uma anlise das diretorias destes subcomits e daparticipao de famlias em suas festas de contribuio mostracomo a maioria de seus integrantes era composta por pessoasligadas aos empresrios talo-paulistanos, normalmente tratando-sedos gerentes dos estabelecimentos fabris, em alguns casos com aparticipao direta de alguns empresrios, como Nicola Serricchioou Gaetano Pepe. Quando apareciam nestas listas nomes deempresrios paulistanos tratava-se, todavia, quase sempre deempresrios que possuam fbricas de mdias dimenses: osgrandes como Matarazzo e Crespi, Puglisi e Siciliano mandavamcom mais frequncia seus gerentes, entre os quais destacamos,por exemplo, a grande atividade de Ermelino Matarazzo, gerentede algumas fbricas da famlia, ou a atividade de Francesco DeVivo, presidente do Sottocomitato Pro-Patria da Consolao, cujaocupao era a de gerente da maioria das indstrias Matarazzo ede administrador do Hospital Umberto I. Em geral, as comissesdiretivas dos sottocomitati de bairro incluam tambm toda umasrie de profissionais liberais (sobretudo mdicos, contadores,gerentes de sees de fbricas, engenheiros ou tcnicos).37

    37 Quase todos os nmeros do Fanfulla apresentam, no perodo 1915-1918,listas de subscries e relatos das atividades desenvolvidas pelo ComitatoItaliano Pro-Patria central e pelos de bairro. De qualquer forma, mostramosaqui a diretoria do sub-comit Pro-Patria da Consolao, o mais ativo dacidade, em agosto de 1917, no qual resulta evidente que seus membroseram todos expresso da classe-mdia talo-paulistana: Francesco De Vivo(presidente), Giuseppe Perrone (vice-presidente) Luigi Perroni (tesoureiro)Raffaele Perrone e Giulio Romeo (secretrios), Francesco Mastrangioli,Giuseppe Perroni, Biagio Alario, Ernesto Giuliano, Francesco Perroni,Raffaele La Torre, Nicola Rea, Giuseppe Romeo, Vincenzo Rosati, NicolinoPepi, dott. Vittorino Carmine Romano, dott. Valentino Sola, Luigi Minervini,Matteo Bei Favilla Lombardi, Antonio Di Franco, Aleardo Borin, AlfonsoLa Regina, Giuseppe Sacchetti. Ver: Il sottocomitato della Consolazioneallopera, Fanfulla, So Paulo, 6 ago. 1917, p. 4. A maioria destes estavapresente de vrios modos tambm nas associaes italianas, expresso dos

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    Comparando algumas listas de subscrio com os nomesde operrios ou operrias, estes mesmo nomes no aparecem entreos organizadores ou participantes ativos das atividades paralelasorganizadas pelos Comitati Italiani Pro-Patria de bairro.

    Uma seo importante do Comitato central era representadapelo Comitato Italiano Pro-Patria feminino, que se ocupava daarrecadao do dinheiro para a Cruz Vermelha Italiana e daorganizao de quermesses e campanhas especficas de coleta dedinheiro em prol do Comitato central. As moas de boa famlia dacomunidade talo-paulistana dominavam a organizao destecomit, cuja presidente era a senhora Puglisi, auxiliada pela filhado ex-cnsul geral de So Paulo, Adele DallAste Brandolini.38

    O Comitato Italiano Pro-Patria de So Paulo coletava odinheiro mensalmente e enviava-o ou para a Cruz VermelhaItaliana ou para o Comitato geral em Roma, mas uma boa parte dodinheiro era utilizada para comprar alimentos e roupas para as1.500 famlias talo-paulistanas que tinham parentes prestando oservio militar na guerra.

    Cada Comitato de bairro difundia as listas para que seuscomponentes arrecadassem dinheiro em prol do comit entre seusamigos nos locais de trabalho. Sendo muitos dos integrantes doComitato gerentes ou contramestres em fbricas, difundiammensalmente as listas entre os operrios na cadeia de montagemou nos armazns.

    O sub-comit Pro-Patria do Belenzinho e Penha, porexemplo, coletou no Cotonifcio Crespi, no ms de junho de 1917,mais de 820 mil-ris entre os operrios da fbrica e 866 mil-ris entrefuncionrios, mestres e assistentes.39 Ainda em junho, na Calados

    setores empresariais imigrados de So Paulo, como o Clube Espria, oHospital Umberto I, a diretoria da Camera Italiana di Commercio ed Arti.

    38 A condessa Adele DallAste Brandolini casou com o engenheiro AttilioMatarazzo exatamente durante a greve geral, no dia 17 de julho de 1917,com festas na manso de Francesco Matarazzo. Ver: Nozze Matarazzo Brandolini. Fanfulla, So Paulo, p. 6, 18 jul. 1917. Desta festa existe umadocumentao filmada, conservada no Arquivo Edgard Leuenroth daUNICAMP, que mostra como ela coincidiu tambm com uma manifestaonacionalista italiana. Os dois noivos, de fato, eram ativistas do ComitatoItaliano Pro-Patria.

    39 Sottocomitato Italiano Pro Patria di Belenzinho e Penha. Fanfulla, So Paulo,p. 2, 20 jul. 1917. A lista foi publicada somente um ms depois, no momentoem que as atividades grevistas iam diminuindo.

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    Rocha, o gerente Gaetano Celentano organizou a coleta do dinheiroem prol da Cruz Vermelha Italiana entre os operrios da fbrica40 ,e os operrios da fbrica de chapus Serricchio-Pepe, tambmatravs da coleta organizada pelos gerentes, contribuam com 408mil ris ao Pro-Patria41 . Nas fbricas de pequenas dimenses acoleta era realizada diretamente pelo dono do estabelecimento,que normalmente trabalhava junto com seus operrios e era o caso,por exemplo, da fbrica de cadeiras de Antonio Barone, da fbricade Angelo Ferro, ou da de Anselmo Cerello.42

    Em suma, a presena das ofertas dos operrios italianosnos balancetes de subscrio em prol do Comitato Italiano Pro-Patriaera, nos meses de abril, maio e junho de 1917, uma componentefundamental, como mostram as listas apresentadas pelo Fanfullaao longo destes meses.43 Quando comeou a primeira greve nafbrica txtil Crespi, foi decidido que os pedidos se concentrasseminicialmente, alm do acrscimo do salrio, na abolio dascontribuies para o Pro-Patria e do aumento do horrio noturnoocorrido naqueles meses.44

    40 Comitato Italiano Pro-Patria. Fanfulla, So Paulo, p. 5, 19 jun. 1917.41 Comitato Italiano Pro-Patria. Fanfulla, So Paulo, p. 4, 14 ago. 1917.42 Nestes casos, a quantia da soma dada era precedida pelo nome do

    empresrio seguido pelas palavras e i suoi operai ou e operai. Ver,entre muitos, Comitato Italiano Pro-Patria. Sottoscrizioni. Fanfulla, SoPaulo, 12 jun. 1917, 13 jun. 1917, 2 jul. 1917, 21 jul. 1917, 14 ago. 1917.

    43 Eis uma amostra de lista dos estabelecimentos cujos operrios mais doaramdinheiro para o Comitato Italiano Pro-Patria (o perodo referente ao ms dejunho e parte de julho de 1917): Fabbrica Melillo (1.000$); Cia. CaladosRocha; Companhia Mechanica e Importadora, Sezioni. Officina Meccanica,Agricola, Segheria, Fonderia, Fabbrica Chiodi e Viti (262$); OperaiCanapificio Maggi; Cappellificio Serricchio-Pepe; Operai fabbrica CaladosMelillo (915$); Tecelagem de seda talo- brasileira (2:000$); Fbrica de tecidosbordados Lapa (300$); Sebastiano Sparapani ed operai (1:000$); Impiegatied operai cappellificio Serricchio Pepe (761$); Companhia Mec. eImportadora (impiegati ed operai) (253$); Falchi, Papini e c. (impiegati edoperai) (363$); Operai Lanificio Fratelli Martari (194$); Indstrias ReunidasF. Matarazzo (2:000$); Fbrica de Tecidos Mariangela (2:130$); Fbrica deTecidos Belenzinho (948$); Fbrica de Oleo (75$800), Fbrica de amido(105$), Depsito Mooca (257$), Cotonificio Rodolfo Crespi (impiegati edoperai) (1:352$), Companhia Puglisi (1:618$). Ver: Comitato Italiano ProPatria. Fanfulla, So Paulo, p. 2, 7 ago. 1917.

    44 Nel cotonificio Crespi. Fanfulla, So Paulo, p. 4, 10 jun. 1917.

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    A recusa de continuar fazendo os pagamentos destascontribuies constituiu uma das condies sine qua non dosoperrios em greve em junho-julho 1917 para voltarem ao trabalho.Exatamente nos mesmos dias o Fanfulla notava como o apoiofinanceiro dos operrios era fundamental para o funcionamentodo Comitato Italiano Pro-Patria: sem eles, sua ao seria reduzida,escrevia Serpieri, o diretor do jornal.45

    A campanha dos socialistas italianos contra o patriotismointeressado dos empresrios talo-paulistanos fazia parte econtinuava de uma forma mais concreta a campanha que ojornal Avanti! havia iniciado j em 1914 contra a entrada da Itliana guerra e continuado depois com ataques aos expoentes daposio nacionalista. Esta atividade antinacionalista do CentroSocialista Internazionale chegou ao seu ponto mximo no mesmoperodo em que surgia o Comit Popular de Agitao contra aexplorao das crianas. Na mesma semana de maro de 1917,enquanto o Avanti! abria sua primeira pgina atacando as empresastalo-paulistanas que tinham enriquecido com a guerra, o peridicoanarquista Guerra Sociale, igualmente na primeira pgina,anunciava uma reunio extraordinria do Centro Libertrio paraorganizar a coleta de dados para denunciar a explorao demenores nas fbricas de So Paulo, em plena atividade naquelemomento.46

    Tambm os grupos anarquistas de Guerra Sociale e doCentro Libertrio davam a esta campanha um acento direcionadoa exasperar a tenso entre trabalhadores e empresrios italianos,como mostra o manifesto publicado no incio de abril de 1917:Agitazione contro la carestia della vita [Mobilizao contra a carestiade vida], que acompanhava o manifesto especfico contra aexplorao das crianas. O manifesto terminava com o lema, emletras maisculas: Lavoratori italiani, chi vi affama sono i grandiuomini della colonia. Ribellatevi! Conquistatevi il pane che vi rubato![Trabalhadores italianos, quem mata vocs de fome so os grandeshomens da comunidade italiana. Rebelai-vos! Conquistai o poque vos roubam! ]47 .

    45 Gli operai ed il comitato Pro-Patria. Fanfulla, So Paulo, p. 3, 30 jul. 1917.46 La cuccagna patriottica di lor signori, Avanti! (2 srie), So Paulo, n. 139, 10

    mar. 1917; Avanti!, Guerra Sociale, So Paulo, n. 42, 10 mar. 1917.47 Supplemento al numero 45 di Guerra Sociale, So Paulo, p. 10, abr. 1917.

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    A campanha contra a explorao dos menores tentouseguir os mesmos caminhos percorridos em junho-julho de 1914,quando (no rastro da experincia vivenciada na Itlia aps oseventos de Ancona), os grupos de anarquistas, socialistas erepublicanos italianos de So Paulo tinham tentado umaaproximao, a partir de um programa conjuntural comum.

    O Comit Popular de Agitao Contra a Explorao dasCrianas, fundado no dia 4 de maro de 1917, era compostoinicialmente somente por anarquistas, mas logo aps umaassemblia na primeira semana de maro j contava com o apoiodo Centro Socialista Internazionale, do Circolo Socialista di Agua Brancae Lapa, do grupo socialista alemo, dos dois grupos republicanositalianos, do Sindicato dos Canteiros de Ribeiro Pires e de vriaslojas manicas.48 As formas e as modalidades atravs das quaisse desenvolveu a ao do Comit foram o preldio de umaantecipao de como se desenvolveria a greve geral e o processode organizao sindical de junho-julho de 1917, tanto no que serefere s foras que apoiaram a greve, como no tocante estruturapor bairro dos grmios sindicais que surgiram posteriormente.

    Apesar de os grupos socialistas italianos terem retiradoseu representante do Comit (o tipgrafo Giuseppe Sgai),continuaram a apoiar intensamente a campanha, como mostradopelos artigos no jornal Avanti! e pela participao nos comcios derepresentantes do Circolo Socialista Internazionale e do CircoloSocialista di Agua Branca e Lapa (o prprio Teodoro Monicelli, lder

    48 Estes eram os grupos aderentes em maro de 1917: Centro Feminino JovensIdealistas, Centro Libertrio, Circolo Repubblicano IX Febbraio, CircoloRepubblicano Antonio Fratti, Comisso da Aliana Anarquista, EscolasModernas n. 1 e 2, Grupo Os Sem Patria Lapa, Gruppo Editore di GuerraSociale, A Lanterna, Sindicato dos Canteiros de Ribeiro Pires, Sociedade daEscola Moderna de So Paulo, Unio Libertaria da Lapa, Loggia GuglielmoOberdan, Grande Oriente Autonomo dello Stato di So Paulo, Allgemeiner ArbeiterVerein, Centro de Estudos Sociaes Votorantim, Grupo Libertrio deJundia, Grupo Libertrio de Baur; Centro Libertrio de Ribeiro Preto.Guerra Sociale, So Paulo, n. 44, 31 mar. 1917 e n. 45, 10 abr. 1917(Supplemento). Os grupos socialistas italianos no aparecem porque selimitaram ao apoio, tendo retirado os prprios representantes alguns diasantes da publicao desta lista. necessrio lembrar que o Grande OrienteAutonomo de So Paulo compreendia as lojas: Giuseppe Mazzini, Giustizia,Antica Roma. Ver: Fanfulla, So Paulo, p. 4, 3 jul. 1917, e p. 7, 11 jul. 1917.

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    dos socialistas italianos em So Paulo, foi o principal orador nocomcio no Largo da Concrdia).49

    A discordncia entre anarquistas e socialistas residia naperplexidade destes ltimos a respeito da estratgia dos primeirosde levar adiante a campanha de agitao recusando qualquerinterveno dos poderes pblicos. Segundo os dois grmiossocialistas italianos, uma ao prtica no podia ser limitada amanifestaes de praa e comcios. Ao considerar que na sessoda Cmara Municipal de So Paulo de 31 de maro de 1917 overeador Jos Piedade tinha proposto um projeto de lei pararegulamentar o trabalho infantil, os grupos socialistas talo-paulistanos decidiram apoiar o projeto. Segundo o Avanti!, oprojeto merecia uma ateno particular, uma vez que tinha sidoelaborado com a contribuio do advogado Benjamim Motta epodia constituir uma slida base para um novo trabalho deorganizao sindical.50

    Ainda em abril de 1917, por exemplo, o Syndicato Graphicodo Brasil, que era dominado por socialistas italianos comoAmbrogio Chiodi e Giuseppe Sgai, pressionava os ncleos polticosdo PSI em So Paulo para que insistissem em favorecer umcaminho que levasse os trabalhadores paulistanos agremiaonos syndicatos de officio [sic].51 Do mesmo perodo, um sinaldeste despertar era representado tambm pela retomada daspublicaes do jornal O Chapeleiro, da Unio dos Chapeleiros.52

    A manifestao do Primeiro de Maio de 1917 ia nestadireo: representantes dos grupos anarquistas, socialistas erepublicanos estavam de novo juntos na comisso que organizoua passeata pelo centro de So Paulo e os comcios que a precederamnos bairros operrios. interessante notar, tambm desta vez, quea manifestao seguiu um caminho que depois ser o mesmo das

    49 Lagitazione popolare contro lo sfruttamento dei minori. Avanti! (2 srie),So Paulo, n. 141, 7 abr. 1917.

    50 Id. O projeto de lei de Jos Piedade previa a proibio do trabalho aosmenores de 13 anos; a limitao de oito horas para os jovens entre 13 e 18anos; a criao de uma caderneta de trabalho e a instituio de trs inspetoresmunicipais do trabalho. Ver: Un progetto di legge sul lavoro dei minorenni.Avanti! (2a srie), So Paulo, n. 141, 7 abr. 1917.

    51 Syndicato Graphico do Brasil. Avanti! (2 srie), So Paulo, n. 143, 21 abr.1917.

    52 Id. Le Unione dei Cappellai. Fanfulla, So Paulo, p. 3, 8 abr.1917.

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    agitaes do movimento grevista de julho 1917, isto : comcios eagrupamentos iniciais nos bairros do Cambuci, Mooca, Brs e BomRetiro, e em seguida formao de um cortejo que se transferia aocentro da cidade.53 Tambm a simbologia da passeata mostravacomo, embora os anarquistas tivessem um papel fundamental nasmanifestaes daqueles dias, eram evidentes as ligaes que muitostrabalhadores paulistanos tinham com o movimento socialista, umavez que o grupo de operrios proveniente do Brs participou dapasseata levando sua frente duas bandeiras vermelhas.54

    Alguns dias depois da manifestao do Primeiro de Maio,o processo de reorganizao das ligas sindicais j estavaencaminhado.

    Ao mesmo tempo, o estado de tenso em alguns destesestabelecimentos (Tecidos Labor, Indstria Txtil e CotonifcioCrespi) e a greve iniciada entre os trabalhadores das minas deRibeiro Pires e Cotia tinham levado os socialistas italianos apropor uma ao em prol de uma greve geral, seguindo suapropenso a no abandonar por completo a ao direta, tambmdepois de terem apoiado a iniciativa de Jos Piedade.55 A propostafoi feita no mesmo dia em que foi constituda definitivamente aLiga Operria do Belenzinho, no Cinema Belm, localizado naAvenida Celso Garcia. A partir da primeira semana de maioalgumas comisses de operrios de fbricas txteis comearam adesfrutar de toda esta atividade propagandista realizada a partirde maro e se juntaram com alguns anarquistas do grupo de GuerraSociale para finalizar a criao de ligas operrias.56 Em pouco tempoa comisso organizadora da Liga Operria do Belenzinhotransformou-se em comisso organizadora de uma nova federaooperria paulistana, a UGT (Unio Geral dos Trabalhadores), umaorganizao que devia se filiar Confederao Operria Brasileira.O passo sucessivo foi a fundao, na ltima semana de maio, da

    53 Cronaca Cittadina. Fanfulla, So Paulo, p. 3, 2 mai. 1917; Per il 1 Maggio.Avanti! (2a srie), So Paulo, n. 143, 21 abr. 1917; Guerra Guerra! GuerraSociale, So Paulo, n. 47, 12 mai. 1917. Do comit organizador faziam parteos mesmos grupos que constituam o comit de agitao contra a exploraodas crianas, mais o Centro Socialista Internazionale e o Circolo Socialista diAgua Branca e Lapa.

    54 Cronaca Cittadina. Fanfulla, So Paulo, p. 3, 2 mai. 1917.55 Avanti! (2 srie), So Paulo, n. 145, 12 mai. 1917.56 Guerra Sociale, So Paulo, n. 47, 12 mai. 1917.

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    Liga Operria da Mooca, segundo as bases de acordo da UGT,formuladas numa reunio realizada nos cinemas do Belm e daMooca e na sede do Salo Germinal no dia 18 de maio de 1917.57

    Segundo tais bases, de fato, a nova organizao deveriaser estruturada por bairros e no por ofcio.58 Esta escolha, maisque uma suposta estratgia anarquista anticorporativa, respondia exigncia do momento de organizar de forma mais dinmicagrupos diferentes de trabalhadores segundo as relaes jestabelecidas durante a campanha contra a explorao do trabalhoinfantil, assim como refletia o fato de ter o maior nmero deseguidores excessivamente concentrados nos bairros da Mooca edo Belenzinho e entre os teceles.

    Quando o movimento organizativo se alastrara, em julhoe agosto, as exigncias de luta diferenciada, que surgiam dadiversidade de ofcios e funes e do papel de interveno naconstruo da federao sindical de So Paulo desenvolvidotambm pelos socialistas italianos, impulsionaram a criao desindicatos de ofcio, ainda que no tenham destrudocompletamente a estruturao por bairro que se tinha formadoanteriormente.

    J no final de maio, a Liga Operria da Mooca, com poucosdias de existncia, somava quase quatrocentos afiliados, na maiorparte mulheres, do Cotonifcio Crespi.59

    Fundamentalmente, portanto, no se pode afirmar que asligas que nasceram sucessivamente se formaram como ligas debairro somente como imitao das ligas da Mooca e do Belenzinho,e que estas duas surgiram espontaneamente. Pelo contrrio,seguiram um desenho j imaginado quando o movimento deagitao contra a explorao das crianas (que j tinha suas basesde ao nos bairros) transformou-se em movimento de constituioda Unio Geral dos Trabalhadores.

    57 LUnione Generale dei Lavoratori risorge. Guerra Sociale, So Paulo, n. 48,19 maio 1917.

    58 Esto ressurgindo as sociedades operrias. Bases de Acordo. Guerra Sociale,So Paulo, n. 49, 26 maio 1917.

    59 Agitazioni operaie. Fanfulla, So Paulo, p. 4, 14 jun. 1917; Le insidie padronali.Guerra Sociale, So Paulo, n. 50, 2 jun. 1917.

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    UM HISTRICO DA GREVE GERAL DE 1917 E DESEUS PROCESSOS ORGANIZATIVOS

    Consequentemente, embora impulsionado pela situaocrtica das condies de trabalho em alguns estabelecimentos fabrise de vida por conta do aumento dos preos os processos deorganizao sindical j estavam encaminhados quandoexplodiram as greves de junho na Crespi e na Antarctica, prlogoda greve geral de julho.

    Uma ulterior demonstrao disso o fato de a repressointerna da fbrica Crespi ter comeado a funcionar antes que agreve explodisse, exatamente quando gerentes e contramestresperceberam que muitos dos operrios da seo de fiao dealgodo estavam participando ativamente das reunies noturnasda comisso de direo da Liga Operria da Mooca.60 Finalmente,outros dois sinais tambm mostram como havia um desenhoorganizativo da Liga Operria da Mooca: 1) a declarao da grevena Crespi foi decidida depois de uma reunio na mesma Liga; 2)o nmero dos grevistas (cerca de 400) correspondia praticamenteao nmero dos filiados Liga Operria da Mooca naquelemomento.61

    A greve da Crespi foi declarada no dia 9 de junho de 1917.Inicialmente, parecia uma greve parcial localizada, masdiferentemente das greves dos anos precedentes esta contava coma vantagem de ter uma comisso de grevistas que se reunia numaestrutura, a Liga Operria da Mooca, com muitos integrantes ebem enraizada no territrio, ainda que fosse uma organizaojovem.

    60 Um manifesto da Liga advertia sobre esta represso. Alm disso, os gerentestinham uma lista de cerca de 50 operrios considerados militantes sindicais:lista que entregaram polcia do Brs, para que esta fosse de casa em casapara convenc-los a voltar ao trabalho. Ver. Agitazioni operaie. Fanfulla,So Paulo, p. 4, 14 jun. 1917, e Le insidie padronali. Guerra Sociale, SoPaulo, n. 50, 2 jun. 1917. Os mesmos gerentes declararam tambm que desdejaneiro de 1917, em algumas sees da fbrica, havia interrupes parciaisdo trabalho com a ameaa de distrbios nas outras sees, o que mostravauma premeditao de uma greve de maiores propores. Ver Lo scioperodel cotonificio Crespi sincammina verso la soluzione. Fanfulla, So Paulo,p. 4, 28 jun. 1917.

    61 Nel cotonificio Crespi. Fanfulla, So Paulo, p. 4, 10 jun. 1917.

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    Foi a mesma Liga que planejou provavelmente uma linhade conduta que, negando a verso dos gerentes e da polcia, tentoumostrar o movimento era totalmente espontneo e desligado dequalquer premeditao. Esta considerao surge quandopensamos na resposta defensiva de Antonia Soares s perseguiesda polcia, quando declara que a greve era espontnea e que elano tinha nenhuma relao com os acontecimentos, emborasaibamos que ela tinha participado como oradora da manifestaode maio 1917 (incitando greve geral) e era secretria da LigaOperria do Belenzinho.62 A mesma estratgia aplicada tambmdiante do delegado Bandeira de Mello, quando duas comisses(uma feminina e uma masculina) de operrios da Crespi foraminterrogadas sobre as causas da greve, apesar de serem filiadosdesde sua fundao Liga Operria da Mooca.63

    A greve na Crespi ainda no estava generalizada, quandoa direo decidiu fechar a fbrica em resposta aos outros 110operrios da seo de l que ainda estavam trabalhando e quepediam o fim do patrulhamento externo do estabelecimento porparte da fora pblica. Naquele momento (23 de junho), a LigaOperria da Mooca j tinha se tornado um ponto de referncia,

    62 Guerra Sociale, So Paulo, n. 47, 12 mai. 1917.63 As declaraes de espontaneidade da greve so tambm expressas redao

    do Fanfulla pelos operrios, logo depois do interrogatrio na delegacia doBrs. Segundo a matria do jornal italiano, escrita a partir de testemunhosrecolhidos com os prprios inquiridos, outros operrios e com os policiais,a delegacia do Brs procurou alguns operrios da Crespi indicados comolideranas nas suas casas, para prend-los, mas na rua e nos domiclios aresposta foi que o movimento paredista no tinha chefes. Afinal, noveoperrios entre os vrios da Crespi procurados como sindicalistas foramconvocados e levados delegacia do Brs. Um grupo de operrias, porm,foi logo sede da Liga Operria da Mooca, onde estava ocorrendo umaassemblia, para contar o acontecido. A seo feminina da Liga decidiuenviar ento uma comisso de cinco mulheres para acompanhar os noveinquiridos com o mandato de explicar para o delegado que il movimentoera stato spontaneo e generale. O delegado Bandeira de Mello, que interrogoutambm as cinco trabalhadoras, argumentou que no deviam se deixarconvencer pelos anarquistas que, segundo ele, estavam liderando a grevee que no adiantava esconder isso. Os operrios das duas comisses, que, preciso lembrar, foram ouvidos separadamente na delegacia, reiteraramque il loro movimento obbediva a ragioni economiche. Ver: Agitazioni operaie.Fanfulla, So Paulo, p. 4, 14 jun. 1917.

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    funcionando como ncleo coordenador das negociaes entre acomisso dos grevistas e a direo da fbrica. Quando a CameraItaliana di Commercio ed Arti fez a proposta de funcionar comomediadora entre a direo e uma nova comisso de operrios daCrespi que ainda no estava em greve, os operrios recusaramesta oferta pedindo que esta tratasse diretamente com a diretoriada Liga Operria da Mooca. Os pedidos de aumento desta outraorganizao de operrios tambm no foram atendidos e,consequentemente, a greve estendeu-se, no dia 29 de junho, a todosos 1.500 operrio da fbrica.64 A greve da Crespi foi seguida apsalguns dias (30 de junho) pela paralisao da Fbrica Ipiranga deNami Jafet, tambm de tecidos.65

    Nos dias seguintes, comearam tambm as greves nasfbricas de mveis (quase todas situadas na Rua Piratininga e comuma mdia de 50-60 operrios cada) e, finalmente, no dia 7 dejulho, comeou a greve na Antarctica, enquanto os marceneiroscomeavam a obter gradualmente os aumentos pedidos e os txteisda Ipiranga voltavam ao trabalho vitoriosos.

    Diferentemente do que havia acontecido at aquelemomento, entrava em agitao a primeira fbrica com empregadosque desenvolviam diferentes funes, uma vez que as vrias seesda Antarctica contemplavam, de fato, marceneiros, vidreiros,pintores, operrios que trabalhavam na fabricao da cerveja emecnicos.66 A presena de uma liga operria estruturada como ada Mooca, que privilegiava a agregao territorial, favoreceu comcerteza a resistncia e a organizao dos operrios da Antarcticapara os quais era necessria uma organizao sindical que lhespermitisse tambm uma agremiao por setor industrial,coexistindo dentro da empresa diferentes ofcios. De fato, logoaps ter declarado a greve, mais de 800 operrios da Antarctica sedirigiram sede da Liga da Mooca, na Rua da Mooca 292-A,

    64 Lo sciopero del cotonificio Crespi sincammina verso la soluzione. Fanfulla,So Paulo, p. 4, 28 jun. 1917, e Il conflitto tra gli operai e la direzione delcotonificio Crespi. Fanfulla, So Paulo, p. 4, 30 jun. 1917.

    65 Mais de 1.600 operrios em greve, pedindo uma srie de aumentos emtorno de 20%, e de 25% em caso de trabalho noturno. Agitazioni operaie.Fanfulla, So Paulo, p. 5, 1 jul. 1917.

    66 Il malcontento delle classi operaie si va generalizzando. Fanfulla, So Paulo,p. 4, 8 jul. 1917.

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    pedindo a filiao organizao e, em assemblia no mesmo dia,formaram uma comisso na qual estavam representadas todas assees em greve, formando um organismo de 40 delegados defbrica.67

    Na primeira semana de julho, portanto, a greve ainda notinha sido generalizada, mas no bairro da Mooca as duas fbricasmais importantes (Crespi e Antarctica) estavam paradas.

    Sem adentrar aqui no exame da ao e da reao entregrevistas e polcia, fatos j amplamente estudados, e antes deexaminar mais atentamente como se desenvolveram os processosde formao das vrias ligas, apontamos somente alguns fatospara termos presente pelo menos que estes processos aconteceramnum contexto de violentos embates urbanos entre os grevistas e aFora Pblica do Estado de So Paulo.

    No mesmo dia em que entraram em greve os trabalhadoresda Antarctica, cujos donos tinham relaes estreitas com apolcia68 , as presses que as autoridades de segurana j vinhamrealizando sob pedido da diretoria da Crespi, seguindo suas aesinvestigativas precedentes de represso das lideranasanarquistas, aumentaram consideravelmente associando-se,inclusive, a um estado de tenso, sobretudo entre os txteis daCrespi devido a quase um ms de greve.

    Entre a noite do dia 7 de julho (assaltos a carros de farinhana Mooca) e a tarde do dia 13 (ataque da cavalaria da Fora Pblicana Ladeira do Carmo e morte do pedreiro Nicola Salerno e damenina Edoarda Bindo, filha do operrio Primo) a cidade de SoPaulo ficou quase ingovernvel.

    O ponto mais alto foi alcanado quando do enterro docorpo do sapateiro Jos Gimenez Martinez, jovem militanteanarquista de 21 anos que fazia parte do grupo Jovens Incansveis,recm-chegado em So Paulo com a prpria famlia em janeiro de1917.69 No dia do enterro, mais de 10.000 pessoas participaram do

    67 Id.68 FAUSTO, 1978, op. cit., p. 201-207.69 La morte dello spagnolo Gimenez. Fanfulla, So Paulo, p. 3, 11 jul. 1917.

    Jos Martinez trabalhava na fbrica de calados Beb, cujos operriosimediatamente realizaram uma subscrio para sustentar a sua famlia.Ainda em agosto, as ofertas continuavam. Sottoscrizione in favore dellafamiglia delloperaio Jos Martinez. Fanfulla, So Paulo, p. 3, 6 ago. 1917.

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    cortejo fnebre que se desenrolou ao longo de toda a cidade,interrompido por comcios e protestos.70 Entre comcios, passeatas,invaso do centro a partir dos bairros operrios e os embates coma polcia, foi se desenvolvendo a ao do Comit de DefesaProletria e, ao mesmo tempo, as reunies do Secretrio de JustiaEloy Chaves com os empresrios mais importantes da cidade, atque uma comisso constituda pelos diretores dos jornais paulistasda grande imprensa funcionou como intermediria entre o blocoChaves-empresrios e o Comit.

    Entre o dia 12 e o dia 16 de julho, chegou-se finalmente assinatura de uma base de acordos que reconhecia o direito dereunio, o aumento de 20%, a libertao dos presos e a proibiode demisso dos operrios grevistas apontados como osorganizadores do movimento nas fbricas.71 No dia 16 de julho,em comcios nos bairros operrios (o mais importante foi orealizado no Largo da Concrdia, no Brs), os lideres do Comitde Defesa Proletria (Leuenroth, Monicelli, e Candeias Duarte)apresentaram aos operrios as bases de acordo, que foramaprovadas com poucas oposies.72 Os protestos custaram a vidade cerca de 200 pessoas, segundo uma investigao realizada peloFanfulla no cemitrio do Ara nas noites de 15 e 16 de julho,quando a polcia fechou o cemitrio e comeou a transportar oscadveres.73

    70 I funerali delloperaio Martinez. Fanfulla, So Paulo, 12 jul. 1917.71 A data oficial do acordo 14 de julho de 1917, porque naquele dia foi

    assinado pelos doze empresrios mais importantes. O primeiro assinanteera Rodolfo Crespi, seguido por Jorge Street. Na lista encontrava-se o nomede Ermelino Matarazzo, mas no o de Francesco Matarazzo. Fanfulla, SoPaulo, p. 4, 15 jul. 1917, e Fanfulla, So Paulo, p. 1, 16 jul. 1917. Os jornalistasque promoveram o acordo foram: Silveira Jnior (Correio Paulistano), Valentede Andrade (Jornal do Commercio), Umberto Serpieri (Fanfulla), Lisboa Junior(Diario Popular), Paulo Moutinho (A Gazeta), Valdomiro Fleury (A Platea),Joo Castaldi (A Capital), Paolo Mazzoldi (Il Piccolo), Nestor Pestana (OEstado de S.Paulo), Amadeu Amaral (O Estado de S.Paulo). Ver La mediazioneofferta dalla stampa paulistana. Fanfulla, So Paulo, p. 4, 14 jul. 1917. Nodia 15 de julho participaram da reunio com o Comit tambm NereuPestana (O Combate), Jos Gama (Diario Espaol), Frana Pereira (DirioAllemo). Ver Fanfulla, So Paulo, p. 1, 16 jul. 1917.

    72 I Comizi proletari di ieri. Fanfulla, So Paulo, p. 4, 17 jul. 1917.73 Voci allarmanti sul numero dei morti. Fanfulla, So Paulo, p. 2, 22 jul. 1917.

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    Todavia, com quais especificidades se desenvolveram omovimento grevista e o de organizao dos operrios paulistanosnaqueles dias?

    Em primeiro lugar, necessrio destacar que, at o dia 13de julho, os grevistas so ainda, aproximadamente, 25.000,correspondendo a 90 estabelecimentos fabris. Nesta data, foramconhecidas, na parte da manh, as propostas de intermediao dacomisso da imprensa e a declarao de Eloy Chaves que osempresrios teriam chegado a um acordo a favor do aumentosalarial de 20% e da readmisso de todos os operrios.74

    Examinando o prospecto detalhado da situaoapresentado diariamente pelo Fanfulla, a cuja redao eramcomunicadas as greves pelas comisses de operrios, podemosobservar que o nmero mais alto de operrios em greve foialcanado no dia da apresentao (em dia 16 de julho durantecomcio pblico) pelo Comit de Defesa Proletria dos acordosestipulados: 43.800 grevistas. Aps esta data, os grevistas foramdiminuindo, porm a diminuio no foi rpida, porque boa partedos empresrios recusava-se a assinar o acordo de 14 de julho,pretendendo negociar cada um com seus empregados os aumentose outras melhorias, sem contar com o fato de que em algumasfbricas de mdias dimenses a greve comeou depois do dia 16.75

    Ainda em 11 de julho, dia do enterro de Martinez, osgrevistas eram 15.000, dos quais 9.500 estavam em greve dereivindicao, enquanto o restante encontrava-se em greve desolidariedade. Os 9.500 estavam todos concentrados ainda naMooca, em seis grandes estabelecimentos (Crespi, Antarctica,Fbrica Mariangela da Matarazzo, Stamperia Matarazzo, Tecidosde Juta, Lanifcio De Camillis) e espalhados em 24 oficinas defabricao de mveis.76 No dia seguinte ao enterro, os grevistaseram 20.000 (mas 1.000 operrios da Antarctica tinham conseguidoos aumentos e estavam em greve de solidariedade).77

    Consequentemente, podemos dizer que a greve tornou-secompletamente generalizada somente nos dias em que a vitria deuma grande parte dos operrios atraiu o restante dos trabalhadores,sobretudo os das pequenas e mdias fbricas, para o movimento.

    74 Ver o arrolamento de greves e grevistas no Fanfulla, So Paulo, 13 jul. 1917.75 Fanfulla, So Paulo, de 16 jul. 1917 a 20 jul. 1917.76 Fanfulla, So Paulo, p. 2, 11 jul. 1917.77 Fanfulla, So Paulo, p. 3, 12 jul. 1917.

  • A greve geral de 1917...

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    Assim como em 1907, uma organizao sindical aindafrgil tinha conseguido levar frente uma greve que, inicialmentelimitada a alguns setores, em pouco tempo transformou-se emgeneralizada e se tornou o maior impulso para a formao de umaestrutura sindical mais enraizada.

    Seguindo dois caminhos diferentes mas convergentes(ligas de bairro e ligas de ofcio) no se pode negar que o maiorestmulo formao das organizaes de sindicatos fora a greve,o que proporcionou posteriormente a idia de que o espontanesmotivesse sido o carter mais evidente da greve geral de 1917.

    Todavia, o processo de reorganizao sindical foi bastanteinfluenciado pela presena: 1) do papel de coordenao da grevedesenvolvido pelo Comit de Defesa Proletria, nos moldesplanejados no perodo de maio-junho, quando da ao do ComitContra a Explorao das Crianas e da fundao da Liga Operriada Mooca e da Liga Operria do Belenzinho, segundo as bases deacordo da UGT; 2) da participao no Comit de Defesa Proletriatambm de lderes e militantes do Centro Socialista Internazionale,cujo trabalho estava direcionado greve geral e instituio de umaCamera del Lavoro paulistana; e 3) de uma rede de associaespolticas e mutualistas italianas (grupos republicanos, lojas manicase algumas sociedades italianas de socorro mtuo) simpticas aomovimento grevista e que o apoiaram financeiramente.78

    A nova Federao Operria do Estado de So Paulo (FOSP)foi fundada no dia 26 de agosto de 1917, com a adeso de 24organizaes operrias.79 Concentrando nossa ateno somente

    78 Ver, por exemplo, as listas de subscrio em prol dos grevistas publicadasem Guerra Sociale durante este perodo.

    79 Liga dos Trabalhadores em Cermica, Liga dos Trabalhadores em Madeira,Sindicato dos Ferreiros e Serralheiros, Sindicato Grfico do Brasil, Sindicatodos Trabalhadores em Fbricas de Bebidas seo da Cia. Antarctica,Sindicato dos Padeiros e Confeiteiros, Sociedade dos Alfaiates, Unio dosSapateiros, Unio dos Chapeleiros, Unio dos Padeiros, Unio Geral dosFerrovirios seo da SP Railway, Unio dos Canteiros, Liga Operriada Mooca, Liga Operria do Belenzinho, Liga Operria da gua Branca eLapa, Liga Operria do Cambuci, Liga Operria do Ipiranga, Liga Operriado Bom Retiro, Liga Operria da Vila Mariana, Liga Operria do Brs,Sociedade dos Metalrgicos de So Caetano, Sindicato Internacional dosCanteiros de Ribeiro Pires, Liga Operria de So Roque, Liga Operria deSorocaba. Lassemblea generale dei rappresentanti le leghe operaie. Fanfulla,So Paulo, p. 2, 26 ago. 1917.

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    nas ligas paulistanas, pode-se notar, desde j, que doze so deofcio e oito so constitudas por bairro. Destas ligas, antes quecomeasse a greve na Crespi, existiam somente a Liga Operriada Mooca, a Liga Operria do Belenzinho, o Sindicato Grfico e aUnio dos Chapeleiros. Durante o ms de junho fundada somentea Liga Operria de gua Branca e Lapa. No incio de julho, socriadas a Liga Operria do Ipiranga, a Liga Internacional dosMarceneiros e a Unio (ou Sociedade) dos Alfaiates. O restantedos sindicatos formado na primeira semana de agosto, emborao processo de constituio tenha comeado j durante o ms dejulho.80

    Todavia, pode-se dizer que a greve e a formao das ligasde ofcio desenvolveram-se paralelamente; nunca a greve explodianum setor industrial ou num ofcio sem que tivesse sido antesplanejada por uma comisso provisria, que, aps uma ou duassemanas, estruturava-se definitivamente em liga de ofcio comestatutos prprios.81 Foi a partir destas comisses que, em agosto,formaram-se as ligas profissionais. Os estatutos foram todosdebatidos nas primeiras semanas de agosto e em muitos casosmostravam sua ligao com a histria passada destas mesmasorganizaes, uma vez que nas reunies no se discutia sobre asua fundao mas sobre a sua reconstruo, seguindo os estatutosdas ligas pertencentes velha FOSP, ainda que o Comit de DefesaProletria tenha enviado um esquema de bases de acordo.82

    O comit, composto na sua totalidade por militantespoltico-sindicais, mas no pelas comisses dos grevistas, tinhacomo funo coordenar a greve geral e a criao das ligas, masno interferia nas reunies das comisses de operrios em greveou nas organizaes de ofcio. Em geral, representava o elo entreexperincias de luta sindical (antigas ou recentes) e as do momento,pondo disposio: a) parte de seus componentes, que eramorganizadores j nos sindicatos existentes (como o dos grficosou o dos chapeleiros) e b) a simbologia representativa e os modelosorganizativos prticos das ligas operrias, como livros, registros,

    80 Fanfulla, So Paulo, nmeros de junho a agosto de 1917; Avanti! (2 srie),So Paulo, agosto de 1917; Guerra Sociale, So Paulo, junho-agosto de 1917;A Plebe, julho-agosto de 1917.

    81 Fanfulla, So Paulo, nmeros de julho de 1917.82 Movimento operaio. Fanfulla, So Paulo, de 1 a 18 ago. 1917.

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    atas, papis e carimbos de diversos sindicatos que tinham cessadode existir h alguns anos.83

    Cessadas as negociaes com os empresrios, o Comitde Defesa Proletria dedicou-se, a partir da metade de julho, acontrolar a execuo dos acordos, a acompanhar a resoluo degreves parciais ou das que ainda no tinham se resolvido, e a partirda primeira semana de agosto comeou a coordenar as reuniesdas organizaes sindicais ainda em formao, com o fim derealizar, no dia 26 de agosto, um Congresso geral das associaesoperrias, libertrias e socialistas com o objetivo de concretizarum programa de ao comum84

    Sendo composto indistintamente por socialistas (quasetodos italianos) e anarquistas (em grande parte italianos, eparcialmente por brasileiros e espanhis), as reunies do Comitde Defesa Proletria aconteciam tanto na sede do Centro Libertriocomo na do Circolo Socialista Internazionale.

    OS SOCIALISTAS ITALIANOS NOS EVENTOS DEJULHO DE 1917 E A SOLIDARIEDADE DE ALGUMASASSOCIAES ITALO-PAULISTANAS PARA COM AGREVE

    A organizao operria federativa que surgiu em agosto(FOSP) mostrava assim a inter-relao entre o modelo de federaooperria socialista (na qual a tendncia era a agremiao deassociaes de ofcio) e o anarquista de tipo territorial que tendia anulao de separaes corporativas.

    Aps uma anlise das atividades destas agremiaes,podemos dizer que a sua formao obedeceu, alm do impulsoimediato da greve (pela qual era necessrio formar comissesunitrias o quanto possvel para negociar com a direo daempresa), s ligaes da maioria de seus integrantes com um ououtro grupo poltico.

    Em alguns casos, de fato, certo nmero de ligas escolheucomo sede o edifcio do Centro Socialista Internazionale ou de

    83 Fanfulla, So Paulo, p. 5, 12 ago. 1917.84 Fanfulla, So Paulo, p. 5, 12 ago. 1917.

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    entidades ligadas aos socialistas italianos. A Unio dos Sapateirosreunia-se no Salone Cesare Battisti85 , os marceneiros (aps umperodo de reunies no Bom Retiro numa sede prpria) escolheramcomo sede a da Rua Aurora 29, assim como os grficos, os padeirose os canteiros. Tambm prxima aos socialistas era a Unio dosAlfaiates, cujas reunies se realizavam no salo Italia Fausta. Ospedreiros (cuja organizao ainda estava em formao no dia dareunio de 26 de agosto) e os ferreiros-metalrgicos so os nicosque quase sempre escolheram a sede do Centro Libertrio. Orestante dos grmios de ofcio reunia-se nas ligas operrias debairro, com exceo dos Chapeleiros, que tinham sede prpria. Aproximidade com um ou outro grupo poltico tambmconfirmada pela presena nas reunies dos vrios grmios demilitantes do Partito Socialista Italiano em So Paulo ou deintegrantes do Centro Libertrio.86

    Deriva assim um panorama, no qual as ligas de ofciomostram a sua ligao maior, embora nem sempre, com a atividadedesenvolvida pelos militantes do Centro Socialista Internazionale edo Circolo Socialista di Agua Branca e Lapa, favorecidas pela presenade experientes sindicalistas italianos como Teodoro Monicelli,Giovanni Scala, Giuseppe Sgai e Ambrogio Chiodi87 . Ao contrrio,

    85 Cesare Battisti (1875-1916), uma das lideranas dos socialistas de Trento(cidade etnicamente italiana, que fazia parte do Imprio Austro-Hngaro),acusado de traio, foi enforcado pelas autoridades austracas. Socialistanacionalista, se alistou no exrcito italiano logo aps o incio do conflito,recusando-se a integrar o exrcito austro-hngaro apesar de ser cidadoaustraco. Recorde-se que em 1911 havia sido eleito deputado, pelo PartidoSocialista Austraco, para o parlamento imperial.

    86 Informao obtida pela comparao de listas de militantes presentes nosjornais paulistanos Guerra Sociale, Fanfulla, A Plebe e Avanti!, do perodo1916-1917.

    87 Cabem aqui algumas breves menes biogrficas. Teodoro Monicelli nasceuem Ostiglia (Mantova) em 1875. Marceneiro, comeou sua trajetria nosgrupos anarquistas de Milo, em 1899 foi um dos organizadores da longagreve da Ansaldo, a maior fbrica metalrgica italiana da poca, a partirde 1902 entrou no Partido Socialista Italiano. J em 1904 foi um dos lderesda greve geral em Milo (primeira grande greve geral na Itlia, que sealastrou por toda a parte central e setentrional do pas). Antes de emigrarpara So Paulo (1913) foi presidente de federaes sindicais locais em reasde alto grau de organizao sindical rural (como Ferrara e Ostiglia), ouurbana (Bergamo e Terni, dois dos principais centros metalrgicos da Itlia).

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    o grupo anarquista de Leuenroth e de Florentino de Carvalho,alm do de Guerra Sociale (de Damiani e Cerchiai), participavammais da organizao dos teceles e das ligas de bairro.

    Vinculada tambm ao mundo associativo mutualista dossocialistas italianos imigrados era a Unio dos Chapeleiros, que,como em perodos precedentes, no momento da luta sindicalabandonava sua estrutura de sociedade de socorro mtuoprofissional, para tornar-se um sindicato que deixava de lado omutualismo (ainda que no completamente) pela luta dereivindicao salarial.88 Esta estrutura era expresso da maioriade seus integrantes, fiis militantes dos grupos republicanos esocialistas italianos da cidade de So Paulo.89

    A atuao dos socialistas italianos da cidade de So Paulo,j a partir do desenrolar-se da greve na Crespi, foi, portanto,evidente e acompanhou com assiduidade todo o desenvolvimentodo movimento grevista. Quem mais insistiu para que a greve

    Foi expulso definitivamente do Brasil em 1919. Giuseppe Sgai, que pertenciaa uma conhecida famlia socialista de Rifredi, bairro operrio de Florena,nasceu em 1895. A sua atividade poltica e sindical comeou tambm cedo:a polcia italiana o encont