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Gisele Accarino Martins Genofre
A incluso social e laboral da pessoa deficiente
Dissertao de Mestrado
Orientador: Professor Doutor Ari Possidonio Beltran
Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo
So Paulo
2013
Gisele Accarino Martins Genofre
A incluso social e laboral da pessoa deficiente
Dissertao apresentada ao Departamento
de Direito do Trabalho e da Seguridade
Social da Faculdade de Direito da
Universidade de So Paulo, como exigncia
parcial para a obteno do ttulo de Mestre
em Direito do Trabalho, sob a orientao do
Professor Doutor Ari Possidonio Beltran.
Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo
So Paulo
2013
FOLHA DE APROVAO
Nome: GENOFRE, Gisele Accarino Martins.
Ttulo: A incluso social e laboral da pessoa deficiente.
Dissertao apresentada ao Departamento
de Direito do Trabalho e da Seguridade
Social da Faculdade de Direito da
Universidade de So Paulo, como exigncia
parcial para a obteno do ttulo de Mestre
em Direito do Trabalho, sob a orientao do
Professor Doutor Ari Possidonio Beltran.
Banca Examinadora
____________________________________
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____________________________________
DEDICATRIA
A Deus, por tudo.
Aos meus pais, Jarbas e Maria Antonia, fundamentais em minha formao, exemplo de
carinho constante e apoio incondicional.
A minha irm, Graziela, pelo eterno companheirismo.
A minha tia Conceio, sempre presente.
Ao meu companheiro, Rafael, pelo amor e compreenso, melhor incentivo que algum
pode ter.
Aos meus avs e avs, Iolanda, Paschoal, Maria Tereza e Pedro (in memoriam).
AGRADECIMENTOS
Agradeo imensamente ao Professor Ari Possidonio Beltran, pela orientao firme e serena
e, sobretudo, pelo privilgio de merecer a sua confiana.
Agradeo aos demais professores do Departamento de Direito do Trabalho, pelos
ensinamentos, e, em especial, aos Professores Nelson Mannrich, Ronaldo Lima dos Santos
e Homero Batista Mateus da Silva.
Agradeo ao amigo e companheiro Eduardo Henrique Genofre, pelos anos em que
convivemos juntos, pela ternura e apoio incondicional.
Agradeo s advogadas e amigas Cibelle Linero Goldfarb, Aline Moreira da Costa e
Marina Santoro Franco Weinschenker, pelo incentivo e apoio constante.
Agradeo aos meus colegas de trabalho e aos advogados Walter Nimir, Gustavo Lorenzi de
Castro e Andrea Pulici, pelo estmulo e aporte jurdico para a vida acadmica.
Agradeo ao meu tio, Joo Grandino Rodas, pelas valiosas contribuies acadmicas e
exemplo de vida.
RESUMO
A presente dissertao estuda a participao de pessoas com deficincias no mercado de
trabalho. No primeiro captulo, ventila-se a trajetria histrica da pessoa com deficincia
desde a Idade Antiga at a Idade Contempornea. A seguir, analisa-se a terminologia
apropriada para denominar a pessoa que possui alguma forma de deficincia. No segundo
captulo, abordam-se as principais normas do Direito Internacional atinentes ao tema. A
seguir, analisa-se o modo como a relao de emprego das pessoas com deficincia
abordada pelo Direito estrangeiro. No terceiro captulo, discorre-se sobre a evoluo do
ordenamento jurdico brasileiro diante do tema, ponderando-se a aplicao da Constituio
Federal e da Lei n. 8.213/91, bem como o papel do Ministrio Pblico do Trabalho e do
Ministrio do Trabalho e Emprego e, ainda, os mecanismos e incentivos para o
cumprimento da legislao. No quarto captulo, so verificadas as peculiaridades do
contrato de trabalho das pessoas com deficincia, analisando-se se a realidade brasileira
observa os direitos assegurados pelas leis e pelo texto constitucional vigente, sopesando-se
a existncia de meios eficazes de fiscalizao, incentivo e, at mesmo, exigncia de
contratao. Para a elaborao do presente estudo, utilizam-se os mtodos indutivo com
a coleta de elementos para anlise e elaborao do tema para posterior discusso e
concluso , analtico-sinttico com o exame de textos jurdicos e no jurdicos e
comparativo com a anlise das caractersticas e da influncia de diversas legislaes nas
condies de trabalho das pessoas com deficincia em momentos cronolgicos distintos.
So utilizadas a pesquisa bibliogrfica e jurisprudencial, bem como a efetiva anlise de
textos legais.
Palavras-chave: Pessoas com deficincia. Relao de emprego. Contrato de trabalho.
Direito comparado.
ABSTRACT
This dissertation studies the participation of people with disabilities in the labor market.
The first chapter talks about the historical trajectory of people with disabilities, from the
Ancient Age to the Contemporary Age. Next, we analyze the appropriate terminology to
describe the person who has some form of disability. In the second chapter we discuss the
main rules of international law relating to the theme. Next, we analyze how the ratio of
employment of people with disabilities is addressed by foreign law. The third chapter
discusses the evolution of Brazilian law on the subject, considering the application of the
Constitution and the Law 8.213/91, as well as the role of the Public Ministry of Labor and
the Ministry of Labor and Employment, and also the mechanisms and incentives for
compliance. In the fourth chapter, we investigate the peculiarities of employment of people
with disabilities by analyzing if the Brazilian reality observes the rights guaranteed by the
Constitution and laws in force, weighing up the existence of effective means of
enforcement, encouragement, and even hiring requirement. In this study, we use the
inductive method collecting elements for analysis and preparation of the issue for
further discussion and conclusion , analytic-synthetic method examining legal and
non-legal texts , and comparative method analyzing the characteristics and influence
of various laws in working conditions of disabled people in different chronological
moments. We searched the literature and jurisprudence, as well as the effective analysis of
legal texts.
Keywords: People with disabilities. Employment relationship. Employment contract.
Comparative law.
LISTA DE ILUSTRAES
MAPAS
Quadro 1 - Estoque de pessoas com deficincia no mercado de trabalho, 2010 (CAGED, 2
quadrimestre de 2011)........................................................................................................ 121
GRFICOS
Grfico 1 - Distribuio dos municpios, por grupos de percentual de pessoas com pelo
menos uma das deficincias investigadas na populao residente, segundo Unidades da
Federao (IBGE, Censo Demogrfico 2010) ................................................................... 108
Grfico 2 - Percentual de pessoas com pelo menos uma das deficincias investigadas na
populao residente, segundo os grupos de idade (IBGE, Censo Demogrfico 2010) ...... 109
Grfico 3 - Percentual de pessoas com pelo menos uma das deficincias investigadas na
populao residente, por sexo, segundo a cor ou raa (IBGE, Censo Demogrfico 2010) 111
Grfico 4 - Distribuio percentual da populao de 15 anos ou mais de idade, por
existncia de pelo menos uma das deficincias investigadas e nvel de instruo (IBGE,
Censo Demogrfico 2010) ................................................................................................. 113
Grfico 5 - Taxa de atividade da populao masculina de 10 anos ou mais de idade, por
existncia de pelo menos uma das deficincias investigadas, segundo os grupos de idade
(IBGE, Censo Demogrfico 2010) ..................................................................................... 115
Grfico 6 - Taxa de atividade da populao feminina de 10 anos ou mais de idade, por
existncia de pelo menos uma das deficincias investigadas, segundo os grupos de idade
(IBGE, Censo Demogrfico 2010) ..................................................................................... 115
Grfico 7 - Taxa de atividade da populao masculina de 10 anos ou mais de idade, por
grupos de idade, segundo o tipo de deficincia investigada (IBGE, Censo Demogrfico
2010) .................................................................................................................................. 116
Grfico 8 - Taxa de atividade da populao feminina de 10 anos ou mais de idade, por
grupos de idade, segundo o tipo de deficincia investigada (IBGE, Censo Demogrfico
2010) .................................................................................................................................. 117
Grfico 9 - Nvel de ocupao da populao de 10 anos ou mais de idade, por sexo,
segundo o tipo de deficincia investigada (IBGE, Censo Demogrfico 2010) .................. 118
Grfico 10 - Distribuio das pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de
referncia, por existncia de pelo menos uma das deficincias investigadas, segundo a
posio na ocupao no trabalho principal (IBGE, Censo Demogrfico 2010) ................ 119
Grfico 11 - Distribuio das pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de
referncia, por existncia de pelo menos uma das deficincias investigadas, segundo aas
classes de rendimento nominal mensal de todos os trabalhos (IBGE, Censo Demogrfico
2010) .................................................................................................................................. 119
QUADROS
Quadro 1 - Estoque de pessoas com deficincia no mercado de trabalho, 2010 (CAGED, 2
quadrimestre de 2011)........................................................................................................ 121
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Distribuio percentual da populao residente, por tipo de deficincia, segundo
o sexo e os grupos de idade (IBGE, Censo Demogrfico 2010) ........................................ 110
Tabela 2 - Percentual de pessoas com pelo menos uma das deficincias investigadas na
populao residente, segunda as Grandes Regies (IBGE, Censo Demogrfico 2010) .... 112
Tabela 3 - Distribuio percentual das pessoas de 15 anos ou mais de idade com pelo
menos uma das deficincias investigadas, por nvel de instruo, segundo as Grandes
Regies (IBGE, Censo Demogrfico 2010) ....................................................................... 114
Tabela 4 - Distribuio percentual das pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na
semana de referncia, por condio de existncia de deficincia, segundo as classes de
rendimento nominal mensal de todos os trabalho (IBGE, Censo Demogrfico 2010) ...... 120
SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................................... 10
1 A PESSOA COM DEFICINCIA .................................................................................... 14
1.1 Escoro histrico ........................................................................................................ 14
1.1.1 Idade Antiga ......................................................................................................... 14
1.1.2 Idade Mdia .......................................................................................................... 17
1.1.3 Idades Moderna e Contempornea ....................................................................... 19
1.2 A questo terminolgica ............................................................................................. 22
1.3 Abrangncia do conceito de pessoa com deficincia .............................................. 26
2 AS NORMAS DE PROTEO DA PESSOA COM DEFICINCIA NO MBITO
INTERNACIONAL ............................................................................................................. 31
2.1 Organizao das Naes Unidas ONU .................................................................... 31
2.2 Organizao Internacional do Trabalho OIT ........................................................... 35
2.3 Organizao dos Estados Americanos OEA............................................................ 42
2.4 Unio Europeia - UE .................................................................................................. 45
2.5 A normatizao da relao de emprego da pessoa com deficincia no Direito
estrangeiro ........................................................................................................................ 53
2.5.1 Portugal ................................................................................................................ 54
2.5.2 Espanha ................................................................................................................ 59
2.5.3 Itlia ...................................................................................................................... 62
2.5.4 Peru ...................................................................................................................... 63
3 A EVOLUO DO ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIRO: OS DIREITOS DA
PESSOA COM DEFICINCIA ........................................................................................... 66
3.1 Constituio Federal de 1988 ..................................................................................... 66
3.2 O princpio da igualdade e as aes afirmativas ......................................................... 76
3.3 Sistema legal de reserva de vagas ou sistema de cotas no Brasil: setor privado ........ 80
3.3.1 Questes polmicas acerca do Sistema Legal de Reserva de Vagas .................... 86
3.3.2 A atuao do Ministrio Pblico do Trabalho e do Ministrio do Trabalho e
Emprego e os mecanismos de incentivo para cumprimento da legislao .................... 92
4 OS ASPECTOS DO CONTRATO DE TRABALHO DA PESSOA COM DEFICINCIA
............................................................................................................................................. 98
4.1 Processo seletivo e salrio .......................................................................................... 98
4.2 Estabilidade e jornada de trabalho ............................................................................ 102
4.3 Anlise de dados estatsticos .................................................................................... 105
CONCLUSO ................................................................................................................... 122
REFERNCIAS ................................................................................................................. 125
10
INTRODUO
De acordo com o Relatrio Mundial sobre Deficincia, divulgado no dia 9 de junho
de 2011 na sede da Organizao das Naes Unidas (ONU) em Nova York (EUA), existe
um nmero superior a 1 bilho de pessoas em todo o mundo com algum tipo de
deficincia. Referido documento foi elaborado pela Organizao Mundial de Sade (OMS)
e pelo Banco Mundial, contando inclusive com a colaborao de mais 380 especialistas.
Segundo o relatrio, como resultado da excluso social, as pessoas com deficincia tm
menor qualidade na sade, baixos avanos educacionais e menos oportunidades
econmicas do que as pessoas sem deficincia.1
Assim, para traar um panorama quantitativo, os resultados apresentados pelo
Censo Demogrfico 2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
(IBGE), declararam a existncia de 24,6 milhes de pessoas que apresentavam algum tipo
de deficincia no Brasil, correspondendo a 14,5% da populao brasileira.2
E, ainda, apesar da divulgao parcial dos dados coletados, no Censo Demogrfico
2010, realizado pelo mesmo instituto, foram declarados os percentuais da populao
brasileira que possui algum tipo de deficincia. Os resultados apontaram que 23,9% da
populao brasileira possui alguma deficincia aproximadamente 45 milhes de
pessoas.3
Diante deste exame inicial, preciso ponderar que o Brasil possui uma significativa
populao de pessoas com deficincias, e, portanto, a participao destas pessoas no
mercado de trabalho merece um estudo profundo. Inclusive quanto real amplitude e
grandeza da expresso incluso atravs da atividade profissional, engrenagem primordial
da dignidade humana.
1 ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS ONU. Mais de um bilho de pessoas no mundo tm algum
tipo de deficincia, informa relatrio da ONU. Disponvel em: . Acesso em: 18 out. 2012. 2 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA IBGE. Censo Demogrfico 2000.
Disponvel em: . Acesso em: 01
jun. 2011. 3 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA. Censo Demogrfico 2010. Disponvel
em: . Acesso em: 18 out. 2012.
11
Assim sendo, incluir socialmente um indivduo com qualquer deficincia requer
prioritariamente o afastamento do sentimento de piedade ou da elaborao de mecanismos
isolados para atendimento desta categoria de pessoas. Incluir, ao revs, significa respeitar
direitos e acolher a todos, sem quaisquer imposies de condies, possibilidades ou
padres.4
Observa-se que a busca por uma sociedade inclusiva assume a necessidade de
adequao de inmeras divergncias sociais e culturais, bem como modificaes relevantes
no ordenamento jurdico.
Nesta abordagem, para a elaborao do presente estudo ser ventilada a trajetria
histrica do deficiente desde a Idade Antiga at a Idade Contempornea. Sero apontadas
as referncias mais significativas, ressaltada a evoluo da incluso da pessoa com
deficincia na sociedade, e, ainda, elencadas as diferentes vises traadas ao longo de
muitas dcadas.
Ato contnuo, buscar-se- explicar e defender qual a terminologia mais apropriada
para denominar a pessoa que possui alguma forma de deficincia. Sendo certo que o
respeito ou a discriminao se fazem presentes inclusive na linguagem e na terminologia
adotada, imperiosa uma abordagem particular quanto aos corretos termos a serem
utilizados para indicar a pessoa com deficincia.
Diante da importncia do tema em deslinde, tendo em vista os valores estatsticos
anteriormente mencionados, cristalina a observncia das normas de proteo ao deficiente
no mbito internacional. Nesta seara, sero suscitadas as normas de maior relevncia e as
consideraes ventiladas pela Organizao das Naes Unidas (ONU), pela Organizao
Internacional do Trabalho (OIT), pela Organizao dos Estados Americanos (OEA), pela
Unio Europeia, e, ainda, ser abordado o modo como a relao de emprego das pessoas
com deficincia abordada pelo Direito estrangeiro, pontuando traos comparativos, com
intuito nico de possibilitar uma viso global sobre o tema.
4 GABRILLI, Mara. Quem deficiente: a cidade ou as pessoas que tm uma limitao fsica ou sensorial?
12
Neste descortino, o presente trabalho busca discorrer sobre a evoluo do
ordenamento jurdico brasileiro diante do tema em tela, ponderando a aplicao objetiva da
Carta Magna e da lei que dispe sobre os benefcios da Previdncia Social e sobre a
insero do sistema de cotas no setor privado (Lei n. 8.213/91), sendo ponderados tambm
o papel, como rgo fiscalizador, do Ministrio Pblico do Trabalho (MPT) e do
Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE), e, ainda, sopesando quais seriam os
mecanismos e incentivos de cumprimento da legislao. Dentro deste exame, ser traada
inclusive uma abordagem ampla sobre as aes afirmativas e suas peculiaridades, em
especial no Brasil.
Nesta seara, buscar-se- uma interpretao ampla da legislao vigente, no tocante
incluso de pessoas ou padres no contemplados na Lei n. 8.213/91 e no Decreto n.
3.298/99 para fins de preenchimento de cotas, como, por exemplo, pessoas queimadas,
com surdez unilateral, viso monocular, lbio leporino e/ou fenda palatina, diabticas
insulino-dependentes, ex-cancerosas e obesas.
Nota-se que a Lei de Cotas no prev a incluso dessa deficincia invisvel, mas a
excluso no mercado de trabalho desta parcela da populao notria, sendo certo que
encontram inmeras dificuldades nos processos regulares de seleo.
A esse propsito, visa-se verificar as peculiaridades do contrato de trabalho das
pessoas com deficincia no intuito de analisar se a realidade brasileira observa os direitos
assegurados pelas leis e pelo texto constitucional vigente, sopesando a existncia de meios
eficazes de fiscalizao, incentivo e, at mesmo, exigncia de contratao.
Para a elaborao do presente estudo, ser utilizado o mtodo indutivo, posto que
primeiramente ser demandada toda a coleta de elementos fundamentais para anlise e
elaborao do tema, para posterior discusso e concluso. Utilizar-se- o mtodo analtico-
sinttico de pesquisa, examinando-se textos jurdicos e no jurdicos, tratando-se
detalhadamente sobre as questes pertinentes ao tema.
Revista do Advogado. So Paulo, n. 95, p. 92-97, dez. 2007, p. 92.
13
Assim sendo, para possibilitar uma viso ampla sobre o tema, ser observado o
mtodo comparativo, tendo em vista a anlise das caractersticas e a influncia de diversas
legislaes no tocante s condies de trabalho das pessoas com deficincia em momentos
cronolgicos distintos.
Por derradeiro, o instrumento de investigao a ser utilizado ser a pesquisa
bibliogrfica e jurisprudencial, bem como a efetiva anlise do texto constitucional, das leis
brasileiras, de declaraes e convenes internacionais e, ainda, a verificao de projetos
de lei em trmite no Brasil.
14
1 A PESSOA COM DEFICINCIA
1.1 Escoro histrico
As anomalias fsicas ou mentais, as deformaes congnitas, as amputaes
decorrentes de traumas e, ainda, as doenas graves com consequncias incapacitantes, so
parte integrante da prpria histria da humanidade, em razo de sua antiguidade.5
De fato, em algum momento histrico durante a trajetria humana, restou necessria
uma anlise pontual quanto aos indivduos mais fracos ou com uma suposta diminuio de
utilidade na fora de trabalho. Assim sendo, foram elencados primeiramente os idosos, as
crianas e os acometidos de alguma doena fsica ou mental ou vtimas de acidentes
indivduos que geravam inmeros desafios e prejuzos para o desenvolvimento do
convvio social.
O respeito adquirido, o reconhecimento de direitos e o espao conquistado
atualmente pelas pessoas com deficincias so fruto de um longo e penoso processo de
transformao.
Por essa razo, se faz necessrio um levantamento histrico para melhor
entendimento das atitudes e preocupaes cotidianas e atuais da sociedade frente s
deficincias culturais e sociais enfrentadas no passado.
1.1.1 Idade Antiga
Na poca primitiva, a busca por alimento era uma questo de sobrevivncia. A caa
era a principal fonte de alimento naquele momento histrico, sendo certo que a boa
capacidade fsica era fator primordial para a manuteno da vida.
Observavam-se, naquele contexto, claramente dois tipos de atitudes com relao s
5 SILVA, Otto Marques da. A epopia ignorada: a pessoa deficiente na histria do mundo de ontem e de
hoje. So Paulo: Cedas, 1987, p. 21.
15
pessoas deficientes, a primeira de eliminao, menosprezo e destruio, e, a segunda, de
tolerncia e aceitao.6
A histria caminhava no sentido de que cada povo ou cada tribo, em razo das
inmeras experincias acumuladas e observaes do cotidiano, desenvolvia seus prprios
regramentos. Assim sendo, no existia um padro utilizado por todos os povos, alguns
praticavam o extermnio dos deficientes fsicos quando do nascimento destes ou ao longo
de suas vidas. Outros povos, em contrapartida, consideravam o deficiente fsico um
membro comum do grupo ou at mesmo um enviado dos deuses para beneficiar a tribo.7
Com relao aos povos primitivos que adotaram atitudes de apoio ou aceitao para
com os deficientes, Otto Marques da Silva elenca com propriedade algumas tribos, a saber:
Ashanti Habitam a parte sul de Gana, a oeste da frica, totalizando
mais de um milho de membros. Quando constituam um reino prprio
era costumeiro enviar corte crianas com defeitos fsicos para serem
treinadas como arautos do rei. Esses mensageiros com deficincia fsica
eram destacados para misses delicadas, como, por exemplo, a iminncia
de guerras com tribos vizinhas. Em geral a mensagem do rei Ashanti era
incisiva e terminava com um recado do arauto: se esses termos no
forem aceitos, poderei ser morto agora mesmo. No entanto, parece que
isso no acontecia, pois limitavam-se os inimigos a cortar um dos dedos
do arauto, o que equivalia a uma declarao de guerra. Alm dessa
perigosa misso, os arautos eram tambm utilizados como inspetores
sanitrios ou coletores de impostos. Eram igualmente usados como
bufes e tinham o privilgio de dizer a seus mestres o que bem
entendiam. Foram tambm usados como espies.
[...]
Semang Entre os nativos da raa Semang, habitantes de parte da
Malsia, s pessoas que se movem com o auxlio de um basto ou de
uma muleta, devido a um defeito fsico ou cegueira, que so procuradas
para conselhos ou para decidir disputas. Trata-se de uma tribo Negrito,
muito primitiva, que ainda vive em cavernas ou em abrigos de folhas.8
Infelizmente, a grande maioria dos povos primitivos vislumbrava no extermnio
uma soluo para os problemas das pessoas com deficincias fsicas ou mentais.
Confirmando referidas prticas o autor destaca:
6 SILVA, Otto Marques da. Op. cit., p. 39.
7 ALVES, Rubens Valtecides. Deficiente fsico: novas dimenses da proteo ao trabalhador. So Paulo:
LTr, 1992, p. 18. 8 SILVA, Otto Marques da. Op. cit., p. 40-41.
16
Jukun Trata-se de uma tribo da Nigria, na qual as crianas que
nascem com deformaes no sobrevivem. Elas so abandonadas nas
matas ou nos lugares ermos onde logo encontram a morte. Acreditam os
nativos Jukun que as crianas com defeitos fsicos so tomadas, ainda no
ventre da me, por espritos malignos.
[...]
Slvia Nas matas fechadas da selva amaznica vivem os ndios Slvia,
em extino. Eles costumam dar a morte aos fisicamente deficientes por
serem considerados como elementos claramente marcados por espritos
malignos.9
Destaca-se, ainda, que o povo asteca, na poca de Montezuma, separava homens e
mulheres com deformidades ou com diferenas de um suposto padro, como anes ou
pessoas albinas, colocando-os em uma espcie de circo, ridicularizando e provocando esses
indivduos publicamente.10
De acordo com o posicionamento e ensinamentos dos mdicos do Antigo Egito, as
doenas graves, as deficincias fsicas e os problemas mentais graves eram provocados por
maus espritos, por demnios ou por pecados de vidas anteriores. Assim sendo, somente
por meio da fora divina passada aos mdicos-sacerdotes os males poderiam ser sanados.11
Os hebreus demonstravam um tratamento claramente discriminatrio em seus
textos de leis vigentes, sendo certo que pessoas com deficincias fsicas ou mentais ou com
qualquer forma de anormalidade eram considerados impuros ou pecadores.12
Em Atenas e em Esparta algumas determinaes oficiais concediam aos soldados
feridos e seus familiares vantagens de diversas naturezas. Eram observadas condies
diferenciadas quanto alimentao, sendo certo que cumpria ao Estado o sustento dessa
categoria de pessoas.13
Ratificando o quanto informado, alguns personagens desse momento histrico
abordaram os dilemas da pessoa com deficincia, com absoluta sabedoria. Neste sentido,
9 SILVA, Otto Marques da. Op. cit., p. 44-45.
10 Ibidem, p. 46.
11 Ibidem, p. 56.
12 ALVES, Rubens Vatecides. Op. cit., p. 20.
17
Aristteles determinou aos membros do Conselho Ateniense:
O Conselho passar agora a examinar o problema dos deficientes. Existe,
de fato, uma lei que estabelece que todo ateniense cujos bens no
ultrapassem trs mins e cujo corpo esteja mutilado ao ponto de no lhe
permitir qualquer trabalho seja examinado pelo Conselho e que seja
concedido a cada um deles, s expendas do estado, dois bulos por dia
para sua alimentao. E existe um tesoureiro dos deficientes, designado
para tal.14
Nesta mesma linha, e com a inclinao de valorizar atitudes sociais de integrao,
Aristteles indicava ser mais fcil ensinar a um aleijado a desempenhar uma tarefa til do
que sustent-lo como indigente.15
Alexandre, o Grande, tambm marcou sua trajetria ao apreciar os esforos
trilhados por seus soldados. Assim sendo, um ano antes de sua morte encaminhou de volta
Macednia os invlidos e aqueles que tivessem perdido algum membro na guerra.
Determinou, ainda, que em todas as assembleias de jogos e divertimentos pblicos estes
fossem preferidos e que ficassem nos melhores lugares e coroados de flores.16
Conforme anlise histrica, observa-se uma imensa parcela de caractersticas e
subsdios deixados pela Idade Antiga com relao s atividades sociais e s peculiaridades
da pessoa com deficincia.
Dentro dessa realidade, o contedo histrico encontrado abundante e com vastos
personagens marcantes; todavia, procurou-se destacar somente algumas passagens desse
perodo para melhor entendimento da evoluo do tema em debate.
1.1.2 Idade Mdia
O advento do cristianismo e o contedo da doutrina crist pregava a caridade, o
amor ao prximo e a humildade do ser humano. Nesta seara, aqueles que seguiam os
13
SILVA, Otto Marques da. Op. cit., p. 98. 14
Ibidem, p. 99. 15
Ibidem, p. 97. 16
Ibidem, p. 113.
18
preceitos da religio buscavam de certa forma entender as necessidades do prximo, o que
englobava entender as necessidades das pessoas com deficincias.
Embora o cristianismo seja observado como um meio facilitador das conquistas dos
deficientes, muitos reagiam de forma agressiva e contrria aos preceitos cristos, sendo
certo que a evoluo social e cultural perseguida caminhava vagarosamente.
Paulatinamente, observou-se que os casos de doenas graves e as consideraes
quanto s pessoas com deficincias fsicas e mentais passaram a receber ateno
diferenciada, o que pode ser percebido atravs do crescente desenvolvimento dos hospitais
e ambientes para tratamento da sade.
Na parte leste da Europa, hospitais e abrigos para pessoas pobres e com deficincias
eram criados por senhores feudais ou atravs de governantes de aglomerados urbanos,
sempre com a colaborao e iniciativa de segmentos da Igreja Catlica.17
Segundo documentos histricos, no Japo, durante a Idade Mdia, a profisso de
massagista e as tcnicas de acupuntura eram exercidas quase que exclusivamente por
pessoas cegas. Esse privilgio foi garantido em razo da influncia do filho do imperador
japons, o prncipe Hitoyasu, que havia perdido a viso. Neste sentido, o imperador
intercedeu em favor dos deficientes visuais, promovendo oportunidades para aqueles que
buscavam desenvolver uma atividade profissional.18
A Lei dos Pobres, editada na Inglaterra em 1531, um exemplo cristalino de uma
norma que infelizmente no atingiu sucesso no sentido de aprimorar ou favorecer as
condies de trabalho dos deficientes. Referida lei autorizava inicialmente que os juzes
concedessem licenas para que pessoas idosas ou com defeitos fsicos graves pudessem
pedir esmolas.19
17
SILVA, Otto Marques da. Op. cit., p. 198. 18
Ibidem, p. 204. 19
MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficincia: ao afirmativa, o
princpio constitucional da igualdade. So Paulo: LTr, 2004, p. 34.
19
Ato contnuo, em 1723 referida norma foi modificada, autorizando cada parquia a
construir casas de trabalho ou oficinas denominadas workhouses para participao dos
pobres e das pessoas com deficincias podendo, inclusive, recusar trabalho para aqueles
que delas no participassem. O objetivo original da Lei dos Pobres merece ser exaltado;
entretanto, nenhuma das alteraes normativas alcanou os efeitos almejados, tendo em
vista que as pessoas pobres eram vistas com prioridades quando comparadas com os
deficientes.20
Por derradeiro, cumpre ponderar que o advento do Renascimento trouxe um
grande avano na rea das cincias, proporcionando paralelamente uma viso mais
humanitria, em especial com relao s pessoas com deficincias. As obras e pinturas da
poca tambm refletiam mudanas sociais significativas, deixando patente um ideal de
afastamento das atitudes inadequadas da sociedade. Tais circunstncias influenciaram na
adequao de normas legais com o intuito de resguardar as pessoas com deficincias ou em
condies limitantes.21
1.1.3 Idades Moderna e Contempornea
O avano na rea das cincias proporcionou inmeras mudanas no comportamento
das sociedades. Nota-se, neste perodo histrico, uma viso modificada, inclusive no plano
jurdico, no tocante s condies das pessoas com deficincias.
Na Europa, muitas barreiras puderam ser superadas frente aos notveis inventos
capazes de amenizar algumas das dificuldades enfrentadas pelos deficientes. Cumpre
destacar alguns exemplos, como a criao da cadeira de rodas, o uso de bengalas ou
bastes de apoio, muletas, prteses, entre outros benefcios, todos inventados a partir do
sculo XIX.22
Desta forma, destaca-se que durante o sculo XIX foram observados incontveis
avanos no campo da medicina, dentre os quais imperioso citar a criao, no ano de 1825,
20
SILVA, Otto Marques da. Op. cit., p. 258. 21
ALVES, Rubens Vatecides. Op. cit., p. 26. 22
Ibidem, p. 26.
20
do mtodo de leitura Braille, pelo professor Louis Braille, favorecendo o uso da leitura e da
escrita pelos deficientes visuais, e, ainda, os relevantes avanos na rea da ortopedia.23
Ainda durante o mesmo sculo, um marco importante deve ser lembrado, qual seja,
o surgimento da Revoluo Industrial. Neste contexto, o progresso das fbricas nas
cidades despertou um grande interesse na populao rural, sendo certo que a busca por
melhores condies de trabalho fez crescer de forma alarmante o labor nos centros urbanos.
Com efeito, neste momento histrico, a utilizao indiscriminada da mo de obra
infantil e feminina ganha espao e fora nas relaes de trabalho, bem como a permanncia
no labor durante longos perodos. De fato, condies indignas de trabalho tornaram-se
causas diretas de inmeras mortes e acidentes relacionados atividade industrial.24
Ato contnuo, as deficincias fsicas em especfico, que no passado foram
observadas to somente como um problema de nascena, reflexos de batalhas ou
decorrentes de acidentes domsticos, passaram a integrar tambm o ambiente de trabalho,
em razo da nova forma de produo das fbricas e das atividades profissionais exercidas.
Neste contexto, resta claro o surgimento das doenas profissionais e das
deficincias decorrentes de acidentes de trabalho.
Assim sendo, em 1883 Otto von Bismark voltou seu olhar para as questes
relacionadas proteo dos acidentados no trabalho. Criou-se uma legislao para
proteger, assegurar e readaptar, atravs de programas de recuperao, o trabalhador
prejudicado em razo de um acidente de trabalho.25
Referida providncia provocou
reflexos em diversos pases da Europa, sendo certo que as prprias seguradoras
incentivavam o retorno ao trabalho.
23
GOLDFARB, Cibelle Linero. Pessoas portadoras de deficincia e a relao de emprego: o sistema de
cotas no Brasil. Curitiba: Juru, 2008, p. 27. 24
BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti. Aes afirmativas e insero de pessoas portadoras de deficincia
no mercado de trabalho. Revista da Faculdade de Direito Universidade de So Paulo. So Paulo, v. 100,
p. 493-523, jan./dez. 2005, p. 498. 25
GOLDFARB, Cibelle Linero. Op. cit., p. 28.
21
Ademais, observou-se, no sculo XX, um incremento significativo no tocante
assistncia s pessoas com deficincias, em especial atravs da criao de organizaes e
entidades voltadas para os interesses dessa categoria.
Cumpre destacar, ainda, que o elevado nmero de pessoas doentes e mutiladas no
perodo ps-guerra exigia providncias e solues prticas para a reintegrao destas
sociedade. Nesse desenvolvimento, mostrou-se uma melhora considervel no sistema de
bem-estar social, assistncia pblica e promoo social, todos estes atrelados ao avano
acelerado da medicina e implantao de sistemas de tratamento de gua e esgoto,
proporcionando sobremaneira uma conquista positiva na qualidade de vida e nas condies
para o progresso do homem.26
Diante desse panorama, existia de forma ntida um contingente infinito de
problemas gerados pelas guerras e o aumento substancial de doentes e mutilados vtimas do
abandono social, e, por outra esteira, vislumbrava-se o avano da tecnologia e o progresso
da medicina em diversas reas.
Todavia, apesar dos avanos verificados, no se pode apagar que, durante o sculo
XX, o ditador alemo Adolf Hitler, na busca de uma suposta pureza de raas, procedeu
ao extermnio de milhares de pessoas com deficincia mental,27
e, ainda, que a provncia
chinesa de Gansu legalizou a esterilizao de deficientes mentais,28
o que comprova a
existncia de estruturas sociais merecedoras de profundo estudo e ateno.
Infelizmente, apesar de tantos avanos e retrocessos, possvel perceber no sculo
XXI que a incluso de pessoas com deficincias na sociedade, e principalmente no
mercado de trabalho, ainda precria e carecedora de eficcia plena. Os preconceitos no
foram superados, to somente variaram ao longo de tantos anos na histria do mundo.
26
SILVA, Otto Marques da. Op. cit., p. 302. 27
GOLDFARB, Cibelle Linero. Op. cit., p. 29. 28
MELO, Sandro Nahmias. Op. cit., p. 38.
22
1.2 A questo terminolgica
Precipuamente, destaca-se que a sociedade, a doutrina, bem como a prpria
legislao vigente utilizam terminologias distintas para tratar e conceituar as pessoas com
deficincias. Assim sendo, para delimitar e escolher a expresso mais adequada, necessrio
atentar para a correta conotao utilizada.
Ocorre que, no passado, inmeras expresses foram utilizadas de forma pejorativa
para apontar um deficiente, destacando to somente a existncia da doena e afastando a
individualidade do homem e sua dignidade, como, por exemplo, aleijado, maneta,
manco, mongoloide, defeituoso, mudinho, entre outros.
Expresses como acometido por deficincia, pessoa fisicamente diminuda e
incapaz valorizam to somente os aspectos excludentes da deficincia, negando e
afastando os direitos do indivduo.29
O respeito ou a discriminao se faz presente inclusive na linguagem e na
terminologia adotada. Assim sendo, necessria uma abordagem particular quanto aos
corretos termos a serem utilizados para indicar a pessoa com deficincia.
Nesta seara, deve-se abandonar e afastar toda a linguagem contundente e
inadequada utilizada nos tempos pretritos, onde predominavam o preconceito e a ausncia
de conscincia social.
Observa-se com absoluta cautela que, segundo a viso de alguns autores, a
expresso deficiente seria utilizada para relacionar o oposto daquilo que eficiente, e,
ainda, que o termo descapacitado refletiria a ausncia de capacidade. Referidas
terminologias so utilizadas no Brasil e em outros pases, como por exemplo a Espanha,
que utiliza a expresso discapacitados ou personas con minusvala, e os Estados Unidos da
Amrica, que correntemente fazem uso da denominao disabilities.30
29
FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O trabalho da pessoa com deficincia e a lapidao dos
direitos humanos: o direito do trabalho, uma ao afirmativa. So Paulo: LTr, 2006, p. 101. 30
BERVENVANO, Rosana Beraldi. Direitos da pessoa portadora de deficincia: da excluso
23
De acordo com os ensinamentos de Antonio Herman de Vasconcelos, muitos
argumentam, com razo, que o termo deficiente mais serve para ressaltar as diferenas do
indivduo do que suas similaridades com o chamado grupo normal.31
Ocioso ponderar, segundo os ensinamentos de Eugnia Augusta Gonzaga Fvero:
a palavra deficiente no deveria gerar esse reflexo negativo, pois
deficincia no o contrrio de eficincia. O contrrio de eficincia
ineficincia. Especialmente quando se refere a seres humanos, a
deficincia no deve ser traduzida como imperfeio ou defeito, j que
no existe perfeio ou ausncia total de defeitos em qualquer ser
humano, ou seja, no se pode dizer que pessoas sem deficincia so
pessoas... perfeitas. A deficincia, neste caso, indica falta, limitao.32
Respeitando cada um dos posicionamentos mencionados, entende-se que o termo
deficiente seria utilizado para destacar to somente as diferenas da pessoa, sem ventilar
suas igualdades com todo e qualquer indivduo.
Portanto, alguns doutrinadores acolhem a expresso pessoas portadoras de
necessidades especiais como sendo apropriada. Seguindo esta linha, referida nomenclatura
seria utilizada para acolher um grande nmero de situaes que envolvem anomalias
fsicas, mentais e fisiolgicas.33
Destacando-se, inclusive, que o adjetivo utilizado no
poderia se sobrepor ao substantivo que identifica a condio humana: pessoa.34
Perfilhando em sentido oposto, observam-se na doutrina pensamentos adversos
quanto ao uso da expresso pessoas portadoras de necessidades especiais, ao passo que
alguns entendem que qualquer indivduo, ainda que de forma temporria, pode portar
alguma necessidade especial, sem, contudo, vislumbrar-se inserido nas normas legais
igualdade. Curitiba: Ministrio Pblico do Estado do Paran, 2001, p. 10-11. 31
BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos e. A tutela das pessoas portadoras de deficincia pelo
Ministrio Pblico. Direitos da pessoa portadora de deficincia. Revista da Advocacia Pblica &
Sociedade. So Paulo, ano 1, n. 1, p. 13-38, 1997, p. 15. 32
FVERO, Eugnia Augusta Gonzaga. Direitos das pessoas com deficincia: garantia de igualdade na
diversidade. Rio de Janeiro: WVA, 2004, p. 23-24. 33
BOLONHINI JUNIOR, Roberto. Portadores de necessidades especiais: as principais prerrogativas dos
portadores de necessidades especiais e a legislao brasileira. So Paulo: Arx, 2004, p. 18. 34
MELO, Sandro Nahmias. Op. cit., p. 43.
24
protetivas. Destaca-se como exemplo um acidentado que tem sua capacidade de locomoo
reduzida temporariamente ou uma pessoa superdotada que possui necessidades especiais,
mas no tem obrigatoriamente uma deficincia. Neste descortino, um portador de
deficincia seria um portador de necessidade especial, mas o inverso no necessariamente
seria aplicvel.35
Percebe-se uma relevante amplitude na expresso pessoas com necessidades
especiais, tendo em vista tratar-se de um gnero onde foram inseridas as pessoas com
deficincia, mas tambm os idosos, as gestantes ou qualquer pessoa em situao que
implique um tratamento diferenciado.36
Quanto questo terminolgica, alguns autores37
e a prpria Constituio Federal
fazem uso da expresso pessoa portadora de deficincia. Especialmente neste contexto,
necessrio destacar que o termo deficincia carrega um pensamento de falta, carncia ou
ausncia. Assim sendo, deve ser observada com cuidado a unio dos termos portador e
deficincia, tendo em vista a possibilidade de causar um descompasso semntico na
terminologia adotada.
Ainda, sopesando o conceito de pessoa portadora de deficincia, possvel
observar os ensinamentos do doutrinador Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, que entende
que as deficincias no se portam, esto com a pessoa ou na pessoa.38
Nota-se que a Carta Magna, assim como diversas leis posteriores, buscou afastar as
terminologias utilizadas no passado com conotao negativa, como, por exemplo, invlido,
surdo-mudo, aleijado, retardado, entre outras expresses. O legislador buscou naquele
momento histrico, atravs do uso da expresso pessoa portadora de deficincia, uma
padronizao terminolgica que afastasse a ateno da deficincia e enfatizasse o
35
RULLI NETO, Antonio. Direitos do portador de necessidades especiais: guia para o portador de
deficincia e para o profissional do Direito. 2. ed., So Paulo: Fiza Editores, 2002, p. 32. 36
BRASIL. Ministrio do Trabalho e Emprego. A incluso das pessoas com deficincia no mercado de
trabalho. Braslia, 2007. Disponvel em: . Acesso
em 13 jan. 2013, p. 20. 37
BERVENVANO, Rosana Beraldi. Op. cit., p. 12. 38
FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O trabalho da pessoa com deficincia... Op. cit., p. 270.
25
indivduo, todavia o foco alcanou to somente o portador, no chegando pessoa.39
Com efeito, pessoa portadora de deficincia e pessoa portadora de necessidades
especiais so exemplos de terminologias que no caracterizam com exatido a condio
do indivduo.
Segundo orientaes traadas pela Secretaria dos Direitos da Pessoa com
Deficincia do Governo do Estado de So Paulo, a terminologia adequada seria pessoa
com deficincia, esclarecendo-se, ainda, que o termo portador de deficincia e suas
flexes no feminino e no plural devem ser afastados, porque a deficincia no pode ser
entendida como coisas que s vezes portamos e s vezes no portamos.40
A partir deste pensamento, muitos autores41
entendem que o termo pessoa com
deficincia seria o mais apropriado, tendo em vista que a expresso portador traria uma
conotao negativa associada a doena,42
sendo aquela utilizada inclusive em inmeros
instrumentos internacionais, como por exemplo a Conveno sobre os Direitos das Pessoas
com Deficincia (Decreto n. 6.949 de 25 de agosto de 2009).43
Como observa Antonio Rulli Neto, um primeiro passo na integrao do indivduo
sociedade seria deixar de caracteriz-lo como diferente e deficiente, mas como igual a
todos, com algumas necessidades diferentes daquelas que as demais pessoas tm.44
Afastar as barreiras impostas quanto maneira de se referir ao deficiente sugere
uma maior legitimidade para a categoria e uma conquista contra o fantasma da
discriminao.
39
FVERO, Eugnia Augusta Gonzaga. Op. cit., p. 21. 40
SASSAKI, Romeu Kazumi. Terminologia: sobre a deficincia na era da incluso. Disponvel em: . Acesso em: 18 jun. 2011. 41
FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O trabalho da pessoa com deficincia... Op. cit., p. 270. 42
FVERO, Eugnia Augusta Gonzaga. Op. cit., p. 22. 43
BRASIL. Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009. Disponvel em:
. Acesso em: 25 jun. 2011. 44
RULLI NETO, Antonio. Op. cit., p. 34.
26
Assim sendo, no presente trabalho sero utilizadas como sinnimas, no sentido da
lngua portuguesa, as terminologias pessoa deficiente (expresso mais sinttica) ou
pessoa com deficincia (expresso mais alargada) para englobar todas as formas de
deficincias, entendendo ser esta a expresso mais alinhada com a viso contempornea.
1.3 Abrangncia do conceito de pessoa com deficincia
De introito, cumpre destacar que o conceito de pessoa com deficincia foi abordado
no ordenamento jurdico brasileiro e em inmeros instrumentos internacionais.
Da mesma forma como traado nas linhas pretritas sobre a questo terminolgica,
delimitar um conceito sobre a pessoa com deficincia requer uma anlise detalhada dos
posicionamentos doutrinrios, bem como das normas e instrumentos legais nacionais e
internacionais, tendo em vista sua amplitude e complexidade.
Convm destacar, segundo a Conveno Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficincia, ratificada pelo Brasil atravs do Decreto n. 6.949 de 25 de agosto de
2009, que:
pessoas com deficincia so aquelas que tm impedimentos de longo
prazo de natureza fsica, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interao com diversas barreiras, podem obstruir sua participao plena e
efetiva na sociedade em igualdades de condies com as demais
pessoas.45
Seguindo essa mesma linha, Sandro Nahmias Melo considera que as pessoas com
deficincias:
so pessoas com certos nveis de limitao, fsica, mental ou sensorial,
associados ou no, que demandam aes compensatrias por parte dos
prprios portadores, do Estado e da sociedade, capazes de reduzir ou
eliminar tais limitaes, viabilizando a integrao social dos mesmos.46
45
BRASIL. Decreto n. 6.949/2009. Op. cit. 46
MELO, Sandro Nahmias. Op. cit., p. 52.
27
O conceito ora mencionado destaca a necessidade de medidas compensatrias por
parte do Estado e da sociedade, mas tambm atitudes afirmativas e positivas por parte da
prpria pessoa com deficincia, tendo em vista sua capacidade de superar as limitaes e
integrar-se sociedade.
Nesta senda, a Conveno n. 159 da Organizao Internacional do Trabalho (OIT),
ratificada pelo Brasil atravs do Decreto n. 129, de 18 de maio de 1991, considera: pessoa
deficiente todas as pessoas cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado
e de progredir no mesmo fiquem substancialmente reduzidas por deficincia de carter
fsico ou mental devidamente comprovada.47
Assim sendo, resta claro que referido conceito destaca o carter funcional das
deficincias fsicas ou sensoriais e determina a observncia, pelos pases signatrios, do
engajamento nas atividades de integrao e viabilizao das atividades profissionais desta
categoria diferenciada.48
Outra norma internacional devidamente ratificada pelo Brasil, sendo-lhe, portanto,
conferida a condio de lei nacional, a Conveno Interamericana para a Eliminao de
Todas as Formas de Discriminao contra as Pessoas Portadoras de Deficincia, tambm
denominada como Conveno da Guatemala. Referida norma conceitua o termo
deficincia como sendo: uma restrio fsica, mental ou sensorial, de natureza
permanente ou transitria, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades
essenciais da vida diria, causada ou agravada pelo ambiente econmico e social.49
Atualmente, o ordenamento jurdico brasileiro define deficincia, deficincia
permanente e incapacidade com base no art. 3 do Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de
1999, a saber:
47
ORGANIZAO INTERNACIONAL DO TRABALHO OIT. Conferncia Internacional do Trabalho
Conveno n. 159. Disponvel em: .
Acesso em: 10 jul. 2011. 48
GUGEL, Maria Aparecida. O trabalho do portador de deficincia: comentrios ao decreto n. 3.298/99.
Gnesis Revista de Direito do Trabalho. Curitiba: Gnesis, v. 15, n. 88, p. 564-572, abr. 2000. 49
BRASIL. Decreto n. 3.956, de 8 de outubro de 2001. Disponvel em:
28
I - deficincia toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou funo
psicolgica, fisiolgica ou anatmica que gere incapacidade para o
desempenho de atividade, dentro do padro considerado normal para o
ser humano;
II - deficincia permanente aquela que ocorreu ou se estabilizou
durante um perodo de tempo suficiente para no permitir recuperao ou
ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e
III - incapacidade uma reduo efetiva e acentuada da capacidade de
integrao social, com necessidade de equipamentos, adaptaes, meios
ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficincia possa
receber ou transmitir informaes necessrias ao seu bem-estar pessoal e
ao desempenho de funo ou atividade a ser exercida.50
Ato contnuo, uma leitura atenta do art. 4 do Decreto n. 3.298/99, cuja redao foi
atualizada aps inmeras discusses pelo Decreto n. 5.296, de 2004, aflora uma
conceituao tcnica almejada pelo legislador, no sentido de definir qual a deficincia
capaz de receber a proteo jurdica.
Neste diapaso, so consideradas pessoas com deficincias as que se enquadram nas
seguintes categorias:
I - deficincia fsica alterao completa ou parcial de um ou mais
segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da funo
fsica, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia,
monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia,
hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputao ou ausncia de membro,
paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congnita ou
adquirida, exceto as deformidades estticas e as que no produzam
dificuldades para o desempenho de funes;
II - deficincia auditiva perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e
um decibis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqncias de
500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz;
III - deficincia visual cegueira, na qual a acuidade visual igual ou
menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correo ptica; a baixa
viso, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com
a melhor correo ptica; os casos nos quais a somatria da medida do
campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60; ou a
ocorrncia simultnea de quaisquer das condies anteriores;
IV - deficincia mental funcionamento intelectual significativamente
inferior mdia, com manifestao antes dos dezoito anos e limitaes
associadas a duas ou mais reas de habilidades adaptativas; e
V - deficincia mltipla associao de duas ou mais deficincias.51
. Acesso em: 10 jul. 2011. 50
BRASIL. Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Disponvel em:
. Acesso em: 18 dez. 2012. 51
BRASIL. Decreto n. 3.298/1999. Op. cit.
29
Tendo em vista os termos tcnicos utilizados no artigo 4, inciso I, da norma ora
ventilada, se faz necessrio para melhor entendimento do tema um estudo das definies
utilizadas no tocante deficincia fsica, a saber:
Amputao perda total ou parcial de um determinado membro ou
segmento de membro;
Paraplegia perda total das funes motoras dos membros inferiores;
Paraparesia perda parcial das funes motoras dos membros inferiores;
Monoplegia perda total das funes motoras de um s membro
(inferior ou superior);
Monoparesia perda parcial das funes motoras de um s membro
(inferior ou superior);
Tetraplegia perda total das funes motoras dos membros inferiores e
superiores;
Tetraparesia perda parcial das funes motoras dos membros inferiores
e superiores;
Triplegia perda total das funes motoras em trs membros;
Triparesia perda parcial das funes motoras em trs membros;
Hemiplegia perda total das funes motoras de um hemisfrio do corpo
(direito ou esquerdo);
Hemiparesia perda parcial das funes motoras de um hemisfrio do
corpo (direito ou esquerdo)
Ostomia interveno cirrgica que cria um ostoma (abertura, ostio) na
parede abdominal para adaptao de bolsa de fezes e/ou urina; processo
cirrgico que visa construo de um caminho alternativo e novo na
eliminao de fezes e urina para o exterior do corpo humano (colostomia:
ostoma intestinal; urostomia: desvio urinrio);
Paralisia Cerebral leso de uma ou mais reas do sistema nervoso
central, tendo com conseqncia alteraes psicomotoras, podendo ou
no causar deficincia mental;
Nanismo deficincia acentuada no crescimento.52
No tocante viso monocular apesar da ausncia de previso no Decreto n.
3.298/99, mas em razo da publicao da Lei n. 14.481, do Estado de So Paulo, de 13 de
julho de 2011 , que ser abordada pelo presente trabalho em captulo especfico, resta
classificada como deficincia visual.
Portanto, destaca-se que as pessoas com surdez unilateral, com deficincia mental
leve, ou ainda com deficincia fsica que no implique na impossibilidade de execuo
52
BRASIL. Ministrio do Trabalho e Emprego. A incluso das pessoas com deficincia... Op. cit., p. 21.
30
normal das atividades do corpo53
no so computadas pela norma regulamentar como
pessoas com deficincias.
Nesta linha, sob o prisma do ordenamento jurdico brasileiro, a conceituao da
pessoa com deficincia decorre da interpretao conjunta do conceito inserido na
Conveno n. 159 da OIT, bem como da anlise dos arts. 3 e 4 do Decreto n. 3.298/99,
com as alteraes introduzidas pelo Decreto n. 5.296/0454
e a observncia da Lei n.
14.481/11, do Estado de So Paulo.
Por fim, e com absoluto realce, utilizando como base estrutural a funo social do
Direito do Trabalho, observa-se que a pessoa com deficincia no pode ser considerada
incapaz para o trabalho, existindo a plena possibilidade de insero social, um direito
inviolvel e constitucionalmente garantido.
53
BRASIL. Ministrio do Trabalho e Emprego. A incluso das pessoas com deficincia... Op. cit., p. 19. 54
COSTA, Sandra Morais de Brito. Dignidade humana e pessoa com deficincia: aspectos legais e
trabalhistas. So Paul: LTr, 2008.
31
2 AS NORMAS DE PROTEO DA PESSOA COM DEFICINCIA
NO MBITO INTERNACIONAL
No tocante aos direitos e garantias da pessoa com deficincia no panorama
internacional, sero abordadas algumas consideraes referentes s declaraes, normas e
convenes elaboradas pela Organizao das Naes Unidas (ONU), pela Organizao
Internacional do Trabalho (OIT), pela Organizao dos Estados Americanos (OEA) e pela
Unio Europeia, e, ainda, ser realizada uma anlise comparativa de algumas normas
abrangidas pelo Direito estrangeiro.
Nota-se que as normas internacionais sempre exerceram forte influncia sobre o
constituinte brasileiro, sendo necessrio um estudo profundo desta legislao internacional
especfica.
Assim sendo, para aprimorar o estudo do tema ora apresentado, procurar-se- traar
uma linha do tempo, apontando uma evoluo das diretrizes tomadas pelas organizaes
internacionais quanto elaborao de normas destinadas a resguardar os direitos e
garantias da pessoa com deficincia.
2.1 Organizao das Naes Unidas ONU
A Organizao das Naes Unidas (ONU), fundada em 24 de outubro de 1945 e
formada por pases reunidos voluntariamente para trabalhar pela paz e pelo
desenvolvimento mundiais,55
foi responsvel pela elaborao de um dos mais importantes
instrumentos internacionais, a Declarao Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela
Assembleia Geral das Naes Unidas em 1948 como resposta s atrocidades cometidas
durante a Segunda Guerra Mundial. Assim sendo, possvel afirmar que este instrumento
influenciou inmeros programas e outros documentos posteriormente elaborados e
relacionados ao direito da pessoa com deficincia.56
55
ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS ONU. Conhea a ONU. Disponvel em:
. Acesso em: 16 nov. 2012.
32
Neste caminho, Fbio Konder Comparato destaca que: Os direitos definidos na Declarao
de 1948 correspondem, integralmente, ao que o costume e os princpios jurdicos
internacionais reconhecem, hoje, como exigncias bsicas de respeito dignidade
humana.57
Portanto, relevantes valores foram traados e sopesados pela referida Declarao,
como, por exemplo, a capacidade de gozar de direitos e liberdades sem distino de
qualquer espcie (raa, cor, sexo, lngua, religio ou qualquer outra natureza ou condio),
o direito vida, a proibio de toda e qualquer forma de escravido, o direito de
locomoo, a liberdade de expresso e pensamento, e, ainda, o reconhecimento de direitos
relacionados s condies de trabalho.
Assim sendo, a Declarao aborda com clareza o reconhecimento do direito
seguridade social e ao trabalho como direitos universais do homem:
Artigo XXII Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito
segurana social, realizao pelo esforo nacional, pela cooperao
internacional e de acordo com a organizao e recursos de cada Estado,
dos direitos econmicos, sociais e culturais indispensveis sua
dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
Artigo XXIII 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, livre
escolha de emprego, a condies justas e favorveis de trabalho e
proteo contra o desemprego.
2. Todo ser humano, sem qualquer distino, tem direito a igual
remunerao por igual trabalho.
3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remunerao justa e
satisfatria, que lhe assegure, assim como sua famlia, uma existncia
compatvel com a dignidade humana e a que se acrescentaro, se
necessrio, outros meios de proteo social.
4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar
para proteo de seus interesses.58
Em resumo, referido instrumento pode ser entendido como o alicerce da luta
universal contra a opresso e a discriminao, ao passo que constitui uma importante
56
GOLDFARB, Cibelle Linero. Op. cit., p. 48. 57
COMPARATO, Fbio Konder. A afirmao histrica dos direitos humanos. 3. ed. So Paulo: Saraiva,
2004, p. 224. 58
ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS ONU. Declarao Universal dos Direitos Humanos.
Disponvel em: . Acesso em: 16 nov. 2012.
33
conquista dos direitos humanos e marco primordial do reconhecimento dos direitos
fundamentais.
Seguindo neste mesmo caminho, e demonstrando como recente a preocupao
com a pessoa com deficincia, no dia 20 de dezembro de 1971 a Assembleia Geral das
Naes Unidas promulgou a Declarao de Direitos do Deficiente Mental, que traou
pontualmente os direitos e as formas de proteo do deficiente mental, tendo sido
abordados inmeros aspectos, dentre eles a segurana econmica, a ocupao til e, ainda,
a proteo tutelar especializada.
Assim sendo, ampliando este reconhecimento de direitos e garantias, em 9 de
dezembro de 1975 foi aprovada pela ONU a Declarao dos Direitos das Pessoas
Portadoras de Deficincia, garantindo a igualdade de direitos, sem exceo, distino ou
discriminao decorrente de qualquer motivo, com intuito de assegurar a dignidade
humana.
Resta claro que referida Declarao tratou da necessidade de se legislar sobre
medidas que alcanassem capacitao das pessoas com deficincias, para que as
necessidades desta categoria de pessoas fossem observadas e consideradas quando do
planejamento econmico e social de todos os pases:
5. As pessoas deficientes tm direito a medidas que visem capacit-las a
torn-las to autoconfiantes quanto possvel.
6. As pessoas deficientes tm direito a tratamento mdico, psicolgico e
funcional, incluindo-se a aparelhos protticos e ortticos, reabilitao
mdica e social, educao, treinamento vocacional e reabilitao,
assistncia, aconselhamento, servios de colocao e outros servios que
lhes possibilitem o mximo desenvolvimento de sua capacidade e
habilidades e que acelerem o processo de sua integrao social.
7. As pessoas deficientes tm direito segurana econmica e social e a
um nvel de vida decente e, de acordo com suas capacidades, a obter e
manter um emprego ou desenvolver atividades teis, produtivas e
remuneradas e a participar de sindicatos.
8. As pessoas deficientes tm direito de ter suas necessidades especiais
levadas em considerao em todos os estgios de planejamento
econmico e social.59
59
ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS ONU. Declarao dos Direitos das Pessoas Portadoras de
Deficincia. Disponvel em: . Acesso em: 16
nov. 2012.
34
Visando viabilizar o processo de integrao social das pessoas com deficincias,
restou includo no texto da Declarao o direito ao tratamento mdico, psicolgico e
funcional, bem como aspectos destinados reabilitao mdica e social.
Ato contnuo, em 1982 foi aprovado pela ONU o Programa de Ao Mundial para
as Pessoas com Deficincia, Resoluo n. 37/52, contendo como princpios bsicos a
igualdade de oportunidades, de educao e de trabalho, buscando uma participao plena
desses indivduos. A Assembleia Geral das Naes Unidas, atravs da Resoluo n. 37/52,
proclamou a United Nations Decade of Disabled Persons, compreendendo os anos de 1983
at 1992. E, ao final do mencionado lapso temporal, em 14 de outubro de 1992, foi
institudo pela ONU o Dia do Deficiente (3 de dezembro).60
Referido programa elencou diversas medidas a serem adotadas pelos pases como
forma de viabilizarem a execuo dos objetivos traados, como, por exemplo, a criao de
bases jurdicas e legislao especfica acerca dos direitos educao, ao trabalho,
seguridade social, a proteo contra tratamento desumano ou degradante, o acesso ao meio
fsico (transporte pblico e acesso aos edifcios e instalaes pblicas), entre outros.61
Utilizando como base a experincia adquirida durante a Dcada das Naes Unidas
para as Pessoas com Deficincias (1983-1992), no ano de 1993 a ONU aprovou as Normas
sobre Equiparao de Oportunidades, sublinhando que as pessoas com deficincias, bem
como seus pais, tutores e organizaes, devem participar ativamente no planejamento e
execuo de todas as medidas que possam afetar os direitos civis, polticos, econmicos,
sociais e culturais.62
Nesse passo, em 1994 quando da aprovao da Declarao de Salamanca, restou
60
COSTA, Sandra Morais de Brito. Op. cit., p. 25. 61
GOLDFARB, Cibelle Linero. Op. cit., p. 54. 62
FUNDAO DE ARTICULAO E DESENVOLVIMENTO DE POLTICAS PBLICAS PARA PCD
E PCAH NO RIO GRANDE DO SUL FADERS. Cartilha Atitudes que fazem a diferena com PCD.
Disponvel em: . Acesso em: 17 nov.
2012.
35
destacada a preocupao com a educao especial para a pessoa com deficincia.63
Assim, sem estender a anlise acerca de todos os instrumentos aprovados pela ONU
e relacionados pessoa com deficincia, necessrio mencionar, por fim, a Conveno
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia e seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova York no dia 30 de maro de 2007. Considerando que o Brasil depositou
o instrumento de ratificao em 1 de agosto de 2008, restou promulgada a referida
Conveno atravs do Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009.64
Trata-se de relevante instrumento de aprimoramento dos direitos humanos,
reconhecendo que a discriminao contra qualquer pessoa, por motivo de deficincia,
configura violao da dignidade e do valor inerente ao ser humano, e, ainda, aprofundando
a preocupao com o fato de que, no obstante diversos instrumentos e compromissos
elaborados, as pessoas com deficincias continuam a enfrentar barreiras contra sua
participao como membros iguais da sociedade e violaes de seus direitos humanos em
todas as partes do mundo.
Necessrio salientar que a Conveno o tratado de direitos humanos que mais
rapidamente restou aprovado na histria do Direito Internacional, sendo assim o resultado
de inmeras negociaes que se iniciaram quando da criao de um comit especial para
sua elaborao em 2002.65
2.2 Organizao Internacional do Trabalho OIT
A Organizao Internacional do Trabalho (OIT) foi criada em 1919 como parte do
Tratado de Versalhes, que colocou fim Primeira Guerra Mundial, sendo certo que passou
a editar normas denominadas convenes e recomendaes. Destaca-se que a OIT a
nica das agncias do Sistema das Naes Unidas com uma estrutura tripartite, composta
63
ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS ONU. Declarao de Salamanca sobre princpios,
polticas e prticas na rea das necessidades educativas especiais. Disponvel em:
. Acesso em: 17 nov. 2012. 64
BRASIL. Decreto n. 6.949/2009. Op. cit. 65
COSTA, Sandra Morais de Brito. Op. cit, p. 69.
36
por representantes de governos e de organizaes de empregadores e de trabalhadores.66
Neste caminho, cumpre destacar os quatro objetivos estratgicos da OIT:
(i) liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociao
coletiva;
(ii) eliminao de todas as formas de trabalho forado;
(iii) abolio efetiva do trabalho infantil;
(iv) eliminao de todas as formas de discriminao em matria de
emprego e ocupao, a promoo do emprego produtivo e de qualidade, a
extenso da proteo social e o fortalecimento do dilogo social.67
Segundo o posicionamento do doutrinador Arnaldo Lopes Sssekind:
A atividade normativa da OIT, desde sua criao, importou numa
significativa inovao do Direito Internacional, porquanto as convenes
adotadas nas sucessivas reunies da sua Conferncia contm normas cujo
destino a incorporao ao direito interno dos Estados que manifestarem
sua adeso. Como escrevemos alhures, com esses tratados multilaterais,
abertos ratificao dos Estados-membros da Organizao, o Direito
Internacional Pblico no mais se limitou a dispor sobre as relaes
exteriores dos Estados. E, sobretudo aps a segunda guerra mundial, a
ONU e os organismos internacionais especializados que integram o seu
sistema, assim como instituies regionais, passaram a adotar o modelo
utilizado com sucesso pela OIT.68
Seguindo este entendimento, necessrio ponderar que, quando ratificada a
conveno, esta passa a ter fora normativa e a integrar o Direito positivo dos Estados
signatrios, sendo certo que cria obrigaes internacionais. Por outra esteira, as
recomendaes constituem meras sugestes aprovadas pelas conferncias no tocante aos
pontos que sero incorporados s convenes, ou seja, apenas orientam a ao dos Estados-
membros.
Assim sendo, comprovando o aumento do interesse da comunidade internacional
sobre o tema, em 1955 ocorreu a publicao da Recomendao n. 99, sendo este o primeiro
66
ORGANIZAO INTERNACIONAL DO TRABALHO OIT. Histria. Disponvel em: . Acesso em: 17 nov. 2012. 67
ORGANIZAO INTERNACIONAL DO TRABALHO OIT. Apresentao. Disponvel em:
. Acesso em: 20 nov. 2012. 68
SSSEKIND, Arnaldo Lopes. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 65-
66.
37
texto elaborado pela OIT sobre a relao de emprego da pessoa com deficincia, a qual
declarou que todos os indivduos com limitaes, de qualquer origem ou natureza, tm
direitos aos meios de reabilitao profissional para que possam exercer um labor adequado
s suas limitaes.69
De acordo com o texto da Recomendao, necessrio direcionar a ateno dos
Estados para organizar e desenvolver programas contnuos e coordenados de servios de
adaptao e readaptao profissional, utilizando-se da colaborao de outros organismos
pblicos e da coordenao de atividades entre todas as entidades encarregadas de
tratamento e reintegrao das pessoas com deficincias.70
Referida Recomendao sugere que todos os meios de readaptao profissional
sejam colocados disposio das pessoas com deficincias, independentemente da origem
ou natureza da deficincia, estimulando-se, inclusive, que os empregadores proporcionem
formao profissional para os deficientes. Acrescenta, por fim, que a adaptao e
readaptao profissional devem ser ajustadas s necessidades e s circunstncias de cada
pas.
Nesta mesma linha, Cibelle Linero Goldfarb aborda o texto da Recomendao, nos
seguintes termos:
Segundo a Recomendao 99, as medidas para aumentar as
oportunidades de obteno e manuteno de emprego pelas pessoas
portadoras de deficincias devem ser adotadas, tanto quanto possvel, em
estreita cooperao com organizaes de empregadores e de
trabalhadores e devem pautar-se nos seguintes princpios: (a) as pessoas
portadoras de deficincias devem gozar, do mesmo modo que as pessoas
no-portadoras de deficincia, da oportunidade de serem admitidas em
trabalho para o qual estejam qualificadas; (b) as pessoas portadoras de
deficincias devem ter a ampla oportunidade de aceitar o trabalho que
lhes convenha com empregadores de sua prpria escolha e (c) devem ser
enfatizadas as habilidades e as capacidades de trabalho das pessoas
portadoras de deficincia.
J sinalizando a possibilidade de introduo de uma poltica de cotas,
prev a Recomendao que, sempre que compatvel com a poltica
nacional, o emprego de pessoas portadoras de deficincia deve ser
69
MELO, Sandro Nahmias. Op. cit., p. 90. 70
LOPES, Glaucia Gomes Vergara. A insero do portador de deficincia no mercado de trabalho: a
efetividade das leis brasileiras. So Paulo: LTr, 2005, p. 26.
38
promovido mediante: (a) contratao, por empregadores, de um
percentual de pessoas portadoras de deficincia que no acarrete a
dispensa de outros trabalhadores; (b) reserva de determinadas ocupaes
para pessoas portadoras de deficincia; (c) dispositivos que permitam dar
s pessoas portadoras de graves deficincias oportunidades de emprego
ou preferncia em certas ocupaes consideradas adequadas; e (d)
incentivo para a criao e a instalao de cooperativas ou outros
estabelecimentos similares geridos por pessoas portadoras de deficincia
ou em seu nome.71
preciso sopesar, ainda, que a Recomendao surgiu em um perodo posterior
Segunda Guerra Mundial, sendo certo que a quantidade numerosa dos mutilados de guerra
foi responsvel por uma imensa parcela das contas da previdncia social dos pases
envolvidos nos conflitos. Assim sendo, apesar do cunho assistencialista, este foi o incio da
reintegrao das pessoas com deficincias ao mercado de trabalho.72
Ato contnuo, visando afastar uma das prticas mais corriqueiras no mundo do
trabalho, a discriminao, a Conveno n. 111 foi adotada pela Conferncia Geral da OIT
em 1958, e aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 104, de 24 de novembro de
1964, sendo ratificada em 26 de novembro de 1965, entrando em vigor aps um ano, em 26
de novembro de 1966.73
Portanto, para os fins da referida Conveno o termo discriminao compreende:
a) toda distino, excluso ou preferncia fundada na raa, cor, sexo,
religio, opinio poltica, ascendncia nacional ou origem social, que
tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de
tratamento em matria de emprego ou profisso.
b) qualquer outra distino, excluso ou preferncia que tenha por efeito
destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em
matria de emprego ou profisso que poder ser especificada pelo
Membro interessado depois de consultadas as organizaes
representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e
outros organismos adequados.
2. As distines, excluses ou preferncias fundadas em qualificaes
exigidas para um determinado emprego no so consideradas como
discriminao.74
71
GOLDFARB, Cibelle Linero. Op. cit., p. 44-45. 72
LOPES, Glucia Gomes Vergara. Op. cit., p. 26-27. 73
ORGANIZAO INTERNACIONAL DO TRABALHO OIT. Discriminao em matria de emprego
e ocupao. Disponvel em: . Acesso em: 17 nov. 2012. 74
Ibidem.
39
Da anlise do texto em comento, denota-se que no sero consideradas
discriminaes as distines, excluses ou preferncias fundadas em qualificaes exigidas
para um determinado emprego.
Assim sendo, a Conveno n. 111 no s define o que seria discriminao, mas
estabelece o compromisso dos pases signatrios quanto formulao e aplicao de uma
poltica nacional voltada a promover a igualdade de oportunidades e tratamento em matria
de emprego, sendo certo que, de acordo com o texto da Conveno, as medidas cabveis
sugeridas so:
a) esforar-se por obter a colaborao das organizaes de empregadores
e trabalhadores e de outros organismos apropriados, com o fim de
favorecer a aceitao e aplicao desta poltica;
b) promulgar leis e encorajar os programas de educao prprios a
assegurar esta aceitao e esta aplicao;
c) revogar todas as disposies legislativas e modificar todas as
disposies ou prticas administrativas que sejam incompatveis com a
referida poltica;
d) seguir a referida poltica no que diz respeito a empregos dependentes
do controle direto de uma autoridade nacional;
e) assegurar a aplicao da referida poltica nas atividades dos servios
de orientao profissional, formao profissional e colocao
dependentes do controle de uma autoridade nacional;
f) indicar, nos seus relatrios anuais sobre a aplicao da conveno, as
medidas tomadas em conformidade com esta poltica e os resultados
obtidos.75
Importante mencionar que a Conveno busca valorizar o princpio da igualdade e
evidenciar a necessidade de medidas prticas de integrao das pessoas com deficincias ao
mercado de trabalho, destacando-se inclusive que, no tocante ao conceito de emprego e
profisso, inclui-se o acesso formao profissional, ao emprego e s diferentes profisses
e s condies de emprego.
Outra Conveno que merece especial ateno a Conveno n. 159, sendo certo
que restou aprovada pela Conferncia Internacional do Trabalho em 1983. Ato contnuo,
referida Conveno foi aprovada pelo Brasil atravs do Decreto Legislativo n. 51 de 25 de
75
OIT. Discriminao em matria de emprego e ocupao. Op. cit.
40
agosto de 1989 e ratificada em 18 de maio de 1990, entrando em vigor um ano aps, em 18
de maio de 1991.
A Conveno n. 159 define o conceito de pessoa com deficincia alinhando os
seguintes parmetros: [...] todas as pessoas cujas possibilidades de obter e conservar um
emprego adequado e de progredir no mesmo fiquem substancialmente reduzidas devido a
uma deficincia de carter fsico ou mental devidamente comprovada.76
Reforando a ideia destacada na Conveno n. 111, a Conveno n. 159 adota o
princpio da igualdade de oportunidades entre os trabalhadores deficientes e os
trabalhadores em geral, atravs de medidas estatais positivas.
Art. 4 Essa poltica dever ter como base o princpio da igualdade de
oportunidades entre os trabalhadores deficientes e dos trabalhadores em
geral. Dever-se- respeitar a igualdade de oportunidades e de tratamento
para as trabalhadoras deficientes. As medidas positivas especiais com a
finalidade de atingir a igualdade efetiva de oportunidades e de tratamento
entre os trabalhadores deficientes e os demais trabalhadores, no devem
ser vistas como discriminatria em relao a estes ltimos.77
Portanto, resta cristalino que as medidas positivas oriundas do Poder Estatal no
configuram discriminao, e sim corroboram para o alcance da igualdade efetiva de
oportunidades e de tratamento entre os trabalhadores deficientes e os demais trabalhadores.
Assim sendo, ratificar a Conveno n. 159 significa obrigar-se a formular, aplicar e
revisar continuamente a poltica nacional referente readaptao profissional e ao emprego
da pessoa com deficincia, devendo ser observadas as condies nacionais, experincias e
possibilidades de cada pas-membro.
Segundo o entendimento da doutrinadora Glaucia Gomes Vergana Lopes:
A finalidade primordial dessa poltica a de assegurar que existam
medidas adequadas de reabilitao profissional ao alcance de todas as
categorias de pessoas portadoras de deficincia e promover
76
ORGANIZAO INTERNACIONAL DO TRABALHO OIT. Reabilitao profissional e emprego de
pessoas deficientes. Disponvel em: . Acesso em: 18 nov. 2012. 77
Ibidem.
41
oportunidades de emprego para as mesmas no mercado regular de
trabalho.78
possvel entender que umas das justificativas para a elaborao da Conveno n.
159 tenha sido o relevante progresso observado aps a elaborao da Recomendao n. 99,
no tocante real compreenso das necessidades de reabilitao e organizao dos servios
de reabilitao, bem como ao avano da legislao sobre o tema.
Neste caminho, Guilherme Jos Purvin de Figueiredo traou um comparativo entre
os seguintes textos:
Confrontando-se os textos da OIT de um lado a Recomendao n. 99
e, de outro, a Conveno n. 159 e a Recomendao n. 168 nota-se uma
significativa evoluo. Com efeito, poca da Recomendao n. 99, a
OIT analisava a forma de assistncia ao portador de deficincia, para que
este se ajustasse s necessidades do mercado de trabalho. Em outras
palavras, a OIT ainda no levava em considerao a necessidade de
adoo, pela sociedade, de uma atitude de reconhecimento do portador
de deficincia como parte da comunidade, com necessidades que devem
ser atendidas para que sua participao social se d de forma isonmica.
Os textos subseqentes, adotados pela Conferncia Internacional do
Trabalho, em 1983, dentro de uma nova perspectiva, passam a enfatizar a
necessidade de um desenvolvimento dinmico da comunidade na busca
da promoo de servios de habilitao e reabilitao profissional, assim
como de oportunidades de trabalho para as pessoas portadoras de
deficincia.79
Assim, como ser traado nas linhas futuras do presente trabalho, a mencionada
diferena foi observada inclusive na legislao brasileira, sendo certo que inicialmente a
pessoa com deficincia era tratada unicamente sob o enfoque assistencialista e,
posteriormente, buscou-se observar a reintegrao ao convvio social e ao mercado de
trabalho.
Nota-se que o texto da Conveno n. 159 incentiva a consulta s organizaes
representativas de empregadores e de empregados, e s organizaes representativas da
pessoa com deficincia, no tocante aplicao das medidas a serem adotadas para
78
LOPES, Glucia Gomes Vergara. Op. cit., p. 36. 79
FIGUEIREDO, Guilherme Jos Purvin de. A pessoa portadora de deficincia fsica e o princpio da
igualdade de oportunidades no direito do trabalho. In: Direitos da pessoa portadora de deficincia. Coleo
Advocacia Pblica & Sociedade, n. 1, So Paulo: IBAP Instituto Brasileiro de Advocacia Pblica; Max
42
promover a cooperao dos organismos pblicos e particulares que participam nas
atividades de reabilitao profissional.
Por derradeiro, resta mencionar que em 1983 a OIT adotou a Recomendao n. 168
sobre readaptao profissional e emprego de pessoas com deficincias e apontou inmeras
diretrizes relativas necessidade de adoo de polticas de incluso ao mercado de trabalho
das pessoas com deficincias.
Cibelle Linero Goldfarb, de forma escorreita, sintetiza as diretrizes traadas pela
referida Recomendao, a saber:
(a) incentivos econmicos a empregadores que ofeream treinamento e
emprego a pessoas portadoras de deficincia; (b) apoio criao de
emprego protegido; (c) cooperao entre oficinas protegidas e de
produo; (d) apoio a servios de treinamento profissional, orientao
vocacional, de emprego protegido e de colocao administrados por
organizaes no-governamentais; (e) criao e desenvolvimento de
cooperativas de pessoas portadoras de deficincia; (f) apoio criao e
desenvolvimento de indstrias de pequeno porte, de cooperativas e de
outros tipos de oficinas de produo; (g) eliminao de barreiras e
obstculos fsicos, arquitetnicos e de comunicao; (h) facilitao de
adequados meios de transporte aos locais de reabilitao e de trabalho;
(i) divulgao de informao sobre casos concretos e bem sucedidos de
integrao no mercado de pessoas portadoras de deficincia; (j) isenes
fiscais relativamente aos materiais relacionados a treinamento e
reabilitao; (k) criao de emprego de tempo parcial; (l) pesquisa e
aplicao de seus resultados; e (m) eliminao das possibilidades de
explorao no campo do treinamento profissional e do emprego
protegido.80
Portanto, ntida a preocupao quanto necessidade de extenso das polticas
voltadas reabilitao profissional, sendo reforada a relevncia da figura das associaes
de empregadores e empregados. Desta feita, a Recomendao n. 168 ratifica e
complementa as orientaes trazidas pela Recomendao n. 99.
2.3 Organizao dos Estados Americanos OEA
A Organizao dos Estados Americanos (OEA) foi fundada em 1948 com a
Limonad, 1997, p. 97-104.