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1 GLEIDE PIRES DE OLIVEIRA VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES EM ILHÉUS: UM PROBLEMA A SER DISCUTIDO Monografia apresentada para obtenção do título de Licenciatura do curso de Graduação em História da Universidade Estadual de Santa Cruz. Orientador: Prof. Dr. Fábio Pessanha Bila ILHÉUS BAHIA 2012

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GLEIDE PIRES DE OLIVEIRA

VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES EM ILHÉUS: UM PROBLEMA A SER

DISCUTIDO

Monografia apresentada para obtenção do

título de Licenciatura do curso de

Graduação em História da Universidade

Estadual de Santa Cruz.

Orientador: Prof. Dr. Fábio Pessanha Bila

ILHÉUS – BAHIA

2012

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VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES EM ILHÉUS: UM PROBLEMA A SER

DISCUTIDO

RESUMO

Essa monografia se propõe analisar casos de violência contra mulheres ocorridos no período

de 2006 a 2010, em Ilhéus.Tentando identificar falas que possam ser consideradas sexistas e

como as vítimas de violência doméstica são encaminhadas em todo o percurso de

procedimentos e processos pelos agentes e funcionários do judiciário de Ilhéus.O trabalho tem

como universo de análise os procedimentos e processos encontrados na I Vara Crime de

Ilhéus, identificando-os de acordo com a Lei Maria da Penha. Buscando compreender o

motivo que leva a maioria das mulheres, vítimas de violência doméstica, a desistirem da

denúncia nas audiências preliminares.

Palavras-chave: Gênero – Violência – Mulheres.

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LISTA DE TABELAS

1 Características das vítimas analisadas, 2006 a 2010..................................................26

2 Características dos agressores analisados, 2006 a 2010.............................................27

3 Análise do número de denúncias e desistências nos casos de violência doméstica (2006 –

2011)..........................................................................................................................28

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INTRODUÇÃO

Esse estudo tem como foco a violência contra a mulher, destacando a violência

doméstica intrafamiliar cometida por seu companheiro ou marido tipificada pelo artigo 129 do

Código Penal Brasileiro e ratificado pela Lei Maria da Penha. Mesmo o movimento feminista

denunciando, já na década de 70, as formas de violência no âmbito doméstico e exigindo que

estes abusos fossem punidos, ainda existe uma grande dificuldade para que a agressão sofrida

por centenas de mulheres todos os dias no mundo, seja reconhecida como um problema

social. Bourdieu(1999, p.17) chama a atenção para a divisão entre os sexos que, ao fazer parte

da “ordem das coisas”, se inscreve na estrutura objetiva e nos esquemas cognitivos do meio

social, fazendo com que percebamos como “natural” a dominação masculina. O movimento

feminino sufragista quando reivindicava a participação das mulheres na política, queriam que

aquele sujeito considerado biologicamente inferior e incapaz, fosse visto como gênero, etnia e

classe, saindo do espaço privado. Levando junto com essas reivindicações a violência sofrida

pelas mulheres, do âmbito privado para o âmbito público.

Mesmo com a criação das Delegacias Especializadas no Atendimento de Mulheres

(DEAMs), fruto da luta do movimento feminista, ainda não é suficiente para atender todas as

mulheres brasileiras, pois não existe em todos os municípios da Bahia. Sendo o silêncio um

cúmplice da violência. Os apelos da Imprensa, através de propagandas em rádio e televisão, às

mulheres, para que denunciem o seu agressor pelo telefone 180, pode ter efeito positivo, mas

nos interrogamos se essas mulheres quando denunciam seus agressores são atendidas pela

polícia, por funcionários da delegacia especializada e dos Juizados Criminais levando em

conta que seus casos de violência são crimes e devem ser atendidos como tal? Azevedo

(2005, p.70-71) em sua dissertação demonstra que os conciliadores muitas vezes, tentam

“naturalizar” as agressões sofridas pelas mulheres que em sua maioria, se convencem que não

vale à pena continuar com o processo. O que nos levou a pesquisar diversos trabalhos que nos

permitisse esclarecer o porquê desta violência ainda se encontrar adstrita à esfera privada.

Infelizmente, a violência contra a mulher não se restringe ao espancamento, existem

dentro da relação conjugal, o estupro, a ameaça, a violência psicológica, etc.. A opção por

esse tema, vem da curiosidade em entender o porquê de a maioria das mulheres que

denunciam seus companheiros ou maridos, desistirem da denúncia ou do processo durante a

conciliação.A violência física contra mulher é tipificada pelo art. 129 do Código Penal

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Brasileiro com redação determinada pela lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha,

mudando a pena dos agressores, que antes era penas de socialização como, pagar cestas

básicas ou prestar serviço à comunidade, realçando a insignificância a que eram levadas as

agressões contra mulheres.

Ainda assim, o fato de poder responder em liberdade, após o pagamento de fiança,

compromete a importância que deveria ser dada às mulheres que denunciam seus

companheiros ou maridos, tornando suas histórias como casos corriqueiros como brigas de

bar ou de trânsito. Não levando em consideração, que a maioria dessas mulheres voltarão a

conviver com seus agressores.

A nossa pesquisa é um estudo sobre como as mulheres que denunciam seus

companheiros ou maridos, são recebidas na DEAM de Ilhéus e como é acompanhada nos

procedimentos da denúncia até chegar ao Ministério Público, onde é decidido não mais

desistir do processo. Levando-se em consideração os valores atribuídos aos casais pelo pelos

funcionários da DEAM, das Varas Crimes em seus discursos e investigando se a mulher,

vítima de violência física, tinha real interesse em punir legalmente seu agressor.

A partir desses objetivos, pudemos observar qual era a representação desta violência

sofrida para as mulheres que procuram a DEAM, e para os funcionários que as recebem. Será

que as vítimas e os Conciliadores consideram a violência intrafamiliar contra mulheres

cometida por seu companheiro ou marido, um crime? Que fatores levam essas mulheres a

desistirem da acusação no início dos procedimentos?

O Código Penal Brasileiro já trazia no seu bojo o artigo 129, ou seja, a determinação

de que deve ser punida a lesão corporal leve e dolosa, com a Lei Maria da Penha, esse artigo

sofre alteração ao incluir penalidades específicamente, aos agressores de mulheres. Afastando

imediatamente esse homem, mais rigor sobre a pena aplicada, a prisão do mesmo, etc. Com a

criação desses mecanismos legais, pressupõe-se que a sociedade anseia pela punição do

infrator. Contudo, o comportamento desta mesma sociedade diante da violência doméstica,

onde a vítima é uma mulher e o agressor o homem, geralmente seu companheiro ou marido, é

cercado de sentimentos de tolerância e banalização. Podemos verificar esse comportamento

no número de piadas e ditos populares sexistas, dentro dos lares, que dão ao homem o “direito

de corrigir” a companheira que subverte as suas ordens. Nossa sociedade impõe limites. Ela

tolera a violência como meio de correção infligida à mulher, mas não aceita que o agente

agressor exagere na atitude (AZEVEDO, 2005, p.3). Podem até bater, mas moderadamente.

Tapinhas serão considerados como atitudes pertinentes à relação conjugal, mas as porradas

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que esses homens dão em suas mulheres ou companheiras, deixando-as sangrando ou em

estado grave, serão repudiadas.

O nosso objeto de pesquisa é o discurso usado por Conciliadores e funcionários de

órgãos responsáveis pelos procedimentos e processos que envolvem mulheres vítimas de

violência doméstica. Usamos como marco temporal os anos de 2006 até 2011, após a sanção

da Lei Maria da Penha, pela facilidade de acesso a esses dados a partir daí. Descobrimos que

antes disso, as agressões à mulheres eram tratadas como crimes comuns, impossibilitando

uma estatística exata sobre os números de vítimas que denunciavam. É o que ainda ocorre

com as mulheres assassinadas, os casos de homicídios envolvendo casais não são distribuídos

como crime contra mulheres, mas apenas como um homicídio comum.

A nossa pesquisa é qualitativa, pois os nossos procedimentos metodológicos foram

permeados por pesquisas e trabalhos feitos sobre o tema da violência doméstica, pela análise

do número de denúncias recebidas pela DEAM de Ilhéus e pelos processos encaminhados às

Varas Crimes da Comarca de Ilhéus e ao Ministério Público. Destacamos que não

encontramos nenhum processo concluso, o que nos deixa impossibilitados de dizer qual a

penalidade que os agressores das mulheres que continuaram com o processo, receberam. E

percebemos também que é decepcionante o número de desistências nos procedimentos iniciais

por parte das mulheres que sofreram algum tipo de agressão.

Nosso propósito era estar em contato com o maior número de procedimentos

(nomeclatura, usada para os autos em que a vítima renuncie na audiência preliminar ou antes

da mesma) e processos (nomeclatura usada para os autos onde a vítima não renunciou na

audiência preliminar) para mostrarmos, através dos registros de ocorrência, qual era a

violência aplicada à essas mulheres em Ilhéus e como eram encaminhadas a prosseguir, ou,

desistir.

A fonte usada foram os procedimentos e processos autuados pela I Vara Crime de

Ilhéus nos anos de dois mil e seis (2006) à dois mil e onze (2011), a fala dos funcionários da

DEAM e da I e II Vara Crime de Ilhéus,Esclarecemos que pelo acúmulo de processos e

procedimetos que abarrotam esses órgãos judiciários, foi impossível analisarmos caso a caso

das centenas de caixas que, muitas vezes, estão dispostas desordenadamente, não

especificando o tipo de agressão, ou seja, difícil identificar crimes como homicídios, onde a

vítima tenha sido uma mulher e o assassino, um homem. Nos detivemos em casos de agressão

física, tipificados pela Lei 11.340/2006.

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Pelas dificuldades listadas, nos detivemos em analisar 4 casos nos quais, apenas uma

das mulheres levou o caso à diante e as outras três desistiram nas audiências preliminares.

Conseguimos também os boletins de distribuição dos processos, ano a ano, realizados pela I

Vara Crime, nos dando uma visão geral de como são registrados os casos referentes à

agressão doméstica.

O trabalho está assim organizado: no primeiro capítulo, descrevemos a trajetória da

luta do movimento feminista sufragista, desde as discussões acaloradas na Revolução

Francesa pela conquista da cidadania feminina até a reivindicação de uma história das

mulheres pelas feministas do século XX. No capítulo II, trabalhamos a parte teórica da

monografia. Finalmente, no capítulo III analisamos a violência física descrita nos registros de

ocorrência com o intuito de contribuir para demonstrar qual o perfil da violência doméstica

contra a mulher cometida por seu compenheiro ou marido que tramita na I e II Vara Crime de

Ilhéus, quem são essas mulheres e quais os motivos da agressão que mais aparecem.

Recusando-nos a acreditar que as mulheres aceitam essas agressões por gostarem de sofrer, e

acreditando que, em meio a tanto o que fazer para publicizar a violência doméstica, está

crescendo o número de mulheres que estão reagindo contra seus agressores e lutando para

terem seus direitos respeitados, tentando extirpar qualquer forma de legitimação dessa

violência contra à mulher na nossa sociedade.

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CAPÍTULO I – CIDADANIA E MULHERES

1.1. Breve olhar histórico: a luta pela cidadania feminina

O movimento feminista sufragista foi sem dúvida um marco importante na luta pela

cidadania das mulheres. Tal movimento teve como objetivo reivindicar a participação

feminina no espaço público no pós Revolução Francesa. O movimento Iluminista foi um

marco importante para a cidadania, pois seu pressuposto era a igualdade dos homens perante a

lei, sendo este o lema principal da Revolução Francesa e da modernidade. As mulheres

participaram ativamente dessa revolução, no entanto, essa atuação foi ocultada pela a

historiografia oficial e os direitos de cidadania não foram estendidos a elas. Segundo

Bandinter, alguns filósofos do Iluminismo questionavam se as mulheres teriam os direitos de

cidadania.

O debate filosófico entre os homens da Revolução Francesa sobre a participação ou

não das mulheres na conquista dos direitos à cidadania, não chega ao campo político. Eles se

dividiam numa única questão: “a Declaração dos Direitos do Homem aplica-se a todos os

seres humanos, seja qual for seu sexo, religião ou raça, ou antes diz respeito apenas aos

homens, aos machos?” (BADINTER, 1991, p.8). Condorcet destacou-se em defesa desses

direitos para as mulheres, rebatendo os argumentos contrários, que eram muitos. Nos

discursos percebe-se que as mulheres eram seres humanos excluídos da humanidade

responsável, assim como as crianças e os loucos. Nos textos feministas de Condorcet e

Guyomar, encontrados no livro Palavras de Homens, seria preciso provar que as mulheres não

pertenciam ao gênero humano para poder excluí-las do exercício de seus direitos naturais.

Os argumentos contrários, iam desde a gestação, períodos de aleitamento até

indisposições mensais tentando tornar as mulheres incapazes de exercer seus direitos cívicos,

reforçando concepções tradicionais da inferioridade feminina.” A maior parte dos homens das

Luzes resaltou o ideal tradicional de mulher: silenciosa, modesta, casta subserviente e

condenou as mulheres independentes e poderosas” (PINSKY; PEDRO, 2003, p.206). O

próprio Rousseau escrevera que “uma mulher virtuosa é pouco menos que um

anjo”.Argumentos biológicos que definiam as mulheres como seres intelectualmente

inferiores aos homens como, sua falta de gênio, mesquinharias, movidas pela paixão, usados

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pelos revolucionários para fortalecer a idéia da incapacidade feminina de exercer seus direitos

cívicos.

No livro da Badinter (1991), ela transcreve discursos acalorados entre os raros homens

revolucionários franceses que defendiam a participação das mulheres na vida política e

aqueles outros muitos que eram contrários a essa participação. Condorcet com seu feminismo

radical quase não teve adeptos. Ele argumentava contra o discurso que inferiorizava a mulher

tanto biologicamente quanto psicologicamente, dizendo que já que a mulher pela maternidade

era incapaz, seriam incapazes também os homens que sofriam de gota, etc.. Quanto á alegação

da capacidade racional das mulheres, ele dizia que as mulheres deveriam ser instruídas, não só

pelo bem das crianças, dos esposos, mas uma educação superior, mista, favorável à emulação

e á igualdade dos sexos. Mas, seus pedidos não foram levados à sério pelos seus

opositores.Seguido apenas por Gilbert Romme e Pierre Guyomar, ambos deputados na

convenção, que também não conseguiram penetrar na incomprensão que abafava suas

proposições.

Nesse período revolucionário francês, as mulheres mais instruídas, em sua maioria,

ainda não estavam preparadas para os discursos feministas, pois ainda seguiam religiosamente

os preceitos de Rousseau que defendia a mulher que vivia para cuidar da família, onde o novo

modelo familiar se moldava, fechado para o exterior e centrado no amor conjugal e

paternal(Badinter, 1991, p.19). Nesse contexto, Rousseau propoe a reclusão das mulheres,

sendo seguido pelo discurso dominante, durante a Revolução Francesa, por vários outros

republicanos: Amar, Prudhomme, Chaumette e outros. Ou seja, as mulheres não exerceriam

os direitos cívicos, pois afetariam a felicidade dos outros e a delas próprias. Esse discurso vai

triunfar nas sociedades ocidentais até final da Segunda Guerra Mundial.

Os princípios da burguesia ganhavam a sociedade, tomando-se consciência de que a

riqueza de uma nação dependia, principalmente, de uma população numerosa. Cabendo à

mulher, o sucesso dessa operação.Sendo elas encerradas em suas casas e proibidas da vida

pública, onde certamente provocariam confusão. A inferioridade feminina teve suas origens

na democracia moderna, os discurso biológicos afirmavam que elas eram a protetora da

espécie (Rossi-Doria, 1995).

Mas, mesmo a maioria das mulheres submetendo-se aos princípios propostos pela

burguesia, podemos destacar Olympe de Gouges com sua Declaração dos Direitos da Mulher

e da Cidadã, redigida em 1791, que contesta a restrição masculina do conceito de igualdade.

No seu “Preâmbulo”, Olympe explica porque, para ela, durante a Revolução, o homem já

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tinha perdido o direito de representar os interesses das mulheres, afirmando que sua

declaração é a reclamação das cidadãs, baseada em princípios simples e incontestáveis. E que

pretendia aproveitar a Revolução e reclamar os direitos à igualdade. A reivindicação de

igualdade refere-se à distribuição de bens, inclusive os bens na economia, no trabalho, na

esfera pública e na política (BONACCHI; GROPPI, 1995, p.70).

As mulheres foram consideradas socialmente o sexo frágil. O discurso biológico as

considerava incapaz de atuar na vida política, argumentando que a natureza reservou para elas

o papel de mãe e do cuidar da família, restringindo-as ao mundo privado. Em “Mulheres

Públicas”, Perrot retrata o lugar das mulheres populares no espaço público, sendo este uma

extensão das suas casas,ou seja, as mulheres que ocupavam as ruas eram lavadeiras, doceiras

e babás, “a mulher foi criada para a família e para as coisas domésticas” (PERROT, 1998,

p.9). Os lugares públicos frequentados pelas mulheres das classes médias e alta eram os salões

de chá e a Igreja, Nesses espaços elas poderiam desfilar com suas vestimentas elegantemente

e belas, ostentando a riqueza e o prestígio do marido. A rua, o mercado e a lavanderia eram

para as mulheres das classes populares.

Bonacchi (1995), explica que “as necessidades” das mulheres demoraram para ser

reconhecidas como direitos individuais e, ao contrário, foram definidos como um limite para a

capacidade de cidadania, e os “deveres” das mulheres foram utilizados como razão da sua

exclusão em favor dos interesses da comunidade familiar e da diferença dessa mulher em

relação aos “iguais”- os homens.

O primeiro poder da mulher passa a ser o estético, a noite pertence aos homens do

século XVIII – XIX, as mulheres que saíssem à noite corriam perigo, seus gestos deveriam

obedecer aos códigos da cidade que ditavam o que uma mulher “decente” deveria fazer

(PERROT, 1998, p.38-52). Mas essas mulheres buscavam na leitura, um jeito de se apropriar

do mundo, do universo erótico, segundo Del Priore. Elas começaram entrar em espaços antes

frequentados apenas pelos homens como cafés e jornais, através da correspondência e da

emprensa.São mulheres que começam a ler romances, que editam revistas, escrevem colunas

em jornais, que partipam das migrações camponesas, chegam nas cidades sozinhas para

trabalhar como domésticas, costureiras, professoras, babás. Mas, mesmo chegando nas

cidades, frequentando alguns espaços públicos, continuaram invisíveis na história na medida

que sua luta pela sobrevivência a obrigava a aceitar terríveis condições de trabalho e assédio

por parte dos patrões.

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Mas a modernidade do século XIX, redesenhou as experiências femininas quando viu

florescer o feminismo e a ação das mulheres em diversos movimentos sociais, mesmo

negando às mulheres direitos e impondo muitos obstáculos à independência que elas

buscavam conquistar. Entre esses obstáculos estavam ainda o direito ao voto, que era um

mecanismo que fortalecia a domesticidade e a exclusão das mulheres. Segundo Perrot ( 2005,

p.338), nesse período “o público cujo o coração é ocupado pela política, pertence aos homens.

O privado cujo centro é ocupado pela casa, é delegado às mulheres (sob o controle dos

homens)”. Tendo a família operando como junção dentre os dois e atestada pelo Código Civil

pelo seu caráter patriarcal.

Os obstáculos no campo da política eram tão grandes que muitas mulheres desistiram

dele. Dentre essas dificuldades estavam em ser a política um trabalho de homens, ligado à

cultura viril, à cultura das qualidades inatas ( abstração, a vontade de decisão, a coragem). A

mulher por sua feminilidade, despertaria o desejo que a transforma em objeto. A política exije

tempo, horários limitados, um lazer oposto ao tempo das mulheres, ou seja, política não era

para as mulheres até meados do século XIX, em todas as sociedades.

A partir da virada do século XIX para o XX, algumas mulheres seguiram o modelo das

revoluconárias feministas em participação de sindicatos e partidos políticos, e mesmo sendo

poucas, conseguiram inserir certos assuntos femininos em suas ações. O século XX foi

considerado o “século das mulheres”, apesar de não ter conquistado a plena cidadania. Houve

algumas conquistas como:direitos políticos, já que alguns países reconheceram que as

mulheres são cidadãs com direito à participação política, direitos sociais como ganhar

salários, escolher sua profissão, direitos sexuais e reprodutivos, mesmo encontrando

resistência nos dogmas religiosos.

Todas as conquistas, mesmo tidas como pequenas, foram alcançadas devido a

participação de ativistas feministas que começaram sua luta pelo sufrágio universal e

conquistando o direito ao voto, começaram despertar a necessidade de independência em

outras mulheres (PINSKY; PEDRO, 2003). No Brasil, as mulheres conquistaram o direito de

votar em 1934.

Segundo Scott (1992), as ativistas feministas, na década de 1960, reivindicavam uma

história que documentasse a atuação das mulheres na historiografia e a opressão vivida pelas

mesmas. Na segunda metade da década de 1970, a história das mulheres é transformada em

artigos e monografias, criando um clima de acalouradas discussões internas entre acadêmicos

sobre variados temas e novos campos de estudo. Em 1980, os estudos feministas ganham uma

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nova forma com os estudos de gênero, que buscou compreender as relações entre homens e

mulheres, sendo motivo de muitas críticas por parte das historiadoras das mulheres.

A história das mulheres não é linear, não foi uma sequência lógica como um quebra-

cabeça, em que se encaixavam as peças que faltavam, foi um movimento que lutou para

incluir as mulheres enquanto sujeito da história. Foi uma história contestadora em que se

buscou verificar a participação das mulheres nos acontecimentos sociais, políticos e

econômicos, já que a historiografia tradicional as excluiu. Dessa forma, as historiadoras

demonstraram que os historiadores tinham uma visão parcial do passado, limitando-as aos

homens brancos, heterossexuais, burgueses e cristãos. Scott afirma, que a história das

mulheres é um campo político, afinal não se pode negar a existência das relações de poder na

ciência, tais relações repercutirão no conhecimento produzido. Dessa forma, todo

conhecimento é político. (1992, p.63-95). As historiadoras buscaram compreender, a

participação das mulheres na sociedade, na organização familiar, nos movimentos sociais, na

política e no trabalho. As pesquisas desenvolvidas por elas adquiriram notoriedade e abriram

novos debates teóricos que vão buscar compreender as desigualdades entre os sexos.

Nas décadas de 90, as intelectuais formularam o conceito de gênero que ampliou e

diversificou as relações entre homens e mulheres. Incorporaram a violência contra as

mulheres numa perspectiva histórica, aprofundaram as investigações sobre o imaginário

feminino, diversificaram as fontes históricas, utilizando letras de música, a literatura, as

crônicas, a mídia falada e escrita como instrumentos de apoio metodológicos.

1.2. Desafios na consolidação da Cidadania Feminina

“Fora do lar, as mulheres são perigosas para a ordem pública”, essas eram as palavras

dos homens da revolução, conforme demonstra Badinter (1991, p. 26) quando descreve o que

pensavam a maioria dos homens em suas discussões sobre os direitos das mulheres, em

participar, na vida na política.

Muitos são os desafios à consolidação da cidadania feminina. Embora o movimento

feminista tenha lutado desde o século XVIII por direitos iguais entre homens e mulheres. As

mesmas só conquistaram o direito ao voto na França em 1945. Para terem esse direito

garantido elas foram para as escolas, para as academias, para os lugares onde lhes era

permitido frequentar, buscando ultrapassar a fronteira imposta pela sociedade androcentrica

que limitava a atuação feminina ao mundo do privado.

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O movimento de mulheres enfrentou diversos desafios. O primeiro e maior desafio era

mudar a forma como a história foi escrita “as ativistas feministas reivindicavam uma história

que estabelecesse heroínas, prova da atuação das mulheres e também explicações sobre a

opressão e inspiração para a ação” (SCOTT, 1992, p. 64). Na academia as feministas falavam,

também, dos preconceitos sofridos pela desconsideração das suas credenciais acadêmicas ou

profissionais, pois os historiadores tradicionais consideravam a história feita por elas inferior

e eivada de ideologia. As feministas lutaram, ainda, nas associações das disciplinas

acadêmicas, reivindicando o fim das diferenças salariais entre homens e mulheres e na falta de

promoções profissionais por causa da diferença sexual. Toda essa trajetória significou uma

mudança na forma de escrever a História, acarretando mudanças na historiografia tradicional.

A História nos mostra que as instituições tendem a produzir e reproduzir valores e

idéias que justifiquem os mais diversos interesses de grupos dominantes. A democracia grega

já reforçava a distinção entre os sexos: destinando o espaço público da polis aos homens e a

esfera privada do òikos, às mulheres. A rua, o mercado, a cidade e a política foram definidos,

longinquamente, como espaços masculinos. Paralelamente, se estabelece a divisão entre

produção e reprodução, cabendo ao homem o papel de provedor que traz recursos

provenientes da esfera pública (polis) para o âmbito doméstico (òikos), espaço destinado às

mulheres e voltado à reprodução dos membros da família. Os aspectos biológicos são

utilizados para reforçarem o maior envolvimento com a reprodução, pois só a mulher é capaz

de gerir, parir e amamentar (no próprio peito) os recém-nascidos. Assim, ao longo da história,

as mulheres foram ficando responsáveis pela reprodução diária dos indivíduos dentro da

família.

Ao pensar os desafios enfrentados pelas mulheres na consolidação de uma cidadania

plena podemos considerar que o maior desafio para as mulheres é conciliar o espaço público

com privado. A mulher que quer valorizar sua carreira profissional sem abandonar o papel de

mãe e esposa vive em constante conflito para conciliar essa dupla tarefa, pois mesmo com

todas as conquistas femininas a divisão sexual do trabalho prevalece inalterada. Dessa forma,

os discursos sexistas reproduzem a lógica androcêntrica que afirma: a mulher que se dedica a

vida pública tende a perder no mundo doméstico, não se realizando enquanto mãe e esposa,

pois estas mulheres rompem com o papel que a natureza as reservou.

Essa divisão é reproduzida pela religião cristã no mito da criação que valoriza a

masculinidade quando explica que Eva é feita do homem e para o homem, a partir da costela

de Adão. As mulheres passaram a ser definidas, então, como “segundo sexo”, segundo no

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sentido da ordem cronológica da criação e no sentido de secundário. A religião aparece como

instrumento regulador do comportamento das mulheres, principalmente as casadas. O

discurso misógino da Igreja pode ser verificado na história de Eva como responsável por

todos os males que a humanidade viesse a sofrer, pois foi Eva que desobedeceu a Deus ao

comer o fruto da árvore proibida e seduziu Adão. Por causa dessa desobediência, Deus impôs

aos homens, o fardo do trabalho e às mulheres, a maternidade com sofrimento, e a condição

de serem subordinadas aos seus maridos. Dessa forma, os modelos de esposa ideal produzidos

pela Igreja reservam dois papéis para as mulheres o de Maria a mãe, a esposa e a santa, e Eva

a sedutora e a desobediente. Esta cosmologia, Bourdieu, denominou de “uma moral

familiarista, completamente dominada pelos valores patriarcais e principalmente pelo dogma

da inata inferioridade das mulheres”. (BOUDIEU, 1999, p.103)

Outra instituição que reproduz a distinção entre os sexos é a Escola. Segundo,

Bourdieu (1999) a instituição escolar, é transmissora dos pressupostos de representação

patriarcal, contribuindo não só para a formação social do indivíduo, como para a construção

da sua identidade – “maneiras de ser, maneiras de ver, maneiras de se ver, de se

representarem as próprias aptidões e inclinações”. Mas, mesmo sendo uma instituição

reprodutora da divisão de gênero, Bourdieu enfatiza que a escola também pode ser um fator

de mudança dessa ordem social androcêntrica. (BOURDIEU, 1999, p.100-110).

Infelizmente, a Escola continua sendo um mecanismo de controle social. No espaço

escolar, há uma reprodução dos papéis sexuais na própria estrutura curricular o que leva os

indivíduos a fazerem escolhas e desenvolver habilidades de acordo com as diferenças de

gênero produzidas dentro e fora desse espaço. Um exemplo disso é a maior liberdade

concedida aos meninos, inclusive para invadir os espaços das meninas interrompendo suas

brincadeiras.

O mais preocupante é a “naturalização” dessas diferenças de sexo por parte dos

professores que, muitas vezes, reforçam a lógica do domínio masculino quando relacionam as

brincadeiras, o comportamento, ou as disciplinas escolares com o sexo. Isso faz com que

meninas internalizem a limitação do seu espaço corporal, ou seja, o seu corpo não pode

participar de tudo, o seu corpo é frágil, inferior, limitado.

Outro grande desafio enfrentado pela mulher cidadã é a poderosa instituição chamada

Estado, forte pilar institucional que contribui para reprodução da desigualdade de Gênero na

sociedade, segundo Bourdieu (1999, p.105-107). O Estado compartilha o pensamento sexista

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vigente nas outras instituições (Família, Escola, Igreja) quando considera a família patriarcal

como modelo da ordem social e moral.

Perrot narra como o pensamento da sociedade francesa no século XVIII, não

considerava as mulheres como indivíduos, e sim membros de uma família cujo representante

era o pai, família que era considerada pelo Código Napoleônico, a base da sociedade civil

(1998, p.59-87). No Brasil, o Código Civil de 1996, legitimava a figura do pai ou marido

como representante legal da mulher para assuntos da esfera pública. Sendo considerada

incapaz, por exemplo, para celebrar contratos ou contrair núpcias, independente de sua idade

(AZEVEDO, 2005, p.28).

O sexo masculino é privilegiado pelo Estado em sua legislação misógina, como é

mostrado pela História. A exclusão das mulheres entrava em conflito com a Declaração dos

Direitos do Homem e do cidadão de 1789, que proclamava a igualdade entre todos os

indivíduos. A justificativa dessa exclusão se pautava na diferença de sexos. Mas, as mulheres

não cruzaram os braços, prova disso são as mudanças ocorridas ao longo do tempo, que

revogaram leis sexistas. Essas conquistas foram e continuam sendo possíveis porque temos a

participação de mulheres, ao longo da História e até hoje, que não se submeteram aos

estereótipos construídos socialmente, muito, fundados na biologia e na medicina. O

movimento feminista lutou e permanecem reivindicando para que o teor do artigo 5, inciso I

da Constituição do Brasil de 1888 que diz: Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos

termos dessa Constituição; seja respeitado. Sendo, continuamente, o grande desafio na

consolidação da cidadania feminina. Como exemplo a desigualdade salarial entre homens e

mulheres que ocupam o mesmo cargo com a mesma escolaridade ou número de mulheres nos

cargos públicos de comando.Segundo o IBGE, de 2001 a 2009, 27% das mulheres apenas,

participavam da população economicamente ativa no Brasil, contra 34, 83% dos homens.Para

cada R$ 100,00 de salário de um homem de baixa renda, uma mulher vai receber R$ 76,00.

Em 2006, eram destinados aos homens, os melhores cragos e salários.A evidência disso é o

fato de que 5,5% dos homens ocupados chegaram a um cargo de direção e apenas 3,9%

ocuparam um mesmo cargo( Mulher Estatística).

Foi o movimento feminista que lutou não só pela inclusão das mulheres como

beneficiárias das políticas públicas, como também reivindicou que elas participassem da

formulação e implementação de dessas políticas. Fazendo com que as mulheres modificassem

sua história no âmbito público e no âmbito privado. Conforme defende Perrot, é preciso

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substituir as representações dominantes que considera a mulher uma “dona - de – casa

insignificante”, por uma “mulher popular rebelde”. (AZEVEDO, 2005, p.32)

Além dos desafios apontados anteriormente soma-se, infelizmente, a eles a violência

familiar. Os estudos de gênero demonstram que a violência contra as mulheres “é uma faceta

de um problema social mais grave, que é a violência de homens contra mulheres e a

subalternidade em que a divisão social do trabalho tem colocado as mulheres, em termos

salariais, na educação dos filhos, nos direitos” (CUNHA, 2007, p.18-19). O desafio está em

modificar as estruturas sociais que encorajam e perpetuam a dominação dos homens sobre as

mulheres.

Hoje, a mulher ocupa a presidência de países, destaca-se como grandes

empresárias, juízas, conquistam empregos antes ocupados só por homens, ocupam os bancos

das universidades, modificam o quadro social das instituições como a família, que se

constituem também de mães solteiras, casais homossexuais, mulheres sem filhos, enfim,

aquilo que durante tanto tempo foi renegado pela Igreja e pelo Estado. Entretanto, os desafios

para a efetivação de uma cidadania plena para as mulheres esbara nos empecilhos que

apontamos acima. Dentre o principal está à violência domestica como veremos neste trabalho.

Um longo caminho, ainda, tem que se percorrer para que tantas mulheres no mundo se

percebam como sujeitos históricos, capazes de modificar o que todas as instituições afirmam:

que as mulheres são incapazes de gerenciar suas próprias vidas.

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CAPÍTULO II: MULHERES E DOMINAÇÃO MASCULINA

2.1 Gênero x Dominação Masculina

O comportamento feminino, ao longo da História, foi considerado pela sociedade como

“virtuoso”, resultante de um padrão moral imposto pela ação conjunta da Igreja Católica, o

Estado. Desde a Idade Média a religião produziu e reproduziu a hierarquia entre os sexos. O

sacramento do matrimonial, pode ser tomado com exemplo, pois legitimava a condição

superior do homem em seu papel de pai e marido legitimado pelos textos da bíblia. Com isso,

tanto o Estado quanto a Igreja se apresentaram como instancias de regulação de arbitragem e

de delimitação de poderes. Fixaram princípios e o distribuíram de acordo com as fronteiras e

hierarquias entre os sexos.

Antes de entendermos como se construiu a cultura sexista na sociedade brasileira e como

ela se manifesta de maneira tão clara e dominante até mesmo entre as mulheres, é interessante

dialogarmos com os autores que escreveram sobre o surgimento da categoria de analise de

Gênero que busca entender os mecanismos de produção e reprodução do poder masculino.

Scott difundiu o conceito de Gênero no Brasil, na década de 90, com seu artigo: “Gênero:

uma categoria útil de análise histórica”, conceituando gênero como “(...) o saber que

estabelece significados para as diferenças corporais (...)”, trazendo como reflexão de que o

“saber” é construído socialmente e necessita ser observado como um fenômeno histórico e

político. Tal categoria nos possibilitou refletir sobre a diferença sexual como não sendo um

fenômeno natural, vinculado às características biológicas. Tal distinção, segundo os estudos

de gênero, é construída pela sociedade. Os discursos de gênero são inerentes à organização

social, variando de tempo e de cultura para cultura, de classe social e etnia. (SCOTT, 1990,

p.75).

Os estudos de gênero enfatizam o caráter fundamentalmente social, cultural, das

distinções baseadas no sexo, contrapondo-se aos argumentos biológicos e naturalistas acerca

da assimetria e da hierarquia nas relações entre homens e mulheres, o conceito de gênero

busca compreender as relações de poder entre os sexos de forma relacional.

A necessidade do movimento feminista em reivindicar uma história que estabelecesse

heroínas, a prova da participação das mulheres na construção historiográfica, a explicação

sobre a opressão sofrida e sobre a inspiração que motivou as mulheres a lutarem contra a

opressão vivida, origina-se na dácada de 1960, tendo como principal objetivo incluir a mulher

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como sujeito da história. Essas primeiras ações feministas estavam direcionadas à política e a

intelectualidade,afastando-se da política na década de 1970 e ampliando-se o campo dos

questionamentos sobrea história das mulheres no passado, documentando suas ações,

adquirindo uma energia própria e abrindo espaço para elaborados trabalhos acadêmicos como

monografias e artigos,chegando na década de 1980 a se distanciar cada vez mais da política e

propiciando a conquista do próprio espaço na história com o a proposta do estudo de gênero,

que aparentava neutralidade e desprovimento de propósito ideológico imediato.

Joan Scott alinha-se entre as historiadoras que se propunham a ultrapassar os usos

descritivos da História das Mulheres, buscando a utilização de formulações teóricas,

argumentou que, no seu uso descritivo, a história das mulheres é apenas um conceito

associado ao estudo das coisas relativas às mulheres, mas não tem a força de análise suficiente

para interrogar e mudar os paradigmas históricos existentes. Ressalta a alta qualidade dos

trabalhos da história das mulheres. Mas adverte que esses estudos permanecem marginais em

relação à historiografia tradicional, afirma que a incorporação desses estudos possibilitaria um

enriquecimento da análise da história, dos programas universitários e das monografias.

Scott adverte sobre os limites das abordagens descritivas feita pelas historiadoras das

mulheres que não questionavam os conceitos dominantes no seio da disciplina, ou pelo

menos, não os questiona de forma a abalar o seu poder e talvez transformá-los. Em seu artigo,

Scott apresenta sua proposta teórica, com o objetivo de explicar o conceito de gênero e de

como as relações entre os sexos estruturaram-se ao longo da História. A autora divide essa

proposta em duas partes: de um lado, o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais

baseado nas diferenças percebidas entre os sexos; de outro lado, o gênero é uma forma

primária de significar as relações de poder. Ao conceituar gênero como “(...) o saber que

estabelece significados para as diferenças corporais (...)” (Scott,1994), a autora traz como

reflexão de que o “saber” é construído socialmente e necessita ser observado como fenômeno

histórico e político.Sendo assim, a diferença sexual não pode ser vista como natural, a

vinculação de características, que são construídas socialmente, como pertencentes a

determinado sexo.usado como forma de ordenar o mundo, esse saber é inerente à organização

social,variando tempo e de cultura para cultura, determinando como os membros de uma

sociedade, atribuirão funções aos seus corpos e como esses membros se organizarão

socialmente, a partir da diferença sexual existente (Scott, 94, p.10-13).

Scott (1990) apóia-se nos pós-estruturalistas, que se preocupavam com o significado, pois

enfatizam a variedade e natureza deste. Dessa perspectiva, propõe que a história seja escrita

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“a respeito de como os significados subjetivos e coletivos de homens e mulheres, como

categorias de identidade foram construídos”. É preciso observar os significados “variáveis e

contraditórios” que são atribuídos à diferença sexual.

A autora afirma que o estudo relacional sobre os sexos permite compreender a diferença

sexual e permite às feministas forjar um instrumento analítico que possibilita gerar um

conhecimento novo e crítico sobre a desigualdade entre os sexos. Scott (1990) oferece um rico

instrumento para a análise da construção dos sujeitos e da organização social das relações

entre os sexos. Ao contestar a tese: “biologia é o destino” e o determinismo da mesma,

introduz a dimensão relacional na análise das diferenças fundadas sobre os sexos, ao mesmo

tempo em que enfatiza o caráter sócio-cultural e histórico das diferenças aqui mostradas.

Uma das razões para a utilização do termo gênero a negação do determinismo biológico ou a

repulsa pela imutabilidade implícita nas diferenças sexuais (anatômicas). Joan Scott diz:

Gênero também põe o aspecto de definições normativas de feminilidade. Aqueles

que se preocupavam com a estreiteza de um saber derivado dos estudos sobre

mulher, por focalizar muito separadamente as mulheres, passaram a usar o termo

“gênero” para introduzir a noção relacional em nosso vocabulário analítico.De

acordo com esta visão, mulheres e homens eram definidos em termos um do outro e

nenhuma compreensão de qualquer dois podia ser alcançada separado.(SCOTT,

1990, p.5)

Em A Dominação Masculina, Pierre Bourdieu estabelece a dominação de gênero no

centro da economia das trocas simbólicas. Na sua análise, verifica que está prática está

corporificada e naturalizada nas relações sociais, fazendo vítimas tanto as mulheres quanto os

homens. O corpo é, portanto, o lugar onde se inscrevem as disputas pelo poder, é nele que o

nosso capital cultural está inscrito, é ele a nossa primeira forma de identificação desde que

nascemos – somos homens e mulheres. O corpo é a materialização da dominação, é o “lócus”

do exercício do poder.

A eficácia desta dominação está nos dominados se integrarem como parte da

dominação sem ter consciência de sua própria dinâmica, ou seja, a adesão do dominado ao

dominante, a isso o autor denomina de violência simbólica (BOURDIEU, 1999). As relações

de gênero têm como transversal em sua dinâmica a dominação e o poder, embora as relações

de poder não sejam estáticas e não se encerrarem no binômio dominador/dominante.

As relações de gênero não podem ser entendidas como fato isolado na sociedade, pelo

contrário, elas são constitutivas de toda realidade, pois o modelo paradigmático de ser homem

e ser mulher regula todas as nossas atividades. Segundo o autor as instituições sociais -

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Estado, Igreja, família – são responsáveis pela produção e naturalização da dominação, ou

seja, estes agentes ao mesmo tempo que tem o poder de moldar a sociedade, é por ela

moldada.

Bourdieu (1999) também contribuiu muito para a compreensão do fenômeno da

violência, ao elaborar o conceito de violência simbólica. O autor afirma que:

A violência simbólica se constitui por intermédio da adesão que o dominado não

pode deixar de conceder ao dominante (e, portanto, à dominação)quando ele não

dispõe, para se pensar, ou melhor, para pensar sua relação com ele, mais que de

instrumentos de conhecimento que ambos tem em comum e que, não sendo mais

que a forma incorporada da relação de dominação, fazem esta relação parecer

natural; ou, em outros termos, quando os esquemas que ele põe em ação para se ver

e se avaliar, ou para se ver e avaliar os dominantes (...) resultam da incorporação das

classificações, assim naturalizadas, de que seu ser social é produto.(BOURDIEU,

1999, p. 41)

Bourdieu destaca ainda que a dominação masculina é uma forma peculiar e

particularmente acabada de violência simbólica. Esta dominação se expressa tanto nas coisas,

sob a forma de divisão entre os espaços femininos e masculinos, quanto nas mentes sob a

forma de princípios de classificação. Sendo assim, a violência simbólica representa disputas,

relações de força de um tipo particular, que passa pelo conhecimento e pelo reconhecimento,

que só funcionam pela estruturação do pensamento. (BOURDIEU, 1999)

O esforço de Pierre Bourdieu em entender a lógica da dominação masculina deve ser

reconhecido, quer se concorde com suas idéias ou não. Ele parte do pressuposto que a ordem

do cosmo é masculina, inscrita nos corpos de ambos os sexos, não havendo possibilidade de

escapar dela, porque ele se evidencia na natureza biológica mostrando-se como natural

quando na realidade é também construto social naturalizado. Bourdieu, de fato descortina a

complexidade da questão da dominação com uma meticulosidade admirável.

Michelle Perrot defende uma postura diferente de Bourdieu.Enquanto para ele as

mulheres são dominadas pelo poder masculino, Perrot vê nesta relação a possibilidade das

mulheres exercerem “poderes” ( 1988, p. 16), o que relativizaria o poder do homem,

recusando a idéia de uma dominação universal passiva.Para tanto ela destaca a História das

Mulheres, argumentando que pensar a história linearmente como história da dominação

masculina é um erro, é excluí-las de um período no qual elas também foram sujeitos quando

participaram de movimentos sociais, passaram a administrar o orçamento familiar durante as

revoluções e as guerras, ocuparam o centro dos espaços urbanos, modificando a sua história

de passividade ( azevedo,2005, 32 p.)

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Para Perrot não existem limites estanques entre o público e o privado. As fronteiras

entre o público e o privado nem sempre existiram, elas mudam com o tempo, assegura(1988,

p.176). Seguindo esta linha de pensamento, argumenta que as mulheres exercem domínio no

cotidiano, nos bastidores, escapando da dominação e “criando elas mesmas o movimento da

história” (1988, p.187). É possível perceber que Perrot parte do micro para o macro.

A linguagem popular, os chistes e os provérbios refletem e reforçam as desigualdades

de gênero. O discurso masculino e dos fatores sócio-culturais modelam o comportamento de

ambos os sexos, mostrando como os valores androcêntricos reforçam a discriminação contra

as mulheres e os homossexuais. Ao estudar a história das famílias ilheenses, desde a época do

coronelismo, que foi um termo político usado como símbolo de autoritarismo e umpunidade.

Quando foi criada a Guarda Nacional em 1831 pelo governo imperial, as milícias e

ordenanças foram extintas e substituídas pela nova corporação. A Guarda Nacional passou a

defender a integridade do império e a Constituição. Os quadros da corporação eram nomeados

pelo governo central ou pelos presidentes de província; os coronéis tinham fortes ligações

com pessoas do Império brasileiro e através daí iniciou-se um longo processo de tráfico de

influência política. Como o Brasil se baseava estruturalmente em oligarquias, esses líderes

(grandes latifundiários e oligarcas) começaram a financiar campanhas políticas de seus

aliados ou afilhados, e ao mesmo tempo ganhar o poder de comandar a Guarda Nacional.

Devido a esta estrutura, a patente de coronel da Guarda Nacional, passou a ser equivalente a

um título nobiliárquico concedida, em sua maioria, aos grandes proprietários de terras. O

coronelismo tornou-se um poder de barganha entre governo e coronéis e durou de 1889 até

1930(Nunes, 2010, p.18-19). Podemos perceber que esse mandonismo foi se modelando à

ideologia sexista nos casamentos por interesses, ou seja, as mulheres eram usadas como elo

entre famílias de prestígio, satisfazendo os interesses econômicos e políticos entre essas

famílias. Uma prova disso era o casamento endogâmico, ou seja, o casamento entre os mesmo

grupos familiares com o objetivo de manter o poder. (RIBEIRO, 2011, p. 25-30)

O modelo tradicional de família que permeou e permeia, até hoje, o imaginário dos

indivíduos, na sociedade brasileira, é o patriarcal. Surgido no Brasil, durante o Período

colonial, era o modelo ideal de concepção de família do grupo dominante, ou seja, da

aristocracia rural (AZAVEDO, 2005, p. 18). Concordamos com Cunha (2007), quando ela

afirma que o conceito de gênero diz respeito à constituição social do masculino e do feminino.

Essas relações que, muitas vezes são marcadas pela desigualdade, são construídas pela própria

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sociedade em seu movimento. Como salienta Bourdieu, coube à mulher “(...) contribuir para a

reprodução do capital simbólico do homem (...)”. (BOURDIEU, 1999, p. 56)

O pai era visto como a autoridade familiar detentora do poder de legalizar as uniões,

uma vez que se um dos seus descendentes (homem ou mulher) contraísse núpcias sem o seu

consentimento, poderia ser punido, por exemplo, com a exclusão na participação da herança.

Aos homens eram atribuídas as funções de provedor e protetor, nossa sociedade contribuiu

para a propagação da dominação masculina.

Durante séculos, em nossa sociedade, o direito de um homem castigar sua mulher

estava assegurado pela lei e legitimado culturalmente nos crimes em defesa da honra

(masculina). O Código Criminal do Império desautorizou, em 1840, o assassinato como

“solução” legítima para os casos de adultério que, ainda assim, era considerado “crime contra

a segurança do estado civil e doméstico”. Tanto no Código Imperial, como no primeiro

Código Republicano, de 1890, o crime de adultério aplicava-se, basicamente às mulheres, já

que a pena era só imputável aos homens que comprovadamente sustentasse a amante. O

Código Penal de 1940 iluminou o tratamento diferenciado para o adultério e reduziu a pena

que lhe era aplicada, mas favoreceu a tese da “legítima defesa da honra”, utilizada ainda nos

anos 90.

2.2 A violência como afirmação do poder masculino.

A literatura que trata da violência de gênero no Brasil ainda é muito limitada.

Preferimos trabalhar com a violência doméstica, porque entendemos que a violência de

gênero abrangeria mulheres, crianças e adolescentes de ambos os sexos, preferindo assim,

destacar a violência praticada dentro e fora do âmbito doméstico por homens contra suas

esposas, companheiras ou namoradas.

Historicamente, sempre houve uma permissividade, por parte da sociedade, em relação

ao homem que agride a mulher, principalmente se essa agressão ocorria no espaço privado.

Só no século XVIII, os tribunais diminuíram a complacência com os maridos agressores e

passaram a considerar desumanos os “castigos” corporais infligidos às suas companheiras. A

figura masculina como a responsável pela correção dos erros da mulher é desvinculada pelos

tribunais já no século XIX, nesse momento o agressor deixa de ter direito de “castigar” a sua

mulher e passa a ser punido por essa conduta de violência.

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Apenas no século XX, na década de 60, com o movimento feminista ocorrido na

Europa e nos Estados Unidos, é que a violência contra mulher passou a ser observada como

um problema social, merecedor da atenção dos órgãos públicos. É importante destacar a

atuação das feministas italianas que foram as primeiras a ir a público para reivindicar que “o

público é privado”, contestando uma realidade que se pautava no poder masculino e na

opressão da mulher dentro da família. (AZEVEDO, 2005, p. 36)

Com a atuação do movimento feminista a violência doméstica começou a ser

publicizada. A diversas formas de violências como xingamentos, socos, empurrões dentre

outros atos, ganharam o espaço público e chegaram muitas vezes aos registros de ocorrências

dentro das delegacias.

A difusão do Positivismo no Brasil, no período de 1890 – 1920, contribuiu para uma

estrutura conjugal que naturaliza o comportamento submisso da mulher diante de ações

violentas cometidas pelo parceiro. De acordo com Soihet, percebemos que o positivismo

considerava as mulheres superiores moral e socialmente ao homem, quando abria mão dos

seus interesses pelo bem da família. Adicionado a esse pensamento, temos o estereótipo de

mulher submissa, dócil e passiva traçado pela burguesia.( SOIHET, 1989, p.111 – 114).

“A violência masculina contra a mulher manifesta-se em todas as sociedades

falocêntricas” (SAFFIOTI; AZEVEDO, 2007, p. 37). No Brasil, de acordo com os dados do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – censo 2010 - são 3000 mulheres

vítimas de violência doméstica todos os dias no país. O alarmante, segundo estudos, é que

esse número é apenas da violência denunciada, não conta-se as mulheres que não tem

coragem de denunciar seus companheiros.

Na violência familiar pode-se relacionar 4 fatores fortemente determinantes da

prevalência dessa violência:1) desigualdade econômica entre homens e mulheres; 2) padrão

de sociabilidade que implica o uso da violência física para resolver conflitos; 3) autoridade

masculina; 4) controle da tomada de decisões e restrições quanto à capacidade da mulher para

assumir sua própria vida e se desvincular da família. (AZAVEDO, 2007, p. 40)

Os estudos de gêneros demonstram que um dos principais obstáculos para o

reconhecimento da igualdade entre os gêneros é a ideologia segundo a qual a sociedade está

dividida em duas instâncias: uma pública e outra privada. Os movimentos feministas, a partir

da década de 1970, deram visibilidade à violência doméstica, transformando os atos violentos

contra mulheres, um problema social, de ordem pública, haja vista que esse tipo de violência

é considerado um problema de saúde pública.

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Nesse sentido, vários países reconheceram a gravidade do problema e começaram a

implantar políticas públicas destinadas a combater a violência doméstica. No Brasil, as

manifestações sociais ocorridas a partir das décadas de 1970 e 1980, foram fundamentais para

a reordenação da concepção jurídica sobre as relações entre os gêneros, materializados, por

exemplo, na Lei 11,340/06, conhecida como Lei Maria da Penha.

A Lei Maria da Penha é vista como mecanismo que encoraja as mulheres a denunciar

e formalizar as agressões ou outros tipos de violência sofrida. Ela prevê medidas cuja função

é protegê-las quando em situação de violência ou ameaças de morte, como por exemplo, o

afastamento compulsório do agressor, que passa a não poder se aproximar da vitima e dos

filhos, se o tiverem.

Em termos gerais, a lei tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a

mulher, determinando que esta pode ser tanto física, quanto psicológica, sexual, patrimonial

e/ou moral.Também estabelece que esta violência independe de orientação sexual,

significando dizer que pode ocorrer dentro da esfera de uma conjugalidade homoafetiva

conforme seu art. 5º.

Durante muito tempo, a violência doméstica contra mulheres era considerada assunto

privado, hoje há “o reconhecimento pela comunidade internacional de que esse tipo de

violência é um problema que envolve diretamente a responsabilidade do Estado”. (CUNHA,

2007, p. 64).

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CAPÍTULO III: CASOS CONCRETOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Em toda parte, em especial em Ilhéus, a violência de gênero está presente nas relações

entre homens e mulheres, pois aqui o homem tem a prerrogativa de ditar regras e exigir que

elas sejam cumpridas pelas mulheres. Esse tipo de violência é corriqueira e vista como

natural. Não é praticada apenas no âmbito familiar, ou seja, praticada no interior do domicílio.

A violência de gênero ocorre em qualquer lugar. Essa análise nos levou a querer pesquisar os

casos de denúncia feitas na DEAM de Ilhéus e como eram recebidas essas denúncias nos

órgãos competentes como a própria DEAM até chegar ao Ministério Público para

concretização das ações penais cabíveis.

Nos casos estudados em Ilhéus, não há casamentos formais, mas prevalece as uniões

estáveis, onde o tempo de relacionamento vai de 3 meses a 9 anos de convivência,

percebemos que a violência pode ser desde ofensas, agressões físicas e/ou sexuais podendo

atingir ameaças de morte.Enfim, são relações desiguais em que o homem interage

socialmente, utilizando a força física com o objetivo de fazer prevalecer a sua vontade, punir

quando contrariado e dominar.

O que podemos verificar nos casos em análise em nossa pesquisa é que a mulher,

muitas vezes, costuma justificar a agressão praticada pelo companheiro, alegando a bebida

alcoólica ou o uso de drogas como pretexto do ato de violência, e não a dominação masculina.

Em nosso encontro com a delegada da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher,

podemos conhecer um pouco de como funciona esse espaço, que foi criado em Ilhéus, em

07/10/2004 e funcionou até 24/01/2005 na CORPIN. Onde depois foi transferida para sua

sede atual, situada na Avenida: Cidade Nova, em frente ao Fórum da cidade. A delegada nos

informou que o pessoal de apoio é preparado para atender os casos de violência contra

mulheres que chegam até eles na DEAM, que vão desde briga de vizinhos à briga de parentes,

ou seja, não são só denúncias de agressão doméstica. Ela afirmou que 80% das mulheres são

dependentes economicamente de seus companheiros ou maridos, e que são poucos os casos de

casais lésbicos.

Não sentimos que a DEAM seja um lugar acolhedor para as vítimas, apesar de sala de

psicologia, onde a vítima ficaria à vontade para denunciar. O lugar onde ela conversa com o

agente para pedir informação ou dar a queixa é aberto, e todos que estejam por perto ouvem

sua história, o que podemos considerar como fator de inibiçãoda ação.A delegada disse, ainda,

que a DEAM já funcionou em condiçõesprecárias e sem pessoal. Segundo a delegada as

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instalações atuais da DEAM são adequadas e os funcionários capacitados. Afirma que os

agentes de atendimento masculinos são gentis, sensíveis e sabem tratar as vítimas que

procuram ajuda.

Quanto ao perfil das vítimas que procuram a delegacia, ela declara que são mulheres

de classe popular, em sua maioria, e que vêem a DEAM como instrumento de defesa contra

seus companheiros, pois muitas delas não levam à diante as queixas prestadas contra

eles.Desistem de continuar com a ação protetiva, perdoando seus agressores e voltando a

conviver com eles. Os motivos são variados, segundo a delegada, desde a dependência

financeira até a dependência sexual, como ela disse, “eles são bons de cama” para essas

mulheres.

Na nossa visita ao Fórum, especificamente na primeira e segunda Vara Criminal,

tivemos acesso às ações contra agressão. Os funcionários demonstraram boa vontade.

Entretanto, o número de funcionários não é suficiente para atender a demanda de processos.

Nossa dificuldade foi de encontrar casos onde o homicídio foi cometido contra

mulheres, pois esses casos não são registrados ou identificados como violência doméstica.

Apenas os casos de agressões físicas de homens contra mulheres têm registros como violência

doméstica, a maioria sem conclusão, ou arquivado. Aprendemos que esses casos são

classificados na Vara Crime, como Ação Protetiva (os que a vítima desiste da ação na

audiência de conciliação) e os Processos em andamento (onde a vitima resolve manter a ação

e muitas vezes o réu está preso).

O Escrivão da primeira Vara Crime disse que todos os casos de violência doméstica

estão distribuídos entre a primeira e segunda Vara Crime e que, em sua maioria são agressões

físicas e ameaças de morte, nenhuma chegou a homicídio. Sendo que, em muitos casos, a

vítima desiste da acusação.

Como encontramos casos parecidos na segunda Vara Crime, apenas conversamos com

os funcionários, que muito ocupados para procurar esses processos, ouvimos a descrição dos

tipos de casos ali encontrados com uma certa dose de ironia, onde uma funcionária comentou

que são todos iguais e quase sempre acabam do mesmo jeito, ou seja, a mulher na audiência

de conciliação dizendo que desiste da ação porque “nóis agora tá feliz, e ele voltou a ser

bonzinho”.

As DEAMs foram criadas na década de 80 (SOARES, 1999, 49 p.) e tinham o objetivo

de oferecer às mulheres vítimas de violência, o tratamento digno e respeitoso que elas

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raramente recebiam nas delegacias distritais, e encontrariam ainda atendimento especializado

pela instituição que reconheceria como crime as ações violentas que as teriam vítimado.

Tivemos acesso aos processos ativos e inativos da Primeira Vara Civil da Comarca de

Ilhéus, dos anos de 2006 até o ano corrente. Nos preocupamos em estudar os casos após a

promulgação da Lei Maria da Penha porque antes deste período não se classificava os atos de

violência contra mulheres, como casos de violência doméstica, ou seja, não eram

considerados como graves ou de grande importância e quando chegavam à denúncia, eram em

casos de ameaça de morte ou homicídio.

Aqui descreveremos alguns dos casos encontrados, sem utilizar os nomes verdadeiros

das vitimas ou agressores, pois os processos correm em segredo de justiça e não tivemos

permissão dos envolvidos para autorização. Preocupamo-nos em conhecer o perfil dos

envolvidos nos casos; a quantidade de denúncias registradas por ano; a quantidade de

renúncias por parte da denunciante e os casos em que a vitima dá continuidade ao processo.

TABELA 1:

CARACTERÍSTICAS DAS VÍTIMAS ANALISADAS ( 2006 – 2010).

Nome fictício Idade Escolaridade Bairro Profissão

Ana 31 Médio Incompleto Alto da Legião manicure

Paula 30 Fundamental I

incompleto

Barra de Itaípe doméstica

Vera 29 Fundamental I

incompleto

Alto da Tapera cabeleireira

Laís 34 Superior Incompleto Malhado Funcionária pública

estadual

Fonte: Processos distribuídos ou cadastrados pela I Vara Crime de Ilhéus.

Percebemos que as vítimas não tem escolaridade completa, em sua maioria, são

dependentes econômica ou possuem profissões para ajudar no orçamento da casa, moram em

bairros considerados periféricos de Ilhéus, têm entre 20 e 56 anos.

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TABELA 2:

CARACTERÍSTICAS DOS AGRESSORES ANALISADOS (2006 – 2010).

Nome fictício Idade Escolaridade Bairro Profissão

José 30 Médio Incompleto São Sebastião Servidor público

municipal

Miguel 29 - Invasão do Cominho

(Barra de Itaípe)

Instrumentista tubista

João 37 - Alto da Tapera Ajudante de pedreiro

Pedro 43 - Malhado Motorista de caminhão

Fonte: Processos distribuídos ou cadastrados pela I Vara Crime de Ilhéus.

Quanto aos seus agressores, são homens que também não tem escolaridade completa,

em sua maioria, bebem muito, são ciumentos, alguns têm um histórico de uso de drogas, já

têm processos de denúncia de agressão a outras companheiras.Apesar de ser grande o número

de casos de denúncia contra homens violentos com suas companheiras, ainda são poucas as

mulheres que denunciam, principalmente se forem da elite ilheense.

GRÁFICO 1:

ANÁLISE DO NÚMERO DE DENÚNCIAS E DESISTÊNCIAS NOS CASOS DE

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ( 2006 – 2010).

Fonte: 1ª Vara Criminal – Ilhéus – processos ativos e inativos

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De 2006 até agosto de 2011, foram contabilizados 185 casos de denúncias de mulheres

contra as agressões dos seus companheiros e 105 delas desistiram na audiência de conciliação.

As 80 que continuaram ainda aguardam sentença. Infelizmente, é grande o número de

mulheres que desistem da denúncia e voltam para seus agressores.Decisão esta, que só pode

ser tomada antes da denúncia pelo Ministério Público. Como a Lei 11.340/2006, ainda é

considerada nova, todos os processos analisados, que eram considerados Ação Penal –

Procedimento Ordinário, decorrente de Violência Doméstica, entram na estatística dos crimes

leves e muitas vezes, se há homicídio contra mulheres, esses casos são encaminhados para a

Vara de Homicídios, ficando impossível identificá-lo como violência contra mulher.

Como está previsto no Art. 129, $ 9 do Código Penal Brasileiro, das lesões Corporais (

Violência Doméstica ):

Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou

companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido a vitima, ou ainda,

prevalecendo-se agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.

Pena – detenção de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

Pena com redação, determinada pela Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006.

O que podemos observar durante a análise dos casos, é que na Ata de Audiência,

presidida por um Conciliador, geralmente estagiários de um curso de Direito orientado por um

Juiz, a vítima de alguma forma é levada a desistir da denúncia por entender que a agressão

sofrida não é crime. Os Conciliadores são agentes sociais que representam as instituições

citadas por Bourdieu (1999), as quais são instrumentos responsáveis da desigualdade de

gênero. Bourdieu (1999) diz ainda que mesmo que um indivíduo tenha consciência dos

padrões estereotipados, não os abandonará pela simples tomada de consciência destes

significados, visto que tais padrões participam do acervo existencial, eles estão incorporados

no indivíduo.

Esse fenômeno é perceptível quando Bourdieu diz que, “mesmo depois da

solidificação do movimento feminista, as mulheres continuam se preocupando e dependentes

da opinião masculina.” (BOURDIEU, 1999, p.13 – 60). Observamos que as mulheres que

desistiram da denúncia, ou eram dependentes economicamente desses homens ou eram

dependentes emocionais, pois alegaram, segundo testemunhas na audiência ( funcionários do

Fórum), que eram apaixonadas por esses homens.

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Não acredito no velho senso comum em que as mulheres que permanecem nesses

relacionamentos, “gostam de apanhar”. Em estudos onde foram entrevistadas, elas

demonstram sim resistência, desejo de sair daquele pesadelo em que foi transformado seu

relacionamento.Muitas acham que voltando para esse agressor, vai conseguir transformá-lo

em um homem melhor, que seus filhos estarão pior sem ele, que são mulheres capazes de dar

um basta na violência com o passar do tempo ou quando não agüentarem mais.

Temos o caso de Ana (31 anos), processo nº 0000178-67,2010.805.0103, vol. 1, 39

p., 28/12/2009, que foi agredida por seu companheiro ao sair de uma festa. Ela contou que

“Ao sair do banheiro começou a discutir com seu namorado, por ciúmes e o mesmo desferiu

um golpe contra seu rosto”.

No dia 15 de novembro de 2009, por volta das 1h 20min, em um evento festivo

(República Fest) que ocorria no espaço denominado Boca Du Mar, situado no bairro Pontal,

Ilhéus, o denunciadodesferiu um golpe no rosto de Ana com quem convivia há nove anos,

causando-lhe lesões.Ana contou que houve confusão com uma colega e que com a chegada do

companheiro, irrompeu uma discussão, sendo atingida pelo mesmo com um objeto contudente

que não soube identificar, lesionando-a.José, negou o fato alegando que ao sair para comprar

bebidas e retornar, encontrou a vítima “se agarrando” com outro homem, que disse que ela

não tinha dito que namorado, José agrediu Ana com um tapa e um murro no rosto, saiu

correndo do local mas foi detido pela polícia.

No caso de citado, Ana desiste da acusação e seu companheiro pagou uma fiança de

R$ 600, 00 para ser liberado da prisão feita em flagrante.A maioria dos homens envolvidos

nas agressões em Ilhéus moram em bairros periféricos, onde o álcool e as drogas são

constantes na realidade dessas famílias.Mas em bairros como Pontal, Cidade Nova, também

são comuns casos de denúncia por violência contra mulher, provando assim que não é só a

pobreza que gera agressões, o que podemos provar é que, as mulheres da camada popular é

que publicizam sua situação de vitima dos seus companheiros.Destacamos que, contrariando o

estéreotipo traçado pelo positivismo, sobre qual deveria ser o papel da mulher junto a família,

ou seja, abrir mão dos seus interesses em prol da família, são as mulheres das camadas

populares que tentam romper com essa idéia de mulher passiva e submissa.

Essa constatação encontra-se na pesquisa da Soihet, na cidade do Rio de Janeiro, na

virada do século XIX para o século XX, quando observou que as mulheres das camadas

populares, apesar de terem sofrido várias investidas, em um determinado momento,

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procuravam a policia e publicizavam a violência intrafamiliar a que estavam

submetidas.(SOIHET, 1982, p.109 – 125)

Podemos dizer que quando estas mulheres resolvem denunciar, estão demonstrando

seu poder, como propôs a Scott em sua definição de gênero ser uma “relação de poder”.E

também no sentido de Foucault, onde há relações de poder há resistência e, por isso, as

mulheres não são passivas na violência, e quando tolerantes à violência dos parceiros não

significa consentimento, ao contrário, elas reagem das mais variadas formas contra seus

agressores.

Infelizmente, como enfatiza Bourdieu (1999), a instituição escola é ainda uma forte

transmissora dos pressupostos de representação patriarcal, o que nos mostra a pesquisa é que,

independente do nível de escolaridade, as mulheres ainda colocam o homem como o pai da

família e muitas vezes se responsabilizam pelo fracasso do relacionamento. Em Bourdieu

percebemos que “A ordem masculina do cosmos está corporificada, fazendo vitimas tanto o

homem quanto a mulher, a mulher esta apesar de viver a dominação é também sujeito neste

processo, sujeito dominado, mas o é” (Bourdieu, 1999).

É interessante ressaltar que a relação de poder que o marido exerce sobre a mulher,

reflete os papéis reproduzidos dentro do casamento. Ou seja, o homem pelos moldes

tradicionais de casamento, passa a ser dono do corpo da sua mulher, é tanto que nos casos de

violência doméstica, não são registrados os estupros que muitas dessas mulheres sofrem

quando não querem satisfazer os desejos dos companheiros.

No Direito Penal, “as relações sexuais são pertinentes à vida conjugal, constituindo

direito de posse sexual da mulher, ao qual ela não pode se opor.”. Quer dizer que não é crime

se o homem tomar posse do corpo de sua mulher, obrigando-a a ter relação sexual com ele,

desde que essa não seja violada de maneira a deixar cicatrizes visíveis, ou ser obrigada à

práticas contrárias à natureza.

Há alguns procedimentos comuns apos o caso de violência doméstica chegar ao

conhecimento das autoridades policiais. Quando a vitima comparece à uma DEAM (

Delegacia Especializada em Assistência à Mulher), é registrada a queixa em boletim de

ocorrência e pedida a prisão do agressor; instaura-se inquérito policial ( composto pelos

depoimentos das vítimas, do agressor, das testemunhas e de provas documentais e periciais).

Posteriormente, este será remetido ao Ministério Público, quando a vitima resolve continuar o

processo, que pode requerer ao juiz, em 48 horas, que sejam concedidas medidas protetivas de

urgência para mulheres em situação de violência.

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Além disso, é solicitado ao juiz a decretação de prisão preventiva com base na referida

lei Maria da Penha, que alterou o código de processo penal. Em contrapartida, na esfera

judicial, o juiz poderá conceder ou não, no prazo de 48 horas, medidas protetivas de urgência

(suspensão do porte de armas do agressor, afastamento do agressor do lar, distanciamento da

vitima, dentre outras). Após recebimento da denúncia pelo Ministério Público, compete ao

juiz a sentença.

Não podemos participar de uma audiência de conciliação durante o processo de

pesquisa, mesmo porque não era esse o objetivo do presente estudo, devido a maioria dos

processos correrem em segredo de justiça, comprovando que os casos de violência doméstica

ainda estão no âmbito do privado. “Em briga de marido e mulher, não se mete a colher”. Pelo

numero de mulheres que desistiram da denúncia em prol do casamento, percebemos que a

desigualdade de gênero não é levada em conta dentro das audiências. A mulher parece ser

tratada com inferioridade dentro dessa relação conjugal, pois quando conversamos com as

pessoas responsáveis pelo andamento dos casos ou mesmo envolvidas no dia-a-dia das Varas

Crimes, notamos em suas falas que nas audiências de Conciliação não é demonstrado que o

mais importante é a integridade física dessas mulheres, que elas tenham consciência que foi

cometido um crime contra elas ou que as mesmas não estão ali para abrir mão dos seus

interesses privados em prol da família.

Não podemos esquecer que o Estado é também o grande responsável pela

naturalização da violência doméstica, pois não dão assistência continuada para essas mulheres

e crianças vitimas de homens violentos. Muitas desistem por medo de seus algozes ou por se

sentirem responsáveis pelo bem estar de seus filhos.e voltam a conviver com seus agressores.”

É preciso entender a desigualdade de gênero para, ao lermos histórias de violência destas

mulheres e a sua conduta diante do seu agressor, possamos romper com o pensamento do

senso comum que afirma que estas mulheres, por tolerarem a violência, gostam de apanhar”

(AZAVEDO, 2005, p. 88).

A vergonha de publicizar os seus sofrimentos, a dependência financeira e emocional, a

necessidade da preservação da família são alguns fatores que coíbem atitudes de resistência

contra essas agressões e obrigam aquelas que denunciam, a renunciar nas audiências

preliminares ou até mesmo nunca prestarem queixas contra seus agressores.

A invisibilidade da violência física contra mulheres e até o estupro dentro da relação

conjugal se fortalecem na tolerância cultural que legitima a agressividade masculina.Vejamos

o caso abaixo:

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Paula estava em sua residência por volta das duas horas da manhã, quando seu

companheiro chegou, sob efeito de bebida alcoólica e drogas, ameaçou a Declarante

de morte e passou a desferir socos no rosto, abdômen, cabeça e braços; que o

agressor pegou um facão, disse que iria cortar a Declarante; Que conseguiu abrir a

porta e correu para a sede do 2 BPM(Ilhéus), solicitando ajuda dos policiais;Que o

agressor estava com a filha menor de cinco anos. (Processo nº 001.0.31.300/2009,

20/03/2009).

Policiais do 2º Batalhão da Polícia Militar, no dia 28 de fevereiro de 2009, por volta

das 02 h 20 min, contam que Paula os procurou, alegando ter sido agredida por seu

companheiro, o qual se armara com um facão e disse que iria matá-la.A vítima

estava com um inchaço na testa e sangrando pelo nariz, informando que seu

companheiro era usuário de drogas e já havia comprado passagem para fugir para

São Paulo.Os policiais foram até a casa da mãe do acusado e o encontraram bastante

alterado e gritando muito, tendo o mesmo se jogado no chão, reagiu, sendo

necessário usar da força para contê-lo.

O agressor acima citado, ainda está preso, não quis pagar a fiança de R$ 1.000,00 e a

vitima não desistiu da denúncia, estando o caso ainda ativo na Primeira Vara Crime. Temos

ainda um caso que demonstra o quanto essa vitima deve ter medo do seu companheiro, pois

mesmo tendo sofrido várias investidas contra ela, continua com seu agressor.

João, 37 anos, aos vinte e dois dias de setembro de dois mil e sete, por volta das

duas horas da manhã, agrediu Vera, 39 anos, com quem convivia a três (3) anos,

durante uma festa em casa de uma amiga, com um murro no rosto e armado com um

pedaço de madeira, golpeou-a na cabeça e no braço; a vitima pedia socorro ao

agressor e este gritava com ela e a agredia mais, ameaçando-a de morte.( Processo nº

0005645-27.2010.805.0103, 10/06/2010, 36 p.).

No dia 22 de setembro de 2007, por volta das 02h 00min, na rua do Mosquito, Ilhéus,

João( vulgo Dedinho) alegou que Vera, com quem convivia a 3 anos, teria se insinuado para

outro homem durante uma festa na casa de uma amiga do casal, ele armado com um pedaço

de madeira, golpeou-a no braço e na cabeça, provocando-lhe um grave ferimento. Já

desfalecida, Vera foi socorrida pela vizinha. João fugiu do local, com a chegada da polícia

acionada pelo pai do agressor.

O agravante nesse caso é que, não era a primeira vez que João agredia Vera, em outra

ocasião, alegando ciúmes, João ordenou que Vera tirasse a calcinha e deitasse na cama, após o

que amarrou os seus braços na cama, imobilizando-a, passou uma mistura com pimenta

malagueta e sal na sua vagina, submetendo-a a uma dilacerante tortura física. Vera ficou

alguns dias em casa dos seus familiares, mas por medo das ameaças que sofria do denunciado,

voltou a conviver com seu algoz.

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Vera renunciou ao processo, provando que essas mulheres não vêm como crime os

atos praticados contra elas pelos seus companheiros, essas mulheres quando não dependem

economicamente desses agressores, sofrem a violência simbólica trabalhada por Bourdieu

(1999), têm medo por suas vidas e pela vida de seus filhos, preferindo o silêncio e à tolerância

dessa condição de vitima.

Foram 185 casos de Violência Doméstica denunciadas na Primeira Vara Crime de

Ilhéus em mais ou menos 5 anos, sendo que 105 desses casos estão inativos, as vitimas

renunciaram. Esses números são apenas da estatística de denúncias, imaginamos o universo

de mulheres que permanecem em silêncio na privacidade de suas casas, suportando os mais

sórdidos dos tratamentos, sem ao menos terem consciência dos seus direitos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A lei 11.340/06, Lei Maria da Penha, está sendo, sem dúvida, um mecanismo legal de

apoio às mulheres que procuram as poucas DEAM’s espalhadas pelo país. Mas, diante da

quantidade de casos que são levados à diante após denúncia, podemos dizer que em Ilhéus, a

violência doméstica é marcada pelo signo da invisibilidade, pelo fato de esse tipo de violência

ser tratada como um fenômeno episódico, onde a vítima é vista como alguém que não merece

credibilidade, pois em sua maioria, as mulheres desistem de levar até o fim a denúncia feita.

A violência contra mulheres ainda não é vista como um crime, demonstra ser

considerada um fato natural e que faz parte do cotidiano nas relações conjugais, só levada em

consideração pelos órgãos judiciários, policiais, pela sociedade em geral, quando a vítima é

levada em estado grave ou com ferimentos visíveis aos hospitais, ou até mesmo quando a

mulher agredida é assassinada.

Depois da análise feita nos procedimentos e processos coletados, percebemos que as

mulheres desistem da denúncia já na audiência preliminar e que essa atitude é esperada por

todos os envolvidos nos casos, pois para a maioria das mulheres que resolvem procurar ajuda

ao denunciar. As DEAMs são usadas como mecanismo de defesa contra seus agressores,

impedindo-os de continuar os maus tratos cotidianos ou mesmo de levar até o fim as ameaças

de matá-las.

O estudo dos casos nos revela que os juizados, quando procurados, representam a

possibilidade de a mulher adquirir a segurança e o respeito dentro da relação violenta com seu

companheiro ou marido, evitando novas agressões, serve como uma arma simbólica usada

para amedrontar os seus agressores. Há muito o que se discutir ainda sobre o que fazer para

que a questão da violência doméstica saia definitivamente do privado para o público, para que

as mulheres, vítimas dessas agressões, ao denunciar, siga em frente com o processo,

desejando mudar sua história, exigindo seriedade por parte dos órgãos judiciários que as

atendem.

Finalmente, cabe ressaltar que a sociedade ilheense vive alheia à problemática da

violência doméstica contra mulheres, aceitando a socialização que “educa” essas mulheres a

continuarem com seus agressores, pois como diz o velho ditado popular:”Ruim com ele, pior

sem ele”. Precisa-se mudar a atitude dos agentes policiais e funcionários do judiciário que

naturalizam as desistências e banalizam tal violência, dizendo que as mulheres voltam para

seus companheiros porque se acostumaram com aquela vida de agressão. Precisamos mudar

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os nossos discursos explícitos ou velados, ao culpabilizar as mulheres que apanham ou são

estupradas, abolindo definitivamente da nossa cultura sexista, os ditos populares que

desvalorizam as mulheres, as atitudes de naturalização da violência quando consideramos as

roupas curtas, os gestos insinuantes ou até mesmo os decotes, a autorização para que as

mulheres sirvam os homens ou aceitem que elas são as culpadas pelas agressões que sofrem

em Ilhéus.

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