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Gol de Placa

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Gol de Placa

Título Original: Gol de Placa

© Copyright 2018 Edições SOBRAMES Sergipe Sociedade Brasileira dos Médicos Escritores - Regional Sergipe

Todos os direitos desta edição são reservados à SOBRAMES - Sergipe e aos autores. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, com finalidade de comercialização ou aproveitamento de lucro ou vantagens, com observância da Lei de regência. Poderá ser reproduzido texto, entre aspas, desde que haja clara menção do nome da autora, título da obra, edição e paginação. A violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo ar tigo 184 do Código Penal.

Capa e Diagramação Editoração Joselito Miranda Editora ArtNer Comunicação

Organização Impressão Lúcio Antônio Prado Dias Infographics

Printed in Brazil / Impresso no Brasil

Ficha Catalográfica

Dias, Lúcio Antônio Prado (Org.).

D541g Gol de Placa – Jubileu de Ouro – Turma de medicina de 1968 da FM- UFS – Edições SOBRAMES - Sociedade Brasileira de Médicos Escritores Regional Sergipe. / Lúcio Antônio Prado Dias.

- Aracaju: ArtNer Comunicação, 2018.

158p.: il

ISBN: 978-85-69567-35-6

1. Médicos Escritores-SOBRAMES-Sergipe 2.SOBRAMES-Sergipe

I - Título

CDU: 6:82 (813.7)

Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária: Jane Guimarães Vasconcelos Santos CRB-5/975

Aracaju-SE

2018

EDITORA

Sociedade Brasileira de Médicos EscritoresRegional Sergipe

Edições

Gol de PlacaJubileu de Ouro

Turma de Medicina de 1968 da FM-UFS

Gol de Placa

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Sumário

Apresentação ........................................................................................ 7

Prefácio ..................................................................................................9

Antonio Santana Meneses ....................................................................13

Caetano de Almeida Quaranta ................................................................35

Delia Maria Rabelo dos Santos ..............................................................47

Eduardo Antonio Conde Garcia ..............................................................59

Fedro Menezes Portugal ........................................................................73

Ildete Soares Caldas ..............................................................................81

José Aguinaldo de Santana Fonseca ......................................................93

José Côrtes Rolemberg Filho ..............................................................119

Margarida Maria Diniz Franco ............................................................ 139

Maria Selma de Andradea Góis ............................................................147

Gol de Placa

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Apresentação

O Dicionário Aurélio assim define o termo Gol de Placa: “conceito criado a partir de um gol espetacular de Pelé (Edson

Arantes do Nascimento), que lhe rendeu uma placa honorária”, ocorrido em 1961. A iniciativa para a confecção da placa foi do jornalista Joelmir Beting, e o “Rei” do futebol tinha apenas 20 anos. O jornalista ficou tão impressionado com o gol, que a placa foi colocada no saguão do estádio com os dizeres: “Neste estádio, Pelé marcou no dia 5 de março de 1961, o tento mais bonito da história do Maracanã”, imortalizando o lance e a sua relação com o Maracanã. 40 anos depois, Pelé retribuiu a homenagem da mesma forma, oferecendo ao jornalista uma carinhosa placa de agradecimento com os dizeres: “A Joelmir Beting, a gratidão eterna do autor do Gol de Placa ao autor da Placa do Gol”.

O “Time” de 68, uma turma de notáveis, não teria merecido uma placa? Entre os formandos, três professores universitários, dois deles tendo dedicado toda uma vida à Universidade Federal de Sergipe, ensinando suas disciplinas específicas, além de servir como exemplo de ética médica para várias gerações de médicos. Outros exerceram brilhantemente a medicina nas suas respectivas áreas de atuação. Dois desses formandos foram meus mestres: Dr. Fedro Portugal e o Dr. Eduardo Garcia e com este último tive uma convivência longa no Departamento de Fisiologia, onde iniciei como Monitor de Fisiologia Humana, durante quatro anos e depois

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me tornei professor da disciplina ao lado de outros grandes nomes como Luíz Hermínio, João Macedo e Jailson Santana, com os quais convivi de perto por pelo menos duas décadas, até ser transferido para o Departamento de Medicina, onde assumi a cátedra de neurologia após o falecimento do Prof. Tarcísio Carneiro Leão e a aposentadoria do Prof. Hélio Araújo Oliveira.

Não poderia deixar de mencionar o clima político reinante naquele ano de 1968, que muito marcou as solenidades de formatura em nossa primeira Universidade. Enquanto os onze formandos se preparavam para comemorar a sua graduação em Medicina na UFS, era editado e entrava em vigor no dia 13 de dezembro daquele mesmo ano, o Ato Institucional nº 5 o (AI-5), que foi o maior golpe dado contra a democracia, dando poderes absolutos ao governo militar.

Roberto César Pereira do PradoPresidente da Academia Sergipana de Medicina

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Prefácio

Um jubileu, uma placaUm livro, um gol de placa

O jubileu

Estamos no último ano da faculdade, em pleno estágio. Aproxima-se a colação de grau. Apesar dos muitos afazeres,

ainda tínhamos tempo para reuniões festivas, com a participação dos artistas da própria turma. Entre os onze colegas haviam músicos, cantores e poetas. Fazíamos a festa.

Orgulhosos, queríamos uma formatura realmente inesquecível. Para isso, conseguimos o valor necessário, praticamente através da avant première do filme Mary Poppins, e da festa com desfile masculino, feminino com a banda Los Guaranis na Associação Atlética de Sergipe.

Depois de tantos anos de estudos, plantões, sonhos, desafios e incertezas, nossos esforços foram coroados com o brilhantismo dos eventos da nossa formatura. A começar da celebração da missa em ação de graças, na catedral, seguida da cerimônia de entrega dos diplomas, no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. A colação de grau, devido ao momento político, ocorreu sem os discursos do paraninfo e do orador da turma. Foi um silencio bastante representativo.

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Finalmente, no dia seguinte, realizamos o tradicional baile de formatura, no Iate clube de Aracaju. Casa cheia, orquestra excelente, de Carlos Lacerda da Bahia. Até smoking teve. Para alegria de todos, tudo aconteceu acima das nossas próprias expectativas.

A placa

Comemorar formatura nos dias de hoje, basta ter bom gosto e dinheiro. Existem empresas para qualquer tipo de evento. Há

50 anos, éramos nós mesmos que executávamos todas as etapas das solenidades. Calculem o trabalho e a preocupação.

Parecia que tudo ia dar certo, mas estávamos esquecidos que, como seres humanos, não somos imunes aos erros

Aqui começa a aventura da placa. Ao invés de pensar numa placa tradicional, queríamos algo diferente. Em razão disso, solicitamos a um arquiteto, reconhecido pela sua capacidade criativa, a concepção de um modelo com um padrão diferenciado do habitual.

Aprovado o esboço ou croqui, procuramos um artista plástico com habilidade em metais. Foi difícil, mas conseguimos. O que não conseguimos foi que ele terminasse a obra, nem antes, nem depois da nossa formatura.

Um livro, um gol de placa

“O homem é do tamanho do seu sonho”. “Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.”

Fernando Pessoa

Sonhamos e vendemos sonhos nos nossos caminhos.O termo “gol de placa” surgiu quando um jornalista famoso

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decidiu, por conta própria, dar uma placa ao nosso maior jogador de futebol, depois que ele fez um gol excepcional. Sendo assim, pensamos por que não temos também um gol de placa pelos milhares de gols que fizemos na nossa trajetória médica. Então, nasceu o livro, uma placa diferente, como desejávamos, há 50 anos. Leiam, é um livro cheio de vida e de sonhos.

E por falar em 50 anos, é com muito espanto que assistimos o tempo passar tão depressa.

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Turma de Medicina da FM-UFS de 1968

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Antonio Santana Meneses

Os primeiros quinze anos

Nasci em Itabaiana, em Sergipe, em cinco de agosto de 1944, quarto dos cinco filhos do casal Valdelina de Santana

Meneses e Florival de Oliveira Meneses. Fui registrado e batizado como Antonio Santana Meneses. Minha mãe, Valdelina, oriunda de Ribeirópolis, sempre foi do lar. Ela cuidava da casa e dos filhos e dava a necessária retaguarda ao esposo, Florival. Meu pai foi comerciário e vendedor viajante durante décadas, na firma onde trabalhou até falecer.

Quando meu pai faleceu, dois dias antes de eu completar nove anos de idade, nós não tínhamos bens, nem mesmo casa própria para morar. Semanas depois do falecimento do meu pai a família de origem dele, sem explicações, afastou-se de minha mãe e dos cinco filhos que meu pai deixara.

Meu avô materno, Camilo, faleceu antes do meu nascimento e antes do nascimento do seu quarto filho, a tia Alzira. Minha avó materna, Petronila Maria Santana - D. Nila Doceira - quando enviuvou, para se manter e aos quatro filhos, passou a fabricar e vender, em sua casa e na feira de Ribeirópolis, cidade onde residia,

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cocada, bala de mel, mundinha, cocada puxa (cocada mole), doce de leite em calda, doce de banana em rodelas, manauê, arroz doce e mungunzá. Passar férias na casa de Mãe Nila, além dos bons tratos que eu recebia dela e de minhas duas tias, Jacira e Alzira, e do tio Aristóteles, eu dispunha de uma fábrica de doces à minha disposição e tinha também a grande malhada que havia no terreno atrás da casa, cheia de árvores frutíferas e plantação de mandioca.

Creio que foi como vendedor viajante que meu pai, morando em Itabaiana, conheceu em Ribeirópolis a moça Valdelina, que veio a se tornar sua esposa e mãe dos seus cinco filhos. Maria e Nivalda fizeram o Curso Normal, de formação de professor primário; José foi torneiro mecânico, formado pelo SENAI e João, meu irmão mais novo, formado em direito.

Cresci em Itabaiana, com amigos como Antonio Santana Ferreira, José Siqueira Neto, José Élson da Silva Melo, Manoel Messias Andrade e Luis Alberto Siqueira. Agora escrevendo, tomo consciência de que nunca fui de muitos amigos. Dava-me muito bem com todos, mas não fazia parte de grupos. Estudei o primário no Grupo Escolar Guilhermino Bezerra e fiz o ginasial no Ginásio Estadual de Itabaiana. Cedo, aos nove anos, logo depois de ficar órfão de pai, comecei a fazer alguns trabalhos em troca de pagamentos. Fui aprendiz de alfaiate, como José Crispim de Souza, mas não progredi no ofício. Passei a trabalhar com José Crispim mesmo na loja de tecidos que ele comprou. Quando terminei o ginasial, aos 15 anos, o que me restava mesmo na cidade era fazer o curso Normal. Então, espontaneamente, José Crispim foi à minha casa comunicar-me que havia conseguido para mim um trabalho numa grande loja de tecidos na capital, Aracaju.

Levado por José Crispim, em janeiro de 1960 eu me mudei para Aracaju e passei a trabalhar na loja Maracanã dos Tecidos, de Valteno Alves Menezes. Apesar dos sobrenomes, não éramos parentes. Morava com meu irmão José, que estava terminando

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seu curso de torneiro mecânico no SENAI. Meses depois de minha mudança para Aracaju, em junho, minha mãe faleceu e José voltou para Itabaiana. Passei a morar sozinho, na vila de quartos de Seu Elpídio, na rua São Cristóvão.

Em Aracaju para fazer o colegial

Trabalhei com Valteno, na loja Maracanã dos Tecidos, de 1960 a 1962. Trabalhava na loja de segunda a sábado, das 8 às 17 horas; de segunda a sexta-feira eu frequentava o Colégio Estadual Atheneu Sergipense, a partir das 19 horas. Naturalmente, no Atheneu tive diversos professores. Tenho lembranças destacadas de três deles: Leão Magno Brasil, de matemática; João Epifânio de Campos Lima, de espanhol e Maria da Glória Menezes Portugal, professora Glorita, que lecionava francês e inglês. A professora Glorita era a mãe do hoje meu colega e amigo Fedro Menezes Portugal, ilustre especialista em dermatologia e professor dessa matéria na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Sergipe. No meu terceiro ano de trabalho na Maracanã dos Tecidos, ano de 1962, cursando o terceiro ano científico no Atheneu, Valteno Menezes me deu a manhã para que eu pudesse me dedicar mais à minha preparação para o vestibular. E eu passei a trabalhar somente a partir das 12 horas. Em 1963, depois de aprovado no exame vestibular do final de 62, iniciei meu curso de medicina. No exame vestibular éramos 54 candidatos e somente onze fomos aprovados. 27 foram eliminados na primeira prova, a de português. Eu não conhecia nenhum dos meus futuros colegas de faculdade.

Fui aprovado no vestibular

Entrei numa faculdade pública e não teria mensalidades a pagar, mas como eu iria me manter e adquirir os livros necessários?

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Sem o salário do meu trabalho na loja Maracanã dos Tecidos, como iria me manter? Alguém, provavelmente colega aprovado comigo no vestibular, sabendo que o Atheneu precisava de professor de biologia, sabedor também de que a minha nota em biologia fora uma das melhores no vestibular, indicou-me para lecionar essa matéria. Agora escrevendo, estou imaginando que esse alguém pode ter sido o colega Caetano de Almeida Quaranta, então professor catedrático de química no Atheneu e um dos onze aprovados para iniciar o curso de medicina. Deu certo. Passei a dar aulas de biologia no Atheneu. Cheguei a dar aulas de biologia em um modesto curso pré-vestibular. Nesse curso havia uma aluna de nome Carmen Lúcia Pereira Santos, que mais tarde se tornou minha esposa e mãe dos nossos dois filhos, Carla e Cláudio. Durante um tempo pequeno, como estudante de medicina, morei no CEU – Casa do Estudante Universitário, no segundo pavimento de um prédio comercial, na rua São Cristóvão, em Aracaju. Quando morava no CEU eu almoçava num local que servia, grátis, refeições para universitários. Era o ano de 1963, o primeiro do meu curso de medicina. Comprei de segunda mão e passei a ter os livros necessários. Valia-me também dos livros da biblioteca.

Depois do CEU fui morar com os irmãos Maria e João, que se mudaram de Itabaiana para Aracaju. Nivalda, já casada, e José permaneceram em Itabaiana. Morávamos no bairro Santo Antonio, onde tive o prazer de fazer amizade com Sônia Santana, também estudante de medicina e posteriormente brilhante médica dermatologista. Muitas vezes, especialmente em dias de chuva, o colega de turma Eduardo Garcia me trazia em sua Kombi, da faculdade para minha casa; a rua onde eu residia, Japaratuba, não era pavimentada e com as chuvas ficava com muita lama. Inúmeras vezes fui à faculdade e dela voltei para casa no fusquinha verde da colega Ildete Caldas. Contei muito, nos primeiros anos da faculdade, com ajuda financeira de minha irmã Maria, comerciária.

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Órfão de pais e sem bens, durante uns doze meses, creio que em 1964, recebi uma ajuda monetária mensal espontânea do CONDESE - Conselho do Desenvolvimento Econômico de Sergipe. Foi uma boa ajuda. Ela chegou espontaneamente e cessou sem qualquer aviso. Não fui ao Condese saber o que houvera. Fiz um protesto por causa da cessação, através de um jornal da cidade de Aracaju e tudo ficou encerrado.

Na faculdade

Na faculdade de medicina sempre convivi em harmonia com todos os colegas e professores. Guardo de todos eles boas lembranças, só boas. Também tenho lembranças boas de Gilka de Almeida Pinho, secretária da faculdade; de d. Helena, auxiliar e de Seu Chico, que cuidava dos cadáveres e dos ossos do curso de anatomia. Nossa turma foi a terceira da faculdade. Éramos poucos em 1963: os do terceiro ano eram somente sete, dezesseis no segundo ano, e os onze que formávamos o primeiro ano. Fora de nossa turma meus contatos maiores, de amizade, foram com Carlos Hardman Côrtes, do terceiro ano, da primeira turma da faculdade. Esse colega era tão magro que no trote de seu ingresso na faculdade ele desfilou como o primeiro cadáver da medicina. Quem conheceu Hardman mais tarde, sabe que nos seus últimos anos de vida ele era grande obeso. Escrevendo sobre cadáveres em trotes dos iniciantes da nossa faculdade de medicina, o segundo da nossa escola foi o hoje dr. Fedro Portugal. Ildete Soares Caldas foi a colega com quem mais estudei em casa, na casa dela, em geral junto com o colega José Rolemberg Cortes. Foram muitas dezenas de noites proveitosas e agradáveis de estudo.

Durante a faculdade participei dos Jogos Universitários. Nunca fui atleta, mas estudantes de outras faculdades, todas de Aracaju mesmo, tiveram medo de concorrer comigo, porque os

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colegas da medicina espalharam que eu era um grande corredor, habituado a correr entre Itabaiana e Ribeirópolis, uma distância de 22 km. Fiquei em terceiro lugar.

O nosso curso de medicina se desenvolveu, principalmente, no Hospital de Clínicas Dr. Augusto Leite, mais conhecido como Hospital de Cirurgia, em Aracaju. Após os ensinamentos da cadeira de psiquiatria, no 4º ano, curso ministrado pelo dr. Hercílio Cruz, passei a frequentar a Clínica Adauto Botelho, hospital psiquiátrico estadual, que ocupava uma quadra entre as ruas Laranjeiras e São Cristóvão, em Aracaju. Iniciei-me também na Casa de Saúde Santa Maria, localizada no bairro Siqueira Campos e propriedade do prof. Hercílio cruz. Nesses dois hospitais eu aprendia a psiquiatria baseada no modelo Hercílo Cruz. Tornei-me o primeiro psiquiatra da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Sergipe. Capacitei-me a ponto de poder começar a exercer a psiquiatria a partir do mês seguinte ao da formatura, dezembro de 1968. Meu CRM em Sergipe foi número 177.

A cadeira de psicologia médica cabia ao dr. João Batista Perez Garcia Moreno. Numa de suas aulas o prof. Garcia Moreno informou-nos que um determinado profissional havia contado o

Fedro e Selma com Antonio Santana.

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número necessário de palavras para bem expressar a psicologia médica. Parece-me que essa informação, associada ao que mais tarde aprendi ao longo dos estudos e do exercício da profissão, motivou-me a selecionar uma coleção de vocábulos necessários à compreensão de textos sobre saúde e doença mentais. Essa coleção está quase pronta, esperando apenas a publicação da CID-11, Décima Primeira Edição da Classificação Internacional de Doenças, para ser atualizada. Com a referida coleção, batizada com o nome de Conceitos Atuais em Saúde Mental, depois de ajustada à CID-11, buscarei um editor, com o propósito de torná-la um livro.

Homenagem aos professores

Do dr. Lourival Bomfim, o nosso professor de biofísica, pratico a advertência de que “Na medicina e no amor não há nem nunca nem sempre”. O que muito me marcou na cadeira de dermatologia, do dr. Delso Bringel Calheiros, foram sua didática e sua clareza, ao lado do ensinamento de enfermidades com as quais frequentemente o médico se depara no consultório como, por exemplo, as tinhas, a escabiose, a sífilis e as outras doenças venéreas. A pneumologia foi brilhantemente ensinada pelo dr. Airton Teles Barreto, professor de didática exemplar e de muito saber. Os professores de clínica cirúrgica, especialmente dr. Fernando de Oliveira Sampaio e dr. Fernando Filizola Freire, foram grandes mestres. Dr. Osvaldo da Cruz Leite, também cirurgião, ensinou-nos desde o primeiro ano, na sua cadeira, a de anatomia. Excelentes mestres também foram dr. Francisco Jose Plácido Tavares de Bragança, dr. Osvaldo de Souza, dr. José Abud, dr. Benjamim Alves Carvalho, dr. Lauro de Brito Porto, dr. Walter Cardoso, dr. Juliano Calazans Simões, dr. Tarcísio Carneiro Leão, dr. Brenha Chaves, dr. José Machado de Souza, dr. Paulo

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Carvalho, dr. Nestor Piva, dr. José Augusto Soares Barreto, dr. José Pereira Carrera, dr. Alexandre Gomes de Menezes Netto, dr. Cleovansóstenes Pereira de Aguiar, dr. Albino Figueiredo Melo, dr. Hugo Bezerra Gurgel. Cada um deles, pouco a pouco, na teoria e na prática, mostrava à nossa turma a importância da profissão e nos alertava para a necessidade de buscarmos permanente atualização. O dr. Antonio Garcia Filho, professor de bioquímica, além dos ensinamentos, plantando em nós a diferença entre química e bioquímica, até onde sei, foi o que mais se dedicou no trabalho pela criação da nossa faculdade de medicina. A ele a minha gratidão é especial.

A graduação em medicina dura seis anos. A residência e a especialização, juntas, após a graduação, implicam em, pelo menos, mais três anos de estudo. A minha pós-graduação foi autodidata. Estudei nos livros de José Alves Garcia (presente de Fedro), Eugen Bleuler, Honorio Delgado, Emilio Mira y López, Ernst Kretschmer, John Talbott-Robert Hales-Stuart Yudofsk, Hans Jörg Weitbrecht, Nelson Pires, Iracy Doyle, Kurt Schneider, principalmente esses.

Os atestados de que me habilitei suficientemente foram a aprovação em exame para obtenção de título de psiquiatra pela Associação Médica Brasileira (AMB) e Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em 1974; aprovação em concurso para o Ambulatório Regional de Saúde Mental de Presidente Prudente, SP, em 1976; aprovação como psiquiatra no último concurso nacional realizado pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), em 1977; exercício de professor nas cadeiras de psicologia médica, psicopatologia e psiquiatria, na faculdade de medicina da Universidade do Oeste Paulista (Unoeste), em Presidente Prudente, SP, de março de 1992 a junho de 2001.

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Na vida profissional

Logo depois de formado, por ter agido bem como diretor do Serviço de Assistência a Psicopatas, em Aracaju, perdi a condição de permanecer no meu estado. Autoridades me impediram de exercer a profissão de médico psiquiatra com a habilidade e a lisura necessárias. O impedimento se iniciou com o secretário de saúde determinando que os tratamentos dos internos da Clínica Adauto Botelho, hospital público estadual sob minha direção, deveriam ser realizados prioritariamente com eletrochoque, para evitar despesa com medicamentos. Determinação que entendi como ignorar a prescrição dos médicos assistentes. Então, solicitei ao Conselho Regional de Medicina de Sergipe (Cremese) um parecer sobre essa determinação do secretário de saúde. O Cremese respondeu-me, mas com atraso, considerando um novo documento do secretário da saúde, posterior àquele para o qual solicitei o parecer. A resposta do Cremese se referiu apenas ao novo documento do secretário de saúde, no qual essa autoridade recuava em sua determinação. Como o cargo de diretor do Serviço da Assistência a Psicopatas era de confiança, preferi demitir-me. Após meu pedido de demissão ser aceito, fui convidado a deixar de ser médico da Clínica Adauto Botelho. Respondi a esse convite dizendo que do cargo de médico, do exercício da profissão, só me afastaria se fosse demitido pelo empregador. Demitiram-me em silêncio, sem justa causa. Fui indenizado. Com o campo de trabalho muito estreitado, mudei-me para o estado de São Paulo onde tenho tido uma vida da qual me orgulho dentro e fora da profissão.

Casamento e trabalho

Casei-me em 18 de dezembro de 1970 com Carmen Lúcia Pereira Santos que passou a se chamar Carmen Lúcia Santos

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Meneses. Combinamos que ela cuidaria da casa e dos filhos que tivéssemos. Ela concordou e se demitiu da Fundação Serviço Especial de Saúde Pública - FSESP. Dificultaram minha permanência em Sergipe e me mudei para São Paulo, com minha esposa em 1972. Em setembro desse ano nasceu nosso primeiro filho, Carla, em Piracicabana. Em 1975 nasceu o segundo filho, Cláudio, em Presidente Prudente. Nossos filhos hoje são médicos e foram meus alunos na faculdade de medicina da Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE), em Presidente Prudente, SP. Carla Santos Meneses Romão é médica oftalmologista e Cláudio Santos Meneses é anatomopatologista. Casados, Carla é mãe de Xisto Pedro Romão Neto. Em certas ocasiões de nossas vidas, Carmen lamentou ter se limitado a ser somente dona de casa. Eu sempre estive satisfeito com o contrato inicial e reconheço que a bela formação construída com nossos dois filhos é fruto principalmente da dedicação materna cotidiana. Será que existem profissões superiores à da assistência à formação dos filhos?

Trabalhando no Ambulatório Regional de Saúde Mental de Presidente Prudente, SP, conheci uma colega psiquiatra de nome Guiomar da Motta Passos. Tornamo-nos bons amigos. O Passos do seu sobrenome vem do esposo, Antonio Passos Subrinho, sergipano de Ribeirópolis. O pai da dra. Guiomar era proprietário de uma grande empresa de ônibus interestadual, a Viação Motta. Nos anos que viajei entre Prudente e São Paulo, na maioria dos fins de semana, para minha formação em Análise Transacional, gozei de um passe que a amiga Guiomar me deu, para fazer minhas viagens em ônibus leito.

Quando me mudei de Sergipe para São Paulo, em vez de continuar me apresentando como Santana, para seguir a praxe passei a me apresentar como Meneses, meu último sobrenome, daí: dr. Santana, em Sergipe e dr. Meneses em São Paulo.

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O meu envolvimento com os cuidadosaos usuários de bebidas alcoólicas

O uso de bebidas alcoólicas é uma coisa que desde quando me iniciei no ambiente de saúde mental tem recebido muito minha atenção e reflexão. No início, quando eu ainda era estudante, cheguei a imaginar a existência de uma grande área para onde seriam transferidas as pessoas que bebessem de forma objetivamente prejudicial a elas mesmas e/ou a outrem. De lá só sairiam experimentalmente e tornariam a voltar se não passassem a demonstrar abstinência permanente de bebidas alcoólicas. Eu havia aprendido que o tabaco e o álcool são as duas principais causas de doenças evitáveis. Nos hospitais eu estava vendo pessoas sendo repetidamente internadas em decorrência de como bebiam e das consequências desse beber. Desenvolvi a compreensão de que nem os bebedores nem seus familiares e as demais pessoas atingidas por eles mereciam aqueles sofrimentos: maus comportamentos quando alcoolizados; irresponsabilidade para com a família; deterioração da capacidade de trabalho; brigas com consequências de ferimentos, hospitalizações, prisões e mortes; doenças várias, físicas e psíquicas, resultantes do uso das bebidas alcoólicas; acidentes automobilísticos e de trabalho etc.

Num levantamento que realizei nos três hospitais psiquiátricos de Presidente Prudente, em São Paulo, encontrei um homem se internando pela quadragésima primeira vez em consequência do consumo que fazia de bebidas alcoólicas. Os pacientes se internavam, voluntariamente (depois das primeiras hospitalizações) ou levados pela família ou, menos vezes, pela polícia. Chegavam ao hospital com doenças físicas e mentais. Com o tratamento ficavam bem, mas voltavam a beber logo após a alta ou até mesmo antes dela, nas licenças de fins de semana que tinham quando próximos de receber a alta hospitalar.

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Usar bebidas alcoólicas não é uma coisa necessária para ninguém. Elas podem se tornar necessárias, e se tornam, para significativa parcela das pessoas que nelas se iniciam. Usar bebidas alcoólicas não é uma conduta natural, é aprendida. Uma consequência da iniciação é que onze por cento da população brasileira, mais de 20 milhões de pessoas, são dependentes do uso de bebidas alcoólicas, segundo dados do Ministério da Saúde. Os que bebem sem a condição de dependentes formam outro grupo maior ainda.

Certa manhã, no final de uma palestra que fui convidado a proferi sobre bebidas alcoólicas, numa Semana de Prevenção de Acidentes do Trabalho – SEPAT- na empresa Telefônica, em Presidente Prudente, SP, perguntei às pessoas da assistência se elas achavam justo, grupos de cem pessoas se absterem, não se iniciando ou parando o uso de bebidas alcoólicas para, fazendo isso, estatisticamente, livrarem doze pessoas de se tornarem dependentes do uso dessas bebidas. A resposta foi um completo silêncio e olhares da plateia não mais dirigidos para mim.

Discute-se muito sobre por que existe o alcoolismo. A resposta correta me parece ser a seguinte: por fatores causais genéticos, psíquicos e sociais. Pensando em solução, parece-me que a propaganda, direta ou disfarçada, é um motivo social de enorme importância. Se a propaganda não fosse um fator causador muito importante do consumo de bebidas alcoólicas, os fabricantes não gastariam imensas fortunas com essa propaganda. Outro potente fator social causador do alcoolismo é a educação que se recebe em casa e fora dela. Explico: por que cada nação, por exemplo, tem sua língua e seus costumes? Respondo: é porque cada criança, desde o nascimento, fica imersa no mundo dos que chegaram primeiro e com eles aprende, naturalmente, sem precisar de escola formal, o vernáculo e os comportamentos. E os comportamentos incluem: beber para comemorar o casamento, o nascimento, o batizado,

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cada aniversário natalício, a aprovação no vestibular, a conclusão da graduação; beber para festejar o carnaval, as festas juninas, o dia das mães, dos pais e das crianças; beber para comemorar a vitória do time de futebol ou, no outro lado, para tolerar a correspondente derrota; beber por motivo do calor ou do frio; beber por motivo da chegada ou do adeus; uns bebem porque estão estressados e outros bebem porque estão em gozo de férias; beber porque todos bebem.

Uns dizem que bebem para se desinibirem. E não consideram que desinibidos comportam-se de modos impróprios, por exemplo, dirigem veículos e morrem em acidentes ou matam por atropelamento outras pessoas que encontram nos seus caminhos. Uns justificam que bebem pouco. Sem ligarem para as estatísticas comprovando que de cada cem pessoas que se iniciam no uso de bebidas alcoólicas, cerca de doze delas terminam como dependentes de álcool. Além do que, todo iniciante bebe pouco, e antes de se tornar iniciante o seu consumo de bebidas alcoólicas é zero. O Brasil tem cerca de onze por cento de sua população (mais de 20 milhões de pessoas) dependentes do uso de bebidas alcoólicas, dependentes, não apenas bebedores. E esses mais de 20 milhões de pessoas, no passado não bebiam e nunca desejaram chegar à posição onde estão. E quantos outros milhões de pessoas sofrem no campo de ação dos bebedores?

Sobre o custo do problema relacionado ao uso de bebidas alcoólicas transcrevo aqui o que Diego Amorim, em 18-01-2015, postou na Internet: “De gole em gole, o Brasil se embriaga e se afunda em uma ressaca que tem durado mais do que a manhã de segunda-feira. Por ano, com base em estatísticas oficiais e pesquisas científicas, estima-se que o país perca 7,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em decorrência de problemas relacionados ao álcool. Considerando o PIB de R$ 5,1 trilhões, o custo do uso abusivo de bebida alcoólica atingiu, em 2014, algo como R$

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372 bilhões”. Atualizo: como o PIB de 2017 é de cerca de R$ 6,51 trilhões, segundo o Monitor do PIB da Fundação Getulio Vargas (FGV), mantendo a proporção referida por Diego Amorim, o custo do uso prejudicial de bebidas alcoólicas atingiu, em 2017, algo em torno R$ 475 bilhões.

A psiquiatria é uma especialidade médica tão útil quanto às demais. Ela não cria doentes mentais; ela estuda para bem conhecer, tratar eficazmente e saber prevenir os distúrbios psíquicos e de comportamento que as pessoas apresentam. Como ficariam o Brasil e os brasileiros sem os problemas relacionados ao uso das bebidas alcoólicas?

O portador de Alcoolismo não é nem uma vítima nem um bandido; ele é um coautor destacado dessa má obra que a sociedade está a produzir e que se chama de alcoolismo. Creio que se ele se empenhar o quanto lhe cabe e se a sociedade fizer a parte dela, está encontrada a fórmula para a solução desse flagelo social.

Para se modificar o resultado da educação do cotidiano é necessário um processo equivalente, isto é, diário, permanente e de toda a comunidade. Um procedimento assim é o necessário para se lidar com eficácia com os muitos e graves problemas relacionados ao uso de bebidas alcoólicas.

O CLAREAMI, testando e comprovando uma teoria

Como médico, procurei uma solução para o uso prejudicial de bebidas alcoólicas. Minhas ideias sobre o uso de bebidas alcoólicas foram testadas na prática e as considero aprovadas. Numa reunião realizada em 30 de novembro de 1993, no Centro de Formação e Promoção Humana da cidade de Mirante do Paranapanema, estado de São Paulo, iniciativa de Regina Kerezi e minha, foi criado o CLAREAMI. Criação estimulada pelo secretário municipal de saúde, dr. Tércio Pessoa de Vasconcelos, pernambucano, graduado

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em medicina em Recife. A referida reunião contou com a presença de vinte e três pessoas, entre as quais estavam o então prefeito municipal, representantes das Comunidades Eclesiais de Base, representantes de centro espírita, representantes da Associação Antialcoólica do Estado de São Paulo, representantes do Sindicato dos Servidores Municipais, policiais militares, assistente social, estudantes, funcionários municipais, a srta. Regina Kerezi e o dr. Meneses, médico psiquiatra do Centro de Saúde de Mirante do Paranapanema. O CNPJ do CLAREAMI foi 02.334.741/0001-34.

O CLAREAMI foi uma aplicação prática da obra “Alcoolismo: avaliação da política de recuperação, diagnóstico causal e tratamento. [Antonio Santana Menêses. - Presidente Prudente: UNOESTE, 1994. 61p: il.]. O CLAREAMI foi criado um ano antes da defesa da tese, exatamente para testá-la.

O CLAREAMI teve por finalidade promover ações no sentido de: ajudar crianças e jovens a não se iniciarem no uso de bebidas alcoólicas; ajudar a bebedores sociais a se afastarem definitivamente do uso de bebidas alcoólicas; ajudar a ex-portadores de alcoolismo a se manterem definitivamente afastados do uso de bebidas alcoólicas.

As ações do CLAREAMI sempre se apoiaram na comunidade e incluíam: orientação à população, colaboração com outras entidades, promoção de campanhas, palestras e cursos, e criação e manutenção de um centro de lazer e apoio reeducativo.

A ação do CLAREAMI se baseava nas crenças seguintes:1 - É muito difícil um ex-portador de alcoolismo manter-se

definitivamente sem usar bebidas alcoólicas no meio comum onde cotidianamente recebe muitos convites para beber.

2 - O empenho do ex-portador de alcoolismo e de sua família geralmente é insuficiente para resolver o problema de se manter definitivamente abstêmio.

3 - O ex-portador de alcoolismo precisa aprender um novo programa de vida o qual exclua o uso de bebidas alcoólicas.

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4 - É necessário que também a família do ex-portador de alcoolismo reprograme seu estilo de vida.

5 - É necessário apoio da comunidade do ex-portador de alcoolismo para que ele possa ter sucesso na reprogramação de vida que inclui exclusão de bebida alcoólica.

6 - A comunidade está culturalmente programada para usar bebidas alcoólicas.

7 - O tratamento das doenças é tarefa da medicina. Como se pode perceber, o CLAREAMI era uma organização

diferente da Associação Antialcoólica. Ele visava toda a comunidade e objetivava reprogramação cultural comunitária com relação ao uso de bebidas alcoólicas. Também, o CLAREAMI é diferente da Redução de Danos.

O CLAREAMI fazia suas reuniões, semanais, em locais cedidos. Usou por anos seguidos um salão cedido pela Associação Atlética dos Funcionários do Banco do Brasil SA. Reunia-se também em residências familiares, igrejas, salão paroquial, escolas, sede do Rotary Club etc. Os trabalhos eram realizados por um pequeno grupo de pessoas que se dispuseram a praticar uma atividade de filantropia. Após três anos de funcionamento o CLAREAMI elegeu sua primeira diretoria, em 1º de maio de 1997.

As primeiras quinze pessoas da relação adiante compuseram a primeira diretoria do CLAREAMI. As demais foram membros ativos tão importantes quanto os componentes da diretoria: Regina Kerezi, Mercedes Maria da Silva, Paulo Garcia Martins, Antonio Sobral de Vasconcelos, Rubens Reverte Lopes, Maria de Fátima Ribeiro, Maria de Lourdes A. dos Santos, Terezinha Ferreira Lima, Antonio Santana Meneses, José Roberto Vieira, José Antonio H. Filho, Antonio Lima de Oliveira, Maria Célia Barreto, Maria de Lourdes da Silva, Elizabete Barbosa de Oliveira, Ilda Kerezi, Zilda F. Celen da Silva, José Luiz da Silva, Carlos

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Rodrigues de Carvalho, Osmando da Silva, Ester Garcia Barbosa, José Rosa dos Santos, Antonio Marcos Alves, Maraci Ferreira da Silva. José Kerezi (o pai), Selma, Marlene, Margarida, o casal Cida e Roberto, Ana Paula, as crianças Gustavo Kerezi e Raquel, Maria Denise Silva Reverte.

Todas as autoridades municipais foram solicitadas a colaborar com o trabalho do CLAREAMI. A maioria não atendeu à solicitação. Eu, Meneses, suponho que o não atendimento foi, pelo menos em parte, por serem usuários de bebidas alcoólicas, comportamento extremamente comum e tido como não prejudicial, e/ou por não terem dado ao trabalho o devido valor.

Falei e escrevi muito para embasar o CLAREAMI e para conscientizar os que nos ouviam ou liam. Estive ativo em quase cem por cento das reuniões do CLAREAMI, geralmente nas noites de terças-feiras. Para ilustrar a minha participação intensa, transcrevo artigo que publiquei no jornal da Sociedade de Medicina de Presidente Prudente:

Uma necessidade: não se usar bebida alcoólica

Pretendo expor com este artigo, de modo breve e claro, um argumento demonstrador da necessidade de não se usar qualquer bebida alcoólica. Não se usar por dois motivos básicos: 1 o uso de bebidas alcoólicas é uma coisa absolutamente desnecessária ao ser humano e 2 o uso de bebidas alcoólicas é uma coisa catastroficamente prejudicial. Que o álcool etílico, a substância essencial das bebidas alcoólicas, é absolutamente desnecessário ao ser humano, estão aí a provar os milhões de pessoas que não bebem, nunca usam bebidas alcoólicas e isso não Ihes acarreta qualquer prejuízo ou carência. Que o uso das bebidas alcoólicas é uma coisa catastroficamente prejudicial fica demonstrado por números e fatos como os seguintes: o Brasil está gastando por

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ano com as consequências do uso de bebidas alcoólicas (números referentes à época em que este artigo foi escrito) mais de 60 bilhões de reais, e os Estados Unidos gastam, no mesmo tempo e com a mesma finalidade, mais de 130 bilhões de dólares; cerca de 50% dos acidentes fatais de veículos a motor envolvem o álcool, numa maneira definitivamente causal; cerca de 30% dos doentes psiquiátricos têm como causa o uso de bebidas alcoólicas; cerca de 25% dos internos em hospital geral estão doentes em decorrência do uso de bebidas alcoólicas.

Esses gastos, sofrimentos e mortes podem ser evitados. E a quem cabe fazer essa evitação? A experiência internacional já demonstrou que os governos não são suficientes para fazer isso. Alguns países, esperançosos, por volta de 1930, proibiram a fabricação e o uso de bebidas alcoólicas em seus territórios e tiveram que suspender essa proibição, porque ela não foi obedecida e motivou o surgimento de novos e também muito graves problemas. Outro exemplo de que a proibição não funciona é a determinação existente na Lei brasileira de que menores de 18 anos não podem usar bebidas alcoólicas. Apesar dessa proibição, quantos pais fazem festas de 15 anos de seus filhos regadas à cerveja e outras bebidas alcoólicas? Eu prefiro acreditar que os pais que assim agem, fazem no por desconhecimento da Lei e, igualmente importante, por não saberem o mal que estão semeando.

Entendo e desejo que o leitor também compreenda que é necessário não começar a beber ou então parar de beber, não por ser proibido; é necessário não se beber: porque a bebida faz mal; porque iniciar se no uso de bebidas alcoólicas é começar a trilhar um caminho muito perigoso, que costuma terminar em maus comportamentos, irresponsabilidades, sofrimentos, desestruturações de famílias, brigas, prisões, doenças e mortes; e também porque beber pouco, mesmo quando permanece pouco, é uma maneira de se ensinar a beber, e quem aprende a beber não

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sabe como estará bebendo no futuro.Quem pode evitar todos os males resultantes do uso de bebidas

alcoólicas? Quem tem esse poder são as pessoas. É uma tarefa que pode ser realizada até sem grande custo financeiro, cada um fazendo a sua parte: não usar bebida alcoólica e convidar outras pessoas a também não usarem esse tipo de bebida. Parar de beber, a fim de que as pessoas não continuem sofrendo e causando os muitos males que são resultantes do uso de bebidas etílicas. Parar, por uma necessidade semelhante àquela que faz todas as crianças serem vacinadas com a finalidade de apenas algumas delas não terem poliomielite (paralisia infantil). No caso em foco, todos não beberem, para que certo número dos bebedores não sofra e não cause a outras pessoas os muitos e graves males resultantes dos atos de pessoas sob o efeito de bebidas alcoólicas.

E quem não se empenhar nessa tarefa de evitação estará cuidando bem de si mesmo? Para que é que se bebe? Quais as reais vantagens do beber? Escreva, para publicação neste jornal, concordando ou discordando do argumento exposto. O CLAREAMI está se dispondo a responder perguntas e questionamentos que sejam dirigidos a este jornal, questões sobre os Problemas Relacionados ao Uso de Álcool. Contribua para o desenvolvimento dessa questão. Ajude a Mirante se livrar dos males que as pessoas produzem com a ajuda do uso de bebidas alcoólicas. Depois que usam bebidas alcoólicas as pessoas ficam feias?

Ninguém escreveu em resposta à solicitação contida nesse artigo. A seguir, transcrevo outro.

Resultados do CLAREAMI

O título justo e completo deste artigo é: Alguns Resultados Já Obtidos Pelo CLAREAMI Com e Para os Habitantes de Mirante

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do Paranapanema. Esse é o título, longo, porque sem a forte aderência dos habitantes de Mirante a atividade do CLAREAMI não teria podido motivar que se fizessem as boas coisas que serão relacionadas adiante, e porque todo o bem produzido foi, especialmente, para os mirantenses.

Todos nós sabemos que recepção de casamento, comemorações de nascimento e aniversário de filhos, bailes, festas juninas, jantares festivos, fins de semana etc., incluem o uso de bebidas alcoólicas. Um número de todos esses eventos já foi realizado na sede do CLAREAMI e sem a presença do álcool. As pessoas experimentaram e concluíram que festa pode ser alegre, gostosa e plenamente satisfatória mesmo sem a presença de bebidas etílicas.

Um dos belos resultados que o CLAREAMI contabiliza entre os por ele motivados e realizados pela comunidade mirantense, é referente à quermesse junina que desde 1985 a Igreja Católica promove na praça pública. Essa festa reúne grande parte da população do município. Nos seus primeiros anos de realização ela incluía a venda de cerveja e de quentão com álcool.

Em 1996 essa quermesse junina passou a não mais vender cerveja e o seu quentão a não mais ter álcool. Não é isso um belo exemplo de êxito de movimento reeducador comunitário?

Essa mudança que merece e pode ser reproduzida resultou de ponderações como as seguintes: o dinheiro obtido com a venda da cerveja e do quentão, destinado à igreja, era relativamente pouco quando comparado com o numerário gasto, em parte pela própria igreja, para tentar corrigir consequências do uso dessas mesmas bebidas, ao longo de todo o ano, com membros da própria comunidade assistida pela instituição. Estimular o uso social de bebidas alcoólicas, por qualquer meio ou motivo, é induzir as pessoas a continuarem bebendo ou a se iniciarem no uso de álcool e, consequentemente, a se submeterem impensadamente aos riscos a que o uso do álcool expõe as pessoas.

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Outro feito do CLAREAMI junto à igreja foi conseguir que o padre parasse com a comunhão molhada, assim chamada a comunhão com a hóstia molhada no vinho. Fizemos isso para evitar que o álcool do vinho funcionasse como um toque para as pessoas se aproximarem das bebidas alcoólicas.

Por tudo o que já fez a comunidade mirantense merece louvores. Mirante está sendo exemplo de comunidade dedicada à sua saúde e ao seu bem-estar. Os adultos de Mirante estão ensinando aos seus filhos que o uso de bebidas alcoólicas é um comportamento prejudicial e desnecessário.