gilberto ribeiro vieira · 2018-02-06 · cristo representa para todos nós suave e profundo...

Gilberto Ribeiro Vieira

Rio Branco, 2012

Copyright © Gilberto Ribeiro Vieira, 2012

Projeto gráficoSamuel Tabosa de Castro

Impressão e acabamentoLER Editora Ltda.

Todos os direitos reservados.Nenhuma parte desta publicação poderá ser armazenada ou reproduzida

por qualquer meio sem a autorização por escrito do autor.

DaDoS INTERNaCIoNaIS DE CaTaLoGação Na PubLICação (CIP)

Vieira, Gilberto RibeiroDeuS / Gilberto Ribeiro Vieira . – Rio branco: Edição do autor, 2012.236 p. 21 cm.

ISbN 978-85-904202-3-1

1. Metafísica. 2. Teologia. I. Título.

CDu 111122

obra em conformidade com o acordo ortográfico da Língua Portuguesa

Contato com o autor: [email protected]

PREFÁCIO

as palavras do Cristo, segundo ele próprio, são espírito e vida (João, 6:63). Elas estão impregnadas de vibração superior, tocando as almas e atraindo-as para Deus. Contudo, alguns autores renomados acreditam que o Cordeiro, portador de tantas qualidades e investido de poderes singulares, tivesse linguagem destinada aos homens de sua época...

Tal confusão atravessa os séculos até hoje e o Mestre indaga: por que não entendeis a minha linguagem? (João, 8:43). Exegetas brilhantes criam escolas cristãs, codificadores reúnem mensagens elucidativas, estudiosos realçam aspectos proeminentes. Mas, o idioma do Evangelho se lhes resiste. Então, circunscrevem-no à conveniência de suas teorias, destacando mais a sua doutrina do que a do Cristo.

Ele próprio, no entanto, responde à indagação: Por não poderdes ouvir a minha palavra (João, 8:43). Jesus recorre constantemente a uma entidade impessoal, denominando-a Filho, Filho do homem, Filho de Deus ou, simplesmente, Cristo. Há que divisá-la como o Eu celeste, gerado pelo Criador, e que habita inviolável núcleo no âmago de cada ser, constituindo-se de excelsas virtudes que refletem plenamente a sua origem. a utilidade do Evangelho universaliza-se quando o “eu” – tão frequente em seu discurso – não se limita a Jesus, mas aplica-se a quem o pronuncia, ao repetir as suas categóricas afirmações. assim, Eu e o Pai somos um

(Jo, 10:30) torna-se expressão geral, pertinente a todos os rebentos. E o livro deixa de ser apenas a biografia de um iluminado para se transmutar no Manual da Relação entre o Pai e Seus Filhos, evidenciando a linguagem mais inteligente que se poderia conceber...

ainda que a criatura negue ou recuse a sua procedência sagrada, os atributos – herdados graciosamente da Eterna Videira – permanecem incrustados em seu espírito. Recobertos pelo pó da matéria, abafados pela fuligem da ignorância ou turvados pelo musgo da insensatez, sobrevivem imaculados e atuantes, conservando-se no exato molde com que surgiram pelo Sopro Divino.

busca o reino dos céus com o teu pensamento e o teu coração e o encontrarás em ti mesmo. Contempla-o nas coisas simples da natureza e te convencerás de Sua Perfeição. Medita nas palavras do Cristo e te sentirás na presença do Supremo Poder, em constante interação com os Seus descendentes. De fato, o Evangelho constitui sol límpido nas almas, arejando mentes e corações de espiritualidade, compaixão e obediência. Mas, a principal contribuição do Cristo é ligar-te de novo ao teu próprio Eu e a Deus. E do Eu, emanação celeste em ti, jorram para tua boca e mãos, ouvidos e olhos, a sabedoria e a paz, o amor e a verdade a te guiar em todas as escolhas e empreendimentos rumo à união permanente com o Senhor.

Gilberto Ribeiro Vieira

INTRODUÇÃO

Há muito tempo as palavras do Cristo me despertam grande interesse e funda reverência.

ultimamente, dei-me o privilégio de estudá-las da maneira mais livre que sou capaz, procurando entendê-las conforme o próprio Evangelho. Isso significa admitir que ele contenha em si mesmo uma doutrina, cujo conhecimento representa a fórmula adequada e suficiente para se elucidar todas as suas particularidades e eventuais contradições.

Tal postura decorre de visão global da narrativa dos evangelistas e, de modo específico, do versículo: a minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou (João, 7:16). Durante muitos anos, eu acreditei que o discurso de Jesus fosse apenas uma série de leis morais, desprovida de conteúdo doutrinário. Ledo engano! o pensamento do Cristo – como ele próprio o diz – enfeixa doutrina densa e profunda, concentrada nos temas fundamentais da gênese.

Procurei redigir comentários curtos, visando expor as ideias com clareza, mas sinteticamente. Por entender que o assunto preferido do Cristo é revelar o relacionamento e/ou identificação entre o Pai e o Filho (Eu) – ou Criador e criatura – e observando que na língua portuguesa a palavra Deus abarca o núcleo “eu”, optei por denominar este livro de DeuS.

o Senhor contém o Eu, mas é maior do que ele. ...porque meu Pai é maior do que eu (Jo, 14:28).

agradeço à inspiração espiritual anônima que, vencendo minhas imensas limitações, desce e abre os meus olhos, permitindo que me integre ao cântico daqueles que louvam o Todo-Poderoso, segundo a cartilha do Evangelho.

SUMÁRIO

1 O CONSOLADOR ...............................................112 PECADO ..............................................................133 TUA ALMA..........................................................154 A ILHA .................................................................175 A MULHER ........................................................196 PATERNIDADE ...................................................217 DE FORA .............................................................238 CAMINHO, VERDADE e VIDA ..........................259 EU SOU ...............................................................2710 ÚNICO .................................................................2911 ENVIADO ............................................................3112 APROVAÇÃO ......................................................3313 SATANÁS .............................................................3514 SOLTAR ...............................................................3715 MOISÉS ...............................................................3916 DERRADEIRO ....................................................4117 PERTENCES ........................................................4318 TEMPO ................................................................4519 SAÚDE .................................................................4720 SEGUIR ................................................................4921 DEUS É ESPÍRITO .............................................5122 MORTOS-VIVOS ................................................5323 LUZ DO MUNDO ...............................................5524 SIMÃO PEDRO ...................................................5725 ORAÇÃO .............................................................5926 PAZ ......................................................................6127 ALEGRIA .............................................................6328 CEGUEIRA ..........................................................6529 VESTIDOS ...........................................................6730 DAR .....................................................................6931 O REINO DE DEUS ............................................7132 PERDÃO ..............................................................7333 RANGER DE DENTES ........................................7534 A CRUZ................................................................7735 TESTEMUNHO ...................................................7936 TEU NOME .........................................................8137 POR AMOR .........................................................8338 AUTORIDADE .....................................................8539 ANTAGONISMO .................................................8740 CULPA .................................................................8941 QUEM ÉS TU? ....................................................9142 PROFETA ............................................................9343 VISITAÇÃO ..........................................................9544 AQUELA HORA ..................................................9745 TEMPLOS ............................................................9946 MAIOR .............................................................. 10147 SABEDORIA ..................................................... 10348 INDIFERENÇA ................................................. 10549 ENQUANTO ..................................................... 10750 SOLIDÃO .......................................................... 10951 FRATERNIDADE .............................................. 11152 SIMPLICIDADE................................................ 11353 DE ONDE SOIS? .............................................. 11554 SUPREMA INTELIGÊNCIA ............................ 11755 LINHAGEM ...................................................... 11956 NEGAÇÃO ........................................................ 12157 POMBA ............................................................. 123

58 ESTA NOITE ..................................................... 12559 SUBLIMAÇÃO ................................................. 12760 LÍDER ............................................................... 12961 TRINDADE ....................................................... 13162 SACIEDADE ..................................................... 13363 CARÊNCIA ....................................................... 13564 LINGUAGEM ................................................... 13765 UM .................................................................... 13966 MENINO........................................................... 14167 SALVAÇÃO DA CARNE .................................. 14368 DESCER DO CÉU ............................................ 14569 GRITOS ............................................................. 14770 IMUNDÍCIE ...................................................... 14971 A FESTA............................................................ 15172 SINAIS .............................................................. 15373 O SONO ............................................................ 15574 CONTRA ........................................................... 15775 LÍNGUAS .......................................................... 15976 LIBERDADE ..................................................... 16177 GRAÇA .............................................................. 16378 UNIGÊNITO ..................................................... 16579 CICLOS ............................................................. 16780 TERRA e MAR .................................................. 16981 FILHOS DA LUZ .............................................. 17182 INCORRUPTÍVEL ............................................ 17383 PROVAR A MORTE ......................................... 17584 MASCULINO ................................................... 17785 PREGAÇÃO ...................................................... 17986 HUMILHAÇÃO ................................................ 18187 MULTIFORME ................................................. 18388 SEXUALIDADE ................................................ 18589 AFLIÇÃO .......................................................... 18790 CÉU ................................................................... 18991 COISAS CELESTIAIS ....................................... 19192 CIÊNCIA ........................................................... 19393 PERVERSÃO .................................................... 19594 RENOVAÇÃO ................................................... 19795 FAMÍLIA ........................................................... 19996 DOUTRINA ...................................................... 20197 ALÍVIO .............................................................. 20398 CONFIANÇA .................................................... 20599 EGOÍSMO ......................................................... 207100 MORTOS .......................................................... 209101 ESPÍRITO de VERDADE .................................. 211102 O INIMIGO ....................................................... 213103 MONTE SANTO ............................................... 215104 PRECONCEITO ................................................ 217105 SEGUNDO ........................................................ 219106 RENÚNCIA....................................................... 221107 POR QUE? ........................................................ 223108 MISERICÓRDIA ............................................... 225109 OUVIR .............................................................. 227110 O QUE HAVIA .................................................. 229111 DESCENDÊNCIA ............................................. 231112 PECADORES .................................................... 233113 EIS QUE ELE ESTÁ ......................................... 235

11 DeuS

1

O CONSOLADOR

“E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique

convosco para sempre.” – Jesus. (João, 14:16).

Diante das dores mais amargas e dos sofrimentos mais atrozes, o Cristo representa para todos nós suave e profundo consolo porque, apesar de justo e amoroso, padeceu a ignomínia em grau superlativo, traçando-nos seguro caminho para a paz no coração. Recordando-nos dele, na condição de anjo torturado sem causa, nossas angústias se apequenam, nossos fracassos se amenizam e nossas queixas se emudecem.

Entretanto, a criatura que avança no terreno de si mesma encontra, na sua filiação divina, novo e suficiente motivo para também pacificar o íntimo conturbado. Ter sido gerada à Sua imagem e semelhança, albergando em si todos os dons que compõem igualmente o Senhor, basta para manter acesa a confiança no Pai, ainda que tudo em torno aparente perda, caos e desolação.

até alcançares tal nível de compreensão, padecerás oscilações quanto à aceitação dos desígnios do alto. Terás períodos de entusiasmo pleno, alternando com inquietações e dúvidas; ânimo, seguido de desalento; coragem, interrompida pela preguiça; conformidade, sufocada pela revolta. No entanto, a partir de determinado dia, tu te acomodarás por completo ao plano celeste a teu respeito. Então, estarás consolado para sempre.

12 Gilberto Ribeiro Vieira

Reconhecer-se digno da atenção incessante da Providência, representa celeiro inesgotável de conforto, suprimento perene de alegria e encantador oásis para a renovação das próprias forças. Harmonizar-se com a Vontade de Deus significa reencontrar o céu interno permanente. Jesus, o primeiro consolador; o Eu, o definitivo.

o Evangelho persiste ainda como paradigma inigualável para se identificar esta resignação. o Cristo não abandona sua missão, apesar do cerco de injustiças. Cumpre com os seus deveres, mesmo que lhe custe o sacrifício de si mesmo. Esclarece, ampara e abençoa a todos, sem exceção. Crê que o Pai manifesta-se constantemente, submetendo-se a danos e prejuízos – sem murmurações – quando necessário.

Não te prendas, pois, às concepções que reduzem a dimensão do sopro que o Eterno inseriu em tua alma. Foste entalhado para formar unidade com Ele. É da relação básica entre Criador e criatura que derivam todas as demais.

Haverá o Senhor te originado com outro objetivo que não seja partilhar-Lhe a luz e o poder?! É possível que chores hoje devido ao vendaval que te maltrata, porém, um estado de amor e ventura está posto em teu espírito desde quando vieste à existência. Perdoa, trabalha e confia. Deus somente espera que regresses ao convívio de Sua Casa para dar-te, de imediato, o beijo acolhedor e celebrar magnífica festa pelo teu retorno.

13 DeuS

2

PECADO

“Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita

em mim”. – Paulo.(Romanos, 7:20).

Feriste com palavras cortantes, fugiste de retribuir graças recebidas e abandonaste compromissos sagrados. Sabias que tuas atitudes causariam dor imensa, mas não conseguiste conter os impulsos indomáveis.

De nada adiante inculpar quem quer que seja. agiste de modo infeliz porque não cultivaste a paciência, não te penitenciaste como convinha e o tempo obriga-te, agora, a pesadas reflexões.

Mas, sempre existiu, dentro de ti mesmo, titânico confronto. Lá, onde nascem os pensamentos e emoções, brota também luta sem tréguas, para que ajas como anela a tua consciência. Contudo, há momentos em que cedes à tendência menos digna que ainda carregas em teu interior.

o Eu divino que te constitui apela incessantemente para que não te afastes da virtude. Se lhe ouvisses os clamores amorosos render-te-ias incondicionalmente. Tornar-te-ias dócil servidor de sua sabedoria inexcedível, cumprir-lhe-ias todas as ordens com presteza inaudita e imolar-te-ias no altar de suas orientações.

Por qual motivo deixaste que as ideias malsãs tomassem tanto espaço dentro de ti? Que vantagem genuína esperas auferir do erro a que te entregas? Sucumbes ao pecado assim por tão pouco?


Sintoniza-te de novo com o teu próprio Eu. ausculta-lhe a voz doce e austera a conclamar-te para o bem. Esquece o projeto que te cobrirá de vergonha mais tarde – como dirás aos teus amados que fraquejaste no dever mais santo?

Volta ao influxo da tua razão. Deixa sem resposta o melífluo desejo de satisfazer as tuas necessidades, quando elas não se coadunam com a tua fé ou com a paz dos que elegeste para o percurso da vida.

No momento, sentes que te trucidas a ti mesmo, negando-te prazer quase inadiável. amanhã, o tempo te trará a tranquilidade de espírito, com a qual nenhum gozo se compara. Lançar-te no abismo do engano pernicioso ou subir íngreme montanha, na entrega definitiva ao Eu, traduz escolha que fazes na hora de crise profunda, explícita em tua dúvida angustiante.

Centra-te em Deus. Haure-Lhe força e resistência. Insculpe em teu caráter, ainda que à custa de lágrimas, a sublime recomendação de somente fazer aos outros o que gostarias te fosse feito...

15 DeuS

3

TUA ALMA

“A minha alma engrandece ao Senhor.” – Maria.

(Lucas, 1:46).

És alma minúscula e insignificante perante o Todo. aparentemente, poderias ser excluída da criação sem qualquer prejuízo para a coletividade cósmica. Mais dia menos dia, os espíritos que seguem contigo o longo caminho de regresso ao Pai, haveriam de esquecer-te – conformados – guardando de ti apenas saudosa lembrança.

É possível que os entes mais queridos te transformassem somente em afetuosa memória, perdida no passado. Com o tempo, despontariam dúvidas se, de fato, tu exististe mesmo ou foste tão só imaginação ou lenda.

Entretanto, o mesmo não se daria com o Supremo benfeitor. Ele te procuraria em todos os sítios, incansavelmente. Perguntaria a infinidade de gente e vasculharia os ermos mais inóspitos. alguma coisa faltaria n’Ele. Sem dúvida, o Criador não Se sentiria inteiro em face de tua ausência. buscar-te-ia nas cavernas obscuras, nos antros degradados, nos pântanos fétidos. ah! Nunca o Infinito te negligenciaria; jamais estaria pleno sem ti.

Tu és estrela que não pode faltar nos céus. a Providência te segue ininterruptamente. acompanha-te as intenções, contempla-te os mínimos passos e conhece-te os desejos mais profundos.

Deus, sem ti, seria menor. Faltar-Lhe-ia algo essencial. Tu engran-deces ao Senhor. age, pois, com grandeza. Não te rebaixes à luta por


mesquinharias, nem disputes lugar ao sol das vitórias passageiras. anda no mundo com a dignidade daquele que ocupa posição única no reino divino.

Não menosprezes a ti mesmo, ainda que a fome de amor te dilacere as entranhas. olha para o alto. Veste ainda hoje as insígnias celestes com as quais foste criado e deixa-te conduzir pela voz imanente de tua consciência.

Há um majestoso banquete preparado para ti. avia-te. Desde quando surgiste à luz, em eras insondáveis – antes do Tempo – os que perceberam o teu grandioso destino espiritual louvaram com alegria o teu nascimento, decretando que serias bem-aventurado por todas as gerações!

Descerra o teu coração para os que te cercam. São eles, igualmente, centelhas amantíssimas do Eterno. ainda que percebas suas deficiências e imperfeições, ama-os com a graça generosa que só os humildes revelam em sua sede de irmandade.

Expõe o céu que há em ti junto aos sofredores do teu ambiente. alivia a ignorância e ameniza o mal onde estiveres. É por te apequenares, fazendo-te próximo dos caídos e abandonados que a tua alma engrandece ao Senhor.

17 DeuS

4

A ILHA

“É, contudo, necessário irmos dar numa ilha.” – Paulo.

(atos, 27:26).

Por certo, Deus criou o universo integrado. Tudo obedece a leis precisas e inderrogáveis, obrigando-nos a participar e a depender uns dos outros. os seres de todas as esferas dão-se as mãos, quando não o próprio corpo, a fim de que este vasto organismo funcione e a atividade nunca cesse por completo em canto algum.

É justo, pois, que aspires associar-te aos teus afins, compondo família, grupos e classes de diferentes ordens, nos quais possas expressar as qualidades que o Senhor cravou em teu espírito. almejas vivenciá-las com a lealdade, contribuindo para que o conjunto, ao qual te filias, se sobressaia aos olhos d’Ele.

Porém, as tendências são muito desencontradas! Pendem estes para o norte, outros se lançam rumo ao sul. alguns defendem a justiça, diversos se declaram pela misericórdia. Não consegues que prevaleça o bom-senso e a razão. os arrebatados não cedem, os extremistas se impõem e o barco coletivo corre graves riscos.

E, quando sugeres ponderação e equidade diante dos conflitos, deparas-te com a crítica e a intolerância, tornando-te alvo de incompreensão e chacotas. Não te resta outra escolha, exceto entrares em ti mesmo. asilar-te na segurança do reino interior.


Nele, encontras o remanso da presença sagrada do Senhor, invariavelmente. Cessa o vozerio, aquieta-se a agitação e desmancham-se as nuvens de discórdia. Estás só, é verdade, mas captas melhor a voz divina que te fala nas profundezas do Eu.

Invocas os companheiros para que se recolham, e também registrem as palavras inefáveis que ressoam no teu entendimento. Elas falam de um mundo de paz e fraternidade, de amor e alegria, em que todos se respeitam e as soluções são alcançadas através do diálogo e da paciência. Nenhuma opinião é desconsiderada, ninguém tiraniza os demais.

assim, tu vês que com o passar dos dias as exaltadas paixões se acalmam, substituídas por inevitáveis desilusões e o remorso lavra abundante colheita junto aos precipitados, incautos e radicais. E, nas horas de angústia do próximo, tu sais de tua ilha interna para os memoráveis serviços de solidariedade.

Desenvolve, pois, o hábito de te refugiar na discrição e no silêncio. Nesse templo admirável decifrarás os mais complexos enigmas e aprenderás a técnica sublime de conversar com Deus, abrigando-Lhe os desígnios em teu coração, ávido de sensatez.

Lembra-te de que o Cristo, muitas vezes, dispensou a multidão e retirou-se para o deserto...

19 DeuS

5

A MULHER

“Vês tu esta mulher?” – Jesus. (Lucas, 7:44).

És forte e decidido. Imprimes notável consistência em tuas atitudes. andas como quem prevê as consequências das escolhas e, portanto, distingues com clareza aquilo que mais te convém. Sabes que urge buscar com determinação para se alcançar o objetivo proposto.

Não admites as fraquezas humanas como justificativa para eventuais insucessos. afirmas que é indispensável extrair ânimo e coragem de qualquer jeito, pois a luta não comporta vacilações. Classificas as limitações dos indivíduos como defeitos inaceitáveis e reprovas asperamente os que se deixam influenciar por seus relacionamentos.

No fundo, acreditas que a razão deve prevalecer em toda a circunstância, sufocando as manifestações de afeto e flexibilidade. as normas devem ser cumpridas, independente do preço, sem exceções.

Mas, olha com cuidado e detectarás que algo geme e se atrofia em teu íntimo. Teu lado feminino, que sente e ama, míngua e se esvai diante do pelotão de tua severidade. a pessoa subjugada pela face masculina se enrijece e resseca. Torna-se competitiva. Espezinha e ridiculariza as demonstrações de simpatia ou delicadeza.

Se te encontras cursando tal trajetória, atenta para o teu próprio coração. Vê que dentro dele palpita anseio legítimo de se dar e querer bem,


clamando pelo direito de expressar sentimentos espontaneamente. Diante disto, não te negues o privilégio de amar, ainda que isso pareça colocar-te em risco de perder o autocontrole.

Sem resgatar a mulher que dormita em tua alma, não vivenciarás pequenos gestos de ternura, tampouco experimentarás as expansões de carinho que abastecem mutuamente os que se afeiçoam. abraça e beija os que te compartilham o dia e te notarás mais nutrido. acaricia-os com os teus olhos...

Exercita a tolerância diante das supostas falhas dos outros, distribui palavras de compreensão para com as demonstrações de culpa alheia, adoçando-lhes o fel das amarguras corrosivas. Desenvolve piedade pelos que se lastimam por erros e deslizes, muita vez sob pungente sensação de irreparabilidade.

E um dia, quem sabe, tocarás o ponto culminante de chorar pela ausência de alguém ou por problemas que te atingem. Então, perceberás que sem desabrochar a tua sensibilidade, não passas de metade – retorcida e machista – clamando em agonia para que te compadeças de ti mesmo e libertes a afetividade, estrangulada em teu peito.

21 DeuS

6

PATERNIDADE

“Temos Abraão por pai...” – João Baptista.(Lucas, 3:8).

Recomenda-nos a mais comezinha regra de gratidão que nunca venhamos a nos esquecer de nossos genitores. Pelo contrário, o avanço da civilização confirma o antigo mandamento que é necessário honrar pai e mãe.

a psicologia reconhece cada vez mais a importância da hereditariedade e da educação familiar na constituição da personalidade. a maioria das pessoas demonstra com sinais categóricos a origem da qual provém. Retrata-lhe os defeitos e as qualidades com inegáveis indícios.

No tocante à influência de uns sobre os outros, fazendo surgir a paternidade intelectual, esse tipo de “filho” também denota características que muito frequentemente espelham a fonte na qual se inspira.

No entanto, vez por outra, algum renovador destoa dos que lhe deram formação física ou lhe marcaram o pensamento e o caráter. Dentre os grandes exemplares de discrepância em comparação aos antepassados destaca-se Jesus Cristo. Sua consciência acerca da paternidade divina e a descrição minuciosa da relação entre o Pai e a Sua prole voejam acima de todos os que o precederam, dentro ou fora da família.

analisa, pois, onde te situas no tema da progenitura. Em que aspectos já te consideras Filho e nos quais ainda te admites filho? Reconheces que


o último, embora fundamental, é passageiro, ao passo que o primeiro é eterno? Quais traços identificas em ti como herdeiro de Deus?

Se não te assenhoreias da tua condição de imortalidade e não te habilitas nas virtudes que o Criador imprimiu em ti, caminhas como demente que se alienou de si próprio. Ficarás vagando de pai em pai, em vidas sucessivas, repetindo incansavelmente a sucessão genética no plano consanguíneo, até o dia em que deslumbrado e feliz te reconhecerás verdadeiro e legítimo progênito do Eterno.

Então compreenderás que Ele te criou, nem mais nem menos, como adorável rebento. Deu-te tudo que dispunha, coroou-te o ser com todos os Seus dons e vela incessantemente por ti. Se os ancestrais humanos já são aptos a se doar e se devotar aos seus amados descendentes, oferecendo-lhes o melhor de si mesmos, imagina os tesouros que o Senhor inseriu em teu espírito!

Já és capaz de venerar os que te deram o corpo e cultuar os que te marcaram a personalidade, então, por que não amar e obedecer ao Infinito na justa proporção?! Começa, portanto, qual pequenina criança – encantada com a figura paterna – a balbuciar o nome d’aquele que te gerou com o ilimitado carinho de Sua Perfeição: Pai...

23 DeuS

7

DE FORA

“E foram, e encontraram o jumentinho preso, fora da porta,

entre dois caminhos, e o soltaram.” (Marcos, 11:4).

É possível que te debatas entre os caminhos, há longo tempo, girando em círculos. Por um lado, preso às necessidades do mundo, pelo outro, o anseio de espiritualização. ora te julgas constrangido a amealhar patrimônio seguro para o porvir, ora te crês pronto a alçar voo rumo à sublimação dos apelos materiais.

À semelhança das criaturas mornas, não te aviltas nos desregramentos mundanos nem te atiras às disciplinas ou renúncias imprescindíveis à ascese do espírito. Conservas-te às portas da virtude – não te envolves, tampouco te afastas. ocorre-te, às vezes, agir de acordo com os postulados do Evangelho, e doas um pouco aqui, colaboras um tanto ali, mas não aderes ao programa de fraternidade declamado por ele. Não atinges a envergadura do cooperador fiel.

Essa ambivalência poderia não ter implicações , caso se restringisse a itens pouco relevantes, contudo, é muito provável que também te sintas dividido em outras questões básicas. amas os que te são próximos ou apenas os suportas? Trabalhas com prazer ou somente te arrastas pelas trilhas do serviço? Pelejas em favor do êxito de teus objetivos ou assistes


o desenrolar das circunstâncias como simples expectador? Comportas-te com lealdade aos teus compromissos afetivos ou estás disponível para eventuais relações paralelas?

Na indefinição em que te demoras, querendo a luz e te omitindo do esforço de produzi-la, arriscas a te chafurdar na lama. Porque tal brecha permite a sintonia com algo que poderá te impelir para o resvaladouro do desastre moral. Mantendo-te do lado de fora das instruções elevadas, abres flanco para o erro, a mentira e a perturbação.

Dois apóstolos foram incumbidos pelo Cristo de buscar distante jumentinho que permanecia inerte, atado ao portão. Se Jesus achou conveniente encarregar alguns discípulos da missão de incluir na atividade do dia um animal tão limitado, ministrando-lhes argumentos caso alguém perguntasse o motivo pelo qual o soltavam, reflete quantas diligências Deus já desencadeou nos céus para que tu também te libertes.

o Senhor te procura agora uma vez mais. ainda que te sintas encarcerado em desejos obscuros, maniatado por indomável preguiça, cabisbaixo de vergonha devido ao peso dos fracassos, aguça os teus ouvidos, pois Ele te chama.

analisa tua vida e o teu ambiente e constatarás que certas pessoas precisam de ti: do teu trabalho, de teu cuidado, do teu sorriso, de tua presença. Eles são os apóstolos enviados pelo alto para te livrar da hesitação. atende-lhes a convocação com alegria e participa, ainda hoje, do inigualável festim de ações junto ao bem.

25 DeuS

8

CAMINHO, VERDADE e VIDA

“Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai,

senão por mim.” – Jesus.(João, 14:6).

É justo que te lances à procura de grandes vultos da humanidade para definir a orientação que mais te apraz ou convém, examinando cuidadosamente as ideias e conceitos de modo que a tua escolha seja bem fundamentada.

Há muito saber espalhado no mundo, facilitando a organização social e aprimorando o espírito. a educação e a religiosidade se reúnem para ofertar diretrizes fidedignas a todos os que militam na carne.

Dentre os instrutores dos diversos segmentos, a figura de Jesus se destaca pelos inexcedíveis ensinos, alicerçados em testemunhos incomparáveis. o Mestre plana em nível elevadíssimo, servindo, com justiça, de farol perfeitamente confiável.

Natural, pois, que o Evangelho se erga ao papel de guia para os mais diversos e intrincados conflitos do coração e da consciência. Nele, a verdade cintila, os caminhos se distinguem, e a vida plenifica.

Contudo, vem o dia em que o embate transcorre à flor de tua delgada pele. Tormentosas decisões extenuam-te por completo, reclamando-te o mergulho em tuas razões profundas e a adesão sincera aos teus mais


santos propósitos. Nesses momentos dramáticos em que protagonizas as lições do Cristo em teus atos e palavras, tu percebes que carregas amores, necessidades e compromissos exclusivamente teus.

Concluis, então, que as assertivas evangélicas – sempre lúcidas e transcendentes – significam o sol e a ponte, o adubo e a chuva, que te levam à adorada terra de ti mesmo, a fim de resgatares o potencial divino entregue pelo Pai à tua perene administração.

Em ti repousam o teu caminho, a tua verdade e a tua vida. Creditá-la a outrem, ainda que o tenhas por perfeitamente iluminado, representa clamorosa tentativa de deserção de insuperável glória. És ínfimo “eu sou”, e descendes do mesmo Ser Supremo que gerou todos os demais, incluindo aquele que tomas por excelente.

olha para dentro de ti e, em volta, para tudo que te cerca. ora e medita. Seria Deus tão estéril a ponto de gerar um único Filho? Haveria de ser ignorante ao extremo de Sua Palavra ficar registrada num só livro ou doutrina?

Levanta-te. Concilia-te com teu Pai. o Senhor não te criou para seguir apenas estrada alheia, ainda que esplendorosa. busca o Eu eterno que habita em ti. Ele é o teu roteiro, tua origem e teu futuro. Nele encontrarás a tua própria identidade celeste. Não chegarás a Criador a não ser pela união integral com o Filho que mora em ti mesmo...

27 DeuS

9

EU SOU

“...se não crerdes que eu sou, morrereis em vossos pecados” – Jesus.

(João, 8:24).

Julgas, com acerto, que Deus é a inteligência suprema e confias plenamente em Sua misericórdia e solicitude. Quando os tropeços e dores te visitam, recolhes-te em fervorosas orações, convicto de que Ele ouve, prestimoso, tuas súplicas comoventes.

admites com fé raciocinada que o Senhor prepara-te jubiloso banquete face às tuas sucessivas vitórias espirituais no campo da fraternidade. Tens sacrificado o teu convívio afetivo e o lazer em favor do bem comum, independente de qualquer reconhecimento.

Não albergas a mínima dúvida que reencarnarás vezes sem conta até pagares o último ceitil que devas à Lei por teres te distanciado do Infinito bem. E que cessado o retorno compulsório à matéria, estarás transformado em espírito puro.

aceitas tacitamente que grande parte dos homens desfechados do invólucro físico permanece nas circunvizinhanças do planeta, influenciando aos que ainda estagiam aqui, resguardada a obediência ao princípio da afinidade mútua.

Por mais louváveis os diversos aspectos que te constroem a crença, todos eles redundarão em teu fracasso, se não observares a exigência quanto


à tua própria identidade. o que pensas que tu és? Não sabes donde vens nem aonde vais, no tocante à tua natureza espiritual? Então, de pouco servem os demais princípios de fé que ostentas com vigor. Caso não incorpores em ti mesmo a convicção de que és fragmento vivo de Deus – o Grande Eu Sou – terás perdido a base na qual se apoia o edifício da tua existência.

Se não te arvoras em célula ativa do Senhor, consciente da filiação plena das virtudes que o compõem, em vão terá o Cristo se sacrificado por ti. Colecionarás muitos postulados nobres, mas permanecerás à margem da comunhão irrestrita, pois te sentirás excluído da gênese, numa espera infinda por acréscimo evolutivo, ao passo que és e sempre foste verdadeiro “eu divino”.

assim, não te apaixones demasiado pela teoria da reencarnação como fundamento de tua fé. o Cristo a endossa, mas não lhe empresta grande destaque. o regresso à carne faz parte dos dispositivos transitórios da ascensão. Jesus, porém, nos revela os princípios eternos e imutáveis. atenta para a importância que o Evangelho atribui à origem celeste de cada Filho, realçando-lhe os caracteres comuns com o Pai. Enquanto não distinguires na criatura traços idênticos aos do Criador, andas morto em ignorância ou incredulidade. a essência espiritual que anima todos os seres te parecerá inexistente ou imperfeita.

29 DeuS

10

ÚNICO

“O Senhor nosso Deus é o único Senhor.” – Jesus.

(Marcos, 12:29).

o Senhor é único, sem concorrentes nem antagonistas. N’Ele se englobam todas as virtudes e potencialidades, num conjunto harmônico, equilibrado e coeso. amor e responsabilidade, perdão e justiça, obediência e liberdade, tudo se expressa com perfeição.

Nada existe fora de Deus – posto que Infinito – implicando Sua Interação primorosa com o criado. Ninguém foge à prestação de contas nem deixa de receber o galardão merecido. o cômputo final depende sempre de ajuste delicado que se processa nas entranhas da consciência individual, sob a Divina Presença.

Neste santuário, qualquer culpa demanda resgate e toda conquista se acrescenta ao espírito. Torna-se, pois, impossível transferir alguma infração a terceiros ou alegar desconhecimento. No chão sagrado de si mesmo, o homem escuta invariavelmente o apelo do Pai e, não raro, Suas admoestações.

E tal arranjo adquire consequências inelutáveis. Exclusivamente um Ser que se mantém inalterado no íntimo de seus Filhos e, além do mais, conserva-Se disponível e amoroso, protetor e autêntico, pode – na ocorrência de desvios por parte de Seus tutelados – recordar e exigir, convencer e retificar.


Posteriormente, quando soçobrados pelo dilúvio das aflições, lembramo-nos, contristados, das advertências sutis, às quais não demos a atenção necessária. Mas o critério para a avaliação é um só: a criatura se defronta com os sentimentos e intenções experimentados na acústica da alma por ocasião das decisões e escolhas.

Nenhuma pessoa, por mais que te conheça, auscultou tuas reflexões silenciosas nem dialogou contigo através de todos os meios possíveis. Somente Deus te compartilhou os momentos integralmente, mesmo quando não te dispunhas ou suspeitavas do teu intercâmbio constante com Ele. apenas o Senhor sabe, em pormenores, o que te trouxe ao estado em que hoje te encontras.

Vives numa época em que a informação e, mais ainda, o conhecimento são componentes fundamentais do poder humano. Por divisar tudo que se passa no recôndito de cada Filho, o Supremo exerce o Poder absoluto. a autoridade que não emana ou não provém d’Ele está fadada ao desaparecimento. O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Por maior o teu prestígio no mundo, chegará o dia em que te sentirás recrutado ao exame obrigatório de consciência. Então, o Pai te inspirará bondade e sabedoria para elaborares o veredicto referente à tua própria conduta. Só Ele detém toda a verdade e sabe tudo o que se acontece em ti e em torno de ti.

31 DeuS

11

ENVIADO

“Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo...”.

(João, 3:17).

Há pessoas que se sentem enviadas ao mundo por forças revolucionárias, a fim de estabelecer novos modelos de governança. Existem aqueles que se creem justificados em suas atitudes ególatras, dizendo-se emissários da Divindade. Temos os entusiastas do sucesso, cultuando a riqueza e o prestígio com avidez desenfreada. Eles se desgastam, aliciando bajuladores e vassalos que lhes secundem as iniciativas.

Surgem outros, mais sensatos, que representam as diversas organizações estabelecidas na sociedade. Falam em nome das instituições e das classes, contribuindo um tanto mais, um tanto menos – segundo os valores que carreiam na alma – para o bem da comunidade.

Medita a quem serves no teu dia a dia! Pretendes ser representante de Deus? Convém, então, analisar que o Senhor enviou seus Filhos “ao” e não “para” o mundo. Dentre os princípios listados pelo Cristo em sua doutrina, sobressaem a eternidade, a obediência e a verdade. Como te avalias em relação a esses quesitos?

a criatura consciente de sua imortalidade transita na carne à semelhança do samaritano: de viagem. Sua permanência aqui é passageira. Não se envolve com gente, lugares, metas, quando não se ajustam à sua


trajetória espiritual. Seus liames afetivos priorizam aqueles que obedecem à Vontade do Senhor, demonstrando que o cérebro está acima do coração e, portanto, o conduz. Finalmente, em todas as circunstâncias, usa de sinceridade com fartura.

Desse modo, se te diriges pelas ordens divinas, procede com a exuberante liberdade que as lições do Evangelho te facultam. Chama e incentiva os teus amados para seguirem contigo, mas não te prendas nem te escravizes aos propósitos que elegeram. No esforço heroico de atraí-los ao sol da vida plena, não os censures pelas paixões que ainda nutrem por coisas mundanas. Nem condenes os valores sociais que lhes servem de estímulo. Como disse Jesus, é mister que venham escândalos (Mt, 18:7).

Prepara-te porque os desenganos serão lancinantes, e a realidade inexorável os visitará em breve tempo. Sê para os abençoados de teu afeto, a presença amorosa que padece ombro a ombro e auxilia a soerguer sem recriminações. Enxuga-lhes as lágrimas e estreita-os no próprio peito, pois verificarás, consternado, que a terra absorveu-lhes todos os objetivos e enganou-os com promessas quiméricas de felicidade.

É que ao assumir tua identidade de Filho de Deus, recobras também o teu papel de irmão. Nesse caso, diz a escritura que foste enviado não para julgar o mundo, mas para salvá-lo. Então, quando o sofrimento e a culpa levantam barreiras à expressão da verdade – ainda que pertinente – faze silêncio e estende mãos fraternas.

33 DeuS

12

APROVAÇÃO

“E fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens...” – Jesus.

(Mateus, 23:5).

É confortante saber que as pessoas aprovam os nossos projetos e ações. o reconhecimento alheio preenche nossa necessidade interna de confirmação e alimenta a nossa autoestima. Sentimo-nos aceitos e estimulados a perseverar em nossas realizações.

Sem dúvida, a apreciação coletiva acerca do que se faz ou deixa de se fazer é indicador importante. Convém, pois, ao se tomar qualquer decisão, permanecer atento à opinião dos que te rodeiam, de modo a prever suas possíveis reações.

Ninguém se julgue acima do impacto da rejeição dos familiares ou da condenação social. Tais fatores podem exercer pressão psicológica insuportável, desencadeando graves transtornos íntimos.

Por outro lado, não te agarres em demasia ao conceito que o mundo expressa pela tua imagem ou tuas obras. Isso te acarretaria abominável servidão.

Pondera quanto esforço se despende com a finalidade de impressionar os olhos e os ouvidos daqueles que assistem às festas, cerimônias, espetáculos e solenidades. aparentemente, os fatos, sentimentos e crenças são considerados incapazes de granjear a atenção e o parecer favorável dos


presentes, envidando-se para adorná-los com inúmeras formalidades ou teatralizações.

o Evangelho entoa de ponta a ponta magnífico louvor à simplicidade. Jesus recusa-se terminantemente, em diversas ocasiões, a oferecer sinais do céu aos que lhe demandam evidências desse teor como critério para considerá-lo verdadeiro profeta. Ele respeita a todos os indivíduos, porém não se desdobra em feitos que visem alcançar a aprovação de quem quer que seja.

afinal, o homem daquela época – tanto como o de hoje – carece renovar sua percepção a respeito das questões espirituais. Que valor tem, portanto, o seu aplauso ou incenso? Qual importância se deve atribuir ao seu julgamento contrário?

Entra em ti mesmo. Elabora os teus ideais à luz da Presença Divina e batalha pela consecução deles. Não te doam as críticas nem te desanimem as incompreensões. Medita sobre elas e extrai-lhes os eventuais benefícios.

Volta cada vez mais tua consciência para obter o elogio de Deus. Só Ele, em Sua Ilimitada bondade, sabe avaliar os teus movimentos e dificuldades. Nesse percurso, a aclamação generalizada traduz enorme estorvo. assim, monta no jumento (Mt, 21:7) de tuas convicções profundas e dá ao alarido popular a benção da tua indiferença.

35 DeuS

13

SATANÁS

“E, após o bocado, entrou nele Satanás.” (João, 13:27)

a leitura superficial do texto evangélico faz supor que o pão dado por Jesus a Judas continha ingredientes satânicos. Tal entendimento, porém, patenteia incoerência absoluta com toda a trajetória do Cristo no sentido de iluminar o ser humano, livrando-o da influência do mal.

Contudo, a narrativa evangélica permite-nos profundas reflexões. Quantas pessoas ao longo dos séculos transformaram a nutrição sagrada em instrumento de discórdia e opressão!

Por mais eloquente o testemunho de perdão que Jesus concedeu ao mundo, diversos líderes – citados ainda hoje como heróis da cristandade – terçaram espadas sangrentas e expediram anátemas implacáveis, assemelhando-se a ovelhas possuídas pelo demônio, em perversa coabitação.

Existe no discurso do Cristo margem para esses clamorosos desvios? o pão do céu veio contaminado, de algum jeito, com tentações diabólicas irreprimíveis?

Certamente que não. Cada qual leva, em si mesmo, o lado sombrio que não suporta as claridades do amor e da união com as demais criaturas irmãs. Satanás é um recanto no coração e na inteligência do homem que resiste ao bem, ofende-se quando não é o vencedor, blasfema ante o


sofrimento, cultiva a presunção e engendra a vantagem exclusiva para si. Experimentas idêntica sensação sempre que te revoltas contra os limites determinados pela tua condição de Filho, e não te curvas às consequências de tuas escolhas ou aos imprevistos da vida. Só Deus tudo é e tudo pode.

É verdade que muitos indivíduos empolgaram-se com a sua própria face envilecida e perpetraram maldades tão horríveis que personificam espécie de diabo. Contudo, crês que o Senhor haja gerado qualquer de seus progênitos para o erro ou o pecado? ou que algum deles possa infringir eternamente as leis que regem a criação? São apenas afastamentos temporários – ainda que longos – que culminarão com o regresso de todos aos braços generosos do Pai.

observa que o discípulo Judas se destacou pela pressa em projetar a figura de Jesus na horizontalidade do globo terrestre, negligenciando a interiorização da boa Nova em si mesmo. Portanto, se sentes enlevo pelo chamamento de Jesus e inscreveste o teu nome entre os seus seareiros, cuida para que a luz que há em ti não seja arrebatada pelo resíduo de nódoas que ainda abrigas. Humilhar-te perante as circunstâncias – expressão da Vontade de Deus – ainda é o mais excelente antídoto contra todo germe de rebeldia, o emblema do inferno...

37 DeuS

14

SOLTAR

“... soltai e soltar-vos-ão...” – Jesus. (Lucas, 6:37).

Planejas dedicar-te ao entretecimento de laços afetivos inquebrantáveis. acreditas que as relações verdadeiras estão entre os principais tesouros que se deve acumular existência afora. Empenhar-te-ás na fidelidade aos compromissos com extrema retidão.

Sabes quanta alegria desfrutam aqueles que com paciência e carinho constroem família harmoniosa e acolhedora. Também conheces o trabalho diário que exige a edificação desse monumento. Mas, candidatas-te à meta com o coração recheado de esperanças.

Trazes o pensamento firme de que te consagrarás ao bem dos familiares, esquecido de ti mesmo. Serás um com eles, tanto nos dias alegres como nos tristes. a nau doméstica representa o teu patrimônio mais importante e a felicidade dessas pessoas o alvo prioritário de tua vida.

Contudo, os dias suscitarão diferenças significativas entre os participantes da longa viagem. as personalidades mostrarão tendências incompatíveis de uns com os outros e a união claudicará em momentos cruciais. atitudes antagônicas, humores inconciliáveis, opiniões divergentes, tudo conspirará contra o teu ideal de tolerância e paz. assim, inevitáveis rachaduras surgirão, maculando o teu aveludado sonho.


ao se desenhar esse quadro em tua realidade, liberta os teus diletos para que se revelem como, de fato, o são. Deixa que se exprimam em seus ímpetos e temores, afinidades e aversões, respeitando-os qual se apresentam. Não tentes impor-lhes a concórdia e a amizade que, por enquanto, não evidenciam capacidade de usufruir. Desprende-os para as experiências que escolhem para si mesmos, na certeza de que Deus também os ampara com idêntico amor ao que manifesta para contigo. Não os sufoques com o teu projeto quando não consigas atraí-los para a tua grande causa.

Só não te afastes do exercício constante das virtudes que elegeste para aureolar tuas palavras perante eles e o mundo. a maneira mais eficaz de contribuir para a renovação dos entes queridos é aceitá-los e, ao mesmo tempo, ser alguém em paz consigo mesmo, com o Senhor e o outro. Quanto mais livres os mantiveres, ainda que regados com o teu inalterável afeto, maior independência sentirás para centrar-te em teus próprios objetivos, de acordo com a fé que acrisolas em tua alma.

Solta-os e estarás soltando a ti mesmo. E perceberás que as migalhas de tua compreensão resultam no incremento da autoestima dos que vinculaste ao teu roteiro. No devido tempo, eles serão felizes e amigos entre si, reproduzindo alhures a tua lição de ternura e liberdade.

39 DeuS

15

MOISÉS

“Porque Moisés, desde os tempos antigos, tem em cada cidade quem

o pregue...” – Tiago. (atos, 15:21).

Desde quando te voltaste para a chama ardente da mensagem de Jesus, percebeste o conflito enorme entre os seguidores de Moisés e os ensinamentos evangélicos.

a cultura estruturada em princípios rígidos de justiça rechaçou com veemência a novidade cândida do perdão. Nada é mais transtornante para o raciocínio limitado da punição automática do que a possibilidade de relativizar as penas.

Na verdade, o Cristo manteve a justiça como alicerce primaz em sua doutrina, contudo, acrescentou na compaixão pelo criminoso elemento igualmente básico. Essa divisória ainda separa muitas criaturas no mundo, sob tal ou qual argumento ou ideologia. Quando o aprendiz do Evangelho não age com dignidade compassiva em relação aos infratores – sejam ou não de seu círculo pessoal – nega a própria crença que afirma esposar.

Desse modo, a propagação do pensamento cristão pelos continentes afora tem como símbolo, na prática, o esforço do discípulo de Jesus de colocar-se no lugar do transgressor da lei ou dos costumes e desejar ou fazer por ele o que gostaria lhe fosse feito em idênticas circunstâncias. Não que ele pretenda inocentar delinquentes pertinazes ou réus confessos,


mas porque se preocupa antes com a recuperação deles e não com a mera execução das sanções.

Se te encontras presentemente matriculado na seara cristã, não te percas no estudo minucioso da história do judaísmo, porque o Cristo resumiu a lei e os profetas a apenas dois mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo (Mt, 12:40). Caso te agrade, leia-os como se faz à tradição de qualquer pátria, com seus erros e acertos, virtudes e imperfeições. Não admitas que nação alguma tenha o privilégio de “povo escolhido” perante o Criador, tal como nenhum indivíduo é mais Filho d’Ele do que os demais. Pai imparcial, vela incessantemente pelos países e suas gentes. Talvez o sentimento exclusivista de raça predileta do Senhor tenha atraído para os judeus as perseguições injustas e os holocaustos bárbaros e inaceitáveis que os vitimaram no curso dos séculos.

Portanto, se a Cântico Galileu te convoca, dá-lhe preferência em teu estudo e pregação. o Cristo ainda representa a maior autoridade espiritual para os homens. bebe dessa fonte inesgotável de humildade e desliga-te de todo o conceito de supremacia religiosa ou racial. Suas palavras – quando bem entendidas – possibilitam a compreensão de doutrina consistente de fraternidade universal. Por que, então, não te concentras com afinco no aprendizado e exercício da Grande Revelação e deixas Moisés e os profetas para aqueles que ainda não reconhecem Jesus como o Messias?

41 DeuS

16

DERRADEIRO

“... vai, e assenta-te no derradeiro lugar.” – Jesus. (Lucas, 14:10).

acostumadas à evidência, muita gente se angustia quando os holofotes se deslocam para outros focos. Protagonizam cenas espetaculosas, armam dramas inesperados por questões irrisórias, tudo com o fim de preservarem o primeiro lugar na atenção dos que os cercam ou os assistem.

Habituados a mentir, certos homens exibem avantajada rigidez para se arrepender de suas próprias atitudes. Reforçam justificativas esdrúxulas ou imputam à generalização do mal a desculpa pelos seus gestos inconvenientes, tentando assim banalizar o equívoco e resguardar a situação lucrativa que ocupam.

o pódio e a fama, o troféu e o êxito constituem os objetivos de avultado número de criaturas. Canalizam anos e anos em treinamentos, estratégias, articulações e manobras capazes de garantir-lhes esmagadora vitória sobre os oponentes, nos mais variados tipos de competição imagináveis. Ser o melhor, tornar-se o campeão, receber o prêmio da categoria e ser indicado para esta ou aquela função exemplificam alternativas da dinâmica social que fascina o mundo.

Disputar, competir e concorrer são verbos que movem o planeta. aos vitoriosos, o prestígio e seu séquito de vantagens, sobressaindo-se a riqueza e o poder. o segundo posto ninguém quer. Pessoa alguma se dispõe


ao anonimato nem aceita ausentar-se, com tranquilidade, da ciranda dos torneios. o vice é realmente malvisto.

Tal erva daninha prospera até mesmo nas instituições cristãs e engana a muitos desavisados. Trazem para a seara de amor a psicologia vulgar da concorrência. os cargos são preenchidos através do voto de eleitores da casa, o que promove o distanciamento dos candidatos entre si, repercutindo prejudicialmente na harmonia do grupo. olvida-se a diretriz do Cristo de que a consagração do maior decorre da escala de serviço prestado.

Se te afeiçoaste ao Evangelho, repara com bastante zelo na recomendação de que te acomodes no último lugar. Não te sirvam o segundo, o terceiro ou qualquer outro na lista dos premiados ou triunfadores.

Encolhe-te, rebaixa-te, esconde-te. Em meio aos que não ostentam nada, que nunca se propuseram a vencer competições nem jamais ambicionaram a glória mundana, encontrarás farta coleção de humildade e renúncia. Não percas, sob nenhum pretexto, o honroso privilégio espiritual da derradeira posição. Nesse ambiente modesto, não te envergonharás de ti mesmo, pois não te exigirão coisa alguma além daquilo que sempre foste e sempre és: um Filho de Deus.

43 DeuS

17

PERTENCES

“Pai, dá-me a parte dos bens que me pertence.” – Jesus.

(Lucas, 15:12)

aplicaaplica-se a parábola de Jesus também ao momento em que o Filho solicita ao Genitor os bens com os quais fora gerado, de modo a se lançar no mundo, à distância do Pai. Mas, a simples existência do descendente denuncia que o Senhor já lhe houvera constituído a identidade e ele trazia, portanto, em si mesmo os dons divinos que a Paternidade Celeste jamais lhe negaria. Não foi sem razão que Jesus asseverou: porque como o Pai tem a vida em si mesmo, assim deu também ao Filho ter a vida em si mesmo (Jo, 5:26).

a doutrina do Evangelho suporta constantemente o argumento de que a relação entre Criador e criatura pauta-se na de Pai e Filho. os rebentos pedem e o Eterno generosamente acata suas reivindicações e encaminha ou libera, de modo que novo campo de experiências lhes sirva ao aprendizado responsável.

Desse modo, tomar os pertences pessoais e partir da face de Deus demonstra equívoco básico: o patrimônio do eu foi outorgado à Sua linhagem durante a concepção. Destarte, toda a riqueza espiritual com que a alma é dotada situa-se nela mesma, por imutável legado.

além disso, não há nenhuma terra longínqua onde seja possível afastar-se do altíssimo. Inexiste qualquer esconderijo na criação, apartado


d’Ele. a multidão, porém, clama por recursos exteriores, alienada de seus bens de origem e se julga exilada do Paraíso. a felicidade dela depende de posses de fora. Não se alegra com as virtudes que a Videira bendita a aquinhoou desde sempre e para sempre.

Todos esses desatinos são permitidos pela benevolência Divina. Cada Filho tem a liberdade de agir até mesmo contra a própria consciência. Entretanto, é comum que o tempo lhes exija amargas retificações. Esgotada a novidade, cessada a euforia, ressurge o vazio abominável e a depressão pavorosa.

Se te consideras vivendo num mundo abandonado por Deus – que habitaria somente inatingível altura – pensa que voltarás mais dia menos dia a te sentir no regaço amoroso do Pai, onde quer que estejas. basta lembrar-te do Senhor com nostalgia e o Ele correrá ao teu encontro. E Se te manifestará, instantaneamente, por meio de linguagem inarticulada ou de intervenções providenciais, aquecendo-te o coração e iluminando-te o pensamento.

Neste dia, perceberás que jamais saíste da Casa Paterna e registrarás que a tua verdadeira propriedade esteve dentro ti mesmo, invariavelmente à tua disposição. ou os Céus não te dariam, antecipadamente, todos os bens necessários à tua existência?!

45 DeuS

18

TEMPO

“Ainda não é chegado o meu tempo...” – Jesus. (João, 7:6).

acontece muita propaganda religiosa no mundo. as cidades encontram-se repletas de templos. Contam-se aos milhares o número de representantes e missionários do Cristo no planeta. as instituições que vivem de sua palavra são fortes e ricas. aparentemente, o tempo do Mestre chegou para a coletividade humana.

os meios de comunicação apresentam diversas opções de programas centrados no relato dos evangelistas. apoiando-se de forma literal do discurso de Jesus, decantam-lhe a fé e o poder como intermediário entre o alto e os homens.

Todavia, de igual modo que entre os médicos há muita enfermidade e distúrbios de conduta, no meio dos profissionais religiosos também se depara com incontáveis desviados do caminho santo. assim, a pregação esfuziante que se assiste na atualidade não assegura, por si só, que o tempo de Jesus é chegado de maneira generalizada.

Para discernires com mais proveito, o melhor crivo ainda recomenda que se execute tal análise individualmente. Examina caso por caso. Qual valor dás às vestimentas e aos rituais? Que importância atribuis à riqueza do altar e à imponência do templo? Quais benefícios entrevês na eloquência inflamada do orador e nos testemunhos exaltados dos fiéis?


Não superestimes esses fatores! Diz-nos Jesus que o reino de Deus não vem com aparências exteriores. Procede com calma. Investiga como reage cada criatura quando visitada pelo sofrimento. Eis aí a pedra de toque.

Então, se te propões à função de discípulo do Cristo, medita como vens lidando com a decepção e com as frustrações de todos os matizes. De que maneira as absorve para transformá-las em serviço e doação, desprendimento e fraternidade.

Como te sentes diante do imperativo do perdão e da exigência de te submeteres à Vontade Divina?

Sem demonstrações inequívocas dessas atitudes, podes magnetizar imensas plateias com verbo incandescente, erguer obras colossais, redigir textos elevados e dirigir instituições seculares, contudo, o tempo de Jesus ainda não terá raiado para a tua própria alma.

Sintoniza o teu relógio interior com o Cristo, e o teu coração baterá em uníssono com Deus, pois não terás outra necessidade além de cumprir os desígnios celestes a respeito de ti mesmo.

47 DeuS

19

SAÚDE

“... E todos os que a tocavam ficavam sãos.” (Mateus, 14:36).

as vestes de Jesus transformaram-se, segundo o entendimento do povo, em agente curativo de amplo espectro. De fácil uso e resultados visíveis, passou a despertar interesse generalizado.

No entanto, o alívio que se obtém de forma cômoda, sem maiores esforços ou transformações de conteúdo espiritual, limita-se à solução apenas orgânica ou à adoção de comportamentos convencionais. Grande parte da humanidade pretende só extirpar os sintomas físicos e alterações indesejáveis, dispensando da mínima reflexão sobre a origem psicoespiritual de suas respectivas moléstias.

Daí porque as intervenções cirúrgicas mobilizam grande contingente de enfermos, crédulos na resolução definitiva de seus transtornos mediante a retirada da fração patológica de seus órgãos. Nesse sentido, a introdução de próteses e a realização de transplantes consolidaram a opinião popular quanto à possibilidade de recuperar a saúde por tais mecanismos.

Com certeza, esses recursos não são desprezíveis, pelos benefícios que redundam junto à parcela da população que lhes usufrui o acesso.

Mas, qualquer distúrbio corporal estável ou cíclico resulta de caracte-rísticas semelhantes, radicadas no próprio psiquismo. a dor, por exemplo, em que pese suas multiformes expressões e localizações, origina-se de


processos que envolvem sensação emocional análoga, tais como mágoa ou preocupação, saudade ou angústia, entre outras.

Muita vez, o doente cura-se de suas desordens afetivas e psicológicas espontaneamente, graças às experiências que o meio lhe proporciona ou por sua busca interior. a melhora nesse nível profundo reflete-se no organismo, mais cedo ou mais tarde, ou evita que a futura doença acarrete complicações ou sequelas.

Se te arrimas no Evangelho, não lhe subestimes o poder terapêutico. Evite utilizá-lo como medicação tópica, aplicando-o somente na superfície de tuas palavras ou atitudes. administra-o em doses abundantes na gênese de tuas ideias e sentimentos. Renova-te aos clarões de seus conceitos salutares e faze uso diário do perdão.

Talvez sintas assombrosa dificuldade no início e te presumas cerceado pelas tuas limitações habituais. o desânimo te sitiará as forças da alma. Não te detenhas. Pelo contrário, persevera e confia, porquanto só o amanhã poderá te brindar com a avaliação final positiva, já que segundo o Cristo, a Deus tudo é possível (Mt, 19:26).

49 DeuS

20

SEGUIR

“Eis que nós tudo deixamos, e te seguimos.” – Pedro. (Marcos, 10:28).

Há muitos modos de seguir o Cristo e variados roteiros conduzem à comunhão com ele. Quando o apóstolo Pedro se refere à renúncia indispensável para se cumprir a tarefa cristã, Jesus lhe responde que nos caminhos da fraternidade, o discípulo encontra diversas criaturas com quem estabelece novos vínculos de afeição e irmandade.

Desse modo, enganam-se os que imaginam que a recompensa dos céus só alcança o aprendiz depois desta vida, nos paços espirituais. o prêmio para aquele que abre seu coração para o próximo acontece ainda nas estradas da carne.

Portanto, se te orientas pelo manual salvador do Evangelho, cabe indagar-te o que deixas para trás a fim de assumir o trabalho junto ao Cristo.

É notório que bem poucos abrem mão de riqueza herdada, visando adotar estilo mais simples e tranquilo. Tão grande interesse existe por rendosos dividendos que a figura do Mestre Galileu foi transformada em consultor econômico – sem nenhum fundamento – garantindo prosperidade para todo aquele que se filiar a tal ou qual igreja, desde que contribua com o dízimo regularmente.

Raros abdicam de relacionamentos afetivos inadequados, em tempo hábil, mesmo sob o aconselhamento de familiares ou amigos vigilantes.


Persistem na convivência conflituosa em que não se realizam nem libertam o objeto de sua paixão.

Quão escassos aqueles que recusam a projeção ou estrelato – artístico, político, esportivo, literário... – no meio social, mesmo sabendo o incômodo preço da perda de privacidade, bem como do sensacionalismo que será conferido aos seus mais pequeninos gestos.

Se a interpelação de Pedro ressoa em teu espírito, haverás de lidar com os atrativos mundanos com inusitada prudência. Jesus nos advertiu que não se pode servir a Deus e às riquezas (Luc, 16:13). o mundo tem seus critérios: se por um lado, assalaria regiamente os vitoriosos, pelo outro, rouba-lhes a liberdade, tornando-os reféns dos desejos, caprichos e exigências da massa, sempre volúvel e insatisfeita.

assim, ao compenetrar-te do discipulado cristão, larga no pretérito qualquer procedimento que não se harmonize com a simplicidade evangélica. Não carreies contigo as mesmas atitudes e objetivos que faziam parte do homem velho. Para que não te enganes, julgando seguir a boa Nova e, em verdade, assemelhas-te a reles manipulador, sequioso de lucros e prerrogativas, especialmente em tua conta bancária.

51 DeuS

21

DEUS É ESPÍRITO

“Deus é espírito...” – Jesus. (João, 4:24).

a preciosa definição de Jesus enseja profunda meditação: Deus é espírito, portanto, invisível e impalpável, conforme tudo que pertence à dimensão espiritual. Ele não se restringe ao templo, à instituição, a doutrina nem à teologia que Lhe recorre ao nome. Existe antagonismo incompatível entre os monumentos erguidos para reverenciá-Lo e Sua atuação neles. Quanto maior e pomposo, mais frio e carente do sopro divino.

Se procuras por Deus, no mundo, é necessário ver além da superfície. Encontrá-Lo-ás na essência das coisas, na vida incessante de tudo, na renovação que se opera na humanidade – ainda que lenta – para o bem coletivo.

Também hás de te deparar com o Senhor através de qualquer manifestação inteligente – acanhada ou genial, instintiva ou santificada – que acontece na criação. Lembra-te de que desde o estágio no reino mineral, a partícula etérea apresenta-se e mantém-se com identidade própria, apesar das múltiplas relações que estabelece, demonstrando a força espiritual da criatura. Portadora de eternidade, a emanação celeste evolui para formas e uniões cada vez mais complexas, rumo à sutilização espiritual.

Não deixes de frequentar algum templo e filiar-te a esta ou aquela corrente religiosa, quando te afines com os princípios que ali se veneram.


Mas, jamais creias que o Poder habita somente aquele recinto, embora Sua Misericórdia também ali se patenteie, em todo o caso que alguém ore com fé ou apele por Sua indulgência.

Sendo espírito, pela lógica, Deus criou espíritos. És, pois, dessa estirpe e se te impõe tal condição de nascimento, ainda que hoje te vejas mergulhado no envoltório de carne. a autonomia que gozas no nível mental te permite noção da liberdade absoluta do Senhor.

Enfim, o onipotente Se revela por intermédio do cosmo, Sua obra vasta e inconfundível. Mas, saiba que o universo astronômico é apenas pálida imagem da criação originária. Esta, que te fere os sentidos, representa pintura densa e quase estática daquela magnífica e sempre iluminada, de cunho totalmente espiritual. Deus compôs transcendente Jardim do Éden, onde não há inverno nem noite. Não o concebas, pois, incrustado nalgum recanto deste planeta, idealizando locais paradisíacos concretos.

busca o reino dos céus com o pensamento e o coração e o encontrarás igualmente em ti mesmo. Contempla-o nas coisas simples da natureza e te convencerás de Sua Perfeição. Medita nas assertivas do Cristo e te sentirás na presença do Pai, em constante interação com Seus Filhos. Não tentes materializá-Lo ou personalizá-Lo –completa loucura – porque já estás suficientemente informado que Deus é espírito, e importa que aqueles que o adoram, o adorem em espírito e em verdade.

53 DeuS

22

MORTOS-VIVOS

“A tua filha já está morta...” (Lucas, 8:49).

Há muita confusão entre estar vivo ou morto, e a multidão tende a considerar a vitalidade como decorrente do funcionamento celular generalizado. Quando as funções orgânicas, a exemplo da respiração, circulação, assimilação e excreção, dentre outras, se realizam continuamente, afirma-se que o sujeito vive.

Embora o conceito de morte clínica atravesse etapa de redefinição na atualidade, importa na presente análise, refletir sobre o limitado raciocínio da vida como atributo da vestidura carnal.

Quanta gente transita de casa para o trabalho diariamente e cumpre as obrigações de cidadania a contento, mas julga a existência completamente finalizada quando cessa o dinamismo corpóreo?! Pelejam, labutam e sofrem, todavia, não há futuro, apenas o nada lhes está reservado... Na verdade, são moribundos espirituais – encarcerados no corredor da morte – em prolongada agonia.

outras pessoas complicam ainda mais o panorama. Deixam-se dominar por apatia progressiva que as impede de levar à frente os deveres do dia-a-dia e de manter a convivência com os demais. São mortos-vivos. Tudo lhes parece difícil, tudo sem proveito, tudo entediante.


Muitos deles perambulam pelos consultórios médicos e psicológicos, apinham-se nas igrejas, quando não se paralisam no ambiente doméstico, insulados em seus leitos, colecionando justificativas para os seus próprios fracassos ou atormentando-se com rosário de autoacusações mordazes. Tal conduta agrava ainda mais a situação que os aflige, cumulando a família de inesperada sobrecarga.

Muitos indivíduos aguardam somente que algum profissional os rotule com o diagnóstico de “depressão”, para se entregar ao desânimo total e ao alheamento dos que os circundam, fugindo dos encargos cotidianos, à semelhança do louco que recusa a abençoada medicação que o ajudará a livrar-se da insanidade.

Se os teus problemas te extenuam; se as tuas dores te laceram a alma; se os teus dissabores te azedam o humor, e se as tuas desilusões te cravam no peito a sensação de falta de sentido, olha em torno de ti. observa quantas cruzes ao teu redor, pelas quais tu não permutarias a tua sequer por poucos minutos. Reanima-te. o serviço que reclama tuas mãos e tua boa vontade representa o caminho de libertação que Deus te envia.

Enraíza-te em teus compromissos com coragem e gratidão. banha-te nas águas fortificantes do entusiasmo e da esperança, porque estar vivo ou morto é questão de consciência e depende exclusivamente de ti mesmo.

55 DeuS

23

LUZ DO MUNDO

“Vós sois a luz do mundo...” – Jesus. (Mateus, 5:14).

É impressionante que mesmo diante de afirmativas tão categóricas do Cristo sobre o brilho espiritual do ser humano, o cristianismo tenha se desatinado na desvalorização cabal das criaturas e, simultaneamente, cometido a deificação isolada de Jesus.

Em tempos mais recentes, a idolatria chega ao extremo de afirmar que o sangue de Jesus tem poder. assim, a personificação do Filho em apenas um indivíduo deixa os remanescentes em desonrosa inferioridade. Exceto o Mestre alcandorado, os demais não ultrapassam a condição de figurantes, excluídos da Paternidade Divina.

Não se espanta que tais filosofias pervertidas induzam à mentira e à irresponsabilidade. acreditando-se rejeitado pelo próprio Pai, sem entender a causa, o homem conserva-se alienado e incrédulo. Quando lhe será concedida a bênção da inserção no reino de Deus? Se ao suposto único descendente, aceita-se que o Senhor impôs tormentos tão drásticos, o que não demandará dos enjeitados? Caso o Cristo tenha nos salvado com o seu sacrifício, por que ainda não usufruímos da paz angelical?

Não consintas que as diversas abordagens teológicas ou doutrinárias te surrupiem a dádiva da filiação celeste. Tu és a luz do mundo. É acerca do Eu que repousa a cristalina afirmação do Evangelho. Como diamante que


permanece oculto em meio à pedreira, tu és em ti mesmo, sem qualquer acréscimo vindouro, uma centelha viva do Criador, capaz de exprimir-Lhe os sagrados antecedentes.

Foste gerado com a lei de Deus gravada em tua própria consciência. a não ser que consideres tal dispositivo de somenos importância – o que seria lamentável descaso – estás e estiveste em todos os momentos à altura de exercer a Vontade do Senhor.

alça-te à tua primeva origem. Esparze luz em torno de teus passos. Enobreça com tuas palavras e conduta o mandato para o qual o Pai te destinou. Tens o teu nome escrito nos céus. (Lucas, 10:20)

Quando te doerem as limitações salientes e falhares na luta para concretizar o bem, o amor e a justiça, recomeça o esforço com nova disposição. a vida eterna, que palpita em teu Eu, constitui usina inesgotável na sustentação de tuas energias. Mergulha, mais uma vez, em teus valores espirituais e encontrarás claridade suficiente para guiar-te pelo vale da escuridão e do medo.

É muitíssimo provável que regresses a este mundo em diferentes corpos, mas girando sempre em torno do fulcro luminoso que te caracteriza a identidade divina.

Haverá bem maior e glória superior à de ser Filho da Luz?

57 DeuS

24

SIMÃO PEDRO

“Tu és Simão, filho de Jonas; tu serás chamado Cefas

(que quer dizer Pedro).” – Jesus. (João, 1:42).

Na maioria das vezes, o homem não consegue transcender os vínculos familiares, repetindo a história de seus genitores, com erros e acertos muito semelhantes. apegado à tradição, acorrenta-se ao local de nascimento, reproduz os costumes e guarda-os de forma convencional.

Quando se afasta da linhagem genética e assume outra fonte de inspiração para estruturar a própria personalidade, tende a assimilar cegamente as características do líder escolhido como exemplo para si mesmo. São os filhos de Descartes, de Freud, de Marx e tantos outros...

Muitos pais exercem indisfarçável tirania sobre a descendência, bem como os pensadores originais em relação àqueles que lhes seguem os passos, não tolerando modificações em suas teorias ou estratégias. o estilo, os conceitos e as doutrinas tornam-se dogma, princípio de fé, regra absoluta. Desse modo, qualquer alteração desencadeia ríspida condenação por parte da liderança já consagrada ou de quem se julga depositário dela.

o relacionamento entre Jesus e Simão reformula o esquema de dono da verdade ou condutor egocêntrico. até conhecer o Cristo, o filho de Jonas era tão somente fiel cultor dos hábitos e crenças paternas. No entanto, o Mestre convoca-o para o descobrimento de si mesmo, apontando-lhe –


por intermédio de um novo nome, Pedro – a virtude principal que jazia latente em sua alma.

Chegará a afirmar ao apóstolo: Tu és Pedro, e sobre esta pedra... (Mt, 16:18), denunciando que a natureza espiritual do aprendiz continha a firmeza típica da rocha. E, quando prestes a enfrentar as angústias do Calvário, Jesus o advertiu que ainda se deixava cirandar como trigo (Luc, 22:31), referindo-se à inconstância e vacilações do ardoroso Simão.

Repara em tuas habilidades e pendores, medita em tuas aptidões e anseios e descobrirás o nome com que Deus te registrou nos céus. a Perfeição Divina não erraria em tua denominação, ao te conceder a individualidade e a vida eternas. Descobre-te, ama-te e porfia em expressar com exuberância os dons que o Pai alocou em teu espírito. assim, não te afastes dos desafios que te requisitam as qualidades germinantes em teu caráter.

Sorve o exemplo dos grandes vultos da humanidade como dignos representantes da Providência. Contudo, não te deprecies. o Senhor não espera que te transformes num clone de algum deles, e sim que desenvolvas os talentos celestes que há em ti.

59 DeuS

25

ORAÇÃO

“... não temas, porque a tua oração foi ouvida...”.

(Lucas, 1:13).

Lançaste ao infinito tuas preces comovidas, acreditando-as suficientes para atravessar a imensurável distância que te supões do Criador. apresentaste-Lhe tua contrição pelos erros que cometeste e clamaste, em lágrimas pungentes, pela redução do sofrimento que te vergasta a sensibilidade.

Em tuas súplicas sinceras, relacionaste os bens do quais te julgas despojado, apelando para a Misericórdia Divina no sentido de aliviar-te o rigor da solidão, do vazio, das privações. Sonhas encher tua vida de novos amores, arrebatar de entusiasmo o debilitado coração e já concedeste pleno perdão àqueles que te ofenderam, entregando-os aos cuidados do altíssimo.

o Céu te ouve. Nem sempre a resposta surge imediata, através da reformulação das circunstâncias, contudo, em teu íntimo sentes que tuas forças renovam-se instantaneamente. Verificas que a esperança refaz ninho em teu cérebro e retornas à luta com o ânimo redobrado.

Não creias que o alto Te escute porque repetes orações consagradas de forma cansativa e mecânica. basta que Lhe digas uma única vez, com fervor, por meio da linguagem do sentimento.

algumas pessoas imaginam que não é necessário relatar ao Eterno as suas expectativas particulares, pois Ele as conhece. No entanto, a definição


dos objetivos e recursos precisa ser partilhada. Por isso, é mister que os expresses ao Pai, convertendo-te também em responsável pelos pedidos e resultados alcançados. o teu silêncio ou tua resignação antecipada representa tentativa de transferir para Deus a obrigação da escolha, alienando-te do processo.

Mas, o Senhor te fez partícipe da criação. Não conta apenas com tua obediência irrestrita, mas também que te aventures ao mar largo da comunhão com Ele. Não és somente o servo que deve se submeter, de pronto, aos desígnios superiores em toda a situação. antes, és Filho, chamado à existência para compartir da construção de ti mesmo e do teu fado. Somente depois vem a sujeição às consequências.

Por outro lado, os teus anseios vibrantes, ainda que mudos, são ondas que circulam pelo espaço sem fim. atrairás companhias – inclusive espirituais – sintonizadas com os teus propósitos, quer as convides quer não. Elas te secundam as iniciativas, tanto para o bem quanto para o mal. assim, muita vez, o êxito obtido não tem a influência direta de Deus ou de Seus Prepostos, mas de criaturas vinculadas à satisfação indiscriminada de teus projetos infelizes. De qualquer modo, o final depende do desejo que emitiste com intensidade. Portanto, a tua oração é sempre ouvida!...

61 DeuS

26

PAZ

“Bem aventurados os pacificadores...” – Jesus.

(Mateus, 5:9).

Despontam inúmeros conflitos em situações cotidianas. os apressados demandam aceleração de todos; os impacientes não aguardam pelas providências solicitadas; os tristes queixam-se da falta de elementos motivadores; os entediados criticam as opções naturais de descanso e lazer; os afoitos avançam sobre os concorrentes, abocanhando-lhes as oportunidades; os aborrecidos distribuem irritação e azedume, e os paranoicos enxergam adversários em cada companheiro.

Haverás de encontrá-los, em toda parte. alguns mais assumidos, outros, porém, dissimulados. os primeiros, pela demonstração clara de atitudes, te permitirão manter certa distância e, quem sabe, até desenvolver mecanismo de ajuda. Mas os últimos te envolverão, com mais frequência, na teia de mentiras e astúcias em que se acham presos. Constituem-se exemplares de lobos vestidos de cordeiros.

Muitos deles, em grau maior ou menor, apresentam-se dominados pela ilusão que urge transformar a sociedade, apoiados em teorias sangrentas, afirmando que a paz definitiva será lograda após guerra terrível, a qual consideram justificada.

Todavia, até nos mais distantes rincões deste planeta, se abrires os olhos de ver, contemplarás a figura de algum ser humano pacífico. Nele morrem todas as desavenças.


Na via pública, é o indivíduo que respeita os transeuntes e os sinais de trânsito, evidenciando notável paciência para com as dificuldades urbanas.

No setor de trabalho, representa o local onde os problemas encontram solução. Se não pode dar encaminhamento ideal, destaca as vantagens da alternativa possível e devota-se ao serviço, calando por completo as reclamações.

No lar, significa o ponto de concórdia, em quem as diversas tendências se aglutinam. Seu coração amoroso entende as razões de cada pessoa e aceita-as de bom grado, enfatizando os aspectos positivos e sugerindo cautela para os riscos eventuais. Quando discorda ou aponta erros, move-se pela necessidade de prevenir transtornos.

Se esse modelo pacifista te parece inadequado, pondera que é mais fácil e produtivo agir dessa forma do que promover o confronto aberto com o meio. Enquanto estagiares em zonas de atrito, não conhecerás a paz verdadeira, que deve brotar de teu próprio âmago. Por que não percebes que Deus atua na essência de tudo, reconstruindo e endireitando com calma o universo rumo à Eterna Luz e entregas-te ao Seu Comando? Não pretendas consertar o mundo, pois tal façanha cabe ao Criador. Contenta-te em ser o melhor que possas, nas qualidades que Ele te transmitiu. Coopera com o Senhor na grande empreitada de harmonia geral e serás chamado Filho de Deus.

63 DeuS

27

ALEGRIA

“Alegrai-vos comigo...” – Jesus. (Lucas, 15:6).

o capítulo quinze do Evangelho de Lucas bem poderia ter A Alegria como título, tal a frequência com que a palavra se repete. Também não seria nenhum despropósito dizer que é a seção dos Achados e Perdidos, pois ali se extraviam a dracma, a ovelha e os filhos.

Contudo, o que mais se destaca é o júbilo que acompanha o reencontro do objeto ou pessoa desaparecida. Espalha-se o contentamento, convidam-se os vizinhos para celebrações, promove-se festa nos cimos celestiais.

Não há suporte para aqueles que intentam reduzir a boa Nova à lúgubre Paixão do Cristo, já que emerge de sua doutrina acentuado regozijo pela recuperação de bens desencaminhados. Tampouco o discurso evangélico se limita a código disciplinar de comportamento, visando recompensa em outra vida. Pelo contrário, o Mestre concita o homem a se sentir feliz por fundar o reino dos céus aqui mesmo.

É possível que criaturas muito amadas escapem-te das mãos, embora te empenhes para aquietá-las junto de ti. Pode acontecer que objetivos intensamente almejados fujam-te à realização. Não te exasperes. Trabalha, espera, confia. o tempo os trará de volta, noutras circunstâncias, noutros ambientes, noutras dimensões...

Diz a sabedoria popular que tudo passa. É provável que também tudo retorne. Quando menos contar, eis que toparás inesperadamente com


os entes queridos – ressurgindo miraculosamente em teus braços – em renovadas experiências de afeto e crescimento espiritual. Todavia, existe uma perda que deves evitar a todo custo. Não te afastes das diretivas de tua consciência nem renegues os teus sentimentos profundos. Pode ser que as condições do momento não te propiciem chance de exteriorizá-los nem expor tuas crenças. Recolhe-te em ti mesmo, exceto se, por injunções, te vejas compelido a declarar os teus ideais e a tua fé.

os cristãos dos primeiros séculos legaram preciosa lição de fidelidade ao Cristo, reunindo-se nas catacumbas para perseverar no estudo de seus ensinamentos. Não se insurgiram contra as autoridades nem deixaram de honrar a memória daquele Filho bendito. Desse modo, é compreensível que chores nos instantes adversos e sombrios. No entanto, refugia-te na certeza de que dias alegres hão de vir. Enfrenta os percalços com ânimo altaneiro porque após vencer os tremendos embates que transcorrem em teu próprio coração, conhecerás de perto o significado da afirmativa de Jesus: Na verdade, na verdade vos digo que vós chorareis e vos lamentareis, e o mundo se alegrará; e vós estareis tristes, mas a vossa tristeza se converterá em alegria (João, 16:20).

65 DeuS

28

CEGUEIRA

“Também nós somos cegos?” (João, 9:40).

Todo o conhecimento pode ser útil aos fins a que se destina, abrindo a visão daquele que o aprecia. a ciência, a filosofia, a arte e a religião são campos de trabalho, onde o ser humano se desenvolve e, ao mesmo tempo, contribui para o aperfeiçoamento da fonte que o nutre.

No entanto, é comum o indivíduo tomar sua minúscula tocha e arvorar-se sumidade em diversas áreas. Rejeita as ideias diferentes, abomina os conceitos antagônicos e condena arrogantemente as divergências.

Montado na sela da intolerância – frequente nos arraiais religiosos – ou estribado na presunção – encontradiça nos meios científico-filosóficos – a pessoa não vê ou não admite nada além do que a sua parca teoria lhe proporciona. ainda assim, dá-se à soberba de conduzir os outros, reproduzindo a célebre advertência de Jesus que se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova. (Mt, 15:14)

Para evitar tamanha catástrofe, o Cristo nos exemplificou rutilante virtude: a humildade. Mune-te dela. Escora-te nessa qualidade fundamental. Recorre à sua influência sempre que necessário. Nunca te canses de dizer: não sei. Na assunção de tua ignorância, admites que haja talvez quem saiba mais acerca deste ou daquele tema. Reduze-te à pequenez que lhe é própria. Por mais sábio e experiente, não passas de fagulha no incêndio esplendoroso da criação.


Não censures a perspectiva pela qual alguém depreende a realidade. ainda que discordes de muitas afirmativas, ali é terreno sagrado da convicção alheia. Instado a opinar, dialogue com respeito, esclareça com modéstia. o crescimento mais fecundo não é o abandono das noções até então cultivadas, e sim a transformação delas pela aragem boa e estimulante que lhe possas ofertar.

o pior cego é aquele que se acredita vidente. Se queres dilatar tua percepção, aceita, antes, tuas limitações. Deus te convida, em múltiplas oportunidades, para ampliar a tua compreensão das diversas ramificações do conhecimento. Estuda, aprende, pesquisa. Todavia, não te apegues a um só livro, a uma só doutrina, a um só autor, a um só mestre. Não os idolatres. Ninguém ou nenhum deles pode expressar o Senhor em Sua Exuberante Complexidade. adotar tal hipótese representa despencar-se no desfiladeiro do fanatismo e da falta de bom-senso.

Se detectas a presença divina em cada ente ou fenômeno e também acima de todo o criado, em sua Individualidade absoluta, és desde hoje grande afortunado, pois em ti se cumprem as palavras do Cristo: Bem-aventurados os olhos que veem o que vós vedes (Lucas, 10:23).

67 DeuS

29

VESTIDOS

“Não andeis cuidadosos (...) pelo que haveis de vestir.” – Jesus.

(Mateus, 6:25).

Dentre todas as vestimentas que o espírito se vale no mundo, destaca-se o envoltório de carne, apto a uso mais ou menos duradouro. Em razão disso, o corpo se presta a manifestações de cuidados justos e necessários, desde a higiene diária, alimentação adequada, atividades físicas e eventuais medicamentos.

Entretanto, o veículo denso ocasiona variada gama de queixas, em especial no que se refere aos padrões de beleza. Produtos químicos, técnicas sofisticadas, cirurgias plásticas, junto a tantos outros, constituem recursos para amenizar ou sanar os descontentamentos. Em que pese os altos custos de certos procedimentos, muita gente investe soma considerável e obtêm modificações significativas em sua aparência, reduzindo seus dissabores diante de seu próprio aspecto.

as transformações alcançadas através desses meios tornam-se programas de televisão, que exaltam o alívio de frustrações por parte dos beneficiados e incentivam o seu emprego em larga escala. o interesse no bem-estar das pessoas camufla, com frequência, a avidez pelos polpudos rendimentos de tais negócios.

Mas, o retoque da compleição orgânica, ainda que atenda aos objetivos destes indivíduos, costuma deixar inalterada a insatisfação que as corrói


por dentro. as reparações externas não suprem a carência de prazer interior. Geralmente, a mudança na fachada não passa de paliativo e, no fundo, persiste o desconforto. Em pouco tempo, julga-se carecente de nova intervenção corretiva...

observa ainda os elementos apresentados como matriz de formosura e investiga o quanto isso lhes proporciona de alegria genuína. Há quem duvide muito dos benefícios advindos do mero envernizamento de superfície, e que deixa inalterado o psiquismo.

Reflete nos riscos aos quais os adolescentes considerados bonitos estão expostos, tão logo floram seus primeiros botões de puberdade, pela atração que despertam nos demais – em particular nos adultos – sendo impelidos a experiências afetivas e sexuais prematuras, de consequências, não raro, extremamente complicadas ou traumáticas.

ante esses fatores, a advertência do Cristo quanto ao zelo com as vestes assume valor bastante atual. Nota que a felicidade é algo bem mais profundo que a simples aparência e livra-te da escravidão à qual a ditadura estética peleja para te confinar.

Se a vida é mais que o mantimento, e o corpo mais do que o vestido, de acordo com o Evangelho, não faz sentido deduzir que o espírito é mais do que o corpo? Consome, portanto, tuas energias no embelezamento de tua alma e não te desiludirás...

69 DeuS

30

DAR

“... porque a vosso Pai agradou dar-vos o reino.” – Jesus.

(Lucas, 12:32).

Muitas pessoas vivem aflitas pelo que se consideram privadas. Esfalfam-se na busca continuada de ampliar seu patrimônio. Inquietam-se por uma fatia a mais de poder nesta ou naquela instituição. Estressam-se por ajuntar novo título ou insígnia à sua já portentosa carreira profissional.

No âmbito da medicina, é comum a afirmação de que o conhecimento se reproduz em velocidade tamanha que aquele, já amealhado, torna-se descartável em pouco tempo. Tal conceito impõe renovação célere de informações inéditas que, por sua vez, já chegam com prazo de validade restrito.

Há sofreguidão! o comércio internacional se estrutura na dinâmica de reposição automática de peças, artigos e aparelhos, antes inclusive de qualquer defeito. o consumismo se ergue como filosofia de vida, direcionando iniciativas e atraindo multidões. Explora-se a sensação de carência do ser humano – ele necessita de algo fora de si, urgentemente.

No entanto, Jesus Cristo afiançou que ao Pai agradou dar-te o reino. Não consta referência a condições nem registro de cláusulas. Deu-te em definitivo!

Para tomar posse de tão valiosa fortuna, é preciso que olhes para ti mesmo. Sai desta postura mendicante, a quem tudo falta, e entra no gozo de tua herança.


abandona as teorias que prescrevem a obtenção das virtudes celestes só quando resgatares algum pecado ou executares determinado trabalho evolutivo. Podes fruir as benesses divinas desde agora. Nada impede que ainda avances no desenvolvimento de dons que o Senhor te aquinhoou, através dos quais reintegras tua consciência à Eternidade. Mas, o Cristo te convida para celebrar, a partir deste momento, que a graça de Deus está posta.

assim, a cada trabalho e em tuas relações, encontrarás mais de ti mesmo para ofertar, extraindo do potencial sublime que o Todo-Poderoso verteu em ti, e perceberás que a ansiedade pelos recursos e valores externos se asserena em teu espírito.

assume, portanto, o cetro do reinado de ti mesmo. os dons que habitam em tua alma são tesouros incalculáveis. Por quanto venderias a tua memória? Quanto vale a tua capacidade de raciocinar? Qual o preço de tua afetividade? Todo dinheiro do mundo não vale um único de teus múltiplos talentos espirituais!

Examina-te a ti mesmo e te certificarás que tens muito mais a doar do que a pedir, a oferecer do que a cobrar, a distribuir do que a reivindicar, já que Deus te transferiu, graciosamente, os Seus genes da resplandecente ciência de se dar.

71 DeuS

31

O REINO DE DEUS

“A que compararei o reino de Deus?” – Jesus. (Lucas, 13:20).

a que comparas tu o reino de Deus?

Por certo, reunirás todos os substantivos e adjetivos, em grau superlativo, e dirás: isso ainda não é o universo original. Pintarás a imagem do Infinito, em sua máxima perfeição e afirmarás que o Senhor transcende qualquer concepção do homem.

Contudo, Jesus, em sua sabedoria ímpar, resume-o da seguinte forma: é semelhante ao fermento que uma mulher, tomando-o, escondeu em três medidas de farinha, até que tudo levedou (Lucas, 13:21).

Mais uma vez, o Cristo aponta para a interiorização do poder celeste, na criatura. Ele não vem com aparência exterior. É algo oculto do mundo, limitado aos olhos do Supremo e do próprio ser humano. Pelo menos no primeiro instante, fica escondido no sentimento e na adoração individual. Se tal sensação não germinar no terreno da alma, na intimidade da consciência à luz da presença divina, não chegará posteriormente a vingar os frutos almejados.

Porém, há um detalhe muito interessante, além do fato de ser recôndito: ele é gradual. Trata-se de processo fermentativo: pequena amostra induz a grande transformação no restante da pessoa.


Portanto, é justo exaltar o valor da paciência. Não se retoma a sensação de plenitude do reino de Deus, de supetão, como por mágica. É uma sequência, mais ou menos lenta, dependendo do ritmo que se impõe a si mesmo. Desse modo, não te aflijas por excelsitude nem arrojos, quando recém inicias a caminhada. Nem te proponhas a testemunhos públicos, logo que ensaias os primeiros passos nas trilhas da fé, porque muitos começam, mas poucos suportam as tribulações.

além disso, observa onde depositas o levedo sagrado. Não desdenhes os serviços pequenos e as tarefas obscuras. Faça-os produzir alimentos nutritivos em tua personalidade. Torna-te mais amoroso, sensato, atencioso. Cresce em espírito!

Quando estiveres sazonado por dentro, a Vida te desvendará novos canteiros de trabalho, mediante variadas incumbências e desafios com os quais te consagrarás ao Pai. Nesse ponto, ocorrerão cruciantes e agudas lições, pois te defrontarás com a ingratidão, o desprezo e a zombaria. Conseguirás vê-los como oportunidades do alto em teu favor?

Lembra-te que se o reino de Deus não desabrochar no meio de ti, embalde o procurarás em toda a parte e terminarás frustrado e descrente. acolhe com amor as sementes que o Senhor plantou em ti, e valoriza a simplicidade, porque ao se referir ao tema o Cristo achou por bem comparar a imensidão celeste a uma pitada de fermento.

73 DeuS

32

PERDÃO

“... perdoados te são os teus pecados.” – Jesus. (Mateus, 9:2).

Deus te perdoou há muito tempo. antes mesmo de transgredires qualquer mandamento da Lei, já houvera o Senhor instituído o perdão como dispositivo eterno de saneamento do mal. Ele remitiu todas as tuas faltas. Restaurou o teu nome no livro dos Filhos queridos e estás reinvestido em teus direitos primordiais.

Esquece os erros deprimentes e as culpas amargosas. Retorna ao convívio da Casa Paterna, que te franqueia as portas com amor inigualável. alija a tristeza e a mágoa de teu coração, dissolve teus queixumes e torna a haurir a prodigalidade de teu Pai.

Talvez tenciones alegar que não consegues te desvencilhar assim, de repente, dos prazeres mundanos ou das animosidades costumeiras. Não te julgas livre o suficiente para auferir as benesses do Criador...

além disso, é possível que não te sintas capaz de desprender-te dos ressentimentos que agasalhas pelas ofensas e injustiças de que foste vítima. Exiges a desforra. Não vês que deixas de lado a tua própria paz para permanecer no lodo e na treva de dias que já longe se foram?

Renasce agora... Entrega-te ao perdão absoluto que o céu te concede espontaneamente. Deixa-te envolver nas cariciosas vibrações d’aquele que te quer só e todo o bem. Rende-te ao Poder que te criou desde sempre um com Ele.


Cismas quanto ao preço de tua recondução ao Plano Divino? Preocupas-te com as tantas dívidas que acumulaste nos dias de ignorância e perversão? o custo exato é te dedicares à felicidade do próximo: brilhar em ti, imediatamente, as virtudes que Deus inseriu em teu espírito e iniciar vida nova. a única condição é que passes a sofrer, em favor do bem – com bom ânimo – tudo aquilo que padecias até hoje por ti mesmo, com ódio e revolta.

o Senhor nunca deixou de te amar. Por isso, oferece-te a irrecusável proposta de perdão... olvida, pois, completamente o passado. Liberta-te do comodismo que te intoxica a alma. Vence a inércia. apressa-te em desfrutar as bem-aventuranças que Ele te reservou desde a fundação do mundo.

Não resistas ao apelo desse amor extremoso que te toca as entranhas mais doridas. Vem, o altíssimo te chama. Faze um gesto, dá uma palavra e Ele virá lesto ao teu encontro e te estreitará num abraço tão fundo e tão vasto como ninguém jamais o fará!

Dobram os sinos, descerram-se as flores, volteiam os pássaros. a Vida festeja. Desata tua alegria porque perdoados te são os teus pecados!...

75 DeuS

33

RANGER DE DENTES

“... ali haverá pranto e ranger de dentes.” – Jesus. (Mateus, 22:13).

Muita gente supõe que burlar a justiça divina seja tão possível quanto fraudar os tribunais terrestres. afinal, não é a inteligência o principal distintivo do homem? assim, por mais que se aperfeiçoem os métodos de investigação e julgamento, no âmbito do Direito, vez por outra surge alguém que, recorrendo a astúcias e álibis, falsidades e calúnias, escapa das sanções e mantém-se sobranceiro, desdenhando a honestidade e a moral.

Embora Jesus Cristo tenha nos orientado a granjear amigos com as vantagens advindas da injustiça que domina a sociedade (Lucas, 16:9), convém lembrar que cada criatura presta contas de si mesma, de tempos em tempos.

Nesse caso, cabe enfatizar que nenhum de teus eventuais credores, cujas sentenças te imponham as mais drásticas penalidades em função de dívidas espirituais que amontoaste no pretérito, pode ser tão cruel contigo quanto a tua consciência. o castigo mais severo é o estabelecido pelo remorso descontrolado.

Mas, o Evangelho te convoca à fraternidade, a fim de que sejas generoso, a começar por teus amigos em dificuldade. Ele clama à tua sensibilidade e indica-te o exercício da compaixão e da solidariedade como preventivo dos grandes desvios.


o serviço desinteressado ao próximo constitui alternativa para que te associes às falanges angélicas que operam no mundo, sem outra exigência a não ser a tua boa vontade. Elas não te pedem atestado de bons antecedentes nem explicações ideológicas. ainda hoje podes coadjuvar no festim de dádivas com que os céus socorrem os desvalidos. E qualquer pequena atitude ganha contornos de grandeza espiritual, quando realizada com discrição, em nome de Deus.

aproveita a chance, porque não poderás evadir-te eternamente do sentimento de culpa. o Senhor plantou tal mecanismo em teu espírito, com a finalidade de garantir a tua recuperação, na hipótese de enveredares pelo despenhadeiro da ignorância e da mentira. um dia, tu te verás magistrado de teus atos pessoais. Então, nem os anjos do Céu te livrarão das penas duríssimas que decretarás para a tua própria emenda.

Destruirás órgãos ou funções em ti mesmo e, se porventura estiveres desvinculado da carne, tua má-formação te acompanhará desde o berço, ao retornares ao plano físico. Renascerás mutilado, cego, surdo, paralítico, deficiente mental, entre muitas outras imperfeições, em demorados e dilacerantes processos de realinhamento ao bem e à ordem. Nesses trâmites escabrosos, tu te recordarás da sábia advertência de Jesus: ali haverá pranto e ranger de dentes. E, tardiamente, te perguntarás por que não aceitaste o convite para ser emissário da caridade?! Custar-te-ia tão pouco, quase nada...

77 DeuS

34

A CRUZ

“Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem...” – Paulo.

(1Cor, 1:18).

Numa cultura que glorifica os campeões, enaltece os vencedores e condecora os melhores de cada categoria, aceitar o sofrimento é conduta inadmissível. Reprova-se asperamente todos os indivíduos simples, que teimam em se contentar com o pouco e insistem em ser felizes com as sobras.

Para se ajustar à psicologia mundana, as religiões cristãs transformaram Jesus num grande vitorioso. a difusão geográfica da mensagem evangélica possibilitou a estruturação de instituições ricas e prestigiosas, cujo poder resiste aos séculos.

algumas ramificações do cristianismo impingiram ao Cristo o papel de dispensador da prosperidade, insuflando no crente a noção de que sua fé será recompensada com notável adição em seu patrimônio pessoal.

ainda existem os setores que atribuem a Jesus o pomposo título de Governador Espiritual da Terra, ensejando fantasias inadequadas por parte dos profitentes.

Todas essas designações portam, um tanto mais um tanto menos, o eco da necessidade de tornar o Mestre Nazareno eminente triunfador. Nada de embaraços, nada de sofrimento, nada de paciência. apregoa-se


que ele nos salvou e lavou os nossos pecados e aquele que assim crê está redimido e livre para ser bem-sucedido.

Contudo, a história nos ensina que os autênticos e raros discípulos do Evangelho comprometeram-se com o seu fardo de deveres sem titubear, promovendo a alquimia das adversidades e carências em trabalho e doação. Suas biografias exemplares não condizem com a postura reivindicante dos que se negam a tomar sobre si a própria cruz, pleiteando direitos e favores por terem se agregado às fileiras evangélicas.

Diante, pois, da privação constrangedora, do abandono injusto e da ingratidão mesquinha, apazigua o coração e levanta os olhos. Enquanto Jesus andou no mundo, ainda se podia confundir a sua altura espiritual com a de diversos arautos ou profetas ilustres. Mas, erguido no madeiro infame, rasgou a senda dos céus para a humanidade.

Não desdenhes, portanto, os teus compromissos afetivos e encargos profissionais junto à coletividade que te acolhe e sustenta. Trabalha e confia sempre. Se não consegues abençoar a tudo e a todos, e ainda reputa em longo calvário a tua experiência, a exigir-te renúncia e sacrifício, saiba, porém, que esse é o caminho ideal de tua redenção. a vida que carregas nos ombros é a tua cruz. Jamais a abandones. Muitos dizem que isso é loucura! Entanto, não há porta mais justa nem mais adequada para a tua salvação e, um dia, agradecerás a Deus cada passo e detalhe dessa árdua e longa estrada!

79 DeuS

35

TESTEMUNHO

“... mas, os testemunhos não eram conformes.” – Jesus.

(Marcos, 14:56).

o julgamento de Jesus é repositório de preciosas lições, concitando-nos à reflexão acerca da falta de entendimento proposital e do falso testemunho. a incompreensão relativa às palavras do Cristo sobre a reconstrução do templo em três dias serviu de pretexto para acusá-lo.

Embora os discípulos soubessem que o Mestre se referira ao seu próprio corpo, os demais não eram capazes de extrair o mesmo juízo, gravitando na superfície do assunto. Mesmo assim, não se pejaram de testificar contra o réu improvisado, ainda que conhecessem as graves implicações de suas afirmativas.

o evangelista narra que tais depoimentos não eram conformes. Qualquer pessoa sensata perceberia que a referência ao templo representava uma hipérbole, ou seja, exagero de linguagem para produzir impacto, e não se ofenderia com isso.

Porém, Jesus tinha ciência plena que por detrás dessa acusação, repousava o motivo verdadeiro pelo qual o haviam subjugado, encenando aquele simulacro de julgamento e manteve silêncio diante da arremetida das forças contrárias à sua atuação.

após aguardar expectante por alguns minutos, o Patriarca religioso aborda o tema de real interesse por parte do sacerdócio, indagando se


o Cristo era, com efeito, o Filho do Deus bendito. Nesse momento, a declaração cristalina de Jesus não deixa dúvida nos ouvintes: Eu o sou (Mar, 14:62).

ao longo do tempo, a consciência de ser posteridade do Eterno se generalizou. o martírio de Jesus rendeu frutos incalculáveis. o cristão hoje sabe que a filiação divina constitui herança inalienável, transmitida pelo Senhor aos Seus amados rebentos.

Entretanto, é muito possível que tu te defrontes com circunstâncias difíceis, num dado instante de tua trajetória. Teus atos e expressões parecem tocados pelo dom de desnortear os que te rodeiam. Contestações e denúncias precipitadas levantam confusão em torno de ti. Nessa hora, não basta que te apoies em discursos belos e transcendentes. Tuas assertivas carecem do respaldo de ações e realizações compatíveis com os teus argumentos.

Medita com calma e não dispondo de nenhuma explicação capaz de elucidar os teus conceitos, cala-te e não te defendas. Se não suportaram Jesus dizer-se Filho de Deus, imagina o que aconteceria caso ele proclamasse que todos o somos?! Deixa que o teu exemplo, tuas iniciativas e tuas obras falem por ti perante os teus opositores. Tua vida é o teu legítimo escudo, e o Céu, a tua principal testemunha. Se os homens não te entendem o esforço e a luta, tampouco ouvirão as tuas palavras...

81 DeuS

36

TEU NOME

“E todo aquele que tiver deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe,

ou mulher, ou filhos, ou terras, por amor do meu nome...” – Jesus.

(Mateus, 19:29).

Há muitos que abandonam a família e rejeitam laços santificantes, supondo servir a Jesus. Entendem que o Evangelho recomenda ausentar-se de casa, olvidando deveres de gratidão para com os pais e familiares, e creem que até mesmo a pátria represente vínculo que se deva dissolver. Essa ruptura acompanha, em muitos casos, a tendência ao endeusamento da figura do Cristo. a afirmativa evangélica, no entanto, não endossa tais comportamentos extremistas e, muito menos, se as obrigações são óbvias ou foram assumidas previamente.

Convém, pois, meditar acerca do significado da expressão por amor do meu nome. a passagem que relata o retorno dos apóstolos, em seguida ao treinamento proposto por Jesus, contribui para a compreensão do tema. Enquanto os discípulos mostram-se contentes pelas proezas efetuadas, o Mestre pondera-lhes: mas, não vos alegreis porque se vos sujeitem os espíritos; alegrai-vos antes por estarem os vossos nomes escritos nos céus. (Lucas, 10:20)

Há, pois, um centro em ti mesmo – de natureza espiritual – que Deus gerou e atribuiu nome, registrado nos cartórios celestiais. Desse modo, a tua existência e a tua identidade espiritual estão asseguradas por Vontade


Divina. Por amor ao meu nome pode-se entender, então, como sinônimo de amor ao próprio Eu.

Lembra-te de que as palavras do Cristo podem ser pronunciadas como se teu Eu as houvesse elaborado para te servir de código de acesso ao reino dos céus. o Evangelho é o Manual da Relação entre o Pai e o Filho, repleto de diálogos entre o Eu e a mente. aplicando esse método ao trecho em estudo, deduz-se que podes abster-te de propriedades, compromissos afetivos e da pátria, desde que o faças por amor ao teu Eu. Isso requer dedicação ao aperfeiçoamento das tuas virtudes espirituais. observa que a família ainda constitui um dos principais campos de trabalho para o ser humano na crosta planetária. Se renuncias ao lar, aos vínculos de afeto ou ao torrão natal – sustentáculos das energias da alma – faça-o amorosamente para que a luz do teu trabalho junto à coletividade seja fecunda e renovadora.

Não acredites que o Cristo se referia a ele próprio, induzindo-te a tudo deixar para segui-lo, pois caracterizaria atitude de egocentrismo perverso. Implicaria num incentivo à rejeição das qualidades que formam a tua personalidade eterna, para reverenciar aquelas que exornam a do Mestre. Seria incoerência absurda. Nesse capítulo, Jesus veio nos livrar, tanto da idolatria, que nos torna obcecados pelas pessoas a quem admiramos, quanto da conduta sedutora, que nos converte em exploradores do sentimento alheio.

83 DeuS

37

POR AMOR

“... por amor do meu nome, receberá cem vezes tanto e herdará

a vida eterna.” – Jesus. (Mateus, 19:29).

as perdas ou desencontros no campo do afeto – de pessoas, objetos ou lugares – costumam gerar sequelas profundas e de longa duração naqueles que vivenciam tais tribulações. Para facear as separações, abandonos ou exílios, sem promover transtornos em ti mesmo, convém que te concentres no amor pelo teu nome.

Quando te conscientizas que a expressão evangélica por amor do meu nome corresponde a amar a tua própria identidade divina, tua reação aos fracassos nos relacionamentos não provoca agravo nos sentimentos que elaboraste. Tampouco te induz ao papel de sacerdote ou missionário, supondo que esta escolha represente amar o nome de Jesus. Tal equívoco milenar levou muita gente a sair de seu eixo existencial, negando os seus sentimentos, aspirações e valores para o exercício de virtudes e teorias alheias, com prejuízos imensos em sua estrutura psicológica e espiritual.

Mas, se amas o teu nome, já aprendeste a conciliar o direito que o outro tem de se distanciar de ti, e os benefícios que te advêm de manter amorosa vibração em teu íntimo, desejando-lhe o bem, a paz e a felicidade. Conservar o amor é antídoto certeiro ante as mazelas das derrocadas afetivas. Desse modo, permaneces em sintonia com Deus, e,


mesmo sofrendo terrivelmente, abres as portas de teu destino para receber oportunidades cem vezes melhores do que aquelas que se extinguiram, bem como das que te viste compelido a renunciar.

Não sucumbas à dor dilacerante pelo afastamento de entes queridos, ou perda de teus projetos ou de tua pátria. Seja porque teus amados se te anteciparam no retorno ao plano espiritual, seja por não prosseguirem contigo, figurando-te a estrada insuportavelmente solitária sem eles. Não te desesperes. Não ergas tua mão contra ti mesmo nem tua palavra contra o Céu. De que adiantaria lesar o teu corpo, se a centelha que palpita em ti traz a chama da imortalidade incrustada em tua essência?

amores renovados e relações amadurecidas esperam-te no amanhã próximo. Não demorarás longo tempo na cela da tristeza e do pesar, caso atendas à recomendação evangélica de amar os dons celestes que habitam em ti. ama os que partiram ou se apartaram de ti, porém, entrega à Vida as vidas que lhe tocam. ao te imbuíres das qualidades que o Senhor implantou em ti, remontas a eternidade que te pertence.

ainda que Deus não possa te trazer ao regaço, de súbito, os prediletos de teu coração que residem agora na dimensão do espírito, nem te devolver à convivência aqueles que romperam os elos que os prendiam a ti, Ele te concederá a chance de novas afeições e despertará motivação em teu âmago por outros objetivos, superando em muito as penosas frustrações experimentadas.

85 DeuS

38

AUTORIDADE

“Com que autoridade fazes isto?” – Jesus. (Mateus, 21:23).

a multidão carece que lhe diga o que fazer, fixando-lhe as diretrizes. Em geral, tomam-se tais instruções como definitivas e imutáveis.

Qualquer homem que atue de forma independente dos princípios em vigor suscita pruridos e contrariedades. as normas são transformadas em convenções ou dogmas que se deve cumprir à risca.

Embora geralmente não provoquem nenhum acréscimo ao conteúdo das atividades, as regras relativas aos horários, à postura física das pessoas e à sequência das ações são priorizadas e a formalidade comanda quase tudo que se faz. Surge, então, a rigidez quanto ao modo de execução dos trabalhos, pois não se tem olhos de ver a essência. a criatividade foi banida em favor da padronização.

Raro líder se dá ao trabalho de fazer o rebanho pensar por si mesmo. Disponibiliza-lhe a receita, o método, o ritual, os quais todas as ovelhas passam a repetir mecanicamente, sem desenvolver senso crítico ou a capacidade de elaborar sua contribuição individual.

É que educar mostra-se muito mais trabalhoso do que apenas dirigir ou comandar. Quando o aprendiz passa a raciocinar por si mesmo põe um pé no reino da liberdade. Fará deduções peculiares, tirará conclusões inéditas acerca de coisas e problemas com os quais se defronte, questionará o motivo de condutas estabelecidas há séculos...


o educador talentoso lembra um chafariz, por meio de quem jorram reflexões e indagações perspicazes, com frequência, levando o discípulo a pesquisar o mundo com os recursos de que dispõe em si mesmo. ajuda-o a descobrir a autoridade intrínseca, estruturando-se a partir das raízes profundas de sua própria verdade.

Embora o Cristo tenha ensinado e beneficiado muita gente, somente poucos conseguiram atingir autonomia em relação ao pensamento preponderante na época. Esses discípulos credenciaram-se à continuidade da tarefa messiânica, não esmorecendo diante das pressões e perseguições para que regredissem aos postulados vigentes antes da boa Nova.

Se te encontras matriculado em algum segmento do cristianismo, observa quantas criaturas entregam-se de olhos fechados à reprodução automatizada das ordens e recomendações que lhes são prescritas. Quando te virem agindo de forma livre, guiado pela tua compreensão pessoal do Evangelho, desenvolvida depois de longos e porfiados estudos, à luz da oração e da vontade sincera de lhe apreender a sabedoria, eles te interpelarão, perplexos e incomodados: com que autoridade fazes isso? (Mt, 21:23).

87 DeuS

39

ANTAGONISMO

“Porque Herodes temia a João, sabendo que era varão justo e santo.”

(Marcos, 6:20).

Ninguém se considere acima do conflito, imune ao antagonismo das tendências que procedem de si mesmo. Este almeja realizar o bem, contudo, mescla atitudes opostas ao fim ambicionado. aquele se sintoniza com os ideais do progresso coletivo, porém, acorrenta-se às vantagens particulares. outro aspira doar-se sem peias à fraternidade, no entanto, estabelece vínculos afetivos que não toleram o serviço desinteressado à comunidade.

Herodes admirava as virtudes de João baptista e, ao mesmo tempo, temia-lhe o verbo categórico e incisivo. Vislumbrava a elevação espiritual do profeta, mas guardava receio da claridade que o atraía. Impressionante número de pessoas transita em estado de similar contradição. Faz com uma mão e desmancha com a outra. Gostaria de ter bom ânimo para enfrentar o dia a dia de trabalho, contudo, queixa-se constantemente de dificuldades triviais. Planeja tratar os familiares com gentileza, todavia, exprime-se quase sempre com acentuada exigência. Sonha com amigos sinceros e leais, porém, afasta-os com a sua taciturnidade.

Nos meios cristãos, adora-se a Jesus, desde que não seja necessário despregar os olhos do mundo. Espiritualizar-se é insuportável. admitir a vida eterna, que se desdobra para além do sepulcro, é tema que instiga


pouquíssima gente. Demanda-se a felicidade imediatamente, sem rodeios ou concessões.

Chega-se a acreditar que a ressurreição se dará neste corpo de carne, banindo qualquer perspectiva de transcendência. o que é feito da transfiguração no Tabor? a aparição de Moisés e Elias, em espírito, deveria incitar o cristão a ponderar seriamente que a personalidade de cada um se mantém inalterada após a morte. os eminentes profetas não estavam dormindo, aguardando possível Juízo Final...

Contudo, nem a crença reencarnacionista previne por completo o materialismo desenfreado. Não raro, o sujeito só traça projetos, em sua mente, para suas futuras vindas à crosta planetária. o período em que estagiará no plano espiritual escapa-lhe totalmente da programação.

Espera-se do indivíduo espiritualista que demonstre menos horror ao sofrimento. o prejuízo, o ostracismo, a incompreensão e a injustiça são experiências inevitáveis no roteiro de ascensão. Por outro lado, o desinteresse pessoal, a renúncia aos próprios direitos e o devotamento ao bem e à ordem constituem símbolos daquele que experimenta os primeiros passos da santidade. Não recues, pois, ante os desafios e privações que farão luzir os dons de Deus que pulsam em tua alma, ainda que te custem muitas e dolorosas lágrimas, até que alcances a conformidade no coração...

89 DeuS

40

CULPA

“Cuidais vós que esses galileus foram mais pecadores do que todos os galileus, por terem padecido tais coisas?” – Jesus.

(Lucas, 13:2).

a valorização excessiva da lei de ação e reação engendra sérias distorções. Imputa-se obrigatoriamente, e sem lógica, pecado anterior às vítimas de fatalidade ou dano.

Todavia, o raciocínio simplista de que tudo tem sempre causa proporcional, não explica satisfatoriamente muitos fenômenos. ao contrário, exige fato equivalente no passado espiritual do próprio indivíduo que justifique o sofrimento ora experimentado.

Nesta abordagem equivocada até os grandes mártires teriam invariavelmente dívidas a remir de vidas pregressas, razão dos tormentos ou da morte violenta que o destino lhes impôs. No mesmo diapasão, relegam-se os carentes e excluídos à sina cruel em que se demoram, supondo que a adversidade sana débitos espirituais antigos.

De sorte que, com ares de fanatismo, tende-se a considerar tudo que ocorre no presente como absolutamente encadeado ao pretérito, o qual determinaria todos os incidentes importantes da atualidade.

Mas, uma psicologia restritiva de tal monta não possui fundamento no Evangelho, cuja doutrina chama a atenção para a liberdade que a criatura


usufrui aqui e agora. além disso, Jesus destaca o poder do arrependimento como fator capaz de prevenir o resgate compulsório... De acordo com a justiça, há pessoas que se veem submetidas às reparações em função de encargos em aberto, mas outras se acham enovelados no bojo dos acontecimentos por motivos atuais, derivados da invigilância, ao passo que ainda existem as enleadas na tragédia por conta de seu sentimento solidário.

Cabe reconhecer no elemento que acerta suas pendências com a lei, o tipo mais comum nos casos de trauma ou acidente – seja individual ou coletivo. No entanto, é indispensável admitir que poucos sujeitos nele se enredam em face de circunstâncias do momento e os raros que se aproximam por livre escolha, visando realizar alguma missão. o integrante do primeiro grupo pode quitar seu débito; o do intermediário, aprende com a experiência e, o do último, presta serviço e tenta evitar ou até mesmo socorrer os que expiam ou contraem novas dívidas.

Jesus Cristo é o protótipo desta derradeira espécie. Padeceu flagelação imerecida, morte cruel, desprezo público e abandono dos amados. Ele sempre soube, porém, que a postura de ser verdadeiro e agir com amor e liberdade seria tachada de impertinência. Pensa nele quando te vier a tentação de atribuir forçosamente causas precedentes à calamidade ou infortúnio que visita o objeto de teu comentário.

91 DeuS

41

QUEM ÉS TU?

“Quem és tu?” (João, 1:19).

a pergunta feita pelos judeus a João baptista não poderia ser mais instigante. Não lhe inquirem por títulos ou cargos, nem requisitam certificados ou credencias. Simplesmente pedem-lhe que se identifique.

Existe enorme confusão entre o que se é e aquilo que se faz, ocasionando transtornos psicológicos graves. Com inusitada frequência, o homem crê-se transmutado de forma estável na função social que exerce. Ele deixa de ser uma pessoa para se erigir no papel que ocupa, no cargo transitório que acumula, no poder frágil que detém.

Cabe ainda citar os invigilantes que se perdem de si próprios, dementados pela apresentação contínua da obra à qual deram origem. assim, desaparece o sujeito, esmagado pelo sucesso de sua produção. Muitos repetem enfadonhamente o mesmo trabalho até o fim de sua estadia na Terra. outros tantos executam rotineiramente os mesmos procedimentos por longas décadas. São verdadeiros mortos-vivos.

Todos eles, de diferentes maneiras, suportaram eclipse em sua identidade por algo exterior, ainda que obtido por seus esforços ou qualidades.

a criatura é emanação divina, com todos os atributos do Senhor, da mesma forma que a célula contém o genoma do organismo do qual faz


parte. as unidades microscópicas que compõem os teus órgãos portam os traços identificadores de tua pessoa.

Cada ser no universo exprime características genuínas que o distinguem dos demais. Não é possível negar-se a tal manifestação, visto que se trata de dom herdado de Deus, a Grande Identidade.

Repara, pois, como andas nesse quesito tão básico. Quais aptidões inatas desenvolves em ti mesmo? Excluindo os aspectos externos referentes à nacionalidade, ao estado civil e à profissão, o que te caracteriza como indivíduo? Pensa no quanto o teu trabalho ainda se limita aos fatores mundanos e passageiros – determinados muita vez pela força das instituições – e verás quão distante te achas de tua vocação profunda.

atuar no mundo sem colocar os próprios dons metafísicos em ação representa terrível negligência para com o que se possui de mais sagrado. Quando se encontra a ocupação adequada às habilidades espirituais, a motivação renova-se a dia a dia, e tudo é feito com esmero e devotamento. Estriba-te, portanto, em ti mesmo. aprimora os talentos que o Senhor cunhou em tua alma e fica pronto porque ainda hás de responder à inevitável questão: quem és tu?

93 DeuS

42

PROFETA

“E acontecerá que toda a alma que não escutar esse profeta será exterminada

dentre o povo.” – Pedro. (atos, 3:23).

o mundo está repleto de profetas, enxameado de gurus. Encontras por toda a parte os que auscultam o futuro, aqueles que explicam o passado e ainda os que afirmam conhecer em detalhes as iniciativas imprescindíveis ao êxito de teus projetos.

Jesus, embaixador do Céu entre os homens, trouxe revelações magníficas acerca do relacionamento Pai e Filho que ainda não foram compreendidas em profundidade e extensão. Se a evolução da humanidade permite que se alcancem novos significados para as palavras do Cristo, igualmente se reconhece que sua inteligência superior legou roteiro inigualável, orientando a criatura para o ansiado encontro consigo mesma. De fato, hás de te deparar com Deus no cosmo, bem como dentro ti. Tu te compões, em essência, de um eu divino que habita contigo e está em ti (Jo, 14:17). E sabes que a autoridade do Cristo sobre questões celestes é incomparável.

No tocante ao diálogo com o Eterno, asserena-te e entrega-te àquele que te fala portas adentro do coração. Sua voz ecoa sem timbrar, no recesso de tua consciência. É possível que atualmente não lhe notes com segurança a delicada intervenção, mas ele é o Filho que mora em ti, conhecido também pela alcunha de Eu Superior. Ele te conclama para o exercício da virtude e


do dever em todas as ocasiões, recordando-te de que faças ao outro aquilo que gostaria te fosse feito.

Na verdade, tu és um com ele, ainda que por enquanto não entendas esse arranjo. Ele está em ti, como tu estás nele, e ambos se encontram em Deus. o Evangelho descreve tal simbiose cósmica de modo claro e taxativo: crede-me que [Eu] estou no Pai, e o Pai está em mim (Jo, 14:11).

Toda vez que recusas as sugestões que a sabedoria do Eu te assopra, perdes valiosa oportunidade de ascensão espiritual ou de felicidade íntima. Ele se constitui em teu profeta particular, em perene sintonia com o Senhor. À medida que cresces, tu te transformas exatamente no que ele é, sempre foi e sempre será. Não tens outro destino. Ele representa a Vontade Suprema a respeito de tua identidade. Se não escutares esse profeta, tua alma será exterminada.

Conclui-se que tal processo interior carece de silêncio e quietude para ser devidamente recompensado. Não desdenhes, contudo, certas manifestações transcendentes, apesar de exteriores. Conquanto te admitas formado por configuração existencial permanente, valoriza o exemplo vivo do Cristo como referência básica para a tua vida. atende-lhe as instruções com presteza, porque elas te conduzem imperceptivelmente à união integral e definitiva com o teu próprio Eu e com aqueles que, em júbilo incessante, cumprem os desígnios da augusta Providência.

95 DeuS

43

VISITAÇÃO

“... e não deixarão em ti pedra sobre pedra, pois que não conheceste o tempo

de tua visitação.” – Jesus. (Lucas, 19:44).

as épocas tranquilas, na vida do homem e dos povos, correspondem à estação do plantio espiritual. Deus lhes endereça sublimes lições de elevado alcance ético, afetivo ou espiritual, através de missionários de Sua confiança, possibilitando a renovação dos conceitos e costumes. Seja indivíduo ou coletividade, existe tendência a incorporar os ensinos superiores ao cotidiano, imprimindo-lhes aplicação regular e benfazeja. É o período alegre do noivado (Mt, 9:15), em que se relegam as preocupações e ansiedades para o porvir.

Entretanto, tão logo o sujeito portador da chama celeste regressa às alturas, inicia-se a disputa pelo espólio. os herdeiros – pelo sangue ou pela instituição – apressam-se em transformá-lo em anjo ou santo, gênio ou mártir, para que seja visto como produto de boa qualidade. Expurgam-lhe a obra de eventuais inconvenientes para sua comercialização e inserem-no no mercado de consumo.

outra atitude muito frequente, depois da partida do suposto enviado, é classificar-lhe o trabalho como esplêndido, somente possível às grandes almas. assim, pode-se vender o material mais facilmente, desobrigando o novo proprietário de qualquer compromisso com a absorção daquele ideal.


Mas, o Cristo declara que a quem muito foi dado, muito será pedido. assim, após a visitação do mensageiro do progresso, cada pessoa ou grupo é avaliado em relação ao investimento feito por Deus.

Desse modo, aguça tua percepção para identificar o quanto o Senhor te proporciona de afeto e orientação nos dias calmos. observa as chances de crescimento intelectual e espiritual que te são disponibilizadas em família e pela comunidade. Dá-lhes bom uso e agradece. Não duvides que prestarás conta de tudo!

E se ignoraste os benfeitores e recursos que te foram ofertados, alegando que não eram de teu interesse ou apresentavam deficiências, constatarás que as tuas realizações não se sustentam. os teus projetos não obtêm êxito. Não logras satisfação profissional, familiar ou social. Tuas conquistas não se estabilizam. Tudo o que edificas desmorona estrondosamente. Por fim, esvai-se o teu ânimo e tua esperança, não restando em ti pedra sobre pedra.

acusarás a má sorte, clamarás contra o destino infeliz, todavia, no fundo, colhes o resultado de tua negligência para com as benesses divinas. Quanto maior a graça enjeitada, pior o transtorno posterior. É que te esquivaste de evoluir no bem, no amor e na responsabilidade. Por que repeliste a visita dos céus?!

97 DeuS

44

AQUELA HORA

“Mas, tenho vos dito isto, a fim de que, quando chegar aquela hora, vos lembreis

de que já vo-lo tinha dito...” – Jesus. (João, 16:4).

o Evangelho só adquire valor universal quando as palavras eu, Cristo, Filho, Filho do homem são compreendidas como referentes ao Eu Superior. Enquanto o crente persiste fixado na figura do Messias, sem trazer o sublime enunciado da boa Nova para o terreno de si mesmo, ainda não começou a extrair o verdadeiro sentido da letra.

Chega, assim, o dia em que as religiões organizadas não mais te comportam. Verificas que os rituais e convenções nos templos sufocam a espontaneidade. Detectas intransigência, onde se afirma não existir dogmas. Teus comentários acerca do superficialismo ou rotinização dos cultos e atividades provocam melindres incontroláveis, e antigos companheiros passam a ignorar-te ou expulsam-te do grupo.

Naquela hora, conheces a mais aguda solidão. Entretanto, a percepção interior guia-te sem tropeços ou desfalecimentos. Teu coração generoso perdoa, ao mesmo tempo em que te recordas da diretriz o campo é o mundo (Mateus, 13:38), e segues adiante. ao refletir sobre a predição do Cristo em torno deste momento singular, tu compreendes que o Evangelho te preparou com clareza extraordinária para este incrível passo em direção à maioridade espiritual. Tua alma treme ante o desafio...


acostumado à contemplação do Mestre como modelo infalível, deparas-te com a necessidade de voltar-te para ti e desvelar em tuas profundezas – no Eu plantado por Deus em teu espírito – a finalidade ainda mais autêntica para o teu percurso evolutivo.

a emancipação espiritual da tutela externa, dando vez ao teu diálogo diretamente com o Pai – livre de qualquer intermediação – significa um renascimento espiritual. Surge novo indivíduo, fruto da inspiração que brota de tuas próprias entranhas. Eis aí o Filho do homem, em fecunda liberdade. a boa-Nova sintetiza esse processo com o dito: se o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres. (João, 8:36). o reingresso à consciência de Filho representa fato marcante na ascese da centelha divina.

Sentes gratidão imensurável pela luz espargida pelo Evangelho, mas entendes que o Cristo veio altear-te à cidadania celeste. Terás por Jesus eterno carinho. Sabes nele irmão iluminado que à custa de sacrifício inaudito tocou-te a sensibilidade e a inteligência, porém, assumes o dever de descobrir, com teu esforço pessoal, o lugar e a função que te competem na ensolarada Mansão do Senhor.

Naquela hora, tu iniciarás o retorno à plenitude de ti mesmo e à decantada unidade com o Pai. Tu te lembrarás de que o Cristo disse todas essas coisas, mas os homens preferiram endeusá-lo, acomodando-se à insignificância e à exploração do mito.

99 DeuS

45

TEMPLOS

“Mas, o Altíssimo não habita em templos feitos por mãos de homens...” – Estevão.

(atos, 7:48).

a tendência para identificar Deus somente nas coisas exteriores desemboca na construção de grandes templos em sua homenagem. Tal iniciativa não seria inoportuna, caso não se passasse a acreditar que o Senhor reside apenas nesse tipo de espaço. Entretanto, o universo, em sua indescritível beleza, é a Casa do altíssimo.

Quando a criatura depende de local, de cerimônia ou de intermediário para estabelecer contato com o Divino, ocorreu perda irreparável: uma queda do infinito no limitado, redução do espírito à matéria.

Por sua vez, a suntuosidade e a formosura do Templo representam mecanismos de sedução, atraindo pessoas ignorantes dos verdadeiros valores espirituais e tornando-as cativas dos produtos comercializados pelo proprietário ou dirigente daquela instituição.

Desse modo, é raro que se erga imponente edificação religiosa sem a venda de acessórios, livros e artigos de diversas ordens, todos eles com margem de lucro suficiente para cobrir o investimento e facear as vultosas despesas.

Quando Jesus se insurgiu contra os mercadores do Templo de Salomão, feriu fundo os privilégios da classe sacerdotal dominante à época.


a negociação de aves e animais para os sacrifícios nos cultos garantia a sobrevivência dos profissionais, sem os encargos de algum trabalho de genuíno interesse social.

o tremendo paradoxo entre o Cristo e seus discípulos foi que o Mestre não frequentou regularmente nem levantou qualquer Sede. Sua atuação foi inteiramente livre de local, valendo-se dos recursos da comunidade.

a criação do primeiro núcleo assistencial pelos apóstolos, voltado para os enfermos e carentes reduz – quanto à liberdade – o método do Nazareno às limitações humanas corriqueiras. Ressalve-se, porém, que os abrigos fraternos pairam muito acima dos Templos convencionais, pois nestes o serviço se restringe à pregação, ocasionando amiúde o aparecimento de propaganda de objetos com fins lucrativos.

Vê-se, portanto, que a atividade religiosa continua impregnada visceralmente de psicologia comercial. Daí o artifício de se fazer acreditar na existência de um livro que contenha com exclusividade a Palavra de Deus. E de se possuir especialistas ou inspirados em destrinchar o seu conteúdo, às vezes complexo, abarrotado de metáforas e alegorias. E se o produto é oferecido numa entidade religiosa, têm-se os ingredientes capazes de ludibriar o povo ou enganar-se a si mesmo. Mas, tu já estás ciente que Deus não habita em Templos feitos por mãos de homens.

101 DeuS

46

MAIOR

“Pois eu vos digo que está aqui quem é maior do que o templo.” – Jesus.

(Mateus, 12:6).

À medida que a civilização progride, multiplicam-se os templos nas diferentes atividades humanas. os majestosos palácios de governo, as eminentes residências oficiais das autoridades, os complexos arquitetônicos, as magníficas catedrais.

Todas os soberbos edifícios despertam admiração pela beleza e imponência. Conjugando arte e funcionalidade, os monumentos demonstram a evolução no campo da engenharia, administração e estética.

Quando o indivíduo é incluído no rol dos servidores que ocupam a grandiosa construção, crê ter alcançado o ápice de sua existência. ali se executa o trabalho mais elevado daquela área do conhecimento ou tal função é considerada de extrema relevância para sua cidade ou país. as normas de conduta já foram estabelecidas com detalhes para todos os integrantes.

a excelência do serviço prestado, ao longo do tempo, e as conquistas realizadas pelos antigos militantes fomentam a tradição. Pretende-se repassar para as próximas gerações os excelentes valores já desenvolvidos. Espera-se que os sucessores deem ao legado a devida importância, mantendo-o intocado e incentivem a veneração àquele bem.


Entretanto, dentre os novatos surge, vez por outra, algum elemento criativo que contesta determinada regra cultuada pelos antepassados. E desafina, operando com autonomia em relação ao que se havia convencionado como sendo o melhor e mais apropriado.

Quando estiveres num dos lados desse conflito, recorda que Jesus podia tranquilamente ter se ajustado aos hábitos judaicos. Não lhe custaria nada concentrar as curas nos dias úteis, abstendo-se de realizá-las no sábado. Não incomodaria ninguém e poderia cumprir sua missão em paz.

Mas, para a criatura fiel a si mesma e amante da liberdade não há perda mais grave do que ceder às convenções. Ter algo de bom para oferecer de si própria – graças ao dom divino que habita nela – e sentir-se cerceada por conta de futilidades...

Vê de qual lado te situas nessa equação. Queres a manutenção dos costumes – agregando-lhes pompa e circunstância – ou admites que haja muita coisa a se aperfeiçoar nas relações sociais? Se trazes em ti a ânsia pelo bem coletivo ou pelo progresso das ideias, não te intimidem as manifestações contrárias e conservadoras. acredita que tu és maior do que a tradição, embora ela seja tão velha e respeitada.

103 DeuS

47

SABEDORIA

“Porque eu vos darei boca e sabedoria...” – Jesus.

(Lucas, 21:15).

a deificação de Jesus como único Filho de Deus ocasiona grave distorção em sua figura. Pretende-se que o Mestre, subido aos céus, tenha alcançado os mesmos poderes de onisciência e onipresença que o Senhor, e agora atue junto a toda a humanidade, seja em nome da misericórdia, seja inspirando o progresso. Desse modo, o devoto crê que nas situações desafiadoras, quando constrangido a defender os princípios superiores, tanto no campo coletivo quanto familiar, o Messias lhe soprará os argumentos apropriados que hão de desmontar qualquer oposição.

Contudo, subsistem questões pendentes no terreno da ciência, da filosofia, da política e da sociedade, requerendo solução adequada e abrangente, mas que não envolvem de forma obrigatória os postulados cristãos. Subordinar todas as áreas do conhecimento às declarações do Cristo denota preconceito rudimentar.

Para conciliar o versículo evangélico com a diversidade de ações, nas distintas latitudes, convém entender que o eu dito por Jesus refere-se ao Eu divino, essência de cada espírito, e que provê as lacunas individuais, infundindo-lhes o acréscimo necessário, tanto para se defender como para concluir o seu trabalho com elevação.


Tal compreensão acerca do pronome eu, termo utilizado sobejamente por Jesus, ao inverso do nós – raridade em seu discurso – coloca as coisas no devido lugar. bane do pensamento do estudioso do Evangelho a noção de hegemonia de um descendente sobre os demais e nos iguala perante o Eterno.

assim, o Eu, também mencionado como Filho do homem, herdeiro de todos os dons do Pai, encontra-se perfeitamente apto a representá-Lo perante a consciência em evolução. ao passo que tu ascendes, reassumindo os talentos com os quais foste gerado, torna-se ainda mais estranho que houvesses de depender sempre de outro Filho para prosseguir em tua marcha.

ainda que possas instruir um bebê para que caminhe com os próprios pés, jamais seria possível alcançar esse fim caso não existisse latente nele mesmo o dom de andar. Porém, a colaboração deve ser suprimida, posteriormente, de modo que a criança ande por si só. o auxílio externo – útil e valioso – tende a se tornar prejudicial quando perdura além do recomendável.

De fato, o Evangelho constitui sol límpido nas almas, arejando mentes e corações de espiritualidade, compaixão e obediência. Mas, a principal contribuição do Cristo é ligar-te de novo ao teu Eu profundo e a Deus. E dessa emanação celeste em ti, jorram para tua boca e mãos, ouvidos e olhos, a sabedoria e a paz, o amor e a verdade a te guiar em todas as escolhas e empreendimentos rumo à união permanente com o Senhor.

105 DeuS

48

INDIFERENÇA

“Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno...” – Jesus.

(Mateus, 25:41).

a drástica assertiva de Jesus, prevendo sofrimento acerbo e incessante, não se destina propriamente aos considerados maus. Não se dirige aos cruéis açuladores de guerras, nem aos ingratos que maltratam os seus idosos amados, tampouco aos pervertidos que abusam sexualmente de crianças.

Curiosamente, os que foram alocados à esquerda do Filho do Homem, por ocasião da caridade para com os famintos, sedentos, nus, enfermos e presos não cometeram nenhum delito. o único pecado evidente deles foi não fazer o bem. Tudo indica que a indiferença em relação aos problemas que afligem o próximo é conduta inaceitável nas esferas angelicais. Somente tal constatação deveria te impelir à urgente mudança de postura.

Mas, se o sofrimento de teu irmão não te arranca o menor gesto de solidariedade, o que será necessário para mover-te? Se a falta de estrutura moral e espiritual que atinge incontáveis famílias em tua cidade, não te sensibiliza para algum trabalho voluntário e despretensioso de orientação, qual recurso te fará sair do egoísmo em que te demoras?

Por certo, a dor! Quando a labareda da agonia arder em tua pele, compreenderás que não é cabível um mundo no qual poucos detêm quase


tudo, ao passo que imensa fração da humanidade carece de condições mínimas para a sobrevivência.

Jesus atuou à parte de qualquer instituição, não propôs reforma política nem incentivou rebelião popular. ao invés, centrou sua proposta na renovação da consciência de cada indivíduo. Mostrou que é inadmissível apenas usufruir privilégios sem se importar com a multidão dos estropiados, analfabetos, doentes e infratores.

Não confies, portanto, que permanecerás sempre a cavaleiro do poder e das regalias temporais. Caso não multipliques em favor da coletividade, as bênçãos e os instrumentos postos em tuas mãos pela Providência, tua prestação de contas será deficitária... Dentre outras consequências, existe a possibilidade de que renasças em meio desfavorável, provando igualmente a mancha da pobreza, o desdouro das minorias, o estigma das deficiências culturais. Nesse dia, reivindicarás teus direitos junto às entidades governamentais, levantarás mãos súplices às casas religiosas, anelarás pelo cuidado de pessoas fraternas e de boa-vontade.

Mas, se não tiveres te curado da frieza que te dominava noutros tempos, atravessarás esses períodos obscuros e sofridos com imensa revolta. Tuas próprias carências queimar-te-ão por dentro qual fogo eterno. Pensa bem e para a tua felicidade futura, não consintas apaticamente com a injustiça absurda que campeia ao teu redor.

107 DeuS

49

ENQUANTO

“Enquanto estou no mundo,

sou a luz do mundo.” – Jesus. (João, 9:5).

Há inegável avanço do conhecimento nos mais variados setores da atividade humana. as ciências modernas, impulsionadas pela computação, permitem que se viva hoje em moldes considerados fictícios até recentemente.

Se a tecnologia multiplica vantagens em todos os segmentos, patrocinando comodidades e realizações estupendas, a psicologia, por seu turno, amplia o potencial de cada indivíduo, favorecendo o aproveitamento de forças latentes do subconsciente.

Esperava-se que a combinação desses fatores proporcionasse novo estágio de bem-aventurança no mundo. o progresso técnico, de par com o homem o mais maduro na administração de sua força emocional intrínseca, propiciariam belo ciclo de paz e confraternização entre os povos.

Entretanto, nada disso ocorre. as guerras fratricidas continuam. a fome dizima milhares de pessoas diariamente. a violência se transforma numa epidemia generalizada. as doenças mudam de fisionomia, zombando da evolução científica. o amor permanece um componente raríssimo no coração das criaturas. Dos miseráveis aos bilionários, dos anônimos às celebridades, dos excluídos aos poderosos, todos trazem cicatrizes dolorosas de sua estadia no planeta.


Tudo faz crer que a felicidade depende de se associar outros requisitos aos já validados. Jesus dá a entender que o Eu é a luz do mundo. Isso sugere que as conquistas já estabelecidas são insuficientes para a salvação coletiva. Enquanto o sujeito não se vê como emanação divina, sua própria luz se refrata e a sua consciência degenera-se em ignorância e solidão.

Torna-se imprescindível reintroduzir a iluminação espiritual na dinâmica social. as religiões contemporâneas perderam o viço, dominadas pelo materialismo e pela mercantilização dos bens transcendentes. Embora se acredite que a pesquisa científica acabará por confirmar a existência do espírito e consolidar o intercâmbio entre encarnados e desencarnados, a questão é ainda mais complexa.

É imperioso distinguir no Eu as virtudes do Criador. São elas que brilham a cada impulso do conhecimento. Quando alguém se debruça sobre certo fenômeno e projeta luz em seus mecanismos, isso se dá em função de sua procedência da Grande Luz. No entanto, o mundo tem sede de humildade. as angústias do povo imploram pela vinda de benfeitores de inteligência atilada, mas que não cobrem tão caro pelos serviços prestados nem se julguem acima do restante. as preces populares rogam que tais vanguardeiros do pensamento se sintam também recompensados por se constituir em emissários dos céus para a fulguração de novos tempos...

109 DeuS

50

SOLIDÃO

“... mas não estou só, porque o Pai está comigo.” – Jesus.

(João, 16:32).

os tropeços e interrupções de relacionamentos disparam crises extremamente dolorosas, relativas a esse tipo de experiência. as separações e divórcios, as rupturas de grupos e a partida de amados para terras longínquas ou para a imperscrutável dimensão do espírito costumam instalar sofridos processos existenciais e, com frequência, recheados de sequelas.

Para a criatura que já vivenciou o prazer e a gratificação da parceria harmônica, da equipe coesa ou da permuta constante de afeto em família, a solidão representa vazio horrendo.

Tal panorama tende a se agravar quando o conflito decorre de algum ente querido não acompanhar o indivíduo em sua nova crença, pressionando-o para retroceder ao modelo anterior. Surgem argumentos carinhosos, chantagens dissimuladas e, sobretudo, o abandono. Às vezes, a questão é explicitada claramente: só permaneço contigo se voltares a ser a personalidade que eu conheci!

Contudo, somos elementos suscetíveis de mudar. Modificamo-nos com o passar dos dias. Reformulamos concepções, hábitos, objetivos. E, muitas vezes, a alteração é consequência do crescimento psicológico efetuado no íntimo.


Torna-se, nesse caso, marcante testemunho não ceder às críticas dos afeiçoados, respeitando-lhes o apego à antiga convicção, após lhes apresentar os motivos e reflexões que embasaram a tua nova atitude.

Não há razão para te magoares devido à resistência deles nem para insistires em favor da tua recente compreensão. Cada alma tem o seu tempo justo, cada pessoa vê de determinado ângulo. batalhar em demasia para convencê-los te afasta do teu próprio centro, o que seria lastimável. Lembra-te também que a tua liberdade é semelhante àquela que concedes aos outros.

Todavia, a causa primeira para resguardares tua tranquilidade repousa na sensação de que o teu procedimento atual encontra-se mais em sintonia com Deus. os amigos partem, os teus não te ouvem, sobrevém espantosa onda de condenação em torno dos teus atos e palavras, porém nunca experimentaste tamanha paz na consciência. Estás só, é inegável, mas sentes que a Presença Divina fala contigo por intermédio de sinais e providências que jamais te deixam naufragar nas voragens da decepção ou melancolia.

E o desvelo amoroso do Senhor para contigo encerra conforto incomparavelmente superior a toda tristeza que os escolhidos do coração te impõem, nessa tua solitária escalada no íngreme monte da sublimação.

111 DeuS

51

FRATERNIDADE

“Quantos pães tendes?” – Jesus. (Marcos, 6:38).

assumiste muitos encargos em as tuas ocupações diárias. Corres aqui e ali, dás providência disso e daquilo, desincumbes-te de tal ou qual obrigação. Terminas o dia estafado, ansiando pelo descanso restaurador. Trazes diversos sonhos não realizados... acumulas saudade de pessoas e lugares... Sobrecarregas-te de deveres muito além de tua conta... Vergado, assim, sob a cruz das preocupações e das responsabilidades, e amarfanhado por dores ou mágoas que te comprimem o peito, nem sempre atinas para as variadas ocasiões de ser fraterno.

Mas, o que vem a ser fraternidade? Definida como união ou convivência como de irmãos, ela é o sentimento que te possibilita identificar qualquer criatura, ainda que temporariamente, como filha do mesmo Pai.

Quando visitas alguém num presídio, transpões inúmeras barreiras que o apartam de ti. São as acusações, os julgamentos, as condenações que, em conjunto, promovem o banimento social do atingido. Montado no corcel alado da compaixão, saltas todos esses obstáculos e te aproximas do elemento segregado da comunidade. Se lesses os escritos mudos em seu coração, registraria o carinhoso agradecimento pelo teu gesto.

No dia em que te transportas ao hospital ou à residência em que determinado indivíduo padece a angústia de encontrar-se atado ao leito, experimentando a exaustão das próprias forças orgânicas ou mentais,


vences sedutores atrativos. São os ócios do lar aprazível, as recreações entre amigos, as diversões públicas. Se visualizasses a alma desse enfermo, saberias que tua presença constitui bálsamo afetuoso, revigorando-lhe a resignação e a coragem.

ao te reunires com alguns poucos companheiros em humilde espaço, destinado a amenizar as carências e a ignorância de quantos jornadeiam ao léu da pobreza e do infortúnio, triunfas sobre insensíveis e milenares tiranos. São os apelos do egoísmo, as justificativas da indiferença, os decretos do orgulho. Se auscultasses os pensamentos daqueles oprimidos, constatarias que lhes proporcionaste à vida raros e preciosos momentos de alegria e de esperança.

Por certo, exultarias tu também se avistasses, lá no céu, a festa desencadeada pelos minutos de doação que plantas aqui na terra. Renderias graças a Deus por atribuir tamanho valor às pequeninas ofertas que realizas no altar da fraternidade.

Persiste no caminho! assimila com destemor o exemplo e as técnicas do Cristo e, onde quer que estejas, olha à tua volta e estimula a adesão de novos parceiros ao teu labor fraternal. Repete-lhes, pois, com especial entonação de amor, as convincentes palavras: quantos pães tendes?

113 DeuS

52

SIMPLICIDADE

“Vamos, pois, até Belém, e vejamos isso que aconteceu, e que o Senhor nos fez saber.”

(Lucas, 2:15).

Maravilhosa exibição de confiança dos pastores, quando visitados pelos anjos que lhes comunicam o nascimento do Salvador. Ninguém faz qualquer pergunta nem levanta a menor dúvida ou objeção. Tomam a informação como algo deveras acontecido e se prontificam a ver o fato de perto. Somente tal registro já nos enche os olhos de admiração. Quantas criaturas depositam pleno crédito nas manifestações espirituais e partem com diligência na direção apontada pelos Mensageiros?!

É verdade que se deve submeter as comunicações extrassensoriais ao crivo do bom senso e da lógica. Por exagero desse motivo, prolifera nos meios espiritualistas o tipo pseudocientista do intercâmbio entre os dois planos da vida. Diante da angelitude dos visitantes e do despreparo intelectual dos obsequiados pelo favor dos céus, o rigoroso analista tende a rejeitar a dádiva, alegando ausência de sintonia ou mérito. Então, a graça é sumariamente descartada.

No extremo oposto, transforma-se a sede do aparecimento da entidade espiritual em lugar sagrado, imputando-lhe propriedades miraculosas. Dentro de pouco tempo, os romeiros ali se amontoam na pueril intenção de colher bênçãos no local, supondo que os querubins, cuja luz impressionou algumas retinas, tornaram-se seres estáticos, aprisionados naquele local e à disposição de peregrinos deslumbrados.


No entanto, os humildes camponeses, além de crer fielmente nas palavras da aparição celeste, seguem avante e transferem a identidade do dispensador do benefício: quem os agraciou com tão distinta honraria foi Deus, o Senhor! ah, esplêndida compreensão das mentes cândidas. De fato, o que são os arcanjos, senão leais súditos do altíssimo? Portanto, de que vale exaltar este santo ou aquele mártir, idolatrar tal pensador ou qual doutrina, se tudo procede do Criador?

a reação dos pastores demonstra quão acertada foi a escolha deles para receber o anúncio da vinda do Messias. a simplicidade constitui virtude que incomoda os doutos e embaraça os catedráticos, porque equaciona problemas vastos e complexos de modo fácil, resumindo-os em conceitos básicos, claros e objetivos.

os eruditos, em geral, denotam profundo desprezo para com as almas singelas, porquanto não lhes acompanham os raciocínios empolados e as teorias mirabolantes. Mas, em sua prodigiosa capacidade de síntese, o Cristo resume toda a lei e os profetas a apenas dois mandamentos (Mt, 22:40) – o amor a Deus e ao próximo – e pontifica que Deus é o único Senhor (Mar, 12:29). Não por acaso, os simples merecem inolvidável relevância na doutrina do Evangelho: bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus (Mt, 5:3).

115 DeuS

53

DE ONDE SOIS?

“Digo-vos que não sei donde vós sois...” – Jesus. (Lucas, 13:27).

De acordo com as palavras do Cristo, as portas da salvação não se abrem a todos os interessados em entrar. Mesmo para aqueles que passam a vida no papel de representantes de Deus no mundo. Por isso, é indispensável que atentes para a necessidade de reformar os teus atos, ainda que tua religião seja complacente com tantos equívocos e já tenha até incorporado várias posturas destoantes do Evangelho.

analisa a pompa das cerimônias e hás de conferir que Jesus só diferencia suas roupas por ocasião do lava pés, quando se cobre com a vestimenta de escravos. E ele adverte: os que se trajam com preciosas vestiduras estão nos paços reais (Lucas, 7:25).

observa a ênfase do pregador em tua prosperidade financeira e vê quanta gente rica padece tédio enlouquecedor. Recorda que o Cristo previne quanto à impossibilidade de se servir ao Senhor e às riquezas (Mt, 6:24). Tem cabimento que o profissional religioso viva à custa da mensagem evangélica?

Reflete acerca do destaque exagerado na interferência dos mortos, alçados a supervisores das banalidades do cotidiano das pessoas ou rotulados de perturbadores constantes. Tem vivo em tua mente o alerta de que as profecias e a expulsão de entidades importunas não contam com o beneplácito de Jesus (Mt, 7:22).


observa os seareiros da fraternidade. Repara que também entre eles existem lobos em roupagem de carneiro, semeando discórdias e intrigas. Eles falam com voz doce, mas destilam o separatismo e a exclusão dos próprios companheiros.

Diante de tudo isso, considera que, independente da escola cristã à qual te filies, terás de garimpar arduamente até extrair as preciosidades almejadas. Há excessiva mistura das lições celestes com ingredientes mundanos ou supervalorização de parte do Evangelho, ignorando temas fundamentais, cuja ausência desfigura o conjunto.

Estuda, investiga, pondera. No templo que escolheste, edificarás valiosas amizades e juntarás ânimo para a luta do dia a dia. Contudo, muita vez terás de atravessar, sozinho, a estreita porta do testemunho. Não faças alarde. Qualquer reconhecimento ou galardão que te advenha – enquanto na carne – de algum sacrifício pessoal, redunda em prejuízo para o teu espírito. Se queres ser do céu, sê-o desde agora!

o aplauso generalizado é risco certo porque pode te distrair da fiel execução do dever já assumido perante a consciência. Melhor para ti que te critiquem ou boicotem, mas quando elevares o teu pensamento aos céus, não te aflore a sensação que ninguém te ouve, e que nunca o guardião das bênçãos divinas te diga: não sei donde vós sois...

117 DeuS

54

SUPREMA INTELIGÊNCIA

“Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim quem de mim se alimenta,

também viverá por mim.” – Jesus. (João, 6:57).

Notável o destaque que Jesus confere ao Pai: Ele vive! a visão materialista diz que a morte é a única fatalidade, porém, o aprendiz do Evangelho sabe que a vida eterna constitui lei na criação. Há muita confusão quanto a esse aspecto. É comum se imaginar figuras angelicais impassíveis, cuja beleza embotou-se e a serenidade raiou a inércia. São seres desvitalizados, monótonos, indolentes. Mas, o Genitor descrito pelo Cristo, é vivo e trabalha. Não se pode conceber um Criador que não seja dinamismo puro, no Qual os processos ocorram em vertiginosa e incessante velocidade.

observa o teu corpo físico, que não interrompe o metabolismo um momento sequer. De modo semelhante, a tua alma produz e coordena ideias, impressões, sentimentos, lembranças e expectativas, continuamente. Nem todos chegam à tua consciência, mas não deixam de acontecer na penumbra do subconsciente. Por não veres nem sentires a circulação sanguínea e outras tantas funções orgânicas, não quer dizer que se extinguiram ou estagnaram.

Tu conténs em ti todas as habilidades do Senhor, em graus diferentes. albergas algumas em maior escala, contudo, muito aquém da infinitude


divina. E ostentas apenas traços de outras, mas o suficiente para vivenciá-las no meio quando necessário.

À medida que constatas que tudo provém do Eterno, compreendes que o universo obedece a suprema inteligência: Ele outorgou identidade viva aos Seus Próprios fragmentos e inseriu os mesmos princípios tanto no íntimo dos filhos como nas relações entre eles. Então, a essência dos espíritos e os processos do ambiente refletem idênticas propriedades celestes: ...o que fez o exterior não fez também o interior? (Lucas, 11:40).

assim, por ter Deus te formado com realce em vários atributos, careces expressá-los para te sentir vivo. Consequentemente, tu os exercitarás ao máximo, engrandecendo-os e explorando-os em múltiplas circunstâncias. Por outro lado, significa que buscarás incansavelmente essas qualidades em toda a parte, pois correspondem ao teu alimento existencial. E conforme ascendas espiritualmente, serás capaz de detectá-las cada vez mais em a natureza, nos homens, nas reentrâncias dos fenômenos e das coisas, já que elas sucedem em profusão na teia cósmica.

Em síntese, tu és célula vivente do Senhor. Pequenina mônada de excelsas virtudes – só te sentes pleno quando as exprimes com relativa perfeição.

Querendo ou não, consciente ou não, tu te compões de dons Paternos e, ao mesmo tempo, vives pelo Pai, porque toda a criatura, sem exceção, ao operar os seus talentos pessoais, executa o trabalho estabelecido e que interessa ao sistema divino.

119 DeuS

55

LINHAGEM

“... usando de astúcia contra a nossa linhagem, maltratou nossos pais,

ao ponto de os fazer enjeitar as suas crianças...” – Estevão.

(atos, 7:19).

a psicologia não se cansa de proclamar cada dia mais a importância da relação familiar. o amor e o compromisso dos genitores para com sua prole, bem como a ausência ou degeneração desses fatores repercutem profundamente nas crianças.

a religião se fundamenta na convicção da existência de um Ser Superior que criou e governa o universo. À Sua justiça, mais cedo ou mais tarde, todos prestam conta. os espíritos mais maduros, ao trilhar os caminhos da carne, votam reverência e submissão a esse bem Supremo, estimulando os demais para que o amem e Lhe obedeçam.

Contudo, há muito baralhamento dos papéis e das teorias. algumas pessoas assumem função destacada na educação e na religião, porém, mostram-se muito distantes de servir ao Criador. Em verdade, suas atitudes maltratam a figura de Deus. Retiram-Lhe qualidades fundamentais e pregam filosofias que fogem por completo ao que se espera da Providência Paterna. Em muitos casos, tal postura advém da astúcia que pretende extrair vantagens em benefício próprio. De outras vezes, deriva de ignorância, pois acredita que o Senhor pode ser bom, mas permanece no


céu, alheio e indiferente ao sofrimento que acomete Sua linhagem aqui neste mundo...

Esse entendimento distorcido da bondade Divina origina ideias estranhas, tais como a expulsão do paraíso ou a exigência de longa fieira de reencarnações para que, somente ao término, desabrochem-se-lhes as virtudes celestes.

o Evangelho não se compraz com doutrinas que se afastem dos princípios de relacionamento Pai-Filho integral em todos os tempos e sentidos. o Pai está no Filho e o Filho está no Pai (João, 10:38). Não há distanciamento, separação ou condições. assevera que quem conhece o Filho, conhece também o Pai, afiançando a identidade comum entre ambos (João, 14:9). E assegura que tudo quanto o Pai tem é do Filho (João, 16:15), portanto, Ele não guardou os Seus dons egoisticamente apenas para Si.

Se ainda te sentes rejeitado por Deus, não vendo em ti os atributos d’Ele; caso não te consideres cuidado incessantemente ou, se porventura, não te julgas amado de forma incondicional pelo Criador desde sempre, talvez tu não tenhas olhos de ver ou não meditaste nas palavras do Cristo como convém.

analisa o comportamento dos pais dedicados, que tudo fazem pelo bem filial. Eles cedem todos os seus potenciais, na época da fecundação, para que nasçam descendentes à sua imagem e semelhança. E seguem vida afora amando, educando, sustentando e impedindo qualquer dano. Seria o homem mais generoso e precavido do que o Senhor?

121 DeuS

56

NEGAÇÃO

“Não és tu também dos discípulos deste homem? Disse ele: não sou.”

(João, 18:17).

Cultivaste em teu coração, ardente desejo de colaborar para a vitória do bem junto às criaturas. afeiçoaste o teu pensamento aos ensinos do Cristo e te dispões ao exercício constante da virtude divina que há em ti. absorveste energia através do exemplo dos santos e dos mártires e consideras-te pronto para o trabalho redentor.

aceitas com paciência as críticas dos familiares que te não compreendem o elevado espírito de serviço ao próximo. abraças as angústias dos filhos do Calvário como também tuas e empenhas-te, dentro de tuas possibilidades, pelo alívio delas. ages discretamente de modo que ninguém te atribua qualquer mérito ou reconhecimento pelos benefícios que espalhas ao redor de teus passos.

Cumpre teus deveres profissionais com retidão e boa vontade. ajustaste os teus gastos conforme tua renda e te alegras com o que possuis. Proliferam amigos à tua volta, tornando-te assim um elo na solidariedade do grupo.

Mas, vem o dia em que certo espinho te machuca, e exiges a punição rigorosa do culpado. Surge a hora em que alguém te acusa do que nunca fizeste, e reages com indignação explosiva. aparece a ocasião em que não incluem o teu nome nas atividades do teu agrupamento, e denotas extrema


contrariedade. E, por fim, emaranhas-te numa série de mentiras para te esquivar de insignificante constrangimento...

Existem formas ostensivas e públicas, bem como sutis e encobertas de negares os princípios superiores que esposas. Nem sempre tu percebes imediatamente que caíste em contradição com os teus melhores sentimentos e aspirações. É comum que repises muitas vezes tal conduta infeliz, sem ver que deixaste para trás tuas nobres convicções, teus caros ideais, teus transcendentes valores.

Quando o arrependimento bater à porta de tua consciência, deixa-o entrar sem cerimônia. analisa-te com sinceridade. Lamenta os eventuais transtornos e desculpa-te junto aos demais. Todavia, é indispensável extrair lições do próprio erro.

Narra o Evangelho que Pedro, depois de negar o Cristo, saiu e chorou amargamente. Mas, não se tem notícia de que após esse episódio, o abnegado apóstolo tenha faltado novamente com a lealdade no tocante à sua condição de discípulo. Dali em diante, prosseguiu fiel na liderança do cristianismo nascente e no amparo aos necessitados, até o fim dos seus dias.

Todos nós somos passíveis de instante de fraqueza ou omissão, contudo, o aprendizado que se deve realizar em decorrência deles, carece ser amplo e definitivo.

123 DeuS

57

POMBA

“Eu vi o Espírito descer do céu como uma pomba, e repousar

sobre ele.” – João Baptista. (João, 1:32).

o intercâmbio entre o céu e a terra ocorreu em todos os tempos. Contudo, a manifestação que se vê, depende dos olhos que se tem. Para apresentar o Cristo ao mundo, o Endireitador das Veredas não encontrou comparação mais adequada do que singela pomba que se abaixa aos poucos, até pousar sobre ele.

a delicadeza da descrição faz recordar que essa ave não se sobressai por desferir voo rasante e veloz, mas porque realiza descida suave, sugerindo que a harmonia prevalece nas movimentações que fluem dos céus à humanidade. a utilização da pomba como símbolo da paz presta-se a muitas considerações em torno do Cristo. o testemunho extremamente doloroso e sua postura submissa consagraram-no como modelo de concórdia entre os homens.

Examina, por outro lado, os impérios ao longo da história que se identificaram com a águia, cujas características lembram a rapidez e a astúcia. os governantes que utilizam esse emblema costumam insuflar sentimentos de domínio em seus tutelados, conduzindo-os à subjugação violenta de suas próprias nações ou de outros povos. Sobra-lhes arrogância e crueldade. Colocam-se acima de todos e quando mergulham nos estratos


inferiores é de modo abrupto, incisivo, quase sempre para caçar, ferir, aprisionar e matar. Nunca deixam as alturas hierárquicas para trazer mensagem de fraternização. Não sabem se mover com leveza ou ternura.

Toma cuidado, portanto, com aqueles que te credenciam a funções grandiosas, tentando inspirar-te conceitos de superioridade ou atrair-te com promessas de mando.

o aprendiz do Evangelho não alimenta qualquer noção de supremacia em relação a quem quer que seja. Seu objetivo é desenvolver a pacificidade em seu íntimo e daí fazê-la irradiar-se para os que lhe compartilham a jornada.

Nunca encontrarás cristão verdadeiro que seja belicoso, competitivo, dissimulado, vaidoso ou propenso a medidas despóticas. Ele é, por natureza, manso e humilde, conforme o seu Mestre. Não disputa. Suporta restrições e perdas em silêncio. Sofre traições sem apontar os autores. E perdoa-os porque eles não sabem o que fazem.

Entretanto, quando derrotado e exânime ante as imposições inclementes e o abandono dos amigos, o céu pousa também sobre ele e o conforta sobremaneira. a exortação generosa que lhe chega brandamente aos ouvidos diz-lhe com doçura imensa as inesquecíveis palavras de Jesus: deixo-vos a paz, a minha paz vos dou (João, 14:27).

125 DeuS

58

ESTA NOITE

“Louco, esta noite te pedirão a tua alma...” – Jesus.

(Lucas, 12:20).

o Evangelho te concita a toda hora para a compreensão de vida ativa, após o desmanche do invólucro físico. Estivesse a criatura destinada ao sono eterno e não faria sentido que Deus pedisse a tua alma.

o Cristo também se refere, no memorável debate com os saduceus, ao fato do Senhor considerar vivos tanto aqueles que se encontram na carne como os que já partiram, quando afirma que para ele vivem todos (Mateus, 22:32).

afora essas vigorosas assertivas, Jesus descreve a mais consistente demonstração de dinamismo do espírito após o túmulo, contrastando com qualquer pregação de inércia ou adormecimento. a vitalidade palpita aqui e além da matéria...

Muita gente agarra-se à experiência temporal com desespero, esquecida que traz a eternidade em si mesma. Há apego excessivo às próprias posses, cargos, posições, obras e aos entes queridos. Porém, tu só levas deste mundo aquilo que crias dentro de ti. aliás, o cabedal que desenvolveste em teu interior, de virtudes e vícios, de qualidades e defeitos, de conhecimento e ignorância, tu és constrangido a carregar contigo ao atravessar os pórticos da morte.


Em sua lucidez sublime, Jesus assevera que esta noite, te pedirão a tua alma. Destarte, não te inquietes por causa de teus bens – eles continuarão com os teus herdeiros. Da mesma forma, não te preocupes com teus títulos – eles permanecerão aureolando a tua biografia. Igualmente, não te agites por conta de teus amados – eles te conservarão respeitosamente a memória. outrossim, não te apoquentes em função do teu corpo – a terra se encarregará de aproveitá-lo, na medida do possível.

Deus pede somente a tua alma. Engalana-te. Põe entusiasmo no teu coração, acende o candeeiro da tua inteligência e estampa alegria em tua face. De tantas coisas que acumulaste – aos teus olhos, tão preciosas – o Excelso Soberano não troca nenhuma delas por ti. Ele deseja tua participação em novas travessias, no mar alto da espiritualidade.

Se sabes deste amor inquebrantável por ti, por qual razão não te aprontas com o devido empenho para corresponder-Lhe? Se estás ciente do cuidado incondicional que o Pai te devota, por que não teces desde agora a roupa nupcial para seguir com Ele na grande celebração que até os céus exultar-se-ão em ver?

Não esperes a noite da consciência para ir-Lhe ao encontro. aproveita enquanto é dia! Vive com moderação e confia no Senhor, entregando-te à Sua Vontade, antes mesmo que te convoque, pois, em verdade, tudo e todos pertencemos a Ele!

127 DeuS

59

SUBLIMAÇÃO

“... quantos milhares de judeus há que creem, e todos são zeladores da lei.”

(atos, 21:20).

a transição de um nível de crença para outro não segue o mesmo padrão para todos. É interessante que até mesmo a química nos revela as notórias diferenças com que cada elemento perfaz a mudança do estado sólido para líquido ou vapor.

Dá-se o nome de sublimação à passagem da substância sólida direto para a forma gasosa, sem percorrer a fase líquida. É um processo utilizado para retirar impurezas de determinado composto, já que elas permanecem com o resíduo, não se deslocando para integrar o produto gerado.

Em psicologia, sublimação é definida como fenômeno inconsciente de deslocamento do instinto sexual, cuja energia se canaliza para finalidades culturalmente aceitáveis.

Na abordagem religiosa, esse termo se aplica em geral à capacidade do indivíduo renunciar a alguma atração ou afeto, transferindo esta força para a execução de certo trabalho ou dever de consciência que ele julga prioritário.

Como se depreende dos conceitos acima, sublimar não é expediente ao alcance de todos. Seu custo emocional, quando o espírito não se encontra apto, pode ocasionar sequelas, dando origem a doenças mentais complexas.


o apóstolo Paulo protagonizou admirável e exitoso processo desse gênero. abandonou prestigiosa liderança no combate aos discípulos do Evangelho, para envergar ele próprio a túnica cristã. E não agiu parcialmente, mas com a impetuosidade que o caracterizava. Fez-se homem novo!

Natural, então, que as autoridades reclamassem da alteração brusca e completa do ex-defensor de Moisés. aos olhos de muitos compatriotas, era bem possível conciliar a nova crença com o zelo pela lei, mantendo-se intactas as antigas convicções. Todavia, como ser livre, acatando uma doutrina restritiva? De que modo perdoar, forcejando pela punição exata do dano recebido? Como ser simples, adorando as aparências?

Note-se que exceto a narrativa de Mateus – em que o texto cita com frequência as profecias sobre o Cristo – os demais evangelistas isentaram-se da obrigação de vincular a epopeia messiânica à história judaica. Existem motivos justos para que Jesus viesse no seio do judaísmo, mas considerar indispensável atrelar o Novo Testamento ao Velho é subir o degrau com apenas um pé, conservando inerte o outro. É acreditar em Deus com fervor, sem jamais recostar-se na graça da relação amorosa, íntima e filial com Ele.

129 DeuS

60

LÍDER

“Bendito o Rei que vem em nome do Senhor; paz no céu, e glória nas alturas.”

(Lucas, 19:38).

É comum a concessão do título de rei a quem se sobressai numa determinada atividade, da música ao esporte, da arte à política, da ciência ao poder. Todavia, esses vitoriosos conduzem-se de diversos modos. Existem imperadores que saneiam nações, ao passo que outros as devastam. Determinadas celebridades se embriagam no cálice raso que a admiração pública lhes concede. a mídia fabrica ícones numa velocidade tamanha que alguns mal chegam à condição de astros e já se desvanecem no olvido, lembrando estrelas cadentes prematuras...

Também há os que disputam evidência no bairro, aqueles que se consomem pelo aplauso dos companheiros de trabalho, os que requisitam o incenso familiar, e os outros que sonham com a representação popular junto aos poderes instituídos.

a liderança como função social provavelmente advém do sistema divino. o povo se identifica com a figura do líder, e pode-se dizer que ele se constitui numa síntese da pátria. a intensidade do fenômeno depende do grau de semelhança entre os ideais da nação e aquele indivíduo, que se espelham mutuamente.

Surge o momento em que o Cristo é objeto de louvor generalizado e consagração espontânea. os discípulos mostram-se eufóricos, suscitando


críticas por parte dos fariseus. Jesus, porém, não se abalança com a proposição de um potentado mundano e segue adiante, de coração sintonizado continuamente com Deus. Tudo indica que o Mestre passou a ocupar posto proeminente no imaginário da população, pois durante o seu interrogatório, Pilatos aborda de novo o tema de ele ser o rei dos judeus.

É possível que te encantes com lideranças que contribuíram para o progresso de certo país ou religião, ciência ou arte. Mas, se te apoias no Evangelho, observa nele um método seguro e claro para a implantação da paz na consciência e recusa, com firmeza peremptória, qualquer tentativa de te ungir – ou tua profissão – expoente de alguma coisa. assim, acautela-te quando te acenarem com projeção no ambiente social. Recorda que a multidão, enfurecida e leviana, votaria em peso a favor da crucificação do Cristo, pouco tempo após a entrada triunfal e a aclamação retumbante. Não te fies nas condecorações com que ela te distingue porque o seu humor alterna a cada dia.

além disso, papel muito saliente na sociedade contém sempre risco espiritual porque podes acabar acreditando nessa ilusão. Em essência, não és melhor do que ninguém. Tampouco o teu trabalho. Faze brilhar a tua luz e que vejam as tuas boas obras, mas toda a glória disso cabe ao Senhor (Mt, 5:16), porque – ainda que o mundo te eleve aos píncaros da fama – não passas de pálido reflexo da Suprema Perfeição.

131 DeuS

61

TRINDADE

“Porque nós somos cooperadores de Deus; vós sois lavoura de Deus

e edifício de Deus.” – Paulo. (ICor, 3:9).

ainda prevalece no entendimento da maioria das pessoas uma cisão entre o Criador e o criado. Deus é um só, acreditam, mas o veem dissociado dos descendentes. Chegam a apontar o firmamento como o local de Sua morada. a integração das três figuras sagradas – Pai, Filho e Espírito Santo – permanece-lhes misteriosa e insondável. apreendê-los como unidade, parece exigir certa maturação espiritual ou a vivência de algum êxtase, mesmo que fugaz. a perquirição se reduz, em geral, ao nível do intelecto.

Como é possível ser edifício, lavoura e cooperador a um só tempo? Em primeiro lugar, importa considerar que Deus é o Ser Superior e existe absoluto por Si só. Depois, que a criação – ou Espírito Santo – é a manifestação d’Ele em Seu aspecto coletivo ou Todo. Por último, que as Suas partículas constituem os Filhos. Eis a Trindade...

Não se enganam aqueles que sustentam como sagrado qualquer ente e a sua expressão. Porque tudo é emanação do Pai. D’Ele jorram todas as coisas. o Senhor criou tudo que era passível de existência, e pode ser contemplado como entidade única, com gama tão vasta de atributos e predicados que o denominamos de Causa Primária.


Ele também pode ser reverenciado por Sua obra coletiva, intitulada de Todo ou Espírito Santo, cuja organização e complexidade de leis se conjugam em total harmonia, bem como pela variação de tendências que se equilibram amorosamente numa intrincada tessitura de miríades de seres. Justifica-se a expressão Inteligência Suprema.

Finalmente, cada individualidade guarda-Lhe os potenciais, à maneira de raios de luz vivos que circulam dentro d’Ele mesmo. Herdeiros legítimos, eles refletem esplendidamente as virtudes do Genitor, mas sempre com limites. São magníficos, sem exceção, mas carecem de se unir às demais criaturas irmãs para expressar com perfeição relativa os seus próprios dons.

Desse modo, a centelha revela-se fragmento do edifício do altíssimo, e os frutos de seu trabalho se incorporam à sua lavoura – naquilo que Ele a qualificou para produzir – e, ao mesmo tempo, por se somar aos objetivos celestes, o espírito se torna cooperador da seara cósmica.

a matéria corresponde a estágio transitório no qual alguns Filhos se lançaram, enquanto outros se mantêm na dimensão exclusivamente espiritual. Todos, no entanto, reúnem-se para a execução dos desígnios de Deus. onde quer que te encontres, e independente de como estejas e do que acredites, tu és mônada divina. Portanto, à tua revelia, integras e colaboras no primoroso sistema concebido pelo Senhor!...

133 DeuS

62

SACIEDADE

“Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome...” – Jesus.

(João, 6:35).

a busca exclusiva pelo Cristo externo, ainda que reconhecido em sua imensurável importância de Embaixador Celeste, não satisfaz as carências básicas do homem. Torna-se imprescindível, antes de tudo, compreender que no Eu – reduto imaculado do Pai em cada Filho – encontra-se o pão da vida. Depois, é necessário mergulhar nos estratos profundos de si mesmo a fim de banhar-se nessa fonte sempiterna e inesgotável.

o Evangelho insiste na temática da vida, e afirma que ela existe em abundância no Eu (Jo, 10:10). Todavia, urge transcender os cultos e atividades religiosos, cuja repetição enfadonha e maquinal distancia a criatura de sua verdade interior. E quase ninguém quer morrer porque desconfia da eternidade e do mérito pessoal aos olhos do Infinito.

Tua trajetória, porém, está repleta de vivências de enorme valor espiritual e humano. Cultivaste sonhos imensos, desenvolveste afetos delicados, construíste fé transbordante e depositaste esperança infinda. E, aprumando sobre a tua própria fragilidade, saíste a campo e enfrentaste desafios medonhos.

Na luta desigual contra o destino, sofreste demolidoras perdas, viste mutilados os ideais que te enfeitaram a juventude, e pessoas queridas fugiram-te por entre os dedos aflitos. Houve dias em que te sentiste


atado ao pelourinho e, fustigado por açoites invisíveis, deitaste lágrimas inconsoláveis.

Recorreste a Deus! No auge de tua dor, lembraste que aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á... (Mt, 16:25), e aprendeste, mediante doridos sacrifícios e austeras disciplinas, que em seguida aos projetos desfeitos, às cruzes extenuantes e aos amores insepultos, floresce campo verdoso e próspero.

Seguiste com Deus! a pouco e pouco, ultrapassaste as fronteiras das cruentas decepções, e ensaiaste os primeiros e indecisos passos num mundo diferente e estranho. E descobriste, surpreso e radiante, que nele também há alegria, pois quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á. Então, flui, de novo, das profundezas de tua alma o viço rejuvenescedor, qual seiva de otimismo a te levantar para reluzente aurora de harmonia: apaziguas-te a ti mesmo e em relação às circunstâncias de teu roteiro.

Devagar, renascendo sem ter morrido, voltas a reparar o sorriso das flores pequeninas do caminho, que te viram tantas vezes batido pelo cansaço e desengano.

Movimentas-te com Deus, enfim. andas pelas ruas e casas, vales e montanhas, exprimindo em atitudes e gestos, posturas e palavras, que reencontraste o pão da vida em teu íntimo e estás satisfeito com tudo e todos que o Senhor te deu ao coração.

135 DeuS

63

CARÊNCIA

“Bem-aventurados vós, que agora tendes fome, porque sereis fartos.” – Jesus.

(Lucas, 6:21).

a fome do espírito ficou valorizada no Evangelho. aplicam-se essas palavras do Cristo também à questão dos relacionamentos. a adolescência e a juventude são períodos em que muita gente tem pressa em se saciar, tanto no aspecto afetivo como na experimentação sexual.

Contudo, em qualquer idade, o ser humano às vezes se arroja num compromisso prematuro, supondo haver encontrado a solução definitiva para a sua carência. o tempo lhes exigirá vultosa cota de perseverança para atravessar as crises inevitáveis. as separações e divórcios, bem como as reformulações de atividade profissional e de padrão social deixam marcas indeléveis naqueles que os vivenciam.

a bem-aventurança do Evangelho te conclama para suportar a fase de solidão com serenidade e confiança no futuro. as uniões amorosas e as escolhas mais complexas do destino costumam pedir paciência por parte dos envolvidos para se concretizar bem. acresça-se o mesmo raciocínio às incompatibilidades que surgem nas etapas iniciais do casamento. Somente aqueles que não sucumbem aos atritos e divergências, deparam-se, anos depois, com o florescimento de parceria carinhosa, amiga, plena de reciprocidade.


Entretanto, poucos aguentam os dias de escassez. ainda mais que se vende hoje, através da mídia, produtos e estilos de vida supostamente vinculados ao sucesso, o qual se reputa em bilhete para a felicidade. assim, adquirir certos bens, passar por determinadas experiências ou ter acesso a algumas práticas – a exemplo das drogas e da atividade sexual – são propagados como direitos culturais, dos quais ninguém deveria abrir mão.

Não se surpreende que inumerável quantidade de criaturas, lançando-se intempestivamente na satisfação de suas necessidades pessoais, colha tédio arrasador, cessada a euforia. o prazer imediato – aqui e agora – é estrada repleta de perigos e acidentes. Em tais trechos, estipula-se redobrada dose de prudência. aquilo que ora te falta precisa ser transformado em exercício espiritual. Convém permanecer no posto de trabalho e de estudo, e na sentinela de teus melhores sentimentos junto àqueles que já te compartilham a existência.

a ânsia de afeto e de companhia não deve te impelir a relações distorcidas, em que o sexo prepondera e os teus vínculos familiares são negligenciados. ainda que a sociedade moderna veja tudo com extrema naturalidade, essas ligações – alucinantes e quase irresistíveis – não nutrem o coração a contento. Espera. Cultiva a certeza de que os teus verdadeiros amores chegam sempre pelas mãos seguras de Deus. Na hora e no local em que Ele prepara cuidadosamente para ti!...

137 DeuS

64

LINGUAGEM

“Nunca homem algum falou assim como este homem.”

(João, 7:46).

as palavras do Cristo, segundo ele mesmo, são espírito e vida (João, 6:63). Elas mostram-se impregnadas de vibração superior, tocando as almas e atraindo-as para Deus. Contudo, alguns autores renomados acreditam que este Mensageiro Celeste, portador de tantas qualidades e investido de poderes singulares, tivesse linguagem destinada aos indivíduos de sua época...

ante a incompreensão por parte dos ouvintes que não acompanham o seu raciocínio, o Mestre indaga: por que não entendeis a minha linguagem? (Jo, 8:43). Tal confusão atravessa os milênios até hoje. Exegetas brilhantes instituem escolas cristãs, codificadores compilam mensagens elucidativas, estudiosos realçam aspectos proeminentes. Mas, o idioma do Evangelho se lhes resiste. Então, circunscrevem-no à conveniência de suas teorias, destacando mais a nova doutrina do que a do Cristo.

Mas, tu reconheces que sendo o seu único representante, o Evangelho haveria de ser dotado de vernáculo à altura das verdades eternas de que é portador, porque o céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar (Mt, 24:35). Com o progresso, deduz-se do livro sagrado lições inestimáveis acerca do Criador e da criatura, e de como ambos se fundem e se distinguem. Não te aproximes desse altar de luz sem abrir


a tua inteligência através da oração. Descalça-te os pés espirituais e deixa que o Cristo os lave, de modo a transitar doravante com percepções aguçadas. Medita em suas expressões como se o teu Eu as proferisse para ti mesmo.

Talvez tu te perguntes onde a chave para entender os argumentos do Cristo. analisa sua própria resposta sobre a falta de compreensão: Vós tendes por pai ao diabo... ele foi homicida... e não se firmou na verdade... (Jo, 8:44). Depreende-se do texto que é necessário ser fraterno e autêntico para captar-lhe as assertivas. Todavia, as pessoas se dividem em grupos e seitas, classes e partidos, nações e sexos, truncando a identidade fundamental: a humana. além disso, cultuam a mentira, pois adoram mostrar apenas a versão dos fatos que lhes interessa, e evitam discordar dos erros alheios, em público, a fim de aparentar tolerância.

Desse modo, não acuses o Evangelho de hermético ou ininteligível. Enquanto te arrogas o título de civilizado, mas defendes vantagens de tua profissão ou método, religião ou raça – gloriando o teu segmento – o discurso do Cristo te permanecerá vedado. Embora indispensável, não basta ser caridoso. ainda se requer de ti fraternidade e espiritualismo sem peias, além de postura invariavelmente sincera.

ama e identifica-te com todos os homens, sem exceção, porém conjuga a verdade com equilíbrio. assim, a linguagem do Cristo soará clara e sublime aos teus ouvidos...

139 DeuS

65

UM

“Eu e o Pai somos um.” – Jesus. (João, 10:30).

o Pai legou aos Filhos todos os Seus dons, resguardadas as devidas proporções. N’Ele, as virtudes em estado absoluto e, nos descendentes, em dimensão relativa.

a qualidade que se estampa na criatura é a mesma que, no Criador, alcança projeção ilimitada. Dentre inúmeras outras, citam-se a compaixão, fé, obediência, originalidade, união, alegria e paciência, que distinguem os seres entre si e derivam do Senhor. o fragmento divino é dotado de vida eterna e de habilidades idênticas às d’Ele. Por se constituírem da mesma essência, o Eu e Deus formam a unidade primordial da gênese.

ainda há outra analogia entre a Causa Primária e os rebentos: no Ser Superior todos os princípios se organizam de forma equilibrada e harmônica. Para manifestar grandeza equivalente, os Filhos estão ligados uns aos outros, formando o Todo. o cosmo lembra incomensurável e vivente tecido, cujos fios encontram-se de tal forma mesclados e interagindo que é impossível extrair algum deles do conjunto. Pensa ainda num pedaço de grama: as raízes se entrelaçam umas às outras, a tal ponto que impede a separação por inteiro de qualquer membro. a junção das centelhas entre si complementa as carências individuais e, assim, a totalidade reflete a perfeição do Pai.


Desse modo, Tu és um com a Divindade, sob esses dois prismas: tua parte folha de grama, que se ergue acima do solo, te permite a sensação de liberdade e te supões independente quanto ao restante, chegando a crer que gozas de autonomia plena; mas, terra adentro, o teu coração se entremeia e se prende àqueles a quem amas, dando-te a impressão que te dissolves nesse conglomerado, não mais existindo como personalidade distinta. Nesse caso, transforma-te em apenas parte de grupo ou povo e, não raro, anseias pela fusão completa com alguém.

Com efeito, cada polo – folha e raiz – guarda relação com propriedades básicas do Infinito: a primeira, de ser única e exclusiva como Ele, e a última, de se revelar na forma de um Conjunto de mônadas e leis, reunidas num só organismo.

Tudo no universo constitui imagem e semelhança do Todo-Poderoso porque cada coisa é, literalmente, partícula ou ação d’Ele. E, por menor e remota que seja a expressão realizada pelo Filho, ela representa aptidões provindas da origem.

Deus não te criou pedra ou mineral para que a evolução te torne anjo. Nem te gerou deserdado dos talentos celestes, embora os detenhas com naturais limitações. ao contrário, teu Pai transferiu-te tudo quanto Ele é e tem. Entra já no gozo de tua herança. Empertiga-te e segue altaneiro, pois o Senhor mora em tua alma, desde sempre. E nunca Se afasta de ti, porque, na verdade, vives n’Ele e és um com Ele.

141 DeuS

66

MENINO

“Que será, pois, este menino? E a mão do Senhor estava com ele.”

(Lucas, 1:66).

É possível que ao analisar grande parte das criaturas, tal como hoje se encontram – em seu estágio inicial de evolução – concluas que não há nada em comum entre elas e o Criador.

a imersão na carne acarreta o desvario de se supor que a vitalidade limita-se à duração do envoltório denso. Desse modo, as manifestações de sobrevivência espiritual são relegadas ao esquecimento, quando não extintas no nascedouro, sob o pretexto de processo alucinatório. anulada a evidência de vida eterna, restariam ainda ponderáveis motivos para que o ser humano agisse com mais nobreza e fraternidade. Em primeiro lugar, para ser digno de pertencer à espécie mais inteligente do planeta. Depois, para que a sua memória fosse reverenciada pelos seus descendentes. Finalmente, contribuir para um mundo melhor, em favor dos que hão de palmilhá-lo no porvir.

No entanto, o que se assiste é extensa demonstração de infantilidade. o indivíduo se comporta, com raras exceções, como criança que quer tudo para si. Corroído pelo egoísmo, açambarca bens que deveria gerenciar em benefício da coletividade. Chamado a legislar, o faz em proveito de si mesmo. Convidado a colaborar na subalternidade, sabota as realizações, visando o fracasso dos titulares e a sua consequente promoção pessoal.


ao vê-lo lutando feroz e astutamente por coisas tão miúdas, chega-se a duvidar que esse sujeito tenha se originado do Supremo. onde a amplidão e a profundidade? Que é feito da grandeza de alma?

apequenou-se, sem dúvida, o Filho de Deus. Rebaixou-se às mesquinharias do teatro terreno. Esqueceu-se de sua proveniência sagrada. Subjugado pelo tempo, descrê da eternidade própria.

Mas, a mão do Senhor estava com ele. Surpreso, o homem constata que possui capacidades que jamais sonhara. E, dominando as forças da natureza, avança célere na produção de instrumentos tecnológicos que lhe permitam solucionar o problema da fome e do analfabetismo, bem como o desafio da guerra e das doenças degenerativas.

Enquanto realiza prodígios com suas habilidades, o garoto cresce e atinge a adolescência. Vive, no momento, a excitação febril de se enturmar, por intermédio da globalização. Formam-se, assim, os blocos de nações, ainda bastante focados nas trocas comerciais, contudo, a vasta gama de intercâmbio e solidariedade deixa entrever promissor futuro. até o dia em que a presença do Senhor ocupe-lhe não só as mãos, como também o coração e a consciência e haja paz e verdadeira união entre os povos...

143 DeuS

67

SALVAÇÃO DA CARNE

“E toda a carne verá a salvação de Deus.” – Isaías. (Lucas, 3:6).

a salvação da carne tem sido procurada arduamente, tanto pela medicina como por certos ramos religiosos. a primeira, empenhada na obtenção da saúde orgânica, a qualquer preço, exclui o fator emocional, matriz de grande parte das moléstias que flagelam o físico. os últimos, no afã de solucionar o drama da redenção espiritual, supõem que o Senhor resgatará os corpos, valorizando-os mais do que as próprias almas que lhes sustentam a existência passageira.

ambas padecem lamentável equívoco, movidas pela pressa do resultado e pelo entendimento concreto dos fenômenos. a ciência médica ignora o psiquismo, não vendo que a maioria dos sintomas clínicos constitui projeção das sensações e atitudes que transcorrem na mente. as fileiras religiosas que creem na salvação da carne, presas à interpretação reducionista das palavras bíblicas, desconhecem que toda a matéria evoluciona – ainda que imperceptivelmente – para energia e daí para o espírito.

Cativas desse “materialismo espiritualista”, muitas criaturas ziguezagueiam em horizontes estreitos, pois a visão acanhada não lhes permite nenhum voo do raciocínio ou da fé. o profissional de saúde condena-se a lidar com o reaparecimento frequente da doença, seja no mesmo local ou alhures, impondo-lhe o malogro terapêutico, em função


de desprezar a semente da enfermidade, radicada na consciência. E o crente que o retorno espiritual se dará no mesmo corpo, enterra-se junto com ele após a morte, sufocado pela falta de confiança na sobrevivência soberana da alma.

Todavia, não é a inteligência que está a serviço da carne, mas esta que se encontra à disposição daquela. Deus é espírito (João, 4:24), portanto, gerou espíritos. Inverter a ordem dos fatores implica em grave prejuízo, pois o tão sonhado paraíso não é nem será nesta terra, cujos elementos retornam também, devagar, à condição espiritual primitiva. Desse modo, urge que te reconheças autêntico Filho de Deus a fim de assumir em definitivo a tua identidade celeste, pois o paraíso começa dentro de ti mesmo.

São graves os danos provocados pelo enfoque materialista junto aos cristãos. o que esperas que te aconteça, quando entregares o corpo ao chão? Ser depositado em urna de algum cemitério de espíritos até a ressurreição de tua veste material ou deslindar os segredos da dimensão nova, pleno de vitalidade?

a evolução caminha para a vida cada vez mais abundante, tanto na carne como fora. Tu volverás à experiência orgânica, mas, reiniciarás pelo ventre materno, conduzindo outro físico. De que adiantaria ressuscitar um corpo velho, alquebrado e enfermo? Nada fica eternamente perdido. Ninguém permanece sem redenção. Toda carne alcançará a sublimação espiritual porque Deus salva sempre.

145 DeuS

68

DESCER DO CÉU

“Porque eu desci do céu...” – Jesus. (João, 6:38).

algumas criaturas julgam-se caídas do céu, demonstrando grande estranhamento para com as coisas terrestres. Enumeram críticas infindáveis, apontam imperfeições inadmissíveis e se isolam de tudo e de todos.

Há aqueles que, conquanto na carne, permanecem em imaginário ambiente celestial. Movem-se tocados de extrema sensibilidade. Tanto que se consideram impossibilitados de conviver com a grosseria do ser humano comum. Dizem-se torturados só de presenciar os padecimentos e angústias dos sofredores e oprimidos.

Contam-se ainda pessoas jungidas à sua concepção personalista da Providência, e achando cabível impô-la aos demais. armam conflitos, segregam opositores, decretam normas e padrões, interpretando a personagem afeita ao poder temporal que, embora a aparência de ovelha, é em verdade, lobo manhoso e cruel. Perfeccionista e exigente, apraz-lhe expulsar os que não lhe atendem às regras.

No entanto, como os demais Filhos, tu também és um Eu divino – gerado espírito no âmago de Deus – em laborioso resgate de tuas propriedades originais. Para reavê-las e te sentir reinstalado no Eterno Lar, hás de velejar ainda oceanos de evolução.

Dentre os vindos do céu, Jesus Cristo se destaca pela lucidez em relação à procedência sagrada e por patentear alcandorados recursos


espirituais. Esbanja liberdade sem jamais se esquecer da compaixão. associa inteligência impar com fé incomum. Estrela brilhante num mundo de trevas, assume sua condição, mas não humilha ninguém com seus dons sublimes. Coloca-se de igual para igual com os homens, vive em sociedade e educa diuturnamente.

Segue, portanto, o exemplo do Cristo e desce das alturas com equilíbrio e sabedoria. Não te encasteles em tuas incipientes virtudes. Não exaltes tuas qualidades nem os princípios que agasalhas, antes reconhece em cada Filho os talentos residuais do Criador. apieda-te dos aflitos e sobrecarregados e disponibiliza-te para o auxílio e a pacificação. Conclama teus amigos para a ruptura de velhos paradigmas – de tradições familiares ou crenças – a fim de devassar novos estágios de fraternidade.

E quando dominares os ventos e fizeres do mar tapete para os teus pés; e assim que mitigares a dor dos infelizes e curar-lhes a revolta; e quando descreveres aos ouvintes como é o céu e o trajeto mais rápido para se alcançá-lo; e tão logo deres testemunho de tuas palavras, demonstrando que retomaste inteira consciência do Eu que habita em teu espírito, ao obedecer fielmente a Deus em toda e qualquer circunstância, inclusive naquelas em que fores traído e abandonado, desentendido e injustiçado, crucificado e morto, então, dirás também com genuína autoridade: eu desci do céu.

147 DeuS

69

GRITOS

“... cuidaram que era um fantasma, e deram grandes gritos”.

(Marcos, 6:49).

Se, por um lado, a existência de qualquer resíduo imaterial no gênero humano é passível de dúvida para muita gente, pelo outro, torna-se razão de incontrolável temor para inúmeras pessoas. Todo medo contém parcela de irracionalidade, que foge à lógica, ao bom-senso. Não raro, alguém afirma não acreditar que haja espíritos, mas que, ainda assim, tem receio de ver fantasmas. Também se encontra indivíduos que depõem fé na comunicação mediúnica, mas se horrorizam ante a ideia de contato visual com as almas.

a passagem evangélica, em estudo, se refere à apreensão exagerada dos apóstolos no momento em que Jesus se aproxima do barco, à noite, andando sobre as águas, pois o julgavam em terra firme. o espanto descontrolado por parte dos aprendizes, ao não identificar a figura em deslocamento, poderia ser mais madura e discreta, sem atingir o paroxismo do pânico.

assim também, muitos cristãos só conseguem absorver os ensinamentos de Jesus quando aplicados às questões filosóficas. Reconhecem no Evangelho fonte extraordinária de saber, que lhes inspira apologias ao amor e ao perdão. Entoam louvores à paciência do insigne educador por lidar com homens rudes e iletrados. Extraem-lhe valiosas instruções acerca do exercício da liderança construtiva. E colhem advertências de profundo valor para diferentes ocasiões práticas.


Contudo, quando se deparam com a ressurreição, parecem invadidos por embotamento do raciocínio. a vida espiritual, como prolongamento direto e imediato da experiência na carne, traduz enigma insolúvel para suas mentes. o pensamento enrodilha-se nas coisas concretas e perecíveis, impedindo-lhes de prosseguir alguns passos no desenvolvimento da consciência profunda.

Mais além, por conta da mesma fragilidade ante os fenômenos transcendentes, outros cristãos se recusam a admitir a interação medianímica, dando-lhe conotação diabólica. Preferem ignorar os tópicos do Evangelho relacionados ao frequente e variado intercâmbio de Jesus com os mortos. É que lidar com as almas causa-lhes ainda irreprimível pavor. Suprimem o aspecto espiritual, mutilando-o sem qualquer escrúpulo, e induzem seus seguidores a se concentrar na vitória e no sucesso de objetivos mundanos. Lembram cegos guiando cegos...

Muitas vezes, seus cultos e pregações são repletos de gritos estentóricos, ao lado de música ensurdecedora e encenações extravagantes. É possível que, no fundo, aqueles que propagam o Cristo em espetáculos dessa natureza, tenham medo de encontrá-lo, em espírito, e ouvir-lhe a opinião franca a respeito da conduta festiva e teatral: Ai de vós... que fechais aos homens o reino dos céus... (Mt, 23:13).

149 DeuS

70

IMUNDÍCIE

“... Deus mostrou-me que a nenhum homem chame comum ou imundo.” – Pedro.

(atos, 10:28).

as organizações sociais estruturam-se em castas, ostensiva ou sutilmente. Em certos países, a fortuna desencadeia autênticos abismos entre ricos e pobres. Estes são vistos geralmente como subcategoria humana, cujos direitos são espezinhados e encontram-se muito mais sujeitos às enfermidades, privações sócio-educativas e sanções legais por qualquer infração cometida.

Determinada nação se posiciona acima das demais, graças ao seu poderio econômico, ou por se considerar a escolhida de Deus ou ainda em função de algum dom peculiar de seu povo. assim, as grandes potências cavam enorme fosso em relação às subdesenvolvidas, explorando-lhes os bens naturais e a mão de obra sem retribuir devidamente para o aprimoramento e bem-estar da população.

Desse modo, indivíduos e países conservam-se à margem da civilização, protagonizando quadro de ignorância e miséria, opressão e delinquência, e a solução demanda intenso trabalho mirando a redução da desigualdade social.

Desde insignificante aldeia à mais imponente metrópole, a riqueza se concentra na mão de poucos cidadãos. os que não a possuem, buscam-na


sofregamente e, surgindo a oportunidade, locupletam-se em pouco tempo. Instalando-se nas mansões da opulência, mesmo aqueles que vieram da periferia, renegam a origem humilde e asfixiam os antigos ideais de amor ao próximo ou à coletividade. E recorrem ao passado obscuro somente nos momentos que dependem da aprovação da massa ou visam enaltecer a sua hipócrita benemerência. Em seguida, enquadram-se no figurino aristocrático, desprezando a multidão dos carentes e oprimidos com suas insupríveis necessidades.

Mas, no íntimo de cada criatura repousam talentos divinos. Muita vez, é entre os menos abastados que floresce a fraternidade espontânea. Nos bairros distantes dos grandes centros, costuma-se experimentar compaixão legítima pela dor alheia e demonstrações muito efetivas de solidariedade.

Conhece-se o vizinho e sabe-se que se pode contar com ele nos dias de tristeza e infortúnio que, amiúde, visitam os lares. uma família em desamparo torna-se alvo do socorro imediato por parte de todos que a rodeiam. E quando não dispõem de valores amoedados, confortam-se os padecentes com a presença e manifestações de apoio indireto. Verificando tal procedimento, permite-se indagar qual ambiente social revela mais imundície no coração do homem: onde existe apego à riqueza e à aparência ou nos rincões da escassez e do abandono?

151 DeuS

71

A FESTA

“Buscavam, pois, a Jesus e diziam uns aos outros, estando no templo:

Que vos parece? Não virá à festa?” (João, 11:56).

Na esteira dos séculos, muitas pessoas têm buscado Jesus nos ambientes religiosos. os diversos ramos do cristianismo edificaram templos de vários tipos e tamanhos. ali congregados, em diferentes cultos e cerimônias, professam a fé cristã, centralizando-se mais neste ou naquele trecho do Evangelho.

Dentre outros aspectos, algumas ramificações priorizam a unidade entre o Pai, o Filho e Espírito Santo. outros concedem primazia ao batismo, atribuindo-lhe poder de salvação. ainda aqueles que enfatizam a reencarnação e a comunicação mediúnica.

No entanto, em todos os locais, a rotina das atividades infunde automatismo, esmagando as florações de criatividade. a rigidez de normas prevalece, extinguindo a liberdade. Não há envolvimento da vontade própria. aboliu-se o entusiasmo pela vivência das palavras. as formalidades, os horários e até as vestimentas tornam-se exigências prioritárias. a espontaneidade foi banida pelo excesso de organização.

Em oposição à monotonia e ao cerimonialismo das reuniões evangélicas, surgem os divertimentos. Desde os pequeninos apelos à bolsa alheia com o fim de angariar fundos para manter as ações planejadas,


passando pelos empreendimentos beneficentes, bem como as viagens e acampamentos de cunho recreativo com verniz de religiosidade, até aos cultos retumbantes, transformados em espetáculo, tudo é festa! a diversão representa a única alternativa que consegue fixar muita gente arredia e incrédula no agrupamento religioso.

Dessa maneira, quase tudo se converte em produto, com cuja venda se obtém recursos para a expansão dos serviços. os setores que põem tais engrenagens em marcha atraem grande número de cooperadores. Na verdade, eles reprisam ali o que normalmente fazem em suas profissões. ao invés de levar a experiência transcendente para os seus lares e ofícios diários, esses participantes invertem o fluxo e estendem a sua ocupação habitual ao templo. E, com frequência, metamorfoseiam-no em empresa, dedicada ao incremento da renda através, em especial, da promoção de eventos festivos.

Tais observações não propõem a exclusão da alegria na casa cristã. o júbilo autêntico também está consagrado no livro santo. os encontros coletivos e as confraternizações ficaram sacramentados nas formosas visitas domiciliares do Cristo, bem como nos sermões e na multiplicação dos pães. Mas, é indispensável que se busque conciliar a descontração com a reflexão séria nos trabalhos e cultos. o apego às convenções e a inclinação para festividades engendram desilusões graves no futuro. Em muitos casos, a criatura jamais se encontra, no íntimo, com o Mestre. Ela permanece aguardando indefinidamente, pois, com essa postura Jesus talvez nunca lhe apareça...

153 DeuS

72

SINAIS

Quando o Cristo vier, fará ainda mais sinais do que os que este tem feito?

(João, 7:31).

Jesus foi pródigo em sinais do céu, desde que se tenha olhos de ver. Promoveu curas instantâneas de enfermidades crônicas, andou sobre as águas, fez cessar tempestades, desapareceu em meio à multidão, foi objeto da manifestação espiritual ostensiva de Moisés e Elias, transformou a água em vinho, multiplicou os pães e ressuscitou Lázaro, dentre outras maravilhas.

No tocante à inteligência, discerniu o que pertence a César do que é do Senhor; apontou a contradição de se cuidar dos animais no sábado e negligenciar os sofrimentos humanos; repreendeu a preocupação com a aparência, enquanto a alma persiste cheia de iniquidade; advertiu em relação à ânsia pelos primeiros lugares porque despreza a humildade; esclareceu que os enfermos precisam de médico e não os sadios; argumentou que a ansiedade não acrescenta nada ao valor intrínseco da pessoa e elucidou que não se pode servir simultaneamente ao Eterno e às riquezas.

Quanto à religiosidade, apesar de não se comportar como judeu clássico, esquivou-se de renegar a crença de sua raça. Frequentou ocasionalmente o Templo e as sinagogas, mas fez do mundo o campo de sua seara. Transformou residências de simpatizantes em cenáculos educativos, erigiu cátedra num barco tosco e pregou o reino de Deus com inexcedível


simplicidade. Evitando raciocínios complexos, Jesus explanou que o Pai está presente no Filho tanto como este se encontra n’aquele.

Despido de aparatos, livre de convenções, atento às circunstâncias e necessidades de cada instante, e orientado por sua consciência ímpar, o Cristo executou a mais revolucionária atuação que já se assistiu.

Depois de alguns anos de lições vivas e libertadoras, encerrou o seu magistério com o impressionante testemunho do Calvário. Sem medo, sem mágoa, sem surpresa. Demonstrou, ao longo do falso julgamento e das expressões de violência, sublime mansuetude aliada a inquebrantável dignidade. Coroou os seus últimos momentos, cuidando do destino dos que o cercavam, perdoando os algozes e se entregando ao Criador.

É possível se acreditar que este santo ou aquele pensador, tal filosofia ou qual doutrina tenham esclarecido algum conceito que ficou muito sintético nas palavras do Cristo. Mas, segundo o próprio Mestre, estes colaboradores apenas fariam lembrar tudo o que ele mesmo disse. Ninguém até hoje, isolado ou em grupo, na carne ou em espírito – ainda que magnificamente inspirado ou portador de extraordinário bom-senso – trouxe qualquer novidade ou acréscimo substancial ao Evangelho. É na profundeza de suas raízes e na autoridade desse tronco que os ramos cristãos se alimentam e se apoiam.

155 DeuS

73

O SONO

“E, voltando, achou-os outra vez adormecidos...”. (Mateus, 26:43).

o corpo físico não prescinde do sono reparador. Sabe-se, na atualidade, que diversas funções, a exemplo da memória, dependem das horas de repouso da vigília para se processar.

a passagem evangélica, porém, suscita reflexões sobre a sonolência e suas variantes. Quanta gente se agarra ao leito, requerendo descanso prolongado, por ocasião das aflições inevitáveis da trajetória humana. Muitos outros se encasulam em completo alheamento, pois qualquer problema doméstico transtorna-lhes a paz interior. ainda há aqueles que impõem a si próprios a perda da consciência através do coma, único estado em que conseguem atravessar o pavoroso túnel da morte.

Grande parte das pessoas aspira ao sossego total, idealiza o bem estar na vida litorânea e sonha com a aposentadoria precoce e bem resguardada financeiramente. Poucos planejam servir à coletividade até o fim de seus dias. Raros conservam saúde para tal cometimento.

No entanto, a modorra se revela inconveniente por demais em certos casos. Trata-se das encruzilhadas do destino que todo caminhante, cedo ou tarde, acaba por se deparar. Vem o dia em que tu também sentirás o peso da angústia incoercível, face à responsabilidade de escolhas que te parecem tremendas e definitivas. Gostarias de dividir as tuas apreensões com alguns poucos amigos. Desejarias trocar ideias com os teus entes queridos.


Todos, de uma forma ou de outra, mostram-se absorvidos com objetivos pessoais. Quando te referes aos teus projetos transcendentes, eles se inclinam a desqualificar a tua opção. ao expor que preferes o sacrifício de ti mesmo em beneficio dos outros, muitos te exortam a buscar interesses mais imediatos. Não te amofines com questões tão vagas – afirmam-te – pressurosos de que te tranquilizes. E como argumento final, dizem-te: se nem Jesus resolveu os conflitos do mundo, por que então te agastas assim?

a narrativa evangélica registra que o Cristo insistiu com os apóstolos para orar com ele por três vezes. Mas, a apatia os dominou e deixaram-se vencer pelo sono. ao ser preso pouco depois, Jesus mantinha-se lúcido e resoluto. Não te descuides, portanto, da vigilância nas horas dramáticas de tua existência. Quando teu coração prenunciar o tempo de decisões cruciais, abre bem os teus olhos e procura ver com toda a clareza possível. Igualmente, aprende a fechá-los para comungar com Deus. Só a Providência Divina pode munir-te de bastante coragem e renúncia, sustentando-te o espírito para as ásperas travessias de redenção...

157 DeuS

74

CONTRA

“E a todo aquele que disser uma palavra contra...” – Jesus.

(Lucas, 12:10).

antes de tudo, convém enfatizar que Deus é espírito (João, 4:24), e, portanto, gerou espíritos. Lembra-te de que eles podem ser vistos de duas maneiras: como célula distinta, caracterizando o Filho, ou no conjunto dos seres, configurando o Espírito Santo ou Todo. a criação não se restringe aos astros em suas órbitas espaciais, cuja magnificência constitui apagado vestígio do universo espiritual. Qualquer teoria sobre a gênese que se reporte aos elementos astronômicos lida com ecos longínquos da parturição original. É necessário abstrair do pensamento toda a noção de matéria no tocante aos conceitos de Deus, Espírito Santo e Filho.

Todavia, quando tu focalizas tua atenção em ti e em cada individua-lidade, na dimensão evolutiva em que te encontras, é compreensível que detectes avultadas imperfeições. Como admitir que a fera humana deriva da cepa do Senhor? Sobra-lhe animalidade e falta-lhe angelitude. o tipo de homem que predomina na crosta terrestre ainda ressuma atitudes incompatíveis com a sua procedência celeste. arrastado por paixões grosseiras que o compelem a crimes hediondos, é capaz de ofender de modo deplorável os próprios descendentes, os quais o altíssimo o incumbiu de proteger. Em diversos aspectos, pode-se afirmar que ele se nivela a bestas primitivas. Logo, toleram-se os teus erros de avaliação quando analisas


a criatura isoladamente. Todo aquele que disser uma palavra contra o Filho do homem ser-lhe-á perdoada.

Por outro lado, o Espírito Santo, na feição de somatória organizada e dinâmica dos rebentos, deslumbra pelo equilíbrio, apesar do incessante transformismo, inda que o investigues pela ótica materialista da astronomia ou das ciências naturais. Esse Todo causa veneração, seja pela sabedoria que tudo aproveita em benefício do meio, seja pelo poder com que restaura a ordem e a vida após os cataclismos e convulsões do ambiente.

assim, a Totalidade conserva, de forma exuberante, os sinais da Suprema Inteligência, mesmo neste setor do universo aprisionado na estreiteza do movimento circular da matéria. Resistir a tais provas da existência de Deus, não se curvando ante demonstrações tão evidentes, denota comportamento inaceitável pelo código evangélico: ...mas, ao que blasfemar contra o Espírito Santo não lhe será perdoado.

o Criador conserva-Se incólume no âmago da centelha. Se, por enquanto, tu não consegues vê-Lo no Filho, contempla o cosmo e encontrarás nele o Espírito Santo, revelando-te a Perfeição absoluta em toda parte. Mas, reflete: seria possível obter um Todo harmônico e coeso se as partículas não fossem também divinas?

159 DeuS

75

LÍNGUAS

“E agora, irmãos, se eu for ter convosco falando línguas estranhas,

que vos aproveitaria...” – Paulo. (ICor, 14:6).

Existem muitos recursos necessários à veiculação de conceitos elevados. Ninguém se creia desobrigado da linguagem adequada, em qualquer meio de divulgação, sob o pretexto de que o valor está no conteúdo. assim, o escritor e o palestrante, o artista e o comunicador devem se inteirar das técnicas pertinentes às tarefas em que se engajam. Em contrapartida, também se impõe a reflexão quanto ao exagero de acabamento na apresentação dos trabalhos em foco. Tal distorção acarreta vários inconvenientes.

a oratória que se reveste de excessivos adornos desvia a atenção para a forma e descura da essência. Do discurso eloquente irrompem argumen-tos em demasia, contudo, eles não atraem para o serviço ou a renúncia. a exposição que peca pelo abuso de convicção tende a ignorar alternativas também válidas para as questões abordadas.

o texto que se enfeita com adjetivos múltiplos extrapola a capacidade de absorção por parte de quem lê. a redação prolixa costuma exaurir a mente que a compulsa. o escrito conciso ao extremo desanima o cérebro que o estuda, transformando-se num enigma a desafiar interessados e pesquisadores.


Em todos os ramos do cristianismo, observa-se o pendor de alguns discípulos para a complexidade ou a ornamentação requintada, ao invés de priorizar o simples e o claro. afastam-se nitidamente do Evangelho, cujo enunciado contém expressões comuns e frases curtas, facilitando a compreensão do leitor.

Exige-se da linguagem utilizada para espargir a mensagem do Cristo que se ajuste na substância e na forma. Ela deve incluir conceitos profundos e renovadores e, ao mesmo tempo, prontamente assimiláveis. E, de preferência, emoldurados com graça e beleza. Há de ter ainda entonação que desperte o sentimento de confiança no Senhor. o apóstolo Paulo chama a atenção para que não se ofereça à plateia relato em língua estranha. Na atualidade, o problema principal parece ser, por um lado, a aridez doutrinária ou cientificista e, pelo outro, o culto aos antigos profetas.

Mas, talvez, grave mesmo seja a falta de palavras do próprio Evangelho, nas casas que se dizem cristãs. as pregações e textos padecem da ausência do Cristo, quando não o repetem de modo mecânico ou literal. Podem ser ruidosos, festivos ou eruditos, mas não trazem a inspiração e o enlevo de espiritualidade. Portanto, não timbram o coração nem iluminam o intelecto. Não incitam o ouvinte para as primícias da entrega a Deus e à fraternidade universal, deixando-o ainda mais vazio, sem rumo e sem esperança...

161 DeuS

76

LIBERDADE

“...devendo ser julgados pela lei da liberdade.” (Tiago, 2:12).

a liberdade constitui princípio fugidio no ser humano. Ele a deixa escapar-lhe das mãos, sem perceber que abdica de um talento fundamental... No campo religioso, é comum que o indivíduo se considere eximido da obrigação de analisar os preceitos por si mesmo. assim, adere passivamente aos ditames do profissional da fé, às ordens do dirigente da instituição à qual se filia ou aos argumentos de renomado autor.

No terreno da saúde, tem-se por padrão o enfermo submeter-se irrefletidamente às instruções do profissional da medicina e dos setores paramédicos, sem ao menos esclarecer os motivos desta ou daquela conduta relativa aos exames e intervenções.

Na cidadania, é costume o sujeito omitir-se do dever de integrar-se aos órgãos públicos ou representativos de classes, a fim de participar do levantamento dos problemas da comunidade e consequente busca de soluções.

Todavia, a liberdade, qual fulgurante dom entranhado nas mônadas pelo Eterno Poder, não pode ser desdenhada assim impunemente. É necessário que ajuízes por ti próprio, cotejando os diferentes pensamentos e abordagens. Não te equivoques, pois, supondo que a tua ignorância acerca dos riscos, bem como a credulidade na pregação de quem quer se seja te


dispense de prestar contas. És o primeiro e grande responsável por teus atos e escolhas, omissões e alienações.

algumas pessoas empolgam-se com a interpretação do Evangelho à qual se filiam e lhe reivindicam a exclusividade no papel do Consolador, demonstrando incompreensão das palavras do Cristo referentes ao tema. acreditar na existência de um único consolador reproduz o equívoco de admitir que Deus tivesse gerado um só Filho ou que o demônio fosse uma entidade individual. Entretanto, qualquer conhecimento ou atitude que conforte espiritualmente alguém, exerce a função consoladora, em especial, quando coopera no restabelecimento da consciência da filiação divina pela criatura.

Portanto, é teu livre arbítrio entregar-te a esta ou aquela proposição, abraçar tal ou qual conduta ou ensinamento, mas, prepara-te porque um dia tu haverás de responder à indeclinável pergunta: por que julgaste tua crença superior às demais? Em que te baseaste para firmar semelhante conceito? Convém não te apoiares somente em opiniões alheias, ainda que ilustres. Lembra-te da célebre observação de Jesus a Pilatos, quando este, zeloso dos títulos e maquinações políticas, indagou ao Mestre se ele era o Rei dos Judeus: Tu dizes isso de ti mesmo, ou disseram-to outros de mim? (João, 18:34).

a liberdade representa princípio celeste por demais valioso para ser negligenciado. Então, dependendo de tua resposta, assentar-te-ás no cume da paz no coração ou te verás lançado na fogueira da recriminação ácida de ti mesmo.

163 DeuS

77

GRAÇA

“E o Deus de toda a graça...”. (I Pedro, 5:10).

as leis e os costumes regem a comportamento do cidadão e dos povos, em seu contínuo aperfeiçoamento. Em toda parte, a sobrevivência exige pesados tributos de qualquer sujeito. a autossustentação demanda trabalho diuturno a fim de se prover dos elementos necessários. o cuidado da família reclama horas e horas na charrua, de modo que o teto, o pão, o agasalho e a educação erijam-se como pilares do bem-estar.

a quantidade de criaturas que se dá ao luxo do serviço moderado e se aposenta com tranquilidade ainda representa notável minoria. Idosos que enfrentam atividades árduas para facear as premências do dia a dia formam avantajado contingente. a fome e o analfabetismo constituem mazelas importantes a fustigar estratos sociais densos na maioria das nações.

Nada é de graça no mundo. Tudo tem seu preço. Quando não se dispõe de meios para a aquisição dos bens almejados, e se o rendimento não faculta o acesso, resta – para muitas pessoas – a pobreza, a inveja, o desespero, a revolta.

Caso o indivíduo conte com alguma crença em Deus, começa a estabelecer negócios com o Senhor. Solicita-Lhe esta ou aquela providência visando alcançar a realização afetiva e social. aspira pela saúde para conservar-se no emprego, com o qual faz frente aos gastos domésticos.

Gilberto

Highlight


Pede-Lhe benefícios, prometendo aplicá-los em favor dos entes queridos ou da comunidade.

E, em breve tempo, o homem constata que o banco Celeste funciona com incomparável generosidade. Empresta sem avalista. Cede sem garantias. Investe sem desconfiança. Se o devedor honra seus compromissos, torna-se cliente respeitado e suas novas propostas são analisadas com atenção redobrada. Dificilmente ele não será atendido em seus pleitos posteriores...

Todavia, tu já avançaste no intercâmbio com Deus e sabes que a Misericórdia Divina nunca descuidou de Seus Filhos. olhando para os teus próprios potenciais, tua vida e daqueles que te circundam, percebes-te abarrotado de dádivas. Como pôde o alto privilegiar-te com tamanhas graças, desde o princípio, sem nenhum mérito de tua parte?! Perplexo, encerras neste ponto qualquer petitório direcionado ao Infinito.

além disso, tu reconheces que os períodos tristes e dolorosos tornaram-se cicatrizes de luz em tua alma. São estigmas de tua cruz pessoal, ocultos aos olhos de todos, e que certificam o amadurecimento do teu espírito. Como não agradecer, genuflexo, por essas experiências e até mesmo pelas lágrimas do caminho?

assim, o teu coração se transforma num cântico permanente de gratidão e alegria.

165 DeuS

78

UNIGÊNITO

“Deus enviou o seu Filho unigênito ao mundo...”.

(I João, 4:9).

os traços animalescos que ainda caracterizam as ações do ser hu-mano tornam difícil identificá-lo com Deus. Muitos de seus sentimentos e atitudes estão impregnados pela noção de transitoriedade – da morte incontornável – destruindo-lhe qualquer perspectiva de vida eterna.

assim, o homem não vislumbra sua continuidade. Nem registra outros recursos espirituais que detém em si mesmo, colocando-se num plano passageiro do universo. agarra-se com desespero ao corpo de carne, supondo residir nele os dons de vitalidade, prazer e consciência.

Nesse estado de desvalor consigo mesma, a criatura encontra no Cristo exemplo singular de espiritualidade e imputa-lhe dons especiais de filiação celeste. Somente Jesus aparenta carrear em si os elevados atributos que emanam da Infinita Perfeição.

Contudo, o Evangelho se incumbiu, antecipadamente, de nos alçar à condição de Filhos igualmente amados, detentores de idêntica origem sacrossanta: o mesmo pai vos ama (João, 16:27) e vós sois deuses (João, 10:34), atestando nossa paridade com o Magnífico Nazareno. Não há talento constituinte do Poder Supremo que não esteja infundido em tua alma.

Portanto, tu és Filho único, nunca duvides disso. as virtudes que te compõem são as mesmas que povoam os outros rebentos do Senhor, mas o


conjunto que fulge em teu espírito é exclusivo em toda a criação. Deus não originou clones de ti nem tu procedes de outrem que não do Próprio. Seria absolutamente injusto que o Pai concedesse a uma fração de descendentes o dote da personalidade única, reservando aos demais sempre o papel de figurantes ou meros expectadores.

Desse modo, o fato de alguém permanecer anônimo aos olhos da imensa maioria, não lhe subtrai as peculiaridades que o individualizam nem a estima que pequeno grupo de amigos e familiares lhe dedica ou a sua importância para o meio comunitário.

Jesus Cristo serve ainda aqui como referência. ao encerrar sua missão, o fracasso era esmagador. Poderia ter se tornado apenas mais um desconhecido e amaldiçoado, dentre tantos outros pendurados no madeiro (Deut, 21:23). Contudo, alguns poucos discípulos, soerguidos pelo Mestre – após o trauma da cruz – iniciaram a propagação do Evangelho nos diversos confins do planeta, demonstrando sua originalidade e valia.

É possível que tu mesmo, às vezes, descreias da herança relativa à tua individualidade perene. Tudo indica, porém, que o Senhor enviou só um exemplar de ti ao mundo. o que tens feito para revelar que és, de fato, mensageiro da Providência?

167 DeuS

79

CICLOS

“Mas, quero lembrar-vos, como a quem já uma vez soube isto... ”.

(Judas, 1:5).

a humanidade avança através de ciclos que se revezam ininterrup-tamente, a exemplo dos períodos de fé seguidos por fases de incúria e épocas de espiritualismo substituídas por temporadas de exaltação da sensorialidade.

Cada ocasião atrai espíritos mais sintonizados com as oportunida-des que o ambiente oferece, sentindo-se mais à vontade com os padrões prevalentes.

a atualidade apresenta aspectos predominantemente femininos, destacando-se a globalização e a apologia do prazer sexual. Vale esclarecer que a face masculina reduz o sexo à procriação responsável da espécie, ao passo que o feminino enaltece-lhe o lado sensual e prazeroso. ambos devem equilibrar-se entre si.

o discurso do Cristo denota maior identificação com os aspectos masculinos, tanto que ele se diz o Filho do Homem. Jesus é o divino semeador, encarregado de introduzir a semente da verdade e da compaixão no íntimo das criaturas. No Evangelho, as relações afetivas ficam sujeitas à missão – o cumprimento do objetivo espiritual não pode ser adiado por conta de gratificações ou compromissos afetivos.


o culto à satisfação sexual, hoje, e o uso de enfeites e adereços por parte dos homens simbolizam a prevalência dos princípios femininos. Semelhante às fases masculinas que pecaram pelo exagero, promovendo o isolamento do indivíduo em mosteiros – na vã tentativa de cercear-lhe a vivência do sexo e do afeto familiar – ou canalizando essa força instintiva para as guerras, assiste-se no presente à supervalorização das energias sexuais, aliada ao clamor pelo direito de se manter relacionamentos afetivos não obstante, às vezes, sua inadequação ou inconveniência.

apesar de sua postura existencial nitidamente masculina, Jesus sempre manifestou profundo respeito pelas pessoas de conduta feminina típica, como ocorreu com a “mulher samaritana”, cujo passado acumulava cinco maridos e vivia, naquele momento, uma relação que correntemente denomina-se “caso”. Entretanto, tal senhora de vida aparentemente tão irregular foi escolhida pelo Cristo para receber a sua mais completa definição sobre Deus, demonstrando, assim, ausência absoluta de preconceitos.

Reconhecendo a alternância de predomínio dos princípios da sexualidade nos costumes coletivos, cabe lembrar que o desregramento leva obrigatoriamente às suas respectivas e pesadas consequências e acabam por desencadear novo ciclo contrário. Destacam-se, nesse sentido, os sinais de alerta emitidos pelas doenças sexuais transmissíveis, a pedofilia e o abuso sexual domiciliar. Por isso, é necessário recordar, embora quase todos o saibam, que as civilizações que não evitaram excessos de masculinidade ou feminilidade descambaram para a sua fragorosa ruína.

169 DeuS

80

TERRA e MAR

“E tinha na sua mão um livrinho aberto, e pôs o seu pé direito sobre o mar,

e o esquerdo sobre a terra...” (apocalipse, 10:2).

Existem livros e livros... Em geral, todo aquele que lê situa-se em melhores condições em comparação aos que se dispensam do estudo, seja no âmbito profissional ou nas trincheiras da fé.

No entanto, determinados escritos são particularmente marcantes, oferecendo roteiro de luzes para os seus privilegiados leitores. Dele se extraem conhecimentos precisos e conceitos soberbos a guiar o espírito nas veredas evolutivas.

o Evangelho e o apocalipse constituem obras desse perfil, em função da extrema originalidade e substância do conteúdo. No primeiro, destacam-se os meandros da intimidade entre o Pai e o Filho, e no último, o enorme cabedal de simbolismo no tocante às profecias. Talvez por esse motivo, o registro do vidente de Patmos seja, equivocadamente, quase sempre contemplado como previsor apenas da trajetória coletiva da humanidade nos séculos que o sucederam.

Muitas vezes, porém, a aplicação da narrativa joanina sob o prisma individual proporciona reflexões de grande proveito para o pesquisador. Na imagem do versículo citado, a personagem alcança habilidade incomum, através da qual permanece ao mesmo tempo na terra e no mar. Essa


condição retrata o elemento que não prende o seu destino a um só lugar, tornando-se cidadão do planeta, o que configura estado de angelitude. Seu deslocamento demonstra a superação de muitas barreiras que acorrentam a maioria das pessoas – limitando-lhes os movimentos – embora tantas oportunidades estejam à disposição, na mesma pátria ou em outras, as quais poderiam também adotar.

a rigorosa dominação que o separatismo exerce na consciência de populações inteiras, causando conflitos de sangue e dor, não encontra ressonância nesse sujeito. o conhecimento granjeado no convívio em terras alheias transcende aquele que se realiza por meio da simples leitura. ocorre a assimilação visceral das experiências, ultrapassando por completo o aprendizado originário somente da informação.

Este homem cosmopolita expõe os costumes de outros povos com familiaridade e respeito. Quem o ouve declamar as belezas e a epopeia de outra nação, desconhece o preço pago para romper as amarras que chumbam os pés das criaturas, quais raízes, no solo do próprio nascimento. Mas, tal indivíduo é chamado pelo Senhor para intermediar a aproximação entre os povos de diferentes países ou regiões. E, muito mais do que os livros que escreva sobre o novo território, o que impressiona os ouvintes reside no seu testemunho pessoal. É o fato de ter sido capaz de cruzar terras e mares, recuperando pequena fatia da imensa liberdade dos Filhos de Deus.

171 DeuS

81

FILHOS DA LUZ

“Enquanto tendes luz, crede na luz, para que sejais filhos da luz.” – Jesus.

(João, 12:36).

a iluminação das criaturas não constitui processo súbito. Não se anoitece revoltado para se despertar na manhã seguinte em harmonia com a Vontade de Deus. É impossível descer da arrogância e presunção para o vale simples da humildade no decurso de poucas horas.

a evolução demanda tempo, além de trabalho profundo e perse-verante.

Muita gente admira as figuras virtuosas como se não tivesse nada a ver com elas. aprecia, mas não se espelha em suas qualidades. Exalta, porém não toma a iniciativa de pôr-se na rota de suas lições. Divulga a santidade dos abnegados, contudo, refugia-se na cidadela do comodismo.

a palavra do Cristo orienta com segurança acerca do processo iluminativo. É necessário acreditar na luz e produzir ações coerentes com o brilho do Céu. observa que a afirmativa evangélica não se dirige aos interessados na aquisição da sabedoria e da talentos e sim àqueles que já as possuem com alguma margem de evidência.

Jesus conclama os escolhidos a valorizar a cintilação que detêm a fim de enfrentar os testemunhos inevitáveis.


Quando registrares tal comando evangélico, entrega-te às provações que te aguardam na viagem do destino. É do teu sofrimento e de tuas lágrimas, do teu esforço e de tua luta, que o Senhor retira o combustível para abastecer as tochas bruxuleantes dos descrentes que te acompanham os passos de modo a lhes alumiar também a senda.

Tens o teu nome escrito no Livro Celeste. apoiado em teu pequenino acervo de conquistas espirituais, tu não mais desfaleces nos momentos titânicos das grandes renúncias, nem vacilas nos embates que exigem o teu próprio sacrifício. Com amor, tu cedes e te doas, caminhas adiante e louvas os Desígnios Superiores.

No entanto, sabes que apesar de teu pendor inato para o bem, e da confiança que depositas na luz que te consubstancia a alma desde que Deus te criou para a eternidade, a manutenção deste estado de sintonia depende de tua ação permanente junto à seara da fraternidade. Interromper a marcha representa atolar-se em areia movediça, permitindo que as trevas exteriores invadam o teu coração.

Segue em paz. Não te acabrunhes. Somente as boas realizações ficam para sempre. Todo o resto deverá ser refeito vezes sem conta até o burilamento final. Tua descendência da Divina Claridade confirma-se pelos teus gestos e atitudes de cada dia. Edifica com amor e alegria, fé e otimismo e as tuas obras estarão salpicadas de luz...

173 DeuS

82

INCORRUPTÍVEL

“Para uma herança incorruptível, incontaminável,

e que não se pode murchar, guardada nos céus para vós.”

(I Ped, 1:4).

Há muitas coisas em ti mesmo que se transformam com o tempo. Valores se renovam. Crenças se convertem. afetos rejuvenescem. além disso, mágoas se esquecem, ressentimentos se extinguem, dores se sublimam.

a evolução espiritual, que te move desde as remotas instâncias do reino mineral e te impele em direção à angelitude, sabe que tudo é mutável. a manifestação de tua individualidade ainda padecerá alterações fundamentais até recompor a tua grandeza original.

Diante da contração que provocaste em tuas potencialidades primordiais, perdeste até mesmo a certeza de que elas persistem em ti como legítimo diamante que aguarda, na paciência dos milênios, o infalível resgate.

Duvidar de tal destino seria admitir à criatura a possibilidade de alterar de forma irremediável a organização Paterna. ora, toda perturbação da ordem cósmica ocorre de forma transitória e localizada. Permitiria o absoluto algum desarranjo definitivo ou amplo em Sua obra?


Tudo indica a existência de um núcleo inviolável na essência do espírito, constituindo-se de excelsas virtudes que refletem plenamente a sua origem. o Cristo se reporta a esse abrigo, portador de identidade e vida eterna, como “eu”, filho, filho do homem, filho de Deus.

ainda que a pessoa negue ou recuse a sua procedência sagrada, os atributos – herdados graciosamente da Eterna Videira – permanecem incrustados em sua alma. Recobertos pelo pó da matéria, abafados pela fuligem da ignorância ou turvados pelo musgo da insensatez, sobrevivem imaculados e atuantes, conservando-se no exato molde com que surgiram pelo Sopro Celeste.

Neste centro de si mesmo, o descendente do altíssimo experimenta os mais felizes sentimentos e os mais formosos ideais. Dele extravasam, para a consciência em evolução, a veneração pelo Pai, o encantamento com o Todo, a bem-aventurança consigo mesmo. Tudo que incita a criatura a ascender nasce desse gérmen que habita em seu íntimo. o Senhor gerou-o com Seu Infinito Poder, por isso nada o afeta, o atinge ou o deslustra. Ele significa a presença divina no espírito. Não há analogia mais adequada do que se lhe referir como portar o céu no próprio âmago. Daí se pode afirmar que a Lei de Deus está gravada na consciência de cada Filho. Tudo passa e se modifica, porém tal reduto é incorruptível, incontaminável e nunca murcha.

175 DeuS

83

PROVAR A MORTE

“E em verdade vos digo que, dos que aqui estão, alguns há que não provarão a morte

até que vejam o reino de Deus.” – Jesus. (Lucas, 9:27).

a morte clínica caracteriza-se pela cessação dos fenômenos que correspondem à vitalidade orgânica, em particular no que tange ao funcionamento do coração e dos pulmões, especialmente na ausência de atividade neurológica. Esse acontecimento torna-se o grande símbolo do fim das coisas, suscitando imenso pesar naqueles que vivenciam a partida de alguém muito querido. acompanha-se, em geral, de sensação que daquele ponto em diante não há retorno possível...

o entendimento materialista leva à crença de que a morte é a única fatalidade. Contudo, a compreensão espiritualista reformula o conceito, propondo que a vida eterna constitui graça irrevogável, enxertada na essência espiritual de todos os Filhos. Em verdade, a morte ou aniquilamento não existe, já que tudo ressurge sempre.

Para se analisar o Evangelho como convém, é necessário reconhecer que o Cristo prioriza as revelações concernentes a Deus e à gênese, relegando os fatores materiais ou transitórios a segundo plano. Portanto, o seu comentário deve ser visto como dirigido às almas ali presentes e não aos seus corpos: dos (espíritos) que aqui estão, alguns há que não provarão a morte...


Tomando-se suas palavras como referentes à morte do espírito, é possível conjeturar duas circunstâncias em que isso ocorre com frequência: quando se mergulha no processo reencarnatório e ao se libertar do invólucro carnal. Nessas duas fases, para a maioria das criaturas – cujo estágio evolutivo não faculta a preservação da acuidade mental – acontece o apagamento ou redução acentuada de suas percepções. Tal estado de confusão representa enorme ruína para o ser amadurecido, para quem vida é sinônimo de consciência.

a declaração de Jesus sugere que alguns daqueles indivíduos prosseguiriam lúcidos em ascese espiritual sem passar pelo torvelinho da nebulosidade de seu juízo, ao entrar e ao sair da carne. Ver o reino de Deus significa alcançar sólida convicção da Presença Divina em tudo e em todos, vivendo em harmonia constante com Sua Vontade. Lembra-te que João baptista saltou de alegria no ventre de sua mãe quando ouviu a voz de Maria, então grávida de Jesus, mostrando inusitado grau de discernimento.

Medita, pois, no quanto ainda te encontras apegado às pessoas e ao ambiente que te rodeia. Estás pronto para atravessar o período crítico da volta ao domicílio no além? Se não vislumbras o Senhor em toda a parte nem assumes tua identidade espiritual, de que modo contribuirás para o êxito de tua própria desencarnação, no momento oportuno? Todos partem rumo à pátria do espírito, mas poucos veem o reino de Deus...

177 DeuS

84

MASCULINO

“Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora.” – Jesus.

(João, 2:4).

a masculinidade espiritual ou psicológica é indispensável para se começar novo empreendimento. a introdução de conceito ou paradigma desconhecido requer a força sintética da semente, que deve ser depositada no meio, a fim de germinar nos demais, recebendo deles os nutrientes necessários para se desenvolver.

a revelação cristã, pelo seu caráter inovador acentuado, exige postura incisiva, corajosa e livre, típicas do aspecto masculino. Nesse sentido, Jesus afirma que o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça (Mt, 8:20), evidenciando admirável desapego. E utiliza o termo “eu” com frequência muito superior ao “nós”, reforçando a individualidade e a tese aqui esboçada.

Caberá o papel receptivo – feminino, portanto – à criatura que se interesse pela mensagem do Cristo, oferecendo-lhe abrigo e dedicação, capazes de promover a sua expansão no terreno da própria alma. Nesse caso, se a pessoa não acolhe a proposta com entusiasmo, torna-se infértil e provavelmente não multiplique os grãos recebidos.

Na fase inicial, quando se transmite o germe da novidade às mentes e corações, deve-se agir de forma clara e objetiva. o período de inoculação se reveste, assim, de características de masculinidade. Posteriormente,


vem o tempo de crescer e frutificar, onde prevalecem os atributos do outro gênero. Em resumo, compete ao masculino estabelecer a base, a fundação ou essência e, à face oposta, o progresso delas.

aparentemente, o trabalho do Cristo apresentou, ao longo de todo o seu apostolado, predominância do aspecto varonil. as relações afetivas encontram-se em plano secundário, em função do dever a cumprir. o Mestre arou a terra dos sentimentos e dos raciocínios com vigor incomum e levedou o coletivo com curas e manifestações espirituais inigualáveis. Mas, nem ao término de sua romagem, Jesus teve o prazer de contemplar flores no jardim de sua missão. Repetirá a Pilatos algo parecido ao que disse a sua mãe: ...mas agora, o meu reino não é daqui. (João, 18:36)

a concessão feita à Maria, transformando a água em vinho, traduz carinhosa deferência. Chegará o dia, contudo, em que ela também lhe ouvirá a recusa em atender ao seu chamado, sob o inolvidável argumento de que sua mãe e seus irmãos são aqueles que fazem a vontade do Pai que está nos céus.

Se pretendes calcar a tua vida no Evangelho, pensa que a renovação de valores – desencadeada por ele – reclama, ainda hoje, colaboradores determinados e disponíveis. Sê, pois, cauteloso ao assumir compromisso afetivo, preferindo alguém compatível com o teu amor ao ideal cristão e evitarás muitos contratempos desgastantes e inúteis...

179 DeuS

85

PREGAÇÃO

“Pregando o reino de Deus, e ensinando com toda a liberdade as coisas

pertencentes ao Senhor Jesus Cristo, sem impedimento algum.”

(atos, 28:31)

Muitas pessoas pregam o poder de Deus, utilizando o Evangelho, porém adaptam-no à moldura da doutrina que mais lhes convêm ou à qual se afeiçoam. E, sem notar, distanciam-se da plataforma original, enfatizando certos tópicos de sua preferência.

assim, o pregador acaba distorcendo os ensinamentos de Jesus, ao ressaltar partes que ele próprio valoriza e, ao mesmo tempo, desleixando o mais importante: o espírito e a verdade (Jo, 4:24). Ele tende a enquadrar o Novo Testamento na concepção religiosa que defende. Sinal óbvio de que ele se encontra diante de algo pouco familiar é admitir a necessidade de método ou chave para abrir as escrituras, pois elas lhe parecem complicadas ou impenetráveis.

Entretanto, a linguagem de Jesus não deixa dúvida pela clareza, às vezes contundente, ao expor os diferentes temas, chocando os fariseus de todas as épocas que, não tendo como apedrejá-lo, optam por mutilar-lhe o discurso.

o examinador livre de preconceitos demonstra intimidade com o Evangelho. Extrai bons peixes de suas expressões singelas (Mt, 13:48),


e demonstra compreender sua linguagem sem obstáculo de natureza alguma.

o discípulo atento sabe que o Cristo veio revelar o reino de Deus. Sua eminente autoridade sobre assuntos espirituais não poderia ser desperdiçada em favor de questões seculares. a primazia da lição evangélica não dá lugar à mínima dúvida: ...o reino de Deus está dentro de vós (Lc, 17:21). Qualquer tentativa de imputar maior compreensão do Evangelho a esta ou àquela igreja, tal ou qual doutrina, este ou àquele povo, demonstra ignorância elementar, já que a virtude celeste é interior e universal.

o apóstolo Paulo percebeu a amplitude do cristianismo e lutou heroicamente para preservá-la. Informa-nos o livro de atos que o ex-rabino pregava com liberdade, ainda que sob prisão domiciliar em Roma. Ele entendeu que a bandeira do Cristo não deveria se limitar aos judeus e, pouco depois, constatou que os gentios também eram agraciados pelos dons mediúnicos, independente da adesão às convenções judaicas. Nenhum segmento religioso ou institucional monopoliza a inspiração transcendente.

o sermão evangélico é o mesmo, portanto, para ricos e pobres, brancos ou negros, cultos e iletrados, poderosos ou oprimidos, orientais e ocidentais: Deus mora no Filho como este se radica no Pai. Desviar-se de tal concepção significa negar o vínculo unitário entre o Criador e criatura. Por mais elaborada a abordagem teológica ou doutrinal, atribuir a salvação a outro fator que não à Presença Paterna no imo do espírito, significa afastar-se da palavra clara e libertadora do Cristo.

181 DeuS

86

HUMILHAÇÃO

“Na sua humilhação foi tirado o seu julgamento; e quem contará a sua geração?...”

(atos, 8:33).

o extraordinário registro profético de Isaías acerca do Cristo salientou a humilhação que lhe seria imposta. a passagem disponibiliza notável material para se refletir.

o senso de grandeza, principal estratégia do demônio, apoderou-se aos poucos dos discípulos e exerce fascínio generalizado, salvo raríssimas exceções. Quando não se projeta na suntuosidade do templo ou na opulência do vestuário, deriva para a suposta qualificação do individuo que realiza a tarefa, destacando-lhe as virtudes e transformando-o em proeminente enviado de Jesus ao mundo...

a grandiosidade é o princípio, o meio e o fim. Ninguém aceita o pequeno, o secundário, o ignorado. De sorte que ao aparecer um trabalho dedicado à iluminação do homem, seguidor algum cogita em apresentá-lo como modesta contribuição. o número de candidatos ao honroso papel do Consolador, de preferência exclusivo, cresce tanto no ocidente como no oriente, sob raciocínios diversos. Vaidade das vaidades.

Chega-se a afirmar que este ou aquele movimento veio esclarecer pontos que o Cristo deixara velado de propósito – confuso, portanto –, premissa que desanima o estudo da boa Nova, tornando-a dependente


da nova ciência. Porém, ainda mais danoso é considerar progressiva a revelação divina, na linha do tempo, o que torna o Evangelho uma filosofia arcaica, suplantada por ideias posteriores.

Todavia, o próprio Mestre legou excelente critério: se alguém vos disser: eis que o Cristo está aqui, ou ali, não lhe deis crédito (Mt, 24:23). Sem embargo de que tal ou qual doutrina tenha grande mérito face ao seu sólido conteúdo, comete lastimável engano ao postular atribuição relevante para si mesma. E anula recomendação fundamental: ...aprendei de mim que sou manso e humilde de coração... (Mt, 11:29).

a morte humilhante foi a recompensa obtida pelo Cristo. aparentemente, nada resultaria de sua árdua faina e nenhum discípulo se atreveria a dar continuidade às lições do Mestre após tão estrondosa derrota. Quem contará a sua geração? Entretanto, a humanidade sempre contemplou a presença de emissários de Jesus, que à custa de testemunhos igualmente aspérrimos, desfraldaram os princípios cristãos mais distantes torrões e em diferentes níveis do conhecimento.

Recorda, pois, o Sublime Vencido toda vez aludires à tua religião. Esquece a glória mundana e os símbolos espirituais fastigiosos. Se a tua crença te auxilia a encontrar Deus em tua vida, sobe em silêncio à cruz da infâmia, quando a denegrirem injustamente. E dali, conversa com o Senhor e senti-Lo-ás ainda mais perto de ti...

183 DeuS

87

MULTIFORME

“...a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida...” – Paulo.

(Efésios, 3:10).

o reino de Deus revela-se pequenino como grão de mostarda, porém, o Pai é maior do que o Filho (Jo, 14:28). o Senhor é um só, todavia, Sua geração, incontável.

o altíssimo gerou partículas livres, no entanto, a planta que Ele não semeou será arrancada (Mt, 15:13).

o Supremo criou descendentes eternos, contudo, julgando-se afastados do Reino, eles perderam a consciência da imortalidade (Jo, 5:39,40).

o Eu celeste na criatura é quem faz as obras, entretanto, permite-se ao Filho a ilusão de que realiza algo exclusivamente por si mesmo (Jo, 14:10).

o Criador originou espíritos, mas, consentiu com a descida transitória deles ao estado da matéria (Lc, 10:18), dando origem ao tempo e à reencarnação.

Deus observou o distanciamento de Sua linhagem, à semelhança de adolescentes rebeldes, no entanto, continuou a velar por todos com amor incondicional.

o Pai compartilha a trajetória de Suas mônadas, entranhado na essência de cada alma e, apesar disso, não as constrange ao bem e aguarda-lhes a adesão voluntária.


o Criador ama a simplicidade, mas reúne todos os Seus rebentos, sem exceção, num organismo de vastidão e complexidade inalcançáveis.

Deus concede graciosamente os Seus talentos às centelhas, de acordo com a capacidade individual (Mt, 25:15), entretanto, a justiça divina manda que cada um receba-os em graduações, conforme as obras que deve executar no universo (Mt, 16:27).

Se te dispões a entender a gênese, observa o Seu aspecto polimorfo. Não estabeleças limites ao Infinito ou presumas que tal lei se expressa invariavelmente deste ou daquele modo. Vem o dia em que o Todo-Poderoso contradiz tudo o que definiste a respeito de Sua Vontade, permitindo desfecho imprevisto acerca de determinada circunstância ou fenômeno. os meandros e alternativas são tão variáveis que Filho algum jamais conhecerá tudo. Por isso, podes acreditar no impossível...

À semelhança do Pai, tu te exprimes através de distintas funções e diversas habilidades pessoais, dependendo do contexto e do momento. a harmonia de todas as tuas propriedades dentro de ti mesmo e a manifestação delas no meio reproduz idêntica virtude do Senhor, permitindo que a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida.

185 DeuS

88

SEXUALIDADE

“...fiqueis participantes da natureza divina, havendo escapado da corrupção,

que pela concupiscência há no mundo.” (II Pedro, 1:4).

a natureza humana dispõe de muitas sensações agradáveis. Destaca-se, porém, o prazer sexual pela compulsão que exerce em tanta gente, mesmo entre aquelas inscritas nas fileiras do Evangelho.

a concupiscência (ou apetite sexual) faz com se transforme o outro, não raro, em objeto de sua própria satisfação. No ímpeto, despreza-se o respeito pela pessoa do parceiro. Esquece-se de que todo indivíduo merece desenvolver e realizar um projeto de vida – com sonhos e objetivos – incluindo relacionamento amoroso digno.

Quando se usa alguém para atender exclusivamente a incontroláveis necessidades sexuais, desqualificando-o em seus aspectos psicológicos, efetua-se notório aviltamento dessa criatura. Consequentemente, coloca-se a si mesmo em semelhante estado. Não é possível explorar a vulnerabilidade ou carência alheia sem enodoar-se em simultâneo.

a corrupção do sexo em larga escala, que se assiste na atualidade, demonstra o desatino do homem. a liberdade alcançada por meio dos contraceptivos, que permite a manutenção da intimidade do casal, contribuindo para as expansões de afeto e o intercâmbio de energias – independente da procriação – representa importante conquista, mas há muito abuso e omissão da sociedade referente ao assunto.


Então, a lascívia surge disfarçada nas propagandas em estilo de aproveitar as oportunidades e o sucesso. Incentiva-se o prazer de forma alucinante, sem advertir que o excesso leva à dependência e – como qualquer droga – ao esgotamento e à depressão.

Mas, como discípulo do Cristo, estás consciente de que a sexualidade é de origem transcendente. Sabes que o sexo foi feito para o homem e não o homem para o sexo. Lidas com as circunstâncias de modo a não ser avassalado pelos teus impulsos e conferes ao teu relacionamento o indispensável vínculo afetivo. Não te prestas ao sexo casual nem te envolves com a exploração do erotismo nas artes ou no comércio.

Quando te reconheças com alguma inibição ou conflito nesse terreno, procura ajuda de profissionais especializados no trato do assunto. Evita a todo custo assumir compromisso, enquanto não te sintas seguro no tocante à tua orientação sexual. Não menosprezes a afeição de quem quer que seja, aproveitando-te do seu enlevo por ti para somente usufruir prazer, se não correspondes ao sentimento que te é endereçado.

Foge, portanto, à corrupção da concupiscência que assola o mundo em grandes proporções. Preserva esse dom da natureza divina que há em ti mesmo! a prevenção dos graves transtornos sexuais começa pelo uso moderado e responsável.

187 DeuS

89

AFLIÇÃO

“Porque naqueles dias haverá uma tribulação tal, qual nunca houve desde

o princípio da criação...” – Jesus. (Marcos, 13:19).

Quando a terrível adversidade visitou-te o coração, julgaste que não suportarias o peso da dor inclemente e, de joelhos vergados ao solo, pediste ânimo a Deus para te sustentar na rotina diária.

Nos dias em que a decepção cruel aportou em teu lar, à semelhança de violento temporal, pensaste que não te recuperarias nunca mais, alijado da embarcação querida que seguiu sem ti, privando-te dos preciosos afetos que cultivaste com extremo carinho.

No momento em que percebeste a extensão do dano que te feriu a vida, qual afiada lâmina que te revolvesse as próprias entranhas, acreditaste que jamais te alegrarias de novo, afundando-te no poço sombrio de invencível desalento.

Tu te lembras com clareza do período em que o sofrimento acampou insolentemente em teu território existencial, esboroando-te o patrimônio de otimismo e coragem. Conheces de perto a tristeza e viste os teus sonhos de felicidade ruir com estardalhaço. Não restou nenhum vestígio de tuas mais caras e ternas esperanças. andaste desolado, mudo e solitário por longos e caliginosos tempos.


ouvias palavras consoladoras dos amigos, mas elas não te balsamizavam o cerne da mágoa. Lias mensagens edificantes, no entanto, os conceitos permaneciam no círculo racional, sem tocar-te a emoção. oravas, contudo, tuas preces não subiam ao céu. Inerme e abatido, descreste de tua imprescindível reabilitação. Soçobraste na enchente das angústias, classificando aquela aflição como desumana e acima de tuas forças.

Todavia, não agiste contra a tua consciência, em instante algum. Destroçado de amargura e desencanto, não revidaste nem fugiste dos encargos periféricos aos quais foste relegado. Condenado por muitos, remoeste em silêncio a dor sem fim, e, ante a incompreensão velada dos amigos, não apontaste eventual culpado. E nunca duvidaste que apesar da confusão reinante, o Eterno tudo vê e tudo sabe...

aos poucos, como quem emerge do útero materno para nova jornada corpórea, renasceste. Cessaram-te as borbulhantes lágrimas. Descomprimiu-te o peito, aliviado. Devagar, como tenra flor, brotou-te o antigo sorriso nas feições, anunciando formosa primavera em teu destino. os gestos firmes evidenciam que te recompuseste por inteiro. a tua expressão serena prova que te centraste de novo em ti mesmo. Enfim, colheste os ansiados frutos da maturidade. Tu tens certeza que só Deus te poderia resgatar de tão fundo abismo, pois se o Senhor não abreviasse aqueles dias, nenhuma carne se salvaria; mas por causa dos escolhidos que escolheu, abreviou aqueles dias (Marcos, 13:20).

189 DeuS

90

CÉU

“Ora ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu,

o Filho do homem, que está no céu.” – Jesus.

(João, 3:13).

Em sua linguagem absolutamente única, Jesus concilia o criacionismo e o evolucionismo numa pequenina frase. a alma só evolve rumo ao céu porque teve ali a sua proveniência. a evolução não faz nada mais do que repor as coisas no seu devido lugar. a doutrina do Cristo não comporta a ascensão da matéria ao espírito, sem o caminho inverso. a gênese ocorre, portanto, no âmbito espiritual. Por motivos individuais, algumas centelhas se afastaram do Pai e desceram do Reino.

Jesus se reporta a essa questão em outra passagem, mencionando ter visto Satanás, como raio, cair do céu (Lucas, 10:18). De forma categórica, o Evangelho corrobora que houve dissociação por parte de determinados elementos em relação à sua potência original. a possibilidade de que a matéria tenha surgido de tal fato representa teoria bem consistente. admite-se que os espíritos degradados se expressem como átomos, cuja liberdade se reduziu ao movimento fechado em si mesmo, e a consciência retraiu-se ao modo latente. Desse ponto em diante, começa a trajetória de ascese, visando restaurar a supremacia do Filho ante as limitações que ele impôs a si próprio.


a árvore e sua respectiva semente simbolizam esse fenômeno. uma e outra são a mesma coisa, em estágios diferentes. De fato, ambas detêm recursos iguais, no íntimo. a criatura com raiz, caule, ramos e frutos, contraiu-se e subsiste na semente dela mesma. o espírito caído, de início, só se enxerga em sua feição material. Crê que Deus se encontra distante – apartado no Céu – e a humanidade desamparada. À medida que evolui, contempla os seres com as virtudes que o Eterno lhes transmitiu: não os vê pecadores, demônios, rebeldes ou trânsfugas da Lei, e sim herdeiros do altíssimo, luzes do mundo, bem-aventurados, deuses. Quanto mais próximo da sua verdadeira origem, maior acuidade para com os talentos divinos em cada filho...

Quem condena a multidão, julgando-a perversa e medonha, não vislumbrando as qualidades que o Pai engastou nos descendentes, dá atestado confiável de sua condição espiritual. Supor que a queda provocasse qualquer perturbação na ordem denota ignorância quanto ao Poder que criou e governa o universo! Portanto, a descida do paraíso promoveu tão só o aparecimento de estado secundário de consciência, sem melindrar as potencialidades introduzidas pelo Senhor em Seus rebentos.

o Filho está no céu. Nunca saiu do reino celestial. Todos os dons com os quais foi concebido mantêm-se intactos no Eu. a epopeia dantesca de sua laboriosa ascensão equivale a renascimento espiritual. Superada a necessidade de reencarnar (nascer da água), ele volta à plenitude de si mesmo, cumprindo-se então o dito: aquele que não nascer (...) do Espírito, não pode entrar no reino de Deus (João, 3:5).

191 DeuS

91

COISAS CELESTIAIS

“Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, como crereis,

se vos falar das celestiais?” – Jesus. (João, 3:12).

os leitores apressados concluem que Jesus encerrou neste ponto os seus ensinos, acomodando-se à ignorância do interlocutor. Mas, em aparente antipedagogia, o Mestre prossegue, acrescentando valiosíssimas instruções acerca dos estatutos celestes.

Desse modo, equivocam-se aqueles que conjeturam a possibilidade de Jesus ter deixado tópicos velados deliberadamente para que o futuro os esclarecesse a contento. o parecer do Cristo, embora sintético ao extremo, não falta no relato dos evangelistas, quando o conceito tem importância em sua doutrina.

até esse momento do diálogo com Nicodemos, o iluminado Rabi discorria sobre o nascer da água e do espírito, o que pode ser resumido no termo reencarnação. Jesus classifica o assunto dentro dos relativos às coisas terrestres.

Em seguida, passa a examinar fatos que qualifica de coisas celestiais, e elucida a narração de Moisés a respeito do Jardim de Éden, dando-lhe outra conotação: não mais de expulsão do Paraíso e consequente castigo, mas de descida e subida aos céus.


É interessante que tanto a reencarnação como a queda dos anjos costumam despertar defesa ardorosa por parte de seus profitentes. Mas, a rigor, ambas são secundárias no Evangelho. Jesus não confere destaque a nenhuma delas.

analisa com imparcialidade o discurso do Cristo e constatarás que ele fez poucas alusões a esses dois temas. o foco principal de sua atenção esteve direcionado para demonstrar que Deus é espírito e gerou descendência da mesma natureza que Ele, com o Qual cada criatura compõe unidade indissolúvel. Todo o restante de sua doutrina deriva da noção básica: a paternidade divina. E de seu corolário imediato: a vida eterna.

as coisas celestes não envolvem, segundo a boa Nova, a carne ou a formação das galáxias, apesar da imensidão que a astronomia lhes reconhece. a gênese é absolutamente espiritual. Embora a reencarnação constitua dispositivo magnífico da Inteligência Suprema, garantindo que os Filhos descidos regressem ao estado primitivo, e a origem do universo material seja disciplina palpitante nos domínios da ciência, tudo isso – sem qualquer desmerecimento – pertence ao capítulo das questões terrestres.

a sistematização feita pelo Cristo – com a autoridade que lhe é inerente – mostra-se recurso didático perfeito, já que hierarquiza os princípios em suas categorias particulares. Reflete até que ponto ainda te apaixonas por processos que cedo ou tarde deixarão de existir. Porque as assertivas do Mestre persistem ecoando no ambiente: Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, como crereis, se vos falar das celestiais?

193 DeuS

92

CIÊNCIA

“Onde está o sábio? Onde está o escriba?

Onde está o inquiridor deste século?” – Paulo. (I Cor, 1:20).

a ciência ocupa posição de relevo no altar da cultura moderna, comparável à da filosofia nos tempos antigos. Seu prestígio estende-se aos mais remotos quadrantes, influenciando até nos hábitos das pessoas.

as pesquisas desencadeiam progressos que raiam a ficção. o homem venceu a barreira do espaço, tornando-se viajante do sistema solar; ultrapassou as previsões mais otimistas no tocante à comunicação, e transformou o conhecimento num bem acessível a qualquer indivíduo, graças à internet.

além disso, os recursos tecnológicos aplicados à saúde melhoram as condições de vida, e a democratização do acesso a tais mecanismos espalha os benefícios de forma generalizada. Guarda-se ainda a expectativa de que os estudos com células embrionárias e clones equacionem solução para diversas enfermidades de cunho degenerativo.

Diante dessas inegáveis conquistas, a sabedoria foi relegada ao vazio silencioso das bibliotecas, e a fé, escarnecida como resquício de ignorância medieval. o que não foi comprovado por investigações sistemáticas carece de valor. Não pode figurar na galeria dos aprovados.


apesar destas façanhas maravilhosas e extremamente úteis, a humanidade persiste acossada por flagelos horrendos. a violência, a desestruturação familiar, o suicídio, a superpopulação penitenciária e o baixíssimo índice de recuperação dos sentenciados, a depressão e a demência, entre muitos outros, mostram seu estado de penúria emocional. os propagandistas do devaneio químico defendem a hipótese de que novas drogas, mais potentes e menos tóxicas, aliadas ao avanço da genética surtirão o resultado definitivo.

Deus e o espírito não estão incluídos no campo de trabalho científico. os eminentes perscrutadores fogem de toda incursão no terreno do imponderável, movidos por atitude preconceituosa. Contudo, os testemunhos de cura pela fé se multiplicam aos milhares. a tranquilidade psicológica oriunda da comunhão com a Providência supera o auxílio de qualquer instrumento concreto.

assim, o estudioso das escrituras sagradas pode vaticinar com alegria que não tarda o tempo em que a ciência se voltará para o interior do homem, inebriando-se com o potencial da fé e do amor. E esse novo conhecimento será extraordinário em todos os sentidos. Dar-se-á início à edificação de nova consciência em torno da força espiritual do gênero humano, quando nutre afetos profundos ou crê intensamente num Poder Superior. Então, o Evangelho converter-se-á em manual de procedimentos de pesquisa, guiando as criaturas na consecução da felicidade e da paz.

195 DeuS

93

PERVERSÃO

“Haveis me apresentado este homem como pervertedor do povo...” – Pilatos.

(Lc, 23:14).

Sem dúvida, a acusação de que o Cristo pervertia o povo procede...

os ensinamentos de Jesus são, em verdade, chocantes para os costu-mes ainda hoje. o Cristo infringe abertamente as tradições veneradas pela população, fortalecendo o pensamento crítico entre os judeus. Conversa com espíritos e promove a manifestação deles, contrariando parte das recomendações mosaicas. Perdoa delitos destinados ao apedrejamento, inaugurando concepção jurídica magnânima. ampara os enfermos e os oprimidos, descortinando era de genuína fraternidade. E, sobretudo, revela Deus ao feitio de Pai, incentivando a confiança e a entrega ao Supremo Poder.

Em comparação ao Velho Testamento, no qual a palavra fé1 está registrada uma única vez (Hab, 2:4), a pregação do Cristo constitui mudança radical. E se, por um ângulo, o amor imaculado do Cordeiro confere pano de fundo à sua missão singular, pelo outro – segundo ele mesmo – sua vinda é para dar testemunho da verdade (João, 18:37).

Jesus distanciou-se do horizonte das instituições e elegeu o homem o seu campo prioritário de trabalho. Não visa a autopromoção, não reivindica

1 a expressão “boa fé” consta quatro vezes no antigo Testamento.


reconhecimento nem pleiteia cargo algum na estrutura social. aceita apenas o título de Mestre, porém, num exame aprofundado, conclui-se que ele se refere ao Eu como o celeste instrutor que habita a própria criatura. assim, retorna-se ao ponto de partida: o Cristo modificou inclusive a gratificação pelos seus feitos, pois devolve o mérito ao aprendiz, incitando-o a ter fé em si – como Filho de Deus – para fazer obras ainda maiores... (Jo, 14:12).

Se te identificas com a estratégia de serviços executada pelo Cristo, toma consciência de que segui-lo implica ser considerado igualmente perversor da sociedade. Hão de protestar que desrespeitas os costumes, que não te submetes às teorias e doutrinas prevalentes e que estimulas a insubordinação. E se te dedicas a insculpir tais princípios libertários na alma humana, farás tua obra em todos os setores com os quais te afines, a exemplo de artes, ciência, filosofia, religião e política.

Mas, só comprovarás que te graduaste no curso transformador do Evangelho quando recusares qualquer vantagem pelo bem realizado. acolher com serenidade a ingratidão dos amigos denota que te ergueste à cruz também. os que enfeixam o poder transitório podem relevar muita coisa de tua atuação à conta de tolice, mas rejeitar o teu quinhão de prestígio ou fortuna não tem cabimento! És louco e deves morrer antes de contaminar o mundo com tuas ideias alienantes. Se não te matam o corpo, destroem-te o nome, ignoram a tua pessoa e o teu trabalho. És um pervertedor do povo!...

197 DeuS

94

RENOVAÇÃO

“...para ver a Lázaro, a quem ressuscitara dos mortos.”

(João, 12:9).

o verdadeiro discípulo de Jesus é criatura ressuscitada espiritual-mente. ainda que não tenha conhecido grandes erros nem a devassidão, que jamais haja se embrenhado pelos desvios da delinquência ou do crime, e que nunca tenha cometido abusos graves contra o próximo, o servidor do Cristo mostra-se renovado ante o seu pretérito.

Poucos espíritos vêm à carne com evolução já tão avançada que dispense mudanças significativas em suas próprias atitudes. Raros indivíduos demonstram virtudes peregrinas desde a infância.

assim, a renovação espiritual no curso da existência física demonstra que a maioria dos iniciantes no Evangelho admite a necessidade da reforma íntima. Mudam hábitos, controlam compulsões, superam bloqueios, e, principalmente, abrem seus corações para a fraternidade legítima.

Entretanto, a extinção de determinada conduta implica com frequên-cia no aparecimento de outra, que pode ser inadequada. o meio religioso abriga muitas pessoas neuróticas. Elas conseguiram efetuar modificações em si mesmas, a grande custo, e tornam-se obsessivas com as tarefas assistenciais, tirânicas com os companheiros de atividades, ególatras na relação com os familiares ou se julgam predestinadas pelo Senhor para a conversão obrigatória dos demais.


Em geral, o homem que empreende um renascimento psicológico, mas não se espiritualiza fica a meio caminho. ama, entanto, oprime; ajuda, mas, censura; estimula, todavia, exige. Em tudo, não sabe esperar como convém. a perda do comportamento antigo não segue o trajeto da ressurreição promovida pelo Cristo. o evangelista narra que os sacerdotes queriam matar também a Lázaro. Por certo, o amigo de Jesus incomodava os mortos-vivos, apegados às convenções e hipocrisias.

o discípulo que se reconstitui de modo profundo é amante da boa luta. Irradia entusiasmo, distribui contentamento e dissemina motivação. Encontra inusitado prazer para celebrar o cotidiano, aparentemente enfadonho e cansativo.

E quando surgem os inevitáveis desencantos e as embaraçosas frustrações, ele se concentra na certeza de que esta vida continua na outra Vida, já que o momento presente é parte da eternidade. assim, revigora as esperanças e retoma a paixão pelo mundo. Esse velho mundo, espoliado pelo egoísmo e carcomido pela violência, mas ao qual anela doar-se por inteiro. Porque Jesus o convocou para a sua equipe de trabalho, apontando-lhe os objetivos e o método de ação: e este evangelho do reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as gentes, e então virá o fim (Mt, 24:14).

199 DeuS

95

FAMÍLIA

“... todo escriba instruído acerca do reino dos céus é semelhante a um pai

de família, que tira do seu tesouro coisas novas e velhas.” – Jesus.

(Mateus, 13:52).

Não obstante Jesus ter afirmado que não existe casamento no céu (Mt, 22:30), pois os anjos não se casam, ele oferece o pai de família sensato como imagem do reino dos céus. Em verdade, muitos julgam que se pode alcançar a alegria perfeita através da união matrimonial. a festa que marca a consagração das núpcias demonstra a crença popular que os envolvidos iniciaram estado de ventura permanente.

Todavia, núcleos familiares que se degeneraram em antros de rejeição e violência abarrotam a sociedade. afloram mágoas terríveis e ódios insanos entre elementos do mesmo sangue. Como entender tamanha contradição com a pequenina parábola do Cristo?

Há que se reconhecer, na vida a dois, curso vitalício de aprendizado. Exigem-se muitas provas antes da concessão do diploma. E cada situação revela peculiaridades, de modo que a experiência alheia só serve parcialmente. o sujeito tem de adequá-la ao seu próprio caso...

a debandada coletiva que se assiste na atualidade, aumentando vertiginosamente o número de fugitivos do compromisso conjugal, denota o quanto o empreendimento é complexo. Às vezes, o desistente troca o


parceiro e candidata-se para a composição de nova dupla. aqueles que sofreram durante período razoável na tentativa de solução dos conflitos do primeiro relacionamento, em geral, parecem mais maduros para o seguinte. Quando o abandonaram às pressas, evidenciam agora dificuldades equivalentes àquelas que os acossaram no ensaio anterior.

a obtenção do êxito familiar depende da motivação do indivíduo para dirimir as divergências que se sucedem ao longo do tempo. Muita gente se perde por considerar que o lado bom ficou no passado. Rememora a juventude e atribui à casa paterna magia encantadora, a qual buscará reproduzir, debalde, até o fim de seus dias, acumulando imenso vazio. outras pessoas padecem constante ansiedade pela escassez de suas conquistas, diante dos recursos disponíveis hoje no mundo, cuja falta lhes impede a satisfação doméstica, frustrando a realização do projeto idealizado.

Porém, se tu ouves atentamente o Cristo, sabes que a família representa raro nicho de felicidade possível na terra. Dedicarás ao êxito desse grupo, os teus melhores sentimentos e esforços, oriundos de tuas vivências de criança e adolescente, bem como aliarás o frescor das lições recém-colhidas, na maturidade. Consolida o respeito pelas ideias dos antepassados, sem te esqueceres da ternura para com as primícias da atual geração. Funde, portanto, o velho e o novo em teu afeto, acrescenta porções diárias de paciência, deixa fermentar por alguns anos e serás feliz...

201 DeuS

96

DOUTRINA

“A minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou.” – Jesus

(João, 7:16).

À primeira vista, poderia se considerar como mais um gesto de humildade a asserção do Cristo, dizendo que a doutrina transmitida por ele, pertencia, de fato, ao Senhor. Tal entendimento seria coerente com a sua explanação acerca da presença celeste em cada Filho: o Pai que está em mim é quem faz as obras. (João, 14:10).

Conquanto possa se detectar despojamento de si mesmo nessa afirmativa de Jesus, torna-se indispensável, antes de tudo, compreender a verdade que ela expressa. analisando suas atitudes, percebe-se que o Cristo nunca se esquivou de abordar tema algum, embora tenha dito que os consoladores fariam lembrar as suas palavras.

a trajetória de Jesus começa na inocência de uma estrebaria, simbolizando que os estratos inferiores da natureza merecem-lhe carinho e cuidado. E avança estrada afora, congregando-se com todos os indivíduos, sem fazer qualquer tipo de acepção. adverte sobre os enganos da fortuna, mas ceia em casa de Zaqueu. Preconiza a excelência do casamento, todavia defende a mulher condenada à morte por adultério. alega ter sido enviado às ovelhas perdidas de Israel, contudo restabelece a saúde da menina endemoninhada, cuja mãe cananeia roga-lhe instantemente. Demonstra sua proximidade com o Pai, mas tolera a disputa de Judas pela


liderança do grupo apostólico. Cultiva obediência às autoridades e às leis, porém, aceita de bom grado a companhia de ladrões no testemunho final. Exemplifica dedicação ao trabalho da boa Nova, no entanto, não censura os discípulos que fogem ao compromisso da ação redentora após o Calvário. Retornando do túmulo, manifesta-se a mulheres e homens, aos apóstolos e a aprendizes distantes, e culmina na conversão do grande perseguidor do movimento nascente.

o que confere autoridade moral à exposição do Cristo é o seu testemunho ímpar. Quando certifica que a doutrina não é dele e sim do Senhor, Jesus diz que o seu relato corresponde a demonstração do funcionamento do reino divino. Não se trata de um parecer, por mais respeitável que fosse, mas constitui a revelação fidedigna dos princípios que regem a gênese e o espírito.

o Mestre não se declara enunciador de toda a doutrina de Deus, posto que nenhum Filho pode comportá-la isoladamente. Para tanto, carece da contribuição dos demais. a unidade de todos refaz a perfeição. Entretanto, para nós que ainda nos enredamos em dificuldades miúdas, dispor de um Manual do Céu com tamanha antecedência cala gratidão imorredoura em nossas almas.

Seus conceitos referem-se à vida eterna, e não devemos confundi-los com outras filosofias: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Mas em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos dos homens (Mt, 15:8,9).

203 DeuS

97

ALÍVIO

“Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.” – Jesus.

(Mateus, 11:28).

Trazes o coração retorcido pelas cicatrizes que a vida te impôs, à feição de medalhas secretas de uma luta inglória.

Viste entes queridos se ausentar pela porta sem retorno, e curtiste dolorosa saudade em lágrimas que te figuravam inestancáveis.

Sorveste o cálice do abandono daqueles a quem dedicaste o teu mais puro afeto.

Faceaste o combate diário pela sobrevivência, oprimindo-te ainda mais, em função de teus amados, cujos sonhos tomaste como ardentes aspirações tuas.

Pelejaste contra inimigos sombrios e impalpáveis que te pareciam alegrar-se com a tua ruína e frustrações.

Nos dias mais amargos, ergueste os olhos ao alto, suplicando coragem e resignação, contudo, Deus se te aparentou distante demais para ouvir-te as súplicas pungentes.

E, no auge da desesperação, hesitaste se valia a pena arrostar fardo tão adverso e cogitaste que a tua própria morte seria solução e lenitivo para as dores sem fim.


No entanto, até agora não buscaste compreensão e forças no teu Eu. Dentro de ti existe uma morada do Senhor, capaz de balsamizar o teu acerbo sofrimento.

Entra em comunhão com essa Presença, a qual jamais se retirou de ti e que conserva, ilesos, os excelentes dons que o Pai incutiu em teu espírito. Ele jamais te deserdou das virtudes e benesses do Seu reino. Ventura e eternidade rutilam ainda em teu íntimo.

Hás de recuperar os bens celestes que residem em tua alma. Não os reconquistarás plenamente, de imediato, porque tens vagueado longe dessas verdades supremas. Mas, vem, tranquiliza-te. Pensa em ti mesmo como Filho amado do Céu. banha-te em pranto renovador, afastando de teu raciocínio qualquer ideia que descrê da ação incessante da Providência Divina em teu auxílio.

alojar-Se a Si Mesmo em tua essência é a prova mais exuberante do infinito amor de Deus para contigo. Recompõe-te. Entrega-te à voz doce e suave que fala no recesso de tua consciência e encontrarás alívio para as aflições que te torturam. o Pai está em ti e contigo em todas as circunstâncias e, em momento algum, deixou-te só em tua heroica batalha.

205 DeuS

98

CONFIANÇA

“Crede vós que eu possa fazer isto?” – Jesus. (Mateus, 9:28).

Tens acreditado que Jesus realizou prodígios inigualáveis. Proporcionou curas a mancheias, desapareceu no meio da multidão, andou sobre águas revoltas, cessou a tempestade, promoveu a materialização de espíritos, ressuscitou Lázaro e previu diversos acontecimentos. Mas, quando te dedicas a analisar o discurso do Cristo, supões que possas fazê-lo segundo a mentalidade habitual com que estudas as demais filosofias e doutrinas. Não te apercebes que o Evangelho previne quanto à incapacidade de lhe entender a linguagem, por não poder ouvir a sua palavra (João, 8:43).

Lê com calma: crede vós que eu... Eu! Esse “eu” que surge amiúde não se limita a Jesus, embora ele já houvesse reconquistado o pleno conhecimento de Si mesmo e seja referência para a humanidade. o Evangelho te remete constantemente a uma entidade impessoal, denominando-a Filho, Filho do homem, Filho de Deus ou, simplesmente, Cristo. Identifica-te, pois, com o Eu celeste, gerado pelo Todo-Poderoso, e que habita em ti mesmo. Quais poderes ou talentos ele mantém que poderiam suprir-te as limitações da alma? Entra em contato com o fulcro de genuína luz que te caracteriza a existência e deixa-o te influenciar com brandura. Sorve a orientação profunda que mana dessa fonte límpida para o santuário de tuas reflexões.


aprimora a tua capacidade de interação com a tua consciência profunda através de leituras espiritualizantes, participação em tarefas de amor ao próximo, músicas pacificadoras e que inspiram sentimentos elevados e, sobretudo, pelo refúgio da oração. Não te esqueças de que é preciso escapar da superfície que te prende a atenção continuamente. Faze silêncio em tua mente. Medita. antes de tudo, porém, concentra-te nos teus objetivos transcendentes e liberta-te das necessidades artificiais e mundanas.

ao obedecer com alegria e bom-ânimo ou, se preciso, com resignação às ordens que fluem do Eu, estás a caminho do primeiro dever – amar a Deus sobre todas as coisas – já que Ele Se expressa com clareza dentro da criatura, independente de qualquer técnica ou procedimento. ao auscultar de novo o próprio Eu, para oferecer a outrem o que desejaria te fosse feito em idênticas circunstâncias, encontras-te na rota de amar ao próximo como a ti mesmo.

Todavia, recorda que o fracasso de teus sonhos ou a aceitação de prejuízos pode redundar em notável progresso espiritual. Hás de guiar-te pelo exemplo de Jesus, o sublime vencido: sem apego, sem defesas, sem medo. Eis o parâmetro confiável. Segue-lhe os passos valorosos na submissão aos desígnios superiores e te sintonizarás com o teu Eu, cidadela inexpugnável do Senhor. Experimentarás, então, o sumo conforto da Divina Presença e poderás afirmar com arraigada convicção que o Pai esteve e está em ti e contigo, e tu n’Ele e com Ele, em teus embates e compromissos de cada dia.

207 DeuS

99

EGOÍSMO

“Filhos, tendes alguma coisa de comer? Responderam-lhe: Não.”

(João, 21:5).

Tens acumulado considerável experiência na tua área profissional. És respeitado em tua comunidade pelos relevantes serviços prestados. Contudo, quando te solicitam apoio aos desditosos das camadas sociais menos providas, alegas que nada podes oferecer.

alcançaste projeção culminante nas imediações por onde transitas. Classificam-te como elemento formador de opinião junto aos que te circundam. Entretanto, se te pedem contribuição aos desvalidos de tua vizinhança, clamas que o desemprego constitui desafio complexo e que cabe ao governo providências e soluções.

amealhaste situação tranquila, livre de preocupações materiais, e vês tua família progredir em clima de estabilidade e segurança. Mas, se te convidam para colaborar voluntariamente na formação de nova consciência coletiva acerca da paz, da preservação do ambiente ou da fraternidade universal, recusas incontinente, sob argumentos frágeis e egoístas.

Nunca dispões de dinheiro ou tempo para abrir as mãos ou o coração no exercício da solidariedade. Todavia, urge perguntar: Quem te deu inteligência? Quem te dotou de coragem e talento? Quem te colocou


no mundo com fulgurantes recursos e te brindou com as sucessivas oportunidades de crescimento?

atenta, pois, que aprouve ao Senhor te favorecer com todos os instrumentos e meios para te guindares à altura em que hoje te encontras, a começar pelos delicados dons que te formoseiam o espírito. Desde o berço até os remotos benefícios, Deus tem sido a prodigalidade plena para contigo.

analisa, portanto, com serenidade e isenção. Pensa que muitos ignorantes e sofredores ainda não alcançaram o teu patamar de apro-veitamento da opulência divina. São indivíduos revoltados, recalcitrantes no erro e na preguiça. Compadece-te deles. Lembra-te do Cristo ressuscitado que, ante a negativa dos apóstolos quanto à disponibilidade de alimentos, ensinou-lhes, de novo, a lançar a rede para o lado correto a fim de mais uma vez enchê-la de peixes.

Tem paciência para com os carentes, qualquer que seja a posição social que ocupem, e dá-lhes um pouco de afeto ou atenção, esperança ou sustento, orientação ou advertência. Transforma o teu não em sim, quando a privação ou desajuste do próximo apelar para a tua fraternidade ou conhecimento. Reflete que Jesus também se fez pedinte, alinhando-se ao faminto, estrangeiro, nu, enfermo e presidiário, na expectativa de te sensibilizar para que does algumas migalhas daquilo que sobra em ti mesmo.

209 DeuS

100

MORTOS

“E o defunto assentou-se e começou a falar. E entregou-o a sua mãe.”

(Lucas, 7:14,15).

Desapareceu pelo portal sombrio do túmulo uma pessoa muito querida ao teu coração. Tragada pela voracidade da morte, sumiu de tuas mãos tão fragilmente como a espuma que o oceano, apesar do bramido e força descomunal, lança à praia.

Degredada de teu convívio, de modo abrupto, debalde procuras por ela na laje fria da campa mortuária. Desesperado, envergas-te sobre tuas próprias lembranças, tentando sustentar-lhe a presença junto de ti através das doces recordações que marcaram os dias bons e saudosos.

Mas, o período lutuoso esbulha-te a resistência e resseca-te a alegria. o que fazer para atenuar a dor imensa e estancar o choro que parece não ter fim? onde o consolo? Muita gente não suporta tamanho sofrimento e desabala pela senda da revolta: como Deus permitiu semelhante desfecho?! outros se põem no esforço inútil de esquecer. Intentam apagar os vestígios da existência do ente querido e seguem adiante como se ele jamais lhes houvera compartilhado a intimidade. ainda surgem aqueles que, ao contrário, cultuam os objetos e ambiente do ser idolatrado, ansiando dar vitalidade às coisas frias e imóveis, numa homenagem fúnebre permanente.

a criatura que se arroga o papel de discípulo do Evangelho não se acha isenta de tal dorida experiência. Rasgam-se-lhe também as fibras do


ânimo quando algum escolhido de seu afeto atravessa a barreira que separa os dois planos da Vida, findando a presente reencarnação. E o seu pranto é, da mesma forma, comovente e duradouro.

Examina que Jesus não te conclama para que aprendas a ciência de ressuscitar os mortos em nenhum trecho da escritura. Ele se compadece da tristeza justa que te lancina a alma nesses trâmites. No entanto, pensa que a ressurreição do Cristo é a prova mais evidente de que todos prosseguem vivos, além do sepulcro.

abraça em pensamento o teu amado ausente. banha-o com tuas lágrimas, enquanto tua sensibilidade pedir que assim te extravases. Mas, confere-lhe a tua certeza de que ele persiste em pujante atividade, ainda que não o vejas nem o toques.

ao teu lado, numa dimensão acessível à tua percepção, além do sensório, podes permutar com ele os mais intensos e profundos sentimentos e impressões espirituais. Dá-lhe, pois, a vida abundante que o Evangelho te descortina, e pacifica as tuas emoções. o dileto de teu coração segue em clima de trabalho e contentamento e te aguarda em aconchegante domicílio, com o carinho e a amizade de sempre. E ele está tranquilo porque amanhã partirás ao seu encontro e a nova convivência será ainda mais amorosa e feliz. Tens motivos de sobra para esperar com resignação e coragem!

211 DeuS

101

ESPÍRITO de VERDADE

“Quando, porém, vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele

Espírito de verdade, que procede do Pai, ele testificará de mim.” – Jesus.

(João, 15:26).

À primeira vista, o Cristo parece se referir a uma entidade bem definida que ele enviará aos discípulos, a fim de confortá-los. Tal interpretação prevaleceu durante muito tempo, e corresponde ao período de identificação com o céu fora da própria criatura.

olhando, porém, mais a fundo, constata-se que a expressão eu da parte do Pai vos hei de enviar, permite agregar o eu ao conceito, juntamente com a alocução parte do Pai. assim surge novo entendimento: o consolador representa a fração do Senhor que Ele destinou a cada centelha.

Tudo que procede carrega em si uma parte de sua origem. os filhos detêm atributos genéticos dos pais, acrescidas da influência educacional. o Eu origina-se do Pai, assemelha-se a Ele e também o integra. Todavia, cabe indagar: de que maneira a verdade se torna consoladora?

antes, contudo, lembra-te da assertiva conhecereis a verdade e a verdade vos libertará (Jo, 8:32). Eis o trilho estreito por onde caminha o aprendiz. a verdade não tem duas faces, não depende de circunstâncias, não varia conforme as vantagens. Ela não tem dono, não agrada a ninguém, não teme qualquer confronto.


Desvelar a tua autenticidade não exige buscas cansativas, pesquisas laboriosas ou meditações sublimadas. Tampouco requer a opinião alheia ou intervenção de psicoterapeutas, embora sejam úteis toda vez que alguém se admite frágil ou em crise. Ela se encontra à tua disposição em teu íntimo. basta perguntares a ti mesmo no silêncio de tuas emoções, sobre o real significado ou importância de certo fato, atração ou sentimento e sobrevém nítida resposta, conquanto te surpreenda ou contrarie...

Vale recordar que o Filho vem ao mundo a fim de dar testemunho da verdade (Jo, 18:37). Diante do encadeamento aqui exposto, fica evidente a primazia dessa virtude na doutrina do Evangelho. Considerando essas afirmações tão categóricas, não duvides que a verdade constitui o teu recurso principal de intercâmbio com o Pai. Na consciência, captas o que tu és, de fato, e isso equivale à Vontade do Senhor a teu respeito...

Ser autêntico coloca-te em comunhão com Deus. ouve-Lhe, pois, a Voz e age em consonância com ela. Nunca a negues, sob qualquer justificativa – seria perder-te de ti. Jamais a imponhas, sob motivo algum – seria aprisionar-te no outro. Na hora da angústia, da ruína e da desolação, volve o pensamento e inquire os refolhos de tua memória. Se foste indubitavelmente sincero, tua alma repletar-se-á de profundo consolo, sentindo-te parte e aninhado na amorosa presença do Eterno Poder.

213 DeuS

102

O INIMIGO

“E assim os inimigos do homem serão os seus familiares.” – Jesus.

(Mat, 10:36).

a ciência perambula em círculo estreito, concedendo aos seres vivos o poder de imprimir características definitivas em seus descendentes. Desse modo, afirma-se que tu herdaste determinados aspectos de personalidade graças aos teus antepassados. Contudo, tu sabes que a tua origem repousa em Deus, portanto, nasceste na tua família porque tens dons em comum com os demais integrantes.

Teu parentesco com eles enraíza-se em questões espirituais longínquas. Foste concebido com virtudes semelhantes a vasto grupo de almas. São os teus afins. Quando vens à carne, recorres a esses vínculos – dispersos no meio social – para extrair o material genético de que careces para exprimir-te com fidelidade.

Nessas criaturas, encontras também as aptidões que te entusiasmam e te apaixonas pela sua atuação no mundo, revelando notável afinidade psicológica. Junto a elas, o teu afeto flui espontâneo, e sentes inclinação natural para amá-las como a ti mesmo. São os teus próximos, na carne e no espírito.

Todavia, pesa contra tal obséquio o inconveniente de se postular que algum indivíduo dessa imensa família seja melhor que os demais. os pares tendem a exaltar-lhe os talentos e, se possível, transformariam


a coletividade em extenso amontoado desse tipo especial. Mas, se o Senhor é um só, tu Lhe recebeste igual princípio desde o berço celeste. Tu és único em todo o universo, gerado no forno da Eterna Perfeição. Não é possível alterar tua identidade primária, pois se trata de lei divina.

Nesse caso, os fatores tendentes a ofuscar os atributos que te compõem, desencadeiam profunda e instintiva reação de sobrevivência em tua individualidade. Por isso, no trecho em estudo, o Evangelho elucida: porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra... (Mt, 10:35). a manutenção e desenvolvimento do Eu estabelecido pela Providência é necessidade vital para a alma. as imposições e críticas tão comuns no meio familiar ou social, e os cerceamentos e restrições habituais na vida conjugal provocam transtornos graves, suscitando resistência e, não raro, indignação por parte dos oprimidos ou rejeitados.

o texto evangélico, num momento de primor dialético, aborda também o oposto: quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim (Mt, 10:37). o Eu, expressando-se aqui através do pronome mim, declara que o amor por ti mesmo é prioridade, pois representa adesão básica à vontade de Deus. Tua identidade é legado do céu para que partilhes o Reino. observa que o Cristo rotulou de inimigos os elementos similares a ti. Não te encantes por eles. Não te desvalorizes, nem te envergonhes de teu próprio dote. Sustenta as habilidades que te exornam o espírito, e ama teus familiares e afins como a ti mesmo. Nem mais, nem menos... Não os idolatres!

215 DeuS

103

MONTE SANTO

“E ouvimos esta voz dirigida do céu, estando nós com ele no monte santo.”

(II Ped, 1:18).

Tens reconhecido a voz de Deus em diferentes ocasiões.

Na palavra amorosa de teus genitores, guiando-te os passos desde o alvorecer de tua romagem no mundo.

No verbo de professores dedicados que te facilitaram o avanço intelectual, por intermédio das letras e do discernimento.

Identificaste seus reflexos no discurso de profissionais, cuja atividade despertou-te esperança quanto à tua realização pessoal.

Percebeste o dialeto divino em vários escritos que compulsaste, clareando-te o raciocínio em temas complexos e transcendentes.

Detectaste ressonância do apelo sublime dos céus em pregadores de diversos matizes, requisitando-te o coração para a fraternidade.

Porém, um dia, ouviste o chamado do Cristo, e, depois de profundas meditações, concluíste que o céu possui legítimo porta-voz. Então, empenhaste o teu nome no rol dos discípulos da boa Nova e traçaste novo roteiro de vida, assinando pacto áureo com o Pai em tua própria consciência.


Daquele inolvidável momento em diante, sempre te imbuis das pétalas do Evangelho para florir tuas iniciativas, balizar teus sentimentos e amadurecer tuas decisões. E saíste, alegre e corajoso, em busca dos amigos que te compartilhariam o ideal, atinando com eles – abundantes – nos templos e instituições cristãs.

Todavia, o teu esforço revelou-te que há grande distância entre teoria e prática. Muita gente leciona, mas não exemplifica. Deblatera, porém, não vivencia. Trabalha, no entanto, exige reconhecimento. Serve, desde que comande. abençoa, se lhe convém...

Desse modo, andaste perplexo longo tempo! Como agir perante tamanho desacerto? Desdizer o acordo venerado e abandonar a charrua? acusar a ignorância dos companheiros, obrigando-os a rever suas incoerências em relação à excelsa doutrina?

Entretanto, Deus socorreu-te uma vez mais. Dobrou-te a cabeça em direção ao solo. assim, tua percepção se desabotoou. Quem carrega o Cristo em si mesmo, sabe que é santo o chão onde pisa. as incompreensões são oportunidades; as divergências, alternativas de ação; os atritos, pausa para reflexão. a partir dessa hora, emparelhaste tua mente direto com a sabedoria do alto. E todas as dificuldades e obstáculos entraram em tua agenda como tarefas, confiadas pelo Senhor aos teus cuidados e à tua paciência.

217 DeuS

104

PRECONCEITO

“Donde lhe vem estas coisas? E que sabedoria é esta que lhe foi dada?”

(Mar, 6:2).

Por ocasião da vinda do Cristo, havia dois grandes grupos disputando entre si a hegemonia controle da nação. De um lado, os saduceus – materialistas – fixavam-se na libertação de Israel; do outro, os fariseus – religiosos – zelavam pela aplicação dos preceitos mosaicos e dos textos proféticos. ambos rejeitaram o Mestre Nazareno.

Repara que o mundo segue dividido em facções semelhantes. os materialistas desenvolveram escrupuloso sistema de trabalho para conhecer a natureza e debruçam-se para investigá-la com detalhamento requintado. Denominam ciência à sua ocupação. o cientista consagra-se aos fenômenos mensuráveis, descobrindo as leis que os regulam. Condiz com o esforço de evolução para Deus de baixo e de fora para Cima.

os religiosos seguem projeto equivalente, instando na prática de princípios éticos como moeda de acesso ao conhecimento e aquisição de verdades eternas. Pretendem, sobretudo, inteirar-se das operações que envolvem ou repercutem na esfera da alma. o seu foco primordial são os fatos interiores. Representa a ascese de dentro para o alto.

Trabalhando em terrenos paralelos, as duas aspiram à posse da certeza e embasam-se em indícios que lhes parecem válidos e consistentes. ambas


se apoiam em métodos, considerando que os achados obtidos tendem a se repetir diante de qualquer pesquisador ou devoto. a área científica estipula algum fenômeno, ao passo que religião se concentra num indivíduo iluminado. a primeira limita as variáveis e as controla, enquanto a última amplia o foco e liberta-o.

Embrenhado na pesquisa da matéria ou engolfado na descoberta do divino, o homem não percebe que a sua convicção – quando excessiva – transmuta-se em prejuízo, impedindo-o de acolher dados novos e pertinentes.

Entre os preconceitos propalados nos arrabaldes espiritualistas, destaca-se a afirmativa de que a ciência confirmará ou modificará as noções referentes ao espírito e a sua vida. Mas, como poderá o acervo de investigações voltadas para o exterior chancelar de forma satisfatória a intimidade da dimensão transcendente? além disso, o avanço do conhecimento científico acontece em escala diminuta, compatível com o enfoque restritivo de seus critérios, ao passo que a revelação religiosa segue referencial abrangente, fundado na prática de qualidades morais, sem controle metodológico.

Espera-se a comprovação da existência do espírito e sua relação com os encarnados, porém, interessa mais ainda induzi-los ao bem. Portanto, não parece sensato conferir à ciência o poder de legitimar o progresso da religião. Enquanto aquela ignora Deus, esta busca-o. Enfim, a criatura virtuosa, de carne e osso, será sempre a portadora dos recursos necessários à manifestação de Deus em todos os campos da labuta humana.

219 DeuS

105

SEGUNDO

“Porque por isto foi também pregado o Evangelho aos mortos, para que,

na verdade, fossem julgados segundo os homens na carne, mas vivessem

segundo Deus em espírito.” (I Ped. 4:6).

a visão materialista atribui grande valor ao mergulho na carne, avistando, enganosamente, propriedades muito distintas entre os moradores deste ambiente, em comparação àqueles que estagiam na região dos desencarnados.

além disso, muitos espiritualistas reputam subida importância à dimensão extra física, à qual intitulam de “Plano Espiritual”. aos olhos desses indivíduos, os Mentores que habitam domínio circunvizinho operam e determinam, legislam e governam com poder quase soberano.

No entanto, o apóstolo Pedro adverte que o Evangelho foi pregado também aos mortos. De fato, em diversos momentos o Cristo teve de lidar com entidades perturbadoras que subjugavam mentes suscetíveis, apresentando enfermidade grave por meio de processo obsessivo. a valiosa constatação indica que os círculos da matéria e do espírito, aparentemente estanques, encontram-se entremeados um com outro – formando conjunto único – e uma luz mais forte é capaz de evidenciar a real situação.


Os mortos são julgados segundo os homens na carne. a morte não exonera ninguém de responder pelos seus atos. a expressão “descanso eterno” contém equívoco primário, como se fosse possível adquirir com o desencarne certos privilégios infundados perante o Eterno Juiz. Cada filho presta conta de si no memorável dia em que a própria consciência sobrepuja os mecanismos de defesa.

E sabe-se que todos os erros hão de ser corrigidos, mesmo os pequeninos e insignificantes. a criação de Deus não comporta imperfei-ções. Por que motivo o Senhor seria mais complacente com os libertos do corpo em relação aos que ainda se demoram na vestimenta orgânica? Não configuraria parcialidade mesquinha?

Como cristão, tu te encontras bastante alertado quanto ao rigor da justiça celeste. Convém viver segundo Deus em espírito, desde já. a caridade é magnífico contrapeso na balança que te avaliará os atos e intenções no imo d’alma, quando procederes à autópsia de tua jornada pregressa. Ela te protegerá qual escudo fiel e valoroso.

Mas, não imagines que alegar fraqueza da carne (Mt, 26:41) te inocentará de teus desvios. Chora e busca o apoio de amigos, nos dias opressivos de sofrimento e desilusão. Segue, porém, no apertado caminho que te conduz ao Pai. Igualmente, não abuses dos recursos que transitam por tuas mãos, supondo que o Plano Espiritual intercederá por ti. Toma, resoluto, as obrigações que te pertencem, porque o teu grau de conhecimento do Evangelho te acentua a responsabilidade frente à Lei de Deus.

221 DeuS

106

RENÚNCIA

“E, refeitos com a comida, aliviaram o navio, lançando o trigo ao mar.”

(atos, 27:38).

acumulas habilidades de grande valia, que te distinguem frente à natureza. os vegetais que te contemplam a marcha equilibrada esperarão por tempo quase infindável para se movimentar na superfície do solo. os animais que te veem manusear objetos com extraordinária desenvoltura ainda são incompetentes para prever o dia em que te reproduzirão os gestos coordenados e precisos.

os selvagens que te assistem na manipulação de aparelhos e engrenagens consideram-te um deus que se fez homem; os indivíduos que não dispõem de tuas capacidades intelectuais revelam-se estupefatas com a argúcia de teu raciocínio.

as pessoas que te viram debulhado em amor, anseiam por experimentar sentimento idêntico nas próprias veias; as criaturas que testemunharam o teu sacrifício pelo ideal que defendes louvaram-te a coragem despretensiosa. Tuas conquistas espirituais assinalam o quanto já te alimentaste das virtudes do Senhor, exteriorizando o Filho que mora em ti. Mas, ainda que te primes por notáveis qualidades, é indispensável prosseguir adiante na evolução.

a imagem do barco sob risco de naufrágio iminente e do qual se lança o trigo ao mar, a fim de aliviá-lo do peso, ilustra o roteiro que te


compete. É certo que podes regozijar-te pelos avanços lapidados até aqui, no entanto, urge livrar-te – paradoxalmente – daquilo que te parece de extrema necessidade e quase vital à tua sobrevivência.

Pensa nos três pilares em que apoias tua vida: uma terra bendita que te cativou a condição de pátria; entes queridos que te nutrem o espírito; um ofício no qual exprimes todo o teu potencial. Para alçar pequenino degrau em tua ascese terás de desfazer-te em parte de alguma dessas prendas, que tanto te mobilizam no terreno do afeto ou da inteligência. o despojamento de teus bens causará o progresso de novos dispositivos, ainda latentes em teu ser.

o coral de anjos no céu entoará hinos ao teu altruísmo. Inspirar-te-á ânimo para que não desfaleças, mesmo quando as perdas te sitiarem o coração. anota, porém, que muita vez, solidão significa oportunidade de servir mais; anonimato, paz na seara; abandono dos companheiros, liberdade para o autoconhecimento.

analisa, portanto, tudo o que te falta. Lembra-te com carinho dos que se distanciaram de teu convívio, e imagina quanta felicidade o futuro te reserva. Preenche essa ausência com trabalho e estudo e, sempre que possível, irmana-te com os que te rodeiam a fim de aplainar-lhes a incredulidade. Mostra-lhes que apesar das lacunas, há esperança e alegria na embarcação que obedece com fé aos ditames da renúncia.

223 DeuS

107

POR QUE?

“Mulher, por que choras?” (Jo, 20:15).

Por que choras? Donde recolhes tantas lágrimas que te inundam os olhos e empana-lhes a limpidez costumeira? Que dor te fere assim a alma, transtornando-te o semblante? Qual drama se oculta por trás do fio d’água que te corre contínuo pela face?

Por certo, sofres do mal de amor. ah, o bem-querer quando se apodera das fibras do coração e perde, de repente, o objeto de sua estima, ocasiona dor dilacerante e atroz.

Roseira sem rosa, manhã sem cheiro, lua que busca em vão o seu reflexo no mar... o que fazer dos borbotões de desvelo que entesouraste em teu íntimo? aonde desaguar o manancial de carícias que irrompe, mas volteia e jaz inerte em tuas mãos? Como te livrar da saudade que te fulmina e te impele à tresloucada tentativa de tudo esquecer?

o mundo te acena com inúmeros atrativos, porém nada te serve. o ambiente te reclama os afazeres, entanto, falham-te as forças. amigos te consolam, todavia não te restituem o ânimo. Poço que se afunda na alienante procura da solidão plena e do silêncio perfeito. Quem dera pudesses evadir-te de ti mesmo para sempre.

Mas, o Cristo redivivo insiste em te indagar: por que choras? Quem buscas? É verdade, choras por alguém! Que partiu, que te abandonou,


que seguiu caminho hostil e sem retorno. Não lamentas a perda de coisas, lugares, situações... Mas de querido ente que subiu ao palco da existência e contracenou contigo, abrolhando-te insopitável afeto.

Madalena ensina como padecer tal indizível sofrimento. Visita o sepulcro com o espírito sereno de quem dá tudo de si pelo Mestre adorado. Respeita-lhe as escolhas, ainda que implicassem em grande chance de dano. Cala qualquer reivindicação pessoal como recompensa de seu carinho, apoio ou fidelidade. Não transforma a concretização do relacionamento em necessidade; nada exige, despretensiosa e altruísta...

E, apesar do amor estremecido que carrega em seu âmago, não se queixa do destino contrário. Não se estiola, não se faz de vítima nem sucumbe ao desgosto. Reúne toda a ternura de sua alma para continuar cuidando, mesmo que lhe tenha sobrado apenas restos: se tu o levaste, dize-me onde o puseste, e eu o levarei.

Quando vivenciares semelhante angústia, não extermines o sentimento que sobrevive em teu coração. Leva-o contigo e protege-o da desilusão enregelada. Dá ao teu finado ensaio amoroso o calor de tua gratidão. Perdoa-lhe as deficiências e o desfecho intempestivo. a afeição que em teu peito se acendeu – tão exuberante – ressuscitará um dia e te fará regressar à ribalta do amor. É propriedade tua! a Vida te trará, nos caminhos insondáveis do amanhã, alguém para bailar contigo nova e extasiante melodia, cada vez mais espiritualizada, da eterna arte de amar.

225 DeuS

108

MISERICÓRDIA

“Senhor, Filho de Davi, tem misericórdia de nós!” (Mat, 20:30).

Senhor Deus, sou planta que recebeu a chuva salutar da palavra de Jesus com júbilo e devoção. Mas, em seguida, as inquietações e cuidados deste mundo sufocaram-me. Jamais frutifiquei. E, enlouquecido, perpetrei o crime de ignorar Tua existência.

Em minha insânia, julguei-Te desinteressado de minha felicidade. acusei-Te de distante, omisso, impotente. blasfemei, arrogante: como pode ser Todo Poderoso e consentir ao mal tamanhas regalias?

Desobriguei-me de meus entes queridos, horrorizei-me dos fracos, explorei os ingênuos e tripudiei sobre adversários. acima de tudo, cultuei a vaidade e a hipocrisia, e incorporei-me à insensível elite dos vitoriosos!

Entretido com imoderados propósitos de sucesso, fechei meu coração à fraternidade. Inflexível em minha soberba, debochei dos diversos ensejos de desculpar faltas alheias. Na ilusão do fastígio social, ironizei a continuação da vida após a morte, tachando-a de inveterada tolice.

Todavia, peço-Te, Senhor, com as forças que ainda me restam, que Te compadeças da minh’alma. agora percebo como andei cego, lastrado de paixões! Não permitas aniquilar-me de remorso. Hás de conservar em Teu Poder, algum miraculoso elixir capaz de me conduzir ao abençoado ponto do recomeço.


Se estás em toda a parte, Supremo benfeitor, liberta-me das grades que me prendem à convicção do nada e do acaso, e mostra-me Tua Presença tanto na beleza do amor e na vastidão da inteligência quanto no cubículo insignificante do átomo e na estreitura da ignorância. Se colocaste, de fato, a eternidade em meu ser, alforria-me de meu próprio passado. orvalha-me com uma gota de Tua coragem, insufla-me o hálito de Tua esperança, incendeia-me com singela fagulha de Tua solidariedade.

Sobretudo, Pai, protege as exortações evangélicas em meu íntimo. Na longa jornada até merecer-Te o beijo pelo retorno à Casa Pródiga, sei que inda sobrevirão nuvens negras e tempestuosas, e careço confiar plenamente nas orientações do Sublime Enviado. Elas hão de me dirigir com segurança no escabroso resgate de mim mesmo. Nas horas lacrimosas, lembrar-me-ão que a tristeza se converte em alegria; nos momentos de medo, ativarão minha fé para eu andar sobre águas turbulentas.

Pai amado, tem misericórdia de mim! Levanta-me para a glória de agregar-me a todos os Teus filhos, sem exceção de qualquer natureza. brilhem em mim os dons celestes que insculpiste em meu espírito e que a nada mais eu aspire senão cumprir, humildemente, a Tua Vontade, agora e a cada instante.

227 DeuS

109

OUVIR

“...os quais tinham vindo para o ouvir, e serem curados das suas enfermidades.”

(Lucas, 6:17).

amado Jesus... Há muita zoeira confundindo os meus tímpanos! Filósofos de renome dissecam temas profundos, esmiuçando-os em intrincadas analisálises. Cientistas de escol determinam a pauta do conhecimento e o método pelo qual devo me conduzir em seus meandros. artistas de vanguarda estabelecem padrões de manifestação da beleza, explorando o universo com refinada sensibilidade.

Embora lhes reconheça o mérito indiscutível, a contribuição deles não me dessedenta a alma a ponto de satisfazer-me por completo. ainda que recorra à ética, o sábio pensador não me bafeja a virtude. Mesmo que se apoie na verdade, o arguto pesquisador não me restaura a espiritualidade. Conquanto me induza ao deleite, o talentoso artista não me impulsiona à transcendência.

Tenho necessidade de ouvir-te, Mestre, no silêncio da minha oração. Instila em meus ramos ressequidos a água viva de tua palavra simples e generosa, e afiança-me de novo que é chegado a mim o reino de Deus (Mt, 12:28). Tange-me o sentimento para eu me apiedar dos sofredores e toca-me a consciência a fim de auxiliar aqueles que se perderam no desvão das transgressões à lei divina.


Todavia, amado Nazareno, para que eu ouça a pureza de tua doutrina, tenho de amortecer milhares de vozes divergentes que alegam exprimir-se em teu nome, e que tumultuam o meu raciocínio, distanciando-me da insuperável sensação de ser Filho do Eterno. São famosos palestrantes, consagrados autores e nobres missionários, que se arrogam o ilustre título de enviados do teu Evangelho.

Confiro-lhes transitório esquecimento, de modo a captar-te a mensagem cristalina. E acompanho-te o percurso pelos arredores de Jerusalém. Contemplo-te a figura, a um só tempo, meiga e austera, e deslumbro-me com a expressão acolhedora e altiva dos teus olhos. Escuto os teus conceitos, ora brandos e confortantes, ora enérgicos e rigorosos. Sei que os dirige também para mim.

E medito demoradamente sobre eles. Integro-os às minhas referências prediletas, com as quais tomo cada decisão e assumo todas as posturas. Teu discurso não fica perdido em meu intelecto. Dou-lhe vida. Transformo-o em ação, e fé, e liberdade.

assim, vou me curando devagar. Reconheço que ainda falta muito, porque trago deficiências enormes, cultivadas em tenebrosos séculos de ilusão e indiferença. Contudo, se tenho alguma recaída, procuro-te, célere, e me atendes sempre solícito. acaricias-me os cabelos com ternura, alentas-me o ânimo combalido e restituis-me, inteiro, ao labor diário com a inesquecível orientação: vai e não peques mais... (Jo, 5:14).

229 DeuS

110

O QUE HAVIA

“...ele bem sabia o que havia no homem.” (João, 2:25).

Sei que um dia planarei por sobre as montanhas das minhas angústias, liberto do mal. E somar-me-ei aos anjos do Todo-Poderoso, servindo-o com felicidade e obediência. E meus feitos soarão harmonioso cântico de louvor à Perfeição Divina.

Entretanto, hoje, sou apenas poço de contradições. Promessa hesitante de luz, na escuridão da madrugada fria; virtude auspiciosa, distorcida por experiências desastradas; solfejo de amor eterno, eclipsado pela torrente de mágoas e queixumes.

Meus projetos não germinaram, embora os concebesse com preparativos maternais. a meio caminho, abortei. as dificuldades asfixiaram-me o entusiasmo, os obstáculos destruíram-me a intrepidez, as críticas exauriram-me a disposição.

Listando fatores adversos, entreguei-me à amargura; mencionando atitudes alheias indevidas, curvei-me ao ressentimento; montado em centena de razões justas – segundo os meus caprichos – afastei-me das próprias metas.

Esqueci o bem que formulei na mais profunda consciência; abandonei compromissos, antes envidados com zelo espontâneo; desfiz-me do Evangelho libertador, em troca de comodismo e futilidades.


olho para mim mesmo e reconheço-me deplorável fracasso espiritual. onde se esconderam as sorridentes estrelas que me nortearam as tendências nos tempos descontraídos da mocidade? ah, soberbos dias, aqueles em que me aderi de corpo e alma ao trabalho do Cristo. Quanta alegria no coração, contagiando a todos com quem me relacionava. E o dourado entendimento com que retribuía qualquer desapreço ou incompreensão para comigo?!

Houve, de fato, época em minha existência apagada e insípida, que conheci a sublime bem-aventurança de trazer Jesus em mim. as dores, ainda que dilacerantes, não me esmagavam, já que eu possuía lágrimas suficientes para limpar meus sentimentos. E, conquanto atado à cruz da solidão, minha voz exaltava sincera confiança na bondade de Deus! acima de tudo, meus fiéis amigos enfileiravam-se também aos servidores do Cristo, amparando os mais próximos e embalando os carentes, o que nos fortalecia uns aos outros. Eu estava no mundo sem ser do mundo, pois vivia em pleno céu!

o Pai sabe que havia tudo isso no meu universo interior. Porém, eu confundi paz e alegria com realizações concretas. E, de tanto me desgastar pelo êxito das atividades fraternas, permiti que os atritos com os companheiros provocassem o meu afastamento.

o que fiz do Salvador humilde que outrora abrilhantou o meu ideal juvenil? Por que lhe sustei a vida no solo árido da minha alma? oh, Jesus, perdoa-me o descaso!...

231 DeuS

111

DESCENDÊNCIA

“E Er de Josué, e Josué de Eliezer, e Eliezer de Jorim, e Jorim...”

(Luc, 3:29).

ainda que eu possua características fundamentais comuns aos meus familiares, e mesmo que minha personalidade contenha traços que testifiquem a herança genética provinda de meus pais, minha individualidade origina-se de outra dimensão.

Não me limito à junção de particularidades que me foram transferidas por meus genitores, graças ao acaso cromossômico. Tampouco adquiri existência por ocasião de meu aparecimento no útero materno. antes disso, eu já era Eu no imensurável universo.

Minha identidade não se resume aos dons herdados pela linhagem familiar, acrescidos da educação e da influência social desde o meu nascimento. ao contrário, eu me revelo através do ambiente. Mas, todos esses fatores vigoram e incidem sobre mim. afetam-me de algum modo e interferem na forma como organizo e expresso os meus próprios caracteres nos horizontes da matéria.

Guardadas as imensas proporções, a genealogia física permite entrever o fenômeno da verdadeira procedência, radicada no espírito. Eu vim de Deus. Ele me concebeu com Suas virtudes, inclusive a vida eterna. Eu não vim de mim mesmo... (Jo, 7:28).


Sou Seu filho bem-amado, em quem Ele Se compraz (Mt, 3:17). Na condição de Pai amoroso, vela por mim continuamente. Pai Previdente, planejou com antecedência os recursos de que necessito para a função cósmica à qual estou destinado. Pai absoluto, irmana-me a todos os demais rebentos numa fraternidade única.

agradeço penhoradamente àqueles que me cederam genes para a confecção da veste orgânica e cuidaram de meu desenvolvimento pessoal. Procuro honrar-lhes o nome por meio de conduta digna em sociedade.

No entanto, não me esqueço igualmente do meu amado Criador. Sou d’Ele! Devo-Lhe obediência irrestrita. Empenho-me, diligente, em descobrir-Lhe os desígnios a fim de executá-los com fidelidade e alegria.

Por fim, entrego-me sem receio aos Seus cuidados. Nas surpresas infaustas da peregrinação na carne, quando a dor vergasta-me a alma, refugio-me n’Ele. Sentindo-Lhe a inefável Presença, pacifico-me. ao mesmo tempo em que Ele me faculta apreender a causa de meus dissabores, transmite-me suave e revigorante estímulo.

Ele Se compadece generosamente de mim. aninha-me em Seu colo, esparge-me pequenina chispa de confiança no Divino Poder, e, aveludando a voz, sussurra-me as dulcíssimas palavras que eu jamais pensei ouvir: Meu Filho! Meu querido Filho!...

233 DeuS

112

PECADORES

“Por que comeis e bebeis com publicanos e pecadores?”

(Luc, 5:30).

o martírio de Jesus sensibilizou-me há muitos anos. Com o tempo, devotei-me ao estudo de sua doutrina. E aprendi que o amor alvora aceitando o outro como ele se encontra.

Desse modo, frequento a casa de alguns Zaqueus, avessos à religião. Para eles, Deus não existe ou constitui ponto totalmente secundário. Seguem despreocupados quanto à possibilidade de subsistir uma justiça divina inviolável.

Trabalho junto a mancebos de qualidade, que admitem com fervor a chance de se lograr a paz por intermédio de riqueza e domínios. Não cogitam acerca do valor supremo da consciência tranquila na obtenção da alegria duradoura.

Privo a intimidade de muitos fariseus, que consideram de altíssima importância a alimentação deste jeito ou daquele; defendem com paixão tal ou qual sistema de governo, e superestimam aparência e grandeza em sua religiosidade.

Mantenho relacionamento com diversos Judas egoístas: menosprezam a comiseração; negligenciam obrigações inadiáveis perante seus familiares; cultuam inveteradamente a sua própria imagem.


Sou amigo de alguns homossexuais, sejam homens ou mulheres; respeito a orientação sexual do indivíduo, não enxergando nesse aspecto o mínimo laivo doentio.

Diante dos poucos criminosos que tive a oportunidade de me aproximar, cuidei-me de não lhes imputar julgamento pessoal. Nunca me senti encarregado de definir culpa ou punição cabíveis aos que se afastaram da lei e da decência.

Como e bebo com sujeito de qualquer partido político, credo ou filosofia ou que não disponha de nenhuma. Prefiro alimentação leve, todavia posso comer carne. opto por não ingerir bebida, porém pequena quantidade de álcool não me horripila.

Sou adepto da teoria da queda e da reencarnação, entretanto, concluí que a diferença está no que eu faço com aquilo que acredito. assim, evito transformá-las em fator de distanciamento dos demais.

Em resumo, procuro exercitar acatamento às escolhas e independência daqueles que caminham ao meu lado ou cruzam os meus passos. Não os importuno com minhas crenças nem os censuro porque não leem o breviário da vida através das minhas lentes. Sei que Deus reserva-nos a todos as lições mais adequadas, no dia certo.

Mas, nem sempre me dispensam acolhida recíproca. Há quem pretenda obstruir o pouco que faço, e adita argumentos inconsistentes e dissimulados, ignorando que a fraternidade para ser legítima há de trajar-se com o manto da liberdade. Por fruir desta nesga de autonomia, já não resisto ao mal (Mt, 5:39), venha de ente querido, de estimado companheiro ou de suposto adversário. Consoante ao Evangelho, eu oro por eles...

235 DeuS

113

EIS QUE ELE ESTÁ

“Eis que ele está no deserto, não saiais. Eis que ele está no interior da casa; não acrediteis.”

(Mat, 24:26).

Percorri ínvias estradas até encontrar o Cristo onde hoje o coloco. Seguindo-lhe os intrépidos discípulos, abriguei também a hipótese de que o Mestre reinava soberano após a morte, e considerei elevada honraria o sacrifício nos circos primitivos.

Empolguei-me com a proposta de ditoso porvir, segundo o modelo de felicidade do cristianismo primitivo, cumpridas as penas do degredo na carne. apoiei-me em semelhante raciocínio, sofrendo a injustiça social e o opróbrio nesse mundo, de olhos fitos no ressarcimento em etapa seguinte à matéria. E percebi, pasmo de surpresa, que o povo oscilara da fé submissa em futura compensação espiritual, para a aquisição do bem estar imediato e sem restrições. Apoderaram-se do reino de Deus à força (Mt, 11:12).

À medida que a liderança religiosa mesclou-se ao cetro mundano, sorvendo vantagens de tal conúbio estranho, desfiliei-me da multidão ingênua e, levantando dúvidas quanto à autoridade moral dessa diretriz incoerente, bandeie-me para os setores da ciência, idolatrada como a nova pitonisa da humanidade.

Entrementes, cativei-me por uma codificação que me acenava com Jesus redivivo e espiritualizado. Enaltecendo-se a si mesma, porém, a filosofia que eu amei não me reconhece a paridade com o Senhor.


o Evangelho, porém, é enfático nessa questão: Quem não honra o Filho, não honra o Pai que o enviou (Jo, 5:23).

Se o convite para desfrutar o reino de Deus aqui e agora, a qualquer custo, não me seduziu o coração, atento à pressa do espiritualismo materialista, o tempo reclamou-me a inspeção direta e pormenorizada da palavra do Cristo, a fim de escoimá-la da opinião dos insignes representantes ou consoladores.

Em paralelo a essa exaustiva pesquisa intelectual, o destino afixou-me à porta situações mal equacionadas desta e doutras vidas, à feição de curso prático em que eu pudesse experimentar a validade das orientações do lídimo instrutor.

abraçado à cruz bendita, observei que dos mitos que antes exaltara com ardor, poucos resistiram ao batismo de tão renhido confronto. Como estrela guia do céu refeito, transluz a convicção de que a Vontade do alto prevalece sempre. Quando não me atende, significa que cumpre objetivos prioritários, com os quais devo me conciliar.

assim, constato que ser feliz pressupõe confiar plenamente no Senhor. unido de forma visceral com Ele, tanto faz se vivo sozinho ou em família, se milito na esfera religiosa ou civil ou se me acho atrelado ao corpo ou livre em espírito. Mais que tudo, importa sentir e atestar: eis que o Pai amado mora em mim!

* * *

gilberto ribeiro vieira · 2018-02-06 · cristo representa para todos nós suave e profundo...

Documents