giacoia jr., oswaldo. a vida nua e o sujeito de direito

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5/21/2018 GIACOIAJR.,Oswaldo.aVidaNuaeoSujeitodeDireito.-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/giacoia-jr-oswaldo-a-vida-nua-e-o-sujeito-de-direito GIACOIA JR., Oswaldo.  A vida nua e o sujeito de direito. Acessado em: 11 de julho de 2014 Dispon!el em:  h""p:##$e!is"acul".uol.com.%$#home#201&#0'#a(!ida(nua(e(o(sujei"o(de( di$ei"o# A )IDA *+A O -+JIO D DIRIO A no/o de %iopode$ em%asa uma c$"ica do con"$a"o social, mi"o de unda/o da mode$nidade, cuja heemonia a"$ela as ca"eo$ias da pol"ica 3 iu$a do s"ado, como o$ania/o ju$dica da ci!i"as. ssa c$"ica pe$mi"e pensa$ o %ando, e no o con"$a"o, como o$ma o$iin5$ia da pol"ica mode$na, ao mesmo "empo em 6ue a e7ce/o se $e!ela como a es"$u"u$a e a !e$dade da no$ma8 se$!e de apoio pa$a essa de$i!a/o uma homoloia es"$u"u$al en"$e %ando 9de ann, ao mesmo "empo insnia da so%e$ania e da  p$e$$oa"i!a de %ani$; e e7ce/o 9e7(cape$e < cap"u$a$ o$a;. -o%e$ano = o pode$ de puni$, de %ani$8 %ani$ = e7clui$ um condenado da ese$a de  p$o"e/o, da pa cone$ida pelo o$denamen"o ju$dico(pol"ico. O %an9d;ido = o sem pa 9>$iedlos;, a6uele a 6uem a lei se aplica po$ desaplica/o, cujo eei"o = uma !incula/o nea"i!a, is"o =, consis"e em se$ cap"u$ado o$a do o$denamen"o socie"5$io. O >$iedlos do di$ei"o e$m?nico a$caico = um ances"$al do homo sace$, iu$a do di$ei"o $omano 6ue emp$es"a seu nome ao p$o$ama jus ilos@ico e pol"ico de Aam%en. A $ela/o de a%andono =, de a"o, "o am%ua, 6ue nada = mais dicil do 6ue deslia$(se dela. O %ando = essencialmen"e o pode$ de $eme"e$ alo a si mesmo, ou seja, o pode$ de man"e$(se em $ela/o com um i$$ela"o p$essupos"o. O 6ue oi pos"o em %ando = $eme"ido 3 p$@p$ia sepa$a/o e, jun"amen"e, en"$eue 3 me$cB de 6uem o a%andona, ao mesmo "empo e7cluso e incluso, dispensado e, simul"aneamen"e, cap"u$ado 9Aam%en, G. omo -ace$. O pode$ so%e$ano e a !ida nua I, p. 11E;. -e o %ando = e7cep"io, h5 6ue se dei7a$ de conside$a$ as decla$a/Fes de di$ei"os undamen"ais como p$oclama/Fes de !alo$es e"e$nos me"aju$dicos, pa$a da$ con"a de sua un/o his"@$ica $eal, como disposi"i!o de inse$/o da !ida no campo de incidBncia da deciso so%e$ana. Inclui(se a o doma da sac$alidade da !ida, 6ue, so% a o$ma das decla$a/Fes dos di$ei"os do homem e do cidado, inspi$a as cons"i"ui/Fes $epu%licanas. A cons"ela/o "e@$ica o$mada po$ >oucaul", enjamin, -o$el e a$7 enseja a Aam%en  p$o%lema"ia$ a o$ma ju$dica da pol"ica mode$na, $econs"i"ui$ a Bnese da pessoa humana como mode$no sujei"o de di$ei"o, de"ec"a$ a p$o!eniBncia da o$ma di$ei"o na o$ma uni!e$sal do !alo$ de "$oca das me$cado$ias na sociedade capi"alis"a. s"a =, an"es de "udo, uma sociedade de p$odu"o$es me$can"is, cujas $ela/Fes sociais no p$ocesso de

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GIACOIA JR., Oswaldo. A vida nua e o sujeito de direito.Acessado em: 11 de julho de 2014Disponvel em: http://revistacult.uol.com.br/home/2013/09/a-vida-nua-e-o-sujeito-de-direito/

A VIDA NUA E O SUJEITO DE DIREITOA noo de biopoder embasa uma crtica do contrato social, mito de fundao da modernidade, cuja hegemonia atrela as categorias da poltica figura do Estado, como organizao jurdica da civitas. Essa crtica permite pensar o bando, e no o contrato, como forma originria da poltica moderna, ao mesmo tempo em que a exceo se revela como a estrutura e a verdade da norma; serve de apoio para essa derivao uma homologia estrutural entre bando (de Bann, ao mesmo tempo insgnia da soberania e da prerrogativa de banir) e exceo (ex-capere = capturar fora).Soberano o poder de punir, de banir; banir excluir um condenado da esfera de proteo, da paz conferida pelo ordenamento jurdico-poltico. O ban(d)ido o sem paz (Friedlos), aquele a quem a lei se aplica por desaplicao, cujo efeito uma vinculao negativa, isto , consiste em ser capturado fora do ordenamento societrio. O Friedlos do direito germnico arcaico um ancestral do homo sacer, figura do direito romano que empresta seu nome ao programa jus filosfico e poltico de Agamben.A relao de abandono , de fato, to ambgua, que nada mais difcil do que desligar-se dela. O bando essencialmente o poder de remeter algo a si mesmo, ou seja, o poder de manter-se em relao com um irrelato pressuposto. O que foi posto em bando remetido prpria separao e, juntamente, entregue merc de quem o abandona, ao mesmo tempo excluso e incluso, dispensado e, simultaneamente, capturado (Agamben, G. Homo Sacer. O poder soberano e a vida nua I, p. 116).Se o bando exceptio, h que se deixar de considerar as declaraes de direitos fundamentais como proclamaes de valores eternos metajurdicos, para dar conta de sua funo histrica real, como dispositivo de insero da vida no campo de incidncia da deciso soberana. Inclui-se a o dogma da sacralidade da vida, que, sob a forma das declaraes dos direitos do homem e do cidado, inspira as constituies republicanas.A constelao terica formada por Foucault, Benjamin, Sorel e Marx enseja a Agamben problematizar a forma jurdica da poltica moderna, reconstituir a gnese da pessoa humana como moderno sujeito de direito, detectar a provenincia da forma direito na forma universal do valor de troca das mercadorias na sociedade capitalista. Esta , antes de tudo, uma sociedade de produtores mercantis, cujas relaes sociais no processo de produo assumem uma forma coisificada dos produtos do trabalho; estes, por sua vez, aparecem, uns em relao aos outros, como na figura genrica do valor de troca.A mercadoria um objeto mediante o qual a diversidade concreta das propriedades teis se torna simplesmente a embalagem coisificada da propriedade abstrata do valor, que se exprime como capacidade de ser trocada numa determinada proporo por outras mercadorias. Esta propriedade expresso de uma qualidade inerente s prprias coisas em virtude de uma espcie de lei natural que age sobre os homens de maneira inteiramente alheia sua vontade. Porm, se a mercadoria conquista seu valor independentemente da vontade do sujeito que a produz, a realizao do valor no processo de troca pressupe, ao contrrio, um ato voluntrio, consciente, por parte do produtor de mercadorias (Pachoukanis, E. B. Teoria geral do Direito e marxismo, p. 70).Assim, o vnculo social entre os homens no processo de produo toma a forma de uma legalidade elementar, que impe, para a sua realizao, a necessidade de uma relao particular entre os homens, enquanto indivduos que dispem de produtos, enquanto sujeitos cuja vontade habita nas prprias coisas. O fato de os bens econmicos serem produtos do trabalho constitui uma propriedade que lhes inerente; o fato de eles poderem ser negociados constitui uma segunda propriedade, que depende somente da vontade de seus proprietrios, sob a nica condio de tais bens serem apropriveis e alienveis. Eis a razo pela qual, ao mesmo tempo que o produto do trabalho reveste as propriedades da mercadoria e se torna portador de valor, o homem se torna sujeito jurdico e portador de direitos. A pessoa, cujo determinante a vontade, o sujeito de direito (Ibid., p. 71).Da decorre a necessidade de distinguir entre o plano categorial, lgico e jurdico-doutrinrio, os sujeitos de direito, por um lado, e a funo histrica do exerccio concreto de atividades de troca, por outro. O ato de troca possibilitou um aprofundamento na ideia de sujeito, como portador de todas as possveis pretenses jurdicas. somente na economia mercantil que nasce a forma jurdica abstrata, em outros termos, que a capacidade geral de ser titular de direitos se separa das pretenses jurdicas concretas (Ibid., p. 76).O momento jurdico, a forma direito, cujo ncleo conceitual formado pela ideia de contrato, o duplo social da forma mercantil. Sob essas coordenadas, o momento jurdico alcana sua completa determinao como elemento configurador das relaes sociais. Antes disso, a forma direito existia apenas embrionariamente, indiscernvel das esferas da moralidade, dos costumes ou da religio.Foi apenas depois do total desenvolvimento das relaes burguesas que o direito passou a ter um carter abstrato. Cada homem torna-se homem em geral, cada trabalho torna-se um trabalho social til em geral e cada sujeito torna-se um sujeito jurdico abstrato. Ao mesmo tempo, tambm a norma reveste-se da forma lgica acabada da lei geral abstrata (Ibid., p. 78).O sujeito de direito o proprietrio da mercadoria, sobretudo das mercadorias dinheiro e fora de trabalho. O sujeito jurdico , por consequncia, um proprietrio de mercadorias abstrato e transposto para as nuvens. A sua vontade, juridicamente falando, tem o seu fundamento real no desejo de alienar, na aquisio, e de adquirir, na alienao. Para que tal desejo se realize, indispensvel que haja mtuo acordo entre os desejos dos proprietrios de mercadorias. Juridicamente esta relao aparece como contrato, ou como acordo, entre vontades independentes (Ibid., p. 79).Assim, o direito o dispositivo que possibilita e assegura o funcionamento das relaes de troca, garantindo a produo de um sobrevalor, o elemento dinmico do processo de valorizao do capital. A mais valia tem origem na explorao do trabalho, na alienao do trabalhador em relao ao produto de seu trabalho e ao prprio processo de produo ento, o direito a perpetuao sistmica da explorao, a forma de reproduo mecnica, necessria, inexorvel (mtica) da dominao do homem pelo homem.O Direito, e o Estado que dele extrai sua substncia, representam a expresso mitolgica da fetichizao das relaes humanas. Se as mercadorias relacionam-se entre si como fetiches, como hipstases de sujeitos humanos; os homens comportam-se entre si, em suas relaes sociais, como se fossem exteriorizaes das prprias mercadorias.Dominao injustaEm Walter Benjamin, essa funo do direito conserva a natureza da violncia mtica, pois reproduz suas determinaes e processos com a inexorabilidade do destino. Seus mecanismos so necessariamente sangrentos, pois perpetuam os efeitos de uma injustia originria, reproduzem o ciclo do mal infinito.A pretexto de instituir um meio legtimo, ainda que violento, para fins supostamente justos, o direito acaba por revelar face sangrenta, justamente na funo da forma jurdica (o contrato entre sujeitos de direito abstratamente livres e formalmente iguais), pois esta a matriz da dominao injusta. Que se reproduz na dialtica entre poder constituinte originrio (a violncia que institui o direito) e o poder constituinte derivado (a violncia que garante a aplicao do direito), sendo, pois, mdium impuro dispositivo que opera a troca injusta. Como esfera juridicamente organizada da sociedade poltica, o Estado a racionalizao da violncia, sendo sujeito de direito seu conceito operatrio e princpio de funcionamento.Em sua crtica dos direitos humanos, Agamben retoma as teses de Benjamin sobre a filosofia da histria e, sobretudo, sua suspeita da moderna sacralidade da vida. falsa e vil a proposio de que a existncia teria um valor mais alto do que a existncia justa, quando existncia significar nada mais do que a mera vida. Poiso homem no se reduz mera vida, nem sequer singularidade de sua pessoa fsica. Quo pouco sagrado quanto seja o homem to pouco o so os seus estados, a sua vida corprea, vulnervel a outros homens (Benjamin, W. Crtica da violncia. In: Escritos sobre mito e linguagem, p. 40).Direitos inalienveis (sagrados) seriam a expresso simblica do domnio econmico burgus, a traduo legal do princpio dos egosmos privados. O que se encontra em jogo no projeto Homo Sacer o sequestro da vida nua nos clculos e estratgias do poder biopoltico, formulada na gramtica e no lxico dos direitos do ser humano universal. Valeria a pena rastrear a origem do dogma da sacralidade da vida. Talvez, ou muito provavelmente, esse dogma seja recente; a derradeira errncia da debilitada tradio ocidental de procurar o sagrado que ela perdeu naquilo que cosmologicamente impenetrvel (Ibid.).Faz-se necessrio tomar conscincia da funo histrico-poltica das declaraes de direitos, como modalidades de sacralizao da vida; juntamente com seu papel emancipatrio, elas integram os processos de sujeio da vida nua ao poder soberano. Pensando nas formas biopolticas de excluso, numa confuso entre poltica e ajuda humanitria, Agamben visa estrategicamente os atuais habitantes de campos de refugiados polticos, afirmando ser preciso desembaraar resolutamente o conceito de refugiado (e a figura da vida que ele representa) daquele dos direitos do homem, e levar a srio a tese de Arendt, que ligava os destinos dos direitos queles do Estado-Nao moderno, de modo que o declnio e a crise deste implicam necessariamente o tornar-se obsoletos daqueles (Agamben, G. Homo Sacer. O poder soberano e a vida nua I, p. 140).Nessa tica, o campo de concentrao paradigma da biopoltica, se por campo entendemos o espao aberto pela exceo tornada regra, o vcuo gerado pela suspenso da lei, onde tudo se torna possvel; essa estrutura jurdico-poltica d corpo exceo estvel, e torna inteligvel as estratgias biopolticas.Nesse espao tornou-se possvel a sujeio integral da vida humana deciso excepcional, a produo sistemtica da vida matvel, como jamais existiu na Terra. O campo no um acontecimento emprico historicamente datado, mas grade de compreenso do que se passa hoje. Ao invs de derivar a definio do campo a partir dos acontecimentos que l se passaram, perguntaremos, antes: o que um campo; qual sua estrutura jurdico-poltica; por que tais acontecimentos puderam se passar ali? Isso nos levar a considerar o campo no como um fato histrico, como uma anomalia que pertence ao passado (mesmo que, em certas circunstncias, ainda possamos nos deparar com ela), mas, em certa medida, como a Matrix oculta, como o nomos do espao poltico, no qual sempre ainda vivemos (Agamben, G. Mittel ohne Zweck. Noten zur Politik, p. 37-43).Experincias totalitriasAssim, defrontamo-nos potencialmente com um campo sempre que tal estrutura criada, quaisquer que sejam as localizaes empricas em que se situe, por exemplo, os campos de refugiados em todos os continentes, os espaos de deteno emergincial, os confinamentos em aeroportos e prises militares, com suspenso de toda e qualquer garantia jurdica fundada na cidadania e no direito estatal; os estados anmalos criados e mantidos na periferia e nas brechas geopolticas do atual sistema de capitalismo financeiro.Por isso, para Agamben, as experincias totalitrias no so bem compreendidas, se as consideramos como um novum na histria do Ocidente, ou como casos de ruptura com a tradio das democracias liberais. Se estas se originam no contexto da biopoltica e do biopoder, ento so elas mesmas portadoras da insgnia da soberania, como poder de vida e morte. O que est implicado nessa problemtica a exigncia de superao da forma direito, uma questo que toca o mago das categorias formais da sociabilidade ocidental. Essa tarefa exige a dessacralizao do direito pelo estudo e pelo jogo, que so as modalidades por excelncia de devolver ao uso comum, inocente e livre pelos homens daquelas coisas que a sacralizao retirou de seu trato e comrcio. A profanao revaloriza o uso, como categoria, e no a propriedade, uso como um meio puro. A profanao do direito condio prvia para uma renovao dos quadros conceituais da poltica; trata-se de uma tentativa de desativao de procedimentos atrelados a uma finalidade inveterada, com vistas a uma inveno, necessariamente coletiva (poltica) de novos usos.A atividade que da resulta torna-se dessa forma um puro meio, ou seja, uma prtica que, embora conserve tenazmente sua natureza de meio, se emancipou da sua relao com uma finalidade, esqueceu alegremente seu objetivo, podendo agora exibir-se como tal, como meio sem fim. Assim, a criao de um novo uso s possvel ao homem se ele desativar o velho uso, tornando-o inoperante (Agamben, G. Profanaes, p. 74). Essa desativao faz-se pelo brincar, pela dissoluo da gravidade da poltica jurdico-estatal por meio de jogos diversos jogo de mobilizao e ao (ludus) e jogo discursivo, de palavras (jocus).Esse seria o sentido poltico de um estudo atual do direito, parodicamente srio: fazer do estudo uma porta de acesso justia essa seria uma profanao correspondente ao que Benjamin pensava como deposio do direito pela violncia pura, ou seja, pela revoluo. Tais sugestes problemticas desafiam nossas maneiras habituais de pensar e valorar. Por isso, revisitar os arquivos do pensamento jusfilosfico moderno aparece como tarefa ao mesmo tempo til e fecunda, qual podem dedicar-se os empenhados numa compreenso crtica dos dilemas atuais do direito e da poltica, ao mesmo tempo em que se mantm comprometidos com a busca da verdade.

Oswaldo Giacoia Junior professor titular do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da Unicamp e autor, entre outros, de Heidegger urgente (Trs Estrelas, 2013)