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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO GIULIANO TONIOLO O DIREITO FUNDAMENTAL DO CONSUMIDOR A UM SERVIÇO PÚBLICO ADEQUADO E EFICIENTE NAS CONCESSÕES CANOAS 2007

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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO

PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO

GIULIANO TONIOLO

O DIREITO FUNDAMENTAL DO CONSUMIDOR A UM SERVIÇO PÚBLICO

ADEQUADO E EFICIENTE NAS CONCESSÕES

CANOAS

2007

GIULIANO TONIOLO

O DIREITO FUNDAMENTAL DO CONSUMIDOR A UM SERVIÇO PÚBLICO

ADEQUADO E EFICIENTE NAS CONCESSÕES

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade Lu-terana do Brasil como requisito para a ob-tenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Direitos Funda-mentais. Orientador: Dr. Luciano Benetti Timm

CANOAS

2007

GIULIANO TONIOLO

O DIREITO FUNDAMENTAL DO CONSUMIDOR A UM SERVIÇO PÚBLI-

CO ADEQUADO E EFICIENTE NAS CONCESSÕES

Dissertação apresentada ao Programa de

Mestrado em Direito da Universidade Lu-

terana do Brasil como requisito para a ob-

tenção do título de Mestre em Direito.

Área de concentração: Direitos Funda-

mentais.

Aprovada em: ____/____/______

Dr. Luciano Benetti Timm

(ULBRA, Presidente e Orientador)

Dr. Egon Bockmann Moreira

(UFPR, Membro Externo)

Dr. Paulo Antônio Caliendo Velloso da Silveira

(PUCRS, Membro Externo)

Dr. Gerson Luiz Carlos Branco

(ULBRA)

4

Gostaria de dedicar este trabalho especialmente para a minha esposa, Aline,

em razão de seu incondicional estímulo, amor, carinho e compreensão face às inú-

meras horas de pesquisa, redação e concentração nas quais deixei de dar-lhe a

atenção merecida. Sabes que, sem a tua mão amiga ao meu lado, eu jamais con-

seguiria. Tenho a mais absoluta certeza de que nosso amor nos permitirá, com a

graça de Deus, alçar vôos maiores ainda.

Dedico igualmente esta dissertação aos meus pais, Herni e Rejane. Além de

terem me ensinado qual era o caminho certo a ser trilhado nesta vida, sempre me

deram total apoio nas mais diversas realizações, principalmente nesta. Obrigado,

mais uma vez !

5

AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, ao meu orientador, Dr. Luciano Benetti Timm, pela

paciência, pela constante troca construtiva de idéias e por todo o estímulo que me

foi passado nestes dois anos de mestrado. Certamente, este trabalho não seria

possível sem a sua decisiva participação. Obrigado !

Agradeço ainda aos demais membros da minha família, aos meus amigos,

aos meus colegas de mestrado e a todos aqueles que, de uma forma ou outra, co-

laboraram para a realização deste trabalho.

Agradeço também aos professores do Programa de Mestrado em Direitos

Fundamentais da ULBRA por terem me proporcionado, com o repasse de relevan-

tes conhecimentos ao longo do curso, crescimento acadêmico e profissional.

Agradeço igualmente ao Dr. Egon Schunck Júnior, Gerente Jurídico do Con-

sórcio Univias, e ao Dr. Paulo Oiama de Macedo Silva, Assessor Jurídico da Asso-

ciação Gaúcha de Concessionárias de Rodovias – AGCR e Diretor Jurídico do Con-

sórcio Univias, pela significativa contribuição nas discussões relacionadas aos con-

tratos de concessões e pelo importante empréstimo de vários materiais relaciona-

dos ao assunto.

Agradeço, por fim, à Dra. Patrícia de Oliveira Mello, Consultora-Chefe do

Município de Esteio, cuja compreensão e acessibilidade foram fundamentais para

que eu, por diversas vezes, pudesse desenvolver com plenitude as atividades vin-

culadas ao mestrado.

6

“A paixão perverte os magistrados e os melhores homens: a inteligência sem

paixão – eis a lei.” Aristóteles

"Determinação, coragem e autoconfiança são fatores decisivos para o suces-

so. Não importam quais são os obstáculos e as dificuldades; se estamos possuídos

de uma inabalável determinação, conseguiremos superá-los. Independentemente

das circunstâncias, devemos ser sempre humildes, recatados e despidos de orgu-

lho." Dalai-Lama

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RESUMO

A crise pela qual passa o Estado brasileiro dinamizou, a partir da década de 90 do século XX, a idéia da retomada das concessões de serviços públicos (como inclusive já ocorrera em épocas pretéritas). A Lei Federal 8.987/95 foi aprovada neste contexto e com este objetivo, dando tratamento novo ao instituto da conces-são, com especial relevo aos direitos e obrigações contratuais e legais da conces-sionária e dos usuários. No novo modelo construído pelo legislador, a agência regu-ladora traria um marco regulatório robusto e eficiente no Brasil para estimular o in-vestimento da iniciativa privada, porque independente da política partidária. Mas a referida lei não entrou em vigor em um vácuo jurídico e merece ser, por isso, siste-matizada dentro do conjunto de outras normas aplicáveis à espécie. Nesse sentido, mesmo que se diferencie tecnicamente a figura do usuário de uma concessão da do consumidor de um serviço, o Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicado a esta relação (ainda que com temperamentos e particularidades derivadas daquela distinção técnica). Dessa forma, o usuário tem o direito fundamental típico da rela-ção de consumo de acesso a um serviço público adequado e eficiente, ainda que prestado privadamente via concessões. Esta dissertação explora o conteúdo e ex-tensão desse direito fundamental vis-à-vis a Lei 8987 citada com especial enfoque ao princípio da eficiência administrativa e aos limites econômico-financeiros no con-trato de concessão.

Palavras-chave: Concessões de Serviços Públicos - Direito Fundamental – Direito do Consu-

midor –- Princípio da Eficiência – Administração Pública

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ABSTRACT

The crisis faced by Brazil, since the decade of th 90's, stimulated the idea of retaking the concessions of the public services, as it had already been debated pre-viously. The Federal Law 8987/95 was approved in this context and with this objec-tive, giving new treatment to the concession institute, with special emphasis to the contractual and legal obligations and rights of both concessionaire and users. Under the new model built by the legislature, the regulating agency would bring a robust and efficient regulator landmark to Brazil, in order to stimulate the investments of the private initiative because it would be independent of the partisan politics. The law in question, however, did not enter in legal vigor due to a legal vacuum and deserves to be therefore, systemized inside a set of other norms applicable to the species. In this case, even if there is a technical difference between the figure of the user of a concessionaire and the consumer of a service, the Code of Consumer defense must be applied to this relationship (even with carachteristics and particulars derivated from the technical distinction). Typical of the relationship of the consumer, the user has the basic right of access to an adequate and efficient public service, even consi-dering that it is given privatly through the concessions. This dissertation explores the content and the extension of this fundamental right "vis-a-vis" the Law 8987, cited with special emphasis to the principle of administrative efficiency and the economi-cal-financial limits in the concession contract.

Key words: Concession of Public Services - Fundamental Right - Consumer Right –

Principle of Efficiency – Public Administration

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ABREVIATURAS E SIGLAS

abr. - abril ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADIN - Ação Direta de Inconstitucionalidade ADPF - Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental AGERGS - Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul AgRg - Agravo Regimental AI - Agravo de Instrumento ampl. - ampliada ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações ANEELL - Agência Nacional de Energia Elétrica ANTAQ - Agência Nacional de Transportes Aquaviários ANTT - Agência Nacional de Transportes Terrestres art. - Artigo atual. - atualizada CCB - Código Civil Brasileiro CDC - Código de Defesa do Consumidor CEAA - Comissão Especial de Auditoria e Avaliação CEEE - Companhia Estadual de Energia Elétrica CF - Constituição Federal CLT - Consolidação das Leis do Trabalho COVIPLAN – Concessionária Rodoviária do Planalto S.A. CORSAN - Companhia Riograndense de Águas e Saneamento CPC - Código de Processo Civil CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito COMGÁS – Companhia de Gás de São Paulo Convias - Convias S.A. Concessionária de Rodovias Coord. - Coordenador CRT - Companhia Riograndense de Telelcomunicações CSPE - Comissão de Serviços Públicos de Energia DAER/RS - Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem, do Estado do Rio Grande do Sul DER/PR - Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Paraná Des. - Desembargador DJU - Diário da Justiça da União DNER - Departamento Nacional de Estradas de Rodagem DNIT - Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transporte Dr. - Doutor EC - Emenda Constitucional ECONORTE - Empresa Concessionária de Rodovias do Norte S.A.

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ECOSUL - Empresa Concessionária de Rodovias do Sul S.A. ed. - edição fev. - fevereiro IGP-DI - Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna In - dentro de INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Quali-dade INSS - Instituto Nacional de Seguro Social IPCA - Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo jan. - janeiro JF - Justiça Federal Lei de Concessões - Lei 8.987/95 Lei de Licitações - Lei 8.666/93 LICC - Lei de Introdução ao Código Civil mai. - maio mar. - março MARE – Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado Metrovias - Metrovias S.A. Concessionária de Rodovias MG - Minas Gerais Min. - Ministro n. - número nº - número OEA – Organização dos Estados Americanos ONU – Organização das Nações Unidas op. cit. - opus citatus (obra citada) Org. - Organizador out. - outubro p. - página par. ún. - parágrafo único PPP’s - Parcerias Público-privadas PUC - Pontifícia Universidade Católica reimpr. - reimpressão REsp - Recurso Especial rev. - revisada RFFS.A. – Rede Ferroviária Federal RJ - Rio de Janeiro ROT - Recuperar, Operar e Transferir RS - Rio Grande do Sul S.A. - Sociedade Anônima SP - São Paulo Sr. - Senhor STF - Supremo Tribunal Federal STJ - Superior Tribunal de Justiça Sulvias - Sulvias S.A. Concessionária de Rodovias TCU - Tribunal de Contas da União TJ - Tribunal de Justiça TJRS - Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

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TCE - Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul TRF - Tribunal Regional Federal TRT - Tribunal Regional do Trabalho UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro v. - volume VIAPAR - VIAPAR Rodovias Integradas do Paraná S.A. § - parágrafo

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................14

CAPÍTULO I – O MARCO REGULATÓRIO LEGAL NAS CONCESSÕES...............19

A) Definição e características do instituto.................................................................21

1.1 Conceitos de concessão e de serviço público....................................................21

1.2 Evolução histórica das concessões....................................................................33

1.3 As características essenciais do contrato de concessão....................................43

B) A estrutura jurídica da relação entre Poder Concedente e Concessionária........ 55

1.4 Direitos e deveres estatutários do usuário de serviços públicos concedidos......55

1.5 A responsabilidade da concessionária de serviços públicos...............................61

1.6 A fiscalização da concessionária pelo Poder Concedente..................................71

1.7 Hipóteses de extinção da concessão..................................................................80

CAPÍTULO II – OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO USUÁRIO DAS CONCES-

SÕES RODOVIÁRIAS E UM DIÁLOGO COM O DIREITO DO CONSUMIDOR......90

A) Serviço Adequado e Eficiente...............................................................................91

2.1 A necessidade constitucional de tutela dos direitos fundamentais.....................91

2.2 O direito do consumidor como direito fundamental.............................................97

2.3 A vinculação da concessionária aos direitos fundamentais e ao Código de Defe-

sa do Consumidor...................................................................................................102

2.4 O direito fundamental do consumidor a um serviço público adequado e eficiente

nas concessões.......................................................................................................108

2.5 Forma de implementação máxima: planejamento e eficiência estatal..............119

B) A Eficiência na Implementação do Direito Fundamental do Consumidor...........122

3.1 Conceito e origem da eficiência........................................................................123

3.2 A relevância do Princípio da Eficiência para a Administração Pública..............133

3.3 Meios de controle da eficiência do serviço público como forma de implementa-

13

ção do direito fundamental do consumidor..............................................................136

3.4 Os limites econômicos para a aplicação do Princípio da Eficiência nos contratos

de concessões.........................................................................................................142

CONCLUSÃO..........................................................................................................156

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................162

14

INTRODUÇÃO

A partir da Emenda Constitucional 19/98 foi acrescentado um importante princí-

pio ao rol contido no "caput" do art. 37: o Princípio da Eficiência. Assim, a Adminis-

tração Pública (federal, estadual e municipal), seja direta, seja indireta, deveria obe-

decer aos Princípios da Legalidade, da Impessoalidade, da Moralidade, da Publici-

dade e da Eficiência. Por extensão, esses princípios precisariam ser aplicados à

prestação de serviços públicos.

Como o Estado atravessou, a partir da década de 80, uma severa crise financei-

ra, a concessão de serviços públicos foi uma alternativa largamente utilizada no iní-

cio da década de 90 para cumprir com as suas atribuições constitucionais. Aliás,

falando em particular do Estado do Rio Grande do Sul, a crise financeira atingiu um

estágio preocupante, tendo havido, inclusive, o parcelamento do pagamento dos

vencimentos dos servidores públicos do Poder Executivo no mês de abril de 2007.

Assim, as concessões foram – e continuam sendo – um modo do Estado se deso-

nerar da prestação direta do serviço público, delegando-a para um particular, o qual

assume os riscos do empreendimento. Isso não é novidade alguma, já que o institu-

to fora muito utilizado no Brasil durante o século XIX, especialmente nas ferrovias.

A utilização, contudo, do instituto das concessões talvez nunca tenha sido tão

forte quanto nos dias atuais. Fica claro que é imprescindível que esse serviço públi-

co concedido, que atinge milhões de brasileiros todos os dias, seja prestado de for-

ma adequada, determinação contida no art. 175, parágrafo único, inciso IV, da

Constituição Federal. Como existem os direitos dos usuários e das concessionárias

a serem tutelados, todas as decisões (judiciais e administrativas) devem ser devi-

damente sopesadas. É fundamental, por conseguinte, a compreensão do marco

regulatório das concessões para que se possa investigar no capítulo segundo como

garantir, de forma eficiente, a proteção dos direitos fundamentais nesse ambiente,

15

não colocando em risco o sistema, fato que se fez no passado.

De outra parte, pela ótica do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, o ser-

viço público deve ser prestado de forma adequada e eficiente. A palavra "adequa-

do" não parece trazer maiores dificuldades, até mesmo porque o § 1º do art. 6º da

Lei 8.987/95 e o § 1º do art. 6º do CDC trouxeram a sua definição legal. O cerne do

problema é justamente interpretar o que o legislador quis dizer com "eficiente". En-

tra aí a importância de conceituar a eficiência e entender os motivos que levaram à

inclusão do respectivo princípio no art. 37, "caput", da CF pela Emenda Constitucio-

nal 19 em 1998. Além disso, é importante verificar também em que medida a efici-

ência pode ser relacionada com o CDC na prestação de serviço público.

Paralelo a tudo isso, percebe-se claramente que a Constituição Federal, no seu

art. 5º, inciso XXXII, elevou a proteção do consumidor à condição de direito funda-

mental. Na verdade, foi necessária a intervenção do Estado na atividade econômica

dos particulares, limitando a autonomia da vontade, especialmente pela necessida-

de de se proteger um grupo difuso de indivíduos, como os consumidores. O Estado

não só precisaria ter uma atitude negativa quanto aos direitos fundamentais, mas

também deveria agir de forma positiva, legislando, executando e interpretando as

normas sob a égide da nova ordem constitucional. A verdadeira implementação do

direito fundamental do consumidor ocorreu somente com a publicação da Lei Fede-

ral 8.078, de 11.09.1990 – o Código de Defesa do Consumidor.

Pretende-se demonstrar que o usuário de serviço público concedido é consumi-

dor, sendo, portanto, titular de um direito fundamental devidamente tipificado no art.

5º, inciso XXXII, da CF. Mesmo que a condição de consumidor não seja imprescin-

dível para que o usuário possua acesso ao serviço público, este último possui o di-

reito à sua prestação de forma adequada e eficiente. Será analisado ainda o que

pode ser entendido como eficiência e se esta última pode ser considerada como um

meio de implementação do direito fundamental do consumidor na condição de usuá-

rio.

É inquestionável que os serviços públicos – concedidos ou não – devem ser

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prestados de forma adequada e eficiente, condições estas que são imprescindíveis

para o seu perfeito funcionamento. Mesmo que o Poder Público conceda a presta-

ção do serviço para uma empresa particular, a concessionária permanecerá vincu-

lada a esta atribuição. A implementação do direito fundamental do consumidor – ou

usuário – passa por isso, descabendo a omissão estatal nesse particular.

Não se podem perder de vista, no entanto, as questões econômica e contratual,

já que o direito fundamental do usuário a uma prestação de serviço público adequa-

do e eficiente passa necessariamente pelo teor das prestações contratuais assumi-

das pela concessionária e pela utilização dos recursos disponíveis pelo contrato de

concessão, que serve de balizamento à construção jurisprudencial e doutrinária. Daí

a importância de um correto planejamento do Poder Público antes da licitação, fa-

zendo adjudicação da proposta mais eficiente e não apenas da mais barata. Aqui

devem atuar também o Ministério Público e o Tribunal de Contas. Afinal, um serviço

eficiente deve levar em consideração o binômio custo-benefício.

A importância do tema escolhido decorre, principalmente, da tendência de de-

sestatização evidenciada pela Lei das Parcerias Público-privadas (Lei 11.079, de

30.12.2004). Para a realização do presente trabalho, a escolha recaiu no método de

abordagem dedutivo mediante pesquisa bibliográfica, documental e ainda jurispru-

dencial. Já a pesquisa jurisprudencial restou priorizada em acórdãos extraídos dire-

tamente do “site” do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

(www.tj.rs.gov.br). Foram utilizadas como palavras-chave: concessões de serviços

públicos, direito fundamental, direito do consumidor e Princípio da Eficiência.

Esta dissertação está dividida em dois capítulos. No primeiro, é feita uma análise

do ambiente regulatório legal do instituto, iniciando com a conceituação de serviço

público e de concessão, além de um breve histórico. É feita uma abordagem das

Parcerias Público-privadas como forma especial de concessão. Depois, obrigatori-

amente, os principais aspectos da Lei 8.987/95 são estudados, desde as principais

características do contrato de concessão até quais são os principais direitos e deve-

res estatutários do usuário de serviços públicos concedidos. Posteriormente, passa-

se então a verificar qual é a responsabilidade da concessionária, assim como qual é

17

o papel do Poder Concedente, especialmente da Agência Estadual de Regulação

dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul – AGERGS. Por fim, culmi-

na-se o capítulo primeiro com uma análise das hipóteses de extinção da concessão.

Já na primeira parte do capítulo segundo, a aderência à área de concentração

deste Mestrado em Direito é nitidamente demonstrada, pois já inicia discutindo a

necessidade de tutela dos direitos fundamentais. Em seguida, o estudo passa pelo

direito do consumidor enquanto direito fundamental e pela forma como pode ocorrer

a extensão do seu conceito para o usuário de serviços públicos concedidos. É ana-

lisada a vinculação da concessionária de serviços públicos ao CDC e aos direitos

fundamentais. Feita toda a argumentação anterior, analisa-se o direito fundamental

do consumidor a um serviço público adequado e eficiente nas concessões. Aqui é

feita a correlação com o capítulo anterior, ligando-se o usuário dos serviços públicos

concedidos à necessidade de sua tutela enquanto titular do direito fundamental do

consumidor. O desfecho da primeira parte do capítulo segundo ocorre com a ques-

tão da forma de implementação máxima do direito fundamental do consumidor. Es-

tuda-se a importância do planejamento almejando a eficiência na atuação estatal.

Na segunda parte do capítulo segundo, toda a abordagem feita nos momentos

anteriores é justificada, na medida em que o objetivo é verificar se a eficiência pode

ou não ser um meio de implementação do direito fundamental do consumidor, es-

pecialmente nas concessões de serviços públicos. Para tanto, além de ser necessá-

rio conceituar eficiência, é preciso analisar qual é a sua relevância para a Adminis-

tração Pública. Como é natural num Estado Democrático de Direito, há a necessi-

dade de serem estabelecidos meios para o controle da eficiência do serviço público,

sob pena de não ser conferida efetividade ao direito fundamental do consumidor.

Ainda que o usuário de serviço público concedido possa ser considerado como con-

sumidor caso sejam feitos os devidos temperamentos (aplicação subsidiária do

CDC nas lacunas da Lei de Concessões) e, portanto, titular de um direito fundamen-

tal, precisam ser considerados os limites econômicos para a aplicação do Princípio

da Eficiência nos contratos de concessão. Ingressa-se então na relação entre Direi-

to e Economia, a qual, infelizmente, não possui a devida e necessária consideração

dos juristas e de parcela significativa do Poder Judiciário.

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Isso apontará para a conclusão de que o melhor momento para atentar aos direi-

tos do consumidor a serem protegidos é na fase do planejamento, ou seja, anterior

à licitação. Tal argumento se justifica, porque o edital já deverá contemplar a preo-

cupação com propostas viáveis e exeqüíveis, principalmente sob o ponto de vista

econômico-financeiro. Aqui que caberia a intervenção fiscalizatória do Ministério

Público e não somente depois (durante o prazo da concessão), ocasião na qual já

se sabe que interferências nos contratos geram insegurança jurídica e desestimu-

lam investimentos. Previsibilidade e calculabilidade derivadas de um marco regula-

tório são essenciais para uma eficiente prestação de serviços.

19

CAPÍTULO I – O MARCO REGULATÓRIO LEGAL NAS CONCESSÕES

A) Definição e características do instituto 1.1 Conceitos de concessão e de serviço público 1.2 Evolução histórica das concessões 1.3 As características essenciais do contrato de concessão B) A estrutura jurídica da relação entre Poder Concedente e conces-sionária 1.4 Direitos e deveres estatutários do usuário de serviços públicos concedidos 1.5 A responsabilidade da concessionária de serviços públicos 1.6 A fiscalização da concessionária pelo Poder Concedente 1.7 Hipóteses de extinção da concessão

A partir do entendimento de José Eduardo Faria (1999),1 é possível referir

que a difícil realidade orçamentária enfrentada pelo Poder Público atualmente pode

ter origem em diversos fatores, entre os quais podem se destacar a má gestão dos

recursos e a falta de profissionalização na Administração Pública. A situação parece

se repetir de tempos em tempos, como, por exemplo, em meados do século XIX e

nos dias atuais. Se, em outras épocas, o problema estava especialmente relaciona-

do à falta de capacidade operacional do Estado (recursos humanos, máquinas etc),

hoje é possível dizer que a questão financeira está mais em voga do que nunca.

Diante disso, os governos perceberam que só poderiam prestar a contento

todas as atribuições que lhe foram conferidas pela Constituição Federal se contas-

sem com o auxílio das empresas privadas. Aqui é que assume fundamental rele-

vância o estudo das concessões de serviços públicos. Sendo estas últimas um fato

marcadamente presente na sociedade, principalmente após a metade dos anos 90,

não se pode ignorá-lo. A imposição de normas para a regulação dessa prestação do

serviço público sob a forma de concessão mereceu – e ainda merece – destaque na

doutrina e na jurisprudência, como será percebido no presente capítulo, pois esta-

belecem o ambiente normativo da regulação da exploração privada dos serviços

1 FARIA, José Eduardo (Org). O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 8-10.

20

públicos.

Inicialmente, o objetivo centrou-se em conceituar concessão e serviço público

e, após, estabelecer a diferença em relação à permissão. Foram destacadas, num

momento posterior, as Parcerias Público-privadas – PPP’s, o que parece indicar

uma tendência do legislador em fortalecer o estabelecimento de verdadeiras formas

de cooperação entre o Poder Público e os particulares na prestação dos serviços

públicos.

O passo seguinte foi estabelecer uma breve evolução histórica do instituto

das concessões de serviços públicos. Estudar a origem das concessões pode servir

para a compreensão de diversos questionamentos feitos na época presente. Da

mesma forma, é importante verificar quais são as principais características estabe-

lecidas pelo legislador para o contrato de concessão. Afinal, a autonomia da vonta-

de das partes (Poder Concedente e concessionária) sofreu limitações com a edição

da Lei 8.987/95. Foram estabelecidos direitos e deveres estatutários para o usuário

de serviços públicos concedidos, assim como a concessionária deve assumir de-

terminadas responsabilidades para a continuidade do ajuste contratual. Especial

relevância há também na manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos con-

tratos de concessão, sendo avençados parâmetros seguros entre a exigência para

o cumprimento das prestações contratuais e a devida contraprestação pecuniária

para a empresa.

A necessidade de fiscalização da concessionária pelo Poder Concedente é

outro ponto analisado neste capítulo. Se a titularidade do serviço permanece com o

Estado, é natural que haja a imposição legal para que a concessionária o preste de

modo adequado, atendendo, ainda que minimamente, às expectativas, dos usuá-

rios. Caso a empresa contratada assim não o aja, estará sujeita a inúmeras penali-

dades contratuais e, até mesmo, à extinção da concessão. Não se pode, porém,

deixar de garantir o exercício do contraditório e da ampla defesa para a concessio-

nária, seja em sede administrativa, seja junto ao Poder Judiciário.

21

A) Definição e características do instituto 1.1 Conceitos de concessão e de serviço público

A principal norma sobre concessões de serviços públicos em vigor no Brasil é a

Lei Federal 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, a qual foi regulamentada pela Medi-

da Provisória 890, de 13 de fevereiro de 1995 (Esta última perdeu a eficácia em

31/03/95.). Aliás, a citada lei regulamentou o art. 175 da Constituição Federal, que

fixou as diretrizes que deveriam nortear a elaboração da referida norma. A Lei Fe-

deral 9.074, de 7 de julho de 1995, também é extremamente relevante para o tema,

mas ela se concentrou mais sobre o setor elétrico, o qual passava, na época, por

diversas transformações, principalmente em razão das propostas de privatizações

de estatais.

Não se pode deixar de destacar também as Parcerias Público-privadas – PPP's,

que foram instituídas pela Lei 11.079, de 30.12.2004, tendo aplicabilidade para to-

das as entidades federadas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assim

como para autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de eco-

nomia mista e fundos especiais, conforme o parágrafo único do seu art. 1º. Pode-se

dizer que elas não deixam de ser uma forma especial de concessão, como entende

Hélio Saul Mileski (2006):2

Assim, com o embasamento dado pela conceituação doutrinária, passaremos ao exame da conceituação legal. Consoante o art. 2º da Lei nº 11.079/2004, "parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa". Tratando-se o contrato de parceria público-privada de um ato jurídico realizado pelo Po-der Público, ele tem de assumir a forma administrativa, sendo concretiza-do de acordo com as normas de direito público, para o atendimento do in-teresse público. Como este contrato administrativo tem por finalidade a de-legação de obras públicas e serviços públicos, envolvendo investimentos elevados que necessitam de um tempo longo para a amortização do inves-timento realizado, o legislador entendeu que a melhor forma de garantir a regularidade desses objetivos seria pelo contrato de concessão.

2 MILESKI, Hélio Saul. Parcerias Público-privadas: fundamentos, aplicação e alcance da lei, elemen-tos definidores, princípios, regras específicas para licitações e contratos, aspectos controvertidos, controle e perspectivas de aplicação da Lei nº 11.079, de 30.12.2004. Juris Plenum. Editora Plenum. Caxias do Sul, Ano II, n. 7, p. 15. Janeiro/fevereiro. 2006.

22

Complementando o conceito legal do art. 2º da Lei 11.079/04, é preciso esclare-

cer as duas modalidades de concessão contidas nos seus dois primeiros parágra-

fos. A concessão patrocinada (art. 2º, § 1º) é a concessão de serviços públicos ou

de obras públicas da Lei nº 8.987/95 quando envolver, além da tarifa cobrada dos

usuários, uma contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.

Já a concessão administrativa (art. 2º, § 2º) é o contrato de prestação de serviços

de que a Administração Pública seja usuária direta ou indiretamente, mesmo que

envolva a execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. Feito esse breve parênteses sobre o instituto inovador das PPP’s – o qual extra-

pola os objetivos deste trabalho -, cumpre destacar que as concessões já merece-

ram a atenção de todas as constituições brasileiras a partir de 1934. A partir desse

ano, todas já continham em seu texto a prerrogativa da União para estabelecer as

suas normas gerais. Haveria, assim, espaço para a realização das adaptações ne-

cessárias às características de cada ente da federação. Toshio Mukai (1997),3 no entanto, sustenta a inconstitucionalidade da Lei

8.987/95, pois o art. 175 da CF não concedeu à União a competência para editar

uma lei de caráter nacional sobre concessões e permissões de serviços públicos.

Cada ente federativo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) teria compe-

tência constitucional para editar uma lei própria nesse sentido. Mukai defende a sua

tese de inconstitucionalidade da aludida norma, argumentando que o art. 22, inciso

XXVII, da CF somente concedeu competência à União para fixar normas gerais so-

bre licitações e contratações. Sua inconstitucionalidade viria do fato da mesma tra-

zer normas específicas e procedimentais que extrapolariam os aspectos gerais. Diversamente do que foi acima sustentado por Mukai, não se percebe qualquer

inconstitucionalidade na Lei 8.987/95, já que seu texto não veda a edição de norma

específica por parte dos Estados e dos Municípios, a qual estaria adaptada às reali-

dades locais. Em que pese se possa admitir que a União tenha editado a aludida lei

de forma demasiadamente minuciosa em diversos pontos, os quais certamente ul-

3 MUKAI, Toshio. Concessões, Permissões e Privatizações de Serviços Públicos: comentários à Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e Lei n. 9.074, de 1997, das concessões do setor elétrico. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 7-8.

23

trapassam o caráter geral permitido pelo inciso XXVII do art. 22 da CF, isso não dá

lastro robusto para a argüição de inconstitucionalidade. Tal argumento pode ser fa-

cilmente constatado ao ser consultado o "site" oficial de Supremo Tribunal Federal

(www.stf.gov.br), pois lá não há registro de qualquer ação direta de inconstituciona-

lidade nesse sentido (controle concentrado de constitucionalidade). Mesmo que se

possa alegar a existência de eventual controle difuso de constitucionalidade da Lei

de Concessões, a expressiva maioria dos juristas consultados para a elaboração

desta dissertação (Marçal Justen Filho,4 Benedicto de Tolosa Filho5 e Luiz Alberto

Blanchet,6 por exemplo) não compartilha da tese de Mukai. Reforçando a linha de

raciocínio aqui defendida, Marcos Jordão Teixeira do Amaral Filho (1995)7 aduz que

a competência seria, na verdade, concorrente, razão pela qual o melhor seria que

estivesse num dos incisos do art. 24 da CF. Não é necessária, todavia, a edição de

uma lei complementar, como dispõe o parágrafo único do art. 22 da CF, pela União

para que os Estados possam legislar sobre concessões. Afastando qualquer alega-

ção de inconstitucionalidade da Lei de Concessões, acrescenta Amaral Filho:8

Essa competência (legislar sobre questões específicas ...), de fato, já é dos Estados e mesmo dos Municípios (cf., respectivamente, art. 25, § 1º, e 30, I, ambos da CF). Ademais, a União não poderia delegar competência que não tem; lembre-se que sua competência limita-se às normas gerais.

De qualquer modo, a Lei 8.987/95 pode se impor aos Estados e Mu-nicípios apenas no que se referir a normas gerais; eventuais normas es-pecíficas aplicam-se somente à própria União. [...]

Superada a questão de constitucionalidade da Lei 8.987/95, mostra-se funda-

mental adentrar na noção de serviço público. É certo que a própria origem do Direito

Administrativo está a ele vinculada. Desse modo, antes de conceituar concessão,

parece ser primordial estabelecer primeiro a definição de serviço público. Diz Ruy

4 JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética, 2003. 5 TOLOSA FILHO, Benedicto de. Leis das Concessões e Permissões de Serviços Públicos Comen-tada e Anotada. Rio de Janeiro: Aide, 1995. 6 BLANCHET, Luiz Alberto. Concessão e Permissão de Serviços Públicos. Curitiba: Paraná, 1995. 7 AMARAL FILHO, Marcos Jordão do. A concessão no contexto da reforma do Estado. In: MEDAU-AR, Odete (Coord). Concessão de serviço público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 26-27. 8 AMARAL FILHO, op. cit., p. 27.

24

Cirne Lima (1954):9

Serviço público é todo o serviço existencial, relativamente à socieda-de ou, pelo menos, assim havido num momento dado, que, por isso mesmo, tem de ser prestado aos componentes daquela, direta ou indiretamente, pelo Estado ou outra pessoa administrativa. Tito Prates da Fonseca disse, admi-ràvelmente: “Como em todas as cousas, predominam, na matéria considera-da, as duas causas, - eficiente e final. A causa final está no objectivo: presta-ção ao público. É o que vemos, por exemplo, nos estabelecimentos comerci-ais. Intervém, então, a causa eficiente da prestação para restringir a exten-são do conceito e enriquecer-lhe a compreensão. Não há serviço público que não seja, direta ou indiretamente, prestado pela administração ou pelo Esta-do”. Mas entre as duas causas, - acrescentemos, - a final governa a eficien-te: porque existencial relativamente à sociedade, é que a prestação ao públi-co tem de ser executada, direta ou indiretamente pelo Estado ou outra pes-soa administrativa. Reside o traço característico principal do serviço público, portanto, na sua condição de existencial relativamente à sociedade. E como administração se diz assim a atividade como o agente desta, também serviço público diz-se, assim a prestação ao público, como a organização de bens e pessoas, constituída para executá-la.

Nunca é demais ressaltar que o conceito acima é de uma obra da década de 50,

ocasião na qual a legislação ordinária era diversa e a Constituição Federal vigente

era a de 1946, mas, mesmo assim, se mantém atualizado. Sobre tal definição, é

imperioso referir que o serviço público ainda está vinculado à idéia de essencialida-

de para a sociedade, cabendo ao Estado, de modo direto ou indireto, suprir essa

necessidade dos administrados. O serviço público, portanto, deve ser colocado à

disposição da população, sendo incumbência do Poder Público agir de forma efici-

ente na organização de seus bens e de seus servidores para a sua execução. Caso

a prestação do serviço público seja delegada para uma concessionária, por exem-

plo, é papel do Poder Concedente estabelecer um marco regulatório claro e objetivo

para tanto.

Luiz Alberto Blanchet (1995)10 salienta que o fato de não haver uma definição

legal para serviço público pode levar à confusão com outros institutos de interesse

coletivo, como no caso de atuação do Estado na economia. Acrescenta que apenas

9 CIRNE LIMA, Ruy. Princípios de Direito Administrativo Brasileiro. 3 ed. Porto Alegre: Sulina, 1954. p. 84. 10 BLANCHET, Luiz Alberto. Concessão e Permissão de Serviços Públicos. Curitiba: Paraná, 1995. p. 13-14.

25

a análise de alguns dispositivos da CF, da Lei 8.987/95 e da Lei 9.074/95 torna pos-

sível o estabelecimento de uma definição para serviço público. Este é o entendi-

mento do autor paranaense:11

Serviço público é atividade como tal considerada pela Constituição da República ou pela lei, prestada de forma permanente (ou contínua) sub-metida ao regime de direito público, executada concreta e diretamente pelo Estado, ou por aqueles a quem tal incumbência for delegada, visando à sa-tisfação de necessidades ou à criação de utilidades de interesse coletivo. [...]

A Constituição Federal, nos seus artigos 21, incisos X, XI, XII e XV,

25, § 2º, e 30, inciso V, enumera alguns serviços públicos, mas o faz apenas exemplificativamente, pois não elimina a possibilidade de serem definidos como públicos pela legislação ordinária outros serviços públicos além dos ar-rolados constitucionalmente.

Eros Roberto Grau (1997)12 assegura que o Estado, especialmente o capita-

lista, é o agente regulador da economia, até mesmo porque já dispunha do monopó-

lio da emissão da moeda nacional (poder emissor), do poder de polícia e da prerro-

gativa de ampliação dos serviços públicos. Assevera também que “[...] não existiria

o capitalismo sem que o Estado cumprisse a sua parte, desenvolvendo vigorosa

atividade econômica, no campo dos serviços públicos.” Acrescenta ainda:

O Estado desempenha, marcadamente, função de integração capita-lista como prestador do serviço de transporte público de carga – aí a consti-tuição do sistema de transporte ferroviário e, após, marítimo. De outra parte, relembre-se o seu papel na área da saúde, instalando, na primeira metade do século, verdadeiras oficinas de controle de qualidade da mercadoria tra-balho.

Resta evidenciado, assim, que o legislador ordinário pode definir outros ser-

viços como públicos além dos que estão elencados no texto constitucional, tais co-

mo a coleta de lixo urbano, o fornecimento de energia elétrica e o tratamento de

água e esgoto. É preciso salientar, porém, que a idéia de serviço público também

11 BLANCHET, op. cit., p. 14. 12 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 19.

26

está diretamente ligada à intervenção do Estado na atividade econômica. Mônica

Spezia Justen (2003)13 destaca este aspecto logo abaixo:

A intervenção do Estado na Economia, em maior ou menor grau, re-flete-se nos modos de se organizar os serviços públicos. Assim, num modelo de Estado de Bem-estar, o Estado tende a intervir mais na Economia, na medida em que assume maior número de prestações, como prestador direto ou indireto. Um modelo neoliberal tende a reservar ao Estado um papel de controlador ou regulador dos serviços públicos, que são oferecidos em regi-me de concorrência pela iniciativa privada e apenas podem ser assumidos pelo Estado quando verificadas as chamadas “falhas de mercado”. O Estado não pode subtrair-se, no entanto, à obrigação de regrar, assegurar ou contro-lar as atividades que reconhece formalmente como serviços públicos, seja qual for o modelo econômico vigente.

Grau,14 por sua vez, diverge desta ótica. Segundo ele, a concepção de Estado

define mais ou menos amplamente o que deve ser serviço público. Registra ainda o

seguinte:

Como tenho observado, inexiste, em um primeiro momento, oposi-ção entre atividade econômica e serviço público; pelo contrário, na segun-da expressão está subsumida a primeira.

[...]

A prestação de serviço público está voltada à satisfação de necessi-dades, o que envolve a utilização de bens e serviços, recursos escassos. Daí podermos afirmar que o serviço público é um tipo de atividade econô-mica.

Serviço público – dir-se-á mais – é o tipo de atividade econômica cu-jo desenvolvimento compete preferencialmente ao setor público. Não ex-clusivamente, note-se, visto que o setor privado presta serviço público em regime de concessão ou permissão.

Desde aí poderemos também afirmar que o serviço público está para o setor público assim como a atividade econômica está para o setor priva-do.

[...]

Ao afirmar que serviço público é tipo de atividade econômica, a ela atribuí a significação de gênero no qual se inclui a espécie, serviço públi-co.

13 SPEZIA JUSTEN, Mônica. A noção de serviço público no direito europeu. São Paulo: Dialética, 2003. p. 225-226. 14 GRAU, op. cit., p. 131.

27

A partir desta concepção, é imprescindível procurar elementos que expliquem

como uma determinada atividade pode ser entendida como serviço público. Afinal,

nem tudo pode ser caracterizado como tal. Esclarece Dinorá Adelaide Musetti Grotti

(2003):15

Cada povo diz o que é serviço público em seu sistema jurídico. A qualificação de uma dada atividade como serviço público remete ao plano de concepção sobre o Estado e seu papel. É o plano da escolha política, que pode estar fixada na Constituição do país, na lei, na jurisprudência e nos costumes vigentes em um dado momento histórico. [...]

Disto deflui que não há um serviço público por natureza ou por es-sência. Só o serão as atividades que estiverem definidas na Constituição Federal – ou na própria lei ordinária, desde que editada em consonância com as diretrizes ali estabelecidas -, decorrendo, portanto, de uma decisão política.

A observação acima feita pela administrativista paulista mostra-se importante,

na medida em que a noção de serviço público pode sofrer variações em função do

modelo de Estado adotado, bem como da cultura e dos costumes vigentes. Partin-

do-se da premissa de que o modelo de Estado seja o capitalista e tomando como

lastro o entendimento de Cirne Lima, Grau, Grotti e Blanchet, serviço público pode

ser definido como a atividade essencial a ser prestada pelo Estado aos administra-

dos, cuja titularidade é dele e com ele permanecerá, mesmo que a prestação ocorra

mediante concessão ou permissão. Tal conceituação harmoniza-se com o disposto

no art. 175 da Constituição Federal.

Estando definido serviço público, resta agora analisar concessão. Ela é, sem

dúvida, uma forma de descentralização da prestação dos serviços públicos. José

Cretella Júnior (1997)16 ressalta, inicialmente, que concessões são atos que confe-

rem uma nova condição jurídica para determinadas pessoas. Após, o professor pau-

15 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. São Pau-lo: Malheiros, 2003. p. 87-88. 16 CRETELLA JÚNIOR, José. Dos contratos administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 127.

28

lista define concessão da seguinte forma:

Em sentido técnico, preciso, concessão é a transferência, temporária ou resolúvel, por uma pessoa coletiva de Direito Público, de poderes que lhe competem para outra pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, a fim de que esta execute serviços por sua conta e risco, mas no interesse geral.

Com efeito, além dos casos em que, por meio dos próprios órgãos, o Estado e as outras pessoas jurídicas públicas exercitam inúmeras vezes as suas funções e os serviços públicos que lhe são inerentes, existem outros casos em que o mesmo se verifica através dos particulares, pessoas físicas ou jurídicas, por meio de concessões.

O concessionário de funções ou serviços públicos, em virtude do ato de concessão, não passa a fazer parte da organização administrativa do Es-tado, nem se torna órgão do Estado. Nem se coloca diante do Estado numa relação de serviço como o empreiteiro no contrato de locação de obra, as-sumindo, porém, o exercício da função ou serviço como simples particular, em seu nome e por conta própria.

Da passagem acima é oportuno salientar que, apesar do concessionário execu-

tar um serviço cuja titularidade é do Estado, não passa a integrar a Administração

Pública. A empresa contratada executará o serviço concedido por sua conta e risco,

almejando obter lucro com a sua atividade, como, aliás, é perfeitamente natural num

sistema capitalista. O Estado se desonera de prestar diretamente o serviço, todavia

isso não pode levar-lhe a impedir que o concessionário tenha retorno financeiro com

a situação, sob pena de haver falta de interessados. Ignorar a noção de lucro aqui

equivaleria a desconsiderar o contexto fático-social do século XXI.

Luis Morell Ocaña (1998)17 assevera que a concessão nada mais é do que a

criação de condições para que um particular esteja legitimado a atuar numa área

exclusiva da Administração Pública. A empresa contratada tem uma titularidade de-

rivada do Poder Público que lhe outorgou a concessão do serviço. O professor ca-

tedrático da Universidade Complutense de Madri salienta também: “A titularidade

própria e típica do concessionário é um poder jurídico em virtude do qual está legi-

timado, pela Administração Pública outorgante, para criar uma determinada unidade

17 OCAÑA, Luis Morell. Curso de Derecho Administrativo. La Actividad de las Administraciones Pú-blicas, su Control Administrativo y Jurisdiccional. Tomo II. 3 ed. Pamplona: Aranzadi, 1998. p. 135. Tradução livre.

29

produtiva, destinada à produção das prestações próprias do serviço.” Por fim, a-

crescenta que a titularidade é abstrata, mas legitima o concessionário a montar e a

desenvolver uma prestação de serviço público, que é própria do Poder Concedente.

Vera Maria de Oliveira Nusdeo Lopes (1997)18 aponta que há duas teorias a

respeito da natureza jurídica das concessões de serviço público: a contratualista e

do ato administrativo. A primeira teoria (aliás, é a majoritária) entende que a con-

cessão é uma espécie de contrato administrativo. Consoante Lopes19, para a maio-

ria dos administrativistas (Dentre os quais podem ser mencionados: Maria Sylvia

Zanella Di Pietro, José Cretella Júnior, Lúcia Valle Figueiredo, Hely Lopes Meirelles

e Manoel de Oliveira Franco Sobrinho.) clara é a sua natureza contratual, ainda que

as cláusulas do ajuste não sejam discutidas livremente pelas partes. Já a segunda

teoria entende que a concessão de serviço público é um ato administrativo. Ela é

minoritária no Brasil, tendo entre os seus defensores os seguintes doutrinadores:

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e Celso Antônio Bandeira de Mello. Explicando-

a de forma mais pormenorizada, registra Lopes:20

Segundo esse entendimento, há no instituto da concessão, pelo qual um particular passa a ser prestador de um dado serviço público segundo as condições estabelecidas pelo Poder Público, um ato administrativo, pelo simples fato de não haver qualquer negociação de vontades acerca das cláusulas – característica principal dos contratos.

Essa teoria subdivide-se em duas. A que entende existir apenas um

ato administrativo unilateral, pelo qual a Administração comete a execução do serviço público a uma pessoa física ou jurídica privada segundo regras pré-estabelecidas, encontrando-se as partes em posição de desigualdade. Segundo esse entendimento, pois, a concessão, é mais uma manifestação do poder do império do Estado, e a vontade do particular pouco ou nada concorre para a sua formação. [...]

[...] A outra entende a concessão como um ato administrativo complexo.

Num primeiro momento, dá-se a fixação unilateral por parte da Administra-ção das regras e condições de funcionamento e prestação do serviço pú-blico. Num segundo momento, há um ato de vontade do particular que se insere naquelas condições estabelecidas unilateralmente pelo Poder Públi-

18 LOPES, Vera Maria de Oliveira Nusdeo. O Direito à Informação e as Concessões de Rádio e Tele-visão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 82. 19 LOPES, op. cit., p. 84. 20 LOPES, op. cit., p. 83.

30

co e, finalmente, há um último momento com natureza contratual, onde se garante a equação econômico-financeira do negócio, conseqüentemente os lucros do concessionário.

Mais adiante, Lopes acrescenta ainda que já há uma teoria mista, segundo a

qual a parte relativa à definição do serviço público e à forma como o mesmo será

prestado possui características de ato administrativo, enquanto que haveria elemen-

tos de contrato administrativo na remuneração e no equilíbrio econômico-financeiro.

Considerando todos os argumentos retro expostos, acompanha-se, nesta disserta-

ção, o posicionamento da doutrina majoritária, entendendo que a concessão de ser-

viço público é sim uma modalidade de contrato administrativo. A posição aqui ado-

tada encontra lastro robusto na definição abaixo de concessão de serviço público

para Juarez Freitas (1995):21

A concessão em pauta pode ser definida como delegação da presta-ção de serviço público – encetada pela entidade estatal (União, Estados, Dis-trito Federal ou Município) em cuja competência se encontre o aludido servi-ço -, por meio de contrato administrativo, bilateral e oneroso, precedido de li-citação nas modalidades concorrência ou leilão, a pessoa jurídica ou a con-sórcio de empresas capazes de assumi-lo por prazo determinado e por sua conta e risco, em harmonia com as exigências dos princípios regentes da Administração Pública, inclusive o da economicidade.

Benedicto de Tolosa Filho (1995)22 diz que, em lugar de deixar para a doutrina a

tarefa de estabelecer um conceito para concessão, a Lei 8.987/95 preferiu fazê-lo

no seu art. 2º.20 Assim, o jurista não quis arriscar construir uma definição para con-

cessão, pois entende que a lei ordinária já o fez de forma satisfatória. Além de con-

21 FREITAS, Juarez. Estudos de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 39. 22 TOLOSA FILHO, Benedicto de. Leis das Concessões e Permissões de Serviços Públicos Comentada e Anotada. Rio de Janeiro: Aide, 1995. p. 23-25. 20 Art. 2º - Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:

I – o poder concedente: a União, os Estados, o Distrito Federal ou Município, em cuja competência se encontre o serviço público, precedido ou não da execução de obra pública, objeto de concessão ou permissão; II – concessão do serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modali-dade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado; III – concessão do serviço público precedida da execução da obra pública: construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegado pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do servi-ço ou da obra por prazo determinado; IV – permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para o seu desempenho, por sua conta e risco.

31

ceituar concessão de serviço público, o art. 2º da Lei 8.987/95 também o fez em

relação à permissão de serviço público, assim como estabeleceu o que vem a ser

Poder Concedente.

Marcos Maurício Taborda (1995)23 ressalta que as duas principais e mais co-

muns formas de concessão são as seguintes: concessão de serviço público e con-

cessão de obra pública (Saliente-se que há ainda uma terceira forma, que é a con-

cessão de uso de bem público.). A concessão de serviço público foi definida no inci-

so II do art. 2º da Lei de Concessões. Taborda conceitua a concessão de obras pú-

blicas como um contrato administrativo em que há a delegação, para um particular,

da execução e exploração de uma obra pública ou de interesse público, com o uso

voltado para a coletividade, mediante a remuneração por tarifa para a concessioná-

ria.

Antes de prosseguir, é primordial esclarecer aqui, desde já, que será atribuída

total ênfase à concessão de serviço público na presente dissertação. As demais

modalidades de concessão acima aludidas deixarão, assim, de ser pormenorizada-

mente analisadas. Esta opção justifica-se pelo fato de, especialmente no seu capí-

tulo segundo, o presente trabalho abordar o direito fundamental do usuário enquan-

to consumidor à prestação de um serviço público adequado e eficiente nas conces-

sões.

Outra questão que restou esclarecida pela definição legal é que há distinção en-

tre concessão e permissão de serviços públicos. Na primeira, o Poder Público dele-

ga a prestação de serviços a entidades públicas ou privadas. Essas últimas a exe-

cutam por sua conta e risco, sendo que sua remuneração, usualmente, é paga pe-

los usuários. A principal característica diferenciadora da permissão é a sua precari-

edade, pois, em geral, não exige autorização legislativa e admite qualquer tipo de

licitação. Pode ser formalizada por contrato de adesão tanto com pessoas jurídicas

quanto com pessoas físicas (a concessão é só para pessoas jurídicas ou consórcio

de empresas). Ademais, o contrato pode ser por prazo indeterminado (a concessão

23 TABORDA, Marco Maurício. O contrato de concessão. In: MEDAUAR, Odete (Coord). Concessão de serviço público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 84-85.

32

é por prazo determinado).

Com base no conceito legal, é possível constatar que a titularidade do serviço

público permanece com o Estado, havendo a delegação apenas da sua prestação

para a iniciativa privada. Desse modo, cabe à Administração Pública fiscalizar a

prestação dos serviços, assegurando que os mesmos sejam adequados e eficien-

tes. Ao final da concessão, os bens reverterão ao Poder Concedente. Por outro la-

do, por se tratar de um contrato, cabe também ao Estado garantir o cumprimento

das cláusulas contratuais, fundamentalmente da equação econômico-financeira.

Impõe-se aqui destacar igualmente que as concessões de serviços públicos não

são apenas uma realidade brasileira. É fato que não é só o Estado brasileiro que

não dispõe de recursos operacionais, enfrenta problemas de gestão ou não possui

capital suficiente para oferecer serviços públicos essenciais para a sua população.

O instituto está presente até hoje em países europeus, como, por exemplo, na

França e na Itália. Dão especial ênfase às concessões os professores catedráticos

da Universidade Complutense de Madri Eduardo García de Enterría e Tomás-

Ramón Fernández (1997):24

A concessão dos serviços públicos foi uma das figuras chaves da Administração tradicional, porque, partindo do prejuízo liberal contra a capa-cidade mercantil e industrial da Administração, vinha a resolver o problema da gestão de serviços públicos, cuja exploração requeria uma técnica em-presarial, interpondo, para dita gestão, uma empresa privada.

Outro aspecto a ser destacado do conceito é a obrigatoriedade da licitação pré-

via à concessão. A questão é disciplinada minuciosamente pelos arts. 14 a 22 da

Lei 8.987/95, sendo aplicada, apenas subsidiariamente, a Lei 8.666, de 21.06.1993

(Lei de Licitações) no que for com ela compatível. Conforme o seu art. 15, o julga-

mento do certame deve observar necessariamente um dos seguintes critérios: a) o

menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado (inciso I); b) a maior oferta

nos casos de pagamento ao Poder Concedente pela outorga da concessão (inciso

24 ENTERRÍA, Eduardo García de; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Derecho Administrativo. v. I. 8 ed. Madrid: Editorial Civitas, 1997. p. 641. Tradução livre.

33

II); c) a combinação, dois a dois, dos critérios contidos nos incisos I, II e VII; d) a

melhor proposta técnica com o seu preço fixado no edital licitatório (inciso IV); e) a

melhor proposta a partir da combinação dos critérios de menor valor da tarifa do

serviço público a ser prestado com o de melhor técnica (inciso V); f) a melhor pro-

posta mediante a combinação dos critérios de maior oferta pela outorga da conces-

são com o de melhor técnica (inciso VI); g) a melhor oferta de pagamento pela ou-

torga da concessão após a qualificação de propostas técnicas (inciso VII). O seu

art. 19 permite a participação de consórcios na licitação, porém a empresa líder,

perante o Poder Concedente, será a responsável pelo cumprimento das prestações

contratuais, havendo, contudo, a responsabilidade solidária das empresas consorci-

adas (§ 2º do art. 19).25 Os demais aspectos do certame, por fugirem do foco desta

dissertação, não serão aqui aprofundados.

Não se pode deixar de mencionar aqui a crítica feita por Marçal Justen Filho

(2003)26 ao conceito de concessão insculpido no art. 2º da Lei 8.987/95. Analisando

o aludido dispositivo legal, o autor diz que é apresentada uma função prescritiva e

não descritiva ou normativa. Segundo seu raciocínio, “a definição de um instituto

jurídico consiste na sua individualização, o que se faz essencialmente por meio da

identificação do suporte fático juridicizado e do regime jurídico derivado.” No seu

entendimento, um conceito é a descrição das características normativas apresenta-

das por certa figura, permitindo sua diferenciação de outros fenômenos. A crítica de

Justen Filho é embasada no fato de que o conceito de concessão contido no art. 2º

acaba definindo e constituindo o regime jurídico-aplicável de modo simultâneo. Se-

gundo ele, o fato deveria ocorrer em momentos distintos.

1.2 Evolução histórica das concessões

Apesar de já existirem registros de práticas semelhantes às concessões durante

o Império Romano, foi na Idade Média (também chamada de Idade das Trevas) que

25 No Rio Grande do Sul, podem ser citados como exemplo o Consórcio Univias e as suas empresas consorciadas Convias S.A. Concessionária de Rodovias, Metrovias S.A. Concessionária de Rodovi-as e Sulvias S.A. Concessionária de Rodovias. 26 JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética, 2003. p. 54.

34

o instituto ganhou alguma relevância. São daquele período histórico as concessões

senhoriais e as concessões reais. De acordo com Odete Medauar (1995),27 as pri-

meiras consistiam na transferência da administração dos feudos ou na exploração

de atividades em domínios do senhor feudal. A exploração de minas é um bom e-

xemplo deste tipo de concessão. A professora paulista assevera ainda que eram

fixadas diretrizes para a remuneração do vassalo, o qual poderia receber terras ou

rendas em troca do serviço prestado. O próprio senhor feudal fiscalizava a presta-

ção do serviço concedido, podendo, inclusive, rescindir o contrato unilateralmente

sem que tivesse ocorrido qualquer mácula por parte do vassalo. Acrescenta ainda

Medauar:28 “O concessionário exercia, no todo ou em parte, os poderes do senhor

sobre seus subordinados. Deveriam ser respeitados direitos de terceiros. As condi-

ções das concessões tinham por base um censier, isto é, um documento onde já

estavam fixadas as obrigações do concessionário.” Justen Filho29 refere que foi apenas ao longo do século XIX que o instituto efeti-

vamente ganhou forma e veio a consolidar-se. Ressalta também que, até o final do

século XVIII, a concessão estava relacionada aos privilégios concedidos pelo sobe-

rano aos seus protegidos, os quais eram, principalmente, os integrantes da nobre-

za. Tais privilegiados tinham o monopólio do desenvolvimento de várias atividades,

especialmente as lucrativas. Um bom exemplo citado pelo autor paranaense são as

companhias de chá, que detinham a titularidade exclusiva de comercialização do

produto nas colônias da América. Se, todavia, os concessionários do século XVII

tinham poucas salvaguardas, Justen Filho salienta que, no século XVIII, a situação

era diversa, pois lhe foram assegurados alguns direitos, tais como a possibilidade

de indenização em caso de culpa da Administração e a rescisão unilateral sem cul-

pa do particular. O desenvolvimento alcançado pelos países europeus após a Revolução Fran-

cesa e a queda de Napoleão Bonaparte propiciaram condições para que fossem

planejadas diversas melhorias nos serviços públicos. Conforme Almiro do Couto e

27 MEDAUAR, Odete. A figura da concessão. In: MEDAUAR, Odete (Coord). Concessão de serviço público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 11-13. 28 MEDAUAR, op. cit., p. 12. 29 JUSTEN FILHO, op. cit., p. 51.

35

Silva (1995),30 o Estado do século XIX não possuía recursos financeiros suficientes

nem tinha pessoal técnico especializado para assumir a prestação dos serviços pú-

blicos. Qual seria a solução mais adequada ? O ex-Ministro do Supremo Tribunal

Federal, Paulo Brossard (2001),31 dá a resposta:

Por este motivo e também porque era mais fácil, e expedito, delegar do que fazer, até porque fazer, creio que as organizações estatais de então não tinham elemento humano e tecnológico suficiente para assumir este uni-verso de novidades, o certo é que começaram então estas obras a ser dele-gadas e a quem ? Àqueles que tivessem recursos e capacidade de coletar e de buscar o elemento humano necessário em qualquer lugar do mundo. Daí começaram as concessões. Diga-se de passagem, concessões estas que não obedeceram a um plano sistemático, mas foram se impondo de maneira empírica, na medida que se tornava necessário ou possível a realização des-tas obras.

A concessão, por esta razão, foi a alternativa encontrada para tornar viável o

cumprimento desta atribuição. Os concessionários, por sua conta e risco e durante

um prazo prolongado, construíram as obras e prestaram os serviços necessários à

população. A longa duração dos contratos (às vezes de até cem anos) foi uma das

formas encontradas para possibilitar o retorno do investimento financeiro.

É claro que esse "casamento" acabou trazendo vantagens para ambas as par-

tes, já que o Estado nada gastava e, ao final do contrato, recebia a obra pronta, en-

quanto que o particular tinha assegurada a exploração dos serviços públicos por

prazo dilatado. Além disso, era bem comum que os contratos administrativos fos-

sem extremamente favoráveis aos particulares, até mesmo porque o liberalismo

estava em alta com pujante crescimento econômico. Assim, no século XIX, foram

construídas em vários países europeus, especialmente na França, inúmeras vias

férreas, além de terem sido implantadas redes de distribuição de água, gás, trans-

portes urbanos e eletricidade. Foi o início dos contratos de concessão de obras pú-

blicas e de serviços públicos.

30 COUTO E SILVA, Almiro do. Os Indivíduos e o Estado na Realização de Tarefas Públicas. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1995. p. 15-16. 31 BROSSARD, Paulo. Evolução e Características do Contrato de Concessão. In: Anais do Seminário Jurídico - Concessões de Serviços Públicos. Foz do Iguaçu: Escola Nacional da Magistratura e Aca-demia Internacional de Direito e Economia, 2001. p. 160.

36

A partir da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a situação mudou drastica-

mente. Houve uma enorme instabilidade econômica e monetária após o final do

conflito, principalmente no final da década de 30 e no início da década de 40, cau-

sando grave dificuldade para o cumprimento dos contratos em vigor por parte dos

concessionários. Brossard32 cita como exemplo os serviços de eletricidade na Fran-

ça. Sua base era o carvão, mas o preço da matéria-prima aumentou de forma as-

sustadora de um ano para o outro. O preço da eletricidade, todavia, fora fixado para

durar um século. Acrescenta Brossard que as concessionárias ingressaram no Po-

der Judiciário Francês, porém, mesmo que tenham ido até a Corte de Cassação,

não tiveram sucesso. O motivo seria o disposto no art. 1.134 do Código Civil Fran-

cês, que traz o tradicional preceito do pacta sunt servanda. Por fim, registra o ex-

Ministro do Supremo Tribunal Federal: “O Conselho de Estado, no entanto, enten-

deu de aceitar a nova realidade como se fosse caso de força maior. Depois, foi edi-

tada a Lei Failliot, em 1918, que sancionava a jurisprudência do Conselho de Esta-

do da França.” Apesar disso, o instituto das concessões estava em franca decadên-

cia.

Somado à guerra e a todos os problemas dela decorrentes (caos social, falta de

estrutura, destruição de grandes áreas nas cidades, ...), o Estado não efetuava a

revisão tarifária necessária para ser mantido o equilíbrio econômico-financeiro dos

contratos de concessão. É preciso relembrar que os pactos eram de longa duração.

Com isso, os serviços públicos passaram a ter acentuada perda de qualidade. Cou-

to e Silva33 relata que foi inevitável a instauração de vários atritos entre o Estado e

os particulares, especialmente em virtude da tentativa dos segundos em manter ou

aumentar as margens de lucro com o mínimo de investimento. Como se não bas-

tasse, os particulares não tinham a intenção de adaptar os serviços às novidades

tecnológicas. O Poder Público ficara como verdadeiro refém dos particulares, pois

não podia forçá-los a uma adaptação aos novos tempos face às cláusulas contratu-

ais por ele mesmo oferecidas aos concessionários.

32 BROSSARD, op. cit., p. 160-161. 33 COUTO E SILVA, op. cit., p. 17-18.

37

Para tentar resolver o impasse, o Poder Concedente procurou modificar várias

das cláusulas dos contratos de concessão. A tentativa, ao invés de estimular as

concessões, acabou por levar ao desinteresse das empresas por novos empreen-

dimentos do mesmo tipo. A solução foi o próprio Estado assumir diretamente a

prestação dos serviços. É a chamada “nacionalização dos serviços públicos”, típica

dos Estados fascistas, nazistas ou ditatoriais. Brossard34 registra que a primeira ten-

tativa foi através da criação das autarquias. Estas últimas não deram o resultado

esperado (talvez porque não tivessem a agilidade e a gestão exigidas para a con-

cessão). Ganharam força a partir de então as concessões outorgadas diretamente a

entes da Administração Pública Indireta (sociedades de economia mista e empresas

públicas), pois tinham uma concepção mais voltada para o instituto.

No que diz respeito ao Brasil, as concessões foram largamente utilizadas ao

longo do século XIX, tendo a construção das ferrovias como destaque (por exemplo,

a conhecida ferrovia que ligava Porto Alegre a São Leopoldo foi construída com in-

vestimento estrangeiro). É dessa época a Lei Geral 641, de 26 de junho de 1852,

que tratava justamente das concessões ferroviárias. Nas primeiras décadas do sé-

culo XX, a concessão foi também aplicada para setores como o de energia elétrica.

Justen Filho35 ressalta, porém, que houve perda do seu prestígio após a metade do

século XX, principalmente devido à encampação ou à “nacionalização dos serviços

concedidos” e ao fato do Estado não assegurar a manutenção de condições essen-

ciais para os concessionários. Os serviços públicos concedidos passaram, via de

regra, a ser prestados diretamente pelo Estado. Afinal, a necessidade da população

– andar de ônibus ou de trem, por exemplo – exigia a sua continuidade. Adriano Murgel Branco (2007),36 consultor de políticas públicas e ex-

Secretário de Estado dos Transportes e da Habitação, destaca que, no começo do

século XX, o surgimento de serviços de interesse público (telefonia e transportes

por bondes, por exemplo) levou a um esforço regulamentador, cujo marco inicial

coube a Alfredo Valladão. Em 1904, o jurista publicou a obra denominada de “Dos

34 BROSSARD, op. cit., p. 161. 35 JUSTEN FILHO, op. cit., p. 52. 36 BRANCO, Adriano Murgel. A doutrina e o conceito dos serviços públicos. Regulação em Pauta, Verbena, Goiânia, v. 2, ano 01, p. 39, nov. 2006.

38

Rios Públicos e Particulares”. Ressaltando a importância do trabalho, Branco asse-

vera ainda:

Embora voltado para a regulamentação do aproveitamento das á-guas, o trabalho do dr. Valadão se desenvolveu até a sua transformação no Código de Águas, que o presidente Getúlio Vargas decretou em 11 de julho de 1934, contemplando toda a regulamentação do uso das águas e da concessão da exploração da hidroeletricidade.

Egon Bockmann Moreira (2005)37 destaca que, durante o primeiro governo

de Getúlio Vargas (1930-1945), houve uma forte ação interventiva do Estado nas

concessões, especialmente com a edição do Decreto 22.626/33 (Lei da Usura) e do

Decreto 23.510/33 (proibição da "cláusula-ouro") (ela previa o pagamento da remu-

neração do concessionário em ouro ou em moeda estrangeira (libra e dólar, princi-

palmente)). Tais decretos, segundo o autor, praticamente proibiram o reajuste das

tarifas cobradas pelos concessionários, até mesmo porque a Constituição de 1891

(vigente na época) não continha as cláusulas de proteção ao ato jurídico perfeito e

de direito adquirido (Aliás, ela nem ao menos tratava de concessão. Foi somente a

partir da Constituição Federal de 1934 que houve previsão quanto ao instituto.). Na

década de 50, acrescenta Moreira, a inflação acabou afastando os investidores da

área, pois a sua contraprestação foi drasticamente reduzida. Afinal, consoante

Brossard,38 muitos contratos eram do século XIX, cuja execução se estendia para o

século XX. Além da desvalorização da moeda, as tarifas foram congeladas, trans-

formando as concessões em algo totalmente arcaico.

Paralelo a tudo isso, houve uma intensa campanha de nacionalização dos

serviços públicos, a qual acabou se consolidado durante o regime militar (1964-

1985). O surgimento de diversas empresas estatais nos anos 70 freou e muito o

instituto das concessões para a iniciativa privada. Como exemplo do declínio das

concessões pode ser mencionada a criação da Rede Ferroviária Federal – RFFS.A.

37 MOREIRA, Egon Bockmann. Contrato de Concessão de Serviço Público: Sua Compreensão Con-temporânea. Revista Zênite. ILC Informativo de Licitações e Contratos. Curitiba, Ano XII. v. 138. p. 676-677. agosto. 2005. 38 BROSSARD, op. cit., p. 162.

39

- uma sociedade de economia mista, que estava vinculada ao Ministério dos Trans-

portes - através da autorização conferida pela Lei 3.115, de 16 de março de 1957.

Posteriormente, todavia, a estatal foi dissolvida pelo Decreto 3.277, de 7 de dezem-

bro de 1999, que foi alterado pelo Decreto 4.109, de 30 de janeiro de 2002, pelo

Decreto 4.839, de 12 de setembro de 2003, e pelo Decreto 5.103, de 11 de junho de

2004. Desde 17 de dezembro de 1999, a RFFS.A. está em processo de liquidação

judicial. A sociedade passava a perceber que o Estado não tinha a necessária ca-

pacidade financeira para investir na melhoria na prestação do serviço público.

O revigoramento das concessões – um instituto de características similares à

ave mitológica fênix em terras brasileiras – começou a ganhar contornos nos anos

80, principalmente pela falta de capacidade de investimento do Estado na execução

dos serviços públicos. Foi, todavia, em 1993, por ocasião da implantação do Pro-

grama Federal de Concessões de Rodovias para a iniciativa privada, que as con-

cessões ressurgiram expressivamente no cenário jurídico nacional. Flávio Amaral

Garcia (2004)39 ressalta, no entanto, que as licitações não tiveram seu andamento

usual, já que não havia ainda definição em relação ao marco regulatório. Dessa

forma, foi apenas após o ingresso da Lei 8.987/95 no ordenamento jurídico pátrio

que o programa efetivamente acabou se desenvolvendo da forma planejada. Regis-

tre-se que a necessidade de edição de uma lei sobre concessões já vinha desde a

promulgação da Constituição Federal de 1934. Foi sanada, portanto, uma lacuna

de, aproximadamente, 61 anos.

Segundo Ricardo Pereira Soares e Carlos Álvares da Silva Campos Neto

(2006),40 a escolha do vencedor da licitação relativa ao programa acima menciona-

do ocorria em função da menor tarifa de pedágio. Os contratos tinham prazos prefi-

xados de 20 a 25 anos. Além disso, eram baseados num plano de investimentos

que contemplava igualmente exigências de critérios de segurança das rodovias, o

qual deveria ser parcialmente cumprido em tempo prévio ao início da cobrança de

39 GARCIA, Flávio Amaral. Regulação Jurídica das Rodovias Concedidas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 48. 40 SOARES, Ricardo Pereira; CAMPOS NETO, Carlos Álvares da Silva. Das concessões rodoviárias às parcerias público-privadas: preocupação com o valor do pedágio. Disponível em: <http://www.anpec.org.br>. Acesso em 19 abr. 2007.

40

pedágio. O programa teve início, ainda em 1995, com a concessão da rodovia Rio–

Petrópolis–Juiz de Fora. Logo em seguida, em 1996, foram objeto de concessão a

rodovia Presidente Dutra (Rio–São Paulo), a Ponte Rio-Niterói e a rodovia Rio–

Teresópolis–Além Paraíba. Soares e Campos Neto acrescentam ainda: “Esta etapa

foi concluída em 1997, com a Osório–Porto Alegre–Acesso Guaíba (...), o que re-

presentou a transferência de 856,4 km de estradas à iniciativa privada na modalida-

de ROT (Recuperar, Operar e Transferir)”. Não se pode ignorar que a década de 90 foi marcada pela “onda neoliberal”

das grandes privatizações, característica, aliás, marcante do governo do ex-

Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Conseqüente-

mente, houve a outorga de concessões de serviços públicos em setores estratégi-

cos para a iniciativa privada. Podem ser citados os seguintes exemplos: setor de

telefonia => Brasil Telecom, setor de energia elétrica => Rio Grande Energia S.A. –

RGE e setor rodoviário => a Caminhos do Paraná S.A. No Rio Grande do Sul, as privatizações ocorreram durante o governo de An-

tônio Britto (1995-1998). Destas, podem ser destacadas a da Companhia Riogra-

dense de Telecomunicações – CRT e os dois terços da Companhia Estadual de

Energia Elétrica – CEEE. Além disso, foi implantado, nesta mesma época, o Pro-

grama Estadual de Concessões Rodoviárias. Sobre esse período, Garcia41 destaca

ainda:

O Estado do Rio Grande do Sul desenvolveu modelo peculiar deno-minado “Pólo de Concessão Rodoviária”. O objetivo foi estabelecer trechos rodoviários convergentes para um determinado pólo comum (que recebe o nome do Município de convergência das rodovias que o constituem). No total foram formados nove pólos, constituídos de rodovias estaduais e de rodovias federais delegadas. Os pólos representam as regiões mais desenvolvidas do Estado e que, por conseguinte, permitem o retorno dos investimentos priva-dos.

O critério de julgamento adotado foi o de maior oferta de recupera-

ção e manutenção de trechos, com o prazo dos contratos sendo fixado em 15 anos.

41 GARCIA, op. cit., p. 58.

41

Gize-se que o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual ajui-

zaram diversas ações civis públicas contra várias concessionárias de rodovias (por

exemplo, Metrovias S.A. Concessionária de Rodovias (pólo de Guaíba/RS) e Con-

vias S.A. Concessionária de Rodovias (pólo de Caxias do Sul/RS)). Eram questio-

nados, em síntese, elementos da licitação, os contratos em si e a localização das

praças de pedágio. Por fugirem ao cerne da presente dissertação, tais situações

não merecerão aqui um exame mais aprofundado.

Hoje, apesar de ainda haver muita resistência a diversos tipos de concessão,

é possível afirmar que o instituto está fortalecido e consolidado. Concessionárias

como Brasil Telecom, AES Sul Distribuidora Gaúcha de Energia S.A. e Rio Grande

Energia S.A., para citar algumas das mais conhecidas, fazem parte do cotidiano dos

brasileiros, que utilizam em larga escala os respectivos serviços públicos que lhe

foram concedidos. Em que pese ainda existirem empresas estatais em alguns seto-

res concedidos (por exemplo, a Companhia Estadual de Energia Elétrica – CEEE no

setor elétrico), é temerário achar que o Estado teria condições de, sozinho, realizar

todos os investimentos que são necessários para o bom funcionamento dos servi-

ços públicos e da própria sociedade. Confirmando este fato, assevera Garcia42 em

relação à situação das rodovias:

Diante deste quadro de ausência de recursos públicos para constru-ção e manutenção das rodovias brasileiras é que se sustenta ser legítima a opção de parceria com a iniciativa privada, via contrato de concessão, com investimentos a cargo do concessionário particular e remuneração obtida a partir da cobrança de pedágio aos usuários; afinal, é socialmente mais justo que os usuários – que se beneficiam do serviço – financiem, por meio do pa-gamento do pedágio, os melhoramentos na rodovia do que este ônus recair sobre todo o resto da sociedade.

Um forte argumento para demonstrar que o instituto está se consolidando no

Brasil é a intenção da União em promover a segunda fase do Programa de Conces-

sões das Rodovias Federais em dezembro de 2005. Consoante matéria da Revista

42 GARCIA, op. cit., p. 60.

42

Marco - Regulação e Desenvolvimento (2007),43 o Tribunal de Contas da União –

TCU “[...] autorizou a privatização de sete trechos de rodovias federais, num total de

2.6 mil quilômetros que passam por Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina e Rio

de Janeiro.” Acrescenta ainda: “O ministro-relator do TCU, Augusto Nardes, se ba-

seou na seguinte constatação: as empresas privadas (concessionárias) tendem a

obter maior eficiência que o governo.” A mesma reportagem destaca que somente

6% das rodovias foram concedidas até o momento. Em pesquisas realizadas por

diversos institutos e associações,44 79,8% dos usuários entrevistados avaliaram os

trechos pedagiados como “ótimos” e “bons”, enquanto que, nas estradas que per-

manecem com o Estado, o índice de satisfação caiu para 20,2 %.

A tendência de privatização de estatais é especialmente potencializada pelas

Parcerias Público-privadas. Afinal, o Estado é globalizado, vigorando a chamada

sociedade da informação. Não se pode deixar de ressaltar também aqui a crise en-

frentada pelo Estado do Bem-estar Social (“Welfstare State”) para reforçar a reali-

dade acima apontada. Para ilustrar esta situação, é imperioso destacar o entendi-

mento de Zuleta Puceiro (1999):45

A partir da segunda crise internacional do petróleo em 1979, suces-sivos fenômenos de recessão, déficit fiscal, incremento dos níveis de de-semprego, trasbordamento dos contextos tradicionais das políticas sociais e perda geral da competitividade internacional, provocaram uma crise global do Estado de Bem-estar.

[...]

Desregulamentação e privatização passam a ser aspectos centrais

de uma mudança global que envolve governos, ideologias e estilos de ges-tão administrativa com relativa autonomia em função das condições concre-tas de cada país.

As economias ocidentais protagonizam uma mudança acelerada da

sociedade industrial de capitalismo industrial, organizada em torno do eixo capital/trabalho, em direção a uma sociedade pós-capitalista baseada na primazia da informação e do conhecimento. Essa mudança, por outro lado,

43 ASSUNÇÃO, Marília. A um passo de novos pedágios. Revista Marco – Regulação e Desenvolvi-mento, Verbena, Goiânia, v. 3, ano 02, p. 27-31, mar. 2007. 44 ASSUNÇÃO, op. cit., p. 30-31. 45 PUCEIRO, Zuleta. O processo de globalização e a reforma do Estado. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direito e Globalização econômica: implicações e perspectivas. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 105-106.

43

representa a transição para uma economia global de acirrada concorrência e de incremento contínuo dos fluxos internacionais de bens e serviços, em rit-mos inclusive muito superiores ao crescimento da população mundial. A ex-pansão dos fluxos de capital, o deslocamento de unidades produtivas e a derrubada de fronteiras geográficas, econômicas, políticas e culturais deli-neiam com clareza um cenário futuro de incerteza e mudança.

1.3 As características essenciais do contrato de concessão Os arts. 23 a 28 da Lei 8.987/95 estabelecem algumas cláusulas e caracte-

rísticas obrigatórias do contrato de concessão, as quais o diferem de outros contra-

tos administrativos. O art. 2346 é taxativo quanto às chamadas cláusulas essenciais

do aludido contrato. Estas últimas refletem as características próprias da conces-

são, ressaltando o ajuste prévio feito entre a concessionária e o Poder Concedente

para o desempenho a contento da prestação do serviço público. Além disso, tais

cláusulas servem também como garantia para a empresa contratada. A relevância

das cláusulas essenciais fica evidenciada ao ser analisado o seguinte entendimento

de Blanchet:47

46 Art. 23 – São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: I – ao objeto, à área e ao prazo de concessão; II – ao modo, à forma e às condições de prestação de serviço; III – aos critérios, indicadores, às fórmulas e aos parâmetros definidores da qualidade do serviço; IV – ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para reajuste da revisão das tarifas; V – aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da concessionária, inclusive os relacionados às possíveis necessidades de futura alteração e expansão do serviço e conseqüente modernização, aperfeiçoa-mento e ampliação dos equipamentos e das instalações; VI – aos direitos e deveres dos usuários para obtenção e utilização dos serviços; VII – à forma de fiscalização das instalações, dos equipamentos, dos métodos e das práticas de execução do serviço, bem como a indicação dos órgãos competentes para exercê-la; VIII – às penalidades contratuais e administrativas a que se sujeita a concessionária e sua forma de aplicação; IX – aos casos de extinção da concessão; X – aos bens reversíveis; XI – aos critérios para cálculo e forma de pagamento das indenizações devidas à concessionária, quando for o caso; XII – às condições para prorrogação dos contratos; XIII – à obrigatoriedade, forma e periodicidade da prestação de contas da concessionária ao poder concedente; XIV – à exigência da publicação de demonstrações financeiras periódicas da concessionária; e XV – ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais. Parágrafo único – Os contratos relativos à concessão de serviços públicos precedido da concessão de obra pública deverão, adicionalmente: I – estipular os cronogramas físico-financeiros de execução das obras vinculadas à concessão; e II – exigir garantia do fiel cumprimento, pela concessionária, das obrigações relativas às obras vinculadas à concessão. 47 BLANCHET, op. cit., p. 109.

44

Caso não constem no instrumento estas cláusulas, “qualquer cida-dão” poderá provocar a correção da falha diretamente perante a Administra-ção, desde que o faça em até cinco dias antes da data prevista para abertura dos invólucros contendo os documentos para habilitação, prazo este reduzi-do para os licitantes, os quais poderão fazê-lo até o segundo dia útil antes dessa data. É o que estabelece o art. 41, §§ 1º e 2º, da Lei 8.666/93. A atri-buição, pela Lei, da legitimidade a “qualquer cidadão” embasa-se no interes-se de natureza pública inerente ao atendimento da necessidade coletiva ob-jeto da concessão ou permissão, razão idêntica à da Lei nº 4.717, de 29.06.65, portanto, ao eleger o cidadão como parte legítima para propor a-ção popular.

Sobre o inciso I do art. 23, Mukai48 diz que a cláusula do objeto deve indicá-

lo e descrever a área física sobre a qual incide a concessão e o seu prazo de dura-

ção. Acrescenta ainda que a Lei 8.987/95 não estipula um prazo máximo para a

concessão, sendo, portanto, incompatível com o disposto no art. 57 da Lei 8.666/93

(estipula a duração dos contratos nas licitações). Uma possível solução para o im-

passe seria a aplicação do princípio geral de direito que diz que a lei especial tem

preferência sobre a lei geral. Assim, aplicar-se-ia a Lei de Concessões no caso e

não a Lei de Licitações. Dessa forma, caberia às partes contratantes, por força do

inciso I do art. 23 da Lei 8.987/95, definir o prazo de vigência para o contrato de

concessão. Na verdade, tal solução pode ser encontrada na realidade fática, pois

há contratos de concessão de rodovias cujos prazos variam de 15 a 25 anos. Outro inciso que merece destaque é o III, o qual trata dos critérios, indicado-

res, fórmulas e parâmetros que servirão para definir a qualidade do serviço público.

Mesmo que não possam ser exigidos no edital de licitação, tais elementos poderão

constar na minuta de contrato, que se constitui em anexo obrigatório do edital, por-

que a Lei 8.987/95 não admite julgamento técnico. Blanchet49 entende que, sempre

houver compatibilidade com a natureza do serviço público concedido, o contrato de

concessão deverá conter indicadores para possibilitar a avaliação da qualidade do

serviço prestado. Desse modo, o Poder Concedente terá estabelecido limites que,

se não forem alcançados, indicarão a baixa qualidade do serviço público prestado.

A medição da satisfação dos usuários, através da realização de pesquisas de opini-

ão, pode, por exemplo, se constituir num dos parâmetros mencionados pela lei co-

48 MUKAI, op. cit., p. 46-50. 49 BLANCHET, op. cit., p. 112.

45

mo forma de exame da qualidade do serviço público concedido prestado pela em-

presa contratada. É neste momento que entra em campo o planejamento dos direi-

tos do consumidor. Ainda que todos os bens públicos nas concessões serem reversíveis, é im-

portante fazer uma distinção desses em relação aos chamados bens não reversí-

veis para esclarecer o sentido do inciso X. Esclarece Justen Filho:50

Esses bens privados podem ser distinguidos em dois grandes gru-pos. São os bens reversíveis e os não reversíveis. Os primeiros são aqueles que deverão integrar-se no domínio público, ao final do contrato de conces-são. Já os segundos serão utilizados pelo concessionário enquanto durar a concessão. Extinto o contrato, tais bens serão desafetados e o concessioná-rio poderá promover o destino que bem lhe aprouver para eles.

[...] A situação é variável em função das atividades desempenhadas. De

modo genérico, pode-se estimar que as acessões e benfeitorias realizadas nos bens imóveis tornam-se automaticamente integradas no domínio público. Já os bens móveis, ainda que imobilizados (como as máquinas instaladas nos imóveis), comportam inclusão na categoria dos bens de domínio do par-ticular.

Esses bens do particular, que não se integram de imediato e auto-

maticamente no domínio público, deverão ter algum destino, ao final da con-cessão. Tanto poderá cogitar-se de integração definitiva do domínio público como de sua restituição ao concessionário. Em princípio, todos os bens utili-zados no desempenho do serviço público deverão ser integrados no domínio público. Para esse fim, inclusive, a tarifa será calculada de modo a assegurar a amortização de seu valor. Não haverá, em tais hipóteses, maiores dificul-dades ao final da concessão. Encerrado o vínculo, o antigo concessionário não terá qualquer direito sobre os bens aplicados na concessão, já que seu valor integral foi objeto de amortização.

Num período histórico como o atual, no qual a transparência é exigência ca-

da vez mais presente na sociedade, o inciso XIII faz uma clara menção nesse senti-

do ao tratar justamente da obrigatoriedade, da forma e da periodicidade da presta-

ção de contas da concessionária para o Poder Concedente. A prestação de contas

também faz parte do dever de fiscalização a ser exercido pela Administração Públi-

50 JUSTEN FILHO, op. cit., p. 265-266.

46

ca em relação à concessionária, conforme entende Mukai51. Sem o exercício deste

instrumento fiscalizatório, haveria uma perigosa margem para que a transparência

fosse deixada de lado. Este, com toda a certeza, não foi o objetivo do legislador.

É possível salientar também o inciso XV do mesmo art. 23, que abre a possi-

bilidade do uso da arbitragem para a solução de divergências decorrentes do con-

trato de concessão. O instituto foi regulado pela Lei 9.307, de 23.09.1996, e tem

sido cada vez mais utilizado no Brasil, mesmo em contratos de empresas públicas e

sociedade de economia mista. Digna de registro neste particular é a Resolução

Conjunta 002, de 27.3.2001, a qual aprovou o Regulamento Conjunto de Resolução

de Conflitos das Agências Reguladoras dos Setores de Energia, Telecomunicações

e Petróleo. Além do expresso reconhecimento legislativo, Grotti52 aponta para outro

aspecto importante da arbitragem nas concessões:

Apesar dos questionamentos existentes, é indubitável que a comple-xidade técnica e especificidade dos conflitos entre as partes nas concessões requer uma celeridade incompatível com a obrigatoriedade de recurso ao Poder Judiciário como única alternativa. Importa, ainda, ter-se presente que, se em certos casos o princípio da indisponibilidade do interesse público afas-ta o compromisso arbitral, há um campo de interesses patrimoniais disponí-veis, dentro do qual arbitragem é recomendável como alternativa ao litígio judicial, por expressa admissão legal. Nesse sentido já caminha parte da doutrina brasileira ao reconhecer a aplicabilidade do juízo arbitral em matéria administrativa.

Além das chamadas cláusulas essenciais do contrato de concessão, é salu-

tar destacar ainda como uma de suas características a necessidade de preservação

do seu equilíbrio econômico-financeiro. Mostra-se fundamental que, na celebração

do contrato de concessão, a relação estabelecida entre obrigações assumidas pela

concessionária e a remuneração que lhe será assegurada se mantenha de forma

51 MUKAI, op. cit., p. 48-49. O professor paulista menciona, no mesmo trecho, o interessante acórdão abaixo do Supremo Tribunal Federal (Revista de Direito Administrativo, 9:30):

“O concessionário, como qualquer outro agente ou delegado do poder público, desde que arrecada tari-fas, se constitui no dever de mostrar ao poder, em cujo nome age, e quando o exigir, que não saiu da esfera dos poderes recebidos, no modo, na aplicação e na importância das tarifas arrecadas: trata-se do exercício de um poder soberano, que não é lícito transferir a ninguém mediante contrato e apenas suscetível de delegação den-tro de limites e condições postos, os quais cumpre ao delegante, sem exceção, fiscalizar e verificar em nome do bem público, razão e fundamento único de semelhante delegação ao indivíduo ou empresa privada.” 52 GROTTI, op. cit., p. 366.

47

equânime, não onerando em demasia nem as partes (concessionária e Poder Con-

cedente) nem os usuários. Isso é importante, porque a empresa contratada opera

dentro da lógica do mercado, visando, assim, a obtenção de lucro. Cretella Júnior53

registra bem tal realidade no seguinte trecho:

Sem um mínimo de garantia na retribuição, ninguém iria tomar sobre

os ombros a onerosa responsabilidade jurídico-econômica da exploração de um serviço público.

[...]

A fixação das tarifas desempenha, pois, um ponto do maior relevo nas concessões de serviços públicos.

Dela depende a estabilidade do concessionário, bem como a própria posição do Estado diante dos usuários.

Tratou-se em conseqüência de eleger critérios para bem fixar as tari-fas de maneira que os preços estabelecidos atendessem ao público e ao concessionário, não prejudicando o primeiro e não sacrificando o segundo.

Os princípios fundamentais que regem a matéria podem ser assim enunciados: 1º) do custeio do serviço; 2º) da justa retribuição do capital, de acordo com a situação do mercado; 3º) da economia popular.

De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1997),54 "a idéia de equilíbrio

econômico-financeiro nasceu no Conselho de Estado Francês, órgão de cúpula da

jurisdição administrativa na França; e desenvolveu-se precisamente com relação

aos contratos de concessão de serviço público". Eram aplicados à concessão certos

conceitos do direito privado, cabendo ao concessionário executar o serviço por sua

conta e risco e em seu próprio nome. Num processo evolutivo gradual, passou-se a

entender que o contrato, cujo objeto fosse a execução de um serviço público, alme-

ja o interesse da coletividade, motivo pelo qual deveria ser flexível o bastante para

que fosse assegurada a continuidade na prestação do serviço.

53 CRETELLA JÚNIOR, op. cit., p. 154. 54 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 2 ed. São Paulo: Atlas, 1997. p. 69.

48

Arnold Wald (2000)55 refere que o disposto no art. 37, inciso XXI, da CF as-

segura a manutenção do Princípio da Garantia da Equação Econômica-financeira

nos contratos de concessão. É preciso, portanto, que as condições reais e efetivas

da proposta apresentada por ocasião da licitação prévia ao contrato de concessão

sejam mantidas. Nunca é demais olvidar que o próprio art. 10 da Lei 8.987/95 men-

ciona que será considerado como mantido o equilíbrio econômico-financeiro do con-

trato de concessão caso sejam atendidas as suas cláusulas. Há, desse modo, uma

imposição contratual para que o Poder Concedente promova o equilíbrio econômi-

co-financeiro. O professor carioca foi consultado pela COMGÁS – Companhia de Gás de

São Paulo (concessionária) quanto à obrigação da Comissão de Serviços Públicos

de Energia - CSPE (entidade autárquica reguladora) de proceder ao reajuste ou

revisão das tarifas para todas as classes de consumidores. Ao responder à consul-

ta, Wald asseverou que a CSPE, na condição de representante do Poder Conce-

dente, não poderia deixar de promover a recomposição tarifária da concessionária,

sendo seu dever legal e constitucional. Fica claro que o Poder Concedente deve

efetuar a recomposição tarifária acima aludida. Por fim, acrescentou ainda o jurista

no mesmo trecho do parecer:56

Tal recomposição deve ser integral, abrangendo todas as categorias de consumidores, na medida em que o aumento extraordinário do preço de compra pela concessionária do gás, afetou o seu custo para todas essas classes de usuários, não se justificando, ademais, atribuir a apenas algumas categorias o acréscimo tarifário decorrente da revisão de tarifas, numa dis-criminação descabida.

Com base na argumentação anterior, pode-se perfeitamente sustentar que a

manutenção do equilíbrio econômico-financeiro é também um direito da concessio-

nária, já que nosso ordenamento jurídico veda o enriquecimento ilícito e defende

critérios de razoabilidade na execução dos contratos. Diva Prestes Marcondes Ma-

55 WALD, Arnold. Do Equilíbrio Econômico-financeiro do contrato de concessão. Direito da conces-sionária à recomposição tarifária em virtude de aumento do custo e insumo. Revista de Direito Admi-nistrativo. Rio de Janeiro: Renovar, v. 222. p. 298. outubro/dezembro. 2000. 56 WALD, op. cit., p. 305-306.

49

lerbi (2001)57 afirma que a preservação do equilíbrio econômico-financeiro do con-

trato de concessão nas efetivas condições da proposta vencedora da licitação é

verdadeira condição essencial de legalidade. É um verdadeiro direito adquirido da

empresa contratada. Anota a professora paulista ainda o seguinte:

[...] E, uma vez, firmado o contrato, geram-se para o concessionário autênticos direitos subjetivos, oponíveis a terceiros e à própria Administração Pública. Trata-se, portanto, de atividade econômico-lucrativa do concessio-nário, tradutora de autêntico direito, de origem contratual.

Como foi anteriormente analisado e está expresso no art. 2º da Lei 8.987/95,

é necessária a realização de prévia licitação antes da assinatura do contrato do

contrato. A empresa vencedora apresentou uma proposta que considerou a mais

viável para poder prestar o serviço público. Logo, tem sim direito à manutenção do

equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Apesar da lacuna legislativa, é costume

que todos os contratos de concessão contenham uma cláusula mencionando a ne-

cessidade de reajuste da tarifa quando houver flagrante desequilíbrio econômico-

financeiro.

Ficou comprovado que o reconhecimento do direito ao equilíbrio contratual

para a concessionária possui amparo doutrinário. Aliás, a questão também é de in-

teresse dos consumidores, pois um contrato desequilibrado gera uma prestação de

serviço de má qualidade. O preço deve ser proporcional ao nível de qualidade dese-

jado. Para reforçar o argumento, frise-se que o Poder Judiciário já se manifestou de

forma semelhante. Em 2004, o Superior Tribunal de Justiça teve que decidir sobre a

possibilidade de reajuste das tarifas telefônicas com base na variação do IGP-DI

(Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna). O reajuste fora autorizado pela

Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL, todavia diversos consumidores

ajuizaram demandas junto à Justiça Federal argumentando que o reajuste deveria

ser substituído por outro índice que refletisse melhor a variação de preços ao con-

57 MALERBI, Diva Prestes Marcondes. O Equilíbrio Econômico e Financeiro no Contrato de Conces-são. In: Anais do Seminário Jurídico - Concessões de Serviços Públicos. Foz do Iguaçu: Escola Na-cional da Magistratura e Academia Internacional de Direito e Economia, 2001. p. 102-104.

50

sumidor (por exemplo, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA).

A Alta Corte Federal rechaçou tal pretensão, entendendo, em síntese, sobre a ne-

cessidade de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de con-

cessão e de respeito ao que fora pactuado com as concessionárias. Para ilustrar,

segue abaixo trecho da decisão extraída do seu “site oficial” (www.stj.gov.br), cuja

lavra pertenceu ao Ministro Edson Vidigal:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO – TELEFONIA FIXA COMUTADA – PLANO BÁSICO DO SERVIÇO LOCAL – REAJUSTAMENTO DE TARIFA - CLÁUSULA CONTRATUAL EXPRESSA – VERIFICAÇÃO DA REGULARI-DADE DA ATUAÇÃO DA CONCESSIONÁRIA – ESTREITEZA DA VIA DO AGRAVO – EXCEPCIONALIDADE DE CONCESSÃO DE MEDIDA POSITI-VA PELO TRIBUNAL, NEGADA NA ORIGEM – EFEITO MODIFICATIVO EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

I – Da Cláusula 11.1 do Contrato de Concessão de Serviço Público de Telefonia Fixa Comutada, firmado entre, de um lado, a ANATEL, e, de outro lado, a TELEMAR (TELERJ S/A), com fundamento na Lei n.º 9.472, de 16.07.1997, observa-se que, de fato, os critérios de reajustamento das tari-fas concernentes ao Plano Básico do Serviço Local restaram expressamente estipulados na avença administrativa, fixado o fator multiplicador de 1,09 so-bre a variação do IGP-DI apurada no período de referência como limite teto dos reajustes a serem efetuados, observada a fórmula naquela Cláusula es-tabelecida.

II – Se os critérios de reajustamento foram estatuídos no Contrato de Concessão de Serviço Público, evidente negócio jurídico, bilateral, forçosa-mente conclui-se pela inexistência de estipulação unilateral, no caso.

III – Não há como se verificar, de modo apriorístico, na presente via estreita de agravo, se os novos valores referentes (a) às taxas de habilitação de terminais residenciais, não residenciais e de troncos, (b) aos pulsos, e (c) às assinaturas residenciais, não residenciais e de troncos, tomados isolada ou conjuntamente, revelam-se em descompasso com as regras estatuídas no contrato de concessão em tela.

IV – À falta de robusta evidência de irregularidade pela atuação da concessionária de serviço de telefonia na execução do contrato de conces-são, regularmente firmado, notadamente no que tange à sistemática de rea-justamento de tarifas cobradas aos usuários, não há como, in casu, suspen-der a exeqüibilidade da Cláusula 11.1 do Contrato de Concessão de Servi-ços de Telefonia Fixa Comutada em tela, mormente por intermédio de ex-cepcionalíssima concessão, pelo Tribunal, de medida positiva, negada na o-rigem. Embargos de declaração acolhidos. (TRF 2ª Região, EDAG 69511/RJ, 6ª Turma, Data da decisão: 28/11/2003)

AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE LIMINAR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LESÃO À ORDEM PÚBLICA E ECONÔMICA CONFIGURADA. INSEGURANÇA JURÍDICA E RISCO BRASIL AGRAVADO. 1. No âmbito especial da suspensão liminar, cujos limites cognitivos prendem-se à verifi-

51

cação das hipóteses expressas na Lei nº 8.437/92, art. 4º, descabem alega-ções relativas às questões de fundo. 2. Caracterizado o risco inverso, refleti-do no cenário de insegurança jurídica que pode se instalar com a manuten-ção da liminar, que, em princípio, admite a quebra do equilíbrio dos contra-tos firmados com o Poder Público, lesando a ordem pública administrativa e econômica e agravando o risco Brasil, defere-se o pedido de suspensão. 3. Agravo regimental provido. (STJ, AgRg na SL 57/DF, Rel. Ministro Edson Vidigal, Corte Especial, DJ 06.09.2004 p. 152)

Em razão do disposto no art. 2º, incisos II, III e IV, da Lei 8.987/95, é imperio-

so que sejam conciliados tanto a noção de equilíbrio econômico-financeiro quanto o

fato de que a execução do serviço público concedido se faz por conta e risco do

concessionário. Ainda que a titularidade do serviço ainda pertença ao Estado e que,

portanto, esteja presente o interesse público, à empresa contratada é totalmente

lícito obter lucro com a atividade, a qual não pode ser paralisada e envolve vários

riscos.

Decompondo-se o conceito de concessão do art. 2º da Lei 8.987/95, fica cla-

ro que, caso ocorram fatores imprevisíveis ou que não possam ser imputados à

concessionária (tempestades, confisco injusto de bens pertencentes à empresa ou

fechamento de praças de pedágio por força de decisões judiciais, por exemplo),

haverá flagrante necessidade de revisão das cláusulas financeiras do contrato de

concessão com o intuito de recompor o equilíbrio econômico-financeiro. Não se po-

de deixar de considerar igualmente que existe interesse público na manutenção do

contrato e, conseqüentemente, da qualidade do serviço. A recomposição da equa-

ção econômico-financeira só viria a beneficiar a prestação do serviço.

Merecem consideração também as prestações contratuais estabelecidas à

empresa que não constaram no contrato de concessão e que podem onerá-la. A

evolução da noção de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro levou ao de-

senvolvimento de várias teorias, as quais admitiam a variabilidade do contrato ad-

ministrativo. Destas, destacam-se a teoria do fato do príncipe e do fato da Adminis-

tração e a teoria da imprevisão (reconhecimento do poder de alteração unilateral do

contrato pela Administração Pública).

52

O fato do príncipe, segundo Di Pietro,58 é o poder de alteração unilateral do

contrato e/ou a adoção de medidas de ordem geral que geram reflexos diretos no

mesmo. Já o fato da Administração, continua a administrativista, é o ato praticado

pela autoridade pública que repercute diretamente sobre o contrato. Muitas vezes,

uma inspeção do Tribunal de Contas pode causar alterações no contrato adminis-

trativo ou até a sua nulidade. É possível citar como exemplo o mandado de segu-

rança nº 23560, o qual foi movido por Incal Incorporações S.A. contra o Presidente

do Tribunal Contas da União. Apreciando a questão, o Ministro Relator do Supremo

Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, restou vencido. A maioria dos ministros,

no entanto, entendeu por indeferir o mandado de segurança, sendo que o acórdão

foi redigido pelo Ministro Nelson Jobim. Esta é a sua ementa extraída do “site” ofici-

al do STF:59

ADMINISTRATIVO. EDITAL DE AQUISIÇÃO DE IMÓVEL E CON-TRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ÓRGÃO PÚBLICO. Ins-peção pelo Tribunal de Contas da União que constatou irregularidades no contrato, na execução da obra e incompatibilidades entre os cronogramas fí-sico e financeiro. Decisão do TCU para determinar à autoridade competente que decrete a nulidade do contrato - art. 59 - da Lei 8.666/93. Decisão com efeito mandamental. Ausência de efeitos constitutivos dos negócios jurídicos. Limites da decisão para não interferir no processo anulatório. Mandado de segurança indeferido. (Mandado de Segurança nº 23560, Distrito Federal - Tribunal Pleno, Supremo Tribunal Federal - Relator para o acórdão: Nelson Jobim, julgado em 20/09/00)

A teoria da imprevisão, explica Di Pietro,60 seria todo o acontecimento exter-

no ao contrato de concessão que não tenha sido causado pelas partes e que venha

a causar grande desequilíbrio econômico-financeiro, originando uma execução mui-

to onerosa para a concessionária (Há previsão semelhante nos arts. 317 e 478 do

CCB.). Aliás, é possível sustentar que a teoria da imprevisão equivale à antiga cláu-

sula rebus sic stantibus, a qual referia que os contratos que têm duração sucessiva

e são dependentes de fatos futuros devem ser cumpridos se as coisas permanece-

rem como estavam no momento da sua celebração. Neste sentido, assevera Ives

58 DI PIETRO, op. cit., p. 76-78. 59 Disponível em <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 12 jan. 2007. 60 DI PIETRO, op. cit., p. 77-78.

53

Gandra da Silva Martins (2001):61

O caso fortuito e a força maior, todavia, seriam insuficientes para restabelecer desequilíbrios contratuais provocados por fatores externos, im-previsíveis e inevitáveis, visto que mais vinculados aos denominados “acts of God”, razão pela qual, principalmente a partir da Idade Média, evoluiu-se pa-ra a teoria da cláusula rebus sic stantibus, que ganhou seu contorno geral na denominada “teoria da imprevisão”, hoje de aceitação pacífica na doutrina, na jurisprudência e na legislação de todo o mundo.

Por ela, fatores externos que impactem contratos que não os previ-

ram, não podem gerar prejuízos para uma parte e lucros para a outra, de-vendo ser reequilibrados para sua adimplência.

Fica claro, por conseguinte, que a teoria da imprevisão estaria intrinsecamen-

te relacionada a uma situação de difícil ou até mesmo impossível previsão pelas

partes contratantes por ocasião da celebração do contrato. Cretella Júnior62 enume-

ra as três características que devem estar presentes para a aplicação da aludida

teoria: a) fatos excepcionais; b) fatos imprevisíveis; c) fatos determinantes que oca-

sionam um grave déficit na situação financeira da concessionária. Depois, ao tratar

das conseqüências jurídicas do estado de imprevisão, explica o professor da Uni-

versidade de São Paulo:63

O estado de imprevisão faculta àquele que contrata com a Adminis-tração a obrigação de executar, mas lhe dá o direito da compensação patri-monial, situações fundamentais que se completam por uma terceira: as con-seqüências jurídicas do estado de imprevisão caracterizam-se por serem, por excelência, temporárias.

O fundamento da obrigação de executar as obrigações assumidas,

não obstante o estado de imprevisão, é simples: repousa justamente a teoria da imprevisão no princípio da continuidade do serviço público. Qualquer in-terrupção traria a descontinuidade daquele serviços e afetaria os interesses coletivos.

[...] Com efeito, a teoria jurídica da imprevisão é destinada a permitir às

61 MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Controle Judicial das Concessões. In: Anais do Seminário Jurídico - Concessões de Serviços Públicos. Foz do Iguaçu: Escola Nacional da Magistratura e Aca-demia Internacional de Direito e Economia, 2001. p. 32. 62 CRETELLA JÚNIOR, op. cit., p. 72. 63 CRETELLA JÚNIOR, op. cit., p. 75-76.

54

partes, através de um modus vivendi, provisório, a possibilidade de sair de uma situação anômala para ingressar numa situação contratual, do que re-sulta, como acentuamos, que o período extracontratual não deve prolongar-se, tornando-se permanente. No momento em que tal se verificasse, ou seja, no instante que o período extracontratual se prolongasse, indefinidamente, cessariam de produzir-se as conseqüências jurídicas da imprevisão.

Havendo fato do príncipe e fato da Administração, Di Pietro64 assevera que

caberia ao Poder Concedente suportar os ônus decorrentes da recomposição do

equilíbrio-econômico financeiro do contrato de concessão. No caso da teoria da im-

previsão, acrescenta que o prejuízo deveria ser divido em partes iguais caso o de-

sequilíbrio não possa ser imputado a nenhum dos contratantes. Outras medidas

podem ser levadas em consideração para o restabelecimento do equilíbrio econô-

mico-financeiro. A professora paulista, na mesma passagem, salienta ainda o se-

guinte:

Para composição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, se-rão levadas em consideração a tarifa e outras fontes de receita previstas no edital de licitação e no contrato.

[...]

A Constituição de 1988, no art. 175, parágrafo único, inciso III, ape-

nas estabelece que a lei disporá sobre "política tarifária". Em conseqüência, não é só pela tarifa que se mantém o equilíbrio econômico-financeiro. Este será estabelecido em função da tarifa e das outras fontes de receitas previs-tas no edital de licitação e no contrato, conforme art. 11, parágrafo único, da Lei nº 8.987. Para composição desse equilíbrio, também é viável a outorga de subsídio pelo poder concedente, desde que previsto em lei previamente à concorrência e seja posto à disposição de todos os concorrentes (art. 17 da Lei nº 8.987).

Para restabelecimento do equilíbrio econômico rompido, além da re-

visão da tarifa, pode ser prevista a alteração do prazo da concessão ou al-gum tipo de compensação financeira.

A manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato tem também

outro aspecto importante a ser destacado. Ela permite que o concessionário possa

trazer novidades tecnológicas para a prestação de serviço, melhorando a sua quali-

dade. Um exemplo que poderia ser referido é sistema de vale pedágio (by pass)

64 DI PIETRO, op. cit., p. 77-78.

55

usado pelas concessionárias de rodovias. Ao passar por uma praça de pedágio, o

usuário paga a tarifa com um cartão de leitura ótica, não precisando, assim, utilizar

dinheiro em espécie.

B) A estrutura jurídica da relação entre Poder Concedente e concessionária 1.4 Direitos e deveres estatutários do usuário de serviços públicos concedi-dos

Antes de se adentrar ao tema proposto neste item, é primordial salientar que

as concessões não existem para contemplar somente os interesses das empresas

contratadas nem servem para onerar os usuários. Sua finalidade real é para que o

Estado possa cumprir com as suas atribuições constitucionais, atendendo ao inte-

resse coletivo ao fornecer um serviço público à população. O fundamental é que o

serviço esteja à sua disposição. De qualquer forma, não se tem receio em afirmar

que o seu usuário merece ser tutelado pelo Poder Público. Manoel de Oliveira Fran-

co Sobrinho (1981)65 tem entendimento semelhante, como fica evidente no trecho

abaixo:

A finalidade das concessões não é a de apenas servir aos conces-sionários, mas o público a quem o serviço é prestado. [...]

Concedido o serviço, o interesse público na prestação desloca-se

para a pessoa do usuário. Exclusivo ou não, após contratação, fica apenas a figura do utente. O contrato, em si, diz para que veio. E se veio para o con-cessionário prestar alguma coisa, a prestação não pode fugir das obrigações assumidas com a Administração.

A prestação de um serviço público adequado é uma imposição normativa pa-

ra a concessionária, conforme o disposto no art. 175, parágrafo único, inciso IV, da

CF e nos arts. 6º, "caput" e § 1º, 7º, inciso I, e 31, inciso I, da Lei 8.987/95. Na hipó-

tese de não prestar um serviço adequado, a concessionária pode sofrer a interven-

ção, mediante decreto, do Poder Concedente, como dispõe o art. 32 da Lei

8.987/95. As causas deverão ser apuradas mediante regular procedimento adminis-

65 FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. Contratos Administrativos. São Paulo: Saraiva, 1981. p. 221.

56

trativo, sendo assegurado, como não poderia deixar de ser, o direito à ampla defesa

da concessionária. Afinal, há, inclusive, disposição constitucional específica nesse

sentido (art. 5º, inciso LV, da CF), sem prejuízo, é claro, do judicial review. É neces-

sário destacar aqui igualmente a necessidade imperiosa da existência de um plane-

jamento prévio da licitação, de forma que seja contemplado o direito à equação con-

tratual pela empresa contratada. A definição de serviço adequado está prevista no § 1º do art. 6º da Lei

8.987/9566 e no § 1º do art. 6º do CDC. Tolosa Filho67 explica que o requisito “atua-

lidade” exigido pelo legislador é o emprego das modernas técnicas gerenciais de

equipamentos, instalações, conservação e manutenção, assim como da busca pela

melhoria dos serviços prestados e da expansão dos serviços oferecidos através de

métodos de reengenharia, almejando garantir a qualidade total.68 Neste ponto, Egon

Bockmann Moreira (2005)69 defende que “[...] a regra da mutabilidade das conces-

sões de serviços públicos e o princípio da eficiência administrativa exigem que a

empresa monitore com atenção as mudanças tecnológicas disponíveis, possibilitan-

do o contínuo aprimoramento do serviço prestado”. Mesmo que não seja possível

atar a concessionária às alternativas tecnológicas, empresariais e de boa engenha-

ria disponíveis por ocasião da celebração do contrato, Moreira conclui dizendo que

“[...] não é possível vislumbrar-se de uma forma estática as mudanças porventura

implementadas no seu transcurso”. A concessionária tem o dever de aprimorar e

conferir maior eficiência ao seu objeto social e, portanto, à própria concessão, me-

lhorando a execução do contrato de concessão de serviço público. Promovendo as

atualizações tecnológicas necessárias, a concessionária estará conferindo efetivi-

dade à definição legal de serviço público adequado.

A partir das considerações anteriores, é possível ingressar com maior segu-

66 Art. 6º. ... § 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segu-rança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. 67 TOLOSA FILHO, op. cit., p. 36. 68 As expressões “reengenharia” e “qualidade total” são muito utilizadas pela Ciência da Administra-ção, cujos significados mais próximos do Direito seriam, salvo melhor juízo, “reestruturação” e “efici-ência”. 69 MOREIRA, Egon Bockmann. Concessão de Serviço Público – Usina de Asfalto. Revista Zênite. ILC Informativo de Licitações e Contratos. Curitiba, Ano XII. v. 140. outubro. 2005. p. 880.

57

rança na análise dos direitos e deveres estatutários dos usuários de serviços públi-

cos concedidos. De início, o "caput" do art. 7º da Lei 8.987/95 já vincula a conces-

sionária ao Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.1990). Equipa-

rando o usuário de serviços públicos concedidos a consumidor, assevera Pedro

Henrique Poli de Figueiredo (1999):70

O usuário, destinatário direto da prestação do serviço público, recebe uma proteção jurídica especial. É equívoco pensar no usuário como mero terceiro na relação jurídica de concessão. O contrato de concessão tem no usuário uma das suas partes integrantes, juntamente como o poder conce-dente e o concessionário do serviço público.

O órgão regulador, neste caso, funciona como um instrumento de

que se vale o cidadão, que necessita do serviço público, contra eventual ar-bítrio do poder concedente ou descaso do concessionário. Há que se consi-derar, nesta proteção, a posição de “consumidor” do usuário do serviço pú-blico, podendo, para tanto, valer-se da proteção jurídica especial do Código de Defesa do Consumidor. Decorre daí a existência de direitos subjetivos públicos exercíveis frente aos concessionários e poder concedente, de in-formação sobre os serviços e seus prestadores, de recebimento de serviço adequado e, como tal, de preservação da saúde e segurança ao ensejo de sua prestação, tratamento digno e, se possível, com ampla liberdade de es-colha.

A matéria, contudo, não é tão pacífica assim, havendo doutrinadores reno-

mados, tais como o próprio Moreira, que entendem não ser possível uma aplicação

ampla e irrestrita do CDC aos contratos de concessões. Por questão de método e

de sistematização, será dará maior ênfase aos demais direitos e deveres dos usuá-

rios, na medida em que a abordagem pontual da vinculação da concessionária ao

CDC (e em que termos isto deve ocorrer) é o objeto do item 2.3 do capítulo segun-

do desta dissertação.

Analisando-se o inciso I do já citado art. 7º, percebe-se que o legislador já

definiu o que venha a ser serviço adequado no § 1º do art. 6º. Caso o usuário en-

tenda que o serviço não satisfaça as condições de regularidade, continuidade, efici-

ência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na prestação e não haja modi-

cidade da tarifa, ele pode, por exemplo, registrar reclamação contra a concessioná-

70 FIGUEIREDO, Pedro Henrique Poli de. A Regulação do Serviço Público Concedido. Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 50-51.

58

ria junto à ouvidoria da Agência Estadual de Serviços Públicos Regulados do Esta-

do do Rio Grande do Sul – AGERGS. É preciso destacar que, periodicamente, uma

avaliação sobre o desempenho das concessionárias é divulgada para a sociedade.

O resultado é discutido em audiências públicas com a presença de representantes

das concessionárias, dos usuários e do Poder Concedente. Sobre a importância da

participação do usuário no órgão regulador, destaca Figueiredo:71

Para poder aproximar o consumidor do serviço público delegado, é preciso valer-se o órgão regulador de instrumentos participativos, dos quais destacam-se a criação de órgão de ouvidoria pública e do instrumento de-mocrático da audiência pública.

Não se trata, evidentemente, dos únicos instrumentos de que dispõe

o regulador para informar-se sobre o grau de satisfação do usuário e obter informações sobre os serviços ou tomar providências relativas a reclama-ções. Outros meios, como informes diretos, cartas-resposta endereçadas a usuários, voluntários ou escolhidos por amostragem, caixas de sugestões e reclamações nos locais de prestação de serviços ou linhas de acesso gratui-to à população para tal fim, são também eficazes na aproximação do usuário com o ente regulador.

É importante salientar aqui que a comunicação às autoridades competentes

dos atos ilícitos (inciso V) e das irregularidades praticadas pela concessionária (in-

ciso IV) não são só direitos do usuário, mas também seus verdadeiros deveres. Não

se deve adotar o raciocínio comodista de que cabe somente ao Poder Público fisca-

lizar a concessionária. O usuário deve zelar pela prestação de um serviço público

concedido de forma adequada e eficiente, já que ele é o maior interessado nesse

sentido.

Mukai72 entende que há inconstitucionalidade na imposição de deveres esta-

tutários aos usuários de serviços públicos. Discorda-se, todavia, desse posiciona-

mento, pois o perfeito funcionamento do contrato de concessão depende sim da

fiscalização a ser exercida também pelo usuário. Sabendo-se de antemão que o

Poder Concedente, infelizmente, não cumpre a contento com as suas atribuições

normativas, é imprescindível a contribuição do usuário para a prestação de um ser-

71 FIGUEIREDO, op. cit., op. 52. 72 MUKAI, op. cit., p. 25-28.

59

viço adequado, especialmente através da promoção de reclamações e denúncias.

Reforçando esse argumento, há a previsão expressa contida no art. 37, § 3°, inciso

I, da CF.73 É possível uma aplicação analógica desse dispositivo para sustentar que os

incisos do art. 7º não contêm só direitos dos usuários, mas também seus deveres

estatutários, até mesmo em razão da sua condição de cidadão. José Carlos de Oli-

veira (1996)74 concorda com essa linha de raciocínio, como fica claro a seguir:

Os usuários poderão obter e utilizar o serviço com liberdade de esco-lha, observadas as normas do poder concedente, que obriga-os (obrigação de cidadão), a levar ao conhecimento do Poder Público e da concessionária as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço pres-tado. E da mesma forma, comunicar às autoridades competentes os atos ilí-citos praticados pela concessionária na prestação do serviço.

a) A fiscalização dos serviços nas concessões e nas permissões

(conforme previsto em norma regulamentar – a ser editada) serão realizadas com a cooperação dos usuários; e mediante convênio de cooperação, o po-der concedente poderá credenciar os Estados e o Distrito Federal para a rea-lização de atividades complementares de fiscalização e controle dos serviços prestados nos respectivos territórios (art. 36 da Lei nº 9.074/95 – setor elétri-co).

A tese de inconstitucionalidade supra mencionada por Mukai não encontra

respaldo igualmente no entendimento de Blanchet. O jurista paranaense ressalta

que os usuários têm sim o dever de fiscalizar a concessionária, colaborando com o

Poder Concedente. Posteriormente, continua assim:75

73 Art. 37. ...

§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, especialmente:

I – as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviço de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; 74 OLIVEIRA, José Carlos de. Concessões e Permissões de Serviços Públicos. Bauru: Edipro, 1996. p. 65. 75 BLANCHET, op. cit., p. 116.

60

[...] Conforme prevê o art. 3º, ademais, o órgão responsável pela fis-calização exercê-la-á com a cooperação dos usuários, norma esta roborada pelo art. 7º, incisos II, IV e V, ao prever o direito do usuário receber informa-ções (do concessionário e do concedente) para defesa de seus direitos, o dever (do usuário) de levar ao conhecimento do poder concedente e do con-cessionário as irregularidades de que tenha conhecimento, e a obrigação de comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos do concessionário re-lacionados com a execução do objeto da concessão.

No inciso VI do mesmo art. 7º, por exemplo, é prevista expressamente a de-

terminação para que o usuário contribua para a permanência das boas condições

dos bens públicos dos quais lhe são prestados os serviços. O legislador constituin-

te, ao mesmo tempo em que determinou que a lei disciplinaria as formas de partici-

pação dos usuários, conferindo-lhes, inclusive, a prerrogativa de promover reclama-

ção quanto à qualidade dos serviços públicos (art. 37, § 3º, inciso I, da CF), também

lhes incumbiu de colaborar na fiscalização do Poder Público e do concessionário.

O argumento de que haveria inconstitucionalidade na imposição de deveres

estatutários aos usuários encontra óbice do mesmo modo entre outros doutrinado-

res, dos quais destaca-se Marçal Justen Filho. O aludido autor76 sustenta a existên-

cia do dever de fruição adequada do serviço pelo usuário, dizendo que existem limi-

tes à utilização dos serviços públicos. Se existe a incumbência do concessionário

de promover o serviço público adequado – e ser fiscalizado por isso -, cabe o usuá-

rio, em contrapartida, o dever de frui-lo igualmente de forma adequada. Segundo o

administrativista, os abusos cometidos pelo usuário merecem reprovação, causando

a externalização do custo, como se percebe na seguinte passagem:

Significa que o usuário não pode consumir o serviço como se fosse dele proprietário. A fruição deve obedecer ao princípio da não-exclusão, pos-sibilitando que a prestação possa beneficiar aos demais interessados.

Depois, indica a impossibilidade de promover o desperdício das utili-

dades em que consiste o serviço. Não é possível invocar a condição de usu-ário ou de pagamento de tarifa para eliminar utilidades, em destiná-las a consumo. O pagamento de tarifas não autoriza sacrificar o interesse público, consistente na manutenção das fontes de produção e na redução dos encar-gos sobre a comunidade. Por isso, é perfeitamente possível reprovar o parti-cular que atua abusivamente no consumo de água, ou de energia elétrica,

76 JUSTEN FILHO, op. cit., p. 566-567.

61

por exemplo.

O inciso II do art. 7º dispõe expressamente sobre o direito do usuário de re-

ceber do Poder Concedente e da concessionária informações para a defesa dos

seus interesses individuais e coletivos. Não pode ser encarado como um dever, po-

rém nitidamente como um direito. Está ligado à idéia de transparência (tão em voga

atualmente) e aos direitos de petição e de obtenção de certidões previstos, respec-

tivamente, nas alíneas "a" e "b" do inciso XXXIV do art. 5º da CF.

Não há dúvidas de que o inciso III do art. 7º da Lei 8.987/95 prevê igualmente

mais um direito para o usuário do serviço público concedido. Ele poderá obter e uti-

lizar o serviço com liberdade de escolha, desde que observe as normas do Poder

Concedente. Nesse contexto podem ser incluídas perfeitamente as disposições

contidas em cada contrato de concessão, as quais também devem ser observadas

pelo usuário na condição de deveres.

1.5 A responsabilidade da concessionária de serviços públicos

Os instrumentos de controle são fundamentais para o bom funcionamento

dos serviços públicos. Ademais, merece ser considerado que os serviços concedi-

dos são, em geral, aqueles para os quais a Administração Pública possui dificulda-

des (sejam financeiras, sejam operacionais) para prestá-los. Como a titularidade do

serviço permanecerá com o Poder Público, nada mais natural do que haja a imposi-

ção de prestações contratuais para as concessionárias. Assegura Franco Sobri-

nho:77

A concessão de serviços públicos, por isso, destaca-se in genere como um contrato administrativo onde as relações são entre a Administração e o concessionário e as obrigações entre ambos e mais os usuários. Tal a-contece, porque, sendo o concessionário um agente público, os compromis-sos pactuados dirigem-se diretamente aos usuários beneficiados pelo uso.

O conceito imperante na doutrina e na prática ter-se-á que buscar

conseqüentemente na singularidade dos serviços que pela sua natureza de-vem e podem ser concedidos, ou seja, de serviços que, em face da sua insu-

77 FRANCO SOBRINHO, op. cit., p. 224.

62

ficiência administrativa, impossibilitariam a Administração de realizá-los com recursos próprios, eficiência e continuidade.

Segundo o art. 31 da Lei 8.987/95, são incumbências da concessionária: a) a

prestação de um serviço adequado, de acordo com esta lei, as respectivas normas

técnicas e o contrato de concessão (inciso I); b) a manutenção atualizada do inven-

tário e do registro dos bens vinculados à concessão (inciso II); c) a prestação de

contas ao final da concessão para o Poder Concedente e para os usuários, confor-

me os termos definidos no respectivo contrato (inciso III); d) o cumprimento e a ob-

servância das normas do serviço e das cláusulas contidas no contrato de conces-

são (inciso IV); e) a permissão de livre acesso aos encarregados da fiscalização,

em qualquer época, às obras, aos equipamentos, às instalações integrantes do ser-

viço e aos registros contábeis (inciso V); f) a promoção das desapropriações e a

constituição dos serviços autorizadas pelo Poder Concedente e previstas no edital e

no contrato de concessão (inciso VI); g) zelar pela integridade dos bens vinculados

à concessão, segurando-os de forma adequada (inciso VII); h) a captação, a aplica-

ção e a gestão dos recursos financeiros para a prestação do serviço público conce-

dido (inciso VIII). Podem ser acrescentados aqui também os deveres impostos pelo

art. 6º do CDC no que diz respeito à prestação de um serviço público adequado.

É importante ressaltar que as relações contratuais entre a concessionária de

serviço público e seus funcionários são de emprego, sendo regidas, por conseguin-

te, pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (Decreto-lei 5.452, de 1º.5.1943)

e pelas demais normas aplicáveis aos empregados de empresas privadas. Osten-

tando a condição de sociedade empresária de capital inteiramente privado, a con-

cessionária não está sujeita à contratação de pessoal mediante concurso público de

provas ou de provas e títulos exigido pelo inciso II do art. 37 da CF. Caso a conces-

sionária tivesse parte do capital nas mãos do Poder Público (é o caso, por exemplo,

da Companhia Riograndense de Águas e Saneamento – CORSAN), a mesma teria

que, obrigatoriamente, realizar concurso público para a contratação do seu pessoal,

todavia o regime seria igualmente celetista.

Por outro lado, o parágrafo único do art. 31 da Lei 8.987/95 deixa claro que

63

não há qualquer solidariedade trabalhista, previdenciária, fiscal ou comercial entre a

concessionária e a Administração Pública. Assim, por exemplo, se um ex-

empregado da concessionária ingressar com uma reclamatória trabalhista pleitean-

do o pagamento de horas extras, não poderá incluir o Poder Concedente (União,

Estado, Distrito Federal e Municípios) no pólo passivo da demanda. Ilustrando o

argumento, colaciona-se o acórdão abaixo extraído do "site" oficial do Tribunal Re-

gional do Trabalho da 4ª Região:78

CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. UNIÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA OU SUBSI-DIÁRIA PELOS CRÉDITOS TRABALHISTAS DE EMPREGADO DE EM-PRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. EXPLORAÇÃO DE RODOVIA FEDERAL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 331 DO TST. O contrato de concessão de serviço público não se confunde com mera presta-ção de serviços, sendo inaplicável o entendimento da Súmula nº 331/TST. (Recurso Ordinário Nº 00291-2005-101-04-00-1, 6ª Turma, Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Relator: Mário Chaves, julgado em 10/05/2006)

Há uma parte do acórdão que trata especificamente da questão da existência

de responsabilidade solidária ou subsidiária da União. Este é o trecho onde fica cla-

ro o posicionamento da Corte Laboral Regional:

1. Responsabilidade solidária e/ou subsidiária da União Federal. Concessão de serviço público.

O recorrente insurge-se contra a rejeição do pedido de responsabili-zação da segunda reclamada, União Federal. Não aceita o entendimento do Juízo de origem no sentido de que o contrato de concessão de serviço público não obriga a União Federal a responder pelos débitos trabalhistas oriundos da concessão do serviço à primeira reclamada, Empresa Con-cessionária de Rodovias do Sul S/A - ECOSUL. Sustenta não terem sido juntados aos autos o contrato de concessão de serviço público firmado com a primeira reclamada, ECOSUL, prova que competia à segunda de-mandada. Invoca o princípio da responsabilidade objetiva como pressu-posto do dever da entidade pública em firmar contratos com empresas i-dôneas, permanecendo vigilante no período de vigência dos contratos sob pena de configurar-se a culpa "in eligendo" e "in vigilando". Sustenta estar prevista no art. 58, III, da Lei nº 8.666/93 a prerrogativa de a administração pública fiscalizar os serviços de seus contratados. Entende violados os princípios de proteção ao trabalho do arts. 1º, III, e 7º da Constituição Fe-deral. Alega ter a segunda reclamada obtido benefícios com o seu traba-lho, sendo aplicável a Súmula 331 do TST.

Não procede a insurgência.

78 Disponível em <http://www.trt4.gov.br>. Acesso em 08 mar. 2007.

64

Embora não tenha vindo aos autos o contrato de concessão firmado entre as reclamadas, a sua existência é incontroversa.

O contrato de concessão de serviços públicos não se confunde com o de prestação de serviços.

Consoante Maria Sylvia Zanella Di Pietro, "concessão de serviço pú-blico é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública delega a outrem a execução de um serviço público, para que o execute em seu próprio nome, por sua conta e risco, assegurando-lhe a remuneração me-diante tarifa paga pelo usuário" (in Direito Administrativo, 5ª ed. - São Pau-lo: Atlas, 1995, pág. 243).

Assim, a primeira reclamada, na condição de concessionária, execu-ta o serviço em seu próprio nome e por sua conta, assumindo a sua ges-tão e correndo os riscos normais do empreendimento. Faz jus apenas ao recebimento de tarifa paga pelo usuário, parcela que tem natureza de pre-ço público e é fixada pelo poder concedente (União Federal) conforme o art. 175 da Constituição Federal. Diversamente, na prestação de serviços a atividade é desenvolvida em nome da tomadora.

Esta Turma Julgadora já se manifestou no sentido de que a conces-são de serviço público "não se identifica com terceirização de mão-de-obra ou contratação por interposta pessoa, não sendo, portanto, aplicável, ao caso, o Enunciado nº 331 do TST" (Acórdão RO nº 00989.403/02-5, Rela-tora Juíza Rosane Serafini Casa Nova, julgado em 22-10-03, disponível no site deste Regional).

Não foram violados os dispositivos constitucionais invocados pelo recorrente. O inciso do art. 1º da Constituição Federal que trata do valor social do trabalho como fundamento do Estado Democrático de Direito é o IV e não o III, como constou nas razões recursais.

Nega-se provimento ao recurso.

Fica novamente evidenciado o compromisso da concessionária de prestar

um serviço público concedido de forma adequada para os seus usuários. Justen

Filho79 acrescenta que cabe ao concessionário não só desempenhar o serviço,

"mas, de modo especial, fazê-lo de acordo com o regulamento vigente e segundo

os padrões técnico-científicos adequados". Sem a prestação de um serviço público

concedido adequado, a concessionária poderá sofrer sanções por parte do Poder

Concedente, tais como a aplicação das multas estipuladas no contrato e, se for o

caso, até mesmo a extinção da concessão por caducidade (art. 35, inciso III, da Lei

8.987/95).

Por força do § 6º do art. 37 da CF, a responsabilidade da concessionária de

serviço público é objetiva. A questão já está pacificada na jurisprudência. Julgando

o recurso cível nº 71000956987, a 3ª Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais

entendeu que a responsabilidade da concessionária de rodovias seria objetiva em

79 JUSTEN FILHO, op. cit., p. 506.

65

ação movida por consumidor decorrente de danos materiais ocasionados em seu

veículo face à colisão com um animal na pista. Almejando ilustrar esse argumento,

permite-se transcrever abaixo a sua ementa:80

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, DECORREN-TES DE ACIDENTE DE TRÂNSITO EM RODOVIA SOB CONCESSÃO. Responsabilidade objetiva da prestadora. Incidência do disposto nos arts. 14 e 22 do CDC. Dever de indenizar os danos causados a terceiros no desen-volvimento de sua atividade, desde que efetivamente comprovados os preju-ízos. Possibilidade de direito regressivo contra o proprietário do animal. Sen-tença mantida. Recurso improvido. (Recurso Cível Nº 71000956987, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Julgado em 24/10/2006)

A extensão da responsabilidade civil objetiva às concessionárias de serviços

públicos fica mais evidenciada também na doutrina. É preciso salientar que o cená-

rio atual é o de uma sociedade de consumo, na qual o processo de produção dos

bens foi totalmente despersonalizado. Sobre este aspecto, destaca Luciano Benetti

Timm (2005):81

A sofisticação dos argumentos em prol de uma responsabilização objetiva dos criadores de risco à sociedade, especialmente das sociedades empresárias, aparece quando se percebe que o capitalismo industrial aca-bou por despersonalizar o processo de produção de bens (antigamente con-duzido pelo artesão, controlado e submetido a corporações de ofícios) e a-fastou o produto do trabalho dos indivíduos que participaram do processo de produção. Nesse sistema social, a produção de bens e serviços é mecaniza-da, massificada, assim como a distribuição e o consumo – fato que potencia-liza os acidentes e os eventos danosos. Ademais, na sociedade natural, os defeitos na produção (que acontecem inevitavelmente) não são acaso, são situações, no mais das vezes, previsíveis, portanto, evitáveis e plenamente contabilizáveis (X% dos carros tendem a sair com defeito da planta; X% dos aparelhos celulares produzidos têm defeito) – isso significa que os riscos são calculáveis e não mais um acaso do destino.

Nesta mesma linha de pensamento, é importante registrar também que, es-

tando a concessionária de serviços públicos vinculada ao CDC por força do inciso I

80 Disponível em <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 23 jan. 2007. 81 TIMM, Luciano Benetti. Os grandes modelos de responsabilidade civil no direito privado: da culpa do risco. Revista de Direito do Consumidor. julho/setembro. 2005. p. 163-164.

66

do art. 7º da Lei 8.987/95, é decorrência natural o fato de sua responsabilidade ser

objetiva. O legislador ordinário entendeu que a responsabilidade subjetiva não seria

a forma mais adequada para contemplar os conflitos decorrentes das relações de

consumo. Ainda que trate especificamente da responsabilidade do fabricante, é

possível citar José Reinaldo de Lima Lopes (1992),82 de forma analógica, com o

intuito de reforçar o argumento sustentado nos dois parágrafos anteriores:

Em primeiro lugar, a sociedade de massas impõe uma divisão do processo produtivo, que o torna um procedimento anônimo, incorporado nas linhas de montagem.

Em segundo lugar, divide profundamente os seus membros entre

produtores e consumidores. E, talvez mais importante, os consumidores não têm praticamente nenhuma influência sobre o processo produtivo diretamen-te, sobretudo quando se aumenta progressivamente a concentração de capi-tais. Em mercados oligopolizados, a força do consumidor é facilmente pulve-rizada frente aos grandes conglomerados econômicos. O consumidor só conta em termos macro-econômicos: as lesões individuais a seus direitos es-tão, em princípio, contabilizadas e programadas nas empresas. A qualidade própria dos autores dos danos ao consumidor é essencial para perceber porque se impõe a responsabilidade objetiva.

Oportuno ressaltar que, mesmo que a responsabilidade civil seja objetiva por

força do dispositivo constitucional supra aludido, não se trata de risco integral, ou

seja, não é do mero fato de ter ocorrido um evento danoso numa rodovia, por e-

xemplo, que nascerá a responsabilidade da concessionária. Trata-se, na verdade,

de risco administrativo. Registram Fábio Marcelo de Rezende Duarte e Haroldo

Fernandes Duarte (1997):83

Como se observa, a teoria do risco administrativo não se confunde com a do risco integral. A responsabilidade constitucional reclama que se es-tabeleça o efetivo nexo de causalidade entre os danos ocorridos e a ação ou omissão dos agentes públicos. Vale dizer, da falha ou deficiência do próprio serviço público, sendo também excludentes de responsabilidade tanto a cul-pa da vítima como o caso fortuito ou a força maior [...].

82 LOPES, José Reinaldo de Lima. Responsabilidade civil do fabricante e a defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 29. 83 DUARTE, Fábio Marcelo de Rezende; DUARTE, Haroldo Fernandes. Aspectos Jurídicos das Ro-dovias: tutela do uso comum, concessões rodoviárias, responsabilidade civil e outros aspectos. Rio de Janeiro: Mauad, 1997. p. 84-85.

67

Apesar da existência de disposição constitucional específica e da posição

dominante da doutrina neste sentido, a questão não é tão pacífica assim. Existem

autores que entendem que, provado o nexo causal, haveria responsabilidade solidá-

ria da Administração Pública pela má escolha do prestador de serviço ou por sua

falha ou ausência de fiscalização. Representando essa corrente doutrinária, Yussef

Said Cahali (1996)84 refere que o Poder Concedente tem responsabilidade solidária

em razão da má escolha do concessionário ou na sua desídia em fiscalizar as con-

dições de como o serviço vem sendo prestado à população. Desconsidera, prova-

velmente, a possibilidade de ocorrência de força maior. Este é o seu entendimento:

Tratando-se de concessão de serviço público, permite-se reconhecer que, em função do disposto no art. 37, § 6º, da nova Constituição, o Poder Público concedente responde objetivamente pelos danos causados pelas empresas concessionárias, em razão da presumida falha da Administração na escolha da concessionária ou na fiscalização de suas atividades, desde que a concessão tenha por objeto a prestação de serviço público, atividade diretamente constitutiva do desempenho do serviço público; responsabilida-de direta e solidária, desde que demonstrado que a falha na escolha ou na fiscalização da concessionária possa ser identificada como a causa do even-to danoso.

O posicionamento do Cahali, todavia, é contestado por vários doutrinadores,

os quais estão aqui representados por Guilherme Couto de Castro. Este último

(1997),85 além de reforçar que a responsabilidade da concessionária é objetiva por

força do § 6º do art. 37 da CF, acrescenta que não há solidariedade entre a Admi-

nistração Pública e o concessionário. Desse modo, o usuário não pode demandar

diretamente contra o Estado caso tenha sofrido um acidente de trânsito numa rodo-

via concedida, por exemplo, em razão do disposto no art. 265 do Código Civil Brasi-

leiro – CCB de 2002 (Lei 10.406, de 10.1.2002). A aludida norma diz que a solidari-

edade não se presume, motivo pelo qual cabe ao usuário acionar a concessionária

de rodovias, a qual possui personalidade jurídica própria.

84 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. 2 ed. ampl. rev. e atual. São Paulo: Ma-lheiros Editores, 1996. p. 151. 85 CASTRO, Guilherme Couto de. A Responsabilidade Civil Objetiva no Direito Brasileiro. 2 ed. Fo-rense: Rio de Janeiro, 1997. p. 63-64.

68

A posição de Castro (que representa a maioria da doutrina) parece ser a

mais apropriada, pois o art. 265 do CCB é taxativo ao mencionar que a solidarieda-

de não se presume, resultando da lei ou da vontade das partes. Ele equivale ao art.

896 do CCB de 1916 (Lei 3.701, de 1º.1.1916). Ainda que haja respeitáveis opiniões

em contrário – Cahali, por exemplo -, sendo a concessionária uma empresa privada,

que participa de um contrato de concessão por sua conta e risco, não seria defen-

sável entender que cabe ao Estado responder solidariamente por danos causados

em razão da sua atuação na prestação do serviço público concedido. O próprio art.

25 da Lei 8.987/95 reforça essa idéia ao dizer que cabe à concessionária responder

por todos os prejuízos causados ao Poder Concedente, aos usuários e a terceiros,

não havendo exclusão ou atenuação de sua responsabilidade mesmo ante a fiscali-

zação exercida pelo órgão competente.

Em que pese seja responsável pela indenização dos danos causados a ter-

ceiros (usuários ou não), Ocaña86 adverte que não podem ser imputados à conces-

sionária aqueles causados pelo Poder Público (por exemplo, o caso de um fiscal do

Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem – DAER que, ao realizar uma

vistoria numa rodovia concedida, acaba provocando um acidente com lesões ao

colidir com o veículo de um usuário). Já Taborda87 assegura que a responsabilidade

da concessionária perante o Poder Concedente é subjetiva, dependendo, portanto,

da comprovação de dolo ou culpa. O embasamento viria do disposto no art. 70 da

Lei 8.666/93. Concordando com Castro, Taborda acrescenta ainda: “Já a responsa-

bilidade perante terceiros, por seu turno, é objetiva, seguindo a teoria do risco ad-

ministrativo, conforme disposição constitucional (art. 37, § 6º). Quanto à responsabi-

lidade da concessionária perante os usuários, temos que também seja de natureza

objetiva.” Como o usuário é consumidor e há disposição expressa no art. 22 do CDC

quanto à sua aplicabilidade às concessões, não se poderia deixar de tratar da pos-

sibilidade de inversão do ônus da prova prevista no seu art. 6º, inciso VIII. Há auto-

86 OCAÑA, op. cit., p. 321-322. Tradução livre. 87 TABORDA, op. cit., p. 89.

69

rização para a inversão pelo juiz quando houver verossimilhança na alegação do

consumidor ou quando ele for hipossuficiente. Outro não é o posicionamento da

jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Ao julgar o agravo de instrumento nº 70018697896, a 13ª Câmara Cível entendeu o

seguinte: “É princípio básico em matéria de relações de consumo que, sendo veros-

símil a afirmação do consumidor sobre um determinado fato, inverte-se o ônus da

prova a esse respeito (art. 6º, VIII, do CDC).”88

Flávio de Queiroz Bezerra Cavalcanti (1995)89 ressalta que somente pela ob-

servação dos fatos é que o julgador poderá verificar se a afirmação é verossímil ou

se o consumidor é hipossuficiente para autorizar a inversão do ônus da prova. É

prudente que o juiz use da máxima cautela, pois, segundo o autor na mesma pas-

sagem, "a inversão deve ocorrer até o momento em que se iniciar a fase probatória,

para que a parte antecipadamente tenha ciência do ônus que lhe cabe e possa dele

se desincumbir". Ao inverter o ônus da prova em favor do usuário (consumidor), o julgador não

pode, de maneira alguma, pretender que a concessionária de serviço público (for-

necedora) produza uma prova inviável ou impossível. Um bom exemplo disso é o

juiz determinar que a concessionária de rodovias, para não ter que indenizar o pára-

brisa quebrado por uma pedra, demonstre que o usuário transitou com o seu veícu-

lo por uma rota de fuga (ou, como preferem o Ministério Público e as associações

de usuários, uma via alternativa). Tal prova é provavelmente inviável para a con-

cessionária, gerando desequilíbrio processual indevido e violando o disposto no § 6º

88 Esta é a sua ementa (Disponível em <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2007.): “AGRAVO DE INSTRUMENTO. REVISÃO DE CONTRATO. DECISÃO MONOCRÁTICA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. É princípio básico em matéria de relações de consumo que, sendo verossímil a afirmação do consumidor sobre um determinado fato, inverte-se o ônus da prova a esse respeito (art. 6º, VIII, do CDC). O princípio reitor da boa-fé, com os seus desdobramentos dos deveres de lealdade e cooperação, impõe ao Banco a obrigação de trazer aos autos cópia dos documentos de que dispõe acerca da contratualidade afirmada. A-GRAVO PROVIDO DE PLANO, COM FUNDAMENTO NO ART. 557, §1º-A, DO CPC.” (Agravo de Instrumento Nº 70018697896, Décima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ângela Terezinha de Oliveira Brito, Julgado em 04/04/2007) 89 CAVALCANTI, Flávio de Queiroz Bezerra. Responsabilidade civil por fato do produto no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 138-139.

70

do art. 37 da CF (Teoria da Carga Probatória Dinâmica). Além disso, não haveria a

verossimilhança exigida pelo art. 6º, inciso VIII, do CDC nem teria sido estabelecido

o nexo de causalidade. Segundo Cavalcanti,90 tal fato retira a possibilidade de defe-

sa do produtor ou fornecedor (no caso, da concessionária de rodovias), ferindo o

princípio constitucional da ampla defesa previsto no art. 5º, inciso LV, da CF.

Não se pode olvidar que, consoante o disposto no art. 422 do CCB, os con-

tratantes devem guardar, tanto na construção quanto na execução, os princípios da

boa-fé e da probidade. Aliás, alerta Clóvis do Couto e Silva (1976):91 "A influência

da boa-fé na formação dos institutos jurídicos é algo que não se pode desconhecer

ou desprezar." Por sua vez, destaca Judith Martins Costa (2000):92

A expressão “boa-fé subjetiva” denota “estado de consciência”, ou convencimento individual de obrar (a parte) em conformidade ao direito (sendo) aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Diz-se “subjetiva” justamente porque, para a sua apli-cação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar a ou-trem.

Já por “boa-fé objetiva” se quer significar – segundo a conotação que adveio da interpretação conferida ao § 242 do Código Civil alemão, de larga força expansionista em outros ordenamentos, e, bem assim, daquela que lhe é atribuída nos países da common law – modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual “cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com ho-nestidade, lealdade, probidade”. Por este modelo objetivo de conduta levam-se em consideração os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subsuntivo.

Na relação entre a concessionária (prestadora de serviço) e o usuário (con-

sumidor) não poderia ser diferente. Assim, à concessionária é imposto também o

dever de agir de boa-fé, fornecendo informações corretas para o usuário e prestan-

90 CALVACANTI, op. cit., p. 139. 91 COUTO E SILVA, Clóvis do. A Obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky, 1976. p. 27. 92 MARTINS COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 411.

71

do-lhe um serviço de forma leal e honesta. Com a devida vênia, ousa-se concluir

que o agir de boa-fé da concessionária está ligado diretamente à idéia de prestação

de um serviço adequado para o usuário. Tal consideração está lastreada no fato do

usuário ter, por força do inciso II do art. 7º da Lei 8.987/95, o direito de receber do

Poder Concedente e da concessionária informações para a defesa dos seus inte-

resses individuais e coletivos. Seguindo essa linha de raciocínio, a imposição cons-

titucional para a prestação de um serviço adequado contida no art. 175, parágrafo

único, inciso IV, certamente passa também pela idéia de boa-fé. Explica-se: a em-

presa contratada tem o dever de atender, ainda que minimamente, às expectativas

do usuário. Essas expectativas são aquelas esperadas de um homem médio, do

qual é exigida uma conduta leal, proba e honesta na sua relação com o meio social.

A concessionária deve fornecer uma prestação do serviço público adequada, sob

pena de não serem atendidos tais anseios consagrados pelo ordenamento jurídico.

1.6 A fiscalização da concessionária pelo Poder Concedente

As atribuições do Poder Concedente estão contidas no art. 29 da Lei

8.987/95. O art. 30, por sua vez, traz a forma como esta fiscalização pode ser feita.

É imperioso destacar aqui a importância conferida por Tolosa Filho93 sobre o exer-

cício do poder de fiscalização da Administração Pública sobre a concessionária:

Com efeito, o exercício correto desse poder, sem sufocar as atribui-ções e competências do concessionário ou do permissionário, deve procurar corrigir as falhas existentes, propondo alternativas aos métodos emprega-dos, cuidando da segurança do desenvolvimento das atividades, bem como acompanhar a saúde econômico-financeira da empresa.

Essa fiscalização pode ser exercida por técnicos do poder conceden-

te, por técnicos contratados, ou de forma tripartite, por comissão integrada por representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários, como, aliás, preconizam os arts. 3º e 30, parágrafo único, desta Lei, e art. 21, da MP nº 890/95.

A importância da fiscalização da qualidade da prestação dos serviços públi-

cos no Brasil pode ser constatada igualmente ao serem analisados os principais

93 TOLOSA FILHO, op. cit., p. 97.

72

problemas que envolvem o tema. Foram realizados estudos nos quais restaram evi-

denciados quais seriam esses problemas. Como exemplo, pode ser mencionado o

artigo “Qualidade dos Serviços Públicos no Brasil”, cuja elaboração coube ao Dire-

tor-Adjunto de Pesquisa e Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro –

UFRJ, João Lizardo R. de Hermes Araújo. Da sua análise, salienta-se este trecho:94

Problemas do Brasil

Somos um país em desenvolvimento. Nossa infra-estrutura é imatura e incompleta. Temos brutais desigualdades econômicas e sociais. Desenvolver significa atacar essas desigualdades. Redução de desigualdades aumenta demanda de serviços públicos.

Isto implica uma expansão do sistema em níveis adequados. Implica igualmente dar acesso efetivo às camadas de baixa renda. Tem havido pouco investimento em expansão. Particularmente visí-

vel em eletricidade: o investimento privado se dirige à compra de ativos. Telecomunicações: revolução tecnológica possibilitou uma saída via

celular. Solução de alto custo, perversa: não contempla (como nos PI, ape-

nas palia a insuficiência da rede básica.). Tarifas elevadas não repartem redução de custos com consumido-

res. Consumidores cativos são mais prejudicados. Desigualdades regionais perversas: regiões pobres têm maiores cus-

tos. Risco de acentuar desigualdades. Acesso universal em risco: exclusão crescente leva à perda de cida-

dania efetiva. Pouca competição efetiva: rumo a um oligopólio privado com mono-

pólios locais ?

O mesmo estudo aponta para a eficácia relativa das multas impostas às con-

cessionárias pela Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, já que a maioria

delas, além de não ser paga, é cassada via interposição de recursos. Entre as solu-

ções apontadas,95 quatro merecem especial registro: a) definição mais profunda de

um elenco de metas e estímulos para a qualidade e o acesso; b) discussão de mu-

danças regulatórias compatíveis com a qualidade e o acesso; c) reforço na qualida-

de e na competência da Administração Pública; d) conferir maior representatividade

94 ARAÚJO, João Lizardo R. de Hermes. Qualidade dos Serviços Públicos no Brasil. In: Instituto Bra-sileiro de Defesa do Consumidor – IDEC. A proteção ao consumidor de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 297. 95 ARAÚJO, op. cit., p. 296-298.

73

aos conselhos de consumidores. Cresce, por conseguinte, o papel das agências

reguladoras para a efetiva implementação dos incisos VI e VII do art. 29 da Lei

8.987/95.96

É de suma importância, antes de prosseguir, fazer uma diferenciação concei-

tual entre os tipos de agências autônomas idealizados pelo Plano Diretor da Refor-

ma do Aparelho do Estado de 1995. Este último foi elaborado durante o governo de

Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e, para a sua implantação, foi criado o

Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado – MARE. Segundo

Marcelo Douglas de Figueiredo Torres (2004),97 as agências serviriam como instru-

mentos viabilizantes para conferir maior eficiência na intervenção estatal.

Existem dois tipos de agências autônomas: as executivas e as reguladoras.

As primeiras foram criadas pela Lei 9.649, de 27.05.1998, tendo autonomia geren-

cial, pactuação de resultados e contrato de gestão com metas. Torres, todavia, a-

crescenta que as agências executivas não tiveram o resultado esperado, sendo

que, no nível federal, apenas o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e

Qualidade – INMETRO foi qualificado como tal. Entre os fatores que levaram ao seu

desuso podem ser citados a existência de uma forte cultura burocrática e várias difi-

culdades operacionais.

Com as agências reguladoras, a situação foi totalmente diversa. Seu objetivo

era fiscalizar as empresas dos setores privatizados.98 Para tanto, possuíam forte

autonomia institucional em relação aos ministérios a que estão vinculadas, tendo

seus diretores mandatos fixos. Torres aponta as causas para o relativo sucesso das

agências reguladoras:99 “Em certa medida, o modelo de agência reguladora foi mais

96 Art. 29. Incumbe ao Poder Concedente : ... VI – cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do serviço e as cláusulas contratuais da concessão; VII – zelar pela boa qualidade do serviço, receber, apurar e solucionar queixas e reclamações dos usuários, que serão cientificados, em até trinta dias, das providências tomadas; 97 TORRES, Marcelo Douglas de Figueiredo. Estado, Democracia e Administração Pública no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2004. p. 182-183. 98 Como exemplos podem ser citadas a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL e a A-gência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. 99 TORRES, op. cit., p. 184.

74

bem-sucedido em relação às agências executivas, pela sua fonte constante e regu-

lar de receitas, que, na maior parte, independe do orçamento federal, uma vez que

elas sobrevivem da arrecadação de taxas cobradas dos setores regulados.”

É preciso considerar que as agências reguladoras, como órgãos imparciais

que são, constituem-se em instrumento fundamental para o exercício pleno da fisca-

lização dos setores privatizados, zelando pela prestação de um serviço público de

qualidade. Quando lhes foi conferida autonomia, tiverem condições de se livrar da

interferência de interesses particulares e da influência dos interesses políticos dos

membros do governo. Ademais, os usuários dos serviços públicos possuem repre-

sentantes nos conselhos de administração das agências e há uma “quarentena”

para os conselheiros, ou seja, há prazos de desincompatibilização para evitar que,

logo após sua saída, ocupem postos nas empresas fiscalizadas. Sintetiza Alexandre

Santos de Aragão (2002):100 “As agências reguladoras independentes são a sede

por excelência da manifestação do processo de consensualização e flexibilidade

pelos quais vem passando o Direito Administrativo contemporâneo.”

As agências reguladoras enfrentam atualmente um grave problema: o contin-

genciamento de verbas feito pelo Poder Executivo. Ainda que as agências sejam

mantidas também pelas taxas e pelas obrigações pagas pelas empresas, contam

igualmente com as receitas orçamentárias que lhe são remetidas pelos ministérios

aos quais estão atreladas (por exemplo, Agência Nacional de Transportes Aquaviá-

rios – ANTAQ => Ministério dos Transportes). Em reportagem sobre o tema, a Re-

vista Marco – Regulação e Desenvolvimento (2007),101 entrevistou o professor de

Direito Administrativo, Carlos Ari Sundfeld, o qual classificou como ruim a relação

entre as agências reguladoras e o Poder Executivo. Destacou ainda o seguinte:102

Sundfeld considera que no Brasil prevalece ainda a idéia de que de-cisões importantes devam ser tomadas por quem detém o poder político.

100 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do Direito Administrativo Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 320. 101 ALVES, Hosana. Agências enfrentam penúria financeira. Revista Marco – Regulação e Desenvol-vimento, Verbena, Goiânia, v. 3, ano 02, p. 48-53, mar. 2007. 102 ALVES, op. cit., p. 50-51.

75

O professor explica que esta é uma noção equivocada e inviável na estru-tura das administrações públicas modernas. “O Estado hoje cuida de uma infinidade de assuntos, e determinadas decisões podem ser tomadas so-mente a partir de critérios e conhecimento técnicos específicos, não po-dendo estar sujeitas ao mero caráter político’, defende, porque gera deci-sões e conflitos no âmbito da justiça.

[...] Conforme Sundfeld, “o governo não aceita a autonomia das agên-

cias, simplesmente porque quem decide tem poder”. Segundo ele, falta aos governantes a compreensão de que, em um Estado democrático, é imprescindível a divisão dos poderes e que decisões tomadas de forma unilateral qualificam uma gestão autoritária.

[..] Ainda sobre o descrédito das agências e o fortalecimento de um po-

der centralizador, o professor afirma: “Quando o sistema regulatório dos diversos setores se desmoraliza, quem detém o poder pode até se benefi-ciar em um primeiro momento, mas em longo prazo o reflexo dessa crise tende a se estender a todo o sistema político, atingindo também governan-tes, presidente e ministros. E com a ausência de uma regulação séria, o problema se agrava ainda mais, compondo um cenário de lenta e contínua decadência para o país.”

Com base no entendimento acima exposto do administrativista, mostra-se

imprescindível que o governo não interfira na autonomia das agências reguladoras.

A construção de um marco regulatório robusto, eficiente e transparente passa pela

criação das mencionadas agências na condição de verdadeiras “autarquias especi-

ais”. Seu papel primordial é a resolução de crises, servindo como mediadoras. Além

disso, têm como atribuição exercerem a fiscalização do cumprimento dos interesses

coletivos envolvidos no setor que regulam. A interferência indevida do Poder Execu-

tivo nas agências prejudica a consolidação do marco regulatório brasileiro e os inte-

resses dos usuários na prestação dos serviços públicos concedidos.

Tendo sido abordada a tentativa da influência governamental, é imperioso

analisar, a título ilustrativo, uma das agências reguladoras em particular. A Agência

Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul –

AGERGS pode perfeitamente ser citada como um exemplo regional de agência re-

guladora que exerce bem a sua missão fiscalizadora. Ela foi criada através da edi-

ção da Lei Estadual 10.931, de 9.1.1997, sendo um modo concreto de tornar efetivo

o disposto no art. 29 da Lei de Concessões. Seu regimento interno foi aprovado pe-

76

lo Decreto Estadual 39.061, de 27.11.1998, o qual foi alterado pelas Resoluções

AGERGS 88, 89 e 177. Aliás, o Rio Grande do Sul, de forma precursora, já tinha

sido o primeiro Estado brasileiro a regulamentar a prestação dos serviços públicos

através da Lei Estadual 10.086, de 24.1.1994, a qual dispõe sobre o seu regime de

concessão e permissão.

A direção da mencionada agência cabe ao seu Conselho Superior, consoan-

te o art. 6º da Lei 10.931/97. Sua composição contempla 7 membros, que possuem

origens bem diversas (três são de livre nomeação pelo Governador do Estado; um é

o representante dos servidores da AGERGS, que também é indicado pelo Gover-

nador do Estado; outros dois representam os consumidores e o último é indicado

pelos concessionários). Conforme o conselheiro Gilberto José Capeletto (2001),103 o

fato de haverem representantes dos concessionários e dos consumidores é um dos

grandes diferenciais da AGERGS em relação às demais agências. Longe de pare-

cer uma idéia corporativista, é preciso levar em consideração, segundo Capeletto,

que todos os candidatos ao cargo de conselheiro são submetidos a uma sabatina

na Comissão de Serviços Públicos da Assembléia Legislativa, Posteriormente, seus

nomes são aprovados mediante votação secreta. Fica garantida, dessa forma, a

avaliação dos méritos do candidato.

A criação da AGERGS estava alicerçada numa idéia de “Estado menos pe-

sado”. Empunhando a bandeira das privatizações, o Poder Executivo e o Poder Le-

gislativo tinham entendido que a prestação dos serviços públicos por empresas pri-

vadas precisaria ter um regramento robusto e que os respectivos contratos de con-

cessão deveriam ser juridicamente perfeitos. Nascia daí que nascia a necessidade

de criação de um ente jurídico que realizasse o controle da prestação dos serviços

públicos de forma equilibrada e imparcial. O ex-Governador do Estado Antônio Brit-

to (2001),104 que sancionou a lei de criação da agência reguladora gaúcha, assim

ressaltou a sua relevância:

103 CAPELETTO, Gilberto. A alma não foi pequena, muito menos o esforço, Terá valido a pena ? Revista da AGERGS. Marco Regulatório nº 5. Edição Especial. Julho/2001. p. 97-98. 104 BRITTO, Antônio. AGERGS, um instrumento essencial à sociedade gaúcha. Revista da A-GERGS. Marco Regulatório nº 5. Edição Especial. Julho/2001. p. 8.

77

A nossa AGERGS nasceu no mesmo minuto em que o Rio Grande do Sul concebeu um amplo e bem sucedido processo de Reforma do Estado. Em nenhum momento, ocorreu-nos ser possível que as privatizações acon-tecessem e os setores transferidos à iniciativa privada deixassem de ser considerados como de interesse público.

Por isso, de forma pioneira, o Rio Grande do Sul encaminhou à As-

sembléia Legislativa o projeto de lei criando a AGERGS, modelo para todas as demais Agências existentes no País. [...]

Hoje, passados os primeiros anos de sua criação, reafirmo a convic-

ção de que a AGERGS passa a ser instrumento essencial à sociedade gaú-cha.

Criada a agência, o desafio era agora estruturá-la e aparelhá-la. O então go-

vernador encarregou Guilherme Socias Villela da tarefa de reunir uma equipe para

tanto. Após, foi empossado como o seu primeiro Presidente. Um dos membros con-

vocados era Eduardo Battaglia Krause, que foi nomeado como o primeiro Diretor

Jurídico da AGERGS. Ao escrever obra sobre o assunto, Krause (2001)105 definiu

regulação como “[...] é o somatório de atos contínuos que se suportam numa rela-

ção contratual entre delegante e delegatário, bem como na aproximação de todas

as partes envolvidas, buscando o conhecimento, a convivência e a conciliação.” Por

fim, conclui: “Distanciando-se, porém, quando exaurida a mediação, para decidir

com absoluta autonomia, isenção e eqüidistância. A regulação não é tão somente

um ato econômico ou jurídico. Está no seu cerne o equilíbrio dos contratos, a quali-

dade dos serviços prestados e a conseqüente satisfação dos usuários.”

Por força do Decreto Estadual 37.839, de 21.10.1997, mesmo os contratos

de concessão que já tivessem sido efetivados e aqueles que estivessem em fase de

elaboração, deveriam ser encaminhados para análise da AGERGS (arts. 1º e 2º).

Tal situação apenas e tão somente demonstra a relevância e a força fiscalizatória

que o legislador gaúcho quis atribuir à referida agência reguladora. Uma caracterís-

tica a ser igualmente destacada é o fato de possuir recursos humanos e orçamentá-

rios próprios, condição que só reforça sua autonomia. Entra aqui a possibilidade de

105 KRAUSE, Eduardo Battaglia. Agências de regulação – conceito, legislação e prática no Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2001. p. 19.

78

exame da adequação do contrato de concessão frente aos deveres legais impostos

pelo CDC (§ 1º do art. 6º) e pela Lei 8.987/95 (§ 1º do art. 6º).

O caráter precursor e relevante da AGERGS não a livrou de ter sua legitimi-

dade e criação contestadas via ajuizamento de duas ações diretas de inconstitucio-

nalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (ADIN nº 1949-0 e ADIN nº 2095-0). O

autor em ambas foi o próprio Estado do Rio Grande do Sul, eis que tinha havido a

alternância partidária no Poder Executivo Gaúcho (Em 1997, o titular do mandato

era do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB; em 1999, porém, o

ocupante era do Partido dos Trabalhadores – PT). Assevera Krause neste particu-

lar:106

Em fevereiro de 1999, o Estado do Rio Grande do Sul interpôs Ação Direta de Inconstitucionalidade contestando a redação de dois artigos da lei de Criação da AGERGS. A matéria envolvia os mandatos dos conselheiros da autarquia. Ainda naquele exercício, no mês de outubro propôs nova Ação Direta de Inconstitucionalidade visando impugnar algumas competências da autarquia, dispostas, também, na sua Lei de Criação.

Nas duas ações, restou demonstrada a constitucionalidade da matéria. Reite-

rando essa posição do STF, é oportuno salientar que o Poder Judiciário do Rio

Grande do Sul também vem reconhecendo a importância do papel regulatório da

AGERGS nos contratos de concessão. Na apelação cível nº 70007212087, por e-

xemplo, a discussão era em torno do repasse do custo do pedágio às tarifas do

transporte intermunicipal de passageiros a fim de preservar o equilíbrio econômico-

financeiro dos contratos de concessão. A 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul reconheceu a relevância da AGERGS, referindo que a

mesma possui a atribuição para decidir e fixar o novo preço da tarifa, conforme o

disposto no art. 3º, “caput”, alínea “g”, da Lei Estadual 10.931/97. Esta é a ementa

do aludido julgado:107

106 KRAUSE, op. cit., p. 45. 107 Disponível em <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 23 jan. 2007.

79

APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. ADMINISTRATIVO. SERVIÇO PÚBLICO. TRANSPORTE INTERMUNICIPAL DE PASSAGEI-ROS. DAER. PEDÁGIOS. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CONTRATOS DE CONCESSÃO. REPASSE DO CUSTO ÀS TARIFAS. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE REVISÃO. OMISSÃO DO PODER COMPETENTE. RESPONSABILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Se, em razão do impacto do custo dos pedágios sobre os contratos de con-cessão de transportes intermunicipais de passageiros, o poder competente, uma vez provocado, deu normal andamento ao pedido de revisão, a fim de repasse ao preço das tarifas, qual seja, encaminhamento inclusive à Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados - AGERGS, com competência para decidir e fixar o novo preço (Lei-RS 10.931/97, art. 3.º, ca-put, e alínea g), não há falar, por aí, em responsabilidade. No entanto, se o mesmo poder foi o implantador dos pedágios (Lei-RS 11.090/98, art. 1.º, VII-I), e estava ciente de que tal provocava o desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, nos quais ele próprio figurava como conceden-te, não há dúvida de que, antes do início da cobrança, era seu dever provo-car revisão tarifária, ainda que em caráter emergencial, tal como no âmbito federal por meio da Portaria 20/97, do Ministério os Transportes. Como isso não fez, limitando-se a praticar fato do príncipe, responde, na proporção do número de passagens vendidas, até quando os custos foram integralmente repassados às tarifas. 2. Se consta na inicial pedido de honorários em per-centual, e a sentença concede menos, é possível admitir recurso adesivo porque houve sucumbência. [...] (Apelação Cível Nº 70007212087, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 20/10/2004)

O reconhecimento da importância da AGERGS pelo Poder Judiciário Estadu-

al, como ficou claro no julgado acima mencionado,108 só fortalece e dá mais credibi-

lidade para a aludida agência. Nos acórdãos, ficou claro que os desembargadores

108 Podem ser citadas também mais duas decisões semelhantes extraídas da mesma fonte:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. TRANSPLANTES DE LINHAS DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL AUTORIZADOS PELO DAER. NECESSIDADE DE HOMOLOGAÇÃO PELA AGERGS. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO. 1. [...]. 2. Os artigos 3º e 4º da Lei estadual n. 10.931/97 estabelecem que os contratos celebrados na área de transporte intermunicipal devam passar pelo crivo da A-gência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul devendo por esta Agên-cia ser homologados. Tendo o Conselho do DAER autorizado diversos transplantes de linhas no âmbito de atuação da empresa de transporte agravante, para que tenham eficácia estas autorizações, necessária a prévia homologação pela Agência reguladora competente, ainda mais quando há indícios sérios de que seria necessá-ria a licitação dos trechos. Recurso improvido.” (Agravo de Instrumento Nº 70004293718, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Roberto Lofego Canibal, Julgado em 24/09/2003)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO AQUAVIÁRIO. TARIFA. RESOLUÇÃO DA AGERGS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. QUESTÕES PROCESSUAIS. 1. [...]. 2. [...]. 3. Em nível de juízo provisório, uma vez presentes os requisitos específicos, merece acolhida medida liminar que, cautelarmen-te, faz retornar, no serviço de transporte coletivo aquaviário, o preço da tarifa anterior. Se as concessionárias vivem desordem contábil, descumprindo Resolução da AGERGS, desordem essa que impede esta entidade de fixar preço justo, não podem pretender pura e simplesmente atualização monetária. A AGERGS não pode se transformar em mera aplicadora de índice de correção monetária. Se tal é o procedimento das concessionárias, ao tempo em que não podem tirar proveito da própria omissão, também sinalizam que temem pelo que pode acontecer a partir de uma definição tarifária com base em informações técnicas, isto é, temem que pode acon-tecer rebaixamento. 4. Agravo conhecido em parte e desprovido.” (Agravo de Instrumento Nº 70012495537, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 17/05/2006)

80

entenderam que a AGERGS tinha sim a prerrogativa de fiscalizar os serviços públi-

cos e acompanhar a fixação dos seus preços e a própria elaboração dos contratos

de concessão. Em suma: para o Poder Judiciário, a agência não tem mero papel

decorativo ou burocrático.

De acordo com a Lei Estadual 10.931/97, a AGERGS tem como objetivos as-

segurar a prestação de serviços públicos adequados (inciso I do seu art. 2º), garan-

tir a harmonia entre os usuários e a concessionária (inciso II do seu art. 2º), e zelar

pelo equilíbrio-econômico financeiro dos serviços públicos delegados (inciso III do

seu art. 2º). A busca da qualidade no serviço público e, em conseqüência, a sua

prestação de forma adequada aparecem também, por exemplo, no inciso XI do seu

art. 4º, que diz que cabe à AGERGS fiscalizá-la por meio de indicadores e de pro-

cedimentos amostrais, e no seu art. 14, alínea "a", o qual faz referência ao relatório

anual com a avaliação dos indicadores. É disponibilizado da mesma forma aos usu-

ários um sistema de ouvidoria (art. 14, § 2º), através do qual podem ser feitas re-

clamações, sugestões e elogios aos serviços públicos delegados.

Outro ponto importante a ser destacado nesse aspecto no Estado do Rio

Grande do Sul foi a edição do Código Estadual de Qualidade dos Serviços Públicos

(Lei Estadual 11.075, de 06 de janeiro de 1998). Segundo o art. 1º, seu objetivo é o

estabelecimento de padrões mínimos de qualidade dos serviços de natureza públi-

ca. Sua aplicação estende-se aos serviços de natureza pública e bens de uso co-

mum do povo prestados por empresas públicas, privadas e órgãos da administração

direta e indireta. Analisando-se a aludida lei, pode-se facilmente perceber que o u-

suário de serviço público é tratado como consumidor ("caput" do seu art. 1º, por e-

xemplo), possuindo todos os direitos e os deveres que lhe são inerentes. Restou

evidenciada novamente, com a edição da lei, a existência de uma preocupação es-

pecial do legislador gaúcho com a qualidade do serviço público, o que, provavel-

mente, deve ter sido originada pelas constantes cobranças dos usuários por melho-

rias.

1.7 Hipóteses de extinção da concessão

A extinção da concessão e as suas implicações estão minuciosamente regu-

81

lamentadas nos arts. 35 a 39 da Lei 8.987/95. Isso, com certeza, revela a preocu-

pação do legislador com o fato, o qual possui certas características peculiares em

relação a outras modalidades de contratos administrativos. Anota Ocaña109 que a

extinção da concessão caracteriza-se tão-somente como o desaparecimento da

titularidade legitimadora conferida pela Administração Pública à concessionária para

que esta última prestasse o serviço público.

As formas de extinção da concessão estão reguladas pelo art. 35, sendo as

seguintes: advento do termo contratual (inciso I), encampação (inciso II), caducida-

de (inciso III), rescisão (IV), anulação (inciso V) e falência ou extinção da empresa

concessionária e falecimento ou incapacidade do titular, no caso de empresa indivi-

dual (inciso VI). Sobre as principais conseqüências advindas da extinção da con-

cessão, asseguram Arnold Wald, Luíza Rangel de Moraes e Alexandre de Mendon-

ça Wald (1996):110

O capítulo X (arts. 35 a 39) disciplina a extinção da concessão, pre-vendo as diversas situações em que se encerrará, retornando o serviço ao poder concedente para a exploração direta ou por este ou delegação à nova concessionária, após licitação, nesta última hipótese.

As principais conseqüências da extinção da concessão vêm enunci-

adas nos parágrafos 1º ao 4º do art. 35 e consistem em:

a) retorno, ao poder concedente, de todos os bens reversíveis, direi-tos e privilégios conferidos ao concessionário, conforme previsto no edital e no contrato;

b) imediata assunção do serviço pelo concedente, com a ocupação das instalações e a utilização de todos os bens reversíveis;

c) processamento dos levantamentos e avaliações necessários para a apuração do montante de indenização devida à concessionária pela rever-são dos bens e dos serviços.

Todo o contrato de concessão deve possuir uma cláusula que estipule a data

para o seu término. Alcançando-se o prazo e sem haver a necessidade de edição

de nenhum ato administrativo solene, impõe-se o fim do contrato, sendo restituídos

109 OCAÑA, op. cit., p. 136. Tradução livre. 110 WALD, Arnoldo; MORAES, Luíza Rangel de; WALD, Alexandre de M. O Direito de Parceria e a Nova Lei de Concessões (Análise das Leis 8.987/95 e 9.074/95). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 160-161.

82

ao Poder Concedente (União, Estado, Distrito Federal ou Município) a administra-

ção dos serviços públicos e dos bens reversíveis declarados no contrato de conces-

são. Tolosa Filho111 diz que, com o término do contrato de concessão, além da resti-

tuição dos bens reversíveis nele declarados, não haverá ressarcimento, salvo ex-

pressa disposição contratual em contrário. A partir de então, o Poder Concedente

assume a execução dos serviços, ocupando as instalações e utilizando os bens re-

versíveis contratualmente previstos. Na encampação, a situação é bem diferente. Neste caso, a Administração

Pública, devidamente baseada em lei autorizativa, retoma o serviço que foi outorga-

do ao concessionário, alegando interesse público. Cabe, todavia, a indenização do

concessionário – como não poderia deixar de ser num Estado Democrático de Direi-

to - após minuciosos levantamento e avaliação, nos quais devem ser incluídas as

parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis que não tenham sido a-

mortizados ou depreciados. Além disso, são incluídos também os investimentos

realizados pelo concessionário que garantiram a continuidade e a atualidade do

serviço público concedido. Uma tentativa recente de encampação ocorreu no Paraná, durante o primeiro

mandato do governador Roberto Requião (2003-2006), em relação ao serviço públi-

co de concessão de rodovias. A questão foi parar no Poder Judiciário. A Empresa

Concessionária de Rodovias do Norte S.A. – ECONORTE, a Rodovias Integradas

do Paraná S.A. – VIAPAR, a Rodovia das Cataratas S.A., a Caminhos do Paraná

S.A. e a Concessionária Ecovia Caminho do Mar S.A., - tendo como um de seus

procuradores o doutrinador Marçal Justen Filho -, ajuizaram, em 05/08/03, a ação

ordinária nº 2003.70.00.039554-0 contra a União Federal, o Departamento Nacional

de Infra-estrutura de Transportes – DNIT, a Agência Nacional de Transportes Ter-

restres – ANTT, o Estado do Paraná e o Departamento de Estradas de Rodagem do

Estado do Paraná – DER/PR perante a Justiça Federal de Curitiba. Questionavam,

em síntese, a encampação e suas conseqüências. Foi prolatada, num primeiro momento, decisão monocrática pelo Juiz Federal

111 TOLOSA FILHO, op. cit., p. 114.

83

Substituto da 7ª Vara Federal deferindo o pedido de antecipação de tutela para, re-

conhecendo a ausência de legitimidade e poderes da Comissão Especial de Audito-

ria e Avaliação - CEAA, fosse determinado ao Estado do Paraná que se abstivesse

de formular às autoras exigências relacionadas com a referida comissão, assim co-

mo de instituir outras nos mesmos moldes. Os autos foram redistribuídos para o

magistrado da 3ª Vara Federal em razão da existência de prevenção, o qual deci-

diu, de forma diversa, no seguinte sentido:

[...] revogar parcialmente a medida de urgência, no que pertine ao reconhecimento do direito ao devido processo legal, ao contraditório e à am-pla defesa no processo de fiscalização e avaliação dos dados necessários à apuração da composição patrimonial devida na hipótese de encampação dos serviços, mantendo-a no que tange à declaração de ilegitimidade da Comis-são Especial de Auditoria e Avaliação e atribuição de competência ao DER para fiscalização dos serviços concedidos.

As concessionárias supra citadas agravaram da decisão monocrática. A 3ª

Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, restando vencido o

Desembargador Federal Carlos Thompson Flores Lenz, deu provimento ao agravo

de instrumento, entendendo, em resumo, que a apuração do valor a ser pago a títu-

lo de indenização às concessionárias estaria sujeito ao regular processo administra-

tivo, sendo-lhes assegurados o exercício do contraditório e da ampla defesa. Assim,

o montante da indenização decorrente da encampação, por intervir diretamente na

esfera patrimonial das empresas, não poderia ficar condicionado exclusivamente ao

arbítrio do Poder Concedente. Segue abaixo a ementa do mencionado julgado:112

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CONCESSIO-

NÁRIA DE RODOVIAS. ENCAMPAÇÃO. INDENIZAÇÃO. DEVIDO PRO-CESSO LEGAL.

1. As salvaguardas constitucionais servem como medidas de con-tenção do poder estatal, balizando a sua ação e refreando o arbitrário sacrifí-cio das liberdades públicas. Ínsitos no devido processo legal estão os princí-pios do contraditório e ampla defesa, os quais não se encerram no exercício tosco de defesa. Exigem defesa formal, com o recurso que lhe é inerente. Não basta mero simulacro de impugnação, simples informações, mas implica que oportunizada a apresentação de razões, produção de provas e a poste-

112 Disponível em <http://www.trf4.gov.br>. Acesso em 10 abr. 2007.

84

rior oportunidade de remessa da matéria controvertida à autoridade hierar-quicamente superior, com ou sem efeito suspensivo. Antes que exercida a defesa, não pode a autoridade administrativa tomar qualquer medida em pre-juízo do administrado.

2. O direito de defesa não existe tão-somente em relação às medi-das de caráter punitivo, mas em relações a quaisquer gravames que afetem o patrimônio do súdito do Estado, v.g., suspensão ou supressão de direitos.

3. No caso sub examine, do detido estudo dos autos, observa-se que, se a colheita de dados no exercício da fiscalização das concessionárias não pode trazer qualquer prejuízo em prol delas, o mesmo raciocínio não va-le para o cálculo da indenização em face de encampação. A apuração do quantum a ser entregue a título de indenização às concessionárias, porque repercute na esfera patrimonial delas, deve submeter-se ao regular processo administrativo, permitindo o contraditório e a ampla defesa, de modo que se atinja valor justo, missão que, com certeza, não poderá ficar apenas ao alvi-tre daquele que deve dispor da verba. (TRF4, AG 2003.04.01.049096-7, Ter-ceira Turma, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, publicado em 12/05/2004)

Na caducidade, o concessionário não está executando o contrato de forma

integral ou o está fazendo de maneira parcial. É caracterizada também quando o

concessionário transfere a concessão (subconcessão) ou o seu controle acionário

para terceiro sem a anuência do Poder Concedente. Consoante Tolosa Filho,113 o

Estado pode igualmente aplicar as penalidades contratuais com o claro objetivo de

tentar reconduzir a execução contratual a níveis satisfatórios. Acrescenta ainda que

é imperioso que a declaração de caducidade seja precedida de processo adminis-

trativo promovido pelo Poder Público, havendo a garantida ao contrário e à ampla

defesa previstos no art. 5º, inciso LIV, da CF.

É pelo decreto que é declarada a caducidade da concessão com a conse-

qüente verificação quanto à necessidade de indenização do concessionário, cujo

cálculo deverá ser oportunamente apurado. Se houver a aplicação de multas à em-

presa contratada ou esta causar danos aos bens reversíveis da concessão, tais va-

lores serão deduzidos da indenização. É possível citar um exemplo. Tendo ocorrido

inadimplemento por parte da concessionária, a 1ª Câmara de Férias Cível, ao apre-

ciar a apelação cível nº 599480340, reconheceu a existência de caducidade e im-

pôs-lhe a devolução do imóvel, além do pagamento do débito de forma atualizada.

Tratava-se de um contrato de concessão de uso com a realização de benfeitorias

113 TOLOSA FILHO, op. cit., p. 115.

85

que foram avençadas de forma verbal. Permite-se aqui transcrever a sua ementa:114

CONTRATO DE CONCESSÃO DE USO. INADIMPLEMENTO POR PARTE DA CONCESSIONÁRIA. ALEGAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE BEN-FEITORIAS AJUSTADAS VERBALMENTE, QUE DARIAM DIREITO À COMPENSAÇÃO. DESCABIMENTO. Tratando-se de contrato administrati-vo, vinculado a edital de concorrência, as partes, se obrigam somente pelo que foi ajustado, sendo irrelevante se houve ajuste verbal para realização de benfeitorias passiveis de compensação. Comprovado o débito e afastada a compensação, impõe-se a devolução do imóvel ao concedente com conde-nação no pagamento do débito atualizado. Apelação desprovida. (5fls) (Ape-lação Cível Nº 599480340, Primeira Câmara de Férias Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 29/12/1999)

O Princípio da Legalidade é basilar para a Administração Pública. Nas con-

cessões de serviço público, ele não poderia deixar de ser estritamente observado

pelo Poder Concedente e pelo concessionário. Seguindo esta linha de raciocínio, a

anulação prevista no inciso V do art. 35 da Lei 8.987/95 é sim uma forma de extin-

ção da concessão, na medida em que as máculas encontradas devem ser afasta-

das de plano mediante a declaração da sua nulidade. Ocorrendo a nulidade no pro-

cedimento licitatório, é compromisso da Administração Pública anulá-lo, sendo as-

segurado igualmente o contraditório e a ampla defesa ao concessionário. Consoan-

te o disposto nos arts. 49 e 59 da Lei Federal 8.666/93, a nulidade deve recompor a

situação ao estado anterior, mas restando garantido o direito do concessionário de

obter indenização por perdas e danos caso não tenha dado causa para ela. O fim da concessão por falência ou extinção da empresa concessionária e fa-

lecimento ou incapacidade do titular, no caso de empresa individual, não merecem

maiores delongas em razão da própria situação em si. Seria obviamente impossível

a prestação de serviços públicos concedidos por uma concessionária que não exis-

te mais face à sua falência ou extinção.

A hipótese de rescisão da concessão por iniciativa da concessionária está

114 Disponível em <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 27 jan. 2007.

86

prevista no art. 39 da Lei 8.987/95.115 A principal diferença da rescisão em relação à

caducidade é que a primeira trata do descumprimento total ou parcial de obrigações

contratuais por parte do Poder Público, enquanto que a segunda o faz em relação à

concessionária. Afinal, num Estado Democrático de Direito, o legislador não poderia

deixar de prever a situação na qual fosse o Poder Concedente que deixasse de

cumprir as normas contidas no contrato de concessão (quando, por exemplo, não

promovesse o reajuste da tarifa na época ajustada para manter o equilíbrio econô-

mico-financeiro do contrato). Nesse caso, a concessionária só poderia rescindir o

contrato mediante ação judicial própria. Já a paralisação das suas atividades só po-

deria ocorrer por ocasião do trânsito em julgado da decisão.

Blanchet116 aduz que seria impossível, sob o ponto de vista jurídico, para a

concessionária rescindir unilateralmente o contrato de concessão de forma extraju-

dicial. Segundo ele, “... somente o poder público pode rescindir unilateral e extraju-

dicialmente o contrato, em razão da imperatividade e auto-executoriedade do ato

administrativo, atributos decorrentes do princípio da supremacia do interesse públi-

co sobre o privado [...].” A provocação do Poder Judiciário é, assim, imperiosa. Sali-

enta, contudo, o professor paranaense:117

Enquanto tramitar o processo, o outorgado deve continuar executan-do o objeto da outorga (prestação do serviço ou exploração da obra), com o fim de preservar a continuidade dessa execução. Somente após o trânsito em julgado da sentença favorável à rescisão é que o concessionário ou per-missionário poderá abandonar o exercício da atividade que lhe fora delega-da.

A adoção de tal precaução por parte da concessionária é de suma importân-

cia, pois, caso contrário, estaria caracterizado o descumprimento total ou parcial do

contrato com a conseqüente aplicação das penalidades cabíveis e, o que é mais

115 Art. 39 - O contrato de concessão poderá ser rescindido por iniciativa da concessionária, no caso de des-cumprimento das normas contratuais pelo poder concedente, mediante ação judicial especialmente intentada para esse fim. Parágrafo único – Na hipótese prevista no caput deste artigo, os serviços prestados pela concessionária não poderão ser interrompidos ou paralisados, até a decisão transitada em julgado. 116 BLANCHET, op. cit., p. 161. 117 BLANCHET, op. cit., p. 162.

87

grave, a declaração de caducidade. Tal conduta, inclusive, é admitida pela jurispru-

dência. Na apelação cível nº 70008636623, por exemplo, a 21ª Câmara Cível do

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul118 entendeu que era devida

uma indenização para a concessionária em razão do descumprimento do contrato

de concessão por parte do Município de Getúlio Vargas. A empresa buscava a ex-

tinção do pacto via o ajuizamento da ação de rescisão de contrato de concessão de

uso remunerado de bem imóvel. A decisão colegiada considerou ainda nula a resci-

são unilateral do contrato de concessão feita pelo Município, já que não foram pro-

porcionados o contraditório e a ampla defesa à concessionária.

Outro caso bastante ilustrativo é o do julgamento da apelação cível nº

197033327 realizado pela 9ª Câmara Cível do extinto Tribunal de Alçada gaúcho.119

A Fundação de Educação Social e Comunitária – FESC (leia-se Poder Concedente)

foi condenada a indenizar o concessionário pela rescisão unilateral do contrato de

uso de bem. Ademais, a fundação pública de Porto Alegre foi igualmente compelida

a ressarcir a empresa contratada face à deterioração dos bens que ficaram em seu

poder após a extinção da concessão. A concessionária, portanto, poderia passar de parte inocente na rescisão

118 Disponível em <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 25 jan. 2007. Esta é a sua ementa:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE CONCESSÃO DE USO REMUNERADO DE BEM IMÓVEL MUNICIPAL C/C INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS, PERDAS E DANOS E RETENÇÃO DO IMÓVEL. Evidencia-do o descumprimento contratual de parte do Município que limitou-se a construir o piso de concreto, quando sua obrigação era promover diversos melhoramentos no aeródromo, até pelo estado em que se encontrava o bem público - em ruínas e completo abandono. É devida a indenização das obras de vulto realizadas pela concessionária no afã de salvar o empreendi-mento, mesmo sem prévia autorização do Poder Concedente. Cuida-se de benfeitorias necessárias e úteis, seja porque desti-nadas a conservar a coisa e evitar sua deterioração, seja para possibilitar, aumentar ou facilitar seu uso (C. Civil, art. 96, parágrafos 2º e 3º), como era o propósito do Poder Público Municipal, por isso a Concessão. O fundamento ético-jurídico da obrigação de indenizar as benfeitorias está no princípio geral, universalmente aceito, que veda, seja quem for, de enriquecer à custa alheia e sem justa causa. Ausente o direito de retenção por benfeitorias por expressa disposição contratual. Nula a rescisão unilateral de parte do Município, por frontal desafeição ao disposto no artigo 78, parágrafo único da lei 8.666/93, posto não ter sido assegurado o contraditório e a ampla defesa. Apelo da autora provido. Apelo do Município desprovido.” (Apelação Cível Nº 70008636623, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 01/12/2004) 119 Disponível em <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 25 jan. 2007. Este é o inteiro teor da sua ementa:

“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. FUNDAÇÃO PÚBLICA. PREPARO. DISPENSA LEGAL. CONTRATO DE CONCESSÃO DE USO DE BEM PÚBLICO. RESCISÃO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO. INDENIZAÇÃO. BENS. DEPÓ-SITO. DETERIORAÇÃO. 1. As fundações públicas são espécies do gênero autárquico, estando dispensadas do preparo dos recursos. Art. 511, par. único, do CPC. 2. A indenização devida pela rescisão do contrato de concessão de uso de bem públi-co pela administração pública sem a prévia notificação prevista no contrato acarreta o dever de indenizar o contrato em valor correspondente à remuneração que teria auferido durante um mês na exploração do bem. 3. Responde o poder concedente pela deterioração dos bens do contratado que ficaram em seu poder depois da extinção do contrato. Recursos providos em parte. Voto vencido.” (Apelação Cível Nº 197033327, Nona Câmara Cível, Tribunal de Alçada do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 01/07/1997)

88

contratual para parte descumpridora dos deveres contratuais se interrompesse total

ou parcialmente a prestação dos serviços antes do trânsito em julgado da decisão

da ação de rescisão de contrato. Em síntese: da rescisão contratual de iniciativa da

empresa contratada se passaria para uma das hipóteses de extinção da concessão,

ou seja, por caducidade, de acordo com o disposto no inciso III do art. 35 da Lei

8.987/95.

É imprescindível destacar que, em todas as decisões pesquisadas, especi-

almente as do Tribunal de Justiça gaúcho, não foi encontrada nenhuma que defe-

risse a concessão de tutela antecipada para a rescisão do contrato de concessão.

Apesar da questão processual extrapolar os limites deste trabalho, entende-se que

haveria grave risco da irreversibilidade caso fosse deferido o provimento antecipa-

do, o que encontraria óbice no § 2º do art. 273 do Código de Processo Civil – CPC.

Ademais, salvo melhor juízo, haveria certa dificuldade para demonstrar a prova ine-

quívoca e a verossimilhança da alegação (“caput” do art. 273), assim como o fun-

dado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (inciso I do art. 273) e, espe-

cialmente, o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu

(inciso II do art. 273). Por fim, é discutível se eventual decisão que concedesse a

tutela antecipada não seria capaz de gerar enriquecimento injustificado para a con-

cessionária ou, dependendo do caso, para o próprio Poder Concedente.

A partir de todos os argumentos retro mencionados, pode-se dizer que um con-

trato de concessão de serviço público que não tenha assegurado o justo equilíbrio

econômico-financeiro acaba sendo extremamente desvantajoso para a concessio-

nária. Ocorrendo fato de príncipe ou encampação, por exemplo, a rescisão depen-

derá do cumprimento do contrato até o estabelecimento da coisa julgada, o que po-

de demorar anos. Além disso, é imperioso destacar que o "suposto" interesse públi-

co na continuidade da concessão é avaliado pelos integrantes do governo na ocasi-

ão e não por órgãos de Estado, cujo horizonte é bem maior do que o de um manda-

to. O dito interesse público na continuidade da concessão ou no reequilíbrio econô-

mico-financeiro estará sujeito invariavelmente, portanto, à típica instabilidade políti-

ca e ao clamor popular. Um bom exemplo bem recente de tal situação é a questão

da prorrogação das concessões rodoviárias no Estado do Rio Grande do Sul. Ao

89

que parece, uma decisão de Estado – prorrogar ou não os contratos - poderá pas-

sar antes pelo resultado da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, que foi ins-

taurada, em meados de maio de 2007, na Assembléia Legislativa. Certamente, tudo

indica que trará alguma influência na decisão a ser tomada pelo Poder Executivo

Estadual.

90

CAPÍTULO II – OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO USUÁRIO DAS CONCES-SÕES RODOVIÁRIAS E UM DIÁLOGO COM O DIREITO DO CONSUMIDOR

A) Serviço Adequado e Eficiente 2.1 A necessidade constitucional de tutela dos direitos fundamentais 2.2 O direito do consumidor como direito fundamental 2.3 A vinculação da concessionária aos direitos fundamentais e ao

Código de Defesa do Consumidor 2.4 O direito fundamental do consumidor a um serviço público ade-

quado e eficiente nas concessões 2.5 Forma de implementação máxima: planejamento e eficiência es-

tatal B) A Eficiência na Implementação do Direito Fundamental do Con-

sumidor 3.1 Conceito e origem da eficiência 3.2 A relevância do Princípio da Eficiência para a Administração Pú-

blica 3.3 Meios de controle da eficiência do serviço público como forma de

implementação do direito fundamental do consumidor 3.4 Os limites econômicos para a aplicação do Princípio da Eficiência

nos contratos de concessões Pelo exame do capítulo anterior, percebeu-se a importância do exercício de

fiscalização por parte do Poder Concedente (e da agência reguladora) quanto ao

serviço público concedido. Permanecendo a titularidade do serviço com o Estado, é

imprescindível que o mesmo não se abstenha (conduta positiva) de controlar a sua

prestação pela concessionária, de modo que seja executado a contento.

A proteção e a plena implementação dos direitos fundamentais é atribuição

da Administração Pública no Estado Democrático de Direito. Na ordem constitucio-

nal de 1988, o direito do consumidor também é um direito fundamental na forma do

inciso XXXII do seu art. 5º, necessitando de idêntica proteção estatal. Sendo o usu-

ário de serviço público concedido consumidor, é da mesma forma titular de um direi-

to fundamental.

De início, a abordagem trata da imperiosa necessidade de tutela dos direitos

fundamentais pelo Estado. Passa-se então a ingressar efetivamente na seara do

direito fundamental do consumidor. Num próximo passo, demonstra-se que a con-

91

cessionária está vinculada tanto ao Código de Defesa do Consumidor quanto aos

direitos fundamentais. Após, fica claro que o consumidor tem o direito fundamental

a um serviço público adequado e eficiente. Na parte final do tópico, é abordada a

questão do planejamento como forma de conferir máxima eficiência à atuação esta-

tal.

A) Serviço Adequado e Eficiente 2.1 A necessidade constitucional de tutela dos direitos fundamentais

Abordar a necessidade de tutela do Poder Público em relação aos direitos

fundamentais sem falar em Estado de Direito seria incompleto. Afinal, não se pode

deixar de ressaltar que tal concepção é relativamente recente em termos históricos.

A realidade era bem diversa até meados dos séculos XVIII e XIX na Europa e, por

extensão, nas suas colônias.

No regime absolutista, a pessoa do monarca se confundia com a figura do

Estado. Cabia ao rei administrar o Estado segundo diretrizes meramente pessoais,

levando em consideração os chamados privilégios de nascimento. Além disso, o

monarca era irresponsável por qualquer ato que cometesse. Eduardo García de

Enterría e Tomás-Ramón Fernández (1993)120 registram que se constituía em tradi-

ção multisecular, fruto da herança do poder imperial de Roma e da concepção teo-

crática de Estado marcante na Idade Média, a irresponsabilidade total do rei. Tal

característica era comum para todo o mundo ocidental, resultando na criação do

princípio the king can do not wrong por parte dos juristas ingleses da época. Sobre

o Estado Absolutista, é válida citar igualmente a seguinte observação de Caio Táci-

to (2006):121

No Estado absoluto, a administração é um processo de gestão dos negócios públicos, sem que a ele se oponham direitos subjetivos dos admi-nistrados.

120 ENTERRÍA, Eduardo Garcia de; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Derecho Administrativo II. 4 ed. Madrid: Civitas, 1993. p. 357. Tradução livre. 121 TÁCITO, Caio. A Constituição e o Direito Administrativo. In: LIMA, Sérgio Mourão Corrêa (Coord). Temas de Direito Administrativo: estudos em homenagem ao Professor Paulo Neves de Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 21.

92

Os direitos do homem geram os deveres do Estado. Nos regimes

absolutistas, o administrador – veículo da vontade do soberano – é, como este, irresponsável. A administração é apenas uma técnica a serviço de privi-légios de nascimento. [...]

Desse modo, os nobres que caíam nas graças do soberano acabavam rece-

bendo diversas vantagens, tais como concessões para o transporte de mercadorias

e cargos públicos importantes. Tal situação frustrava os interesses da nascente

burguesia (comerciantes, profissionais liberais, ...), que estava, via de regra, fora do

acesso aos favorecimentos reais. A revolta foi aumentando também entre o povo, o

qual sofria de fome e miséria, além da falta de amparo quanto aos direitos individu-

ais. Foi florescendo a idéia de que o Estado deveria ter limites e que precisaria res-

peitar os indivíduos. O resultado acabou levando à Revolução Francesa, fato que

culminou com a derrubada do Absolutismo na França em 1789 (queda da Bastilha).

Os excessos cometidos pelos reis certamente contribuíram para o nascimen-

to de uma estrutura de poder racional que zelasse pelos direitos individuais dos ci-

dadãos. Percebeu-se que o Estado deveria ter limites para a sua atuação, tratando

todos de forma igual (Princípio da Igualdade) e atuando na forma da lei (Princípio da

Legalidade), sendo esta última a expressão legítima da vontade popular. A Constitu-

ição assumiu assim papel primordial no estabelecimento de limites para a atuação

do Poder Público. A lei deveria ser o elemento norteador para a conduta do Estado,

sendo rechaçados privilégios de nascença. Continua Tácito:122

[...] O Estado de Direito, ao contrário, submete o poder ao domínio da lei: a atividade arbitrária se transforma em atividade jurídica. A lei, como expressão da vontade coletiva, incide tanto sobre os indivíduos como sobre as autoridades públicas. A liberdade administrativa cessa onde principia a vinculação legal. O Executivo opera dentro de limites traçados pelo Legislati-vo e sob a vigilância do Judiciário.

Em face dessa realidade, avulta o papel da Constituição como o có-

digo de poder, o instrumento superior no qual se discriminam as competên-cias e se definem as atribuições com respeito às diversas funções que in-cumbem ao Estado. Nela se identificam, conforme o regime político adotado, as da administração na concretude dos princípios que emanam do sistema

122 TÁCITO, op. cit., p. 21.

93

constitucional.

A Constituição seria o próprio fundamento do Estado de Direito, organizando

e repartindo as competências entre as esferas de poder, bem como limitando a sua

esfera de atuação na vida dos seus cidadãos. Normalmente, era precedida de uma

declaração de direitos ou continha no seu próprio texto os direitos fundamentais.

Seguindo esta linha de raciocínio, Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1988)123 sus-

tenta que, na democracia ocidental, as idéias de governo pelo povo e de limitação

do poder do Estado estão totalmente associadas. Explica ainda que o povo elege

seus representantes (democracia representativa), os quais, ao elaborarem as leis,

acabam por decidir os rumos da nação. Esse poder não é, todavia, absoluto, estan-

do limitado especialmente pelos direitos fundamentais. Eles se constituem em ver-

dadeiros direitos de defesa do cidadão perante os abusos do Estado. Este último

deve agir segundo a lei, que foi criada pelos representantes do povo, evitando fazer

distinções entre os cidadãos – com exceção daquelas por ela permitidas – para,

com a uniformidade de tratamento, evitar a criação de privilégios, como os que exis-

tiam para a nobreza no ancien régime. Consoante Gustavo Amaral (2001),124 “[...] os direitos fundamentais seriam

fundantes, estando ligados previamente a um núcleo de valores antecedentes ao

próprio Estado”. Segundo ele, “[...] mesmo que o hermeneuta se esforçasse, não

conseguiria dar uma significação do direito, por exemplo, à liberdade”. Por fim, o

professor carioca completa dizendo que os direitos fundamentais são prévios ao

próprio ordenamento, ou seja, são pré-existentes à própria norma. Assim, quando

fossem submetidos ao caso concreto, assumiriam sua real e inegável relevância. Salientado o seu papel de verdadeiros direitos de defesa, José Joaquim Go-

mes Canotilho (1993)125 diz que os direitos fundamentais são normas de competên-

cia negativa para os poderes públicos, proibindo as ingerências destes na esfera

123 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de Direito e Constituição. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 16. 124 AMARAL, Gustavo. Interpretação dos direitos fundamentais e o conflito entre poderes. In: TOR-RES, Ricardo Lobo (Org). Teoria dos Direitos Fundamentais. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 103. 125 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993. p. 541.

94

jurídica individual. Além disso, o jurista português acrescenta que implicariam um

poder de exercer os direitos fundamentais de forma positiva, ou seja, cabe aos po-

deres públicos somar todos os esforços possíveis para implementá-los. Em resumo:

dar efetividade aos direitos fundamentais é dever do Estado. A importância do respeito aos direitos fundamentais está associada à própria

idéia de Estado Democrático de Direito e, por extensão, ao conceito de democracia.

Gustavo Binenbojm (2006)126 chega, inclusive, a ir mais além, destacando o seguin-

te:

As idéias de direitos fundamentais e democracia representam as du-as maiores conquistas da moralidade política em todos os tempos. Não à to-a, representando a expressão jurídico-política de valores basilares da civili-zação ocidental, como liberdade, igualdade e segurança, direitos fundamen-tais e democracia apresentam-se, simultaneamente, como fundamentos de legitimidade e elementos estruturantes do Estado democrático de direito. As-sim, toda a discussão sobre o que é, para que serve e qual a origem da auto-ridade do Estado e do direito converge, na atualidade, para as relações entre a teoria dos direitos fundamentais e a teoria democrática.

O reconhecimento de um caráter universal aos direitos fundamentais é idéia

relativamente recente. Foi especialmente na segunda metade do século XX que a

mesma passou a ter maior visibilidade no mundo ocidental. Com o crescimento do

capitalismo e a massificação das relações de consumo, o Estado também passou a

ter o dever de tutelar e de garantir o direito do consumidor, principalmente após sua

elevação à condição de direito fundamental pelo inciso XXXII do art. 5º da Constitui-

ção Federal de 1988. Daniel Sarmento (1999)127 menciona que, após o fim da 2a Guerra Mundial,

foram instituídos diversos mecanismos internacionais de tutela dos direitos funda-

mentais, os quais acompanharam uma forte tendência de consolidação de uma éti-

ca universalizante, sendo a promoção da dignidade da pessoa humana o seu cerne.

Tal tendência é perfeitamente explicável sob o ponto de vista histórico e político, na

126 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 49. 127 SARMENTO, Daniel. Constituição e Globalização: A crise dos paradigmas do Direito Constitucio-nal. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, v. 215. p. 25-26. janeiro/março. 1999.

95

medida em que ideologias como o nazismo (Alemanha), o fascismo (Itália) e o stali-

nismo (extinta União Soviética) provocaram a morte de milhões de pessoas.

O argumento de que o Estado era tudo e que o indivíduo deveria se subme-

ter totalmente à sua vontade foi, gradativamente, perdendo a sua força, especial-

mente pela derrota do chamado Eixo (Alemanha – Itália – Japão) e pela descoberta

das atrocidades praticadas nos campos de concentração. O mesmo Estado nazista

que pregava a desconsideração da vontade individual em prol da segurança e do

bem-estar dos seus cidadãos promoveu um verdadeiro genocídio contra os chama-

dos não-arianos. O choque da comunidade internacional provocou uma necessária

mudança de mentalidade, estabelecendo-se a compreensão de que a violação dos

direitos fundamentais deveria ser considerada como questão que merecia seu legí-

timo interesse. Sarmento128 refere, mais adiante, que a necessidade de universali-

zação da tutela dos direitos fundamentais decorre do fato de, muitas vezes, ser o

próprio Estado o seu maior opressor. A valorização da dignidade da pessoa huma-

na passou a ser questão de direito internacional.

A Declaração Francesa de 1789 já proclamava os Direitos do Homem e do

Cidadão. Ricardo Lobo Torres (2001),129 no entanto, destaca que, naquela época, a

palavra “homem” tinha um sentido universal, mas abstrato, pois não havia a titula-

ção jurídica dos direitos no plano internacional, a qual dependeria de um contrato

universal (direito da humanidade). Cidadão, por sua vez, seria o homem que fosse

titular de direitos na cidade e no Estado. Torres acrescenta também que, atualmen-

te, os direitos humanos estão positivados, por exemplo, nas declarações de direito

da Organização das Nações Unidas – ONU e da Organização dos Estados Ameri-

canos – OEA. Ganharam, portanto, uma dimensão mundial, devendo estar no foco

das atenções de todos os Estados de Direito.

Gilmar Ferreira Mendes (1998)130 sustenta que a Constituição Federal Brasi-

128 SARMENTO, op. cit., p. 26. 129 TORRES, Ricardo. A Cidadania Multimensional na Era dos Direitos. In: TORRES, Ricardo Lobo (Org). Teoria dos Direitos Fundamentais. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 245-246. 130 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional. Celso Bastos editor. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998. p. 32.

96

leira de 1988 concedeu um significado especial aos direitos fundamentais, a exem-

plo do que fizeram a Constituição Portuguesa de 1976 e a Constituição Espanhola

de 1978, gravando-os com uma “cláusula de imutabilidade” ou “garantia de eterni-

dade”. Isso significa que qualquer tentativa de abolir um direito fundamental deve ter

sua inconstitucionalidade pronunciada pelo Poder Judiciário. Acrescenta ainda o

atual Ministro do Supremo Tribunal Federal:

Os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua dimensão como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais – tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo, quanto aqueloutros, concebidos como garantias individuais – for-mam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático.

Dentre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, que fo-

ram elencados no art. 1º da CF, está o da dignidade da pessoa humana (inciso III).

Ele servirá para legitimar os direitos sociais, econômicos e culturais da Constituição

Federal de 1988, sendo a pessoa humana a verdadeira fonte do Direito. Numa lon-

ga definição, Ingo Wolfgang Sarlet (2001)131 conceituou a dignidade da pessoa hu-

mana desta forma:

[...] a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da co-munidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais, que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Registre-se, no entanto, que o ato de conferir destaque primordial aos direi-

tos fundamentais não é por si só suficiente no Estado Democrático de Direito, sob

pena da geração de um sentimento de frustração constitucional, como foi acerta-

131 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60.

97

damente apontado por Andréas Joachim Krell (2002).132 Tal situação seria originada

a partir de oferecimento de promessas constitucionais exageradas mediante direitos

fundamentais sociais (e quaisquer outros igualmente) sem a sua possibilidade con-

creta de realização, abalando a confiança dos cidadãos na ordem jurídica como um

todo. Krell acrescenta ainda, porém, que limitar as normas constitucionais a expres-

sarem a realidade de fato seria a sua negação. Afinal, o Direito se forma com ele-

mentos colhidos na realidade que precisam de ressonância no sentido social. O e-

quilíbrio entre esses dois extremos é que conduz a um ordenamento jurídico eficaz.

O ideal seria que o texto constitucional tivesse respaldo na realidade fático-social

existente para que fosse inteiramente obedecido pela sociedade. Em suma: não

basta proteger os direitos fundamentais, sendo preciso dar-lhes efetividade.

2.2 O direito do consumidor como direito fundamental

Analisando-se diretamente o texto constitucional, percebe-se que o seu art.

5º está situado dentro do Título II, cujo sugestivo nome é “Dos Direitos e Garantias

Fundamentais”. Além disso, o aludido artigo também faz parte do Capítulo I (“Dos

Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”). Aliás, o art. 5º é notoriamente conheci-

do como “catálogo dos direitos fundamentais”, fato que pode ser facilmente perce-

bido pela forma de sua redação, especialmente do seu “caput”.133 Como a Constitu-

ição Federal não possui normas supérfluas, ao inserir o inciso XXXII no art. 5º, foi

clara a intenção do constituinte em considerá-lo como uma das prioridades do Esta-

do. Tal situação por si só autoriza a concluir que o direito do consumidor é sim um

direito fundamental, cabendo ao Estado implementá-lo na forma da lei.

Ainda que se argumentasse que o direito do consumidor não fosse funda-

mental por falta de regulamentação – isso, é claro, antes da edição do Código de

Defesa do Consumidor, apesar da previsão expressa do inciso XXXII –, é oportuno

ressaltar que o catálogo de direitos fundamentais do art. 5º não é exaustivo, con-

132 KRELL, Andréas Joachim. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha: Os (des)caminhos de um Direito Constitucional "Comparado". Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Edi-tor, 2002. p. 25-26. 133 Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

98

forme se conclui pela redação do seu § 2º.134 Fica evidenciado que, se o constituin-

te incluiu o direito do consumidor num dos incisos do art. 5º (inciso XXXII135), é por-

que, com toda a certeza, o elevou à condição de direito fundamental. Outro argu-

mento que pode chancelar esta tese é o disposto no art. 170, inciso V, da CF, que

elegeu a defesa do consumidor como um dos princípios da ordem econômica. O

direito do consumidor preenche, desse modo, todos os requisitos para ser conside-

rado como direito fundamental.

Chancelando a linha de pensamento supra mencionada, Cláudia Lima Marques

(1999)136 sustenta igualmente que a proteção do consumidor é direito fundamental,

na medida em que há disposição expressa neste sentido no art. 5º, inciso XXXII, da

Constituição Federal. Trata-se de uma inovação importante, cujo significado aponta

para uma influência direta da Constituição no chamado Direito Privado. Assim, o

que antes estava submetido ao arbítrio da vontade das partes, hoje passou a ter

proteção constitucional, integrando a ordem pública econômica. É a publicização do

Direito Privado, na qual cresce a intervenção do Estado na atividade econômica dos

particulares. Continua a professora gaúcha no mesmo trecho:

Tendo em vista a evolução do direito, como um instrumento de mu-dança social, os direitos previstos no texto constitucional, tanto os direitos políticos (os chamados direitos fundamentais de 1a geração), quanto os direi-tos econômicos e sociais (direitos fundamentais de 2a e 3a gerações), pas-sam a ter também uma eficácia “positiva”. Se tradicionalmente estas previ-sões constitucionais possuíam um efeito meramente “negativo”, no sentido de proibir o Estado de certas atitudes frente aos cidadãos, agora tais previ-sões ganham uma nova força ”positiva”, no sentido de obrigar o Estado a tomar certas atitudes, inclusive a intervenção na atividade privada para pro-teger determinado grupo difuso de indivíduos, como os consumidores. Daí a tendência do legislador moderno, que procura garantir a eficácia prática dos novos direitos fundamentais do indivíduo, dentre eles os direitos econômicos, através da inclusão destes “objetivos constitucionais” em normas ordinárias de direito privado, como é o caso do próprio Código de Defesa do Consumi-dor.

134 Art. 5º. ... § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 135 Art. 5º. ... XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; 136 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3 ed. São Paulo: Re-vista dos Tribunais, 1999. p. 225-229.

99

Se antes bastava ao Estado adotar uma conduta negativa, atualmente a Consti-

tuição diminuiu sensivelmente a livre vontade dos particulares se auto-regularem

nas suas relações, limitando, sem dúvida, a autonomia privada, princípio tão sagra-

do para os liberais. O Estado, porém, também teve seus critérios de conveniência e

oportunidade diminuídos, devendo legislar, executar e interpretar as normas na for-

ma da Constituição Federal. A proteção do consumidor se constitui num verdadeiro

princípio limitador da atividade econômica, conforme fica expresso no art. 170, inci-

so V, da Constituição Federal.137 Mais adiante, Marques138 é enfática ao referir que

a Constituição determinou expressamente que a proteção do consumidor era, ao

mesmo tempo, princípio e direito fundamental, cabendo ao Estado, por conseguinte,

implementá-lo através da elaboração de um Código de Defesa do Consumidor.

Bruno Nubens Barbosa Miragem (2002)139 diz que os direitos fundamentais são

uma espécie de direitos de proteção, mediante os quais o seu titular exerce-os pe-

rante o Estado para que este o proteja da intervenção de terceiros. Dessa forma, o

direito do consumidor é um direito à proteção do Estado contra a intervenção de

terceiros, sendo que a qualidade de consumidor permite que determinados direitos

sejam oponíveis contra os particulares e até mesmo contra o Estado ou as conces-

sionárias de serviços públicos. Mais adiante, registra Miragem:140

Esse direito de proteção conferido ao consumidor corresponde, ao

mesmo tempo, a um dever do Estado de promover esse direito. E a forma determinada na Constituição para a realização do dever é por meio da ativi-dade do legislador ordinário (a locução “na forma da lei”, do preceito consti-tucional). A Constituição, desse modo, assinala o dever do Estado de pro-mover a proteção, indicando a decisão de como realizá-la, ao legislador ordi-nário.

137 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: ... V – defesa do consumidor; 138 MARQUES, op. cit., p. 228 139 MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. O Direito do Consumidor como Direito Fundamental – Con-seqüências jurídicas de um conceito. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tri-bunais, v. 43. p. 117. Julho-setembro. 2002. 140 MIRAGEM, op. cit., p. 118.

100

A forma como se passam a compreender os direitos fundamentais,

sobretudo a partir da interpretação que lhes dá a Corte Constitucional Alemã, faz com que o Estado evolua da posição de adversário – típica da conforma-ção dos chamados direitos-liberdades – para uma posição de garantidor desses direitos, o que vai determinar ao Poder Público não apenas uma pro-ibição do excesso, mas também a proibição da omissão.

Américo Luís Martins da Silva (1996)141 diz que o constituinte brasileiro aca-

bou aderindo à Resolução 39/248, de 09.04.1985, da Organização das Nações Uni-

das – ONU, a qual propôs o estabelecimento de diretrizes destinadas aos governos

a fim de elaboram um marco para o fortalecimento da legislação e das políticas de

proteção ao consumidor. A defesa do consumidor, por conseguinte, foi inserida en-

tre os direitos fundamentais, adquirindo uma importância que não lhe fora conferida

pelo ordenamento jurídico pré-Constituição de 1988. Martins da Silva destaca tam-

bém:142

Conjugue-se a isso com a consideração do art. 170, inciso V, que e-leva a defesa do consumidor à condição de princípio da ordem econômica. Tudo somado, como ressaltam José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Morei-ra, tem-se o relevante efeito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal necessária a assegurar a proteção prevista.

Sendo a proteção do consumidor direito fundamental expresso no inciso XXXII

do art. 5º da Constituição Federal, é tarefa do Estado promovê-la e zelar pela sua

efetividade. Não basta apenas editar um diploma legislativo como o fez – Código de

Defesa do Consumidor –, mas sim, realizá-la na maior medida possível. Se o legis-

lador elegeu a proteção do consumidor como direito fundamental, cabe ao Estado

torná-la efetiva. Em obra conjunta sobre o tema, Cláudia Lima Marques, Antônio

Herman Vieira Benjamin e Bruno Miragem (2003)143 reforçam este argumento refe-

rindo que a edição do CDC realizou o direito fundamental do consumidor, já que se

141 MARTINS DA SILVA, Américo Luís. A Ordem Constitucional Econômica. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 1996. p. 62-66. 142 MARTINS DA SILVA, op. cit., p. 65. 143 MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman Vieira; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: arts. 1º a 74: aspectos materiais. São Paulo: Revista dos Tri-bunais, 2003. p. 54.

101

tratava de pessoa constitucionalmente identificada como diferente.

Não se pode falar em efetividade do direito fundamental do consumidor sem

nem ao menos defini-la. Afinal, a falta de um significado para a aludida palavra pode

tornar imprecisa a responsabilidade do Estado neste particular. Luís Roberto Barro-

so (2001)144 define bem efetividade:

A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempe-nho concreto da sua função social. Ela representa a materialização, no mun-do dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.

Partindo da premissa da estabilidade do Direito, é intuitivo que a efe-

tividade das normas depende, em primeiro lugar, da sua eficácia jurídica, da aptidão formal para incidir e reger as situações da vida, operando os efeitos que lhe são próprios. Não se refere aqui apenas à vigência da regra, mas também, e sobretudo, à "capacidade de o relato de uma norma dar-lhe con-dições de atuação", isoladamente ou conjugada com outras normas. Se o efeito jurídico pretendido pela norma for irrealizável, não há efetividade pos-sível. Mas esta seria uma situação anômala em que o Direito, como criação racional e lógica, usualmente não incorreria.

Quando o art. 48 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias145

determinou a elaboração de um Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Mi-

ragem146 refere no artigo antes mencionado que, na verdade, estava sendo atribuí-

do conteúdo eficacial ao inciso XXXII do art. 5º, já que este possuía seus efeitos

condicionados à proteção da lei. É oportuno registrar que o Estado ultrapassou em

demasia o prazo previsto no art. 48 do ADCT, pois a Lei 8.078 só foi publicada em

11/09/1990. Essa norma, por razões de estratégia legislativa, ingressou no mundo

jurídico sob a forma ordinária, apesar de se constituir num verdadeiro código. O ju-

rista gaúcho conclui acrescentando que foram estruturadas as normas de proteção

do consumidor, realizando o direito fundamental expressamente previsto na Consti-

tuição Federal.

144 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira. 5 ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 85. 145 Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor. 146 MIRAGEM, op. cit., p. 118-120.

102

2.3 A vinculação da concessionária aos direitos fundamentais e ao Código de Defesa do Consumidor

Gilmar Ferreira Mendes147 refere que não há dúvida alguma quanto à vincu-

lação dos órgãos do Poder Executivo e também da administração indireta aos direi-

tos fundamentais. Sustenta ainda que essa vinculação estende-se às pessoas jurí-

dicas de direito privado que exercem atividades públicas. A vinculação da conces-

sionária aos direitos fundamentais é, portanto, decorrente do fato de prestar um

serviço cuja titularidade é do Estado. O atual Ministro do Supremo Tribunal Federal,

numa etapa seguinte, destaca a importância do papel do Poder Judiciário para ga-

rantir a efetiva aplicação dos direitos fundamentais, como se percebe no trecho infra

colacionado:

Também indiscutível se afigura a vinculação da jurisdição aos direi-tos fundamentais. Dessa vinculação resulta para o Judiciário não só o de-ver de guardar estrita obediência aos chamados direitos fundamentais de caráter judicial, mas também o de assegurar a efetiva aplicação do direito, especialmente dos direitos fundamentais seja nas relações entre os parti-culares e o Poder Público, seja nas relações tecidas exclusivamente entre particulares.

Da vinculação do Judiciário aos direitos fundamentais decorre, ainda,

a necessidade de se aferir a legitimidade das decisões judiciais, tendo em vista sobretudo a correta aplicação desses direitos aos casos concretos.

Ingo Wolfgang Sarlet (2001)148 colaciona argumento semelhante, referindo

que o efeito vinculante dos direitos fundamentais estende-se também para as pes-

soas jurídicas de direito privado que, nas suas relações com os particulares, dis-

põem de atribuições de natureza pública. Segundo o autor gaúcho, o objetivo é evi-

tar que os prestadores de serviços públicos e os órgãos da Administração Pública,

ao tentarem atuar sob a forma do direito privado, não se vinculem aos direitos fun-

damentais ("fuga para o direito privado ").

147 MENDES, op. cit., p. 211. 148 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 330-331.

103

Wilson Steinmetz (2004)149 sustenta que os direitos fundamentais - entre e-

les, obviamente, o direito do consumidor - se constituem em verdadeiros limites ao

poder estatal, sendo marco do Estado constitucional contemporâneo. A vinculação

do Poder Público agora é muito mais forte, na medida em que emana da própria

Constituição Federal, norma de hierarquia máxima do ordenamento jurídico. Acres-

centa ainda que a sua extensão alcança os três poderes da República Federativa

do Brasil: Executivo, Judiciário e Legislativo. Aduz que os direitos fundamentais são

uma categoria especial de direitos, estando protegidos até mesmo do Poder Consti-

tuinte derivado, figurando, inclusive, como cláusulas pétreas no art. 60, § 4º, inciso

IV.150 Referindo-se aos direitos fundamentais transindividuais (incluída aí a proteção

nas relações de consumo prevista no art. 5º, inciso XXXII, da CF), Steinmetz,151 por

fim, ressalta que o Poder Legislativo e a Administração Pública têm maior legitimi-

dade e melhores condições para concretizá-los entre os particulares do que o Poder

Judiciário. Conclui-se que, apesar de ser uma empresa particular que executa um servi-

ço cuja execução lhe foi delegada pelo Poder Concedente, há vinculação da con-

cessionária aos direitos fundamentais. Tal realidade nem poderia ser diferente. Se é

verdade que cabe ao Estado respeitar os direitos fundamentais, também é certo

que a prestação do serviço público é uma das suas obrigações constitucionais. É

natural, por conseguinte, que aqueles que a assumem estejam igualmente atrelados

aos mesmos deveres. Logo, a concessionária de serviço público, enquanto execu-

tante de atribuição constitucional que é do Estado, está sim vinculada aos direitos

fundamentais. Restou demonstrado o atrelamento da concessionária aos direitos fundamen-

tais, inclusive ao do consumidor previsto no inciso XXXII do art. 5º da CF. Está pen-

dente de análise ainda, porém, a sua vinculação ao Código de Defesa do Consumi-

dor.

149 STEINMETZ, Wilson. A Vinculação dos Particulares a Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 82-83. 150 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais. 151 STEINMETZ, op. cit., p. 283-285.

104

A concessionária está expressamente vinculada ao CDC por força do dispos-

to no seu art. 22.152 A questão, entretanto, não é tão singela assim.153 Como foi a-

bordado anteriormente nesta dissertação, existem doutrinadores que equiparam o

usuário de serviços públicos ao consumidor (item 1.4 do capítulo primeiro e item 2.2

do capítulo segundo), tais como Cláudia Lima Marques, Bruno Nubens Barbosa Mi-

ragem, Antônio Herman Vieira Benjamin e Pedro Henrique Poli de Figueiredo (este

último o faz textualmente). Por outro lado, há outros juristas que defendem que o

usuário de serviço público não seria consumidor e que não caberia uma aplicação

irrestrita do CDC às concessões.

Antônio Carlos Cintra do Amaral (2002)154 assevera que seria equivocado di-

zer que o usuário de serviço público é consumidor, salvo sob a ótica econômica.

Sob o prisma jurídico, contudo, ambos estariam em situações totalmente diversas.

O ex-professor de Direito Econômico da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo - PUC/SP defende o seguinte:155

A relação jurídica entre concessionária e usuário não pode ser e-quiparada à existente entre duas pessoas privadas, que atuam na defe-sa de seus interesses específicos. O serviço público, cujo exercício é a-tribuído à concessionária, continua na titularidade e sob a responsabili-dade do poder concedente. Perante a relação de consumo, diversamen-te, o Poder Público atua como “protetor” da parte considerada hipossufi-ciente, que, em regra, é o consumidor.

[...]

Expostas essas noções, penso que fica clara a distinção entre a re-

lação de consumo e a de serviço público. O fornecedor e a concessioná-

152 Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

153 Tal advertência, aliás, já constou na análise dos direitos e deveres dos usuários de serviços públi-cos concedidos (item 1.4 do capítulo primeiro). 154 AMARAL, Antônio Carlos Cintra do. Distinção entre usuário de serviço público e consumidor. Re-vista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, n. 13, abril-maio, 2002. Dis-ponível em <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em 20 ago. 2007. p. 1-2. 155 AMARAL, op. cit., p. 2-4.

105

ria têm obrigações perante o consumidor e o usuário, respectivamente. O descumprimento dessas obrigações acarreta sua responsabilidade. Mas no caso da concessionária o ordenamento jurídico atribui essa res-ponsabilidade também ao Poder Público (concedente), o que não ocorre quando o fornecedor não cumpre suas obrigações. Ressalte-se que o tratamento dado ao usuário de serviço público pela Constituição e pela lei é diverso do dispensado ao consumidor. A Constituição trata dos dois assuntos em dispositivos diferentes: a concessão, basicamente no art. 175; a proteção ao consumidor, nos arts. 5º, inciso XXXII, e 170, inciso V.

Seguindo a linha de raciocínio do professor Cintra do Amaral, algumas con-

cessionárias de rodovias defenderam muitas vezes que esse liame não seria amplo,

pois, no seu entendimento, o usuário seria figura distinta do consumidor. Essa ale-

gação era utilizada nas ações movidas por usuários decorrentes de acidentes ocor-

ridos nas rodovias concedidas. Como exemplo dessa assertiva, pode ser mencio-

nado o parecer formulado por Egon Bockmann Moreira (2000),156 após ser consul-

tado pela Concessionária Ecovia Caminho do Mar S.A. a respeito da ligação acima

aludida.

Respondendo ao questionamento da concessionária paranaense, Moreira157

sustenta que, mesmo que o art. 7º da Lei 8.987/95 reporte-se ao CDC, não é

possível fazer uma aplicação total e irrestrita deste último a todas as situações

jurídicas derivadas dos contratos de concessão. Acrescenta ainda que não se

mostra possível a transposição das disposições do mencionado código

automaticamente para os contratos de concessão de serviço público. Por outro

lado, Moreira admite a incidência do CDC tão-somente em relação a alguns

aspectos do contrato de concessão, alegando que aos usuários seriam

asseguradas regras de proteção extraordinária para compensar a sua

hipossuficiência em relação à concessionária. Por fim, registra igualmente:158

Não poderia ser de outra forma. A natureza jurídica dos contratos de concessão, tal como firmados entre poder concedente e concessionária, os deveres e direitos que se põem entre os contratantes e a enorme gama de

156 MOREIRA, Egon Bockmann. Concessão de Rodovias – Código do Consumidor – Ação Civil Pú-blica. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, n. 222, p. 323-327. out./dez. 2000. 157 MOREIRA, op. cit., p. 322. 158 MOREIRA, op. cit., p. 323.

106

normas de Direito Público e interesses públicos primários que os regem, impõem a compreensão apropriada dos “direitos do consumidor” dos usuários.

Como foi visto no item 1.4 do capítulo anterior, o art. 7º da Lei de

Concessões vincula a concessionária ao CDC. Idêntica previsão tem o art. 22 deste

último. O que merece ser discutido é até que ponto é possível essa vinculação, pois

a Lei 8.987/95 possui normas de proteção extraordinárias para o usuário de

serviços públicos – fato que foi registrado por Moreira -, tais como, por exemplo, as

ouvidorias e as audiências públicas. O posicionamento de Cintra do Amaral também

é por demais relevante, na medida em que, na relação de consumo, o ajuste ocorre

entre particulares, não cabendo ao Estado cumprir com a obrigação do fornecedor

em caso de inadimplemento, enquanto que, nas concessões, a titularidade do

serviço público permanece com o Poder Concedente.

Em que pese seja taxativa a aplicação do CDC aos contratos de concessão,

concorda-se com o argumento de Moreira de que a questão deve admitir os devidos

temperamentos. O ideal seria, na verdade, que fosse editado um Código de Defesa

dos Usuários de Serviços Públicos, pondo fim à celeuma doutrinária. Num primeiro

momento, Juarez Freitas (2001) afirma que o usuário de serviços públicos é con-

sumidor de serviços públicos. Após, explica que se mostra essencial a elaboração

de um código para tornar efetivo o Princípio da Proteção do Consumidor de Servi-

ços Públicos. Este é o seu entendimento:159

O controle dos atos administrativos deveria funcionar, substancial-mente, como processo único, tendo como grande estímulo a acentuação do controle social e eticamente enjadado. Avulta, sobremaneira, no exercício deste, a luta pela eficácia social do princípio da proteção do consumidor de serviços públicos, que implica, antes de mais, o reconhecimento técnico e fá-tico da vulnerabilidade dos usuários. Em outras palavras, a compreensão dos diplomas atuais e, sobretudo, daqueles exigidos pela Emenda COnstitu-cional 19/98 (ao alterar o parágrafo terceiro do art. 37 da Constituição, orde-nando que lei discipline as formas de participação do usuário, bem como ao determinar (em seu art. 27) que o Congresso elabore lei de defesa do usuá-

159 FREITAS, Juarez. O Controle Social e o Consumidor de Serviços Públicos. Revista Diálogo Jurídi-co. Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. 1, p. 1. abril. 2001. Revista eletrônica. Disponí-vel em <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em 27 ago. 2007.

107

rio de serviços públicos) deve radicar na defesa positivadora do citado prin-cípio, superpondo-o, se for caso, às regras e aos ajustes contratuais.

Enquanto não ingressar tal lei no ordenamento jurídico pátrio, entende-se

que, ao usuário de serviços públicos concedidos, devem ser aplicadas as regras de

proteção constantes na Lei 8.987/95, cabendo a aplicação do CDC apenas e tão-

somente quando não houver conflito entre as duas normas (Lei de Concessões e

CDC). Aplica-se aqui o princípio geral de direito de que a lei especial prefere a lei

geral. Corroborando essa idéia, aduz o doutor em Direito Administrativo pela

PUC/SP e professor da Universidade Potiguar, Vladimir da Rocha França:160

Enquanto não promulgada a lei específica para a defesa dos direitos dos usuários dos serviços públicos, o Código de Defesa do Consumidor inci-de sobre os serviços públicos concedidos ou permitidos. Malgrado o impres-sionante avanço que esse estatuto trouxe para as relações de consumo, de-ve ser ponderado que: I) a legislação específica das concessões e permis-sões de serviços públicos editada após a promulgação da Lei Federal nº 8.078/1990 prevalece sobre as regras veiculadas por esse “micro-sistema normativo”; II) os preceitos do Código de Defesa do Consumidor somente são aplicáveis aos serviços públicos no que forem coerentes com os princí-pios regentes dessas atividades essenciais para a coletividade. Nada mais, nada menos, do que a aplicação das normas veiculadas pelo art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei nº 4.657, de 4.9.1942).

Outro ponto que merece especial atenção é que uma aplicação irrestrita do

CDC, sem qualquer tipo de ponderação, poderia gerar desequilíbrio econômico-

financeiro e ineficiência nas concessões, já que, estando em curso o contrato, a

concessionária seria surpreendida pela imposição de prestações contratuais não

previstas anteriormente. Ainda que se admita a aplicação de alguns dispositivos do

CDC que não conflitem com a Lei 8.987/95 (conforme antes referiram Moreira e

França), o fato do consumidor ser titular de um direito fundamental não deve servir

de condão para sacrificar a equação econômico-financeira do instrumento contratu-

al. Para ilustrar, pode ser citado um exemplo de um caso de aplicação irrestrita do

CDC sem a devida contextualização. Numa ação civil pública, uma concessionária

160 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Reflexões sobre a Prestação de Serviços Públicos por Entidades do Terceiro Setor. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado. Salvador, Instituto de Direito

108

foi condenada a duplicar um determinado trecho da rodovia (que não estava previs-

to originalmente no contrato), porque o magistrado entendeu que isso decorreria do

direito fundamental do consumidor. Como a atribuição não estava prevista contratu-

almente, haverá certamente desequilíbrio econômico-financeiro, o que afetará seri-

amente a prestação eficiente do serviço público. Nesse mesmo exemplo, a conces-

sionária teria que alocar recursos financeiros para o cumprimento da decisão e não

para a realização de um recapeamento adequado da pista.

A melhor forma de compatibilização seria a realização de um planejamento já

na fase de licitação, fazendo constar no contrato de concessão o respeito ao direito

fundamental do consumidor a fim de que fosse levada em consideração a equação

econômico-financeira. Estaria garantida, assim, a relação de custo-benefício. É pri-

mordial salientar aqui também a necessidade do exercício de um controle prévio

pelo Ministério Público, pelo Tribunal de Contas e pela sociedade, o que será objeto

de análise mais detalhada no item 3.3 deste capítulo. Tal controle culminará numa

atuação verdadeiramente eficiente e que promova o respeito, já na sua origem, do

direito fundamental do consumidor e da aplicação do CDC.

2.4 O direito fundamental do consumidor a um serviço público adequado e eficiente nas concessões

As concessões de serviço público são uma realidade inegável no mundo mo-

derno. A falta de recursos do Estado levou ao crescimento das concessões à inicia-

tiva privada, pois não havia dotação orçamentária para que os serviços fossem

prestados diretamente pelo ente público sem prejuízo de outras atividades essenci-

ais, tais como saúde, educação e segurança.161 É, sem dúvida alguma, uma alter-

nativa muita utilizada pelo Estado para a prestação de obrigações que lhe são ine-

rentes, sob pena de se colocar em jogo a razão da sua existência. Ressalta Celso

Ribeiro Bastos (2000):162

Público da Bahia, n. 6, p. 5-6. junho/julho/agosto. 2006. Disponível em <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em 20 ago. 2007. 161 Tal questão já foi tratada no item 1.2 do capítulo I desta dissertação. 162 BASTOS, Celso Ribeiro; TAVARES, André Ramos. As Tendências do Direito Público no Limiar de um Novo Milênio. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 357.

109

Uma das atividades principais do Estado é a prestação de serviço público. Tão relevante é esse seu mister que, outrora, na doutrina francesa, chegou-se a identificar o próprio Direito Administrativo com o estudo do serviço público, tais eram a abrangência que se via neste e a sua relevân-cia para a sociedade.

Na medida em que se desenvolveu o Estado Liberal, a atividade e-

conômica passou para o poder dos particulares. Mas, nessa transferência, foi o Poder Público obrigado a reter em suas mãos algumas atividades, as quais não podia deixar de prestar ele mesmo pela repercussão que tinham para a coletividade e por seu caráter técnico, que, em múltiplas ocasiões, demandam uma prestação monopolizada, embora também passível de prestar-se à obtenção de lucro.

Logo a seguir, num movimento já de descentralização, o Estado

passou a conceder a particulares a possibilidade de prestar esse serviço, mas sob seu próprio manto, não perdendo a titularidade sobre o serviço nem a prerrogativa de regulamentá-lo a qualquer instante.

O Estado é, por conseguinte, um prestador de serviços públicos por excelência,

não sendo, todavia, titular de direitos fundamentais. Utilizando-se dos argumentos

sustentados por Moreira e França no item anterior, é possível aplicar o CDC às

concessões nos pontos em que não forem conflitantes, fazendo-se as ponderações

cabíveis, primordialmente pela falta de um Código de Defesa do Usuário de Servi-

ços Públicos. Sob este prisma, o usuário de serviço público não deixaria de ser, por

extensão, consumidor, segundo o disposto no art. 22 do CDC, mas sem serem per-

didas de vista as contextualizações retro apontadas.

Admitindo-se a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor no que fosse

compatível com a Lei de Concessões, poderia ser construído o raciocínio de que o

usuário de serviços públicos seria igualmente titular do direito fundamental constitu-

cionalmente previsto no inciso XXXII do art. 5º. Por meio da interpretação analógica

prevista no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, seria razoável sustentar que

a prestação do serviço público ao usuário devesse passar necessariamente pela

sua prestação de forma adequada e eficiente, sem a qual haveria a violação do res-

pectivo direito fundamental. Zelar pela sua efetividade também é tarefa do Poder

Público. Caso isso não ocorra, será gerado um sentimento de frustração constitu-

110

cional (como já advertiu Krell163), especialmente do planejamento da concessão.

Nas concessões, o raciocínio deve ser idêntico.

Apesar da sua prestação ter sido delegada a uma empresa particular, a titulari-

dade do serviço público permanece com o Poder Concedente. Como foi analisado

no capítulo primeiro, a Lei 8.987/95 dispõe sobre o regime de concessões e permis-

sões dos serviços públicos. Seu ingresso no mundo jurídico serviu justamente para

regulamentar o art. 175 da CF.164 Posteriormente, com a edição da Lei 9.074/95,

foram estabelecidas normas para a outorga e prorrogação das concessões e per-

missões de serviços públicos, principalmente do setor elétrico. Restou demonstrado

que a Lei de Concessões tem previsões expressas quanto à necessidade de fiscali-

zação da prestação dos serviços públicos concedidos (por exemplo, arts. 29 e 30)

pelo Poder Concedente.165 Em que pese tais considerações já terem sido efetuadas

no item 1.6 do capítulo primeiro, sua retomada neste tópico do trabalho ocorre em

razão de servirem de embasamento para a argumentação adiante colacionada, es-

sencialmente porque o ideal é sempre prevenir a fim de que o serviço seja prestado

de forma mais eficiente. Não ingressando no mérito do ato administrativo que decidiu pela realização da

concessão,166 a prestação de um serviço público eficiente e adequado é um dever

da concessionária, assim como o é do próprio Estado que o delegou, pois o seu

usuário, feitas as devidas ponderações em relação às regras específicas da Lei

8.987/95, pode ser equiparado ao consumidor. Este último, como se constatou ante-

riormente, é titular de um direito fundamental. Cabe, portanto, ao Estado, antes de

delegar o serviço, prevê-lo e planejá-lo. Num momento seguinte, deve fiscalizar a

163 KRELL, op. cit., p. 25-26. 164 Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo Único. A lei disporá sobre: I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II – os direitos dos usuários; III – política tarifária; IV – a obrigação de manter serviço adequado. 165 A Lei 9.074/95, principalmente no seu art. 33, possui previsões semelhantes. 166 Esta opção é feita para evitar adentrar em discussões político-ideológicas.

111

sua prestação pelo particular, devendo o mesmo ser adequado, consoante a reda-

ção do art. 175 da CF. Mônica Spezia Justen167 assevera que a nova compreensão

dos serviços públicos (no passado atrelados unicamente ao Direito Administrativo)

elevou-os ao patamar constitucional, razão pela qual estariam totalmente vinculados

aos princípios contidos na Constituição Federal (entre os quais, é claro, o Princípio

da Eficiência).

Na Espanha, quando o serviço público é prestado por empresas privadas, há al-

gumas questões específicas a serem observadas. Enterría e Fernández168 colacio-

nam uma série de incumbências endereçadas às concessionárias. É possível des-

tacar as seguintes: o direito de fruição do serviço público para os usuários que

cumpram os requisitos legais (art. 128, 1. 2ª, do Regulamento dos Serviços das

Corporações Locais, de 17.06.1955), a prestação do serviço de forma contínua e

adequada às condições contratualmente estabelecidas (art. 72 da Lei de Contratos

de Estado, de 08.04.1965) e o direito da Administração Pública impor sanções à

concessionária que não prestar os serviços a contento (art. 127, 1, do Regulamento

dos Serviços das Corporações Locais, de 17.06.1955). Questão oportuna citada por Alexandre dos Santos Aragão (2006)169 quanto aos

serviços públicos é a chamada vedação do retrocesso. Esta última ocorreria quando

a CF previsse uma determinada norma programática e o Estado, após implantá-la,

resolvesse simplesmente abandoná-la. Haveria um vazio legislativo. No caso da

prestação do serviço público, a situação seria mais grave ainda, pois colocaria em

risco a efetividade do direito fundamental do usuário enquanto consumidor de servi-

ços públicos. Tendo sido implantado um serviço público pelo Estado ou pelo con-

cessionário, o mesmo não pode deixar de ser prestado com a adequação, a quali-

dade e a eficiência esperadas. A exceção ocorreria quando a prestação do serviço

público ficasse totalmente obsoleta em razão do advento de uma inovação tecnoló-

gica. Um exemplo neste sentido é o serviço de iluminação pública nas ruas do Rio

167 SPEZIA JUSTEN, op. cit., p. 231. 168 ENTERÍA; FERNÁNDEZ, op. cit., p. 77. Tradução livre. 169 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Serviços Públicos e Direitos Fundamentais. In: SARMENTO, Daniel; GALDINO, Flávio (Orgs). Direitos Fundamentais: estudos em homenagem ao professor Ri-cardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 10-12.

112

de Janeiro (então capital do Brasil) em meados do século XIX. A prestação do ser-

viço público era garantida pelo acendimento de lampiões antes do anoitecer. Com a

invenção da lâmpada elétrica no século XX, houve sua gradativa substituição pelos

postes de luz. Já Aragão170 cita como exemplo o fim do telégrafo e a sua substitui-

ção pelo telefone.

Para Patrícia Baptista (2003),171 houve uma mudança no foco da Administração

Pública por ocasião da configuração do Estado Democrático de Direito. Agora, o

administrado (ou usuário do serviço público concedido) não é mais um súdito, que

está subordinado ao Poder Público, mas sim um cidadão, o qual ocupa o centro das

atenções da vida do Estado. A autora refere que o papel tradicional da Administra-

ção Pública foi profundamente alterado pelo discurso dos direitos fundamentais,

sendo direcionado para o respeito à dignidade da pessoa humana. Tal posiciona-

mento também merece ser aplicado para as empresas privadas que ostentam a

condição de concessionárias, principalmente pelo fato do titular do serviço público

continuar sendo o Estado.

O fato do inciso XXXII do art. 5º da CF prever tão-somente que cabe ao Estado

promover a defesa do consumidor não pode dar azo para que se sustente que o

usuário não possui o direito fundamental a um serviço público adequado e eficiente

nas concessões. Conforme o disposto no art. 4º da LICC,172 não é a falta de uma

previsão expressa da lei (no caso, no texto constitucional) que se constituirá num

empecilho para sua concretização pelo juiz. Barroso173 assegura que caberia ao

Poder Judiciário a competência para determinar a aplicação da norma constitucional

em caso de seu descumprimento. A conclusão do professor carioca merece desta-

que:

Diante de tal asserto, é forçoso concluir que muitos direitos deixaram de se tornar efetivos por omissão dos titulares ou de seus advogados; a es-

170 ARAGÃO, op. cit., p. 11. 171 BAPTISTA, Patrícia. Transformações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 128-129. 172 Art. 4º - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. 173 BARROSO, op. cit., p. 144-145.

113

tes terá faltado, ao menos em certos casos, alguma dose de ousadia para submeter à tutela jurisdicional pretensões fundadas diretamente no texto constitucional. Consigne-se, todavia, em sua defesa, que até quadras mais recentes, os tempos não eram propícios a teses de maior arrojo.

Cabe salientar ainda que o art. 5º da LICC174 é claro ao determinar que o juiz,

quando for aplicar a lei, deverá atender aos fins sociais e às exigências do bem co-

mum. Pela aplicação deste mesmo raciocínio, é perfeitamente possível falar-se na

existência de um direito fundamental do usuário a um serviço público adequado e

eficiente nas concessões. Tal conceito é claro o suficiente para demonstrar que o

aludido direito fundamental, longe de ser uma mera norma programática, é imposi-

ção constitucional. Estariam, assim, atendidas as exigências da população, que

clama por uma Administração Pública consciente das suas atribuições. Havendo ou

não disposição constitucional expressa quanto à necessidade de prestação de um

serviço público adequado e eficiente para o usuário nas concessões, não é a falta

de uma norma regulamentadora de um direito fundamental que o tornará "natimor-

to". Considerar a eficiência e a adequação na prestação dos serviços públicos como

decorrências lógicas do exercício do direito fundamental de proteção ao consumidor

atende ao anseio do povo e traz efetividade à Constituição Federal neste particular.

Representam também o novo papel assumido pela Administração Pública. De modo

idêntico, o usuário teria o direito fundamental à prestação de um serviço público a-

dequado e eficiente nas concessões em decorrência da aplicabilidade, ressalvadas

as ponderações anteriormente colacionadas, do CDC (além, é claro, das regras es-

pecíficas da Lei 8.987/95). Assim, por exemplo, o valor da tarifa de pedágio paga

pelo usuário deve ser administrado com eficiência pela concessionária para que a

rodovia esteja em condições adequadas, proporcionando qualidade ao serviço pú-

blico. Caso não haja dessa forma, o usuário pode procurar o Poder Judiciário, atra-

vés da ação adequada, para questionar a eficiência, a adequação e a qualidade do

serviço na condição de consumidor, pois é titular do respectivo direito fundamental.

174 Art. 5º - Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

114

Sendo fundamental o direito do consumidor por disposição expressa do inciso

XXXII do art. 5º da CF e considerando que o CDC pode ser aplicado às concessões

no que não for incompatível com a Lei 8.987/95, pode ser construído também o ra-

ciocínio de que a empresa contratada tem o dever de prestar um serviço adequado

e eficiente. Tal imposição decorre da aplicação da disposição expressa contida no §

1º do art. 6º da Lei de Concessões, o qual determina que o usuário tem direito à

prestação de um serviço público adequado, eficiente e de boa qualidade. Mesmo

que se compare o usuário de serviço público ao consumidor, não se mostraria cons-

titucionalmente apropriado não lhe estender tal prerrogativa. Afinal, a Constituição

constitui o pico da pirâmide normativa de um país, não havendo razão plausível al-

guma para sustentar a não-vinculação da concessionária à prestação de um serviço

de forma adequada e eficiente ao usuário de serviço público.

Ao eleger o direito do consumidor como direito fundamental e determinar que a

prestação dos serviços públicos devesse ser adequada e eficiente, percebe-se cla-

ramente que o constituinte demonstrou ter uma preocupação especial como algo

que está presente no cotidiano de milhões de brasileiros e afeta diretamente suas

vidas. O Estado tem o dever de promover a defesa do consumidor na forma da lei

(no caso, o Código de Defesa do Consumidor). Como foi retro analisado por França

e Moreira, é possível equiparar o usuário de serviço público ao consumidor na hipó-

tese de serem respeitadas as regras específicas da Lei 8.987/95, assim como pela

ausência de um Código de Defesa do Usuário de Serviços Públicos. Já a eficiência

na prestação dos serviços públicos concedidos ao consumidor decorre também dos

arts. 5º, inciso XXXII, e 37, "caput", da CF, e dos arts. 6º e 22 do CDC. Em síntese:

a eficiência e a adequação na prestação dos serviços públicos aos usuários das

concessões trazem eficácia plena e legítima ao seu direito fundamental. Cabe ao

Estado, como Poder Concedente, fiscalizar a sua prestação pela concessionária.

Retoma-se aqui o primordial papel das agências reguladoras, como já foi abordado

no item 1.6 do capítulo primeiro.

A existência do Princípio da Adaptação dos serviços públicos traz especial rele-

115

vo à questão. Tratando desse princípio, Aragão175 assevera que ele determina que

a concessionária promova “[...] uma constante atualização, sobretudo tecnológica,

na prestação dessas atividades”. Acrescenta que a falta de normatização do princí-

pio acaba por transformá-lo em “[...] uma mera diretriz a ser observada, com maior

ou menor intensidade, na elaboração dos editais de licitação das concessões”. O

jurista carioca assegura ainda que a implementação do aludido princípio e a conse-

qüente possibilidade do usuário exigir melhorias da concessionária fica restrita às

seguintes hipóteses:

(a) Casos em que a não melhoria da prestação do serviço público vi-ola o mínimo existencial de algum direito fundamental, atingindo a própria dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). Como nesses casos o ser-viço público já está implantado, pretendendo-se apenas obter a evolução na sua prestação, geralmente o núcleo essencial dos direitos fundamentais cor-respondentes já estará satisfeito. [...]

(b) Quando houver melhorias do serviço público apenas para alguns,

sem que os outros sejam por elas beneficiados sem qualquer critério distinti-vo legítimo, gerando o direito subjetivo às mesmas melhorias. Uma ressalva deve ser feita em relação à crescente inserção de mecanismos mercadológi-cos na prestação dos serviços públicos, o que faz com que a negociação en-tre usuários e concessionários não só seja possível, como incentivada pelo Poder Público. [...]

c) Como visto no início deste Tópico, o Princípio da Adaptação tem

importância principalmente no momento da elaboração dos editais de licita-ção e dos contratos de concessão, ocasião em que o Poder Concedente po-derá, dando concretude ao Princípio, estabelecer regras que determinem o constante aperfeiçoamento do serviço público. Essas regras constituirão, a-pós celebrado o contrato, cláusulas de serviço que poderão ser invocadas pelos usuários que a elas se subsumirem.

A partir do acima exposto, é perfeitamente possível concluir que a constante me-

lhoria da sua prestação é, com toda a certeza, uma forma de tornar efetivo o direito

fundamental do usuário a um serviço público adequado e eficiente nas concessões.

Caso um usuário, por exemplo, tenha sofrido um acidente e, após, o seu veículo

seja danificado pelo guincho da concessionária de rodovias, ele poderá se insurgir

através do ajuizamento de uma ação indenizatória. Nesta última, é permitido que

questione a eficiência e a adequação do serviço público, pois o guincho oferecido

175 ARAGÃO, op. cit., p. 11-13.

116

pela concessionária ocasionou danos ao seu veículo ao rebocá-lo até uma oficina

mecânica.176 Caber-lhe-á demonstrar que o serviço público concedido deveria ter

sido prestado de forma adequada e eficiente. Em suma: o guincho não poderia ter

causado os danos ao veículo.

Ao assinar o contrato de concessão, a concessionária assumiu o compromisso

de prestar um serviço público adequado, eficiente e de boa qualidade, não podendo

se furtar a cumprir com tal dever. Seu descumprimento enseja o ingresso de de-

manda reparatória, pois o direito fundamental do usuário (aqui equiparado ao con-

sumidor por força do art. 4º da LICC) foi lesado, cabendo ao Poder Judiciário zelar

pela sua efetividade. Embasando a possibilidade do exercício do direito de ação,

Hamilton Rangel Júnior (1995)177 é enfático:

Da mesma forma, a eventual descortesia de um preposto de conces-sionário, durante a prestação de serviço, abre espaço a que se pleiteie, judi-cialmente, por ações civis comuns, tanto indenização por descumprimento de obrigação de fazer (já que cortesia, pela lei, torna-se um ato prestacional também), quanto a polêmica indenização por dano moral, conforme caiba.

O controle jurisdicional da prestação de um serviço público adequado e eficiente

ao usuário encontra raízes mais profundas, as quais estão vinculadas ao próprio

Estado Democrático de Direito. Miguel Seabra Fagundes (2006)178 sustenta que as

prerrogativas que o cidadão tem de exigir prestações ativas ou negativas do Estado

constituem os direitos públicos subjetivos. Sua natureza pública, segundo ele, de-

correria do fato da Administração participar da relação jurídica, possuindo assim o

dever de satisfazer o interesse almejado pelo administrado. No caso das conces-

sões, a titularidade do serviço público permanece com o Estado, apesar da sua

prestação ter sido atribuída a um particular. Desse modo, é perfeitamente possível

que o usuário questione a eficiência e a adequação da prestação do serviço público

concedido via ajuizamento da ação judicial cabível. Chancelando tal argumento,

176 É chamado de ponto de apoio pelas concessionárias de rodovias. 177 RANGEL JÚNIOR, Hamilton. A prestação do serviço. In: MEDAUAR, Odete (Coord). Concessão de serviço público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 99-100. 178 SEABRA FAGUNDES, Miguel. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 7 ed. (atualizada por Gustavo Binenbojm). Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 209-213.

117

entende Seabra Fagundes:179

Em todas as situações contenciosas nascidas de violação dos direi-tos públicos subjetivos do administrado, a este é que se incumbe a iniciati-va de promover a apreciação jurisdicional.

A ação proposta nesses casos pode ter duas finalidades:

a) a prática, em espécie, da prestação devida (dar, fazer ou não fa-zer);

b) a reparação posterior do dano causado pela violação do direito.

[...]

O pedido de fins reparatórios é sempre cabível, dada amplitude com que o nosso sistema jurídico admite a responsabilidade civil do Estado. Em princípio, pode-se afirmar que nenhum ato administrativo ilegal, que cause lesão a direito do administrado, deixa de dar lugar à reparação eco-nômica.

Outro ponto que pode ser salientado para justificar a intervenção do Poder Judi-

ciário na questão é o disposto no § 1º do art. 5º da CF. De acordo com a sua reda-

ção, as disposições referentes aos direitos fundamentais têm aplicação imediata

(self-executing). Desse modo, nada mais natural do que o usuário questionar a efi-

ciência e a adequação na prestação do serviço público concedido. Fica evidente

que os direitos fundamentais podem ser imediatamente invocados, mesmo que haja

falta ou insuficiência de lei (na hipótese abordada, o inciso XXXII do art. 5º da CF

não fala textualmente no direito do usuário a um serviço público adequado e eficien-

te). A lacuna legal não deve servir de motivo para que os órgãos estatais não ma-

ximizem a eficácia dos direitos fundamentais (entre os quais o direito do usuário a

um serviço público adequado e eficiente), criando condições materiais para a sua

realização. A justificativa, conforme Krell,180 decorreria do fato dos direitos funda-

mentais terem origem na própria tradição da civilização ocidental cristã. Registre-se

que a eficácia jurídica estaria relacionada aqui à capacidade de uma norma consti-

tucional produzir efeitos jurídicos. Já a efetividade, por sua vez, significaria o de-

sempenho concreto da função social do Direito, representando a materialização, no

179 SEABRA FAGUNDES, op. cit., p. 216-217. 180 KRELL, op. cit., p. 19-23.

118

mundo dos fatos, dos preceitos legais.

Estando as normas de direitos fundamentais dotadas de auto-aplicabilidade, é

dever do Estado promover sua máxima efetividade possível. A defesa do consumi-

dor está expressamente entre eles, consoante o disposto no inciso XXXII do art. 5º.

A adequação e a eficiência na prestação de um serviço público concedido tornam

efetivo o direito fundamental do usuário, que acaba sendo consumidor por extensão

(após, é claro, ser efetuados os temperamentos cabíveis em relação à Lei

8.987/95). É, portanto, titular de direito fundamental. Não se pode gerar um senti-

mento de frustração constitucional (“essa lei não pegou”, como dizem os leigos) ao

não tratar o direito fundamental do consumidor a um serviço público adequado e

eficiente com o destaque que lhe é merecido. Não importa neste caso que o serviço

público seja prestado diretamente pelo Estado ou esteja concedido à iniciativa pri-

vada. A noção de serviço público concedido prestado de forma adequada e eficiente

(e, em conseqüência, da efetivação do direito fundamental do usuário enquanto

consumidor) não pode parecer utópica. Aliás, ela já está presente em outros países,

merecendo atenção especial por parte dos concessionários (tanto privados quanto

públicos). A título exemplificativo, mencione-se o caso dos Estados Unidos da Amé-

rica. Destaca o economista norte-americano Gregory Palast (2002):181

Em todos os serviços públicos – gás, telefone, eletricidade e água –

os Estados Unidos dão condição ao cidadão de classe média de contar com serviços de alta qualidade, com preços muito mais baixos do que qualquer outra nação poderia oferecer através dos operadores privados e donos de corporações de serviços públicos.

[...] Quanto mais transparente é o processo, e quanto mais claras fo-

rem as informações para os consumidores, menores os preços e melhor a qualidade dos serviços.

A realidade norte-americana não pode se constituir em fato isolado num mundo

181 PALAST, Gregory. Segredo, Democracia e Regulação. In: Instituto Brasileiro de Defesa do Con-sumidor – IDEC. A proteção ao consumidor de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 303-304.

119

globalizado como o atual. Percebe-se claramente que, ante a omissão do Estado e

do concessionário na prestação de um serviço público eficiente e adequado, não

resta outra alternativa ao usuário senão buscar a intervenção do Poder Judiciário

para fazer valer o seu direito fundamental. A efetividade do mencionado direito deve

deixar de ser uma tese acadêmica para se tornar uma necessidade, uma verdadeira

mudança de cultura no Brasil. Esta é a expectativa do cidadão comum numa demo-

cracia moderna.

2.5 Forma de implementação máxima: planejamento e eficiência estatal Segundo ficou demonstrado anteriormente, é possível aplicar o CDC às con-

cessões e comparar o usuário de serviços públicos concedidos ao consumidor nos

casos em que não haja incompatibilidade com a Lei de Concessões. Tal situação

torna o usuário titular de um direito fundamental expressamente previsto pelo inciso

XXXII do art. 5º da CF. Ostentando, sob esta ótica, a condição de consumidor, o

usuário possui, em conseqüência, o direito fundamental à prestação de um serviço

público adequado e eficiente. Tendo as normas relativas aos direitos fundamentais

aplicabilidade imediata (§ 1º do art. 5º da CF), a questão que merece ser objeto de

estudo agora é a obrigação do Estado de planejar a sua atuação, de forma que a

prestação do serviço público seja a mais eficiente possível. Mesmo que o serviço

seja concedido, a importância do planejamento não sofre nenhum demérito, pois a

sua titularidade permanece com o Estado.

Para que haja eficiência na prestação do serviço público e respeito ao direito

fundamental do usuário enquanto consumidor, é primordial que o Estado já faça a

previsão de metas e de custos para tanto por ocasião do certame licitatório a ser

realizado nos moldes da Lei 8.666/93, sem prejuízo das peculiaridades previstas

nos arts. 15 a 22 da Lei de Concessões. Esse planejamento, além de contemplar as

demais obrigações contidas na Lei 8.987/95 (por exemplo, as cláusulas essenciais

do contrato previstas no seu art. 23 e os encargos assumidos pela concessionária

no seu art. 31), permitirá a adequação dos custos, mantendo-se o equilíbrio econô-

mico-financeiro do contrato de concessão. Cabe salientar que os incisos II, III e IV

120

do art. 23 da Lei de Concessões182 demonstram claramente a importância da reali-

zação do planejamento. A fiscalização posterior (via Ministério Público, Tribunal de

Contas ou sociedade) se tornará muito mais eficiente, na medida em que a conces-

sionária terá ciência, de antemão, da totalidade dos encargos que assumiu ao ven-

cer a licitação. Não será surpreendida com imposições posteriores que, na maior

parte das vezes, levam a um grande desequilíbrio contratual, gerando prejuízos sé-

rios à prestação do serviço (obrigação imposta pelo Poder Judiciário a fim de que

sejam construídos guard-rails ao longo da rodovia concedida, por exemplo). Eros Roberto Grau é um defensor ferrenho da relevância do planejamento na

atuação do Estado. O Ministro do Supremo Tribunal Federal183 afirma que a Consti-

tuição Federal não conferiu ao tema o tratamento merecido. Acrescenta também:

“[...] o planejamento de que se cogita é o planejamento técnica de atuação racional,

cuja compatibilidade com o mercado é absoluta. Cuida, a Constituição do planeja-

mento do desenvolvimento econômico, quando, em verdade, deveria ter tratado, e

de modo muito mais amplo, do planejamento da ação estatal.” Após, propõe uma

alteração no agir do Estado, incentivando a realização de planejamento. Finaliza,

destacando o seguinte:

É o planejamento que confere consistência racional à atuação do Es-

tado (previsão de comportamentos, formulação de objetivos, disposição de meios), instrumentando o desenvolvimento de política públicas, no hori-zonte do longo prazo, voltadas à condução da sociedade a um determina-do destino.

O planejamento de que cogito expressa, nestas condições, uma im-posição da Constituição dirigente. Por isso que – estou disso convencido – é mais do que reorganização das funções públicas de governo, mediante a revisão da teoria da “separação” dos Poderes, o que se reclama.

Tomando como base o entendimento acima do jurista gaúcho, permite-se fa-

zer sua aplicação analógica para o instituto das concessões. Para que seja imple-

182 Art. 23 – São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: ... II – ao modo, à forma e às condições de prestação de serviço; III – aos critérios, indicadores, às fórmulas e aos parâmetros definidores da qualidade do serviço; IV – ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para reajuste da revisão das tarifas;

121

mentado de forma máxima o direito fundamental do consumidor a um serviço públi-

co adequado e eficiente nas concessões, é imperioso que o Poder Concedente faça

um planejamento antes da realização da licitação. Como referiu Grau, esse plane-

jamento deve prever comportamentos (por exemplo, perda de arrecadação com as

possíveis rotas de fuga próximas às praças de pedágio), formular objetivos (dupli-

cação de um trecho concedido em cinco anos, por exemplo) e dispor de meios (re-

visão periódica da tarifa para a preservação da prestação adequada dos serviços

públicos concedidos, por exemplo).

O planejamento passa pela intervenção regulatória do Poder Público, a qual

não pode se limitar apenas na fixação das normas de conduta. Seu horizonte deve

ser mais amplo. Ao tratar da intervenção do Estado na atividade econômica, Egon

Bockmann Moreira (2005)184 asseverou assim:

[...] Regular a economia não significa só o estabelecimento de regras cujo conteúdo ou objeto tenham efeitos econômicos, fixan-do um conjunto de prescrições que determinem o comportamento (próprio e alheio), mas também (e especialmente) o controle e a fis-calização do cumprimento dessas regras e a sanção à sua violação (ou ao seu cumprimento, no caso das sanções premiais).

Num primeiro momento, a intervenção é operacionalizada in concreto pela Administração Pública. Esse é o seu cenário usual, envolvendo uma gama de atividades vinculadas à parcela específica do exercício da função administrativa. Excepcionalmente o é pelo Judiciário (em casos concretos ou no controle abstrato) e Legislativo (produção de normas e eventual controle parlamentar). Tanto a in-tervenção em sentido estrito como a regulação econômica subme-tem-se ao Estado-Administração. Em essência, isso significa que as relações jurídicas de intervenção da atividade econômica configuram exercício de função administrativa através de órgãos próprios, sob o regime jurídico de Direito Administrativo.

Regulando o contrato de concessão, com a fixação de metas e custos viá-

veis, e obrigando as concessionárias a adotarem certos tipos de comportamento

183 GRAU, op. cit., p. 342-343. 184 MOREIRA, Egon Bockmann. O Direito Administrativo Contemporâneo e a Intervenção do Estado na Ordem Econômica. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico - REDAE. Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 1. p. 1-23. fevereiro. 2005. Disponível em <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em 17 jul. 2007. p. 20.

122

(por exemplo, atendimento cortês aos usuários), a Administração Pública proporcio-

nará a melhoria periódica da prestação dos serviços públicos, conferindo máxima

eficiência ao direito fundamental do consumidor. Com o planejamento e o estabele-

cimento de metas e custos para a concessão já na licitação (antes, portanto, do iní-

cio do prazo do contrato de concessão), o Poder Concedente terá melhores condi-

ções para exigir que o serviço público seja prestado de forma adequada e eficiente.

Exercerá, na origem, o seu papel de regular a atividade econômica, permitindo que

haja a correta adequação dos custos correspondentes às obrigações que serão im-

postas às concessionárias. Afinal, quanto melhor for esse planejamento, mais efici-

ente será a prestação do serviço público concedido para o consumidor. Haverá im-

plementação no maior grau possível do seu direito fundamental.

B) A Eficiência na Implementação do Direito Fundamental do Consumidor

No capítulo primeiro, a meta era fazer uma análise geral do instituto das con-

cessões de serviços públicos, especialmente sob a ótica da Lei 8.987/95. Procurou-

se abordar, na medida do possível, os principais aspectos legais sem, é claro, ter

qualquer pretensão de esgotar o assunto. Ficou constatado que a concessionária

deve fornecer um serviço público adequado ao usuário, mas a este último foi impos-

to o dever de fruição adequada a fim de evitar abusos.

Demonstrar que o usuário de serviço público concedido é consumidor e, por-

tanto, titular de um direito fundamental foi o objetivo da primeira parte do capítulo

segundo desta dissertação. Como se não bastasse, o usuário, na condição de con-

sumidor, tem direito a uma prestação de serviço adequada e eficiente. Restou evi-

denciado que cabe ao Estado dar efetividade ao direito fundamental do consumidor

da melhor forma possível. O concessionário também está vinculado ao direito fun-

damental do consumidor a um serviço público adequado e eficiente, pois a titulari-

dade do serviço permanece com o Poder Concedente. Caso o usuário veja que o

seu direito fundamental não está sendo respeitado, tem a prerrogativa constitucional

de ajuizar ação própria junto ao Poder Judiciário. Agora, neste tópico, a pretensão é fazer a união das partes anteriores deste

123

trabalho para, ao final, tentar demonstrar se a eficiência pode ser considerada como

um meio de implementação do direito fundamental do consumidor nas concessões.

Para tanto, o conceito de eficiência é abordado desde a sua origem na Economia

até a sua aplicabilidade na Ciência Jurídica através da Análise Econômica do Direi-

to (Laws and Economics). Após ser analisada a sua definição, procura-se demonstrar qual é a relevân-

cia do Princípio da Eficiência para a Administração Pública. Seria inócuo estabele-

cer que o gestor público devesse agir com eficiência sem que fossem estabelecidos

efetivos meios de controle neste particular. Assim, numa etapa posterior, é verifica-

do como tal controle pode ser efetuado. Por fim, não se pode olvidar que os recur-

sos são escassos, conforme consagrada lei econômica. Por este motivo, é preciso

que existam limites econômicos para a aplicação do CDC nos contratos de conces-

são. Neste ponto em diante, ingressa-se numa questão primordial desta disserta-

ção, na medida em que, havendo inevitável escassez de recursos, impõe-se o seu

uso com eficiência, evitando o desperdício. Deve haver um planejamento prévio, de

forma que os direitos fundamentais do consumidor constem no contrato de conces-

são, permitindo o seu cálculo para o estabelecimento do equilíbrio econômico-

financeiro. Logo, mostra-se necessário ponderar para que não haja a imposição de

obrigações não contratadas para as concessionárias, sob pena de restar prejudica-

do o direito fundamental do consumidor a um serviço público adequado e eficiente

com a promoção de constantes revisões da tarifa derivadas do desequilíbrio eco-

nômico-financeiro.

3.1 Conceito e origem da eficiência Tratar da eficiência na prestação dos serviços públicos é dar efetividade à

Constituição Federal. Diz Leonel Pires Ohlweiler (2000):185 “A ação de planejamento

da Administração Pública deve voltar-se para o dever de realizar a Constituição,

assumindo capital importância a normatização referente aos direitos fundamentais.”

185 OHLWEILER, Leonel Pires. O Contributo da Jurisdição Constitucional para a Formação do Regi-me Jurídico-administrativo. In: Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica. v. 1. n. 2. 2004, p. 285.

124

A eficiência adquiriu grande importância no Direito, especialmente após o ad-

vento da Emenda Constitucional 19, de 4.6.1998, a qual a acrescentou como princí-

pio que rege a Administração Pública no "caput" do art. 37 da CF.186 Apareceu tam-

bém como princípio no "caput" do art. 2º da Lei 9.784, de 29.1.1999 (A mesma trata

do processo administrativo federal.). A própria Lei 8.987, que é de 1995, ou seja,

muito anterior à EC 19/98, já fazia referência ao mencionado princípio (por exemplo,

no seu § 1º do art. 6º). Antes de ser trabalhar com o conceito de eficiência, é preciso diferenciá-lo de

eficácia e de efetividade. Na visão de Marcelo Douglas de Figueiredo Torres,187 efi-

cácia é o atingimento dos objetivos desejados por determinada ação do Estado, não

sendo levados em consideração os meios e os mecanismos utilizados para tanto.

Já na eficiência há uma clara preocupação com os mecanismos que foram usados

para a obtenção do êxito na atividade do Estado. Assim, procura-se buscar os mei-

os mais econômicos e viáveis para maximizar os resultados e minimizar os custos.

Em suma: é atingir o objetivo com o menor custo e o melhor resultado possíveis.

Por fim, na efetividade, a preocupação central é verificar a real necessidade e a o-

portunidade de determinadas ações do Estado, deixando claro quais setores serão

beneficiados e em detrimento de que outros atores sociais. É importante agir da

forma mais democrática, transparente e responsável possível. Torres188 explica que a eficiência era um dos objetivos do Plano Diretor da Re-

forma do Estado, cuja implementação caberia ao recém criado Ministério da Admi-

nistração Federal e Reforma do Estado - MARE. O plano foi apresentado pelo então

Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, à sociedade em meados de

novembro de 1995. Os principais nomes a serem aqui destacados são os do ex-

Ministro do MARE, Sr. Luiz Carlos Bresser Pereira, e da ex-secretária executiva do

MARE, Sra. Cláudia Costin. Naquela época, expressões como “choque de gestão” e

“qualidade no serviço público” eram comuns e serviram também de embasamento

186 Nunca é demais olvidar que sua origem é a Mensagem Presidencial 886/95, que restou converti-da na Proposta de Emenda Constitucional 173/95. Por fim, a inclusão do Princípio da Eficiência na Constituição Federal só ocorreu após o advento da EC 19, de 4.6.1998. 187 TORRES, op. cit., p. 175. 188 TORRES, op. cit., p. 172.

125

para a inclusão do Princípio da Eficiência no texto constitucional.

É certo que a inserção do Princípio da Eficiência no “caput” do art. 37 da CF

pela EC 19/98 decorreu da clara intenção de se reformar o Estado. De acordo com

Egon Bockmann Moreira (2000),189 o Princípio da Eficiência passou a se constituir

numa verdadeira diretriz para a Administração Pública. A sua inclusão no texto

constitucional, segundo ele, resultou da reforma gerencial do Estado, a qual preten-

dia acabar com a administração burocrática e instalar a Administração Pública Ge-

rencial no Brasil. Lembra ainda o ex-Consultor Jurídico do MARE que o Princípio da

Eficiência possui outros nomes na doutrina estrangeira, tais como Princípio da Efi-

cácia (art. 103, 1, da Constituição da Espanha) e Princípio do Bom Andamento ou

da Boa Administração (art. 97 da Constituição da Itália).

A reforma do Estado buscava melhorar sua organização, seus servidores, suas

finanças e seu sistema institucional-legal, proporcionando uma relação mais harmo-

niosa com a sociedade civil. A partir do advento da reforma, consoante Torres,190 o

núcleo estratégico do Estado tomaria decisões mais adequadas e ofereceria servi-

ços públicos que operassem com maior eficiência. Houve a idealização de contratos

de gestão, agências autônomas e organizações sociais para que conferissem efeti-

vidade à reforma estatal. É o chamado Estado regulador. Neste aspecto, vale des-

tacar o seguinte trecho de um artigo de Wilson Steinmetz (2004):191

Ainda que sem muita pressão, já há referências a um novo modelo: o

Estado regulador. Bresser Pereira (1996, p. 285), por exemplo, prevê que o Estado moderno do século XXI “[...] deverá ser um Estado regulador e trans-feridor de recursos, que garante o financiamento a fundo perdido das ativi-dades que o mercado não tem condições de realizar”. Um Estado que não será próximo do mínimo (século XIX) nem executor (século XX).

[...]

Ainda, segundo Puceiro, para que o Estado exerça com sucesso seu

poder regulador, são necessários quadros regulatórios claros – que estabe-leçam as regras que irão reger as relações entre o Estado e as empresas

189 MOREIRA, Egon Bockmann. O Princípio da Eficiência e a Lei 9.784/99. Revista da Procuradoria Geral do INSS. Brasília: Instituto Nacional do Seguro Social, v. 7. n. 3. p. 49-51. out-dez. 2000. 190 TORRES, op. cit., p. 172-174. 191 STEINMETZ, Wilson. Premissas para uma Adequada Reforma do Estado. Revista Direito e De-mocracia. Canoas: Editora Ulbra, v. 5. p. 81-82. 1º semestre de 2004.

126

prestadoras de serviços públicos e entre estas e aos usuários – e poder de polícia que garanta aos beneficiários e aos usuários a prestação dos servi-ços.

Rachel Sztajn (2005)192 define eficiência assim: "Eficiência significa a aptidão

para obter o máximo ou o melhor resultado ou rendimento, com a menor perda ou o

menor dispêndio de esforços; associa-se à noção de rendimento, de produtividade;

de adequação à função." Ressalta, por fim, que a eficácia, por sua vez, é a aptidão

para produzir efeitos. Em suma: é a busca pelo ótimo, evitando-se o desperdício.

Esta mesma linha de raciocínio é compartilhada por Dinorá Adelaide Musetti

Grotti. Além de distingui-la da eficácia, a jurista paulista faz também um importante

liame da eficiência com a qualidade na prestação do serviço público. Salienta desta

forma:193

É um conceito econômico, que introduz, no mundo jurídico, parâme-tros relativos de aproveitamento ótimo de recursos escassos disponíveis pa-ra a realização máxima de resultados desejados. Não se cuida apenas de e-xigir que o Estado alcance resultados com os meios que lhe são colocados à disposição pela sociedade (eficácia), mas de que os efetue o melhor possível (eficiência), tendo, assim, uma dimensão qualitativa.

[...]

A eficiência diz respeito ao cumprimento das finalidades do serviço

público, de molde a satisfazer necessidades dos usuários, do modo menos oneroso possível, extraindo-se dos recursos empregados a maior qualidade na sua prestação.

Nas definições de Torres, Sztajn e Grotti, foi estabelecida uma clara diferen-

ciação entre eficácia e eficiência, sendo que a primeira se refere à capacidade de

produção de resultados, enquanto que a segunda é a busca pelo melhor resultado

possível aliada ao menor gasto de forças possível. Preserva-se, desse modo, a ori-

gem econômica desta última. Registre-se que, na Economia, a idéia de eficiência

está vinculada ao chamado Ótimo de Pareto (ou a Eficiência de Pareto).

192 ZYLBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Rachel (Orgs). Direito & Economia. Rio de Janeiro: Campus, 2005. p. 83. 193 GROTTI, op. cit., p. 298-299.

127

Alejandro Bugallo Alvarez (2006)194 explica o Ótimo de Pareto desse modo:

“Uma decisão é ótima, segundo Pareto, se não existe outra situação diferente que

se prefira unanimemente, o que implica que devem rejeitar todas as situações que

todos declaram unanimemente como piores.” Já Ronald Dworkin (2001)195, apesar

de criticá-lo, define-o assim: “[...] uma distribuição de recursos é eficiente se não se

puder fazer nenhuma mudança nesta distribuição que não deixe ninguém em pior

situação e, ao menos, um indivíduo em melhor situação”. A crítica do jurista norte-

americano196 é no sentido de ser “[...] um absurdo dizer que os juízes não deveriam

tomar nenhuma decisão, a não ser as que movam a sociedade de um estado de

ineficiência para um estado de eficiência de Pareto”. Sztajn197 diz que a relação entre Direito e Economia é muito antiga, mas que

não lhe foi dada a importância necessária, ainda que possa oferecer soluções para

diversas questões atuais. Iniciou-se a percepção da necessidade de se recorrer a

uma avaliação econômica na formulação de normas jurídicas a fim de torná-las ca-

da vez mais eficientes e mais eficazes. Foi a partir dos anos 60 do século passado

que se inicia o desenvolvimento da chamada de Análise Econômica do Direito (Law

and Economics). Acrescenta a autora na mesma passagem:

O movimento começa a ganhar corpo com a publicação de The Pro-blem of Social Cost, de Ronald H. Coase, professor da Universidade de Chi-cago, passa por Richard Posner, com Economic Analysis of Law, ambos pro-fessores da Universidade de Chicago, por The Cost of Accidents de Guido Calabresi, de Yale. Além deles, Henry Manne, George Stigler, Armen Alchi-an, Steven Medema, Oliver Wiliamson, entre outros, aprofundam o diálogo.

194 ALVAREZ, Alejandro Bugallo. Análise Econômica do Direito: contribuições e desmistificações. Direito Estado e Sociedade. v. 9. n. 29. jullho-dezembro. 2006. p. 63. 195 DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. Traduzido por Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 355-356. 196 Discorda-se de Dworkin neste particular, pois, ao menos no Brasil, a atual Constituição Federal, no “caput” do seu art. 37, elencou a eficiência como um dos princípios a serem observados pela Administração Pública. Apoiado em Moreira, Torres, Sztajn e Grotti e na nova configuração do Estado apontada por Steinmetz, é possí-vel sustentar que a eficiência é um parâmetro que deveria ser levado em consideração pelos juízes ao tomarem as suas decisões, principalmente para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. 197 SZTAJN, op. cit., p. 74-75.

128

João Bosco Leopoldino da Fonseca (1998)198 diz que foi Richard Posner o

principal mentor da Análise Econômica do Direito e foi quem deu uma abordagem

mais ampla e profunda ao Princípio da Eficiência. Aduz que Posner defendia que a

economia normativa ditaria a lei para o legislador, para o juiz e para o intérprete.

Logo, ela não estaria destituída de uma escala de valores, contaminando-se pelos

valores fixados pela política, pela moral e pelo direito. A eficiência seria o funda-

mento dessa escala de valores, sendo também um dos sentidos da justiça, na me-

dida em que o homem é um maximizador racional de seus objetivos de vida. Conti-

nua Leopoldino da Fonseca ao explicar o pensamento de Posner:

Os instrumentos de que se serve nessa avaliação são as noções de

preço, custo, custo das oportunidades, de gravitação dos recursos em dire-ção a um uso mais vantajoso. Para Posner a eficiência é a utilização dos re-cursos econômicos de modo que o valor, ou seja, a satisfação humana, em confronto com a vontade de pagar por produtos ou serviços, alcance o nível máximo, através da maximização entre os custos e as vantagens.

Conforme o mesmo jurista brasileiro,199 a atuação do Estado deve ser pauta-

da pelo Princípio da Eficiência e, ao fazê-lo, deve observar três planos: a) aquele

em que ele próprio exerce uma atividade econômica definida pela CF; b) aquele em

que adota uma postura normativa da atividade econômica; c) aquele em que esti-

mula ou favorece ou planeja a atividade econômica. Completa o autor: "É óbvio que

o mesmo princípio deverá informar a atividade das empresas, que, ao exercerem a

atividade econômica, devem estar imbuídas da idéia de que o seu sucesso depende

exatamente da eficiência das posturas adotadas."

Cento Veljanovski (1994)200 ressaltou a importância do pensamento de Pos-

ner, referindo que os juízes deveriam decidir de maneira a estimular uma utilização

mais eficiente de recursos. Os juízes, segundo o citado autor, costumeiramente re-

jeitam os argumentos econômicos ou usam-nos de maneira equivocada. A análise

198 LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 36-37. 199 LEOPOLDINO DA FONSECA, op. cit., p. 35-36. 200 VELJANOVSKI, Cento. A Economia do Direito e da Lei: uma introdução. Tradução de Francisco J. Beralli. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1994. p. 34.

129

da eficiência de Posner propõe uma nova ótica sobre as doutrinas legais, as quais

poderiam ser analisadas sob uma perspectiva econômica.

Juarez Freitas (1999)201 sustenta que “[...] o administrador público está obri-

gado a obrar tendo como parâmetro o ótimo [...]”. Cabe ao mesmo procurar encon-

trar a solução que seja a melhor possível sob o ponto de vista econômico. Diga-se

de passagem que, tratando-se de dinheiro público, nem poderia ser diferente. O

professor gaúcho, no entanto, atribuiu tal obrigação ao Princípio da Economicidade

ou da Otimização da Ação Estatal. Acrescenta ainda que o desperdício de dinheiro

público é, infelizmente, uma constante no Brasil, pois202 “obras apresentam projetos

básicos que discrepam completamente dos custos finais, em face de erros elemen-

tares.” Considerando o acima exposto, não parece ousado afirmar que o Princípio

da Otimização da Ação Estatal aqui pode ser considerado como um sinônimo do

Princípio da Eficiência. Afinal, num país em desenvolvimento como o nosso, é impe-

rioso que o gestor público aja com a máxima eficiência possível, otimizando os es-

cassos recursos disponíveis para o cumprimento de todas as suas obrigações cons-

titucionais. A busca pelo ótimo deve ser uma constante.

Consoante Marcelo Härger (1999),203 até mesmo nos casos nos quais o ges-

tor público tenha certa margem de discricionariedade, é sua obrigação constitucio-

nal procurar encontrar a melhor solução possível para que o interesse público seja

corretamente atendido. Seria nos atos administrativos discricionários que o Princípio

da Eficiência teria sido efetivamente sobrevalorizado pelo constituinte (“consagra-

do”, segundo o professor catarinense), pois embasaria a atuação do administrador

público. Aliás, num primeiro momento, o Princípio da Eficiência poderia ser até con-

fundido, inclusive, com os Princípios da Moralidade e da Razoabilidade da Adminis-

tração. Härger, todavia, descarta esta hipótese no mesmo trecho:

201 FREITAS, Juarez. O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 85. 202 FREITAS, op. cit., p. 86. 203 HÄRGER, Marcelo. Reflexões Iniciais sobre o Princípio da Eficiência. Disponível em <http://www.hargeradvogados.com.br>. Acesso em 29 mai. 2007. Disponível também: HÄRGER, Marcelo. Reflexões Iniciais sobre o Princípio da Eficiência. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, n. 217. p.151-161. Dezembro de 1999.

130

Apesar disso, possui conteúdo próprio. Traduz o dever de adminis-trar, não só de modo razoável e conforme a moral, mas utilizando as melho-res opções disponíveis. É o dever de alcançar a solução que seja ótima ao atendimento das finalidades públicas. Não basta que seja uma solução pos-sível. Deve, isto sim, ser a melhor solução. Há um dever jurídico de boa ad-ministração para o atendimento da finalidade legal.

Émerson Gabardo (2002)204 refere que o Princípio da Eficiência somente as-

cendeu à categoria constitucional através do Poder Constituinte Derivado, ou seja,

por meio de emenda. Desse modo, tal prescrição submete-se ao controle de consti-

tucionalidade decorrente da conformação com o sistema preexistente. Utilizando-se

do princípio da máxima efetividade das normas, é possível sustentar que, antes da

sua inclusão no texto, o Princípio da Eficiência já fazia parte do sistema constitucio-

nal, sendo decorrência direta do regime republicano e do Estado Social e Democrá-

tico de Direito. O Princípio Constitucional da Eficiência Administrativa não deixa dúvidas de

que cabe à Administração Pública e aos particulares que prestam serviços públi-

cos concedidos fazerem o melhor possível para cumprirem com a sua atribuição.

Como o Direito Constitucional deve procurar maximizar as regras e princípios da

Constituição Federal, Gabardo defende que a concretização do Princípio da Efici-

ência deve levar em conta a realidade na qual ela se aplica e as outras proposi-

ções normativas extraídas do seu texto. Ele entende assim:205

Situando a reforma imposta pela Emenda nº 19/98 a partir desta perspectiva de conformação constitucional, não há como se aceitar a tese de que o princípio da eficiência é meramente decorativo, não possuindo força normativa.

Ainda que a eficiência, a priori, não seja considerada pela doutrina um conceito de origem jurídica, certamente que, após sua constitucionali-zação, não se restringe a um "ente" da Ciência da Administração ou Eco-nomia.

Sua natureza se altera a partir da vontade da Constituição, quando foi ascendida à categoria de princípio jurídico expresso, ainda que seja difí-

204 GABARDO, Émerson. Princípio Constitucional da Eficiência Administrativa. São Paulo: Dialética, 2002. p. 86-88. 205 GABARDO, op. cit., p. 87.

131

cil a sua observação prática. A interpretação constitucional deve submeter-se ao "princípio da ótima concretização da norma", que não deve se pren-der à mera subsunção lógica ou conceitual. Ou seja, a concretização do princípio da eficiência deve levar em conta a realidade na qual se aplica e as outras proposições normativas da Constituição.

A principal meta do Direito Constitucional deve ser a maximização da força normativa das regras e princípios constitucionais. Dessa forma, e pa-ra ser "eficiente" nesta tarefa de concretização conformadora da Constitui-ção, de acordo com os objetivos hermenêuticos traçados é preciso que se destaque a idéia da interpretação constitucional.

A eficiência enquanto princípio para a atuação do Poder Público também é

objeto de estudo em Portugal. Está, geralmente, associada ao Princípio da Boa

Administração. Apesar de não haver previsão expressa, José Joaquim Gomes Ca-

notilho e Vital Moreira (1993)206 dão a entender que o mesmo estaria relacionado ao

art. 267 da Constituição Portuguesa.207 Por outro lado, João Carlos Simões Gonçal-

ves Loureiro (1995)208 assegura que a eficiência é “uma pedra fundamental do mo-

derno Estado de Direito Social”. Diz ainda que se trata, na verdade, de um super-

conceito que compreende diversas dimensões com relevância jurídica, quais se-

jam:209 a) é a realização eficaz de fins pré-dados; b) é um modo de realização ótimo

dos fins da Administração Pública; c) designa as exigências de celeridade pelas

quais deve ser pautar a Administração Pública; d) é empregado igualmente para se

referir ao princípio da economia. O mencionado autor lusitano não cita exemplos de

eficiência nem colaciona acórdãos para ilustrar o seu entendimento. Tal situação

permite questionar se o Estado português pode realmente ser considerado como

um modelo de eficiência para a Administração Pública.

Não se pode deixar de analisar aqui o entendimento crítico de Flávio Galdino

206 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. 3 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993. p. 928. 207 Tal assertiva corrobora o argumento anterior de Egon Bockmann Moreira, segundo o qual o Prin-cípio da Eficiência estaria presente no art. 103, 1, da Constituição da Espanha com o nome de Prin-cípio da Eficácia e no art. 97 da Constituição da Itália com o nome de Princípio do Bom Andamento ou da Boa Administração. 208 LOUREIRO, João Carlos Simões Gonçalves. O Procedimento Administrativo entre a Eficiência e a Garantia dos Particulares. (Algumas Considerações). Coimbra: Coimbra Editora, 1995. p. 123. 209 LOUREIRO, op. cit., p. 131-132.

132

(2005)210 sobre o sentido atribuído pela doutrina e pela jurisprudência brasileiras ao

Princípio da Eficiência. Como se verifica abaixo, ele ressalta que faz tempo que a

doutrina brasileira procura chegar a uma definição mais precisa de eficiência:

De outro lado, abriu-se a possibilidade de utilização de fundamentos e justificativas antes atreladas aos princípios da proporcionalidade [...], da moralidade, da impessoalidade ou ao próprio dever de boa administração para referi-los à eficiência – uma espécie de migração de fundamentos an-tes atrelados a outros princípios constitucionais e agora referidos à efici-ência. Essa correlação e construção devem representar uma delimitação tanto quanto possível precisa dos limites de atuação de cada princípio.

Prima facie, parece acertada a assertiva de que o princípio da efici-ência representa acentuada relação com a idéia de proporcionalidade ou mesmo com idéia de razoabilidade.

Com efeito, assim como a razoabilidade importa na aferição da rela-ção entre os meios e os fins resultantes de uma determinada medida, a e-ficiência implica a verificação de que os resultados alcançados por uma medida são representativos de uma relação custo-benefício favorável em relação aos meios empregados e aos sacrifícios impostos – essa é, inclu-sive, a noção corrente de eficiência, que deve ser juridicamente temperada através de parâmetros éticos.

Fica claro que Galdino entende que a eficiência promove uma releitura da

Administração Pública mediante a qual o Estado de Direito só se tornará legítimo se

ostentar padrões eficientes. Acrescenta também que o Princípio da Eficiência não é

imposição apenas para o gestor público, mas, da mesma forma, para o sistema ju-

rídico e os seus mais diversos operadores.

Comparando-se todos os posicionamentos retro mencionados, a idéia de

Galdino nos parece bem apropriada, pois os resultados a serem alcançados por

uma determinada medida passam necessariamente pela análise dos meios e dos

esforços a serem utilizados para tanto. Muitas vezes, a medida a ser adotada não

será nem um pouco eficiente, já que a relação custo-benefício lhe será totalmente

desfavorável. Neste momento, é fundamental que o administrador público tenha

total consciência da sua decisão, levando em consideração o Princípio da Eficiên-

cia.

210 GALDINO, FLÁVIO. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos: Direitos não nascem em árvo-

133

Ao invés de ser uma faculdade para o administrador público, a eficiência, por-

tanto, é sim uma obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta pelo "caput" do

art. 37 após a EC 19/98. Sendo os recursos escassos, é imperioso que o gestor

público os aplique de forma adequada e eficiente, implementando políticas públicas

corretas e prestando serviços públicos com a melhor qualidade possível. Pontes e

viadutos inacabados e mordomias diversas não combinam com um Estado que pre-

cisa ser eficiente e que tem uma gama imensa de serviços a serem prestados à sua

população, principalmente a mais humilde.

3.2 A relevância do Princípio da Eficiência para a Administração Pública

Para se ter uma noção apropriada da relevância do Princípio da Eficiência para

a Administração Pública, é preciso entender o verdadeiro papel dos princípios no

ordenamento jurídico, distinguindo-os das regras. São mencionadas então algumas

considerações sobre essa diferenciação feitas por dois juristas de sistemas jurídicos

diversos: Ronaldo Dworkin (common law) e Robert Alexy (sistema romano-

germânico).

Ronald Dworkin (2002)211 diz que os princípios possuem uma dimensão que as

regras não têm - a dimensão do peso ou importância. Quando os princípios se in-

tercruzam, aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa

de cada um. Não é possível dizer que uma regra é mais importante que outra en-

quanto parte do mesmo sistema de regras, de tal modo que se duas regras estão

em conflito, uma suplanta a outra em virtude de sua importância maior. Segundo

Dworkin, se duas regras estão em conflito, uma delas não pode ser válida (modelo

do "tudo ou nada"). Os princípios, entretanto, indicam uma decisão numa certa dire-

ção, mesmo que não seja de maneira conclusiva, sobrevivendo intactos quanto não

prevalecem.

res. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 258-259. 211 DWORKIN. Ronald. Levando os Direitos a Sério. Traduzido por Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 72-75.

134

Robert Alexy (1993)212 refere que o ponto decisivo para a distinção entre regras

e princípios é que os primeiros são normas que ordenam que algo seja realizado na

maior medida possível dentre das possibilidades jurídicas e reais existentes. Os

princípios seriam mandados de otimização, que estão caracterizados como algo

que pode ser cumprido em diferentes graus e que a medida devida para tanto de-

pende das possibilidades reais e jurídicas. Já as regras são normas que podem ser

cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve ser feito exatamente o que

ela exige. Desse modo, para Alexy, a diferença entre regras e princípios é qualitati-

va e não de grau.

Reforçando a importância do posicionamento do jurista norte-americano neste

particular, Paulo Gilberto Cogo Leivas (2006)213 referiu o seguinte: “Ronald Dworkin

possui o mérito de ter provocado, no mundo jurídico, um intenso debate sobre a

normatividade dos princípios, embora seu objetivo fosse o de combater o positivis-

mo jurídico, utilizando, para tanto, o argumento da inadequação dos princípios aos

dogmas positivistas.” Em relação ao entendimento do jurista alemão sobre o tema,

Leivas o resumiu deste modo:214 “Para Alexy, tanto as regras quanto os princípios

são normas porque dizem o que deve ser.”

Feita a distinção entre regras e princípios e restando destacada a relevância dos

últimos, percebe-se claramente que a eficiência na Administração Pública é um ver-

dadeiro mandamento constitucional de otimização, devendo ser realizado na maior

medida possível dentre das possibilidades jurídicas e reais existentes. Assim, na

condição de princípio, deve ser maximizado, sendo os recursos públicos disponíveis

utilizados da melhor maneira possível, podendo exigida a intervenção do Poder Ju-

diciário, quando for provocado, para garanti-la. Conforme foi ressaltado por Ohlwei-

ler,215 “[...] o dever de bom administrador impõe que a Administração Pública sem-

pre busque respeitar e dar a máxima efetividade ao texto constitucional, cabendo ao

Poder Judiciário exercer o controle sobre tais práticas [...]”. Fica clara, por conse-

212 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Traduzido por Ernesto Garzón Valdés. 1. reimpr. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 83-86. 213 LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos Direitos Fundamentais Sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 30. 214 LEIVAS, op. cit., p. 38.

135

guinte, a relevância que foi atribuída ao Princípio da Eficiência pelo constituinte.

A Administração Pública mereceu um capítulo específico na Organização do Es-

tado (Capítulo VII do Título III), devendo obedecer aos Princípios da Legalidade,

Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência explicitados no “caput” do art.

37 da CF. A positivação do Princípio da Eficiência ocorreu com a promulgação da

Emenda Constitucional 19, de 14.6.98. A Administração Pública, seja direta (União,

Estados, Distrito Federal e Municípios), seja indireta (sociedades de economia mis-

ta, autarquias, empresas públicas e fundações públicas), deveria obedecer aos

princípios retro mencionados. Por extensão, os mesmos devem ser aplicados à

prestação de serviços públicos. Eduardo García de Enterría e Tomás-Ramón Fer-

nández216 vão mais além ao referirem que os princípios e os valores contidos na

Constituição vinculam todos os juízes e toda a tarefa interpretativa realizada pela

Administração Pública ou por qualquer operador jurídico.

Após a entrada em vigor da EC 19/98, é inquestionável, portanto, que os servi-

ços públicos devem ser prestados com eficiência, sendo estas condições impres-

cindíveis para o seu perfeito funcionamento. Diz Marçal Justen Filho (1997):217

Observe-se que serviço é um substantivo; adequado um adjetivo.

Por isso, será possível reputar que alguns serviços são inquestionavelmen-te adequados; outros, indubitavelmente inadequados. Mas existirá um campo intermediário, onde a adequação e inadequação dependerão da análise de sutilezas circunstanciais.

A vontade normativa não foi, certamente, de atribuir à Administração,

ao concessionário ou aos usuários a faculdade de qualificar livre e arbitra-riamente os serviços. Opção dessa ordem não seria caracterizável como disciplina jurídica, mas como sua ausência. Seria o campo do arbítrio.

[...]

A modicidade da tarifa corresponderá à idéia de menor tarifa em face

do custo e do menor custo em face da adequação dos serviços.

Essa última idéia apresentada por Justen Filho ilustra bem a aplicabilidade da e-

215 OHLWEILER, op. cit., p. 155-156. 216 ENTERRIA; FERNÁNDEZ. v. I., op. cit., p. 101. Tradução livre.

136

ficiência na prestação dos serviços públicos. Uma tarifa de pedágio praticada numa

rodovia concedida terá sua modicidade condicionada, por exemplo, ao custo da

manutenção dos serviços de ambulância e de guincho, colocados à disposição dos

usuários, de forma adequada e permanente, durante o prazo do contrato de con-

cessão.

Fica suficientemente caracterizado que a eficiência deve servir de meta para to-

do o agir da Administração Pública. Além disso, o sentido que lhe foi atribuído pela

EC 19/98 está nitidamente ligado à idéia de buscar alcançar um resultado rápido e

preciso no modo de atuação, ou seja, atuar de forma econômica. A Administração

Pública, por conseguinte, tem a obrigação de agir de forma rápida e precisa, produ-

zindo resultados que satisfaçam as necessidades da população. Não deixa de ser

um conceito cuja origem é escancaradamente econômica. Parece claro igualmente

que o Princípio da Eficiência se opõe frontalmente à lentidão, ao descaso, à negli-

gência e à omissão. Tais características, infelizmente, são muitas vezes habituais

na gestão estatal brasileira.

Uma prestação de serviço público concedido eficiente (e também adequada) e-

xige um planejamento anterior com a previsão, nos contratos de concessão, dos

direitos fundamentais do consumidor. Em outras palavras, o controle da eficiência

nas concessões deve ser prévio, de forma que o binômio custo-benefício seja leva-

do em consideração. Assim, por ocasião da licitação, cabe ao Poder Concedente já

fazer ao menos uma estimativa de qual seria o valor para que a empresa ou o con-

sórcio vencedor implementassem os direitos fundamentais do consumidor durante o

prazo da concessão. Seria evitada a geração de um desequilíbrio contratual poste-

rior resultante de uma decisão judicial ou administrativa.

3.3 Meios de controle da eficiência do serviço público como forma de imple-mentação do direito fundamental do consumidor

Para que o serviço público seja eficiente e adequado, o Ministério Público, o Tri-

bunal de Contas e a sociedade devem fiscalizar a sua prestação pelo Estado e pelo

217 JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões de Serviços Públicos. São Paulo: Dialética, 1997. p. 125-128.

137

particular enquanto concessionário. É primordial, portanto, que o controle da efici-

ência na prestação dos serviços públicos concedidos seja prévio. De nada adianta

revisar os contratos de concessão, ampliar os deveres das concessionárias ou inflar

os custos do serviço posteriormente, já que, muitas vezes, o maior prejudicado,

neste caso, será o próprio usuário. Não se quer sustentar aqui, todavia, que o con-

trole posterior não seja relevante. O que se propõe é que o exercício do poder de

controle pelo Ministério Público, por exemplo, seria muito mais eficiente se fosse

realizado previamente, ainda na fase licitatória. Poderia gerar resultados mais efica-

zes na implementação do direito fundamental do consumidor a um serviço público

adequado e eficiente, na medida em que o eventual desrespeito seria coibido na

origem. É imperioso mencionar aqui a atuação do Ministério Público Estadual e do Minis-

tério Público Federal no programa de concessões rodoviárias do Rio Grande do Sul.

Como exemplo neste sentido, é cabível citar a ação civil pública nº 97.00.23982-9

(RS), que foi interposta pelo Ministério Público Federal contra a União Federal, o

Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER, o Estado do Rio Grande

do Sul, o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem – DAER, a Santa Cruz

Rodovias S.A., a COVIPLAN – Concessionária Rodoviária do Planalto S.A., a Con-

vias S.A. Concessionária de Rodovias, a Sulvias S.A. Concessionária de Rodovias,

a Metrovias S.A. Concessionária de Rodovias, a Concessionária de Rodovias Ro-

dosul S.A., a Empresa Concessionária de Rodovias do Sul S.A. - ECOSUL e a

Concessionária Santa Maria de Rodovias S.A.218 Pode-se – como, aliás, realmente

ocorreu - questionar se não houve um ajuizamento excessivo de ações civis públi-

cas sobre o tema (foram ajuizadas várias demandas contra cada concessionária,

cada uma atacando, em separado, praticamente todas as praças de pedágio inte-

grantes dos respectivos pólos rodoviários219), mas é inegável que o controle da efi-

ciência do serviço foi feito através da provocação do Poder Judiciário. Outro ponto a

218 Disponível em <http://www.jfrs.gov.br>. Acesso em 29 mai. 2007. A sua tramitação ocorria na 5ª Vara Federal de Porto Alegre, mas, como última movimentação, há o registro da publicação (no Bo-letim JF 215/2007, de 16/05/07) da decisão monocrática que declinou a competência em razão da matéria para uma das varas tributárias de capital gaúcha.

138

ser destacado é se não foram gerados reflexos negativos para a sociedade, tais

como, por exemplo, a interrupção dos serviços de ambulância e guincho nos tre-

chos concedidos durante a tramitação das referidas ações.

O dogma liberal do Princípio da Separação dos Poderes – que está explícito no

art. 2º da CF - deve ser superado em nome da realização da Constituição para que

o Poder Judiciário possa sim controlar, quando provocado, a eficiência na prestação

dos serviços públicos. Realmente, não há como negar o papel importante a ser e-

xercido pelo Poder Judiciário neste particular. Concorda-se com o seguinte enten-

dimento de Ohlweiler:220

[...] O aumento do controle dos termos indeterminados, de outra banda, pode ser tido como uma imposição do fato de a Administração Públi-ca estar submetida a toda uma gama de princípios (artigo 37 da CF) e de que nenhuma lesão ou ameaça de lesão poderá ser afastada do Poder Judi-ciário (artigo 5º, inciso XXXV, da CF), elemento estes indispensáveis para a construção de um Estado Democrático de Direito (artigo 1º da Carta da Re-pública). [...]

O relevante agir do Poder Judiciário pode ser visto igualmente sob outro prisma.

Em caso de má atuação ou ineficiência do serviço público, eventuais danos mere-

cem ser reparados, pois é a Administração Pública que estabelece as condições

para o convívio social. Menciona Rui Stoco (1999):221

(...) É que os administrados não têm como se evadir ou conjurar os perigos de dano por ação do Estado, ao contrário do que ocorre nas rela-ções privadas, posto que é ele quem dita os termos de sua presença no seio da comunidade, estabelecendo os termos e condições de seu relacio-namento com os membros do corpo social. E essa intervenção do Estado vem se acentuando cada vez mais, exigindo que se permita à sociedade obter garantias mínimas com essa realidade.

219 Consultando o “site” do Tribunal de Justiça gaúcho (Disponível em <http://www.tj.rs.gov.br>. A-cesso em 29 mai. 2007.) ou o “site” da Justiça Federal do Rio Grande do Sul (Disponível em <http://www.jfrs.gov.br>. Acesso em 29 mai. 2007.), é possível confirmar essa observação. 220 OHLWEILER, op. cit., p. 122. 221 STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 4 ed. São Paulo: Revis-ta dos Tribunais, 1999. p. 503-504.

139

Além da fiscalização permanente do Ministério Público, da sociedade e do Tri-

bunal de Contas, cabe ao Poder Judiciário, acaso seja provocado, zelar pela efici-

ência no serviço público e também pelo equilíbrio econômico-financeiro dos contra-

tos de concessão, posto que o próprio § 1º do art. 5º da CF diz que as normas refe-

rentes aos direitos fundamentais são auto-aplicáveis. Krell222 sustenta que, em prin-

cípio, não cabe ao Poder Judiciário intervir na esfera reservada a outro poder para

substituí-lo em juízo de conveniência e oportunidade, salvo quando há violação

constitucional evidente por parte do legislador. Diz que é necessária, no entanto,

uma revisão do dogma da separação dos poderes em relação ao controle dos gas-

tos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, pois os Poderes

Legislativo e Executivo no Brasil foram incapazes de assegurarem um cumprimento

racional dos respectivos preceitos constitucionais. Finaliza acrescentando que a

eficácia dos direitos fundamentais sociais a prestações materiais depende dos re-

cursos públicos disponíveis. Tal assertiva possui, sem dúvida, vinculação com a

noção de eficiência defendida neste trabalho.

Quanto ao Princípio Constitucional da Eficiência, a situação não poderia ser di-

versa, na medida em que o Poder Judiciário poderia ser perfeitamente provocado

para pronunciar-se sobre o caso concreto, determinando que o Poder Público ou o

concessionário execute o serviço de forma adequada e eficiente. Mesmo que ele

seja concedido à iniciativa privada, não pode ser preterida ou subestimada a sua

importância para a harmonia e o desenvolvimento da vida em sociedade. No caso

da concessão rodoviária, por exemplo, o particular enquanto concessionário perma-

nece vinculado ao dever de prestar um serviço eficiente e adequado, atendendo às

expectativas do usuário.

Nas palavras de Krell,223 existiria uma certa resistência ao controle judicial do

mérito dos atos do Poder Público, já que estes teriam um amplo espaço de atuação

autônoma e discricionária, estando sujeitas à sua conveniência e à sua oportunida-

de. Prosseguindo, Krell defende que o dogma do Princípio da Separação dos Pode-

res (checks and balances) – que foi aperfeiçoado pelo Barão de Montesquieu - pre-

222 KRELL, op. cit., p. 22-23. 223 KRELL, op. cit., p. 87-88.

140

cisa ser submetido a uma nova leitura para poder continuar servindo à sua idéia

original de garantir os direitos fundamentais (entre os quais o Princípio da Eficiência

na prestação dos serviços públicos) contra o arbítrio e a omissão do Estado e do

seu concessionário (e, em conseqüência, a ineficiência do serviço público). Não

deve ser deixada de lado, todavia, a realidade orçamentária, pois, como já se tratou

antes, os recursos econômicos são escassos e finitos.

Para Emanuella Moreira e Pires Xavier (2005),224 não existe razão plausível para

afastar do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas a verificação da eficiência do

ato conferido pela norma. Assim, a eficiência estaria em verificar se o máximo resul-

tado permitido foi alcançado. É importante observar que a finalidade da norma é o

interesse público, sendo este e a finalidade valores oriundos de um conceito jurídico

indeterminado, o qual pode ser revisto pelo Poder Judiciário ou pelo Tribunal de

Contas. Os autores ressaltam ainda que os programas de governo do administrador

público foram completamente vinculados aos preceitos constitucionais. A liberdade

administrativa seria diminuída, não cabendo ao gestor avaliar o momento oportuno

e conveniente, na medida em que foi alçado à condição de princípio do Estado de

Direito na Constituição. Finalizando, Moreira e Xavier225 referem que as formas ne-

cessárias para atingir esse objetivo continuam na sua competência discricional, ten-

do como meta a melhor maneira de atingir o interesse público. Em matéria de direi-

tos fundamentais, continuam eles, as prioridades já foram escolhidas pela Constitui-

ção, estando o administrador totalmente vinculado a elas. A eficiência na prestação

dos serviços foi, com certeza, uma dessas prioridades constitucionais.

O controle da eficiência da Administração Pública e da concessionária de servi-

ços públicos, aliás, já é feito pelo Poder Judiciário. Vale citar aqui novamente o en-

tendimento de Ohlweiler:226 “Os princípios da Administração Pública, especialmente

aqueles expressos no artigo 37 da Constituição Federal, também são utilizados co-

mo elementos controladores dos atos administrativos.” Tal argumento serve de igual

224 MOREIRA, Emanuella; XAVIER, Pires. O Poder Judiciário como via concretizadora dos Direitos Ambientais Constitucionais. Repertório de Jurisprudência IOB. São Paulo, v. 1. n. 16/2005. p. 616-614. 2ª quinzena de agosto. 2005. 225 MOREIRA; XAVIER, op. cit., p. 611-609. 226 OHLWEILER, op. cit., p. 41.

141

forma para endossar a legitimidade do exercício do controle da eficiência pelos tri-

bunais. É oportuno ressaltar que a jurisprudência majoritária do Tribunal de Justiça

do Estado do Rio Grande do Sul dá à eficiência o sentido de boa administração.

Caso ilustrativo deste entendimento é, por exemplo, o julgamento da apelação cível

nº 70018919092, em 12/04/07, pela sua 18ª Câmara Cível, cujo Desembargador

Relator foi Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes. De forma unânime, os julgadores

entenderam que a cobrança de tarifa básica mensal era legítima, pois ela “[...] se

destina ao ressarcimento dos custos operacionais de manutenção, atualização e

modernização da infra-estrutura da rede de telefonia, indispensável à continuidade,

qualidade e eficiência do serviço.” Foi considerado, em síntese, que o Princípio da

Eficiência era sinônimo do Princípio da Boa Administração ou da Boa Qualidade na

Prestação do Serviço Público. Permite-se transcrever a sua ementa abaixo para

não deixar dúvidas: 227

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. TELE-FONIA FIXA. BRASIL TELECOM. TARIFA BÁSICA MENSAL. COBRANÇA. POSSIBILIDADE. PRELIMINAR SUSCITADA EM CONTRA-RAZÕES DE APELAÇÃO REJEITADA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA CONFIRMA-DA. CHAMAMENTO DA ANATEL AO FEITO. Falece interesse ao poder concedente em integrar o pólo passivo de lide onde se discute questão perti-nente à validade da tarifa cobrada pela concessionária. MÉRITO. Não há ile-galidade ou abusividade na cobrança da denominada tarifa básica mensal, a qual encontra previsão na Lei 9.472/97, na resolução 85/98 da ANATEL e nas Portarias 217/97 e 226/97 do Ministério das Comunicações. Tarifa que se destina ao ressarcimento dos custos operacionais de manutenção, atuali-zação e modernização da infra-estrutura da rede de telefonia, indispensável à continuidade, qualidade e eficiência do serviço. Inviável, também, a discri-

227 Disponível em <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2007. A pesquisa abrangeu dezenas de acór-dãos, sendo que a sua imensa maioria atribuía à eficiência o sentido supra mencionado. Podem ser destacados também mais este dois arestos:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA COM PEDIDO DE DANO MORAL. SERVIÇO DE TELEFONIA. INTERRUPÇÃO. SUSPEITA DE CLONAGEM. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. A inter-rupção do serviço de telefonia em virtude de possível clonagem, não caracteriza má-prestação de serviço, mas sim, garantia de eficiência e segurança em virtude do aprimoramento e avanço das técnicas utilizadas pelos infratores à lei. Meros dissabores ou incômodos não justificam, necessariamente, a caracterização de dano moral e o conseqüente dever de indenizar. APELO DESPROVIDO.” (Apelação Cível Nº 70016419491, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio dos Santos Caminha, Julgado em 29/03/2007)

“APELAÇÃO CÍVEL. MULTA DE TRÂNSITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CABIMENTO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. IMPOSSIBILIDADE. VEÍCULO ROUBADO, ENCONTRADO PELA EPTC. Ausência de comunicação da empresa à autoridade policial ou à proprietária. Permanência do bem móvel por mais de 14 dias no depósito da demandada. Inobservância do princípio da eficiência. Preliminar rejeitada. Apelo da EPTC desprovido. Apelo da Autora parcialmente provido. Unânime.” (Apelação Cível Nº 70016010852, Vigésima Pri-meira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 28/03/2007)

142

minação das chamadas locais, em face da sistemática de tarifação estabele-cida pela ANATEL. PRELIMINAR REJEITADA. RECURSO IMPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70018919092, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, Jul-gado em 12/04/2007)

Baseados nos argumentos anteriores e na jurisprudência dominante, pode-se

ousar a dizer que a eficiência é um meio de implementação do direito fundamental

do consumidor em razão do disposto nos arts. 5º, inciso XXXII, e 37 da CF e dos

arts. 6º e 22 do CDC. Com efeito, o Princípio da Eficiência vincula a Administração

Pública e o concessionário ao dever de prestarem um serviço em condições ade-

quadas, eficientes e de boa qualidade. Caso a Administração Pública ou o conces-

sionário não o façam, cabe ao usuário descontente, na condição de consumidor,

acioná-los a fim de que o Poder Judiciário, se for o caso, possa garantir seu direito

fundamental pretensamente lesionado. No mesmo trecho retro aludido, Moreira e

Xavier228 asseveram com ênfase que, além das omissões do Poder Executivo, a má

aplicação dos recursos públicos, seja na quantidade, seja na qualidade, pode justifi-

car plenamente a intervenção do Poder Judiciário neste particular.

Analisando-se o que foi sustentado ao longo deste item, percebe-se que a efici-

ência não significa somente a busca pelos melhores resultados com o menor gasto

possível. Ela tem também uma conotação de boa administração, almejando alcan-

çar um resultado que se aproxime do melhor possível (otimização do resultado).

Aliás, esse foi o sentido que lhe atribuiu expressiva parte da jurisprudência e da

doutrina. A eficiente prestação de serviços públicos é direito do usuário e dever da

Administração Pública, não podendo esta última furtar-se do seu cumprimento. É

exatamente aqui que se justifica a tese de que a eficiência, especialmente no senti-

do de boa administração, pode ser considerada como forma de implementação do

direito fundamental do consumidor.

3.4 Os limites econômicos para a aplicação do Princípio da Eficiência nos

contratos de concessão

Mesmo que a eficiência possa ser considerada como meio de conferir efetivida-

228 MOREIRA; XAVIER, op. cit., p. 607-605.

143

de ao direito fundamental do consumidor, não pode deixar de ser considerado, no

entanto, que os recursos econômicos são escassos para todos os objetivos a serem

atingidos pela ação estatal. É imperioso que o Poder Judiciário observe os limites

econômicos do contrato de concessão ao julgar casos que lhe são submetidos rela-

cionados aos usuários.

Para ser ter uma idéia concreta da importância do assunto, Armando Castelar

Pinheiro (2005)229 assevera que os juízes, ao buscarem a realização da justiça so-

cial – e não entenderem como são relevantes os limites econômicos do contrato -,

estão, na verdade, emitindo sinais e afetando as expectativas dos agentes econô-

micos no Brasil e no exterior. É certo que a almejada justiça social pode não ser

realizada, pois os agentes econômicos procuram adaptar-se à forma de decidir do

magistrado. Consoante Pinheiro, o juiz que busca privilegiar sistematicamente o

usuário do serviço concedido irá acabar ocasionando reflexo no equilíbrio econômi-

co-financeiro do contrato com o conseqüente aumento da tarifa e a quebra da em-

presa contratada. É claro que não se está defendendo que a concessionária deva

ser privilegiada. O que se sustenta, isto sim, é que as leis sejam aplicadas e os con-

tratos sejam cumpridos (pacta sunt servanda), trazendo segurança jurídica e previ-

sibilidade às decisões judiciais.

Dalton Santos Morais (2004)230 sustenta que toda e qualquer atuação estatal

custa recursos, razão pela qual não é possível formular uma definição de direito

sem levar em consideração a concreta realidade financeira vivenciada pelo Estado

e pela sociedade. Afinal, a lei estabelece e influencia na escolha racional que o ges-

tor público e o gestor privado devem fazer. O Supremo Tribunal Federal, inclusive,

já vem reconhecendo essa situação, como se percebe abaixo pela ementa da deci-

são da argüição de descumprimento de preceito fundamental nº 45, cuja relatoria

229 PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e Economia num mundo globalizado: cooperação ou con-fronto ? In: TIMM, Luciano Benetti (Org). Direito e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 75-76. 230 MORAIS, Dalton Santos. A Importância dos Custos para a Atuação Estatal. Disponível em <https://redeagu.agu.gov.br/UnidadesAGU/CEAGU/revista/Ano_V_janeiro_2005/dalton_estatal.pdf>. Acesso em 16 jul. 2006. Está disponível também: Dalton Santos. A Importância dos Custos para a Atuação Estatal. Revista Zênite de Direito Administrativo e LRF – IDAF. Curitiba: Zênite, n. 40/2004. novembro. 2004.

144

pertenceu ao Ministro Celso de Mello:231

ADPF - POLÍTICAS PÚBLICAS - INTERVENÇÃO JUDICIAL - "RE-SERVA DO POSSÍVEL" (TRANSCRIÇÕES) ADPF 45 MC/DF RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONS-TITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁ-RIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUAN-DO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL". NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FA-VOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO EXISTENCIAL". VIABILI-DADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DI-REITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).

O reconhecimento pelo STF – representado pela decisão acima aludida - de que

a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais depende das possibilidades

orçamentárias do Estado reforça o argumento de que há limites para a sua imediata

efetivação. É a chamada reserva do possível. Para o concessionário, o raciocínio

pode ser aplicado por extensão, pois presta um serviço que lhe foi delegado pelo

Poder Público, mas a titularidade permanece com este último. Alexandre Santos de

Aragão232 refere que, por força do inciso I do art. 63 da CF, o Poder Judiciário não

pode interferir no aumento de despesas decorrentes de processos legislativos do

Poder Executivo. Se não é possível nesse caso, acrescenta ainda Aragão: “[...] a

fortiori não o será a criação originária de despesas mediante decisões judiciais, nos

quais diuturnamente a Administração Pública se depara com as chamadas ‘esco-

lhas trágicas’, submetidas à reserva do possível.” Por fim, o jurista carioca aduz que

tal situação apenas e tão-somente confere mais robustez ao Estado Democrático de

Direito, já que, assim, assegura ao Poder Público os meios e as opções para exer-

231 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF/MC 45. Relator: Ministro Celso de Mello. 29 de abril de 2004. In: Informativo de Jurisprudência do STF 345, de 26 a 30.04.2004. Disponível em <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 05 mai. 2007.

232 ARAGÃO, op. cit., p. 6.

145

cer sua atuação.

Almejando corroborar o entendimento acima exposto pela mais Alta Corte Judi-

ciária do Brasil, pode ser destacada uma antiga regra da Economia. Ela pode servir,

do mesmo modo, como parâmetro seguro para explicar a importância da aplicação

do Princípio da Eficiência na atuação do Estado e da concessionária de serviço pú-

blico. É a chamada lei da escassez. Logo abaixo, Fábio Nusdeo (2000)233 explica

bem o seu funcionamento:

Ao oposto do que ocorre com as necessidades humanas, os recur-sos com que conta a humanidade para satisfazê-las apresentam-se finitos e severamente limitados. Tal limitação é insuperável, malgrado os sucessos da tecnologia em empurrar sempre adiante o ponto de ruptura, quando o exau-rimento dos bens disponíveis à espécie humana levaria, senão ao colapso, pelo menos à progressiva estagnação de todo o processo econômico, o qual, em última análise, consiste na administração dos recursos escassos à dispo-sição dos habitantes deste planeta. Sim, porque os recursos são sempre es-cassos, em maior ou menor grau, não importa.

A lei da escassez é uma lei férrea e incontornável, tendo submetido

os homens ao seu jugo desde sempre, levando-os a se organizarem e a es-tabelecerem entre si relações a fim de enfrentá-la ou, melhor falando, convi-ver com ela, atenuando-lhe o quanto possível a severidade.

A moderna sociedade de consumo daria a impressão de ter conse-

guido o milagre de eliminar a escassez, tal a eficiência com que joga nos mercados quantidades crescentes de novos produtos, rapidamente tornados obsoletos por outros mais, rechaçando, assim, os condicionamentos da es-cassez. Mas não é assim.

A lei da escassez é, por conseguinte, uma imposição decorrente da própria natu-

reza. Menciona Nusdeo:234 “Não é preciso insistir mais na constatação da limitação

dos bens. Eles são escassos, porque o seu suprimento não é nem pode se tornar

tão abundante a ponto de permitir o cabal atendimento das necessidades huma-

nas.” Sob este prisma, mesmo a dignidade da pessoa humana, que é princípio fun-

damental da República Federativa do Brasil, conforme o disposto no art. 1º, inciso

III, da CF, e é um dos focos principais para a atuação do Estado, não pode ignorá-la

solenemente. Afinal, os recursos são limitados, não podendo ser deixado de lado o

233 NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: introdução ao Direito Econômico. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 25. 234 NUSDEO, op. cit., p. 28.

146

instrumento econômico para a sua realização. Um exemplo claro dessa situação é a

obrigação do Poder Público de promover o pleno emprego, direito social previsto no

art. 6º da CF. Qual seria o custo para a realização desse direito fundamental ?

Quais seriam as políticas públicas que deveriam ser adotadas para implementar tal

direito? É aqui que cresce a importância da eficiência, pois é imperiosa a correta

aplicação dos recursos públicos para que seja alcançado o melhor resultado possí-

vel com o menor custo. Já o sistema jurídico é um dos elementos principais para a

eficiência econômica.

Rafael Bicca Machado (2005)235 sustenta que as decisões judiciais devem levar

em consideração o binômio custo e benefício, sendo fundamental o reconhecimento

do papel da Economia, com suas regras e leis próprias, pelos operadores do Direi-

to. De nada adianta o juiz decidir determinado caso que lhe foi submetido sem ana-

lisar as conseqüências que sua sentença terá para a sociedade em geral. Bicca

Machado entende que é necessário o abandono da idéia romântica de que o Direito

existe para resolver todos os problemas do mundo, pois muitos problemas depen-

dem de uma análise interdisciplinar para a sua resolução. Percebe-se claramente que as assertivas até aqui expostas podem entrar em

choque com o que foi defendido, por exemplo, por Cláudia Lima Marques no item

2.2 deste capítulo. Explica-se: mesmo que o consumidor seja titular de um direito

fundamental e caiba ao Estado torná-lo efetivo, não se pode deixar de reiterar que

os recursos são escassos e que devem ser usados com eficiência. Esta última será,

com toda a certeza, um verdadeiro instrumento para a implementação do direito

fundamental do consumidor. Por isso, há o compromisso do administrador público

de usar os recursos de forma responsável, almejando alcançar o melhor resultado

possível. Não haverá assim, sob esta ótica, qualquer contrariedade com a necessi-

dade do Estado tutelar e tornar efetivo o direito fundamental do consumidor. Refor-

çando este argumento, é oportuno citar Aragão236 a respeito do dilema da escassez

de recursos versus a imposição de atribuições à Administração Pública pelo Poder

235 BICCA MACHADO, Rafael. "Cada um em seu lugar. Cada um com sua função": apontamentos sobre o atual papel do Poder Judiciário brasileiro, em homenagem ao ministro Nelson Jobim. In: TIMM, Luciano Benetti (Org). Direito e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 47-48. 236 ARAGÃO, op. cit., p. 7.

147

Judiciário:

Decisões dessa natureza são uma tentativa de evitar a banalização dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, que correm o risco de se tornarem uma panacéia para a solução de todos os problemas sociais, como se o Judiciário pudesse resolver as carências nacionais atra-vés de liminares, postura que, no médio prazo, levaria ao desprestígio essas noções, tão essenciais para o Estado Democrático de Direito.

Nos contratos de concessões, a situação não é diferente. Ainda que o usuário

seja consumidor e haja o dever da concessionária de prestar um serviço adequado

e eficiente, o Poder Judiciário, ao julgar casos envolvendo contratos de concessão,

não pode deixar de fazer uma análise econômica das suas decisões. Para ilustrar

essa assertiva, pretende-se fazer o estudo de um caso que está se tornando corri-

queiro nos contratos de concessão de rodovias: os assaltos às praças de pedágio. Foi submetida para julgamento da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Es-

tado do Rio Grande do Sul a apelação cível nº 70009047259.237 Trata-se de uma

ação indenizatória movida por um usuário que fora assaltado quando estava pas-

sando pela praça de pedágio de Marques de Souza/RS. O Juiz de Direito da co-

marca de Campo Novo/RS condenou a Sulvias S.A. Concessionária de Rodovias

ao pagamento de uma indenização por danos materiais e danos morais ao consu-

midor. A concessionária recorreu da decisão. Seu apelo, no entanto, foi desprovido,

como fica evidenciado na ementa abaixo transcrita:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MATERIAL E MORAL. ASSAL-TO A POSTO DE PEDÁGIO E A MOTORISTA DE VEÍCULO QUE NELE CHEGAVA. Se o autor, obrigado a parar no posto de pedágio, de madruga-da, foi alvo da ação de assaltantes, a concessionária que explora a rodovia tem o dever de indenizar os danos materiais e morais causados, na medida em que não se tratava de fato inevitável e imprevisível. Falta de policiamento ostensivo na praça de pedágio. Omissão da ré que não prestou a devida se-gurança ao usuário da rodovia e aos próprios empregados do posto, o qual também foi assaltado. Risco da atividade. Serviço defeituoso. Art. 14, II, do CDC. Valor do dano moral mantido. Juros de mora e correção monetária que fluem a partir do evento danoso. Súmulas 43 e 54 do STJ. Apelação despro-vida. (Apelação Cível Nº 70009047259, Quinta Câmara Cível, Tribunal de

237 Disponível em <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 12 out. 2006.

148

Justiça do RS, Relator: Leo Lima, Julgado em 12/08/2004)

Com toda a certeza, os desembargadores não levaram em consideração as

conseqüências econômicas da sua decisão. Afinal, o art. 14, § 3º, inciso II, do CDC

é claro ao afirmar que o fornecedor (no caso, a concessionária) não será responsa-

bilizado quando provar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (no caso,

dos assaltantes). Tal situação foi demonstrada pela Sulvias. Respeitando opiniões

divergentes, o assalto de uma praça de pedágio pode perfeitamente ser enquadra-

do como fato de terceiro. O custo da condenação da concessionária a indenizar o

usuário em danos materiais (e muitas vezes morais, como nesta hipótese) deverá

ser absorvido pelos outros usuários da rodovia pedagiada (na hipótese tratada, a

BR 386). Em função da decisão poderia ser implementado um seguro ou haver a

contratação de uma empresa de vigilância para guarnecer a praça de pedágio, cujo

custo será repassado para os consumidores ou até mesmo, em último caso, para o

Poder Concedente. O equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão

precisa ser levado em consideração pelo Poder Judiciário, sob pena de ser inviabili-

zada a prestação do serviço. No presente caso, a 5ª Câmara Cível do TJRS, ao

manter a sentença, acabou ampliando as incumbências da concessionária (dever

de policiamento ostensivo na praça de pedágio), atribuindo-lhe compromissos não

contratados, o que deverá ser objeto de futura compensação para evitar o desequi-

líbrio contratual.

Objetivando fazer-se uma análise comparativa do caso, é importante mencionar

outro acórdão. Apreciando a apelação cível nº 70015881717238 interposta pela Eco-

sul S.A. Concessionária de Rodovias em caso semelhante, a 9ª Câmara Cível do

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul teve entendimento diametral-

mente oposto, reformando a sentença. Esta é a ementa do julgado:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENI-ZATÓRIA. DANO MORAL. ASSALTO A CAMINHÃO EM PRAÇA DE PEDÁ-GIO. FATO DE TERCEIRO. EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DA CONCESSIONÁRIA. A hipótese dos autos se amolda naquelas situações

238 Disponível em <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 12 out. 2006.

149

de excludente de responsabilidade por culpa exclusiva de terceiro, que exclui o nexo de causalidade, um dos requisitos para a perfectibilização da respon-sabilidade civil, mesmo em caso de responsabilidade objetiva. APELO PRO-VIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70015881717, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 06/09/2006)

Em que pese não tenham sido expressamente mencionado pelos desembarga-

dores, foram observados os limites econômicos do contrato de concessão. É rele-

vante destacar que a motivação foi essencialmente jurídica e não econômica, fato

que pode trazer, inclusive, reflexos econômicos favoráveis à empresa contratada. A

Ecosul teve sua responsabilidade civil excluída em razão da ocorrência de fato de

terceiro (no caso, os assaltantes da praça de pedágio). Ademais, a 9ª Câmara Cível

entendeu que a segurança a ser prestada pela concessionária diz respeito à quali-

dade dos serviços prestados como, por exemplo, o oferecimento de uma rodovia

em plenas condições de trafegabilidade e uma tarifa cujo valor seja eficiente o bas-

tante para garanti-las. Tal situação não pode ser confundida com a segurança a ser

proporcionada pelo Estado na forma do art. 144 da CF. Esta última – a segurança

policial - se constitui em dever constitucional do Estado, pois almeja a preservação

da ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio. À concessionária,

como integrante que é da iniciativa privada, não foi reservado tal dever, já que o

mesmo extrapola - e muito - a eficiência esperada na prestação dos serviços públi-

cos concedidos, invadindo a seara exclusiva do Estado. Não se pode exigir da con-

cessionária uma atribuição que constitucionalmente não é dela em nome da eficiên-

cia.

A imposição de uma responsabilidade não prevista no contrato de concessão

para a concessionária certamente gerará uma violação ao seu equilíbrio econômico-

financeiro. Caso o Poder Judiciário, provocado pelos usuários, seguir a tendência

manifestada no primeiro acórdão acima citado (responsabilização da concessionária

em caso de assalto à praça de pedágio) e não no segundo (excludente de respon-

sabilidade civil objetiva por fato de terceiro), essas indenizações individuais causa-

rão prejuízo coletivo. A manutenção das rodovias será afetada e os contratos de

concessão deverão ser revisados, podendo ser incluída, por exemplo, uma cláusula

150

que estipule um seguro, o qual se constituirá numa espécie de fundo de indeniza-

ções.

Seguindo a linha de raciocínio acima relatada, pode ser utilizado outro exemplo

para ilustrar o argumento da impossibilidade de imposição prestações contratuais

não previamente pactuadas às concessionárias. Em artigo sobre a existência de

diversos projetos de leis municipais visando garantir a gratuidade de serviços con-

cedidos para vários segmentos da população, Marcelo Härger (2006)239 classificou

como demagógica a atitude desses políticos neste sentido, eis que, paralela à isen-

ção tarifária, deve ser especificada a fonte do recurso para reequilibrar a receita.

Segue abaixo o seu posicionamento sobre o tema:

Há projetos das mais variadas espécies, desde aqueles que preten-

dem isentar os portadores do certos tipos de doenças até aqueles destina-dos a beneficiar categorias profissionais. Os projetos, via de regra, possuem uma meta bonita, que é evitar que pessoas que enfrentam algumas vicissitu-des da vida, sejam oneradas com o custo do transporte. Normalmente a a-presentação dos projetos é seguida de discursos inflamados e até mesmo de manifestações públicas organizadas pelos autores.

Essas pessoas esquecem, contudo, de informar à população três

aspectos essenciais. O primeiro deles é que a legislação brasileira veda a concessão de isenções tarifárias sem que se estabeleça a origem dos recur-sos destinados a sanar a queda da receita. O segundo consiste no fato de que os projetos de lei que aumentam uma despesa pública devem ser de au-toria do Executivo. O terceiro consiste no fato de que as empresas conces-sionárias de serviço público não podem ser obrigadas a custear gratuidades, sem que o valor a ser suportado por elas seja repassado às tarifas. Esses aspectos são importantes, porque os proponentes desse tipo de projeto, normalmente fazem proposições, que sabem que não serão acei-tas por seus pares, para que possam “fazer o seu comercial”. Acabam, na realidade, ganhando sempre, apesar de proporem projetos de lei demagógi-cos.

Se o projeto de lei é aceito, são vistos como os grandes benfeitores

da humanidade. Se o projeto é rejeitado ou a lei dele resultante é anulada pelo Poder Judiciário, esbravejam que não existe justiça no mundo e que são os únicos a defenderem os fracos e oprimidos. Se o valor é repassado para o custo tarifário, os mesmos aproveitam para lutar contra o alto custo das ta-rifas, que eles mesmos contribuíram a aumentar. A atitude lembra a do per-sonagem de Chico Anísio “Justo Veríssimo”. Dizia o personagem em um fa-moso bordão: “O povo que se exploda, o que eu quero é me eleger”.

239 HÄRGER, Marcelo. Gratuidades e demagogia. In: Revista Ônibus. Ano VII Número 37 Mai-o/Junho 2006. Disponível em <http://www.fetranspor.com.br/revistaonibus/revista37artigo.htm>. Acesso em 19 mai. 2007.

151

Antecipando-se ao problema aqui narrado, é importante frisar que alguns contra-

tos de concessão já incluem uma cláusula de seguro para garantir a sua execução

de forma adequada (não necessariamente contra assaltos às praças de pedágio).

Como estudo de caso para ilustrar tal argumento, são passíveis de citação os con-

tratos da Convias S.A. Concessionária de Rodovias (Pólo Rodoviário de Caxias do

Sul/RS), Metrovias S.A. Concessionária de Rodovias (Pólo Rodoviário de Guaí-

ba/RS) e Sulvias S.A. Concessionária de Rodovias (Pólo Rodoviário de Lajea-

do/RS), todas integrantes do Consórcio Univias. A cláusula 11 abaixo é comum pa-

ra todos os três contratos:

11. - GARANTIAS PARA A ADEQUADA EXECUÇÃO DO CONTRA-TO

11.1. - SEGUROS:

11.1.1. A CONCESSIONÁRIA deverá garantir a existência e manu-

tenção em vigor, durante todo o prazo de duração da concessão, das apó-lices de seguro necessárias para garantir uma efetiva cobertura dos riscos inerentes a execução das atividades pertinentes a concessão, em condi-ções aceitáveis pelo DAER/RS.

11.1.2. Nenhuma obra ou serviço poderá ter início ou prosseguir sem que a CONCESSIONÁRIA apresente ao DAER/RS comprovação de que as apólices dos seguros exigidos neste CONTRATO se encontram em vi-gor, nas condições estabelecidas.

11.1.3. O DAER/RS deverá ser indicado como um dos co-segurados nas apólices de seguros referidas neste CONTRATO, devendo o cance-lamento, suspensão, modificação ou substituição de quaisquer apólices ser previamente aprovado pelo DAER/RS.

11.1.4 . Em caso de descumprimento pela CONCESSIONÁRIA da obrigação de contratar ou manter as apólices de seguro de que trata este CONTRATO, o DAER/RS poderá proceder a contratação e ao pagamento direto dos prêmios das referidas apólices, correndo os respectivos custos por conta exclusiva da CONCESSIONÁRIA.

11.1.5. O não-reembolso, em caráter imediato, pela CONCESSIO-NÁRIA, das despesas realizadas pelo DAER/RS na forma prevista no item acima autoriza a utilização da caução referente à Garantia de Execução prevista neste CONTRATO para assegurar o ressarcimento.

11.1.6. A CONCESSIONÁRIA fará e manterá em vigor os seguintes seguros:

I - Seguro de Danos Materiais: cobertura das perdas, destruição ou danos havidos em todos os bens móveis e/ou imóveis integrantes das o-bras e/ou da administração objetos deste CONTRATO, compreendendo: a) Coberturas Básicas: � Incêndio; � Obras Civis em Construção;

152

� Instalação / Montagem; � Equipamentos Eletrônicos dos pedágios; � Equipamentos Estacionários dos pedágios; � Equipamentos Móveis dos pedágios; � Automóveis; � Queda de Raio; � Desmoronamentos; � Alagamentos; � Valores; b) Coberturas Adicionais: � Danos Elétricos; � Explosão, exceto de gás de uso doméstico; � Despesas Extraordinárias; � Despesas de Desentulho do Local; � Equipamentos Móveis / Estacionários Utilizados na Obra; � Extensão para Obras Concluídas; � Riscos do Fabricante � Aplicável aos Bens em Montagem; � Danos em Conseqüência de Erro de Projeto; � Propriedades Circunvizinhas; � Furacão, Ciclone, Tornado, Vendaval, Granizo, Queda de Aeronave, Fumaça.

II - Seguro de Responsabilidades: cobertura comprovada à respon-sabilidade civil da CONCESSIONÁRIA e/ou do Poder Concedente, por danos causados, inclusive custas processuais e outras despesas devidas, que atinjam a integridade física e patrimonial de terceiros, decorrentes da exploração da concessão, compreendendo: � Responsabilidade Civil Geral; � Responsabilidade Civil Cruzada - Vinculada a Responsabilidade Civil Geral; � Responsabilidade Civil Facultativa � Veículos.

11.1.7. A CONCESSIONÁRIA, a seu critério, poderá ainda fazer Se-guros de Lucros Cessantes com cobertura aos prejuízos relativos a perda de receita, decorrentes de eventos cobertos nos seguros de danos materi-ais, compreendendo: � Conseqüências Financeiras do Atraso do Início da Exploração da Con-cessão; � Conseqüências Financeiras da Interrupção da Exploração da Conces-são.

11.1.8. A relação de seguros de que tratam os itens anteriores utiliza nomenclatura do mercado segurador brasileiro, não significando, todavia, qualquer restrição quanto à adoção pela CONCESSIONÁRIA de um pro-grama de seguros patrimoniais e operacionais baseado em coberturas com características específicas e mais abrangentes do que as relaciona-das.

11.1.9. A CONCESSIONÁRIA é responsável pela abrangência e conseqüente omissão na realização dos seguros de que trata esta Cláusu-la.

11.1.10. O limite de cobertura do Seguro de responsabilidade civil geral não deverá ser inferior a R$ 1.500.000,00 (hum milhão e quinhentos mil de reais) para o conjunto de rodovias que compõe o POLO.

11.1.11. Os seguros deverão ser contratados pela CONCESSIONÁ-RIA, com eficácia a partir da data de transferência do controle das rodovi-as que compõem o POLO.

11.1.12. A(s) seguradora(s) deverá(ão) informar à CONCESSIONÁ-RIA e ao DAER/RS, imediatamente, as alterações nos contratos de segu-ros, principalmente as que impliquem no cancelamento total ou parcial do(s) seguro(s) contratado(s) ou redução das importâncias seguradas.

153

11.1.13. A CONCESSIONÁRIA deverá certificar ao DAER/RS, até 30 (trinta) dias antes das datas dos respectivos vencimentos, que as apólices dos seguros previstos neste CONTRATO serão renovadas.

11.1.14. A CONCESSIONÁRIA, com aprovação prévia do DAER/RS, poderá alterar coberturas ou outras condições das apólices de seguro, vi-sando adequá-las às novas situações que ocorram durante a vigência do CONTRATO.

Outra cláusula presente nos três contratos de concessão é a que prevê cauções

para o seu adequado cumprimento. É oportuno transcrever a sua redação para for-

talecer a assertiva:

11.2. - CAUÇÕES:

11.2.1. Em garantia do bom cumprimento das obrigações assumidas

na execução deste CONTRATO (Garantia de Execução), a CONCESSIO-NÁRIA prestará, em favor do DAER/RS, caução no montante correspon-dente a 5 % (cinco por cento) do Valor Estimado deste CONTRATO.

11.2.2. A caução, a critério da CONCESSIONÁRIA, poderá ser pres-tada numa das seguintes modalidades:

I - dinheiro; II - títulos da dívida pública; III - fiança-bancária; IV - seguro-garantia. 11.2.3. A caução deve manter-se em pleno vigor e eficácia até a ex-

tinção da concessão, quando será emitido o Termo de Devolução e reversão dos Bens; qualquer modificação nos termos e condições da caução devem ser previamente aprovados pelo DAER/RS.

11.2.4. O DAER/RS recorrerá à caução na hipótese de a CONCES-SIONÁRIA não executar, total ou parcialmente, nos prazos devidos, as obras vinculadas à concessão e, ainda, sempre que a mesma não proceda ao pa-gamento das multas que lhe forem aplicadas ou dos prêmios dos seguros previstos neste CONTRATO e, também, nos casos de indenização devida ao DAER/RS ou ao Estado, em decorrência da devolução de bens vinculados à concessão em desconformidade com as exigências estabelecidas, assim como nas demais hipóteses previstas neste CONTRATO.

11.2.5. Sempre que o DAER/RS utilize a caução, a CONCESSIO-NÁRIA deverá proceder à reposição do montante utilizado, no prazo de 10 (dez) dias úteis a contar daquela utilização.

11.2.6. O recurso à caução será efetuado por meio de comunicação escrita dirigida pelo DAER/RS à CONCESSIONÁRIA, concedendo os prazos legais para ampla defesa e a partir da não satisfação de suas obrigações o DAER/RS fará uso da caução.

11.2.7. O montante da caução será atualizado, nas mesmas datas e nos mesmos percentuais em que forem alteradas as Tarifas Básicas, sempre calculado sobre o valor da receita anual de pedágio a realizar, a partir da projeção de tráfego da PROPOSTA COMERCIAL.

11.2.8. A CONCESSIONÁRIA dará cumprimento a todas as obriga-ções que resultam ou possam resultar das garantias aqui previstas, nos exa-tos termos em que foram prestadas.

154

Analisando-se as duas cláusulas supra aludidas, resta esclarecido que foi le-

vado em consideração pelas concessionárias e pelo Poder Concedente o impacto

das decisões judiciais sobre o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de con-

cessão. Foi explicitamente reconhecido que as decisões podem sim gerar conse-

qüências para o seu adequado cumprimento. Ao afetarem o equilíbrio econômico

financeiro dos instrumentos contratuais, as decisões judiciais que não observam os

seus limites acabam por comprometer a prestação de um serviço adequado e efici-

ente para o usuário, não sendo implementado o direito fundamental do consumidor.

Conclui Aragão:240 “[...] Assim, até a efetividade do mínimo existencial ou do núcleo

fundamental dos direitos fundamentais fica condicionada, como no exemplo dado, à

reserva do possível. O Judiciário não pode impor medidas que, de antemão, sabe

ser impraticáveis.” Desse modo, a imposição de deveres não contratados à conces-

sionária, ao invés de melhorar a prestação do serviço, pode até mesmo prejudicá-lo.

No primeiro caso acima aludido (acórdão da 5ª Câmara Cível do TJRS), por exem-

plo, é provável que a decisão colegiada afete a prestação de serviço pela conces-

sionária, pois lhe foi imposto um compromisso não contratado (prestar uma segu-

rança desvinculada daquela decorrente do contrato de concessão).

Mostra-se imperioso registrar que a questão, ao contrário do que possa pare-

cer, não se constitui em novidade alguma. No início da década de 60 (século XX),

Ronald H. Coase, professor de Economia na Universidade de Chicago/EUA e um

dos precursores da Análise Econômica do Direito (Law and Economics), já defendia

abertamente a necessidade dos magistrados levarem em consideração as conse-

qüências econômicas das suas decisões. Em outras palavras, era preciso observar

os limites econômicos dos contratos nas decisões. Aduz Coase (1960):241

É claro, se as transações de mercado são sem custos, o que importa (questões de eqüidade à parte) é que os direitos das partes diversas devem ser bem definidos e o resultado das ações legais serão facilmente previstos. Mas como temos visto, a situação é bem diferente quando as transações de

240 ARAGÃO, op. cit., p. 9. 241 COASE, Ronald H. The Problem of Social Cost. Journal of Law and Economics. Traduzido por Francisco Kümmel F. Alves. 3, n. 1. p. 10. Outubro de 1960.

155

mercado são tão custosas ao ponto de dificultar o arranjo de direitos estabe-lecidos pela lei. Em tais casos, as cortes influenciam diretamente na ativida-de econômica. Seria, conseqüentemente, desejável que os tribunais com-preendessem as conseqüências econômicas de suas decisões e pudessem, até o ponto em que isto for possível e sem criar muitas incertezas a respeito da posição legal propriamente dita, levar em consideração estas conseqüên-cias ao tomar suas decisões. Mesmo quando é possível mudar a limitação legal dos direitos através de transações de mercado, é obviamente desejável reduzir a necessidade destas transações e assim reduzir o emprego de re-cursos para realizá-las.

A eficiência pode ser sim considerada um meio de implementação do direito

fundamental do consumidor, mas devem ser observados os limites econômicos dos

contratos de concessão. Caso contrário, haverá o risco de flagrante inocuidade do

citado dispositivo constitucional e do próprio CDC. A exigência de uma nova incum-

bência da concessionária requer necessariamente um reequilíbrio contratual, pois já

existe o controle da eficiência na gestão do serviço. Quanto mais eficiente for a

concessionária, melhor será para o consumidor. O que se defende aqui é que, se a

prestação de um serviço adequado e eficiente é importante, a observância dos limi-

tes econômicos nos contratos de concessão também o é igualmente. Caso não o

fosse, não haveria, por exemplo, a previsão contida nos incisos I e III do parágrafo

único do art. 175 da CF (o regime das empresas concessionárias de serviços públi-

cos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, as condições de ca-

ducidade, a fiscalização e a rescisão da concessão e, respectivamente, a sua políti-

ca tarifária).

Não adianta exigir das concessionárias de serviços públicos prestações con-

tratuais que não foram ajustadas ou que extrapolem flagrantemente os limites pre-

viamente pactuados com o Poder Concedente. Ao assim fazê-lo, é possível que

ocorra o inverso, ou seja, a eficiência e a adequação na prestação do serviço públi-

co tornem-se meras utopias ou princípios “nati-mortos”. Tal situação poderia, inclu-

sive, levar à ausência de implementação do direito fundamental do usuário de servi-

ços públicos concedidos, mácula que seria grave para o ordenamento jurídico brasi-

leiro.

156

CONCLUSÃO

Em razão da falta de capacidade de investimento nos serviços públicos a

contento por parte do Estado, as concessões são um instituto que terá, provavel-

mente, raízes duradouras. A crise financeira e de gestão por que passa a Adminis-

tração Pública apenas reforça essa realidade. Aliás, parece ser cíclico, pois, no sé-

culo XIX, o Estado passava por situação semelhante e precisou da parceria dos

particulares para prestar diversos serviços públicos, o que foi um dos temas do item

1.2 do capítulo primeiro. É um exemplo de que a História realmente se repete.

A discussão quanto ao tamanho do Estado tornou-se mais atual do que nun-

ca, principalmente em razão da aparentemente duradoura crise financeira e admi-

nistrativa por que passa. É preciso readequar as tarefas constitucionais do Estado

(fala-se até em reforma constitucional), devendo este último concentrar seus esfor-

ços nas funções consideradas primordiais para a construção de uma sociedade

democrática que respeite plenamente os direitos fundamentais. Serviços públicos

para os quais o Estado não possua a necessária capacidade financeira para inves-

timento deveriam ser delegados para a iniciativa privada mediante fiscalização crite-

riosa pelas agências reguladoras. Como foi apontado por Zuleta Puceiro no capítulo

primeiro, a desregulamentação e privatização ocupam lugar de destaque no mundo

moderno, alterando a maneira de administrar dos governos por força da transição

para uma sociedade da informação e do conhecimento. Sob este contexto, pergun-

ta-se: não seria possível falar no direito fundamental do cidadão a um Estado forma-

tado e seguro ?

O Estado, ao delegar a prestação do serviço público à concessionária, não

pode agir como se estivesse se desonerando de uma atribuição, na medida em que

a titularidade do serviço continua a lhe pertencer. Como o serviço público deve ser

adequado e eficiente, o Poder Concedente deve planejá-lo, prevê-lo e fiscalizá-lo.

Por esta razão, deve fiscalizar o particular para que a prestação de serviço público

157

seja adequada e eficiente, aplicando as penalidades cabíveis quando não o for,

conforme o disposto nos arts. 29 e 30 da Lei 8.987/95. No Rio Grande do Sul, a cri-

ação da Agência Estadual dos Serviços Públicos Delegados – AGERGS pode ser

considerada como uma importante demonstração de que o Estado não se manteve

inerte nesse particular.

Outra importante questão a ser considerada é que os direitos fundamentais

são auto-aplicáveis, cabendo ao Estado promover sua máxima efetividade possível.

Sua postura não pode ser só meramente negativa, mas sim, necessariamente posi-

tiva. O direito do consumidor está definitivamente entre eles por força de disposição

expressa do inciso XXXII do art. 5º da CF. Ademais, é preciso salientar que o aludi-

do artigo está no Capítulo I (“Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”) do

Título II (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”) da Constituição Federal, cujos

nomes não deixam quaisquer dúvidas quanto à intenção do constituinte neste senti-

do. Reforçando a idéia, autorizados doutrinadores citados nesta dissertação, entre

os quais Cláudia Lima Marques e Bruno Nubens Barbosa Miragem, assim também

o entendem. Por ser direito fundamental, é atribuição do Estado implementar o direi-

to do consumidor. A publicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90)

foi um importante passo nesse sentido.

No item 2.3 do capítulo segundo, restou estabelecida uma discussão entre a

vinculação ou não da concessionária ao CDC, ainda que o art. 22 a preveja expres-

samente. Antônio Carlos Cintra do Amaral sustenta que o usuário de serviços públi-

cos não é consumidor, já que, na relação de consumo, o acordo de vontades ocorre

entre particulares, não cabendo ao Estado cumprir com a obrigação do fornecedor

em caso de inadimplemento. Nas concessões, por sua vez, a titularidade do serviço

público permanece com o Poder Concedente. Por outro lado, Egon Bockmann

Moreira entende que a vinculação da concessionária ao CDC deve admitir

temperamentos, já que o usuário de serviços públicos concedidos possui regras de

proteção extraordinárias previstas na Lei 8.987/95 (a realização de audiências

públicas e criação de ouvidorias, por exemplo).

Como foi exposto, a solução que parece ser a ideal para tentar por um fim ao

158

debate seria a edição de um Código de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos.

Até o advento dessa norma, concorda-se com o posicionamento de Vladimir da Ro-

cha França, segundo o qual devem ser aplicadas ao usuário de serviços públicos

concedidos as regras de proteção constantes na Lei 8.987/95, cabendo a aplicação

do CDC apenas e tão-somente quando não houver conflito entre as duas normas

(Lei de Concessões e CDC). Tal entendimento encontraria respaldo no princípio

geral de direito de que a lei especial prefere a lei geral. Uma conseqüência prática que poderia ocorrer a partir da aplicação ampla e

irrestrita do CDC aos contratos de concessão (não sendo utilizada qualquer tipo de

ponderação) seria a geração de desequilíbrio econômico-financeiro e de ineficiên-

cia, pois a concessionária seria surpreendida com a imposição de prestações con-

tratuais não previstas anteriormente. Desse modo, admitindo-se que seja possível a

aplicação de alguns dispositivos do CDC que não conflitem com a Lei 8.987/95, o

fato do consumidor ser titular de um direito fundamental não deve servir de condão

para sacrificar a equação econômico-financeira do contrato de concessão. Restou

evidenciado que a Lei de Concessões possui regras de proteção aplicáveis aos u-

suários de serviços públicos, razão pela qual o uso do CDC ocorreria tão-somente

de forma subsidiária.

A prestação de um serviço adequado pela concessionária para o usuário é

imposição constitucional devidamente prevista no art. 175, parágrafo único, inciso

IV. A Lei 8.987/95 definiu o que é serviço adequado no § 1º do seu art. 6º, ligando-o

também ao vocábulo eficiente. Além disso, o art. 6º do CDC trouxe igualmente o

seu conceito, referindo que ele passava pela eficiência. À concessionária, por sua

vez, foi imposto textualmente pelo inciso I do art. 31 da Lei de Concessões o com-

promisso de prestar um serviço adequado para o usuário. A partir desta realidade,

pode ser construída a idéia de que a concessionária tem o dever de prestar um ser-

viço adequado e eficiente para o usuário, porque este último, quando houver lacuna

na Lei 8.987/95, pode ser equiparado ao consumidor. Em conseqüência disso, há o

direito fundamental do consumidor a um serviço público adequado e eficiente nas

concessões. Afinal, a Constituição Federal determina que o Estado é um grande

prestador de serviços públicos, devendo fazê-lo de forma adequada e eficiente. O

159

mero fato de tê-los concedidos não retira do particular que assumiu sua prestação

tal incumbência, sob pena de não ser tutelado o aludido direito fundamental.

Quando um usuário entender que não houve eficiência e adequação na pres-

tação do serviço público concedido, tem a prerrogativa de procurar o Poder Judiciá-

rio para questioná-las como titular de direito fundamental que é. A eficiência pode

ser um caminho viável para contribuir para a implementação do direito fundamental

do consumidor, pois apontará para uma atuação calculável e previsível do Estado

antes e durante a concessão. Na maior parte das vezes, contudo, o controle poste-

rior exercido atualmente pelo Poder Judiciário revela-se particularmente ineficiente,

já que gera desequilíbrio econômico-financeiro. É mais eficiente prever direitos an-

tes, eis que a tutela de direitos pelo Poder Judiciário tende a ser mais custosa.

O Ministério Público também pode, via ação civil pública, fazer o controle da

eficiência, protegendo direitos difusos dos usuários na condição de consumidores,

principalmente na fase anterior à concessão, pois ele deve ser igualmente eficiente.

Vale lembrar que o direito de ação é resguardado pelo inciso XXXV do art. 5º da

CF, que é, do mesmo modo, fundamental. Além disso, a Constituição Federal (arts.

5º, inciso XXXII, 37, § 3º, inciso I, e 175, parágrafo único, inciso IV), a Lei de Con-

cessões (arts. 6º, § 1º, 7º, “caput”, inciso I, 29, 30 e 31, inciso I) e o CDC (arts. 6º e

22) são importantes instrumentos para a implementação do direito fundamental do

consumidor enquanto usuário. Merece registro ainda o acréscimo do Princípio da Eficiência ao rol previsto

no “caput” do art. 37 da CF. De conceito intimamente ligado à Economia, a eficiên-

cia ingressou efetivamente no mundo jurídico com a chamada Análise Econômica

do Direito. No Brasil, foi a Emenda Constitucional 19/98 que lhe atribuiu a devida

relevância, almejando incluir um enfoque empresarial na Administração Pública.

Mesmo que, originalmente, a eficiência estivesse ligada à maximização dos resulta-

dos com o menor custo possível, a jurisprudência brasileira, de forma geral, acabou

vinculando-a à idéia de boa administração ou boa prestação de serviço público (o-

timização dos resultados).

160

Pretendeu-se demonstrar, principalmente nos itens 3.1, 3.2, 3.3 e 3.4 do ca-

pítulo segundo, que a eficácia do direito fundamental de consumidor nas conces-

sões passa necessariamente pela busca da eficiência. Ela deve ser considerada

como um meio objetivo através do qual o usuário de serviço público concedido, titu-

lar de direito fundamental, tenha uma prestação adequada e eficiente, pois é notório

que os recursos financeiros são escassos. Desse modo, ao lado do dever da con-

cessionária de prestar um serviço adequado e eficiente, há a impossibilidade de lhe

serem imputadas judicialmente incumbências que não foram objeto de pactuação

prévia com o Poder Concedente, sob pena de se colocar em risco o equilíbrio eco-

nômico-financeiro do contrato. Aliás, segundo o § 4º do art. 9º da Lei 8.987/95,242 a

toda alteração gerada pelo Estado que afete o equilíbrio econômico-financeiro do

contrato de concessão (a imposição de um compromisso não contratado à conces-

sionária pode ser perfeitamente enquadrada nesta hipótese) deve corresponder o

seu necessário restabelecimento pelo Poder Público. Exigir das concessionárias deveres não ajustados por contrato pode acabar

trazendo prejuízos à efetivação do direito fundamental do usuário enquanto consu-

midor. No item 3.4 do capítulo segundo, foi feito um estudo de caso relativo à res-

ponsabilidade da concessionária em danos causados ao usuário durante um assalto

a uma praça de pedágio. Há entendimentos divergentes nas Câmaras Cíveis do

Tribunal de Justiça gaúcho nesse particular (a 5ª e a 9ª, por exemplo). Na hipótese

de prevalecer o entendimento de que a empresa é responsável pela segurança do

usuário de forma semelhante àquela atribuída ao Estado pelo art. 144 da CF, cer-

tamente haverá necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato de

concessão. Ocorrendo tal situação, é muito provável que haja prejuízos à eficiente e

adequada prestação do serviço, já que a concessionária assumirá prestações con-

tratuais não ajustadas (policiamento ostensivo das praças de pedágio, por exem-

plo), não tendo, possivelmente, condições operacionais e financeiras para cumprir

com os outros que foram ajustadas previamente. Isso poderá levar à extinção da

concessão por caducidade e, como o Estado, via de regra, não possui as condições

242 Art. 9º - A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato. § 4º - Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração.

161

ideais para prestar o serviço de que é titular, o maior prejuízo será do usuário, o

qual terá que ficar, por exemplo, sujeito a estradas esburacadas ou à falta de inves-

timento e de atualização tecnológica no campo da telefonia. Em suma: as decisões

judiciais devem levar em consideração o seu impacto econômico sobre os contratos

de concessão. Com base em todos os argumentos anteriores, pode-se afirmar que a efici-

ência é um meio de implementação do direito fundamental do consumidor. Afinal,

quanto mais eficiente for o planejamento do Estado na formatação da concessão,

mais os direitos fundamentais do consumidor poderão ser implementados sem ge-

rar desequilíbrio econômico-financeiro. A eficiência, assim, será mais importante

para o próprio Poder Executivo ao realizar a licitação prévia à concessão. Aqui ca-

berá o exercício do controle prévio pelo Ministério Público, o qual será muito mais

valioso e eficiente. Agindo dessa forma, melhor será a prestação do serviço público

pela concessionária. Se, de um lado, há o direito fundamental do usuário à eficiên-

cia no serviço público - o qual é medido pelo CDC, pela CF e pela Lei de Conces-

sões -, o seu controle, por outro lado, deve ocorrer dentro dos parâmetros do con-

trato, não gerando desequilíbrio econômico-financeiro e dificuldade no cumprimento

da concessão. Por sua vez, a eficiência terá o sentido de boa administração e de

boa prestação de serviço público ao usuário. Em conseqüência de tudo isso, será

atribuída real eficácia pelo Estado e pela concessionária ao direito fundamental do

consumidor a um serviço público adequado e eficiente. O usuário de serviço público

concedido deixará então de ser súdito da Administração Pública para se tornar um

verdadeiro cidadão.

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