grau. eros r. por que os tenho medo dos juízes - cap. 1

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24 POR QUE TENHO MEDO DOS JUIZES Estamos, todavia, em perigo quando alguém se arroga o direito de tomar o que pertence à dignidade da pessoa humana como um seu valor (valor de quem se arrogue a tanto). É que, então, o valor do humano as- sume forma na substância e medida de quem o afirnié e o pretende por na qualidade e quantidade em que o mensure . o valQr da dig- nidade da pessoa humana não será mais valor do humano, de todos quantos pertencem à Humanidade, porém de quem o proclame confor- me o seu critério particular. Estamos então em perigo, submissos à tira- nia dos valores.( ...) quando um determinado valor apodera-se de uma pessoa tende a erigir-se em tirano único de todo o ethos humano , ao custo de outros valores, inclusive dos que não lhe sejam, do ponto de vista material, diametralmente opostos. 6 Por isso tenho medo dos juízes e dos tribunais que praticam esse inusitado controle de proporcionalidade e de razoabilidade das leis, le- gando-me incerteza e insegurança jurídicas ... 13. A objetividade da lei e Franz Neumann Antes de fechar esta "Introdução", retomo a Neumann: 7 "um siste- ma legaJ que construa os elementos básicos de suas normas a partir dos chamados princípios gerais ou padrões jurídicos de conduta não é senão um escudo que oculta medidas individuais". O que tínhamos, o que nos assistia- o direito moderno, a objetivi- dade da lei-, o Poder Judiciário aqui, hoje, coloca em risco. Isso tudo talvez acabe quando começar a comprometer a fluência da circulação mercantil, a caJculabilidade e a previsibilidade indispen- sáveis ao funcionamento do mercado (talvez então os juízes voltem a ser a boca que pronuncia, sem imprensa, sem televisão ...). Ou será a desordem, até que novos rumos nos acudam ... 8 6. A respeito da tirania dos valores, v. item 86, adiante. 7. V. item ll, acima. 8. Peço ao leitor, para que bem compreenda o sentido desta "Introdução", que -antes de prosseguir na leitura do quanto segue - passe os olhos pelas conclusões (ou preocupações; ou angústias; ou temores) que enuncio no item 105, adiante. I A INTERPRETAÇÃO Una prima mia affermazione conceme un problema anche piu gene- rale: oggetto dell'interpretazione non e una "norma", ma un testo (o un comportamento); e in forza dell'intepretazione dei testo (o dei compor- tamento) e percio sempre in forza di un dato che a rigore puo dirsi "pas- sato", "storico", che si formula la "norma" (come "presente" ed anzi proiettata nel "futuro"). Questa una volta espressa toma necessariamente ad essere "testo". [Ascarelli 1959:140] 1 14. Observações iniciais O vocábulo "produção" é usado na expressão "produção do direito pelo juiz" em sentido diverso do veiculado pelo vocábulo "criação". O que desejo afirmar é que os juízes, intérpretes autênticos? embora não o criem, produzem direito ao completar o trabalho do legislador (ou do autor do texto, no exercício de função regulamentar ou regimental) [cf. Grau 2011:239-240]. Os juízes completam o trabalho do autor do texto normativo. A finali- zação desse trabalho é necessária em razão do próprio caráter da interpreta- ção, que se expressa na produção de um novo texto (a norma) a partir de um primeiro texto (a Constituição, uma lei, um regulamento ou um regimento). Em outros termos: os juízes produzem direito em e como conse- quência do processo de interpretação. A interpretação é transformação de uma expressão (o texto) em outra (a norma). 3 Nesse sentido, o juiz produz direito (isto é, a norma). l. Sobre a interpretação como o momento criativo do direito no pensamento de Ascarelli, v. Grossi [1998:354 e ss.]. 2. Uso a expressão "intérprete autêntico" no sentido a ela atribuído por Kelsen. 3. E esta, como observa Ascarelli, logo se converte em novo texto.

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Fragmento do livro de Eros Roberto Grau, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, sobre o medo dos juizes.

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  • 24 POR QUE TENHO MEDO DOS JUIZES

    Estamos, todavia, em perigo quando algum se arroga o direito de tomar o que pertence dignidade da pessoa humana como um seu valor (valor de quem se arrogue a tanto). que, ento, o valor do humano as-sume forma na substncia e medida de quem o afirni e o pretende i~~-por na qualidade e quantidade em que o mensure. En!~ o valQr da dig-nidade da pessoa humana j no ser mais valor do humano, de todos quantos pertencem Humanidade, porm de quem o proclame confor-me o seu critrio particular. Estamos ento em perigo, submissos tira-nia dos valores.( ... ) quando um determinado valor apodera-se de uma pessoa tende a erigir-se em tirano nico de todo o ethos humano, ao custo de outros valores, inclusive dos que no lhe sejam, do ponto de vista material, diametralmente opostos.6

    Por isso tenho medo dos juzes e dos tribunais que praticam esse inusitado controle de proporcionalidade e de razoabilidade das leis, le-gando-me incerteza e insegurana jurdicas ...

    13. A objetividade da lei e Franz Neumann Antes de fechar esta "Introduo", retomo a Neumann:7 "um siste-

    ma legaJ que construa os elementos bsicos de suas normas a partir dos chamados princpios gerais ou padres jurdicos de conduta no seno um escudo que oculta medidas individuais".

    O que tnhamos, o que nos assistia- o direito moderno, a objetivi-dade da lei-, o Poder Judicirio aqui, hoje, coloca em risco.

    Isso tudo talvez acabe quando comear a comprometer a fluncia da circulao mercantil, a caJculabilidade e a previsibilidade indispen-sveis ao funcionamento do mercado (talvez ento os juzes voltem a ser a boca que pronuncia, sem imprensa, sem televiso ... ). Ou ser a desordem, at que novos rumos nos acudam ... 8

    6. A respeito da tirania dos valores, v. item 86, adiante. 7. V. item ll, acima. 8. Peo ao leitor, para que bem compreenda o sentido desta "Introduo", que

    -antes de prosseguir na leitura do quanto segue - passe os olhos pelas concluses (ou preocupaes; ou angstias; ou temores) que enuncio no item 105, adiante.

    I A INTERPRETAO

    Una prima mia affermazione conceme un problema anche piu gene-rale: oggetto dell'interpretazione non e una "norma", ma un testo (o un comportamento); e in forza dell'intepretazione dei testo (o dei compor-tamento) e percio sempre in forza di un dato che a rigore puo dirsi "pas-sato", "storico", che si formula la "norma" (come "presente" ed anzi proiettata nel "futuro"). Questa una volta espressa toma necessariamente ad essere "testo". [Ascarelli 1959:140]1

    14. Observaes iniciais O vocbulo "produo" usado na expresso "produo do direito

    pelo juiz" em sentido diverso do veiculado pelo vocbulo "criao". O que desejo afirmar que os juzes, intrpretes autnticos? embora no o criem, produzem direito ao completar o trabalho do legislador (ou do autor do texto, no exerccio de funo regulamentar ou regimental) [cf. Grau 2011:239-240].

    Os juzes completam o trabalho do autor do texto normativo. A finali-zao desse trabalho necessria em razo do prprio carter da interpreta-o, que se expressa na produo de um novo texto (a norma) a partir de um primeiro texto (a Constituio, uma lei, um regulamento ou um regimento).

    Em outros termos: os juzes produzem direito em e como conse-quncia do processo de interpretao. A interpretao transformao de uma expresso (o texto) em outra (a norma).3 Nesse sentido, o juiz produz direito (isto , a norma).

    l. Sobre a interpretao como o momento criativo do direito no pensamento de Ascarelli, v. Grossi [1998:354 e ss.].

    2. Uso a expresso "intrprete autntico" no sentido a ela atribudo por Kelsen. 3. E esta, como observa Ascarelli, logo se converte em novo texto.

  • 26 POR QUE TENHO MEDO DOS JUZES

    Desejo, ademais, anotar desde logo que a norma no apenas o texto normativo nela transformado, pois resulta do conbio entre o tex-to e a realidade.

    Nego, pois, a concepo tradicional, moda de Savlgny, para"-quem a .. interpretao no mais que a reconstruo do pensamen!o_ do legislador..4

    Em suma: a interpretao do direito no atividade de conhecimen-to, mas constitutiva; portanto, decisional, embora no discricionria. Dizendo-o de outro modo: a interpretao do direito envolve no apenas a declarao do sentido veiculado pelo texto normativo, mas a constitui-o da norma a partir do texto e da realidade. atividade constitutiva, no meramente declaratria. Um autor infelizmente pouco frequentado, Ni-cos Poulantzas [1965:225], assinalava- a seu tempo, inovadoramente- a importncia da atividade desempenhada pelo juiz em termos de objetiva-o necessria existncia do direito. Da seu papel criador. Mas ele cria (=produz) a norma no a partir do nada, e sim, inicialmente, dos textos.

    . A _outro ponto devo , ainda, introdutoriamente aludir, para distin-gutr a mterpretao desenvolvida pelos juzes (intrpretes autnticos) dos exerccios de interpretao praticados pelos demais operadores do direito5 e pela doutrina. Estes ltimos -operadores do direito e juristas - no so dotados do poder de praticar o ato decisional, momento fmal da atividade de interpretao. O nico intrprete autorizado pelo pr-prio direito a definir a norma de deciso em cada caso o juiz. Convm, portanto, para apart-las, afirmarmos que a atividade (= conjunto de atos) de interpretao empreendida pelos demais operadores do direito e pelos juristas cessa no momento anterior ao da definio da norma de deciso, ato privativo do intrprete autntico.

    . A ~x~osio ~ue segue afasta-se do positivismo legalista, que supe se}a ~ drreito um s~stema fechado, continente de todas as solues deman-davets tendo em VIsta a harmonizao, ou organizao, de conflitos redu-zidos sua expresso em litgios judiciais [v. Grau 2011:25-26] . Afasto--me _do positivismo legalista, que - na crena irreal de que o universal dorrune, supere e suplante os particularismos- v o direito como sistema que no contm nem admite excees. No obstante, se entendermos que o acatamento legalidade e ao devido procedimento legal se encontra na raiz do po~i~i~ismo, a exposio que segue h de ser tida como expresso de um positivismo adequado aos particularismos da realidade social.

    4. Para ampliar, v. Grau [2009:nota 4]. S. Detesto a expresso, utilizando-a por razes de brevidade.

    A INTERPRETAO 27

    15. A interpretao at os anos 1970 e a subsuno

    Cossio [1939:100-102] produz relato bastante fiel do estado em que permaneceu o pensamento jurdico a propsito da interpretao do direi-to at os anos 70 do sculo passado, observando que Kelsen e Merkl explicaram pela primeira vez a relao lgica que h entre o momento legislativo e o momento judicial do direito: o juiz no pode criar normas gerais, mas cria direito ao criar normas individualizadas. O juiz no le-gisla nem suplementa a lei, mas, dentro do espao sinalizado pela lei, autodetermina-se. Eis a a interpretao. Todo o espao da dinmica ju-rdica aplicao em relao s normas gerais que o fundamentam, mas criao em relao s normas inferiores que fundamenta. Da que, as-sim como o legislador aplica a Constituio quando legisla, o juiz quan-do decide aplica a lei, criando, porm, dentro dela, uma norma indivi-dualizada. Eis a o fundamento lgico da interpretao judicial.6 A lei , ento, concebida como orientao a ser seguida por quem deve tomar aquela deciso, ou seja, para quem encontra e forma a norma particular.

    assim- prossegue Cossio- que o juiz, por uma razo ontolgica, cria direito dentro da lei, mas no pode cri-lo fora dela seno por dele-gao, merc do qu, em rigor, se transforma em legislador. Resulta decisiva, ento, para a compreenso de tudo isso, a distino entre nor-mas jurdicas gerais e normas individualizadas, que a Escola de Viena elaborou com rigorosa fora demonstrativa. As sentenas, as resolues administrativas e os negcios jurdicos so, ento, compreendidos co-mo normas , e no como fatos, conforme o ensino tradicional .7

    A importncia da nova hermenutica est em que a razo mencionada por Cossio, que daria lugar interpretao tradicional, desaparece. Outra , agora, a razo ontolgica da criao de direito pelo intrprete autntico.

    6. Cossio cita Capograssi - "aplicar a le i significa para o juiz, para o adminis-trador, para o jurista prtico, encontrar e formar a norma particular adequada ao caso particular, e a lei apenas o critrio dado ao juiz para regular-se melhor ao resolver a busca que o caso particular suscita".

    7. Referindo-se extenso interpretativa no caso das lacunas jurdicas, Cossio [1939:105-106] observa que, ao contrrio do paleontlogo- que constri toda uma ossatura a partir de um s osso desenterrado-, o juiz encontra a norma jurdica no formulada pelo legislador. Isso porque, sendo o direito uma totalidade hermtica, a norma necessariamente est nela. O juiz unicamente explicita a norma no formulada. O juiz no cria a norma geral na qual fundamentar sua deciso, mesmo porque essa hiptese implicaria que o caso fosse julgado segundo uma norma criada depois do fato e para o fato - o que contrariaria outros pressupostos da ordem j urdica.

  • 28 POR QUE TENHO MEDO DOS JU[ZES

    Por isso recuso a concepo da interpretao como mera subsun-o [v. Engisch 1983:43 e ss.[. Pois a interpretao do direito no se reduz a exerccio de comprovao de que, em determinada situao de fato, efetivamente se do as condies de uma consequncia j urdica (um dever-ser). Nesse mero exerccio no h absolutamente nenhuma criao de direito.89

    8 . A subsuno implica apreciar-se como da generalidade de um dever-ser, de suas implicaes gerais, so obtidas as proposies concretas desse dever-ser. Ulti-mar essa operao aplicar o direito; sua mecnica est fundada em um silogismo: a premissa maior o texto normativo, a premissa menor so os pressupostos de fato e a consequncia jurdica [Canosa Usera 1988:9-10] .

    Lembre-se o trecho clssico de Beccaria [1911:28]: 'Jn ogni delitto si deve fare da! giudice un sillogismo pe1fetto: la maggiore dev'essere la legge genera le; la minore, l'azione conforme o no alia legge; la conseguenza; la libe11 o la pena. Quando il giudi-ce sia costretto, o voglia fare anche sol i due sillogismi. si appre la po11a all'ince11ezza".

    Donati [2002:27] observa que: "Alia certezza del diritto si correia, come conse-guenza necessaria , la soggezione del giudice ai diritto. Se il diritto e dato, il giudice non deve piu elaborare la regola compositrice del conflitto intersoggettivo sottoposto alia sua cognizione. ma limitarsi a correlare il fatto ai diritto. a sussumere il fatto nel diritto. e, da questa sussunzione, ricevere le conclusioni. 11 diritto diviene, cosl, la premessa maggiore di un sillogismo apodittjco. il fatto la premessa minore, la senten-za la conclusione indotta da queste due premesse''.

    Ainda a negar a interpretao como mera subsuno. Pontes de Miranda L1975:288 292]: " A expresso eiTO conlra li leram'. ou violao da regra jurdica (ou texto) literal de lei, nenhuma referncia contm a ser escrito ou no escrito o direito.( .. . ). O direito ,em sua evoluo incessante. ou. pelo menos, em sua mutabilidade. porque lhe faltam os fa-tores de estabilidade. mais caractersticos da moral e da religio. constitui o que. em cada momento. tido pelo mais justo e ao mesmo tempo rea/i~ve/ . ( ... ).O princpio de que o juiz est sujeito lei , ainda onde o meteram nas Constituies, algo de 'guia de viajan-tes, de itinerrio, que muito serve, mas nem sempre basta. Equivale a inserir-se nos re-gu lamentos de uma fbrica uma lei de fsica, a que se devem subordinar as mquinas: a al!erao h de ser nas mquinas. Se entendemos que a palavra 'lei' substitui a que l ?ever estar, 'direito' ,j muda de figura. Porque direito conceito sociolgico, a que o JUIZ se subordina. pelo fato mesmo de ser instnunento da realizao dele. E esse o l'er-dadeiro contedo do juramento do juiz quando promete respeitar e assegurar a lei. Se o contedo fosse o de impor a /eira legal, e s ela, aos fatos , a funo judicial no corres-penderia quilo para que foi criada: apaziguar. realizar o direito objetivo. Seria a perfei-o em matria de brao mecnico do legislador, brao sem cabea. sem inte ligncia. sem discernimento; mas antissocial e , como a lei e a jurisdio servem sociedade, ab-surda. Alm disso. violaria, eventualmente. todos os processos de adaptao da prpria viela social, porque s atenderia a eles. fosse a moral. fosse a cincia. fosse a religio. se coi11cidissem com o papel escrito. Seria pouco provvel a realizabilidade do direito obje-tiVO se s fosse a lei: no apenas pela inevitabilidade das lacunas. como porque a prpria realizao supe provimento aos casos omissos e a subordinao das pa1tes impe1feitas aos ~rincpios do prprio direito a ser realizado. ( ... ) .A regra extralegal (no sentido de no escnta nos textos). assente com fixidez e inequivociclade, direi/o. ao passo que no o

    A INTERPRETAO 29

    16. /nterpretar/compreender As exposies tradicionais sobre a interpretao do direito geral-

    mente so abertas com uma aluso compreenso. Diz-se , ento, em aluso interpretao em geral, que- ainda que

    o verbo denote distintos significados- interpretar compreender. Deveras, interpretar , em sentido amplo, compreender. Diante de

    determinado signo lingustico, a ele atribumos um significado especfi-co, definindo a conotao que expressa, em coerncia com as regras de sentido da linguagem no bojo da qual o signo comparece. Praticamos, ento, exerccio de compreenscio desse signo(= buscamos entend-lo). Interpretar, em sentido amplo, compreender signos lingusticos .

    Em sentido estrito , contudo, o verbo "interpretar" assume distinta conotao. Qualquer ato de comunicao pode ensejar uma ou outra das seguintes situaes: (i) as palavras e expresses ela linguagem nele utili-zadas so suficientemente claras, verificando-se. ento, uma situao de isomorfio fWrblewski 1985:231' (i i) inexiste essa clareza, e dvidas se manifestam quanto ao sentido preciso de tais palavras e expresses.

    Demanda-se, assim, nesta segunda situao, como antecedente in-dispensvel plenitude da compreenso, a determinao do significado das palavras e expresses de que se cuida, no que se busca precisar seus sentidos. Aqui, portanto, a interpretacio (em sentido estrito)- exerc-

    a reora legal a que a interpretao fez dizer outra coisa ou o substituiu . Pouco importa. ou nad: imp011a. que a letra seja clara. que a lei seja clara: a lei pode ser clara e obscuro~ direito que, diante dela, se deve aplicar. Porque a lei roteiro, itinerrio, guia. Do que fm dito podemos tirar que o direito. a que se referem as leis processuais. no a lei; mas aquele cercado, no muito fino , em que os textos so estacas. que s vezes. por serem duas ou mais. uma adiante das outras. o arame -;6 por uma passa. porque a outra ou outras ficaram fora do que bastaria ao cercado ou seria preciso ao ce~cado . O l'er/nun le~is ~ nfimo se ns lhe antepomos a vis ac poleslas /egis. O contedo 1manente da ordem JUI'I-dica obriga a que a lei mesma, que no prius. sofra a ajustao ao direito fixado. que ela no teve toras para mudar. A opinio de que ao iudiciw11 rescindens no vo son~e~te as sentenas proferidas conlra direi lo 'escri!O' nunca deixou de ser a dos gran~es JUnstas. O direito. e no a lei como texto, o que se teme seja ofendido. Alguns escntores clesa: visados leram 'direito expresso como se fosse 'lei escrita clara. lei escrita ex~_lcita. E grave erro. O direito de que se fala o direito em sua consislllcia.

  • 30 POR QUE TENHO MEDO DOS JUfZES

    cio complexo, distinto da pronta coleta de um especfico significado -antecede, na medida em que a viabiliza, a plenitude da compreenso. Interpretamos, em sentido estrito, para compreender. Compreender interpretar em sentido amplo:

    17. Situaes de isomorfia e situaes de interpretao Raras vezes nos colocamos, no uso da linguagem jurdica, diante

    de s!tuae~ de.isomorf!a. Em regra, nela afloram situaes de interpre-taao_. P:n:brgurdade. e rmpreciso das palavras e expresses da lingua-ge~ JUfldlca encammham, inexoravelmente, a instalao de situaes de mterpretao em sentido estrito. 10

    Ad~~ais, sempre, ainda quando se trate de situaes de isomorfia, ? ex_ercrc1o de determinao do sentido das palavras e expresses se 1mpoe. Mesmo palavras e expresses unvocas na linguagem usual as-sumem - ou deveriam assumir - na linguagem jurdica sentidos mais precisos que os naquele primeiro nvel a elas atribudos [Larenz

    198~:83]. Da por que se h de tomar sob reserva a afirmao de que in clans cessat interpretatio, qual se contrapem as mximas de UI piano - "Quamvis sit manifestissimum edictum praectoris, attamen non est negligenda interpretatio" (Digesto, L. 25, tt. 4, frag . 1, 11) - e de Celso- "Scire legis non hoc est, verba earum tenere , sed vim ac potes-latem" (Digesto, L. I, tt. 3, frag. 17).

    Note-se bem, quanto a esse ponto, que a clareza de uma lei no uma premissa, mas o resultado da interpretao, na medida em que ape-?as se pode afirmar que a lei clara aps ter sido ela interpretada. Isso e de uma clareza sem par, embora poucos o percebam .t 1

    Alm disso, tanto a situao. de dvida (situao de interpretao) quanto a situao de isomorfia dependem de atos concretos de comunica-

    10. V.. sobre a linguagem , o Apndice . . 11 : Diz Fros~n~ [199_1:98]: "O aforismo latino, [in c/aris nonfit interpretatio] em

    seu st~ntficado ongtnal , tmha urna funo especfica: a de fazer prevalecer a vontade ?o legt~lador sobre a do comentarista. Mas no seu uso habitual fo i adquirindo o sentido lrr~flex1vo e enganoso de que ~e pode prescindir da interpretao da mensagem leg is-lativa quan~o esta clara em SI mesma. Em realidade, a clareza de uma lei , que nunca se e ncontra ISOlada do contexto que o ordenamento jurdico ao qual pettence e graas ao qual torna-~e operante, no uma premissa. ma1> o resultado da interpretao, que a reconhece e afmna como tal: como clareza e certeza"" [ v. tambm Tarello 1980:33-35].

    A INTERPRETAO 31

    o, no podendo ser consideradas in abstracto: o mesmo texto claro ou dbio, segundo os contextos concretos do seu uso.12 A clareza (isomorfia), destarte, noo pragmtica, comprometida com alguns caracteres semn-ticos da linguagem jurdica [Wrblewski 1985:24]. O texto claro toma-se obscuro em funo da tenso dos interesses que se pem em tomo dele. A luta pela produo de sentido do texto se instala em torno dessa tenso.

    18. Por que se impe a interpretao do direito?

    Praticamos a interpretao do direito no- ou no apenas por isso -porque a linguagem jurdica ambgua e imprecisa, mas porque inter-pretao e aplicao do direito so uma s operao. Interpretamos para aplicar o direito e, ao faz-lo, no nos limitamos a interpretar(= com-preender) os textos normativos, mas tambm compreendemos(= inter-pretamos) a realidade e os fatos aos quais o direito h de ser aplicado.

    O intrprete procede interpretao dos textos n01mativos no quadro da realidade, tal e qual a realidade no momento da interpretao dos textos e dos fatos. Este ponto desejo enfatizar: o intrprete apreende o significado dos textos no quadro da realidade do momento no qual as n01mas sero aplicadas. Da que a realidade do momento no qual os acon-tecimentos que compem o caso se apresentam pesar de maneira deter-minante na produo da(s) norma(s) aplicvel(veis) ao caso. Isso estarei a dizer de ora por diante sempre que referir a circunstncia de o intrprete proceder interpretao dos textos normativos no quadro da realidade, tal e qual a realidade no momento da interpretao dos textos e dos fatos. 13

    Mas no s, visto que- repito-o- a interpretao do direito constitutiva, no simplesmente declaratria . Vale dizer: no se limita - a interpretao do direito - a ser mera compreenso dos textos, da realidade e dos fatos . Vai bem alm disso.14

    12. V. nota 56, abaixo. 13. Gadamer [1991:612] afirma que a tarefa da herme1_1utica jurdica no

    compreender as propos ies jurdicas vigentes, mas encontrar direito, isto . interpre-tar as leis de modo a que a ordem jurdica cubra inteiramente a realidade social.

    14. Lembre-se a observao de Ascarelli [ 1955:763]: "a interpretao( .. . ) uma construo e uma reconstruo que explica , desenvolve , restringe , modifica substan-c ialmente; reconduz-se sempre ao dado interpretado e sempre modificando-o. ( ... ). Cada lei existe, no fim , qual interpretada ; cada lei qual a faz a interpretao que seja

  • 32 POR QUE TENHO MEDO DOS JUfZES

    Como e enquanto interpretao/aplicao, ela parte da compreen-so dos textos normativos, da realidade e dos fatos, passa pela produo das normas que devem ser ponderadas para a soluo do caso e finda com a escolha de determinada soluo para ele, consigriaa na norma de deciso.l5

    Cumpre distinguirmos, pois, de um lado, as nrmas jrfdicas pro-duzidas pelo intrprete a partir dos textos e da realidade e, de outro, a norma de deciso do caso, expressa na- sentena judicial. Dizendo-o de outra forma: em um primeiro momento o intrprete trabalha os textos e a realidade visando a produzir normas jurdicas gerais; a partir dessas normas, decide- isto , define a norma de deciso . As normas jurdicas gerais que conformam e informam a deciso surgem de uma primeira operao, da qual decorre a afirmao da outra, a norma de deciso.

    19./nterpretao e concretizao do direito

    Relembre-se: os textos normativos carecem de interpretao no apenas por no serem unvocos ou evidentes- isto , por serem desti-

    acolhida, e esta interpretao na realidade reconstri a lei e pode faz-la diversa da sua primeira inteligncia; transforma-a com o tempo; adapta-a e modifica-a; desenvolve-a ou a reduz a nada. E nesta interpretao se fazem valer as exigncias e as convices do intrprete, assim como aquela condenao moral que, todavia, no se ergue eticamente contra a norma, negando-a, mas se concretiza interpretando-a e plasmando-a( ... ); res-peitando-a e assim respeitando a exigncia de ordem e de certeza que esta sempre repre-senta mas, ao mesmo tempo, transformando-a e, assim, adequando-a a um sempre mu-tvel equilbrio de contrastantes foras e valoraes". No original: "L'interpretazione ( ... ) e una costruzione e una ricostruzione che spiega, sviluppa, restringe, sostanzial-mente modifica; sempre riconducendosi ai dato interpreta to eppur sempre modificando-lo.( ... ). Ogni legge e alia fine quale interpretata ogni legge e quale la fa l'interpretazio: ne che venga accolta e questa interpretazione in realt ricostruisce la legge e la puo fare diversa dalla sua prima intelligenza; la viene trasformando col tempo; la adatta e modi-fica; la sviluppa o la riduce ai nulla. E in questa interpretazione pur si fanno valere Ie esigenze e le convinzioni dell'interprete, sl che quella condanna morale che tuttavia non si erige eticamente contro Ia norma negandola, pur si fa operosa interpretandola e plasmandola ( ... ); rispettandola e cosi rimanendo sensibile a quell'esigenza di ordine e certezza che questa pur sempre rappresenta, am insieme trasformandola e cosi adeguan-dola a un sempre mutevole equilibrio di contrastanti forze e valutazioni".

    15. Da por que a interpretao (= interpretao/aplicao) do direito peculiar em relao compreenso de outros textos. No se volta simples determinao do significado de textos normativos, porm obteno do que Castanheira Neves [1993:84] chama de "critrio prtico normativo adequado" de deciso de casos concretos.

    A INTERPRETAO 33

    tudos de clareza -, mas tambm porque devem ser aplicados a casos concretos, reais ou fictcios .. Quando um professor discorre, em sala de aula, sobre a interpretao de um texto normativo, sempre o faz- ain-da que no se d conta disso - supondo sua aplicao a um caso, real ou fictcio.

    O texto normativo - observa Friedrich Mller [1993:169] - no contm imediatamente a norma. A norma constru{da, pelo intrprete, no decorrer do processo de concretizao do direito; o preceito jurdico matria que precisa ~er "trabalhada" .16

    Partindo do texto normativo, no quadro da realidade contempor-nea interpretao, alcanamos a norma jurdica, para ento caminhar-mos at a norma de deciso, aquela que confere soluo ao caso. So-mente ento se d a concretizao do direito.

    O texto normativo uma frao da norma- aquela absorvida pela linguagem jurdica -, mas no , ainda, a norma. Pois no se reduz linguagem jurdica. Abrange todos os elementos e situaes do mundo da vida, tal como se manifestam no momento de sua aplicao.

    A concretizao implica um caminhar do texto normativo em dire-o norma concreta (a norma jurdica), que no ainda, todavia, o destino a ser alcanado. A concretizao somente se realiza no passo seguinte, quando afirmada a norma de deciso, apta a dar soluo ao conflito que consubstanciao caso concreto.17

    16. Diz Mller [2000:61-62): "Normas jurdicas no so dependentes do caso, mas referidas a ele, sendo que no constitui problema prioritrio se se trata de um caso efetivamente pendente ou de um caso fictcio. Uma norma no (apenas) caren-te de interpretao porque e medida em que ela no 'unvoca', 'evidente', porque e medida que ela 'destituda de clareza'- mas sobretudo porque ela deve ser apli-cada a um caso (real ou fictcio). Uma norma no sentido da metdica tradicional (isto : o teor literal de uma norma) pode parecer 'clara' ou mesmo 'unvoca' no papel,j o prximo caso prtico ao qual ela deve ser aplicada pode fazer que ela se afigure extre-mamente 'destituda de clareza'. Isso se evidencia sempre somente na tentativa efeti-va da concretizao. Nela no se 'aplica' algo pronto e acabado a um conjunto de fatos igualmente compreensvel como concludo. O positivismo legalista alegou e continua alegando isso. Mas 'a' norma jurdica no est pronta nem 'substancialmente ' con-cluda". [Note-se que a traduo deste trecho imprecisa, mencionando "norma" quando, na verdade, se trata, nele, de "texto"].

    17. Para ampliar, v. Grau [2009:77-80, item 6] . Sobre a teoria jurdica estrutu-ra me e a concretizao em Mller, v. a exposio de Neves [2003:360-362] .

  • 34 POR QUE TENHO MEDO DOS JUIZES

    20. Os contextos da interpretao A interpretao em sentido estrito desenrola-se em trs distintos

    contextos [W_rblewski 19_~5:38 e ss.] . No primeiro deles- o contexto linguistico- as situaes de dv-ida

    decorrem da circunstncia de a linguagem juridica.apresentar-ambigui-dades e zonas de penumbra e ser potencialmente vaga e imprecisa - tra-os que advm do fato de se nutrir da lin_guagem natural.

    No segundo- o contexto sistmico - ,as dvidas que a reclamam manifestam-se quando o significado primafacie de um texto normativo resulta inconsistente ou incoerente em presena de outro ou outros tex-tos normativos do sistema jurdico no qual o primeiro se encontra inse-rido. A interpretao em sentido estrito, ento, se impe, seja porque (i) os textos normativos de um sistema jurdico relacionam-se substantiva e formalmente, (ii) seja no apenas porque h hierarquia entre eles, mas tambm porque assumem formas e modalidades diversas (normas gerais e normas especiais; normas primrias e normas secundrias; normas de conduta, normas de organizao e normas-objetivo), ou, ainda, (iii) por-que no se presume contradio entre eles (consistncia do sistema) e, ademais, (i v) a harmonia entre eles pressuposta (coerncia do sistema).

    No terceiro - o contexto funcional-, as situaes de dvida consis-tem, basicamente, na coexistncia primafacie de mltiplas funes, con-flitivas e excludentes entre si, atribuveis a um mesmo texto normativo.

    21. Compreender e reexprimir

    O vocbulo "interpretao" veicula , no mnimo, dois sentidos: (i) a atividade de interpretar; (ii) o produto, resultado da atividade de inter-pretar. Neste segundo sentido a interpretao a norma, ou seja, o sig-nificado que se atribui (como resultado da atividade de interpretao) s leis e outros atos normativos [Tarello 1980:102].

    Da por que interpretar, mesmo e j no momento da interpretao do texto normativo, no apenas compreender.

    A interpretao uma relao entre duas expresses. A primeira (que porta uma significao), expresso original, o objeto da intelpre-tao . A segunda, designada "a interpretao", cumpre, em relao outra, a funo de interpretante [Ortigues 1987:219]- A interpretao

    A INTERPRETAO 35

    aporta primeira expresso (objeto da interpretao) uma nova forma de expresso, que no necessariamente verbal- como ocorre no caso das artes alogrficas (msica e teatro). Assim, interpretar compreen-der + reformular ou reexprimir sob nova forma. 18

    A interpretao consubstancia operao de mediao que consiste em transformar uma expresso em uma outra, visando a tornar mais compreensvel o objeto ao qual a linguagem se aplica.

    22. Significante~ e significados Operao de carter lingustico, a interpretao do direito h de ser

    descrita como processo intelectivo atravs do qual, partindo de frmu-las lingusticas contidas nos atos normativos, alcanamos a determina-o do seu contedo normativo: caminhamos dos significantes (os enunciados, textos) aos significados [Zagrebelsky 1990:68].

    O que pretendo sustentar o carter alo grfico da interpretao do direito .

    23. Artes auto grficas e artes alo grficas Podemos distinguir dois tipos de expresso artstica: as artes alo-

    grficas e as artes autogrficas. Nas artes alogrficas (msica e teatro) a obra apenas se completa com o concurso de dois personagens: o autor e o intrprete. Nas a1tes autogrficas (pintura e romance) o autor con-tribui sozinho para a realizao da obra [Ortigues 1987:221].

    Em ambas (artes alog_rficas e artes autogrficas) h interpreta-o, mas so distintas uma e outra.

    A interpretao da pintura e do romance importa compreenso. A obra, objeto da interpretao, completada apenas pelo seu autor. A com-preenso visa fruio de emoo esttica independentemente da media-o de um intrprete.

    18 . A interpretao de qualquer linguagem verbal ou notacional consiste em mostrar algo: vai "do abstrato ao concreto, da frmula respectiva aplicao, sua ' ilustrao' ou sua insero na vida" [Ortigues 1987:220] . Na interpretao de fa-tos, ao contrrio, vai-se do concreto ao abstrato , da experincia linguagem.

  • 36 POR QUE TENHO MEDO DOS JUfZES

    A interpretao musical e teatral importa compreenso + reprodu-o . A obra objeto da interpretao reclama um intrprete para que possa ser compreendida, produzindo emoo esttica. O primeiro intr-prete compreende e reproduz, e o segundo intrprete compreende me-diante a- atravs da - compreenso/reproduo do primeiro intrprete, ainda que nessa segunda compreenso se manifeste tambrri a constru-o de uma nova forma de expresso. 19

    24. O texto normativo alogrfico O texto, preceito, enunciado normativo alogr.fico. No se com-

    pleta no sentido nele impresso pelo legislador. A completude do texto somente realizada quando o sentido por ele expressado produzido, como nova forma de expresso, pelo intrprete.

    Mas o sentido expressado pelo texto j algo novo, distinto do texto. a norma.

    Isso significa que o texto normativo, visando soluo de conflitos -isto , uma deciso normativamentefundada para problemas prticos , em razo do qu consubstancia dever-ser (sollen, e no sein), e no contemplao esttica -, reclama um intrprete (primeiro intlprete) que compreenda e reproduza no para que um segundo intrprete possa compreender, mas a fim de que determinado conflito seja decidido.20

    19. Roman Ingarden [apud Kalinowski 1982:109 e ss.] distinguia entre a obra de a1te e a obra esttica produzidas. A primeira, pelo artista; a segunda, por seu intr-prete. Esta tem por fundamento aquela. Mas pode acontecer que a interpretao infiel seja esteticamente superior interpretao fiel- o que, alis, particularmente visvel no domnio teatral.

    Maximiliano [1957:83] diz: "Existe entre o legislador e o juiz a mesma relao que entre o dramaturgo e o ator. Deve este atender s palavras da pea e inspirar-se no seu contedo; porm, se verdadeiro artista, no se limita a uma reproduo plida e servil: d vida ao papel, encarna de modo particular a personagem, imprime um trao pessoal representao, empresta s cenas um certo colorido, variaes de matiz qua-se imperceptveis; e de tudo faz ressaltar aos olhos dos espectadores maravilhados belezas inesperadas, imprevistas. Assim o magistrado: no procede como insensvel e frio aplicador mecnico de dispositivos; porm como rgo de aperfeioamento des-tes, intermedirio entre a letra morta dos cdigos e a vida real , apto a plasmar, com a matria-prima da lei , uma obra de elegncia moral e til sociedade. No o conside-ram autmato; e sim rbitro de adaptao dos textos s espcies ocorrentes, mediador esclarecido entre o direito individual e o social" .

    20. Ao contrrio da interpretao cientfica e filosfica, a interpretao jurdica uma interpretao prtica [Kalinowski 1982:112 e 118].

    J I

    A INTERPRETAO 37

    Abrangendo textos, realidade e fatos, a interpretao do direito opera a mediao entre o cwter geral do texto normativo e sua aplica-o particular. Opera sua insero na vida.

    25. A determinao do contedo normativo

    A interpretao, pois, um processo intelectivo atravs do qual, par-tindo de frmulas lingusticas contidas nos textos, enunciados, preceitos, disposies, alcanamos a determinao de um contedo normativo. Ati-vidade voltada ao piscemimento de enunciados semnticos veiculados por preceitos (enunciados, disposies, textos). O intrprete desvencilha a nor-ma do seu invlucro (o texto). Neste sentido, o intrprete produz a norma.

    Atividade que se presta a transformar disposies (textos, enuncia-dos) em normas, a interpretao meio de expresso dos contedos normativos das disposies, meio atravs do qual o intrprete desvenla as normas contidas nas disposies.

    lnte1pretar atribuir um significado a um ou vrios smbolos lin-gusticos escritos em um enunciado normativo. O produto do ato de interpretar, portanto, o significado atribudo ao enunciado ou texto (preceito, disposio) [Canotilho 1991:208].21

    26. Texto e norma (as normas resultam da interpretao)

    L'oggetto dell'interpretazione giuridica e perci constituito da enun-ciati: gli enunciati normativi. [Tarello 1980:107]

    Aparecem de modo bem distinto, neste ponto de minha exposio, o texto (enunciado, disposio) e a norma. Texto e norma no se identi-

    21. Dizendo-o na sntese de Tarello: interpretao a atividade "con cui un ope-ratore qua!chesia attribuische significati a documenti che esprimono norme, ai fine appunto dt racavare la norma espressa dal documento" [1980:61]. Norma significa "sem?li.cemente il significato che e stato dato, o v iene deciso di dare, o v iene proposto che SI dta , a un documento che si ritiene sulla base de indizi formal i esprima una qual-che direttiva d'azione" [1980:64]. "Nelle organizzazioni giuridiche moderne, le nor-me son.o .i ~ig~i~i~ati che si attribuiscono ai documenti delle leggi e degle altri atti norrnatiVI giUndiCI. A questa attribuzione di significato si d i1 nome di interpretazio-ne" [1980:102].

  • 38 POR QUE TENHO MEDO DOS JUIZES

    ficam: o texto o sinallingustico; a norma o que se revela, designa [Canotilho 1991:225] .22

    Da podermos sustentar - com Zagrebelsky [1990:68..:69] - qe o ato normativo, como ponto de expresso final de poder normativo, on-cretiza-se em uma disposio (texto ou enunciado). As disp-osies so dotadas de um significado, a elas atribudo pelos que operaram no inte-rior do procedimento legislativo,23 significado que a elas desejaram im-primir. Sucede que as disposies devem exprimir um significado para aqueles aos quais so endereadas. Da a necessidade de bem distin-guirmos os significados atribudos s disposies (enunciados, textos) por quem as elabora e os significados expressados pelas normas (signi-ficados que apenas so revelados atravs e mediante a interpretao, na medida em que as disposies sejam transformadas em normas).

    A interpretao, destarte, meio de expresso dos contedos norma-tivos das disposies, meio atravs do qual buscamos as normas contidas nas disposies. Do qu diremos ser- a interpretao- atividade que se presta a transformar disposies (textos, enunciados) em normas?4

    As normas, portanto, resultam da interpretao. E o ordenamento, no seu valor histrico-concreto. um conjunto de interpretaes, isto , conjunto de normas. O conjunto das disposies (textos, enunciados) apenas ordenamento em potncia, um conjunto de possibilidades de interpretao, um conjunto de normas potenciais. O significado (isto , a norma) o resultado da tarefa interpretativa. Vale dizer: o significado da norma produzido pelo intrprete.25

    22. A respeito da distino entre texto e norma, v. Guastini [1993:18 e 325 e 1995:93-96]; tambm MacCormick [1989:120-122] e Mller [2000:22]. Gny [1919:44], muito significativamente, menciona normas jurdicas extradas da lei - o que supe a distino entre texto e norma. Para uma crtica a essa distino, v. Italia [2000:3-9] .

    23. Ou regulamentar, ou regimental. 24. Bandeira de Mello [2013:710-711], ainda que no faa distino entre texto

    e norma, observa que " a interpretao que especifica o contedo da norma. J houve quem dissesse, em frase admirvel, que o que se aplica no a norma, mas a interpre-tao que dela se faz . Talvez se pudesse dizer: o que se aplica, sim, a prpria norma, porque o contedo dela pura e simplesmente o que lhe resulta da interpretao. De resto, Kelsen j ensinara que a norma uma ' moldura'. Deveras, quem lhe outorga, afinal, o contedo especfico, em cada caso, o intrprete, ( ... )".

    25. Observa Troper [1978:298]: "Ce n 'est donc pas la norme qui a une signifi-cation, car elle est elle-mme cette signification, mais seulement la proposition ou te

    A INTERPRETAO 39

    As disposies, os enunciados, os textos, nada dizem. Passam a dizer algo apenas quando efetivamente convertidos em normas (isto , quando- atravs e mediante a interpretao- sejam transformados em normas). Por isso, as normas resultam da interpretao, e podemos dizer que elas, enquanto disposies, nada dizem: elas dizem o que os intrpretes dizem que elas dizem [Ruiz e Crcova 1991:320].26

    27. A concepo de Ascarelli sobre a interpretao do direito

    A passagem dos anos vem me proporcionando substanciais lies de humildade intelectual. No seu curso aprendi inexistirem verdades ainda a serem descobertas no campo das chamadas cincias sociais. Especial-mente na cincia que estuda o direito tudo j ter sido dito, h sculos, por um grego ou por um romano. E, se no o disse um grego ou um romano, Ascarelli certamente o ter visualizado. Porque Ascarelli estava adiante do seu tempo - no tempo e na capacidade de apreender a realidade.

    Ascarelli discerniu a distino entre o texto e a norma anteriormen-te ao aporte ao pensamento jurdico das postulaes instaladas pela cha-mada nova hermenuticaY Precisamente essa distino marca a con-cepo "ascarelliana" da interpretao do direito.28

    texte qui I' exprime. Ce donc !ui qui est interprt, et dterminer son sens, c'est donc dterminer par un acte de volont la norme qu'il contient. C'est, en dfinitive, insrer une nom1e dans un texte. Il en rsulte une consquence capitale: la norme constitu-tionnelle est cr par l'autorit qui l'applique, au moment ou elle J'applique et par Je moyen de l'interprtation". Sobre a chamada "teoria realista da interpretao", v. as exposies de Pfersmann [2002:279 e ss.] e Troper [2002:335 e ss.] .

    26. Grossi [2004:111] informa que em 1994 uma sentena da Corte de Cassa:io-ne italiana (Cass. Civ. Sez. Um. agosto/1994, n. 7.194, rei. Carbone) fez a distino entre a disposio, "considerata parte di un testo non ancora confortato da! Javorio interpretativo" e a norma, entendida como "testo gi sottoposto ad elaborazione inter-pretativa ri levante", concluindo que as operaes interpretativas "vengono a determi-nare la formazione di un ' diritto vivente' in continua evoluzione che risulta piu o meno differenziato dall 'originario significato della disposizione scritta introdotta in una certa epoca dallegislatore".

    27. Refiro neste passo , especialmente, as exposies de Heidegger, Gadamer e Jose f Esse r.

    28. A primeira dificuldade a superar na exposio das ideias de Tullio Ascarelli a respeito da interpretao do direito decorre da circunstncia de ele jamais se ter de-dicado a exp-las de modo sistemtico, como observa Meroni l l989:225].

  • 40 POR QUE TENHO MEDO DOS JUIZES

    Em uma tentativa de sntese, dir-se- que a interpretao envolve, para Ascarelli [1955:71-72 e 76 e ss.]' a atribuio de significados aos textos normativos e a dete~nao dos conceitos tipolgic~s. mediai) te os quais os preceitos normativos se referem reali.dade a ser regulada; por fim, a reconstruo tipolgica do caso a ser decidido, de modo a permitir a comparao da suafattispecie com a considerada pela norma [Ascarelli 1955:71-72 e 76 e ss.; v. Mer~ni 1989:234].29

    Da, na viso de Ascarelli, a amplitude da interpretao. Eu me permitiria, mesmo, dizer que ele antecipa, ainda, o entendimento de que no se interpreta somente os textos, mas tambm a realidade.

    A leitura de dois pequenos trechos seus indica as linhas fundamen-tais do seu pensamento:

    Una prima mia affermazione concerne un problema anche piu gene-rale: oggetto dell'interpretazione non e una "norma'", ma un testo (o un comportamento); e in forza dell'interpretazione dei testo (o dei compor-tamento) e perci sempre in forza di un dato che a rigore pu dirsi "pas-sato", "storico", che si formula la "norma" (come "presente" ed anzi proiettata nel "futuro"). Questa una volta espressa torna necessariamen-te ad essere "testo" [1959:140] .

    Porzia sembra sorriderci per ricordarci che ogni legge e alia fine qua-le interpretata; ogni lege e quale la fa l'interpretazione che venga accol-ta e questa interpretazione in realt ricostruisce la legge e la pu fare diversa dalla sua prima intelligenza; la viene trasformando col tempo; la adatta e modifica; la sviluppa o la riduce al nulla [1956:763].

    Da por que Ascarelli afirma, em outro texto [1952b:XLIIIl que na interpretao do direito "possono finire per prevalere anche orienta-menti o concezione opposte a quelle dellegislatore, perch I 'ultima pa-rola e sempre, e per definizione, quella de li ' interprete".

    Desde a compreenso da amplitude do pensamento ascarelliano sobre o tema, podero ser desdobradas trs oposies.

    29. Sobre os conceitos tipolgicos (fattispecie) em Ascarelli, v. item 117, abaixo.

    A INTERPRETAO

    28. Oposio entre tutela da seguranajurdica e da liberdade individual e funo da interpretao no desenvolvimento do direito

    41

    Em um primeiro momento, a oposio que se pe entre a necess-ria tutela da segurana jurdica e da liberdade individual e a funo da interpretao no desenvolvimento do direito [v. Ascarelli 1952:88].

    Dizendo-o na sntese de Paolo Grossi [1998:358-359]' so duas as foras que, em direes opostas, percorrem o direito: uma tendente rigidez, outra elasticidade. E duas so as exigncias fundamentais que nele se manifestam: (i) a da certeza e liberdade individual garantidas pela lei no sistema do direito burgus e (i i) a da sua contnua adequao ao devir social, garantida pela interpretao. Aquela apenas ser asse-gurada na medida em que o texto vincule o intrprete; esta demanda criatividade que pode faz-lo ir alm do texto. Essa oposio apenas poder ser compreendida se nos dispusermos a admitir que texto e nor-ma no se superpem, que o processo legislativo te1mina no momento do texto. A norma vir depois, produzida no bojo de um outro processo, a interpretao.

    29. Oposio entre dimenso legislativa e dimenso normativa do direito

    Aqui a segunda oposio, agora entre a dimenso legislativa e a dimenso normativa do direito. Uma, no processo legislativo; outra, no processo normativo(= produo da norma pelo intrprete autntico no sentido de Kelsen- o juiz).

    Mas esses dois momentos - o momento do texto e o momento da norma - no so expressivos de uma ciso na dinmica jurdica, co-mo se ela fosse divisvel, como se a pudssemos partir em distintos pedaos . Pois certo que o texto desdobrado, pelo intrprete, no momento da interpretao, de modo que o processo que o direito enquanto totalidade a no se interrompe. Esse processo a se comple-ta. Diz o prprio Ascarelli [1956:765]: "Il diritto non e mai un dato, ma una continua creazione della quale e continuo collaboratore !'interprete e cosi ogni consociato ed appunto perci vive nella storia ed anzi con la storia".

  • 42 POR QUE TEN HO MEDO DOS JUZES

    30. Oposies e composies

    O ensaio de s ntese do pensamento atual sobre a interpre tao do dire ito- pensamento desdobrado das premissas "ascare llianas", como se v - en ina que as duas prime iras opos ies so, verdadeiramente , composies. Composio entre rigidez e elasticidade . Entre garantia de certeza jurdica e liberdade, de uma banda, e contnua adequao do d ireito ao devir social assegurada pela interpretao, elo outro lado. Composio entre tex to e norma. Entre a dimenslio legislatii'CI e a di-menslio normativa do direito. Entre processo legislativo e processo nor-matil o - vale dizer: processo de produo normati1a pelo intrprete.

    31. A falsa oposio entre o velho e o noJ!o Por isso, uma terce ira oposio que poderia ser desdobrada do pen-

    samento de Ascarelli . agora entre o \'elho- a tradio- e o nom, efeti-vamente no h.

    Po is se a interpretao que d vida ao direito . se a interpre tao enquanto produo normati va a sequnc ia inexorvel da produo legis lativa- e assi m efeti vamente -, antigo (o texto) e novo (a no rma) e recompem diuturname nte na realidade de cada dia. Ins isto em que

    o dire ito um dinamismo, um organismo vivo. Peculiar. po r m, porque no envelhece, nem permanece jovem; contemporneo realidade.

    Asquini l1960:998j conta, em tex to que celebra o ani versrio da sua mo rte. que o jovem Ascarelli certa ocas io o bservou , no curso de uma indagao que lhe fez. q ue o d irei to um momento da histria no a penas no plano da evoluo legis lativa. mas tambm . e sobretudo. no mome nto da interpre tao.

    No Antigone e Por-;.ia Ascarelli 11956:763] afirma- imprecinclvel a le itura desta sua afi rmao- que: "J' interpretazione ( ... )e una costru-zione e una ricostruzione che spiega, sv iluppa, restringe. sostanz ialmente mod ifica: sempre riconducendo i ai dato interpretato eppur sempre mo-dificandolo. ( ... ). Ogni legge e alta f ine qual e interpre tata; ogni legge e qual e la fa I' interpretazione che venga accolta e questa interpretazione in realt rico truisce la legge e la pu fare di ver a da ll a sua prima intelligen-za; la viene trasformanclo cal tempo: la adatta e modifica: la sviluppa o la riduce alnulla. E in questa interpretazione pur s i fanno valere le esigenze e le convinzioni de ll ' interpre te. sl che quella condanna mo rale che tu tta-

    A INTERPRETAO 4J

    via non s i erige eticamente contra la norma negandola . pur s i fa operosa interpretandola e plasmando la ( ... ); rispettandola e cosi rimanendo sensi-bile a quell 'esigenza di ordine e certezza che questa pur sempre rappre-senta, ma insieme trasformandola e cosi adeguanclola a un sempre mute-vo le equilbrio di contrastanti forze e valutazioni " .

    32. Separao dos Poderes, texto e norma

    Aqui nada dizemos ele novo. pois seguramente Ascare lli tudo j intura . Algo, no entanto, certamente o molestaria enquanto- a expres-so de Paolo Grossi [1998:364J, sem sentido crtico -jurista " borghe-se'', consciente da importnc ia da dimenso legis lati va (a legalidade) para a segurana e certeza jurdicas.

    que o pleno discernimento de que a norma produzida pe lo in-trpre te instala inefvel transtorno na estrutura do pensame nto liberal, e m espec ial na teori a de separalio dos Poderes. A dific uldade que os juris tas enfrentam para admitir que te.rto e norma no se supe rpem opera como recusa inconsciente da icleia de que a construo das nor-mas possa ser mais importante que a redao elos textos, de que a her-menutica j urdica mais re levante que a tcnica legislati va .

    O fa to que os arqutipos tericos que constituem base e ponto ele part ida elo rac iocnio dos juristas j no so mais adequados compre-e nso- que dir expl icao- da realidade. A chamada separao dos Poderes assumida como dogma. Quem a conteste tido come herege. Espec ialmente os administrat ivistas e constitucionalistas de velha cepa continuam presos a e la, como se o tempo no houvesse passaclo:1 Co-mo no costu mam le r os c lssicos no origi nal. no se do conta de que Montesquieu jama is cogitara de uma separao de Poderes. de que Montesquieu prope a dilislio COIII harmonia (autntica interdependn-cia entre e les) . nada mais.

    Da ser extremamente doloroso para esses senhores aceita r a dis-tino entre elaboracio de textos nom wtims e construliolproduo de nonnasjurdicos. Permanecem a escrever textos e ljvros sobre a inter-

    30. Jamais se detiveram sobre a reflexo hegelimw. que a ti rrna a illdhisibi/id(l(te do twder. O Esrado polilico. erigido sobre a Const iw io rac ional- raciona l na medi-da em q ue o Es!ado de1ermi11a e dislrilmi .11111 wilidade enlre rrio.1 poderes. porm de modo que cada 11111 deles seja. em si mes11w. a lllllllidade. ou .l

  • POR QUE TE:WIO MEDO DOS JUZES

    pretao do direito e da Constituio exercitando-se na superficialida-de, repetindo o que j foi dito at a primeira metade do scu lo passado, sem ousar um passo adiante.

    Ccero afirmava. no De fegibus (111 , I) 1 s/d :t. IV], que o magistra-do a lei fa lante; a lei. o magistrado mudo. O Judicirio, no quadro da separao dos Poderes. seria apenas a boca que pronl.mcia as palavras da lei; no mudo. mas apenas pronuncia o que foi dito pelo legislador. Toda a sua ao se esgota na subsuno. Isso conduziu. no extremo, proibio de interpretar. Porque a interpretao fazia parte dos poderes do Legislativo, incumbia ao juiz. em caso de dvida, recorrer ao legis-lador (isto . ao rei)- a a soluo do rfr fgisfatif e da Corte de Cassao I cf. Grau 2009:Apndice 111 . Embora parea estranho. ain-da este modelo de pensamento que determina a viso que a maioria de nossos juristas conserva elo que se ria a interpretao do direito. mera subsuno. O que talvez explique o uso abusivo elos princpios. hoje- e disso adiante tratarei - .pelo Poder Judicirio.

    33. O intrprete produz a norma Retomando o fio desta exposio. desde o ponto anterior exposi-

    o do pensamento ascarelliano;11 tudo o quanto at este ponto afirma-do no justifica a crena- equivocada- ele que o intrprete. literalmen-te, crie a norma. O intrprete no um criador ex nihifo. Produ::. a norma no. porm, no sentido de fabric-la, mas no ele reprvdu:.i-fa.

    O produto da interpretao a norma expressada como tal. Mas ela (a nor111a) parcialmente pree.riste. potencialmente, no invlucro do te.r-ro, invlucro do enunciado nomwrim :1~ Ela se encontra apenas parcial -mente nele involucracla, porque a realidade tambm a determina.

    J I . Item '27. acima . 3'2. Frosini 11991:12] ob~erva que a interpretao jurdica no a aplicao

    meciinica ele um mandamento. mas atividade criadora. no sentido prprio do termo. E. adiante 11991: 11 O 1. esclarece: A interpretao no um !>imples de~envoh imento de um texto e~crito a outro. que permanece em um nvel meramente discursi\'l): o juiz extrai a mensagem legislati va ele um contexto. a retne com outras. em um novo con-texto. remodelando a mensagem em uma nova modalidade express i,a .

    Os textos normativos no possuem sign ificaes inerente!>. nem sentidm prvim definidos- diz Miiller [1996: 168 e 1771 . o~ textos limitam -!>e a estabelecer uma mol-dura limitadora das pos~ibi lidades lega is e legitima~ da correta concreti za;io do direi-to . A construo da norma de deci~iio (i~to . a deciso) se cl; dentro dc~~a moldura. 111as decorre da realidade. porque ela qui! confere !>enticlo ao texto interpretado.

    A INTERPRETAO

    Insisto neste ponto: a norma produzida pelo intrprete no apenas a partir de elementos que se desprendem do texto (mundo do deter-ser) , mas tambm a partir de elementos da realidade (mundo do ser). Inter-preta-se tambm o caso, necessariamente, alm dos textos e da realida-de- no momento histrico no qual se opera a interpretao- em cujo contexto sero eles aplicados.

    Vale dizer: a norma encontra-se (parcialmente) em estado de potn-cia. i nvolucrada no enunciado (texto ou disposirio). O intrprete a des-nuda. Neste sentido- isto . no sentido de clesvencilhamento da norma de seu invlucro. no sentido de faz-la brotar do texto, do enunciado- que afirmo que o intrprete produ: a norma. O intrprete compreende o sentido originrio elo texto e o mantm (deve manter) como referncia ele sua interpretao I Gadamer 1991 :3811 atualizando-o. contudo:'.l

    34. A metfora da Vnus de Milo Suponha-se a entrega, a trs escultores . ele trs blocos de mrmore

    iguais entre si encomendando-se a eles trs \!nus de Mito. Ao final elo trabalho desses trs escultores teremos trs Vnus de Mito perfeitamente identificveis como tais. embora distintas entre si: em uma a curva do ombro aparece mais acentuada: noutra as mas elo rosto despontam: na terceira os seios esto trgidos e os mamilos enrijecidos. No obstante. so. clefinidamente. tr. Vnus de Mil v- nenhuma Vitria de Somotrcia.

    Esses trs escultores produziram trs Vnus de Mito. No gozaram de liberclacle para. cada um ao seu gosto e seu estilo. esculpir as figuras ou smbolos a que a inspirao de cada qual aspirava - o princpio ele existncia dessas trs Vnus de Mito no est neles .

    Tratando-se de trs escultores experimentados- como na metfora de que lano mo se trata -. diro que, em verdade, no criaram as trs Vnus de Mito. Porque lhes fora determinada a produr7o de trs Vnus de Mito (e no de trs Vitrias de Smnotrcia. ou outra imagem qua l-quer) e. na verdade. cada u11w dessas trs Vnus de.Milo j .\C' encon-

    33. Ao tratar da norma criada pelo juiz em ca~o de lacuna. Cus~io 11939:1061 observa que ele unicamente explici ta a norma mo formulada (o texto no e~critodigo eu) . :-Jo cria a norma geral na qual fundamentar sua deci~o. porque e~~a hip-

    te~e implicaria quo: o ca~o ftb~c julgadu ~egu ndo norma criada depoi~ do fatuc parH o fatu - o que contrariaria oulrm Jl iT,!>Upo~to' da ordem jurdica .

  • 46 POR QUE TENHO MEDO DOS JUZES

    tra\'(( em cada um dos blocos de mrmore, diro que apenas desbasta-ram o mrmore , a fim de que elas brotassem tal como se encontravam (ocultas) no seu cerne .

    O que pretendo tambm, alm de sustentar o carter alogrfico da interpretao do direito, afirmar que diferentes intrpretes - qual dife-rentes escultores produ-;.em distintas Vnus de Milo- produ-;.em , a partir do mesmo texto, enunciado ou preceito, distintas nornicisjurdicas. Pa-rafraseando Kelsen 11979:4671, afirmo que di:.er que uma dessas V-nus de Milo fundada na obra grega no significa , na verdade, seno que ela se contm dentro da moldura ou quadro que a obra grega re-presenta. No significa que ela seja a Vnus de Milo , mas apenas que uma das Vnus de Milo que podem ser produ-;.idas dentro da moldura da obra grega.

    Disse, acima, que a norma parcialmente pree.:riste, potencialmente. no invlucro do texto, invlucro do enunciado. Devo agora explicar por que ela- a norma - preexiste apenas parcialmente no invlucro do texto.

    que a nor111a produzida pelo intrprete no apenas a pm1ir de elementos que se desprendem do texto (mundo do de1er-ser), mas tam-bm a pat1ir de elementos da realidade e do caso ao qual ser ela aplicada (llwndo do ser). Note-se bem que, ao interpretar os textos normativos, o intrprete toma como objeto de compreenso tambm a real idade em cujo contexto d-se a intetvretao. no momento histrico em que ela se d. Alm disso, os fatos , elementos do caso. ho de ser tambm interpretados.

    Por isso, a norma se encontra , em potncia, apenas parcialmente contida no invlucro do texto. Assim, a metfora dos escultores produ-zindo Vnus de Mito deve, como qualquer metfora, ser tomada em termos no absolutos.-14

    34. Sobre a criao do direito pelo intrprete. observa Cappelletti 11993:2 1-22]: ' bvio que toda reproduo e execuo varia profu ndamen te. entre outras influn-c ias. segundo a capacidade do inte lecto e estado de a lma elo intrprete. Quem preten-deria comparar a execuo mus ical ele Arthur Rubinstein com a do nosso ruidoso vi-zin ho> E. na verdade. quem poderia confundir as interpretaes geniais de Rubins tein com as tambm geniais. mas bem diversas. de Corto!. Gieseking ou 1-lorowitz? Por mais que o intrprete se esforce por permanecer fiel ao seu 'tex to . ele sen sempre . por ass im dizer.forrada a ser liln'- porque no h texto musical ou poltico. nem tampouco leg islativo. que no deixe e~pao para variaes e 1111{/IICI!s. para a criativi-dade imerpretativa. Basta considerar que as palavras. como as notas na nusica. outra

    ~oisa no representam seno smbo los convenc ionais. cujo significado encontra-se Inevi tavelmente suje ito a mudana~ e aberto a questes e incertezas ...

    A tNTERPRETAO 47

    35. O intrprete autntico A esta altura, contudo, convm deixarmos perfeitamente esclareci-

    do que - assim como apenas um autntico escu ltor ter condies de trabalhar adequadamente o mrmore. discerninclo seus veios e as pro-pores ela obra- o intrprete dotado de poder suficiente para criar as normas o "intrprete autntico, no sentido conferido a essa expresso por Kelsen 11979:469 e ss.j .

    Aqui se coloca um grave problema, pois a norma uma manifesta-o de poder. Quem produ:. uma norma exerce um ato de poder. E certo. ainda. que no apenas o intrprete autnt ico interpreta. Tambm o fazem os advogados. os juristas, o administrador pblico e os cida-dos. at o momento anterior ao da definio ela norma de deciso. Ora. se as normas nascem da interpretao, tambm esses intrpretes no autnticos produ-;.em normas.

    O homem faminto que. sem nenhuma moeda, ao passar por uma barraca de frutas.1~ no arrebata uma ma interpreta um texto ele direito -o texto que cobe o furto-, produ:.indo norma. Porque a interpretao do direito consiste em concretar a lei em cada caso, isto . na sua apli-cao IGadamer 1991:4011 . o homem faminto. ao interpretar a lei des-de o seu caso concreto. aplica-a. No obstante. unicamente o intrprete autntico cria direito. no sentido ele defin ir normas de cleciso:16

    36. Interpretao= aplicao

    lnte1p retac/o e ap/icacio no se realizam autonomamente. O in-trprete discerne o sentido do texto a partir e em virtude de determinado caso IGadamcr 1991:397 1. A interpretao Jo Jireito consiste em con-cretar a lei em cada caso. isto , na sua aplicao I Gadamer 1991:4011 . Assim, ex iste uma equao entre interpretao e aplicao: no esta-mos, aqui. diante de dois momentos distintos. porm frente a uma s operao [Mar 1991:2361. fnterpretario e aplicario consubstanciam um processo unitrio I Gadamer 1991:381 1. superpem-se:17'x

    35. Lano mo. aqui. de um exemplo de Carnelutti 11959:441 . 36. Sobre o illlrprete o11111tico. v. o debate entre Pfersmann 12002:279 e ss.j e

    Troper [2002:335 c ss.J . 37 . Cogi tando da ju~tia da dec iso do juiz. Derrida 11994:50521 ~~~~tenta que

    e la no n ser

  • POR QUE TENHO M EDO DOS JUZES

    A interpretao (aplicao) do texto de lei no caso do homem fa-minto que passa por uma barraca de frutas no visa. no entanto. deci-so de um conflito- como a que seria procedida pelo intrprete autn-tico-. porm introduz um conflito (se descumprida a norma) ou .impede o conflito (se observada a norma) . Vale dizer: esta, como a interpretao operada pelo advogado, pelo jurista, pelo administrador pblico. no vincu la terceiros. Compe-se no discurso jurdico. Apenas o intrprete autntico pronuncia o discurso do direiro .-w

    A separao em duas etapas - a de interpretoo e a de aplicao - decorre da equivocada concepo da primeira como mera operao de

    dit:(,:O ele Stanley Fish). Ainda que essa deciso de va ~er t:ant'orme uma le i preexis-tente. sua interpretao r-illsWIImfi, e. r-ime11tile. E assim porque cada caso um outro caso. cada deciso diferente. e requer uma interpretao absolutamente tnit:a. que ne nhuma regra existente e codificada pode e deve garantir de modo abso-luLO. Embora separando o momento da interpretao do momento da apl it:ao. A~t:arelli 11959: 145] observava que a equi n1cidadc do texto superada somente no mo-mento da aplicao da norma. "norma che torna a sua volta poi ad essere ' testo' per applicazion i suairement Sl'uvcrainc et indpentlantc: pu i~que si k~ jugemen' toient ,num i~ ilunc rvision.t:e ,eroit i11111 corps charg de k~ examiner qu'appartien-

  • 50 POR QUE TENHO MEDO DOS JUfZES

    Lembro, a esse respeito, as palavras de Franois Gny [1919:78, nota 1]: "En somme, I' ide de la Constituante paralt bien avo ir t que

    droit en dernier ressort. le droit de cassation; et que ce que je dis du premier, pounoit s'appliquer celui-ci.ll suit donc. que s'il adopte des vues et une volont diffrentes de celle du lgislateur. il pourra l'lever au-dessus du lgislateur lui-mme, qu'il sera en derniere analyse, I' arbitre de la lgislation qu 'il pourra altrer, ou branler son gr, par l'abus arbitraire qu'i l fera de son autorit indpendante: et comme il est impossible de s'assurer que sa volont sera toujours confondue avec la sienne, si son existence ne I 'est pas, il est vident que nous sommes entrains, par la nature mme des choses, adopter cette maxime, qui n 'toit point trangere au droit public de R orne, et que notre ancien gouvernement mme avoit adopte: la lgislation romaine posoit en prncipe: que I' interprtation des loix appartenoit celui qui a fait la I oi: e jus est interprerari /egem, qui condiditlege111. On a senti, que si une autre autorit que celle du lgislateur pouvoit interprter les loix , elle finiroit par les altrer, et par lever sa volont au-dessus de la sienne; et iJ n 'est pas besoin de dire que ce prncipe s'applique, plus forte raison, un cas ou les loix sont directement attaques par les actes du pouvoir judiciaire qui les enfreint. Notre ancien rgime avoit reconnu lui-mme la ncessit de ce prncipe: quoique le roi n'eftt pas mme alors le pouvoir d'appliquer les loix aux causes particu-lieres du citoyen, il exeroit nanmoins celui de casser les juges contrares aux forn1es qu 'elles avoient tablies, et qui tendoient les attaquer ouvettement; et cette institution toit raisonnable, dans un systme oft il exeroit la puissance lgislative. Le pouvoir lgislatif est faible ou nu I. et toute sa force passe au pouvoir judiciaire. des qu'il n' a pas . en lui-mme. le droit et les moyens de repousser les atteintes que lu i porte ce dernier; com me il n 'tablit quedes regles gnrales. que les tribunaux seuls les appliquent. les loix deviendroient de vaines formules , dont l'autorit dpendroit absolument des juges ou du corps charg de revoir leurs jugemens.

    "Qu'on ne dise pas que je confonds ici les pouvoirs , en runissant dans les mmes mains le pouvoir lgislatif et le pouvoir judiciaire. J'ai fait observer que ceux qui doivent surveiller les tribunaux, et les ramener sans cesse aux prncipes de la lgis-lation , ne sont pas une partie du pouvoir judiciaire; et que leurs fonctions sont une dpendance et une convention ncessaire. de la puissance lgislative. et qu 'elle devoit tre exerce par le lgislateur. peine de renoncer la stabilit. la puret . l'unit des prncipes constitutionnels. J'observe d 'ailleurs. que cette maxime de la division des pouvoirs judiciaires, ne doit pas tre observe avec superstition , puisqu'elle est subordonne la ncessit des moyens qu'exigent le maintien de la libert pour la-quelle elle a t institue. et qu'il est des points de comact ott ils doivent se runir. Je conclus que c'est dans le sein du corps lgislatif que doit tre plac le tribunal de cassation. Je propose en consquence. qu'un comit du corps lgislatif. choisi par lu i. soit charg de proposer, d'instruire et de rappotter les affaires qui sont de son ressort . et qu 'elles soient dcides par des dcrets de l'assemble."

    Marinelli [ 1996:37, nota 63] menciona S. Belaid (Essa i sur I e pouvoir crateur e r normatif du juge. Paris. 1974), que sustenta, em polmica com Carr de Malberg e outros "autores clssicos". a tese de que a obra leg is lativa revolucionria de 1789 a 1804 no tinha a finalidade de diminuir o poder judicial, mas era , antes, fruto de uma rgida aplicao da teoria da separao dos Poderes (pp . 32 e ss.) .

    A INTERPRETAO 51

    les tribunaux devaient se borner appliquer la loi, dans ses dispositions ela ires et prcises, sans pouvoir I' interprter, au cas de difficult relle et srieuse sur sa porte. Entre ces deux te1mes, application et interpr-tation, la distinction assurment ne laissait pas d' tre dlicate".

    42. Na segunda delas. em 9.11.1790. observou: "Ce n'est point un tribunal que vous a vez crer, c'est une Cour de Cassation. Quel est l'objet de l'institution de cette Cour? Yoil la premiere, et peut-tre la seule question que vous ayez rsoudre : car c'est l'objet de toutes les institutions sociales. qui dirige les lgislateurs dans leur for-mation; les fonctions de ce tribunal sont de n' oprer que pour l ' intrt de tous. et d'empcher la violation de la loi. plutt que d 'en faire l'application; lorsque les parties ont puis tous les degrs de juridiction que leu r a donns la loi, leur intrt s'arrte l, et c'est moins les individus que la loi. que le tribunal de cassation va commencer dfendre. Ce n'est qu'en vous pntrant de ces prncipes. que vous parviendrez un juste rsultat dans cette matiere; ici je me fais une seconde question: quel est le geme de pouvoir auquelle tribunal de cassation doit tenir? Ce n 'est pas au pouvoir judiciaire. car casser un jugement, ce n 'est pas juger les droits des parties: ce n'est pas non plus au pouvoir excutif, car dire que la lo i a t viole, ce n 'est pas la faire excuter; et d'ailleurs, si te droit de cassation pouvoit tre confi au pouvoir excutif, qui est sou-vent intress violer la lo i. ou en tolrer l'infraction, la loi , loin d 'tre protge, seroit touffe par te despotisme: le tribunal de cassmion. s'il drivoit du pouvoir excutif. auroit un moven lgal d'anantir l'autorit lgislative, dont les dcrets pourroient n'tre que de vaines formules abandonnes la volont des agens du Roi . Ce tribunal sera-t-il donc une dpendance , une partie ncessaire du droit de faire les loix? Oui. sans doute. car ce ne peut tre qu ' celui qui fait la lo i. qu ' il convient de dire que la loi a t mal entendue ou enfreinte. Je ne connois pas en effet de troisieme puissance , et si les reprsentans de la nation navoient pas dans leurs mains la surveillance de leurs propres oprations; je te rpete. ces oprations seroient ouvettement ludes, violes avec l'espoir de l'impunit . La Cour de Cassation est donc le complment de l' assem-ble lgislative, et ni le Roi. ni les agens de son pouvoir, ne peuvent avoir plus de patt sa formation, qu'ils n'en ont celle de l'assemble nationale. Votre comit vous propose de faire choisir par le peuple quatrevingt-trois sujets. Sur ce nombre.le corps lgislatif en prendra quarante: et enfin, sur la prsentation de ce dernier nombre , le Roi n>tnmera trente juges. Voil donc, en derniere analyse, le pouvoir excutif disposant son gr desmembres composant le tribunal de cassation. Non. Messieurs. je. ne pense pas que vous vouliez adopter un ordre d 'lection. aussi videmment contratre tous vos prncipes. et loin d 'admettre le pouvoir excutif la formation de cette Cour. et de lui en asservir ainsi les membres . par la double cha'ne de l'intrt et de la reconnois-sance, vous voudrez avec moi. que I e peuple ait seu I I e droit de forme r la Cour de Cassation: reposez-vous sur sa sagesse: il constituera ce tribunal, d 'une maniere assez vigoureuse. pour qu ' il puisse se dfendre contre I' immortelle ambition des ministres. Le prncipe qui dtennine l'opinion que je viens d 'noncer, me force m 'lever aussi contre la proposition que vous fait votre comit. de faire du ministre de la justice. le prsident du tribunal de cassation. Ce seroit en bannir les zlateurs de la libett. de la vrit; ce seroit e n loigner tous les hommes vettueux qui redouteroient la corruption. mme avec la certitude. qu ' ils ne seroiellt pas capables d 'y cder; ce seroit enfin dna-

  • 52 POR QUE TENHO MEDO DOS JUZES

    Troper [2001:129-1301 assim sintetiza os desdobramentos da si-tuao instalada a partir da criao do Tribunal de Cassao pela lei de 27 .11-1 .12.1790:

    (i) a interpretao in concreto no interpretao, .porm mera apl i-cao da lei. visto que respeita premissa menor do silogismo. no premissa maior: o juiz no pretende determinar a significao dos ter-mos da lei. cabendo-lhe exclusivamente perguntar-se se a lei , tida co-mo clara, aplicvel aos fatos do caso, para o qu basta o exame des-ses fatos:

    (ii) a interpretao in concretu autorizada. mas no reconhecida como interpretao , seno como mera aplicac7o ela lei. como qttalij/ca-cio jurdica dos fatos;

    (iii) a m interpretao in concre10 consubstancia uma violao da lei . uma falsa aplicacio da lei, devendo ser cassada pelo Tribunal ele Cassao; tambm este Tribunal no exerce poder legislativo. visto que controla exclusivamente a premissa menor do silogismo subsuntivo:

    (i v) o exerccio desse controle pode revelar que a lei obscura e deve dar lugar interpretao in abstracto. cabendo. porm. ao legislador interpret-la: da o art. 21 ela Constituio francesa de 3.9.1791 ter esta-belecido que: 'Lorsque apres cleux cassations le juge ment clu troisieme tribunal sera attaqu par les mmes moyens que les cleux premiers. la question ne pourra plus tre agite au Tribunal de Cassation sans avoi r t soumise au Corps lgislatif. qui portera un clcret dclaratoire ele la loi. auquel lc Tribunal de Cassation sera tenu de se conformer'':

    . (v) para deixar bem sublinhado que esse Tribunal controla a boa aplicacio da lei e reservar ao Legislativo a integralidade de sua funo. o art. 19 ela Consti tuio cria o Tribunal de Cassao .. aupres du Corps lgislatif':

    turer et corrompre tous les principes: j'ajoute qu ' il est fac ile de voir qu 'une disposi-tio n. qui place un ministre du Ro i dans un sanctua ire de la justice. o uvre les portes de ce sanctuaire !'i ntrigue et la caba le . comme j'ai prouv qu ' elle les fermeroit la vcrtu. Je conclus clone en votant. pour que la question pralable fasse justice du projet d u comit :je demande auss i que les commissa ires qui l' ont conu. soient rappe lls aux principes constillltio nne ls . e t illl rcspect qui est dG l'a~semble natio nale".

    A INTERPRETAO 53

    (vi) o legislador no interpreta in concrero, mas in obstracto; cogita da premissa maior do si logismo, sob a forma legislativa. pois interpretar i11 abstracto legislar.

    Tm-se , ass im, dois rfrs: (i) um facu ltativo, institudo pelo art. I O da lei de 16-24 de agosto, visando obteno de uma interpretao in abstracto, e (i i) um rjr obrigatrio, institudo pela lei de 27.11 -1.12.1790. Mais adiante essa diviso de atribuies afirmada nos arts. 41.! e su do Cdigo de Napoleo: o art. 41.! obriga o juiz a interpretar in concreto, e o art. 51.! o probe de interpretar in abstracto.

    Sabemos, todavia, hoje que a chamada interpretao in abstracto envolve necessariamente a considerao dos fatos , de modo que , como salientei linhas acima, no possvel apartarmos interpretao e apli-cao, ou seja, interpretao in abstracto e interpretao in concreto . Insisto em que a separao, em duas etapas, de interpretao e aplica-cio decorre da equivocada concepo da primeira como mera operao de subsuno.

    38. A interpretao autntica

    Kelsen 11979:469 e ss.l distingue a interpretacio autntica, feita pelo rgo estatal aplicador do direito . de qualquer outra interpretao, especialmente a levada a cabo pela cincia jurdica. Ser bem til melhor compreenso do quanto linhas acima afirmei rememorannos essa distino , como enunciada por Kelsen.

    A interpretao cognoscitiva elo direito a apl icar (obtida por uma operao de conhecimento) combina-se com um ato de vontade em que o rgo aplicador do direito efetua uma escolha entre as possibilidades reveladas atravs da interpretao cognoscitiva. este ato de mntade (essa escolha) que peculiariza a interpretao autntica. Ela cria direi-to tanto quando assuma a forma de uma lei ou decreto. ~atada ele carter geral. quanto quando , fei ta por um rgo aplicador do direito (um juiz). crie direito para um caso concreto ou execute uma sano.

    As demais interpretaes ncio crian1 direito. Quando os indi vduos querem observar uma norma que regule sua conduta. devem tambm fa -:_er uma escolha. Mas essa escolha no autntica, isto . ncio cria

  • 54 POR QUE TENHO MEDO DOS JUIZES

    direito - no vinculante para o rgo que aplica43 essa norma jurdica. Tambm a interpretao feita pela cincia jurdica distinta daquela feita pelos rgos jurdicos. A interpretao feita pela cincia jurdica no autntica. pura determinao cognoscitiva do sentid das n~rmas jurdicas. No criao jurdica.44 A interpretao jurd.ico-cient-fica apenas pode estabelecer as possveis significa&s de uma norma jurdica45 -o jurista tem de deixar a deciso pela escolha das interpreta-es possveis de uma norma jurdica46 ao rgo que, segundo a ordem jurdica, o competente para aplicar o direito. Assim, quando o advo-gado indica determinada interpretao como acertada, est tentando influir sobre a criao do direito . No exerce - na dico de Kelsen -funo jurdico-cientfica, porm funo jurdico-poltica.

    Apenas o intrprete autntico revestido do poder de criar as nor-mas jurdicas.

    39. Interpretao dos textos e dos fatos Ademais, vimos que interpretar o direito concretar a lei em cada

    caso; ou seja: aplicar a lei [Gadamer 1991:401]. Da dizermos que o intrprete discerne o sentido do texto a partir e em virtude de determinado caso dado [Gadamer 1991:397]. Ora , sendo a interpretao, concomi-tantemente, aplicao do direito, deve ser entendida como produo pr-tica do direito, como a toma Friedrich Mller [1993:145-146], para quem inexiste tenso entre direito e realidade. No existe um terreno composto de elementos normativos, de um lado, e elementos reais ou empricos, do outro. Por isso, a articulao ser e dever-ser (a relao norma-fato) mais que uma questo da filosofia do direito. questo atinente estru-tura da norma jurdica, tomada na sua transposio prtica; e, por conse-quncia, atinente estrutura deste processo de transposio.

    Isso significa- repito- que a norma produzida, pelo intrprete , no apenas a partir de elementos colhidos no texto normativo (mundo do de-

    43. Dico de Kelsen; no obstante, inexiste separao entre interpretao e aplicao.

    44. A a crtica de Kelsen jurisprudncia dos conceitos: no se pode obter di-reito novo atravs de uma interpretao simplesmente cognoscitiva.

    45. De um texto normativo- digo eu. 46. Do texto normativo - digo eu.

    A INTERPRETAO 55

    ver-ser), mas tambm a partir de elementos do caso ao qual ser aplicada -isto , a partir de dados da realidade (mundo do ser). Lembre-se, a pro-psito ,a observao deAscarelli [1959: 140]: "Oggetto de li' interpretazione non e una ' norma', ma un testo (o un comportamento); e in forza dell'intepretazione del testo (o del comportamento) e perci sempre in forza di un dato che a rigore pu dirsi ' passato', 'storico', che si formula la 'norma' (come ' presente' ed anzi proiettata nel 'futuro')".

    O que incisivamente deve aqui ser afirmado, a partir da metfora de Kelsen [1979:467], o fato de a moldura da norma ser, diversamen-te, moldura do texto, mas no apenas dele. Ela , concomitantemente, moldura do texto e da realidade. O intrprete, ao empreender a produ-o prtica do direito, compreende e apreende, alm dos textos, a reali-dade- no momento histrico no qual se opera a interpretao- em cujo contexto sero eles aplicados.

    Por isso inexistem solues previamente estruturadas- como pro-dutos semi-industrializados em uma linha de montagem - para os pro-blemas jurdicos.

    O trabalho jurdico de construo das normas aplicveis a cada caso trabalho artesanal. Cada soluo jurdica, para cada caso, ser sempre, renovadamente, uma nova soluo. Por isso mesmo- e tal deve ser enfatizado -, a interpretao do direito se realiza no como mero exerccio de leitura de textos normativos, para o qu bastaria ao intr-prete ser alfabetizado.

    40. A interpretao dos fatos e a hiptese de Durrell A interpretao do direito , enquanto compreenso dos fatos, pe-

    culiar. Pois o intrprete os reconstitui , a partir dessa reconstituio ins-tituindo sua prpria realidade. Da a importncia do relato dos fatos (= narrativa dos fatos ao intrprete, fatos a serem por ele considerados) para a interpretao.

    Tomando o relato como estrutura especfica da linguagem em uso, van Roermund [1997:18 e ss.] cogita do vnculo epistemolgico exis-tente entre o relato e o relatado, designando-o como " interceptao da referncia" ou "hiptese da interceptao".

    A interceptao da referncia (ou hiptese narrativa) um para-digma epistemolgico que se ope ao representacionismo, paradigma

  • POR QLJE TENHO MEDO DOS JIJZES

    epistemolgico predominante no pensamento jurdico. O pressuposto deste ltimo est em que o conhecer , em ltima instncia, uma cpia. ou que no coisa distinta de uma cpia da realidade - o conhecer importa a representao do mundo exterior em nossas ideias (reflexo) ou representao de nossas ideias no mundo exterior (projeo).

    A crtica ao representacionismo no deve , porm. conduzir afir-mao ele que se possa prescindir da representao como momento do conhecimento. uma crtica atribuio de carter absoluto repre-sentao. O que com essa crtica se pretende relatil i-;,ar o momento conceitual da representac7o , articulando-o com o conceito de '"ponto de vista", ou . melhor, de posio"': melhor ainda, de lugar desde o qual se pensa. O relato, segundo van Roermund [1997:191 . uma estratgia que exclui uma multiplicidade puramente convencional de ' 'perspecti-vas" ou uma pura reificao da realidade .

    O que neste passo importa enfatizarmos a circunstncia de os fatos no serem o que so fora de seu relato (isto . fora do relato a que corresponclem) .47

    41. A hiptese de Durrell e Santo Toms Sugiro referirmos a aproximao (= estratgia) proposta por van

    Roermund como a "hiptese ele Durrell". por aluso s distintas verses elos mesmos fatos descritas no Quarteto de Alexandria (Justine, Baltlw--;,ar , Mountolile e Clea), o romance de Lawrence Durrell - em verdade. quatro distintos romances !Durrell 1960, l960a, 1960b e l960c 1.

    Desejo afirmar que a interceptao do ''lugar desde o qual se pen-!>

  • 5X POR QUE TENHO MEDO DOS JUZES

    pessoa pblica. Ora. esse conhecimento lhe chega de manei ra geral e particular. Em geral, atravs elas leis pblicas, divinas ou humanas. con-tra as quais no eleve admitir prova alguma. Tratando-se ele um caso particular. porm. a informao lhe vem mediante as peas . os testemu-nhas [si c I e demais documentos legtimos. que ho de ser seguidos no julgamento. mais elo que a cincia que o juiz adquire t:omo pessoa priva-ela . Essa cincia. no entanto. poder ajud-lo a discutir mais rigorosa-mente as provas aduzidas e a desvendar-lhes os defeitos. Mas. se no conseguir se desfazer delas pelos caminhos jurdicos . dever basear ne-las o seu julgamento. ( ... ).

    ( ... ) os juzes ho ele ju lgar a verdade. baseando-se nos dados do processo.( ... ).

    ( ... )a Deus compete julgar por seu poder prprio. ( ... ).Ao passo que os outros juzes no j ulgam por poder prprio. ( ... ).

    ( ... ) no que toca sua prpria pessoa. o homem eleve formar sua conscincia por seu prprio saber. Mas. quando exerce funo pblica. eleve formar sua conscincia com os dados do j ulgamento pblico e ne-les se basear.

    42. Discurso do direito/discurso jurdico e a(s) ideologia(s) do direito A exposio que ve nho produzindo encaminha necessria aluso

    aos discursosjurdicos [v. Correas 1993:112 e ss.) . Inicialmente operada a distino entre o sentido denntico (as nor-

    mas extradas elos enunciados) e o sentido ideolgico do direito (as demais mensagens que circulam quando o discurso jurdico utiliza-elo). no passo seguinte distinguiremos o discurso do direito e o discur-so jurfdico.

    Discurso do direito o discurso prescritivo produzido pelos juzes e tribunais autorizados a diz-lo. Discurso jurfdico o conjunto elos discursos que usam ou falam do di.,curso do direiro.

    O discurso do direito um conj unto de discursos que provm ele distintos emissores ou rgos. Mas tambm o discurso jurfdico um conjunto de discursos: o uos advogados; o dos professores ele direito; o

    AI:--'TERPRETAO 59

    dos cidados (e tambm os juzes o usam, quando fundamentam e ex-plicam o direito- isto . o discurso do direito).

    As distines ac ima expostas encaminham outra ainda: a que ope a ideologia do direito e a ideologia jurdica.

    Ideologia do direito a portada pelos textos, pelos enunciados elos quais se ex trai o sentido dentico do direito. Ideologia jurfdica a pro-duzida por quem usa ou fala elo direito.

    A ideologia produzida pelos discursos que falam do direito (dis-cursos jurdicos) inmeras vezes subverte a ideologia do direito (isto . elos enunciados interpretados). Pois certo que o direito um discurso legitimante elo poder no Estado moderno I Ruiz 1991: 149 e ss.).

    Alm disso. afirma-se. equivocadamente. que a interpretao produ-zida pelos juzes (autntica) tambm immeras vezes subverte a ideologia do direito. Mas isso no ocorre: se os enunciados. os textos. nada dizem (dizem o que os intrpretes dizem que eles cl izcm. ao produzi r as normas). a ideologio do direito tambm produ:ida pelo intrprete autntico.

    Aqui se colocam outras questes desafiadoras. Existe uma perene ideologia elo direito? Ou h ideologias do direito. extraveis. em cada conte.rto. do te.xto (assim como h normas extraveis. em cada contexto. elo texto)'? Se a ideologia elo direito e a norma so produzidas pelo intr-prete autntico (em razo elo qu inexiste a possibiliclacle lgica de sub-l'erscio ele uma e de outra) . quando. e em quais circunstncias . d-se a suiJ,ersclo do te.rto?

    43. Contrapo11to

    A ex posio que at este ponto venho de sem oi vendo remete. ele pronto. conside rao de dois aspectos. Como se opera a interpretao do direito? Quais os limites dessa interpretao'? Simplesmente isso de-sejo afirmar. neste contraponto. para seguir adiante.

    44. O texto e os fatos, a norma jurdica e a 11orma de deciso

    Um primeiro ponto a salientar rpcita it diferena entre nonnu juddico c nom1o de dl'ciso.

  • 60 POR QUE TENHO MEDO DOS JUZES

    A norma jurdica o resultado da interpretao. Interpretao no apenas do texto escrito e da realidade - no momento histrico no qual se opera a interpreta.o -, mas tambm dos fatos.49

    A interpretao visa, em ltima instncia, soluo de um caso concreto; soluo que se opera mediante a obteno de uma norma de deciso.50

    49. Lembro, neste passo, as observaes cheias de humor de von Jhering [1987:217, 218, 220, 222 e 242] a propsito do uso dos conceitos jurdicos pelos ju-ristas tericos: os conceitos jurdicos so incompatveis com a vida; no suportam o mundo real; a f inamovvel no imprio dos conceitos jurdicos e em princpios abs-tratos o vnculo comum que une a todos os que habitam o cu dos conceitos jurdi-cos; o jurista opera com seus conceitos como o matemtico com suas magnitudes, de modo que. se o resultado coneto desde o ponto de vista lgico , o que acontece de-pois j no problema seu - fiat iustitia, pereat mundus!;. os conceitos so verdades absolutas, sempre foram e o sero pelos sculos dos sculos.

    50. Cf. Mller [1993:166 e ss. e 2000:52 e ss.]. Referindo-se, desde a perspecti-va de Mller, ao texto constitucional, Canotilho [1991:229] observa que o texto no se confunde com a norma constitucional. Esta consiste num modelo de ordenao juridicamente vinculante, orientado para uma concretizao material e constitudo pe-lo programa normativo (enunciados lingusticos) e pelo setor ou domnio normativo (constelao de dados da realidade). Para atingir a norma constitucional, a partir do texto constitucional, j ter o intrprete atribudo a este. de incio, um significado se-mntico, bem como o ter investigado sob os prismas sistemtico, gentico, teleolgi-co, histrico e, eventualmente, outros tambm relevantes para o sucesso dessa tarefa (dogmtica, teoria da Constituio etc .). A atribuio ele significado ao programa nor-mativo, que so os enunciados lingusticos contidos no texto constituc ional, e ao setor 110rmativo (elementos empricos, dados da realidade recortados pelo texto constitu-cional}, a etapa seguinte do processo interpretativo, que conduzir obteno da norma constitucional. Esta, a seu turno, quando realizada - isto , quando aplicada aos problemas carecidos de deciso (concretizao)-, produz o efeito dito normativo (normatividade constitucional). Portanto, a normatividade no uma qualidade, mas o efeito do procedimento metdico de concretizao. Obtida a norma constitucional, ela ainda uma regra geral e abstrata, "que representa o resultado intermdio do pro-cesso concretizador, mas no ainda imediatamente normativa. Para se passar da normatividade mediata para a normatividade concreta , a norma jurdica precisa de revestir o carter de norma de deciso". A denominada "metdica jurdica normativo--estruturante"' possui , consoante Canotilho [1991:221], os seguintes postulados bs i-cos: "(I) a metdica jurdica tem como tarefa investigar as vrias funes de realiza-o do direito constitucional (legislao, administrao. jurisdio) (2) e para captar a transformao das normas a concretizar numa 'deciso prtica' (a metdica pretende--se ligada resoluo de problemas prticos) (3) a metdica deve preocupar-se com a estrutura da norma e do texto normativo, com o sentido ele normatividade e de proces-so de concretizao, com a conexo da concretizao normativa e com as funes

    A INTERPRETAO 61

    Em suma, a norma de deciso a norma jurdica aplicada a um caso concreto.

    45. A interpretao uma prudncia; a inviabilidade da nica soluo correta

    Antes de abordarmos esses pontos, uma questo fundamental deve ser ferida: a interpretao uma cincia ou uma prudncia?

    Colocando-se propositadamente margem dessa indagao, Kel-sen [1979:469] sustenta que a tarefa de saber qual a interpretao correta -entre as possibilidades que se apresentam nos quadros do di-reito a aplicar- no um problema de teoria do direito (do conheci-mento dirigido ao direito positivo), mas da poltica do direito. Esta, no obstante, uma questo fundamental: a interpretao uma cincia ou uma prudncia?

    Tenho sustentado, reiteradamente, que a interpretao uma pru-dncia- o saber prtico, a phrnesis, a que refere Aristteles na Etica a Nicmaco. O homem prudente - diz ele - aquele que capaz de deliberar corretamente sobre o que bom e conveniente para si prprio, mas no sob um aspecto particular (como, por exemplo, aquelas coisas que so boas para a sade e o vigor), porm de um modo geral, [consi-derando] aquelas coisas que conduzem vida boa em geral (VI, 5 1.140 a, 25). O homem prudente aquele capaz de deliberao . Mas jamais deliberamos sobre coisas que no podem ser de outro modo, nem sobre coisas que no dependem de ns; por consequncia, se verdadeiro que a cincia envolve demonstrao, mas as coisas cujos princpios po-dem ser outros no admitem demonstrao (porque todos so igual-

    jurdico-prticas; (4) elemento decisivo para a compreenso da estrutura normativa uma teoria hermenutica da norma jurdica que arranca da no identidade entre norma e texto normativo: (5) o texto de um preceito jurdico positivo apenas a parte desco-berta do iceberg normativo (F. Mller), correspondendo em geral ao programa norma-tivo (ordem ou comando jurdico na doutrina tradicional): (6) mas a norma no com-preende apenas o texto, antes abrange um ' domnio normativo ', isto . um 'pedao de realidade social' que o programa normativo s parcialmente contempla; (7) _conse-quentemente, a concretizao normativa deve considerar e trabalhar com dois tipos de elementos de concretizao: com os elementos resultantes ela interpretao d~ tex~o ela norma (= elemento literal ela doutrina c lssica); outro. o elemento de concret1zaao resultante ela investigao elo referente normativo (domnio ou regio normativa)"

  • 62 POR QUE TENHO MEDO DOS JUZES

    mente suscetveis de ser o que no so- isto , de ser diferentemente; ou seja: so contingentes) (VI, 5 1.140 a. 30), e ncio possl'el deliberar sobre coisas que so por necessidade (VI. 5 I .140 a. 35 ), a prudncia no pode ser nem uma cincia, nem u11w arte (V I , 5 I .140 b). O objeto ela cincia demonstrvel. A arte 1isa gerac7o 1 produo 1 e aplicar--se a uma arte considerar o modo de produ::Jr algma coisa que tanto pode ser como no ser. cujo princpio de existncia est no artista, e no na coisa produ-::.ida. A arte nc7o se ocupa com as coisas que seio ou que se geram por necessidade, nem com os seres natumis. que encon-tram em si mesmos seu princpio !sua origem! (VI, 5 1.140 a. 10). As-sim, a prudncia no cincia nem arte. A prudncia uma l'irtude (V I. 5 1.140 b. 20). Logo. a prudncia uma disposic7o !capacidade!. acompanhada de ra~o. capa::, de agi