gestao publica_um novo paradigma governancao ap local

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 8 C Naa Aa Pa 2011  Pa 309 GESTÃO PÚBLICA: UM NOVO PARADIGMA PARA A GOVERNAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL EM PORTUGAL Manuel Ferreira de Carvalho Resumo Ao longo da História o Poder Local sempre desempenhou um papel inquestionável na organização do Estado, tendo-se revelado fundamental a sua existência, a qual se traduz na diversidade de competências e materializada em inúmeros domínios de ação que estas entidades têm desempenhado. Não questionando a importância do papel destas entidades, cuja existência na perspetiva de alguns autores é anterior ao próprio Estado, deve ainda assim questionar-se a sua capacidade de resposta às solicitações atuais, a sua organização e capacidade de governação interna e externa e a respetiva adequação organizativa ao contexto socioeconómico atual, sob pena de perda de protagonismo por inadaptação. Palavras-chave : Gestão Pública; Governação Local; Descentralização; Autarquias Locais; Portugal.

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  • 8 Congresso Nacional de Administrao Pblica 2011 | Pgina 309

    GESTO PBLICA: UM NOVO PARADIGMA PARA A GOVERNAO DA

    ADMINISTRAO LOCAL EM PORTUGAL

    Manuel Ferreira de Carvalho

    Resumo

    Ao longo da Histria o Poder Local sempre desempenhou um papel inquestionvel na organizao do Estado, tendo-se revelado fundamental a sua existncia, a qual se traduz na diversidade de competncias e materializada em inmeros domnios de ao que estas entidades tm desempenhado.

    No questionando a importncia do papel destas entidades, cuja existncia na perspetiva de alguns autores anterior ao prprio Estado, deve ainda assim questionar-se a sua capacidade de resposta s solicitaes atuais, a sua organizao e capacidade de governao interna e externa e a respetiva adequao organizativa ao contexto socioeconmico atual, sob pena de perda de protagonismo por inadaptao.

    Palavras-chave: Gesto Pblica; Governao Local; Descentralizao; Autarquias Locais; Portugal.

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    Introduo

    Apesar de no ser consensual a opinio dos diversos autores no que respeita origem dos Municpios, parece inquestionvel que estes desempenham um papel relevante na organizao do Estado e no funcionamento da sociedade. Prova disso a sua capacidade de resistncia, que tem mantido estes nveis de organizao e administrao ao longo de diversos sculos, sendo a sua gnese, na perspetiva de alguns autores, Caldas (1996) ou Oliveira (2000), anterior ao prprio Estado e que deveria buscar-se na tradio hispano-romana.

    A amplitude do papel destes nveis da administrao ao longo da Histria bastante grande, registando-se a sua importncia quer na defesa aos limites territoriais do prprio Estado, quer na prestao de bens e servios bsicos sociedade e na promoo de uma gesto territorial promotora do desenvolvimento econmico e social e geradora de riqueza para a respetiva jurisdio e para a Administrao Central, atravs da cobrana e pagamento de taxas ou impostos de diversa natureza.

    Ainda assim, tal no significa que o modelo atual de governao da Administrao Local seja absolutamente o mais adequado, ou pelo menos que a forma como tem sido aplicado no possa ser questionado, apesar destes nveis de administrao possurem um rgo executivo, um outro a quem compete fiscalizar e assistir a ao executiva e ainda uma estrutura administrativa de suporte que lhes garante um elevado nvel de autonomia administrativa e funcional.

    Ao invs, ao longo da Histria o modelo de governo no qual assentavam os nveis de organizao e administrao local foram evoluindo, ainda que os pressupostos essenciais com base no conceito genrico de governao de proximidade se tenham mantido na sua essncia quase inalterveis.

    Contudo, tal evoluo, que umas vezes ocorreu com maior pendor descentralizador do que noutras, nem sempre foi acompanhada pelos instrumentos que permitissem a capacidade geradora de meios prprios suficientes para fazer face s competncias que tal nvel de administrao pressupe, s quais por vezes acrescem outras contratualizadas com outros nveis da administrao, designadamente com a Administrao Central, comprometendo assim quer a verdadeira autonomia do Poder Local, quer a sua efetiva capacidade de ao e o cumprimento da sua misso.

    A par de alguma incapacidade geradora de receitas prprias, em parte compensada por transferncias diretas da Administrao Central, em alguns casos e por razes diversas, na tica da Gesto Pblica em busca da eficcia e da eficincia na gesto dos recursos pblicos, incompreensivelmente verifica-se uma enorme dificuldade junto da Administrao Pblica e particularmente da Administrao Local em partilhar recursos e responsabilidades entre si, uma vez que, quer as atribuies e competncias, quer o respetivo quadro de financiamento est claramente definido e

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    muito homogneo entre si 97 e a convivncia decorrente da dinmica social e econmica inevitvel.

    Assim, num contexto de recursos cada vez mais escassos e de nveis de exigncia de eficcia e eficincia cada vez maiores, em que os entes pblicos (a qualquer nvel da Administrao), so cada vez mais convocados para dar respostas para as quais nem sempre tm meios ou competncias e quando simultaneamente a sociedade (ou pelo menos uma boa parte dela) vive momentos em que esperaria do Estado mais respostas ou outro tipo de respostas, parece chegada a hora para que o Estado (a todos os seus nveis) reequacione, de forma aberta com toda a sociedade qual o nvel de servio pblico que quer e pode prestar, a forma como o deve e pode fazer e financiar, aproveitando tambm para redefinir as competncias, meios e responsabilidades dos nveis sub-nacionais da Administrao Pblica.

    Nesse mbito e simultaneamente deve ser repensado o modelo de governao interna das Autarquias Locais, permitindo-lhes maior flexibilidade na sua estrutura orgnica e na estrutura administrativa de suporte (dentro de determinados limites, designadamente estabelecendo padres normais, limites inferiores e superiores) e ainda a uma alterao no modelo de financiamento que conduza a um maior equilbrio na estrutura da receita e da despesa, que permita eliminar alguma rigidez existente em alguns fatores que condicionam uma execuo oramental mais adequada s necessidades e exigncias da atualidade, que fomente iniciativas que visem o desenvolvimento econmico e que aumente a responsabilizao destes nveis de administrao pela obteno de mais receita que lhes esteja ou deva estar afeta. Por fim e ainda no prosseguimento de uma tendncia mais descentralizadora, devem ser mais enfatizadas as medidas que visam a devoluo do protagonismo e da responsabilidade sociedade e ao indivduo, facilitando o acesso aos meios e o conhecimento para que estes prossigam os fins que lhes sejam mais adequados. Com o presente texto no se pretende revelar nenhuma frmula mgica nem nenhuma chave secreta para o futuro da governao local, at porque cada caso tem especificidades prprias, mas to s apontar algumas das mudanas que parecem indispensveis dada a ocorrncia de alteraes profundas de carcter socioeconmico que condicionam a Gesto Pblica em geral e particularmente a Governao Local e o seu modelo atual, ainda assim, cabe aos respetivos atores e interlocutores a responsabilidade e a capacidade para promoverem as solues que melhor se adaptem respetiva realidade, uma vez que tomando os prprios atempadamente a iniciativa, podero encontrar solues mais equilibradas.

    97

    As divergncias mais significativas atualmente e sobre as quais os prprios Municpios pouca capacidade de interveno possuem, decorrem essencialmente da diferente capacidade fiscal de cada Municpio devido respetiva dinmica socioeconmica e aos diferentes enquadramentos de cada NUT II para efeitos da comparticipao dos Fundos da Unio Europeia.

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    Gesto Pblica: A Administrao Local em Portugal

    Resenha Histrica98

    Ao longo da Histria de Portugal, registam-se diversas mutaes quer no que respeita aos limites territoriais do prprio Estado, quer no que respeita evoluo socioeconmica interna e ao sistema poltico-administrativo de organizao e de governo do Estado aos diversos nveis.

    Assim, o perodo medieval marcou uma ocupao humana irregular do territrio nacional, de resto cujas marcas ainda hoje perduram, verificando-se a uma maior intensidade dos aglomerados habitacionais no norte do que no sul do pas.

    A Idade Mdia por ser um perodo de natureza marcadamente guerreira, contribuiu decisivamente para que, tanto no norte como no sul, os adensamentos populacionais ocorressem em aldeias ou cidades. Para se defenderem das incurses militares, essas comunidades, normalmente apoiadas por membros da comunidade religiosa dominante em cada meio, sentiram necessidade de se voltarem para si mesmas, organizando sistemas de defesa que assentavam na preservao dos laos de solidariedade tradicionais e que so um hbito social estvel e persistente at hoje, ainda que por vezes presentes de forma mais clara numas regies do que em outras.

    Alexandre Herculano, considerado por muitos 99 o pai e grande mestre da historiografia sobre os concelhos em Portugal, sendo ainda atual muita da sua investigao sobre o funcionamento das instituies municipais durante os primeiros sculos da sua existncia no nosso pas. Para este autor, no seu estudo sobre os Municpios portugueses a origem dos Municpios deveria buscar-se na tradio hispano-romana, sendo o foral no uma criao do municpio, mas uma confirmao duma realidade pr-existente ele refere ainda que:

    As aldeias de Sancta Comba e Treixedo, no distrito de Viseu, pertenciam desde os fins do sc. X ao mosteiro de Lorvo. Arruinadas durante o sc. XI, e faltas de cultura, os monges cuidaram em repovo-las no comeo do XII(...). Dos habitantes que ahi existiam, alguns eram cavalleiros: o resto consistia bem como os recm vindos e os que sucessivamente deviam alli morar, em pees lavradores.100

    Outros autores como Eugnio de Castro Caldas, Manuel de Santos Loureiro, Jos Rocha Oliveira, entre outros, seguem no essencial a linha de pensamento de que a criao dos Municpios anterior ao prprio Estado e deveria buscar-se na tradio hispano-romana.

    Jos Mattoso fundamenta o seu pensamento na base do que considera a senhorializao laica, em que os mais dinmicos senhores no se contentavam com a

    98

    Para um enquadramento mais detalhado ver: Carvalho (2010), Dissertao de mestrado, Cap. III.I. 99

    A ttulo de exemplo, o Professor Joo Bilhim, (2004), a este propsito inicia o Captulo 1.1. do seu livro A Governao nas Autarquias Locais com a seguinte frase: O municpio sendo anterior fundao de Portugal seria, por conseguinte, anterior formao do prprio Estado, tendo a sua origem na dominao romana, na perspetiva de Alexandre Herculano. 100

    Ver: Herculano, Alexandre, & Notas crticas de Mattoso, Jos, (1981), Histria de Portugal Desde o Comeo da Monarquia at ao Fim do Reinado de Afonso III, pp. 58; 92 e ss.;

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    terra onde os seus antepassados haviam feito fortuna e por isso conquistavam pedao a pedao, pequenas ou grandes reas da vizinhana.

    A obra de Alexandre Herculano no que respeita organizao interna da vida municipal, continua a reunir um amplo consenso, ainda assim outros autores, atravs de estudos posteriores, mesmo reconhecendo o papel e a importncia da sua investigao, no que respeita origem dos concelhos, colocam em causa a sua opinio pois afirmam que esta ter sido inteiramente alheia a quaisquer instituies anteriores, apresentando uma nova realidade, a qual depende de outros condicionalismos surgidos de novo. essa a opinio de Moreno (1986). No que respeita autonomia e efetiva capacidade de gesto dos Municpios, o sculo XX revelou uma enorme perturbao. Inicialmente a instalao da Repblica procurou encetar o processo descentralizador, invertendo a tendncia dominante que advinha do Cdigo Administrativo de 1896, em vigor data e de pendor claramente centralizador, no entanto, a Constituio de 1933, mas principalmente o Cdigo Administrativo de 1936, revisto em 1940, foram os instrumentos que o Estado Novo adotou para regular as vrias matrias relativas organizao e funcionamento dos corpos administrativos.

    Assim, a generalidade dos autores que estudam esta temtica defende que neste perodo, a coberto de um quadro formal potenciador da autonomia local, a prtica poltica do governo foi mais centralista e controladora contrariando a autonomia postulada dos corpos administrativos. Contudo, outros autores101 apontam em direo oposta e abordam outra questo que tem a ver com a existncia ou no de vitalidade e autonomia dos concelhos durante todo o Antigo Regime, defendendo a sua existncia neste perodo.

    A revoluo de abril originou um assalto s Autarquias Corporativas. A Constituio de 1976 102 , e o novo poder local democrtico, consagrou no seu artigo 237 as Autarquias Locais como integrantes da organizao democrtica do Estado, este normativo constitucional inovador e de grande importncia nunca sofreu alteraes a partir da redao original determina que As Autarquias tm patrimnio e finanas prprias.

    Esta Constituio veio ainda instituir/retomar alguns princpios fundamentais, dos quais se destacam:

    O princpio da unidade do Estado;

    O princpio da autonomia das Autarquias Locais;

    101

    o caso de Romero de Magalhes e Maria Helena da Cruz Coelho no trabalho que elaboraram conjuntamente em 1986 intitulado O poder concelhio: das origens s Cortes Constituintes. 102

    A Constituio da Repblica Portuguesa de 1976 (CRP) a Lei Fundamental em vigor em Portugal. Esta foi redigida pela Assembleia Constituinte eleita na sequncia das primeiras eleies gerais livres no pas em 25 de abril de 1975, (dia do 1. aniversrio da designada Revoluo dos Cravos). Os seus deputados deram os trabalhos por concludos em 2 de abril de 1976, tendo a Constituio entrado em vigor a 25 de abril de 1976. A Lei Fundamental sofreu sucessivas revises constitucionais, nomeadamente nos anos de 1982, 1989, 1992, 1997, 2001, 2004 e 2005, sendo esta ltima a verso atualmente em vigor.

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    O princpio da descentralizao democrtica da Administrao Pblica.

    Acima de tudo o sufrgio direto e universal foi a grande revoluo trazida pelo regime democrtico, tambm ao nvel da Administrao Local.

    A partir da reviso de 1997, no seu art. 235 pode ler-se, relativamente ao conceito de autarquia local: pessoa colectiva territorial dotada de rgos representativos, que visam a prossecuo de interesses prprios das populaes respectivas. J no seu art. 236 distingue trs categorias de autarquias locais: Freguesias, Municpios e Regies Administrativas, no continente. Nas regies autnomas, apenas prev a existncia de Freguesias e Municpios103.

    A Gesto das Necessidades Coletivas e a Partilha e Gesto dos Recursos Pblicos: As Autarquias Locais em Portugal, a Descentralizao de Competncias, a Autonomia da Administrao Local, as suas Responsabilidades e a efetiva Capacidade de Governo104

    Considerando, como seria natural o princpio constitucional da unidade do Estado (CRP: art. 6 n. 1), impossvel dissociar a Governao Local do conceito e do modelo mais genrico de Gesto Pblica.

    Nesse sentido, ao longo da Histria, o modelo de gesto pblica (independentemente de em cada poca ser ou no reconhecido como tal), foi evoluindo e foi-se adaptando s circunstncias que cada ocasio permitiam, designadamente s de carcter econmico, mas tambm s de natureza social, poltica, cultural ou religiosa com marca dominante.

    No ltimo sculo, o designado Estado de bem-estar social ou Estado Providncia, Welfare State, que imperou na Europa desde a crise de 1929 (Grande Depresso) at dcada de oitenta, altura em que Margaret Thatcher, com o argumento de que o Estado tinha deixado de ter condies econmicas para sustentar um Estado Providncia, retirou vrios direitos que os cidados tinham adquirido ao longo de vrias dcadas, abrindo assim caminho corrente mais liberal defensora da livre atuao do mercado devidamente regulado e da livre iniciativa da sociedade e dos cidados.

    Estava assim aberta a porta na Europa para a implementao de um novo conceito/modelo de Gesto Pblica, New Public Management, que encontra na Teoria da Escolha Pblica, Public Choice e na designada Escola Austraca de Economia a sua base terica de apoio fundamental (Alves & Moreira, 2004), ainda que a sua origem provenha dos EUA.

    As medidas implementadas por Margaret Thatcher, aliadas cada vez maior incapacidade que os Estados tm para suportar os custos do Estado Providncia que eles prprios criaram, tm servido de argumento para que nas ltimas dcadas, 103

    No territrio continental, apesar de prevista a implementao de regies administrativas, tal ainda no ocorreu, pelo que na prtica coincidente a existncia apenas dos dois nveis mais baixos de desagregao (Freguesias e Municpios), tanto no continente como nas regies autnomas. 104

    Para um conhecimento mais detalhado ver: Carvalho (2010), Dissertao de mestrado, Cap. V.

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    diversas vozes particularmente crticas deste nvel de assistencialismo do Estado faam ouvir a sua opinio e para que o prprio Estado, em diversos pases, fruto da necessidade de reduzir o seu peso na economia, se tenha visto por diversas vezes obrigado a rever o seu nvel assistencialista e o seu papel na sociedade, deixando maior liberdade para a atuao do mercado e dos prprios cidados, esperando simultaneamente que essa atuao mais livre do mercado fortalea a economia e consequentemente produza maior riqueza para o prprio Estado. Ainda assim, em alguns casos, tal movimento tem registado um dfice ao nvel da regulao e fiscalizao, acabando por distorcer os pressupostos iniciais.

    As Autarquias Locais, enquanto ente pblico que integra a estrutura da organizao global do Estado e que exercem um papel fundamental na prossecuo das polticas pblicas, no poderiam manter-se margem da evoluo do paradigma do Estado. Prova disso so os movimentos que ao longo da Histria tm incrementado maior ou menor autonomia ao do Poder Local (Bilhim, 2004) e que lhes permite agir, ou no, de forma mais direta junto da sociedade/territrio onde intervm, condicionando tambm por essa via o respetivo nvel de aproximao (Carvalho, 2010). A limitao de recursos que impera na generalidade das Administraes Pblicas e que afeta tambm uma boa parte da sociedade (ou melhor, ser tambm, pelo menos em parte, consequncia de uma situao de menor conforto da sociedade), obrigar o Estado a redefinir o seu papel na sociedade e a ter de ser mais criterioso na execuo da despesa pblica, a procurar maior sentido de justia e razoabilidade na execuo da receita pblica, a promover maior descentralizao institucional e a fomentar a livre iniciativa individual e coletiva da sociedade, atribuindo-lhe mais responsabilidades (podendo alguma da funo assistencialista do Estado ser contratualizada com o ente privado ou simplesmente decorrer da livre escolha dos cidados), mas chamando a si o poder regulador, fiscalizador e as demais funes decorrentes da existncia de um Estado soberano (deve assim o Estado concentrar-se nas suas funes fundamentais). O Estado, na medida do possvel, deve procurar no se substituir aos cidados, uma vez que estes, em princpio e salvo determinadas excees, so mais capazes de gerir melhor os seus prprios interesses do que o Estado, competindo a este, para alm dos poderes fundamentais inerentes sua existncia e soberania, o exerccio de uma efetiva regulamentao, regulao e fiscalizao independente da atividade individual e coletiva da sociedade e particularmente dos mercados, de resto cujo desempenho tem ficado claramente aqum do esperado.

    Assim, o princpio geral deve ser o de um Estado que facilite o acesso aos meios e assim facilite a iniciativa individual e coletiva, definindo priori as regras quer para o acesso aos meios quer para a iniciativa, mas as quais devem ser suficientemente flexveis ao ponto de no inibir a iniciativa privada, mas simultaneamente suficientemente responsabilizadoras e dissuasoras para evitar eventuais tentativas de abuso por parte dos diversos intervenientes.

    Ao longo dos sculos e particularmente nas ltimas dcadas em Portugal (aps a instaurao do regime democrtico), derivado a alteraes de inmera natureza, ao nvel da Gesto Pblica, assistiu-se a um pendor fortemente descentralizador de

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    competncias da Administrao Central para as Autarquias Locais, as quais, em geral, apesar de h muito ansiarem a assuno de mais competncias, nem sempre revelaram ter capacidade para as assumir da forma mais adequada, dada a existncia de fatores demasiado rgidos nas estruturas que limitam e por vezes impedem mesmo que as mudanas resultantes da assuno das novas competncias produzam os efeitos esperados e razoavelmente aceitveis.

    Se no perodo do Estado Novo a tendncia mais centralizadora era dominante e justifica de algum modo a nsia de maior autonomia e mais competncias por parte da Administrao Local, a euforia naturalmente vivida com a mudana de regime, associada a alguma impreparao para assumir muitas das responsabilidades que se sucederam, em grande parte decorrentes da falta de experiencia (motivada pelo centralismo do perodo anterior) e pela necessidade de assumir novas competncias essenciais ao desenvolvimento do pas e em parte fomentadas por meios ou iniciativas decorrentes da adeso de Portugal ento Comunidade Econmica Europeia (CEE), justificam quer grande parte da descentralizao ocorrida, quer algumas das falhas que tambm ocorreram no processo.

    Atualmente, decorridas quase quatro dcadas de regime democrtico em Portugal, de modo algum se pode afirmar que o nvel de preparao da Administrao Local comparvel ao que existia no incio deste perodo, ainda assim, o nvel global de conhecimento e de exigncia da sociedade tambm ele bastante superior.

    A figura que se segue mostra a evoluo dos critrios de distribuio das transferncias do Oramento de Estado os quais refletem a busca pela adoo, no quadro legal aplicavel s finanas locais, de princpios de moralidade, de equidade e de racionalidade. Como se pode observar, assiste-se a um modelo de financiamento e governao local que sucessivamente tem enfatizado o reforo da Independncia Financeira 105 municipal, privilegiando para tal a promoo do aumento das suas receitas fiscais.

    105

    Independncia Financeira = Receitas Prprias / Receita Total.

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    Este modelo foi aproveitado pela generalidade dos Municpios para fomentar o crescimento do parque habitacional existente no respetivo permetro, fazendo crescer de forma significativa a receita com origem na tributao do patrimnio imobilirio (IMI e IMT) e a diminuio das transferncias do Oramento de Estado (esta situao em alguns casos conduziu a problemas de natureza urbanstica e mesmo social), conjuntamente o fomento provocado pelo enorme fluxo financeiro que entrou no pas decorrente dos apoios comunitrios recebidos desde a adeso do pas ento CEE e s baixas taxas de juro praticadas nos ltimos anos, resultou em elevados nveis de endividamento para a generalidade dos Municpios, num crescimento contnuo e em alguns casos insustentvel da despesa corrente e em muitos casos num desajustamento da estrutura oramental traduzido na necessidade de serem implementados planos de saneamento e reequilbrio financeiro municipal.

    Assim, a opo por uma tendncia mais descentralizadora das competncias, que fomente a autonomia dos Municpios, os capacite, mas tambm os responsabilize mais pelas suas opes de gesto deve continuar, procurando sempre melhorar o modelo por forma a minimizar distores intra e interterritoriais e ainda adequando na medida do possvel os meios de financiamento aos respetivos nveis administrativos de gesto, s necessidades de execuo da despesa e capacidade contributiva da sociedade.

    A figura que se segue mostra qual a origem que a receita dos Municpios e das freguesias pode assumir.

    Quadro n. 1. Evoluo dos critrios de distribuio das transferncias do OE

    Critrios Lei 1/79 Lei 98/84 Lei 1/87 (FEF) Lei OE/92 (FEF) Lei 42/98 (FGM FCM) Lei 2/07 (FSM)

    Habitantes 35% 45% 45% 40% 35% 65%

    Habitantes < 15 anos 5% 5%

    rea 15% 10% 10% 15% 30% 25% + 5% ou 20% + 10%

    Capitao Impostos 15% 10% 5% (ICF) (ICF) (ICF)

    N de Freguesias 15% 5% 5% 5% 15%

    Repartio Igual pelos Municpios 5% 10% 15% 5% 5%

    Rede Viria Includo no (IC) Includo no (IC) 10% 10%

    N de Alojamentos 5%

    ndice de Carncias (IC) 35% 20% 5% (IDO) (IDO)

    Acessibilidade 5%

    IRS coleta local 10% [0%;5%]

    TOTAL 100% 100% 100% 100% 100% 100%

    Fonte: Bravo, Ana Bela Santos & S, Jorge A. Vasconcelos e, (2000), Autarquias Locais: Descentralizao e Melhor Gesto, p. 79, complementado/adaptado por: Carvalho, Manuel

    Ver detalhes das alteraes efetuadas em: Carvalho (2010), Dissertao de mestrado, p. 92.

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    Em suma, pode-se dizer que so cinco os grandes grupos de receitas dos Municpios: 106 Impostos municipais; transferncias; taxas e licenas; receitas da gesto patrimonial e o recurso ao endividamento (ainda que esta ltima componente tenda a ser cada vez mais limitada dadas quer as condicionantes legais e a situao prpria de cada Municpio quer atual situao socioeconmica). No seu conjunto, estes cinco grandes grupos de receitas agregavam em 2009 mais de 90% do total das receitas dos Municpios portugueses.

    106

    Entenda-se: os que mais contribuem para o oramento municipal.

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    RECEITAS

    Municpios

    Freguesias

    Impostos: IMI, IMT, IMV e Derrama ; Taxas, multas, coimas e preos resultantes da concesso de licenas e da

    prestao de servios; Participao nos recursos pblicos; Cobrana de encargos de mais valias; - Rendimento de bens prprios, mveis ou imveis; Participao nos lucros de sociedades e nos resultados de outras entidades; Heranas, legados, doaes e outras liberalidades; Alienao de bens prprios, mveis ou imveis;

    Emprstimos, incluindo os resultantes da emisso de obrigaes municipais;

    Outras receitas estabelecidas por lei ou regulamento a favor dos municpios.

    Transferncias do Oramento do Estado

    Transferncias da

    Unio Europeia

    Fundo de Equilbrio Financeiro (FEF)

    Fundo Social

    Municipal (FSM) 5% IRS

    Fundo Geral Municipal (FGM)

    Fundo de Coeso

    Municipal (FCM)

    Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER)

    Fundo Social Europeu (FSE) Fundo de Coeso Outras

    50% do produto da receita do IMI sobre prdios rsticos; Taxas, multas e coimas; Rendimento de mercados e cemitrios das freguesias; Rendimento de bens prprios, mveis ou imveis; Heranas, legados, doaes e out ras liberalidades; Alienao de bens prprios, mveis ou imveis; Emprstimos de curto prazo; Outras receitas estabelecidas por lei ou regulamentadas a favor das freguesias.

    As figuras anteriores mostram, entre outros fatores, uma preocupao legal em introduzir mecanismos107 que simultaneamente promovam a competitividade, mas tambm a solidariedade territorial entre os Municpios.

    O Fundo Social Municipal (FSM), que respeita a uma transferncia financeira de valor definido na Lei do Oramento de Estado, e calculada para cada Municpio, de acordo com os indicadores estabelecidos no n. 1 do artigo 28. da LFL, estando esta receita consignada realizao de despesas especficas, relativas s atribuies e competncias transferidas da Administrao Central para os Municpios, associadas a funes sociais, nomeadamente nas reas da educao, da sade ou da ao social. A evoluo desta receita deve ser acompanhada no apenas para verificar a sua 107

    Designadamente atravs da repartio do Fundo de Equilbrio Financeiro (FEF) entre o Fundo Geral Municipal (FGM) e o Fundo de Coeso Municipal (FCM), considerando este ltimo a existncia de Municpios contribuintes lquidos do Fundo, enquanto outros so beneficirios lquidos do mesmo.

    Figura n. 1. Receitas dos Municpios e das Freguesias

    Fonte: Bravo, Ana Bela Santos & S, Jorge A. Vasconcelos e, (2000), Autarquias Locais: Descentralizao e Melhor Gesto, p. 47.

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    adequao s necessidades, mas tambm para avaliar o eventual impacto (caso a caso), na independncia financeira municipal. Para alm da receita proveniente do FSM, existem outras receitas cuja aplicao est consignada, disso exemplo as transferncias provenientes de fundos da UE ou as receitas de emprstimos a mdio e longo prazo.

    Apesar do esforo para incrementar maior independncia financeira, a reduo a partir de 2007 dos impostos municipais, decorrente essencialmente da reduo da receita associada aos impostos sobre o patrimnio imobilirio (IMI e principalmente do IMT), compensado pelo aumento do recurso ao endividamento e associado ao crescimento das transferncias, em parte provenientes do Fundo Social Municipal e derivadas do acrscimo de competncias que vem sendo contratualizado entre a Administrao Central e a Administrao Local, vm concorrendo para a degradao deste indicador, em 2009, para um nvel prximo ao verificado em 2003 e que se situa abaixo dos 50% para o conjunto dos 308 Municpios portugueses.

    108

    Todos os elementos estudados relativos execuo financeira dos Municpios tm por base informao da Direo-Geral das Autarquias Locais qual se agradece a colaborao. Salienta-se ainda e desde j que relativamente aos anos de 2008 e 2009, alguns elementos estudados (designadamente as respetivas Demonstraes de Resultados e os Balanos), foram disponibilizados diretamente por essa entidade, com base no tratamento da informao financeira dos Municpios portugueses e ressalva-se que tal informao, para os referidos anos, reveste um carcter provisrio.

    Grfico n. 1 Evoluo das principais fontes de receita dos Municpios Portugueses

    Fonte: Dados DGAL, Grfico: Carvalho, Manuel108

    Evoluo das cinco principais fontes de receita dos Municpios

    0

    1.000.000.000

    2.000.000.000

    3.000.000.000

    4.000.000.000

    2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

    Euro

    s

    Impostos municipais -Nacional

    Total das transferncias- Nacional

    Taxas e licenas -Nacional

    Receitas da gestopatrimonial - Nacional

    Recurso aoendividamento (receitado ano) - Nacional

  • 8 Congresso Nacional de Administrao Pblica 2011 | Pgina 321

    Como podemos constatar, as receitas provenientes da tributao do patrimnio imobilirio atingiram em 2008 o peso mximo de cerca de 48% das receitas prprias dos Municpios, assegurando quase em exclusivo a sua independncia financeira, o que agrava a sua vulnerabilidade face a esta fonte de receita e aconselha maior diversificao.

    Grficos n. 2 Evoluo e variao da receita municipal proveniente da tributao do patrimnio

    imobilirio em Portugal

    Fonte: Dados DGAL, Grficos: Carvalho, Manuel

    E volu o da rec eita de tributa o do patrimnio

    imobilirio

    0

    1.000.000.000

    2.000.000.000

    2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

    Eu

    ros

    IMI - Nacional IMT - Nac ional IMI + IMT (Nac ional)

    Varia o da rec eita de tributa o do patrimnio

    imobilirio (Ano n: n-1)

    -300.000.000 -200.000.000 -100.000.000 0 100.000.000 200.000.000 300.000.000 400.000.000

    2003

    2004

    2005

    2006

    2007

    2008

    2009

    IMI - Nac ional IMT - Nac ional IMI + IMT (Nac ional)

    P es o da rec eita de tributa o do patrimnio imobilirio na rec eita

    munic ipal

    0%

    10%

    20%

    30%

    40%

    50%

    2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

    IMI Nac ional / R ec eitaTotal

    IMT Nac ional / R ec eitaTotal

    (IMI + IMT) Nac ional /R ec eita Total

    IMI Nac ional / R ec eitasP rprias

    IMT Nac ional / R ec eitasP rprias

    (IMI + IMT) Nac ional /R ec eitas P rprias

  • 8 Congresso Nacional de Administrao Pblica 2011 | Pgina 322

    A figura que se segue mostra a evoluo da despesa e da receita do conjunto dos Municpios Portugueses entre 2003 e 2009.

    Ao nvel da despesa e da receita total, assiste-se a um crescimento praticamente contnuo e bem acentuado de ambas as variveis, destacando-se negativamente o facto de desde 2008 a despesa total ter superado a receita total. A despesa corrente regista tambm uma tendncia contnua de crescimento, a qual resulta essencial e simultaneamente da soma de uma tendncia semelhante que se regista nas despesas com o pessoal e na aquisio de bens e servios. J o total da receita corrente a partir de 2007 estabilizou (com perspetivas de reduo especialmente em resultado da reduo nas receitas dos impostos municipais). No que respeita s receitas de capital, nos ltimos anos estas registam um crescimento superior ao verificado nas despesas de capital (o que poder indiciar a alienao por parte dos Municpios de parte dos seus ativos imobilirios para fazer face s suas necessidades desta receita ou simplesmente a uma gesto patrimonial

    Grfico n. 3 Evoluo da independncia financeira dos Municpios Portugueses

    Fonte: Dados DGAL, Grfico: Carvalho, Manuel

    Grfico n. 4 Evoluo da execuo da despesa e da receita Municipal em Portugal

    Fonte: Dados DGAL, Grfico: Carvalho, Manuel

    E volu o da Independnc ia F inanc eira dos Munic pios

    40%

    50%

    60%

    2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

    Evoluo da execuo da despesa e da receita Municipal

    0

    1.000.000.000

    2.000.000.000

    3.000.000.000

    4.000.000.000

    5.000.000.000

    6.000.000.000

    7.000.000.000

    8.000.000.000

    9.000.000.000

    2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

    Euro

    s

    Despesa Total - Nacional

    Receita Total - Nacional

    Despesa Corrente -Nacional

    Receita Corrente -Nacional

    Despesas com o pessoal

    Aquisio de Bens eServios

    Despesa Capital -Nacional

    Receita Capital -Nacional

  • 8 Congresso Nacional de Administrao Pblica 2011 | Pgina 323

    mais racional), ainda assim de destacar o facto das receitas de capital se manterem a um nvel substancialmente inferior ao das despesas da mesma natureza.

    A autonomia de que a Administrao Local atualmente goza, permitiu-lhe nos ltimos anos compensar alguma da quebra registada ao nvel da receita proveniente dos impostos municipais com o recurso ao endividamento, ainda assim, esta fonte de financiamento est legalmente condicionada e no poder por isso continuar a ser a soluo de recurso, como tal e dada a rigidez registada do lado da despesa (designadamente ao nvel da despesa corrente), urge encontrar um novo modelo de gesto municipal, que promova a inverso da tendncia geral de degradao dos indicadores de gesto e no se limite a encontrar novas formas de financiamento ou a reforar as atuais.

    A figura que se segue mostra-nos a evoluo de alguns dos principais indicadores da situao econmico-financeira e patrimonial dos Municpios Portugueses. A este respeito destaca-se negativamente o forte aumento do passivo registado no perodo em anlise e com maior impacto no passivo de curto prazo, o que se reflete de forma significativa na degradao dos rcios de liquidez e tambm no rcio de solvncia.

    A Governao Local do Sculo XXI: Velhos Problemas, Novos Desafios109

    Atualmente, a Administrao Pblica e em particular as Autarquias Locais, face situao socioeconmica corrente, chamada a responder cada vez mais a inmeras

    109

    Para um conhecimento mais detalhado ver: Carvalho (2010), Dissertao de mestrado, Cap. VII.

    Grfico n. 5 Evoluo dos principais indicadores da situao economico-financeira e patrimonial

    dos Municpios portugueses

    Fonte: Dados DGAL, Grfico: Carvalho, Manuel

    Evoluo dos principais indicadores da situao economico-financeira e

    patrimonial dos Municpios

    0%

    25%

    50%

    75%

    100%

    125%

    150%

    175%

    200%

    225%

    250%

    275%

    300%

    325%

    2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

    Rcio deSolvncia

    Liquidez Geral

    LiquidezImediata

    AutonomiaFinanceira

    IndependnciaFinanceira

  • 8 Congresso Nacional de Administrao Pblica 2011 | Pgina 324

    solicitaes, as quais h poucos anos atrs eram impensveis, revelando-se por vezes incapaz de responder, quer devido ao crescente aumento de solicitaes quer reduo generalizada dos recursos e por vezes a alguma impreparao face ao desajustamento que se verifica entre a dimenso e diversidade das necessidades e a capacidade de resposta. Urge por isso redefinir o papel da Administrao na sociedade (incluindo a Administrao Local), bem como as formas e limites de financiamento e de interveno social.

    Nos ltimos anos ou mesmo dcadas, por razes polticas, sociais e econmicas internas, mas tambm decorrentes da adeso de Portugal atual Unio Europeia e posteriormente Zona Euro, registou-se um crescimento do nvel de vida e acima de tudo das expectativas na sociedade com enorme impacto na Gesto Pblica em geral e naturalmente nas Autarquias Locais, onde o elevado crescimento verificado no setor imobilirio e particularmente na construo civil fomentou o desenvolvimento de um modelo de gesto municipal que estimulou o aumento progressivo da despesa corrente, que apresenta uma natureza de grande rigidez, ao invs da vulnerabilidade das receitas assente neste modelo de financiamento, o que torna o modelo de gesto municipal tambm ele bastante vulnervel.

    O modelo de gesto municipal atual est ainda refm de outras condicionantes.

    Se por um lado a existncia de um rgo executivo (de governo liderado pelo Presidente da Cmara), um outro de fiscalizao e assistncia (a Assembleia Municipal), ambos eleitos por sufrgio direto e ainda uma estrutura tcnica de apoio conferem estabilidade ao Municpio, na verdade impossvel negar a legitimidade democrtica, poltica e legal que a eleio confere a estes rgos, designadamente ao executivo (a quem compete governar), contudo tal legitimidade nem sempre se tem revelado compatvel com as exigncias atuais que cada vez mais buscam neste rgo e nos seus responsveis, muito mais do que a legitimidade poltica e legal, acima de tudo buscam competncias tcnicas ao nvel da governao municipal.

    Por outro lado, esta legitimidade poltica, por vezes sobrepe-se exageradamente razoabilidade que seria tecnicamente compreensvel na perspetiva da governao municipal, acabando por gerar conflitos ou algum isolamento territorial, ao invs do que seria desejvel, uma vez que o responsvel pelo governo local (Presidente da Cmara Municipal) deve ser tambm e cada vez mais um mediador para resolver eventuais conflitos e no mais um potenciador dos mesmos, para alm de ser capaz de promover melhores desempenhos ao nvel tcnico.

    Outro fator determinante para a governao local, respeita complexidade das organizaes municipais, com lgicas diferenciadas, diversos stakeholders com interesses divergentes (os eleitos, os funcionrios autrquicos, a populao em geral, os contribuintes, os eleitores, os clientes, os consumidores, os residentes, ou simplesmente os visitantes). A complexidade de uma organizao caracterizada por tal tipologia, diversidade e com necessidade de estabelecer constantemente mltiplas relaes quer com inmeras entidades quer com os cidados, onde a sedimentao cultural e o peso da histria local agudizam os vetores j tradicionalmente complexos, bem como o desempenho cada vez mais abrangente de novas funes e com a necessidade que se exige de maior rigor na qualidade do seu desempenho e na

  • 8 Congresso Nacional de Administrao Pblica 2011 | Pgina 325

    eficincia da gesto dos recursos disponveis, requerem cada vez mais a capacidade para organizar livremente os seus rgos de gesto, sem terem de se acomodar s regras homogneas impostas pelo poder central.110

    Assim, apesar de aparentemente existirem mltiplos territrios escala municipal com caractersticas aparentemente homogneas, (Ex: dimenses geogrficas, populacionais, etc.) na realidade e dada a amplitude da interveno municipal, bem como a diversidade territorial e sociocultural que caracterizam o territrio nacional, torna-se difcil estereotipar qualquer modelo de uniformizao organizativa, pelo que deve a organizao municipal surgir como resultado da inter-relao com o meio envolvente e da capacidade de inovao do(s) prprio(s) Municpio(s), no sentido de encontrar a estrutura organizativa que melhor seja capaz de responder s solicitaes e anseios dos diversos stakeholders tendo em conta os meios (cada vez mais escassos) de que dispe ao seu alcance. A legislao atual suficientemente clara e abrangente ao ponto de permitir quer o associativismo municipal a diversa escala, quer o crescimento exponencial ao nvel do setor empresarial local (SEL). Contudo, se ao nvel do SEL os Municpios utilizaram, por vezes de forma algo imprudente,111 esta configurao jurdica e organizacional, ainda que de forma maioritariamente individualizada (uma empresa com um Municpio como acionista nico), o associativismo municipal de forma genrica e principalmente enquanto plataforma para alcanar instrumentos de gesto partilhada para um conjunto de recursos e responsabilidades que lhes so comuns, foi na maioria dos casos quase desprezada,112 salvo poucas excees e mesmo essas, em parte tero sido fomentadas ou por circunstncias legais de diversa ordem ou decorrentes da amplitude e natureza das obrigaes envolvidas.

    Por outro lado, talvez o primeiro dos limites de qualquer entidade pblica na contemporaneidade, seja sem dvida a limitao dos recursos, assim sendo, aos Municpios enquanto pessoas coletivas com autonomia financeira, administrativa e patrimonial, para alm de maior flexibilidade na sua gesto, acresce tambm maior responsabilidade e poder mesmo dizer-se mais um desafio e um limite aos seus rgos, deliberativo e executivo, eleitos por sufrgio universal. Um limite na medida em que tal flexibilidade relativa, pois est condicionada por diversas razes, desde logo o valor global do oramento (que naturalmente num contexto de recursos limitados e mais solicitaes, sempre insuficiente face s necessidades), outro condicionante so os limites legais para a afetao das verbas do FEF s despesas correntes e de capital, da mesma forma que os limites legais capacidade para o endividamento, ou as restries ao acrscimo da despesa aquando da transferncia de competncias ou ainda a, por vezes, limitada capacidade do Municpio para gerar receitas prprias, so alguns desses fatores.

    110

    Ver: Proena, Margarida, (1993), Teoria das Organizaes e Gesto Local, pp. 37 a 41. 111

    Por vezes sem cuidarem de avaliar suficientemente a sua capacidade instalada e / ou efetuarem as adaptaes necessrias ou em ltima anlise no transferindo para a entidade empresarial todos os encargos associados ao servio equivalente na estrutura interna do Municpio, acabando assim por duplicar despesa e contribuindo desta forma para o acrscimo registado na despesa corrente. 112

    A legitimidade poltica acima referida, por vezes acabou por dividir condicionando ou impedindo algum do associativismo que seria tecnicamente compreensvel numa perspetiva de gesto pblica mais racional.

  • 8 Congresso Nacional de Administrao Pblica 2011 | Pgina 326

    Ainda assim, a par da capacidade para proceder a uma reestruturao interna das organizaes, o maior desafio parece ser o de ser capaz de, no atual contexto, encontrar junto da sociedade o equilbrio entre as necessidades/exigncias sociais e a sua capacidade de resposta, dada a tendncia de declnio, por razes econmico-financeiras do Estado Social conquistado nas ltimas dcadas, devendo assim ser discutido de forma aberta num mbito alargado a toda a sociedade qual o nvel de interveno social que o Estado deve ter na sociedade (integrando neste debate os nveis sub-nacionais de administrao), uma vez que sendo o Estado unitrio, devero ser (re)definidas claramente quais as competncias, meios e responsabilidades, por forma a que instituies e sociedade estejam melhor esclarecidas e assim possam agir de forma mais responsvel.

    Seja qual for o resultado, desta discusso resultar por certo uma maior transparncia e uma maior responsabilizao para todas as partes envolvidas. Por um lado os entes pblicos tero o seu mandato reforado, na condio de conseguirem maior eficincia e transparncia na sua ao, por outro lado a simples discusso destes assuntos de forma aberta sociedade, devolve a esta, logo aos cidados, a responsabilidade pela escolha, seja ela qual for. A nvel municipal deve tambm ser seguido este princpio, aplicando-o a diversos domnios da sua ao, tendo em vista maximizar a descentralizao da responsabilidade, envolvendo todos os intervenientes em cada domnio, at ao nvel do indivduo (seja ele o cidado residente, consumidor, ou um profissional que no mbito da sua atividade estabelece qualquer relao com o Municpio). Assim, dado o contexto de cada vez maior limitao dos recursos pblicos, os entes pblicos devem, para alm das medidas j enunciadas, enfatizar mais a devoluo do protagonismo e da responsabilidade sociedade e ao indivduo, facilitando o acesso aos meios e o conhecimento para que estes prossigam os fins desejados e que se espera sejam os mais adequados, limitando a sua ao assistencialista aos incapazes de por si ss prosseguirem tal fim113. Desta forma, para alm de promover uma gesto mais racional, eficaz e eficiente dos recursos, promover-se-ia maior liberdade na ao individual, prosseguindo o princpio essencial da Teoria da Gesto Pblica.

    Atendendo tendncia recente para a reduo das receitas fiscais dos Municpios, associada ao crescimento registado nas receitas provenientes das transferncias (designadamente resultante do incremento do FSM por contrapartida da descentralizao de competncias), o modelo de financiamento das Autarquias Locais deve ser reequacionado, sob pena de se agravar a sua situao de independncia financeira e ainda que indiretamente, pr em causa o princpio da autonomia Municipal.

    A este propsito sugere-se uma redistribuio dos recursos pblicos totais (e no o aumento da carga fiscal em geral) procurando reforar a receita fiscal municipal por via 113

    Note-se, a ttulo de exemplo, que com o crescente progresso tecnolgico e apesar dos esforos realizados no pas nos ltimos anos tendo em vista quer a modernizao tecnolgica, quer o acesso ao conhecimento, persiste uma parcela significativa da populao que hoje considerada infoexcluda, a quem necessrio garantir, eventualmente entre outra, assistncia bsica para o cumprimento de obrigaes, por exemplo de natureza fiscal, cujo apoio dos servios locais da Administrao poder continuar a ser essencial.

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    de uma indexao superior atividade econmica global (IVA, IRC e IRS), procurando evitar distores de (des)ordenamento territorial como as ocorridas no passado. A par de tal reforo da indexao deve tambm promover-se a descentralizao financeira pela via de uma afetao fiscal mais direta e responsabilizadora dos respetivos beneficirios (Ex: repartio na fatura do IVA em duas componentes sendo uma diretamente afeta Administrao Local e outra Administrao Central) seria certamente mais clara quer para a Administrao quer para o contribuinte, tornaria a Administrao Local mais competitiva (na medida em que tal seria um estmulo para fomentar a dinamizao socioeconmica local) e eficiente114 e os cidados ficariam ainda mais vigilantes e mais prximos dos seus governantes locais, ficando tambm a Administrao Central beneficiada devido quer aos ganhos de eficincia quer aos estmulos da dinamizao socioeconmica, logo com ganhos mtuos.

    Qualquer alterao deve prosseguir no sentido de reforar os princpios constitucionais da subsidiariedade, da autonomia e da solidariedade.115

    Na sequncia da anlise situao financeira acima apresentada, entende-se tambm que insustentvel uma governao local que mantenha uma tendncia de crescimento da despesa corrente (com destaque para o peso das despesas com pessoal e simultaneamente ao aumento verificado nas despesas com os fornecimentos e servios externos) Prope-se que a Administrao, atuando de forma racional, coerente e sensvel s realidades atuais e s perspetivas futuras, estimule as entidades a promover mais o recurso aos meios de que dispe internamente, devendo tambm promover-se e fomentar-se os mecanismos que flexibilizem a partilha de conhecimento e de outros recursos entre as diversas entidades, mesmo para alm da Administrao Local, como forma de valorizao mtua e promoo da racionalizao dos seus recursos.

    No seguimento do acima exposto, entende-se que o contracting-out em muitos casos (sempre que a capacidade interna instalada, de todo ou em parte no tenha sido eliminada, portanto j exista pelo menos em parte significativa), deve ser reequacionado e sempre que possvel/aconselhvel substitudo por uma soluo interna (por forma a evitar duplicao de despesa ou pela opo de uma contratao em parceria, com outras entidades com caractersticas e necessidades semelhantes, por forma a que os custos unitrios da prestao possam ser minimizados e se possvel, que mesmo nesta opo, possam ser integrados eventuais custos anteriormente afetos exclusivamente a cada uma das partes (Ex: servios partilhados por vrios Municpios para prestao de diversos servios comunidade com integrao de recursos humanos, equipamentos e outros meios). Deve tambm ser reequacionada a necessidade e capacidade de algumas entidades no mbito e dependncia das Autarquias Locais (Ex: algumas entidades do Setor Empresarial Local e Associaes), cujas competncias e capacidade para o seu exerccio possam ser melhor desenvolvidas a outro nvel, designadamente a um nvel

    114 Ver: Pandiello, Javier Surez, (sd), El Futuro de la Financiacin Local en el Contexto del Estado de las Autonomas, pp. 20 - 24. 115

    Ver: Constituio da Repblica Portuguesa Stima reviso Lei Constitucional n. 1/2005 de 12 de agosto, art.os 237 e 238.

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    supra-municipal por forma a obter ganhos de escala e reduzir custos de gesto, entre outros.

    Concluses

    inquestionvel a relevncia do papel que as instituies do poder local tm desempenhado ao longo da nossa Histria, contudo no contexto atual de limitao global dos recursos, o modelo em que se sustenta o financiamento e a governao local atualmente parece estar esgotado. Nesse sentido entende-se que deve ser discutido de forma aberta num mbito alargado a toda a sociedade, qual o nvel de interveno que o Estado deve ter na sociedade (incluindo os nveis sub-nacionais de administrao), uma vez que sendo o Estado unitrio, devero ser (re)definidas claramente quais as competncias, meios e responsabilidades para cada nvel.

    Apesar de nos ltimos anos se ter verificado uma poltica descentralizadora, prosseguindo o princpio constitucional da subsidiariedade (ainda que as partes envolvidas nem sempre estivessem totalmente de acordo, por vezes em questes essenciais), nem sempre se cuidou da forma mais adequada de garantir outros princpios e acima de tudo, de outros requisitos essenciais prossecuo de uma governao local mais ajustada s verdadeiras necessidades e capacidades dos territrios, das populaes e das demais entidades das respetivas jurisdies, acabando por promover distores territoriais (em muito fomentadas por uma receita demasiado concentrada na tributao do patrimnio imobilirio), algumas dificilmente reparveis e ainda induzindo vcios nas estruturas de governo local (designadamente decises de governao que conduziram ao aumento insustentvel da despesa corrente), parte dos quais hoje se mostram incapazes de cumprir, precisamente no momento em que a sociedade, dada a situao socioeconmica atual, mais respostas (principalmente de natureza social) esperaria obter da Administrao. A descentralizao de competncias registada nos ltimos anos, designadamente de natureza social, na sua forma e que se traduz no oramento dos Municpios como transferncias do FSM (de acordo com a atual Lei das Finanas Locais), vem limitar a independncia financeira municipal, no promove o princpio da descentralizao e responsabilizao fiscal e pe em causa o prprio princpio da autonomia, pelo que devem ser providenciadas fontes de financiamento alternativas, no quadro das receitas fiscais municipais, sugerindo-se uma reduo do peso da tributao do patrimnio imobilirio (IMI e IMT), nas receitas fiscais municipais e um reforo do peso das componentes relacionadas com a atividade econmica em geral (IVA, IRC e IRS). Desta forma pretende-se promover maior equidade na distribuio da riqueza entre a Administrao Central e a Administrao Local e simultaneamente fomentar nos Municpios a dissuaso de iniciativas que promovam a distoro territorial ao estimular a dinamizao socioeconmica de todas as atividades em geral, diluindo o risco inerente elevada concentrao econmica, mas responsabilizando mais cada Municpio pelas suas decises.

    Os instrumentos fiscais que visam estimular a competitividade socioeconmica dos territrios a nvel local (designadamente a possibilidade de uma parte dos impostos

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    locais no ser aplicada e retribuir como benefcio para o respetivo contribuinte) deve manter-se ou mesmo ser reforada, sem prejuzo da manuteno dos mecanismos de solidariedade inter-municipal.

    Por iniciativa dos governos locais, por fora das necessidades face realidade econmico-financeira ou por fora legal, as Autarquias Locais vo necessariamente ter de diminuir a sua despesa total (que era em 2009 superior receita total), com particular nfase para as principais componentes das despesas correntes, contudo tal ter de ser conseguido perante um cenrio adverso de crise em que as solicitaes aos servios so tambm cada vez maiores.

    O recurso ao endividamento enquanto fonte de financiamento por parte dos Municpios tem de ser cada vez mais objeto de maior rigor e seletividade, por diversos fatores, desde logo porque a generalidade deles est a atingir (e outros j ultrapassaram) o limite da sua capacidade de endividamento, por outro lado as circunstncias socioeconmicas atuais no so favorveis contratao de novos encargos desta natureza, seja derivado aos elevados encargos decorrentes do financiamento, seja sua cada vez menor capacidade para executar receita e ao agravamento que se tem verificado no rcio de solvncia.

    A utilizao reforada e mais eficaz das possibilidades de gesto partilhada de recursos e responsabilidades, designadamente atravs do recurso a instrumentos no mbito do associativismo municipal para uma gesto de mbito supra-municipal (de forma direta, ou recorrendo ao setor empresarial local) podem ser solues para obter ganhos em dimenso/escala e reduzir custos estruturais. O setor empresarial local deve ser reavaliado uma vez que a sua proliferao nem sempre ter contribudo para uma melhoria efetiva ou pelo menos significativa do benefcio coletivo, podendo tal ser melhorado atravs de solues que promovam a atuao em maior escala.

    Por outro lado deve enfatizar-se a iniciativa da sociedade, assim, fundamental prosseguir um modelo de governao para a Administrao (tambm ao nvel local) que facilite o acesso aos meios, iniciativa individual e coletiva e assim prossiga a descentralizao e disseminao de competncias e acima de tudo a responsabilidade (ainda que de forma claramente identificvel) e de seguida verifique a execuo e puna severamente o incumprimento. Esta orientao deve considerar mais a liberdade e responsabilidade da iniciativa privada e de todos os agentes que se relacionam com a Administrao, ainda assim essencial um acompanhamento eficaz e em tempo til da execuo. Sempre que tal seja possvel, com a aplicao desta orientao espera-se maior eficcia e eficincia ao nvel da Governao Local dada a maior responsabilizao a que estar sujeito o respetivo interlocutor. A escassez de recursos hoje o grande problema da Administrao Pblica, mas depositar mais confiana, motivar, responsabilizar a capacidade tcnica interna e externa e decidir mais com base no conhecimento tcnico a par da capacidade de reestruturar as estruturas internas de governo local por forma a encontrar junto da sociedade o equilbrio entre as necessidades/exigncias sociais e a capacidade de resposta institucional, por forma a obter maior eficcia e eficincia na gesto, parece ser o maior desafio.

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    O contexto do desafio apresentado no pargrafo anterior, designadamente a escassez dos recursos face s crescentes necessidades sociais, acabar por forar as entidades locais (espera-se que por sua prpria iniciativa), a reverem a sua capacidade de resposta individual e a intentarem processos reformistas, tambm no que respeita ao mapa administrativo nos respetivos territrios.

    Como princpio geral deve prosseguir-se no sentido da descentralizao de competncias, tendo por limite o prprio indivduo/cidado ou outras entidades coletivas da sociedade no que por elas possa ser desenvolvido de forma mais eficaz e eficiente. Tal princpio deve obrigatoriamente implicar uma descentralizao equivalente da responsabilidade, assim no dever a mdio prazo o financiamento destas medidas sustentar-se em transferncias financeiras, mas antes na participao nos impostos, no caso das entidades da Administrao Local, ou noutras de natureza e impacto semelhante no caso das restantes entidades ou dos indivduos/cidados.

    Com este princpio e com a introduo de maior responsabilidade espera-se maior auto-controlo, logo maior envolvimento da sociedade na deciso e na gesto da coisa pblica.

    Na prossecuo desta orientao mais descentralizadora, libertadora e responsabilizadora, o Estado no pode perder o seu verdadeiro sentido de existncia (no que respeita a estas matrias), mantendo o seu papel de regulador, fiscalizador e rbitro, procurando promover junto da sociedade o melhor equilbrio possvel entre a utilizao dos recursos coletivos e os interesses e a liberdade individual.

    Numa perspetiva de autocontrolo, as entidades de governo local devem adotar mecanismos de controlo interno mais eficazes que sejam capazes, no apenas de reportar informao posteriori e demasiado desatualizada, mas tambm de antecipar eventuais cenrios e/ou apontar para possveis solues ao nvel da deciso.

    Para finalizar, parece claro que atualmente para governar a qualquer nvel da Administrao Pblica, no basta a legitimidade poltica e legal, a sociedade atual exige muito mais e a competncia tcnica, com reflexo nos resultados, tem de relevar cada vez mais nas decises da governao pblica, sob pena de afastar ainda mais os cidados das suas instituies de governo, para alm de potenciar maior ineficcia e ineficincia na gesto da coisa pblica.

  • 8 Congresso Nacional de Administrao Pblica 2011 | Pgina 331

    Referncias bibliogrficas

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