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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 Gestão pública compartilhada : a experiência dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Sustentável no Ceará Maria Celeste Magalhães Cordeiro De alguns anos para cá, estamos vivendo no Ceará um fenômeno muito interessante ligado ao surgimento renovado de experiências de associativismo, manifestado de modo especial na organização de Conselhos de várias ordens. Principalmente a partir de meados dos oitenta, com a vitória da campanha de Reforma Sanitária, que preconizava a instalação de Conselhos de Saúde, o estado do Ceará tornou-se vanguarda de grande parte desse movimento de ampliação de atores sociais na tomada de decisões de gerência pública. Outros Conselhos foram desenvolvidos, muitos deles previstos em legislação federal, como por exemplo o Conselho da Criança e do Adolescente. Isto gerou uma dinâmica diferente na sociedade cearense, pois apontava para possibilidades de maior participação social nas ações de governo, ao menos em termos setoriais. É um fenômeno que chama a atenção sobremodo por sua afirmação no interior do estado, por excelência o reduto de sobrevivência da oligarquia e do clientelismo. Atualmente, há Conselhos de Assistência Social (presentes em 182 municípios), Conselhos do Trabalho (homologados em 39 municípios e prontos a tomar posse em outros 59), Conselhos de Saúde (em todos os municípios), Conselhos da Criança e do Adolescente (em 177), Conselhos Tutelares (113), Conselhos Comunitários de Defesa Social (163 na capital e 304 no interior), Conselhos Escolares (em 730 escolas). Sobre os Conselhos municipais de Educação e da Merenda Escolar, a Secretaria de Educação não soube dar informações. Na capital, Fortaleza, o paradigma da união de forças da própria sociedade para tentar soluções junto com o Governo ganhou espaço nos últimos anos, tendo em vista algumas lideranças que aproveitaram bem os meios de comunicação e sensibilizaram setores da classe média mais independentes do ponto de vista econômico, haja vista o sucesso de empreendimentos como o Pacto de Cooperação. Esta iniciativa constitui-se num “movimento de parceria, que se iniciou entre empresários e o Governo do estado, voltado para a necessidade de repensar e reestruturar a economia cearense, a fim de que ela pudesse ajustar-se com êxito ao novo cenário mundial; posteriormente, o Pacto de Cooperação ampliou a sua visão de parceria, promovendo o relacionamento entre os diversos níveis dos Poderes Públicos, centros de pesquisa, estudo e ensino, movimentos comunitários, empresários, trabalhadores e organismos nacionais e internacionais” (Rebouças, 1994:02). Já no interior do estado a situação da organização social sempre tendeu a ser bem mais complicada. Por isso nosso esforço de análise se voltará para as experiências de associativismo no interior. Vejamos como essa realidade vem sendo alterada. As bases da participação institucionalizada Especialmente a partir de 1986, com o primeiro governo Tasso, foram criadas as bases para essa expansão participativa na medida em que a profunda reestruturação político-administrativa desestruturou muitos interêsses clientelistas, estimulando a organização societária. De la para cá, este processo vem sendo um enorme desafio... Afinal, vivemos em um estado pobre, dominado secularmente por oligarquias políticas com base na posse da terra e dos meios de produção, que mantém seus esquemas de domínio a partir do assistencialismo mais rasteiro, o qual encontra terreno fértil na ignorância da população, habituada ao raciocínio fatalista com que recebe a chegada de secas climáticas periódicas. Uma população coagida politicamente desde os tempos coloniais, do ‘voto de cabresto’ controlado pelo ‘coronel’ à total desinformação sobre os atos de governo, sempre marcados por suspeitas de corrupção. Principalmente no interior do estado, as oligarquias ainda são fortes, e a população possui menores chances de trabalho 1

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Page 1: Gestão pública compartilhada : a experiência dos Conselhos ... · Facic(*). Realmente, se o primeiro governo Jereissati, privilegiando o saneamento das finanças e a (*) Idem

VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001

Gestão pública compartilhada : a experiência dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Sustentável no Ceará

Maria Celeste Magalhães Cordeiro

De alguns anos para cá, estamos vivendo no Ceará um fenômeno muito interessante ligado ao

surgimento renovado de experiências de associativismo, manifestado de modo especial na organização de Conselhos de várias ordens. Principalmente a partir de meados dos oitenta, com a vitória da campanha de Reforma Sanitária, que preconizava a instalação de Conselhos de Saúde, o estado do Ceará tornou-se vanguarda de grande parte desse movimento de ampliação de atores sociais na tomada de decisões de gerência pública. Outros Conselhos foram desenvolvidos, muitos deles previstos em legislação federal, como por exemplo o Conselho da Criança e do Adolescente. Isto gerou uma dinâmica diferente na sociedade cearense, pois apontava para possibilidades de maior participação social nas ações de governo, ao menos em termos setoriais. É um fenômeno que chama a atenção sobremodo por sua afirmação no interior do estado, por excelência o reduto de sobrevivência da oligarquia e do clientelismo.

Atualmente, há Conselhos de Assistência Social (presentes em 182 municípios), Conselhos do Trabalho (homologados em 39 municípios e prontos a tomar posse em outros 59), Conselhos de Saúde (em todos os municípios), Conselhos da Criança e do Adolescente (em 177), Conselhos Tutelares (113), Conselhos Comunitários de Defesa Social (163 na capital e 304 no interior), Conselhos Escolares (em 730 escolas). Sobre os Conselhos municipais de Educação e da Merenda Escolar, a Secretaria de Educação não soube dar informações.

Na capital, Fortaleza, o paradigma da união de forças da própria sociedade para tentar soluções junto com o Governo ganhou espaço nos últimos anos, tendo em vista algumas lideranças que aproveitaram bem os meios de comunicação e sensibilizaram setores da classe média mais independentes do ponto de vista econômico, haja vista o sucesso de empreendimentos como o Pacto de Cooperação. Esta iniciativa constitui-se num “movimento de parceria, que se iniciou entre empresários e o Governo do estado, voltado para a necessidade de repensar e reestruturar a economia cearense, a fim de que ela pudesse ajustar-se com êxito ao novo cenário mundial; posteriormente, o Pacto de Cooperação ampliou a sua visão de parceria, promovendo o relacionamento entre os diversos níveis dos Poderes Públicos, centros de pesquisa, estudo e ensino, movimentos comunitários, empresários, trabalhadores e organismos nacionais e internacionais” (Rebouças, 1994:02).

Já no interior do estado a situação da organização social sempre tendeu a ser bem mais complicada. Por isso nosso esforço de análise se voltará para as experiências de associativismo no interior. Vejamos como essa realidade vem sendo alterada.

As bases da participação institucionalizada Especialmente a partir de 1986, com o primeiro governo Tasso, foram criadas as bases para essa

expansão participativa na medida em que a profunda reestruturação político-administrativa desestruturou muitos interêsses clientelistas, estimulando a organização societária. De la para cá, este processo vem sendo um enorme desafio...

Afinal, vivemos em um estado pobre, dominado secularmente por oligarquias políticas com base na posse da terra e dos meios de produção, que mantém seus esquemas de domínio a partir do assistencialismo mais rasteiro, o qual encontra terreno fértil na ignorância da população, habituada ao raciocínio fatalista com que recebe a chegada de secas climáticas periódicas. Uma população coagida politicamente desde os tempos coloniais, do ‘voto de cabresto’ controlado pelo ‘coronel’ à total desinformação sobre os atos de governo, sempre marcados por suspeitas de corrupção. Principalmente no interior do estado, as oligarquias ainda são fortes, e a população possui menores chances de trabalho

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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 e de usufruto de equipamentos coletivos, o que as torna mais dependentes de favores oficiais.

Os problemas climáticos, a pobreza econômica, a falta de informação da população e a inoperância das elites para a solução de problemas coletivos, ao lado de tendências ancestrais da nação em direção ao paternalismo, formaram um caldo de cultura em que se destaca a crença no Governo como entidade salvacionista, e a busca de soluções pessoais sempre que possível. Esses problemas, aliados à falta de um planejamento público mais consequente, deixou por muito tempo os municípios de “píres na mão” em relação ao governo estadual ou federal.

As inovações administrativas encetadas nos últimos anos de governo estadual vem tentando superar muitos desses vícios do clientelismo e enfrentar oligarquias tradicionais (ainda que ultimamente se aliando a muitas delas). É o chamado Governo das Mudanças, cuja origem remonta ao fim do regime autoritário e ao advento da ‘Nova República’, a partir da organização de um grupo de empresários, ligados ao antigo PMDB, que objetivavam derrotar os velhos ‘coronéis’ da política cearense. Desde esse época, eles tentam construir um novo tipo de interlocução entre Estado e sociedade, principalmente através de um modelo diverso de políticas públicas, desmontando os ‘anéis burocráticos’ que possibilitavam as políticas tradicionais de alianças clientelistas, com consequências cruéis do ponto de vista popular, como eram por exemplo as respostas do Estado ao problema da seca pelo mecanismo das malfadadas ‘frentes de serviço’, totalmente voltadas para interêsses eleitoreiros e sem qualquer tipo de controle popular. Para isso, o Governo precisou encarar a inércia relativa da sociedade cearense, especialmente do interior, sem tradição associativista ou participativa, do ponto de vista político.

O pioneirismo dos Conselhos de saúde O Ceará foi um dos primeiros estados a criar seu Conselho de Saúde, e seus regimentos serviram

inclusive de modelo para outros estados. Isso se explica pela política de municipalização patrocinada pelo primeiro governo das Mudanças: apelando para o discurso participativo e apoiado por um amplo setor progressista da sociedade, o governo Tasso de 1986 a 1990 implementou políticas públicas mais descentralizadas, na tentativa de criar novos tipos de interlocução com a sociedade que enfraquecessem as redes de poder dos velhos ‘coronéis’.

Como afirma Marco Penaforte, secretário de Saúde no segundo período do Governo e hoje presidente do PSDB no estado: “O Ceará avançou pioneiramente para a descentralização em nível de município; nós reprisávamos, para o município, a mesma atitude do Inamps para com os estados, sempre procurando evitar a prefeiturização. Havia oferta de recursos tanto para custeio como para equipamentos, mas nós tínhamos a preocupação de não deixar que os recursos se tornassem um instrumento a mais na mão daqueles prefeitos mais atrasados; daí o esforço em capacitar o prefeito e a equipe técnica; foi então que foi surgindo a noção de que precisávamos fortalecer o processo de participação, e a criação de Conselhos municipais de Saúde se tornou um pré-requisito. (...) Eu acho que no final do Governo Tasso, nós tínhamos uns oitenta municípios com a saúde municipalizada...” (*). Hoje estão todos os municípios com a saúde municipalizada.

Também Mariano Freitas, ex-secretário de Saúde do município de Fortim e importante liderança do PDT, revela, para além da desconfiança inicial, muitas conquistas positivas desse início de formação de Conselhos no Ceará: “Na formação dos Conselhos, eu sentia no início uma certa desconfiança, porque foi uma surprêsa muito grande a partir da eleição do Tasso. Assume um governador novo e a sua equipe começa a se mobilizar e, de repente, começam a municipalizar as ações. Seguramente, isso serviu para a descoberta de muitas lideranças municipais. Foi uma política muito cheia de êxitos para o governador porque ele conseguiu, de certa forma, diminuir as possíveis oposições, dentro dos municípios, contra a política que ele estava adotando. Deve ter havido uma intenção estratégica de

(*) Entrevista concedida em dez.96 - ver CORDEIRO, Celeste (coord.)-”Os Conselhos de Saúde no Ceará e os desafios da capacitação”.

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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 comunicação com a população e de cooptação das lideranças, mas serviu para democratizar as decisões. Houve participação e, consequentemente, cooptação, isso não só na área de saúde. O governo começou a trabalhar com todo tipo de associação de bairro, de moradores. Houve uma maior abertura para que as associações participassem” (*)

E a experiência se afirma... Essa experiência de municipalização na saúde será decisivamente reforçada com o Programa

Agentes de Saúde, a partir de 1987. Do mesmo modo, iniciativas em outras áreas, como educação, e em municípios governados por partidos diferentes do que detinha o poder em nível estadual, enriquecem o processo, como foi o caso de Icapuí, atualmente vivendo, com sucesso, a quarta administração petista. Outra alvissareira boa-nova mais recente é a implantação de consórcios inter-municipais, fruto da evidência de que a solução de muitos problemas municipais ultrapassa as condições de cada município de per-se, obrigando ao aperfeiçoamento das estratégias de planejamento regional.

Efetivamente, malgrado todas as adversidades a que já nos referimos, alguns governos municipais iniciaram projetos de descentralização administrativa e participação popular desde os anos 80, como foi o caso de Jucás e Icapuí. Sem dúvida alguma obtiveram resultados que estimularam várias outras comunidades a seguirem seu caminho.

Na verdade, todas essas iniciativas de democratização estavam comprovando na prática as teses que pregavam uma reforma do estado não apenas do ponto de vista de aumentar a arrecadação mas de dividir com a população as decisões sobre investimento. Como explica o atual prefeito de Icapuí: “Este trabalho está balizado na concepção de que para se alcançar resultados positivos na gestão de uma cidade é preciso que haja continuidade da perspectiva de planejamento participativo na administração da coisa pública. O que isso significa em termos concretos: que a implementação de iniciativas democráticas como novos modelos da participação popular e orçamento participativo na gestão da cidade visam à redefinição do papel do município, enquanto espaço público que procura corresponder às reivindicações de maior transparência administrativa, de controle social da atuação do Poder Público e da eleição coletiva das prioridades dos investimentos públicos” (Teixeira, 1997:3-4).

A fiscalização popular sobre a gestão pública elevava os níveis de eficiência, o que levou a que muitas agências de financiamento nacional e internacional exigissem de seus beneficiados uma contrapartida em termos de organização de instâncias sociais de acompanhamento dos projetos encampados. É o caso, por exemplo, do Banco Mundial, ao exigir o aval dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Sustentável no estabelecimento de prioridades para o Programa S. José, no período do segundo governo de Tasso Jereissati (1995-98). Por conta disso, o processo de descentralização e participação social se alastrou nesse período, e vários conselhos setoriais foram fortalecidos como aqueles ligados ao Projeto Sanear, à Cagece e à Cohab.

É também no segundo governo Tasso Jereissati, desde 1995, que surge a proposta de uma organização de conselhos de cunho geral, municipais e regionais, para analisar não mais a política de um setor, como educação, saúde, ou recursos hídricos, mas os problemas gerais do município ou região. Aliás, é principalmente desses Conselhos que trato neste trabalho. Vejamos primeiramente como tudo começou.

Sistema de gestão compartilhada O terceiro governo do grupo chamado “das Mudanças” pretendia inaugurar um novo estilo de

articulação política, que aprofundasse o que o ex-governador Ciro Gomes já havia começado a fazer, principalmente ao estimular o movimento do ‘Pacto de Cooperação’ e ao se reaproximar da Fiec e da Facic(*) . Realmente, se o primeiro governo Jereissati, privilegiando o saneamento das finanças e a

(*) Idem. (*) respectivamente, Federação das Indústrias e do Comércio do estado do Ceará.

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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 modernização administrativa, pautou-se por uma ruptura com a classe política e por um certo hermetismo em relação a setores de classe média, o segundo afirmou buscar a incorporação de novos atores ao processo de administração pública: além dos políticos, a criação de outras instâncias de aconselhamento no campo da municipalidade, da região, do estado.

Como mostra Braga, a esfera das relações entre o Estado e a sociedade civil cearense caracterizou-se pela “abertura de espaços de participação das organizações comunitárias na execução de programas e projetos sociais” (1998:186).E o plano de desenvolvimento sustentável aí traçado “avança nesse campo com a institucionalização de mecanismos de participação e parceria com a sociedade civil nas várias esferas de ação do governo” (Braga, 1998:186).

O Plano de Governo para esse período (95-98) também tentou absorver a filosofia e as diretrizes do Projeto Áridas-seção Ceará (93-94), idealizado na Conferência internacional sobre problemas das regiões semi-áridas dos países em desenvolvimento, realizado em Fortaleza, em 1992, e elaborado por especialistas preocupados com a questão do desenvolvimento sustentado do estado. Em grande parte, a idéia da regionalização, do planejamento regional, nasceu aí, quando também a Associação de Municípios do Ceará (Amece) desenvolveu a idéia de criar as Associações Municipais Regionais, a partir de algumas experiências já em andamento, como era o caso da Associação do Cariri. Entretanto, essas ainda eram associações mais de prefeitos do que propriamente das comunidades, e se reuniam muito mais para resolver dificuldades imediatas do que para pensar estrategicamente o desenvolvimento da região. Daí a pretensão de aperfeiçoar a experiência na direção da constituição de Conselhos regionais mais representativos.

Foi, portanto, a partir do Projeto Áridas, que definiu-se um complexo modelo de gestão pública, em que a articulação com a sociedade civil “antes restrita a experiências setoriais, amplia-se e passa a integrar o eixo central da ação de governo”, constituindo-se como uma “inovação na experiência de planejamento dos governos no estado” e resultando de “amplo processo de reflexão coletiva, envolvendo diferentes segmentos da sociedade cearense” (Braga, 1998:188). Nesse sentido, os Conselhos Regionais de Desenvolvimento Sustentável (CRDS) ocupavam lugar de destaque, com vistas a mobilizar a sociedade para trabalhar junto com o Governo.

Seguindo esse modelo, o estado foi dividido em 20 regiões administrativas e foram instalados 20 Conselhos Regionais de Desenvolvimento Sustentável, com participação de prefeitos da região, deputados estaduais mais votados e um representante dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Sustentável (CMDS). Compõem ainda o esquema de parceria Governo x sociedade, os Conselhos de Participação da Sociedade: Conselho da Família e da Cidadania, Conselho de Desenvolvimento da Cultura e Conselho do Desenvolvimento Sustentável, cujos membros foram escolhidos pelo Governador entre personalidades de destaque e formadores de opinião, para a discussão sobre questões estratégicas ao estado.

Internamente ao Governo, também se organizaram Conselhos de secretários de estado, os chamados GTIs - Grupos de Trabalho Interinstitucional - para discussão em conjunto daqueles considerados ‘projetos estruturantes’.

Do mesmo modo que os CRDS, como veremos, também não se mantiveram em funcionamento os GTIs e nem os Conselhos de Participação da Sociedade, cuja última reunião se deu em dezembro de 1998.

Essa engenharia de participação era coerente com os princípios norteadores do Plano de Governo, entre os quais destacamos: a sustentabilidade do desenvolvimento, a descentralização e a parceria. Os CMDS e CRDS constituem parte fundamental da estrutura participativa, tendo em vista o papel crucial das regiões administrativas e dos municípios, considerados pela Constituição federal como a instância da esfera estatal mais apropriada para a elaboração e execução das políticas públicas.

Para a implantação desses Conselhos, o Governo estadual buscou compensar a falta de técnicos especializados no assunto através da contratação de consultorias: para a implantação dos CMDS, contratou o Instituto Participação, e para a dos CRDS, contratou a empresa Personal. Com esta última,

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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 o Governo trabalhou bem menos, tendo em vista que, segundo um dos entrevistados, não considerava necessário investir tanto na qualificação de um Conselho formado por prefeitos, deputados e outros representantes desse nível, conforme veremos adiante.

Os CRDS - Dificuldades de Implantação Paulo Brasil1, um dos diretores da Personal, empresa que conduz com êxito o Pacto de

Cooperação, lamenta a falta de continuidade desse processo de capacitação dos CRDS: “Nós, da Personal, concordamos em participar do processo, apesar das deficiências, achando que era circunstancial, que era um avanço na direção em que se queria chegar, e que, depois, poderíamos continuar com um trabalho de implantação mais consequente, com perspectiva de longo prazo, com tempo para trabalhar uma mudança de comportamento, uma mudança cultural, com condições para construir efetivamente um Conselho, mas isso nunca foi levado para a frente...”

Alfredo Lopes Neto, diretor do departamento de Gestão Participativa da Secretaria de Planejamento do estado (Seplan) no período sob análise, afirma que houve uma pressão por resultados, e que, por isso, a Seplan chegou a contratar a consultoria da Personal para ajudar a viabilizar a implantação dos CRDS, mas que infelizmente parece não ter havido apoio dos escalões superiores, o que frustrou a iniciativa.

De acordo com os técnicos envolvidos no trabalho com o CRDS, houve problemas desde sua implantação: foi um processo conturbado, sem tempo para os Conselhos se sedimentarem como tal, estabelecerem uma secretaria-executiva, desenvolverem autonomia e capacidade de iniciativa. Estabeleceu-se também uma certa confusão entre os CRDS e os fóruns regionais de prefeitos sob a responsabilidade da Amece e depois da Aprece.

Para Wilson Vicentino, chefe de Gabinete da Secretaria de Governo (Segov) no período em estudo, efetivamente a implantação dos CRDS é mais complicada que a dos CMDS, e isto porque “a plenária é diferente - são prefeitos, deputados, etc, ou seja, pessoas com poder, com representação de mandato”. E continua, explicando por que a consultoria da Personal não foi adiante: “Por conta desse tipo de composição, não é o caso, como nos CMDS, de inserir técnicos para regular o funcionamento, estimular reuniões, etc, etc, etc. Então, contratar assessoria técnica para implantar CRDS era algo incoerente. Será que lideranças políticas tão destacadas precisam de convocação de governo para fazer reunião? Eles é que tinham de produzir reuniões, estabelecer pauta, com sua própria assessoria, atraindo a Universidade, com independência. Além do mais, no início, os CMDS, que deveriam ter um representante no CRDS, não estavam implantados, estava tudo no começo...”

Vicentino faz então uma afirmação que me parece indicar uma importante inflexão no processo: “Eu não sei, acho que o modelo do CRDS não estava pronto, redondo, para ser lançado, sabe? Não era uma coisa que o estado pudesse bancar. Eu tenho certeza que há mais resultados positivos com essas associações regionais”. Essa “certeza” parece marcar uma posição atual do Governo estadual no sentido de deixar o planejamento regional se estruturar a partir das associações regionais de municípios, fora, portanto, da gestão oficial.

Outros informantes se referem a dificuldades advindas da própria composição dos CRDS, que teria forte viés político: na prática, a idéia de ‘deputados mais votados’ não prevaleceu, e só tinham vez os deputados da situação: “Você vai querer criar cobra prá lhe morder?” refletiu, a este respeito, um típico político cearense...

Para Paulo Brasil, esse foi um “êrro violentíssimo”: determinar quem é que participa do Conselho, quem é que não participa. “Essa era uma decisão que deveria caber às próprias regiões, não é? Na verdade, o governo passou a ver o Conselho como braço do Governo na região e não como uma

1 Paulo Brasil, como os demais entrevistados citados a partir daqui, neste capítulo, nos concederam entrevistas no período entre março e junho de 1998 (com exceção da entrevista com Cláudio Ferreira Lima, realizada em 21/01/97): ver CORDEIRO, Celeste - "Conselhos no Ceará", Seplan-CE.

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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 representação da região junto ao Governo. Como é que você quer que uma região assuma uma idéia, uma proposta, onde a decisão sobre quem é que faz parte daquela instância que está sendo criada, vem de cima, do Governo?”.

Técnicos da Seplan apontam ainda, além da deslegitimação dos CRDS pelos próprios políticos do Governo, um emperramento do fluxo de atendimento às demandas por parte das secretarias de Governo, o que causava forte desgaste.

CRDS - Dificuldades de Funcionamento Os CRDS nunca funcionaram efetivamente como Conselhos. Segundo Angelim, ex-Secretário

Geral dos Conselhos de Participação da Sociedade, “apenas no início houve uma participação interessante na elaboração do Plano Plurianual de Investimentos, em que cada um dos 20 Conselhos foi ouvido e ocorreu muita discussão. Depois disso o que ainda houve foram reuniões do Governo com lideranças da região, convidadas para assistir a palestras dos Secretários estaduais e de outros técnicos: sobre a LDB, o Plano Turístico do estado, o Plano de Recursos Hídricos, etc. Não deixaram de ser momentos muito valiosos, mas eram reuniões organizadas pelo Governo. Como Conselhos efetivos, com a presença de conselheiros que se reconhecessem como conselheiros, os CRDS nunca funcionaram”. Além disso, “os políticos nunca prestigiaram os CRDS, nem os deputados federais nem os estaduais, nem da oposição nem da situação”, complementa ele.

Wilson Vicentino levanta uma outra variável, que é a descoincidência de mandatos de prefeitos e conselheiros: “Percebemos que a descoincidência dos calendários eleitorais constitui uma dificuldade para o funcionamento desses Conselhos regionais, porque eles se formam no período de meio de mandato de prefeito e início de mandato de Governo estadual, ou seja, com pouco tempo de funcionamento, você já tem uma acentuada modificação na composição dos Conselhos. Nas últimas eleições, por exemplo, dos 184 prefeitos que se elegeram no estado, 100 representavam forças de oposição”.

Talvez por isso, já não há reuniões dos CRDS desde junho de 1997. “Na prática, não se está vendo necessidade dos CRDS, as coisas estão acontecendo sem passar por essa instância”, lamenta Fátima Falcão, coordenadora do departamento responsável pelos GTIs da Seplan. E um exemplo desse esvaziamento é dado por seu colega, Antenor Barbosa, quando lembra que o BNB e a própria Seplan realizaram, em outubro de 97, uma reunião de 2 dias com 14 prefeitos e lideranças da região do Jaguaribe, para discussão do pólo agro-industrial, sem sequer falarem em CRDS, o que comprova que a tese explicitada por Wilson Vicentino - de esvaziamento dos CRDS e estímulo às associações regionais - está prevalecendo.

Sobre essa estagnação, Alfredo Lopes diz que “a partir de 1996, ano em que foram realizadas as eleições municipais, houve uma desmobilização natural pela canalização da energia dos prefeitos para o embate político; porém, a retomada se deu de forma significativa a partir da posse dos novos prefeitos, com a realização dos debates sobre as políticas do governo estadual; depois disso os CRDS estagnaram”. Lopes atribui este fato a mudanças administrativas na Seplan e em escalões inferiores da Segov, bem como “a um momento de reflexão do Governo sobre novas formas de conduzir o processo”.

Para Paulo Brasil, essa estagnação é consequência da “falta de vontade política de fazer um processo que nasça de baixo para cima e que tenha autonomia, dinâmica própria: o Governo utilizou uma idéia boa apenas para dominar melhor”.

Atualmente, o que temos da estrutura inicialmente proposta são os CMDS, sobre os quais nos deteremos mais adiante.

Gestão Compartilhada dos grandes projetos Outros fóruns de participação, porém, foram implementados, a partir de necessidades novas

surgidas dos chamados projetos estruturantes do Governo do Estado. Além do modelo institucional

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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 proposto, portanto, a dinâmica de implantação de grandes projetos no Ceará exigiu novos formatos de gestão participativa, que desembocaram nos Grupos de Trabalho para o acompanhamento de grandes obras.

Vale a pena mencionar o Grupo de Trabalho Participativo do complexo industrial-portuário do Pecém (CIPP), cujo objetivo é “acompanhar as obras referentes à construção do porto do Pecém e da infra-estrutura física de transportes, energia, comunicação e abastecimento d’água, bem como as ações referentes ao planejamento e desenvolvimento do turismo, impacto social, impacto ambiental, trabalho social junto às comunidades e ao processo de cadastramento, desapropriação e reassentamento”, conforme lê-se em documento oficial. A composição do GT é: prefeito e representante da Câmara municipal de cada município envolvido (4 ); representantes da sociedade civil escolhidos pelos CMDS (2); representantes das populações diretamente atingidas (2); representante da Assembléia Legislativa (1); e representantes do governo do estado (titulares de 10 secretarias).

Entretanto, é no âmbito da Secretaria de Recursos Hídricos (criada em 1987) que podemos detectar as experiências mais valiosas quanto à democratização das decisões públicas: trata-se do gerenciamento dos recursos hídricos do estado - uso, controle e preservação da água - através de uma política de gestão participativa, em que a bacia hidrográfica é a unidade de planejamento e atuação dos diversos atores sociais. Esta dinâmica é orientada pela lei estadual 11.996, que estabelece a política das águas no Ceará. Iniciativa semelhante, com o desenvolvimento alcançado em nosso estado, existe apenas - e há mais tempo - em S.Paulo e no Rio Grande do Sul.

Tendo como referencial “o princípio de que a água deve ser gerenciada de forma descentralizada, integrada e participativa, (...) deve-se estimular a participação de usuários, instituições governamentais e não governamentais e da sociedade civil nesse processo” 2 . A partir desse pressuposto, a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) procurou dar um destaque especial à “organização dos usuários como forma de garantir a participação destes no gerenciamento”3. Esta organização tem se pautado pelos seguintes princípios:

• respeito às formas de organização dos usuários já existentes; • conhecimento da atuação institucional na área; • conhecimento da situação hídrica da bacia; • negociação de conflitos através do diálogo, do subsídio técnico e do aparato legal existente; • definição conjunta (usuários, instituições e sociedade civil) de regras e normas de operação4 . Essa experiência de constituição dos comitês de usuários de açudes efetivamente tem buscado

realizar esses princípios na prática, através de uma eficiente metodologia participativa e, por isso, investe num trabalho de longo prazo: a instalação formal do primeiro comitê de bacia, no Ceará e no Nordeste, deu-se 3 anos após o início dos trabalhos - trata-se do Comitê da Bacia do Curu, instalado oficialmente em 17 de outubro de 1997. Depois desse, dois outros já foram instalados: os comitês do Baixo e do Médio Jaguaribe, e o de Banabuiú espera apenas para tomar posse. Os próximos a se estabelecer são os de Salgado, Acaraú e Alto Jaguaribe.

Na bacia do Curu, são sessenta membros divididos igualmente entre representantes dos usuários, da sociedade civil (principalmente associações comunitárias e sindicatos de trabalhadores rurais), do Poder Público municipal (15 municípios compõem a bacia), e de órgãos públicos estaduais e federais (Ematerce, Ibama, Embrapa, Dnocs, Cagece, Secretaria de Saúde, etc). Os próximos comitês de bacias a serem instalados são o da bacia metropolitana e o da bacia do Jaguaribe.

Outra experiência de participação interessante é relativa à construção do açude Castanhão. Este açude, a ser construído pelo Dnocs, em parceria com o Governo estadual (SRH), pode ser considerado vital para o desenvolvimento sustentável do Ceará, na medida em que pretende superar a 2 “O Caminho das Águas: Informações básicas sobre o gerenciamento dos Recursos Hídricos”, SRH-COGERH. 3 idem. 4 idem.

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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 vulnerabilidade quanto à oferta de água e induzir o uso eficiente deste bem. Consiste numa barragem de terra, com 60 metros de altura, e uma lago artificial que poderá acumular até 6,5 bilhões de metros cúbicos de área, o que aumentará a vazão regularizada do rio Jaguaribe, expandindo a área irrigada e assegurando o abastecimento d’água ao Baixo Vale, à Região Metropolitana de Fortaleza e às áreas de influência do Porto do Pecém e do Prodetur.

Todos os procedimentos envolvidos na construção desse mega-empreendimento, inclusive a relocação da população de Jaguaribara para a nova cidade ainda em construção, além do reassentamento da população rural, estão sendo decididos num dos mais bem sucedidos fóruns de participação do governo e da sociedade cearense. É o Grupo Multi-Participativo da barragem do Castanhão ou, mais simplesmente, GT do Castanhão, cujo sofisticado modelo de funcionamento já foi recomendado pelo Banco Mundial para outras áreas do mundo. É um colegiado, instalado em agosto de 1995, formado por representantes do governo estadual (4), Poder Legislativo (1), Dnocs (2), governos municipais (4), e sociedade civil (8) dos quatro municípios que sofrem influência mais direta da bacia.

Segundo documento do Governo estadual, “o objetivo central consiste em utilizar a construção do Castanhão como elemento de transformação da atual realidade de pobreza, que caracteriza sua região de influência, forçando a inclusão da população afetada por sua construção no grupo social beneficiado com as oportunidades criadas pela nova realidade decorrente da existência da Barragem”5 Este que poderia ser apenas mais um discurso anti-coronelista, já que conhecemos a utilização privatista das grandes obras ‘públicas’ realizadas no Ceará durantes várias décadas passadas, está se afirmando na realidade através de uma preocupação genuína com a transparência do processo e a participação da comunidade

Através de reuniões ordinárias mensais, itinerantes e abertas ao público (às vezes com assistência de cerca de 300 pessoas) - com direito a voz - a construção da barragem e da Nova Jaguaribara tem sido um processo extremamente participativo, deliberando sobre temas que dizem respeito desde a procedimentos de desapropriação e indenização das perdas, construção de estradas e condições de trabalho para os operários da obra até o tipo de casa, de igreja e de cemitério da nova cidade. Exemplos disso são algumas decisões tomadas após exaustiva análise e discussão:

• revisão da tabela de preços para desapropriação dos bens e terrenos da área de inundação, com elaboração em conjunto de uma nova tabela, que foi submetida ao Dnocs, que a aprovou;

• instalação de uma Vara especial, no escritório da Secretaria-Executiva do GT, para atender à demanda por regularização dos títulos de propriedade de imóveis rurais, que era uma exigência para o recebimento da indenização. Os proprietários de pequenos imóveis recebem gratuitamente seus títulos, a partir de um acordo do GT com o cartório responsável.

• redefinição dos limites geográficos entre os municípios, visando recuperar parcialmente o território do município de Jaguaribara, o que foi possível pela doação de áreas, algumas excelentes do ponto de vista agrícola, pelos 3 municípios vizinhos. A proposta de redefinição teve que ser respaldada pelas populações locais através de plebiscito, antecedido por ampla discussão pública conduzida pelo Grupo;

• prioridade da população local na ocupação dos empregos gerados na execução das obras e busca de solução que evitasse a implantação dos tradicionais acampamentos de operários junto aos canteiros de obras: ônibus apanham os trabalhadores dos povoados vizinhos para a obra e os conduzem de volta para suas casas no fim do expediente.

Tendo visto as experiências de compartilhamento da gestão de grandes projetos, fora do modelo de participação social inicialmente proposto pelo atual Governo, em sua gestão passada, voltemos nosso olhar com mais vagar para as potencialidades e os problemas enfrentados pelos Conselhos municipais de Desenvolvimento Sustentável, tomados aqui como paradigmas da experiência de outros Conselhos. 5 “A Barragem do Castanhão e sua contribuição para o desenvolvimento sustentável do Ceará” - SRH.

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Os CMDS Os CMDS podem ser considerados, de certo modo, um espelho dos Conselhos com participação

popular no Brasil. Concebido dentro da arquitetura de participação erguida pelo segundo governo Tasso, foram

apenas essas instâncias municipais que vingaram, e que hoje, reunindo 4.300 conselheiros, se encontram presentes em 160 das 184 cidades cearenses (apenas 18 com mais de 50.000 hab.), cobrindo, portanto, 87% do território estadual, ainda que funcionando efetivamente apenas em 75% desse universo, ou seja, em 120 municípios. O processo de implantação tornou-se paulatinamente mais lento principalmente por problemas financeiros dos municípios, que dividem com o Governo as despesas operacionais de instalação, já que apenas os 20 primeiros municípios tiveram as despesas inteiramente bancadas pelo Governo estadual.

A composição dos CMDS, segundo folder elaborado pelo Governo, Prefeituras e UFC, é de “representantes dos diversos segmentos sociais que compõem o município, dentro das seguintes áreas: Prefeitura municipal, Câmara de vereadores, Conselhos setoriais, Setores significativos (comerciantes, artistas, artesãos, religiosos, industriais, agricultores, e outros), Entidades maiores (associações, federaçãoes, sindicatos e similares) e Regiões comunitárias (distritos, sítios e bairros)”.

A mobilização e organização societária para implantação desses Conselhos tem uma dinâmica própria, seguindo a linha da psicologia comunitária e dos ‘círculos de cultura’ de Paulo Freire. Tem sido realizada por uma ONG - Instituto Participação, com grande colaboração da Universidade, assessorando o governo estadual em termos de desenvolvimento organizacional e ação comunitária. O trabalho desenvolvido tem gerado debate nos meios acadêmicos, já havendo inclusive projeto de monografia de curso de Especialização sobre o assunto(*)

Em trabalho intitulado “Metodología de Acción Municipal”, Cezar Wagner Góis, um dos dirigentes do Instituto Participação, analisa o método utilizado para a implantação dos Conselhos e afirma tratar-se de uma “estrategia psicosocial de desarrollo participativo y sostenible del municipio, baseada en una determinada visión de municipio y de identidad municipal (...) [que] surge del reconocimiento de la capacidad del individuo de mirar su futuro y de apropiarse de su entorno físico-social (...) mediante procesos positivos de interacción-identificación entre las personas de un municipio y de ellas con su entorno sócio-ambiental” (mimeog.:1-2).

O CMDS tem uma Coordenação Representativa formada por um conselheiro de cada área presente no Fórum e escolhido por seus pares, e tem como funções: identificar os grandes problemas do município; integrar interêsses e objetivos diversos em um esforço conjunto; propor o Plano Estratégico de Desenvolvimento Sócio-Econômico do município; articular e acompanhar as ações dos diversos conselhos setoriais existentes no município; integrar-se ao CRDS de sua região; e contribuir com o Executivo municipal e com a Câmara dos Vereadores no sentido de ações mais eficazes (ver folder sobre CMDS editado pelo governo estadual, prefeituras e UFC).

Assim, os CMDS foram gestados enquanto “estrutura de representação, de articulação, de integração, de orientação, de acompanhamento e de mobilização da municipalidade em sua busca de desenvolvimento”, tendo como objetivo básico “contribuir para o desenvolvimento sustentável e compartilhado dos municípios, integrando pessoas, ações, tempo e recursos, dentro de uma visão estratégica e cooperativa (...)” (*)

Em discurso de apresentação do Plano de Governo, em 1995, Tasso Jereissati garantiu que “a nível das comunidades, as prioridades podem ser decididas em processo de democracia direta; as comunidades poderão eleger comitês comunitários para a administração de projetos específicos, bem

(*) ver BRAGA DE PAULA, Juliana - “Psicologia Comunitária e Produção de Subjetividade” - UVA. (*) “Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável: o que é, como funciona e a quem serve” (Governo do estado do Ceará, 1995).

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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 como para acompanhar e fiscalizar as ações públicas no local”.

Os CMDS têm desenvolvido seus trabalhos em inter-face com os CCSJ, Comissões Comunitárias S.José, que atuam em parceria com o Governo estadual na seleção, acompanhamento e fiscalização dos projetos geridos com recursos do Banco Mundial.

CMDS e CCSJ Atualmente, a tendência é que a comissão comunitária S.José se constitua como câmara setorial

do CMDS. Há evidências de que se o Projeto S.José facilitou a experiência dos CMDS, oferecendo algo concreto para mobilizar as pessoas, ao mesmo tempo atrapalhou: muitas vezes o CMDS perdeu de vista a dimensão maior do desenvolvimento do município e direcionou sua ação apenas para os projetos com retornos imediatos.

Como indica Braga, “o Projeto São José - uma versão ampliada do antigo Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural - PAPP - funciona como o principal depositário das esperanças reivindicatórias dos representantes do Conselho. Uma vez que as deliberações acerca da adequabilidade das demandas dirigidas a esse projeto passam pelo Conselho, o PSJ também constitui-se um elemento de demonstração de vitalidade dessa entidade congressional. A verificação de viabilidade e a emissão de pareceres sobre reivindicações constituem importantes motivos para manutenção da vida ativa desse órgão”.

Mas também notamos que muitos CMDS começaram a discutir questões maiores, como podemos perceber através da leitura das atas. Entre outros assuntos discutidos, temos: orçamento participativo, Plano municipal de Desenvolvimento Rural, parceria com o Ministério Público e o Poder Judiciário para ações comuns no município, audiência pública com a Defesa Civil do estado, Reforma Agrária Solidária, intercâmbio com outros CMDS da região, Programa Saúde da Família, capacitação dos professores do município, turismo ecológico, e tantos e tantos outros. Assim, temas como Ação Social, Saúde, Educação e outros, também não estão mais sendo discutidos apenas em nível dos respectivos conselhos setoriais, mas são alvo de debate nos CMDS, com a participação de representantes desses setores.

No relatório de atividades da Coordenadoria de Articulação Institucional da Segov, referente a 1997, verificamos outros exemplos dessa expansão de objetivos dos CMDS. Esses Conselhos auxiliaram na realização do Planejamento Participativo em municípios como Morada Nova, Araripe, Pires Ferreira, Orós e também S. Gonçalo do Amarante. Igualmente, ajudaram nas discussões sobre Orçamento Participativo em Aracati e Sobral.

Hoje, quando se analisa o desenvolvimento dos Conselhos municipais, vê-se nitidamente que sua identificação com o Projeto S.José foi intensificada. De parte do Governo, inclusive, as capacitações de conselheiros realizadas mais recentemente têm sempre enfocado quase que unicamente as questões relativas ao S.José; sobre isso, vale mencionar que apenas entre dezembro/99 e abril/2000 foram realizadas 32 oficinas regionais de capacitação. Apesar disso, documentos recentes do Governo6 , ao se referirem aos “programas de responsabilidade dos CMDS”, elencam os seguintes, além do Projeto S. José: PRONAF (Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar), Programa de Municipalização do Turismo e Programa de Controle de Saúde Animal e Vegetal.

Deve-se notar também que dois outros novos e importantes parceiros dos CMDS têm se firmado: é a Secretaria de Desenvolvimento Rural e a Ematerce; em todos os seus projetos, essas instituições encontram modos de fortalecer os CMDS e de capacitar seus conselheiros. Também o Incra começa a aprender a valorizar e trabalhar junto com esses Conselhos.

Naqueles municípios cujo desempenho do CMDS pode ser considerado muito bom, segundo critérios definidos pelo Banco Mundial, o Conselho passa a ser regido a partir do FUMAC-P (Fundo Municipal de Apoio Comunitário - Piloto), quando os recursos para os projetos do S. José, após 6 Segundo Banco de Dados da Artins (depto. de Articulação Institucional)/ Segov (Secretaria de Governo).

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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 aprovação pelo CMDS, deixam de ser encaminhados diretamente para as entidades comunitárias responsáveis e passam a ser geridos pelo próprio CMDS. Para isso, o CMDS, depois de visitar as comunidades e eleger as prioridades de investimentos, elabora um plano operacional para 1 ano e encaminha os recursos recebidos.

Outra novidade é que, em outros municípios, como Beberibe, o CMDS foi transformado em Fórum da Municipalidade, o que quer dizer que todos os projetos de todas as áreas - educação, saúde, etc - são discutidos e deliberados pelo CMDS.

Os CMDS e CRDS, além de outros fóruns comunitários como as associações dos usuários de açudes, intensificaram a mobilização societária e delinearam novos campos de relação entre governo e comunidades. De igual modo, inauguraram novos problemas para a pesquisa social na medida em que a proposta de Gestão Compartilhada, como foi chamada, mistura explosivamente organização societária e poder público, no caso o Executivo, oferecendo uma chancela política oficial ao movimento social.

CMDS: Palco de confronto entre público e privado É preciso não esquecer que participação é conquista, sempre! Nunca há condições ideais para se

começar a participar, do mesmo modo como também não há um ‘quantum’ de participação máxima, a partir do qual estaríamos satisfeitos. Como diz Pedro Demo, “participação que dá certo traz problemas, porque este é seu sentido”!

Numa sociedade profundamente desigual como a nossa, em que o esforço de manter privilégios frente a setores miseráveis chega às raias do inimaginável, e em que o Estado sempre funcionou como apoio para essa concentração de riqueza, não é fácil implementar qualquer estrutura política que possa constituir empecilho às práticas clientelistas. O uso privado da política é costume tão arraigado que mesmo o mínimo esforço no sentido de torná-la mais efetivamente pública, coletiva, participada, tem consequências quase revolucionárias.

Um ponto que necessitamos levar em conta é que, para além das deformações de certos mecanismos de tomada de decisão política, muito daquilo que criticamos nessas instâncias de democracia semi-direta é fruto da fragilidade das organizações, mesmo de instituições mais sólidas como partidos e sindicatos, que não possuem pessoas capacitadas para representá-las junto à sociedade maior. Daí que o esforço de formação de lideranças, para ser impulsionado, talvez não possa ser deixado hoje à sorte de cada associação, e possa ser também, ao menos por um certo tempo, também uma atribuição do estado.

Desafio à exclusão? Trata-se da luta entre os participantes membros do modelo político convencional e seus

desafiadores, para usar a terminologia de Davidson (1979). Enquanto os primeiros já incorporaram rotinas de acesso aos recursos públicos, os demais estão de fora. Seria o caso de nos perguntarmos pelo grau de permeabilidade do sistema às mudanças possíveis a partir da prática dos Conselhos. Em que medida contribuem eles para alargar as fronteiras de acesso aos recursos pela ampliação da capacidade de ação coletiva dos ‘desafiadores’?

Em suma, o Estado, junto com a sociedade, foi capaz de estabelecer um critério público capaz de diferenciar os grupos societários com interêsses generalizantes das formas de representação de interêsses privados? Foi capaz de criar um mecanismo político de contra-balanço às tendências de apropriação privada dos recursos públicos pelas oligarquias no estado? Passou-se do esforço de desenho institucional à resolutividade das políticas públicas com base em decisões mais democráticas? Parece que nem tanto... Os ganhos de autonomia, inclusive fiscal, são firmes o suficiente para resistir a perigosas tendências de concentração de poder observadas em nível federal?

O financiamento da participação social Isto nos leva a um outro problema, que é o de financiamento público para a mobilização social.

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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 Ora, este é um ‘calcanhar de Aquiles’ que pode gerar uma nefasta dependência dos Conselhos em relação a governantes, como observamos junto a conselheiros de saúde que, morando em distritos mais afastados, precisavam de recursos da Prefeitura até para se deslocarem à sede do município para as reuniões do Conselho(*).

Entretanto, não podemos desconhecer as ambiguidades desse financiamento numa sociedade pobre como a nossa. Não teria também uma dimensão positiva a médio prazo? Será que uma maciça mobilização popular para analisar projetos, discutir prioridades, encaminhar demandas etc, seria possível hoje apenas com as forças próprias dos movimentos organizados? É interessante observar que mesmo os entrevistados mais críticos em relação ao Sistema de Gestão Compartilhada do Governo - como Carlile Lavor e Paulo Brasil - não desejam o afastamento do Governo nessa seara, até pregam maior presença do Poder Público, ainda que sugerindo modos de intervenção diferentes dos que vem sendo praticados. Analistas acadêmicos também se complicam frente à essa questão: Ferraro diz, em certo momento, que “a implantação de cima e de fora enfraquece os Conselhos desde o começo e dificulta o seu funcionamento autônomo” (p.11), para, logo adiante afirmar: “o fato desse processo ter sido iniciado de fora não prejudica necessariamente o funcionamento do Conselho” (12).

É aqui que surge com clareza o desafio da organização popular. É possível que os Conselhos estejam, em algum grau, disputando poder com poderosos interêsses econômicos representados por políticos eleitos por uma clientela de corte tradicional? Quem está mais insatisfeito com os Conselhos? A população, que gostaria de ver suas atribuições ampliadas, ou as famílias coronelistas que sentem seus caprichos políticos ameaçados?

Por outro lado, dada exatamente a fragilidade organizativa dos grupos populares, e a rede de domínio tradicional - sua extensa cobertura e o controle bem organizado sobre esferas governamentais estratégicas - há o risco de esvaziamento dos Conselhos que poderiam sobreviver apenas travestidos de nova fonte de legitimação do clientelismo: seria a modernização conservadora ganhando mais uma vez, a força da realidade secular se sobrepondo às potencialidades reformistas da proposta e de sua implantação inicial.

Um outro ponto que gostaria de acrescentar à essas indagações é: os setores organizados da classe média urbana, meios de comunicação, universidades, partidos etc influenciaram na construção desse processo? Buscaram conhecer, se envolver, tomar partido, radicalizar propostas e práticas? Parece que não. E o Governo, procurou contribuir para esse envolvimento, fornecendo informações, incentivando pesquisas? Também não. Governo e lideranças comunitárias permaneceram confortavelmente sozinhos, o que talvez tenha facilitado, mais uma vez, as tentativas de rapinagem política por parte de grupos oligárquicos. Acredito que é importante trazer os problemas municipais de todo o estado para a vitrine dos meios de comunicação da capital. Visibilidade e publicidade podem fazer a diferença.

Uma dinâmica tridirecional Podemos observar, nas experiências de gestão compartilhada no Ceará, que as vitórias ocorridas

não foram resultado apenas de um jogo envolvendo governos locais e sociedade civil, numa dinâmica bidirecional em direção a um governo melhor, como defende grande parte da literatura sobre descentralização. Do mesmo modo que Tendler encontrou a respeito dos programas estaduais analisados em seu livro7, também no caso dos Conselhos nos deparamos com o que a autora chamou “dinâmica tridirecional” que inclue, além do governo local e da comunidade, um atuante governo central, no sentido de não-local, que tanto pode ser nacional como estadual. Em nossa pesquisa, (*) A esse respeito ver CORDEIRO, Celeste (coord.) - “Os Conselhos de Saúde no Ceará e os Desafios da Capacitação”, documento da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP) que relata pesquisa coordenada por Cordeiro, Celeste durante 1996-1997. 7 Em seu livro Bom Governo nos Trópicos (ver bibliografia), Tendler analisa 4 programas desenvolvidos nos governos Tasso (1987-1990) e Ciro (1991-1994) nas áreas de medicina preventiva, obras de emergência contra a seca, Compras Governamentais e extensão rural.

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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 constatamos alguns pontos que coincidem com conclusões de Tendler, principalmente no sentido de que o governo estadual pode ser ator importante tanto para a melhoria do governo municipal quanto para o fortalecimento da sociedade civil. Essa descoberta confirma o “paradoxo da descentralização” identificado por Rudolf Hommes, ex-ministro de Estado da Colômbia, para quem a descentralização “exige mais centralização e mais habilidades políticas sofisticadas no nível nacional” (apud Tendler, 1998:196).

Vejamos alguns resultados dos estudos de Tendler sobre as relações entre governo central, governo local e sociedade civil, que podem lançar luz em nossa reflexão:

• “as melhorias no governo local revelaram-se menos decorrentes da descentralização do que de uma dinâmica de três direções entre o governo local, a sociedade civil e um governo central dinâmico” (198);

• “embora associações cívicas e outras não-governamentais fossem frequentemente atores importantes nesses casos, em muitos exemplos isto foi viabilizado por algo que o governo fez antes” (198-199);

• “até onde os casos do Ceará envolveram descentralização, eles revelaram algo bem diferente da transferência unidirecional de poder e de dinheiro do central para o local que está no centro do retrato estilizado da descentralização. De um modo bastante surpreendente, o governo central retirou poder do governo local, muito embora suas ações tenham contribuído, em última instância, para o fortalecimento da capacidade do governo local.(...) [O governo estadual] impôs arbitrariamente critérios padronizados de acordo com os quais os projetos locais podiam ser financiados - critérios que descartaram os projetos considerados prioritários por muitas das personalidades locais” (200);

• mesmo podendo ser desconsiderados por especialistas como genuínas descentralizações de poder para os governos locais, esses programas “acabaram levando a alguns dos mesmos resultados esperados da descentralização: instituições locais mais fortes, na forma de governos locais mais capazes, e uma sociedade civil mais desenvolvida e exigente” (201);

• “ao governo estadual, agora forçado a dividir o poder com os municípios no setor da saúde, e ao mesmo tempo não tendo nenhuma autoridade ou capacidade institucional para fiscalizar o bom comportamento deles, restava apenas recorrer a promessas e ameaças. (...) Assim, o que levou a um ritmo e a um padrão de envolvimento municipal não foi uma política equilibrada de descentralização ou um programa aplicado de modo uniforme. Mais exatamente, foi o padrão idiossincrático de respostas dos prefeitos e de seus eleitores a esse conjunto de induções e punições”. Demonstrada a eficácia desse padrão para o fortalecimento do governo local e da sociedade civil, vê-se que “nenhuma alternativa realista pode realmente existir, dadas a relutância do governo central em ceder poder e a incapacidade inicial dos governos locais para usá-lo de modo responsável”. Daí a “mágica que foi produzida pela desconfiança entre os governos central e local” (202-203);

• “o que nesses casos o governo central fez em nome da desconfiança também pode ser visto de outra maneira, que seria o governo central defendendo os cidadãos locais contra o governo local” (205);

• “o caso do Ceará, na verdade, revelou que as associações cívicas podem desempenhar um papel importante na melhoria do desempenho do poder local. A sequência de eventos e de condições causais, entretanto diferiu da pressuposta no cenário da D&P [no cenário da literatura sobre Descentralização e Participação]. Em muitas ocasiões, por exemplo, (...) o governo estadual tinha ele próprio favorecido a formação dessas associações, às vezes num período anterior, ou fortalecido e educado as já existentes” (206);

• “independentemente das diversas intenções que estavam por trás das mensagens do Estado, entretanto, elas tiveram sobre o público impactos de ampliação de consciência semelhantes aos das mensagens dessa natureza e de motivações mais ‘puras’ emitidas por ONGs de defesa independentes. O governo se apropriou da linguagem de defesa dos direitos e de instrução e a utilizou nessas

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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 mensagens, o que também elevou permanentemente a consciência dos cidadãos” (207);

• “no programa de combate à seca, o governo do estado criou as condições para fortalecer a sociedade civil de um outro modo: ele insistiu no estabelecimento de um novo Conselho municipal e estabeleceu critérios claros para a tomada de decisões sobre projetos (...). A nova estrutura formal possibilitou à sociedade civil agir coletivamente para resolver seus próprios problemas, assim como formular pedidos para o governo local. (...) Quer os novos Conselhos representassem ou não a pobreza, eles criaram as condições para o surgimento de mais de uma posição da elite sobre como administrar os programas públicos (...); a formalização dos novos procedimentos e processos de tomada de decisão também propiciou as condições para o surgimento de uma visão mais voltada para o público por parte da elite do governo local” (208-209-210);

• “o cenário da D&P (...) exagerou a extensão em que a sociedade civil pode contrabalançar as tendências de corrupção do governo. Ela não avaliou suficientemente o grau em que as associações cívicas podem contribuir de modo igualmente vigoroso para reforçar a corrupção no governo e para impedi-la” (213);

• “Assim, a melhoria do desempenho do governo no âmbito local ou central exige que se tenha uma idéia clara do que exatamente o governo central tem de fazer para que surjam boas instituições - cívicas e governamentais - em nível local” (213).

• Potencialidades e frustrações Os Conselhos, portanto, constituem uma ousada proposta de atribuição de status público pelo

Estado às organizações societárias, processo pleno de possibilidades e ameaças, o qual só pode ser bem avaliado se conseguirmos associar à teorização acadêmica geral, um conhecimento mais prosaico de nossa situação e de nossa história como estado. Como vemos, e veremos melhor no capítulo seguinte, os Conselhos de Desenvolvimento Sustentável não podem ainda ser julgados no seu todo. A experiência é recente e bastante desigual, com uma performance que depende de um conjunto de fatores locais difíceis de alcançar num trabalho de cunho tão geral.

Em tese, as possibilidades democratizantes da engenharia dos Conselhos parecem grandes, no sentido de abertura de um espaço de interlocução entre a sociedade política e um arco de representações de setores da sociedade cearense e de suas várias comunidades, pessoas e grupos com pouca força política para, por conta própria, construírem um lugar de diálogo com o Governo e um canal de influência direta sobre os investimentos em sua região.

É uma engenharia que sugere possibilidades de passagem da democracia política para a democracia social ou, como diz Bobbio, da democracia do Estado à democracia da sociedade: “a ocupação, pelas formas ainda tradicionais de democracia, como é a democracia representativa, de novos espaços, isto é, de espaços até agora dominados por organizações de tipo hierárquico ou burocrático” (1986:55).

Os autores que se debruçaram na análise do sistema de Conselhos no Ceará reconhecem, a par de graves problemas, as potencialidades cidadãs do modelo. O principal ganho, no processo de implementação de gestões públicas participativas no Ceará, parece dizer respeito ao avanço da sociedade civil, à mudança de mentalidade do homem comum, que começa a perceber que seu maior espaço de cidadania é discutir os problemas coletivos de seu município, de sua região, num fórum adequado. A ruptura com a tradicional política autoritária e clientelista está se dando muito mais por conta da sociedade, e da afirmação de sua cidadania, do que do próprio Governo.

Fundamentalmente, o fator de sucesso parece ser a “existência de lideranças que animem e canalizem energias coletivas para a participação”, como diz Flávio Prata. A desorganização da sociedade civil parece ser um problema maior do que mesmo a resistência cultural da elite política mais atrasada, porque onde há organização, mesmo sem apoio do Poder Público, houve avanços. Já o contrário não foi observado em parte alguma. Daí a explicação de Prata para aquelas experiências mais

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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 fracassadas, como se constata na região de Canindé: “desmotivação das lideranças, falta de engajamento popular”.

Lopes justifica seu otimismo, lembrando que “os anos de autoritarismo, pobreza e dependência de uma das populações mais pobres do Brasil”, ao lado de “uma cultura individualista incrustada há séculos no Ceará”, não podem ser rapidamente abstraídos com a simples instalação de Conselhos. E conclui: “apesar do avanço, que até os mais ferrenhos críticos do Governo e do modelo de gestão reconhecem, não existe ainda uma sustentabilidade no modelo, o que faz com que o Governo ainda atue forçando situações que, às vezes, encontram resistências no âmbito das lideranças locais”.

“Com certeza, é um avanço!” afirma um dos conselheiros de CMDS entrevistados, que percebe o CMDS, apesar dos problemas, como “uma força política que facilita o encaminhamento de recursos para a comunidade”. E cita os pontos positivos que vê:

• “é uma oportunidade para que as comunidades tragam suas propostas; • são analisados projetos que podem beneficiar as comunidades; • há ganhos em transparência e fiscalização popular; • há maior preocupação do Poder Público com a aprovação dos projetos no Conselho, e maior

cuidado com a utilização dos recursos públicos; • há confiança de que nenhum projeto do ‘S. José’ pode ser aprovado sem a concordância do

CMDS”. Para Ferraro, o CMDS representa “um novo elemento no sistema político dos municípios”,

servindo para catalizar o potencial de auto-organização das comunidades ao promover o intercâmbio pessoal entre representantes da comunidade e o governo local. O conhecimento dos direitos e deveres dos cidadãos dá autoconfiança e apóia a iniciativa própria da população, o que pode provocar uma mudança nas instituições políticas” (12). Do mesmo modo, para Braga, “o recurso à participação popular, conforme concebido no modelo de desenvolvimento do governo cearense, apresenta ambiguidades e contradições, mas abre um importante espaço de ampliação do processo de democratização no seu objetivo de ampliar os espaços de exercício da cidadania na busca de soluções sistemáticas para o problema da pobreza e da exclusão social” (Braga,1998:199-200).

Oliveira também destaca o aspecto de pedagogia política, concebendo as reuniões do CMDS como “ensaios de uma democracia jovem, ainda a ser inventada...” (112): “o espaço-tempo da reunião assume uma importância fundamental no processo de aprendizado político, de construção de compromissos e redes de solidariedade, enfim, no sentido de ‘escola da cidadania’”(Oliveira:105).

Na última reunião de CMDS que assistimos, (Tejuçuoca - junho/98), tivemos exemplos dessa ‘escola’: muitos conselheiros representantes de setores populares falam com desenvolvoltura, refletindo uma experiência de organização prévia, de saber falar e de entender os momentos e os processos da reunião e das negociações com órgãos públicos como o BNB; observamos momentos em que um conselheiro da comunidade retificou uma informação do técnico da Prefeitura, e testemunhamos uma preocupação reiteradamente expressa quanto às informações corretas que os Conselheiros deveriam ter para levar a seus representados: “o pessoal fica perguntando e é ruim a gente não saber responder...”, disse um dos conselheiros, num procedimento que não é absolutamente normal, pois, apesar dos avanços, a maioria dos conselheiros dos CMDS (como de outros Conselhos (*) ) não conhece bem o seu papel e não se comporta como autêntico ‘representante’.

Essa participação tem contribuido para alterar o perfil das prioridades de investimento no estado e nos municípios? Segundo Ferraro, “o CMDS facilita o fluxo de informações sobre as possibilidades de financiamento para projetos comunitários e a discussão sobre as prioridades das comunidades. Esse processo pode promover o entendimento das tarefas das instituições políticas e dar transparência aos processos administrativos”.

Sobre isso, Vicentino exemplifica: “Um exemplo importante é o Projeto S.José, que corta a (*) ver, sobre esse assunto, CORDEIRO, Celeste (coord.) - “Os Conselhos de Saúde no Ceará e os desafios da capacitação”.

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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 intermediação política de recursos públicos pela força da autoridade municipal, do deputado, do vereador. São quase 2.200 obras já feitas em 3.500 localidades, todas como resultado da discussão e deliberação da comunidade, envolvendo recursos da ordem de 70 milhões de reais. A maioria dos projetos é de energia: eles criam uma associação comunitária, formalizam uma rotina muito simples, propõem o que fazer com a energia e por onde ela deve passar, chegam ao projeto final - já com a ajuda técnica do Estado - que vai ser avaliado pelo CMDS. Se aprovado, o cheque é entregue à própria comunidade, para que contrate a construtora, etc. Além de energia, que é o carro-chefe do Programa, porque muita coisa - irrigação, fábricas, etc - só pode ser feita depois que se tiver energia, você tem água, compra de equipamentos para a agricultura, Casa de Farinha, e muitos outros. O que é fundamental é que a hierarquia de prioridades é definida dentro da própria municipalidade; e se não houvesse a obrigatoriedade de aprovação pelo CMDS, essa priorização se daria por outras influências, sem o controle da comunidade. É portanto uma prática de democracia participativa”.

Entretanto, as possibilidades abertas têm que ajustar contas com a realidade, têm que se assentar num chão histórico, econômico e social já constituído. Como diz Raquel Azevedo, mestranda em Sociologia da UFC que desenvolve pesquisas sobre o CMDS de Maranguape para sua Dissertação, “fica cada vez mais claro que o CMDS é um pequeno retrato do município, diria uma foto 3x4 de sua organização, de como se exerce o poder político, de como resolvem ou fingem resolver suas próprias lutas internas”.

Desse modo, em cada município ou região, há os que reconhecem nos Conselhos possibilidades de avanço social e lutam por assegurar mais espaço de participação, vigiando de perto os encaminhamentos de projetos e denunciando desvios sempre que necessário; há os que os condenam de antemão, percebendo-os como ‘jogada’ política; e há ainda os que, à maneira dos políticos de ‘curral’, e às vezes aliados a eles, buscam tirar benefícios próprios, criando associações artificiosas e ludibriando a população.

Merino, ao falar sobre os obstáculos e sobre as promessas da democracia municipal no México, coloca as seguintes questões que se assemelham à realidade cearense: “Todos os municípios têm conflitos internos, que bastariam por si mesmos para complicar qualquer decisão tomada pelo governo local. O que se deve sublinhar é que, sobre esses conflitos, que são seus e que já ocupam a vida municipal, se sobrepõem outros que estão mais além de seus problemas, de suas necessidades e de suas próprias expectativas” (apud Braga,1998:198-199). Os conflitos que vêm de fora das fronteiras municipais advêm da politica regional e dos partidos políticos, numa luta legítima que pode, segundo Merino, resultar como muito proveitosa para a vida local. Contudo, nos alerta o autor, “o entusiasmo que nos produz a democracia não deve ocultar-nos as dificuldades que também acarreta” (apud Braga,1998:198-199).

Para Merino, embora a centralização seja um mal do autoritarismo, não se pode dizer que seja fácil a relação entre descentralização e democracia. É por essa razão que ele se coloca os seguintes questionamentos:

• É avanço conferir demasiadas ou complexas atribuições a prefeituras despreparadas técnica e financeiramente?

• As entidades comunitárias têm igualmente competencia para assumir as atribuições que a descentralização exige?

E afirma que, “diante da euforia de representatividade que tomou conta do estado, a discussão que se apresenta é aquela que diz respeito ao despreparo de grande parte das prefeituras municipais e do movimento popular em assumir com competencia as atribuições da descentralização” (apud Braga,1998:198-199).

É um problema que também preocupa Aécio Oliveira: “o CMDS será, por natureza e constituição, o lugar da negociação. A primeira questão que surge aqui diz respeito à ‘fragilidade histórica’ de parte dos negociadores” (1998:80). E continua: “A desigualdade sócio-econômica entre, de um lado, o corpo funcional de um governo, e, de outro, a população pouco escolarizada e

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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 desempregada de outro, é certamente uma variável a ser pensada” (Oliveira:103).

A falta de experiência democrática, podemos perceber, atinge todos os atores sociais, todos os níveis de liderança. A máquina governamental, que deveria ser a primeira a ser qualificada para a implantação de um sistema como o de Gestão Compartilhada, está aprendendo mesmo é na base do improviso.

Os limites da ‘máquina’ governamental Um ponto negativo muitíssimo importante é que a máquina governamental como um todo ainda

não incorporou a idéia da gestão participativa como sistema. Ela, de modo geral, não mudou sua postura para reconhecer efetivamente os Conselhos como parceiros institucionais. Aferra-se ao corporativismo funcional e resiste à integração institucional e à participação comunitária. Essa é uma das preocupações centrais de Cláudio Ferreira Lima, segundo declarações suas ainda como titular da Seplan: “a absorção das decisões dos Conselhos pelo aparelho do Estado, no sentido de que tais decisões influenciem o trabalho do Governo, e este então possa atender melhor às demandas populares”.

A máquina administrativa é muito grande e a resposta às precárias iniciativas de capacitação já realizadas é muito lenta, especialmente na ponta do sistema, no interior do estado. Este talvez seja um dos pontos responsáveis pela má condução da implantação dos Conselhos Regionais, de acordo com Paulo Brasil, membro da diretoria da Personal, que assessorou os CRDS em seu início. Ele conta que os próprios secretários de Governo “não estavam tão preparados e conscientes, não vou dizer nem das necessidades dos Conselhos, mas do próprio papel dos Conselhos, do que é que significava aquilo, do que era planejamento regional: esse despreparo havia e era generalizado, porque os Conselhos eram apenas uma idéia que estava no papel, e ninguém sabia direito o que era e nem para que servia”.

Flávio Crisóstomo Prata, diretor de Articulação Institucional da Segov até 1998, nos conta que “uma das coisas de que mais os Conselhos municipais têm reclamado é que o Governo chega ao município - através de qualquer técnico ou equipe - e não convida o CMDS para as reuniões que vão acontecer; convida o prefeito, a Câmara, etc, mas não chama o CMDS. E isto apesar da recomendação expressa, em discurso do próprio governador, de que o diálogo com a gestão municipal se estenda para incorporar o CMDS”.

A luta contra o personalismo Uma das maiores dificuldades em implantar maior racionalidade administrativa na esfera pública

é de ordem cultural e política: é o viés personalista e autoritário de nossos governos, fato que constatamos observando práticas de relacionamento Governo versus população em diferentes municípios, mesmo que geridos a partir de aparentemente inconciliáveis matrizes doutrinárias e mesmo que proferindo discursos incompatíveis uns aos outros: governos de partidos proclamados de direita ou de esquerda têm mais em comum do que pensam, no trato com a comunidade organizada - aliados e adversários, ou mesmo do que nós gostaríamos em nossas vãs especulações acadêmicas. Isso diz respeito ao personalismo ainda predominante em vastas áreas de nossa cultura política.

“O Ceará é o estado mais oligárquico do Brasil, conforme afirmou o economista Chico de Oliveira”, lembra o ex-titular da Seplan, Cláudio Ferreira Lima, e completa: “a cultura do medo e da acomodação vem desde a colonização, derivando do extremo controle sobre o povo nas fazendas, ajudado pela tradição dispersiva da pecuária, que só a cultura do algodão, mais tarde, veio quebrar”.

Diversos estudos realizados sobre a região comprovam que medo, acomodação e controle não se tornaram palavras velhas para descrever nosso cotidiano. “Característico para os municípios é a relação da população com o prefeito. O único poder personificado no lugar, quase místico. Enquanto o Governador e o Presidente da República existem somente como abstração” (Teixeira 1997:2 apud Ferraro). “Todos os problemas são tratados diretamente com o prefeito, seja uma ponte destruída, casa inundada, os óculos quebrados, um medicamento necessitado ou outras dificuldades com as quais os

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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 indivíduos ou certos grupos são confrontados no seu cotidiano. Essas relações pessoais e diretas são características das estruturas clientelistas. Com a democratização e a crescente complexidade do sistema político essas dependências enfraqueceram, mesmo assim a troca de favores entre as posições assimétricas se mantém. No cotidiano da burocracia, o cidadão ainda depende da boa vontade dos funcionários e políticos para receber o que é seu de direito”(Pontes Gondim, 1998:15). “Os prefeitos mas também vereadores e deputados estaduais e federais tentam obter possibilidades de financiamentos para a realização de projetos no seu município. A prática era até então - e em grande parte é ainda até hoje,- que os projetos não correspondem às necessidades do município (...). Os projetos realizados são ‘vendidos’ tanto por parte do prefeito como do vereador ou do deputado como sucessos pessoais, o que afirma a sua autoridade e seu poder e garante a sua reeleição. (Braga, 1998, 19G)

Para Aírton Angelim, ex-secretário dos CPS (Conselhos de Participação da Sociedade), o obstáculo maior para o bom funcionamento do sistema é mesmo de ordem cultural: “é a resistência geral, e dentro do próprio governo - como em qualquer governo no Brasil e na América Latina - à realização de gestões participativas; é o obstáculo do patrimonialismo, da dominação tradicional, em que o governante se acha o ‘dono’ da cidade”.

Wilson Vicentino, da Segov, concorda: “o patrimonialismo entre as lideranças, inclusive aquelas que formam o partido, é muito grande. Com respeito a compartilhar o governo, as resistências são enormes e muitos prefeitos estão absolutamente insatisfeitos: acham que o governo é deles, e que as pessoas que ocupam os cargos têm que ser deles, têm que abaixar a cabeça. Eu tenho aqui lutas inconfessáveis com certas pessoas... Às vezes querem tirar alguém que está fazendo um excelente trabalho, só porque a pessoa não é amiga deles e não faz exatamente o que eles querem. Isso é muito constante e não deixou de existir, não”.

“A questão do personalismo, do autoritarismo etc, não é só cultural mas operacional - é assim que funciona! Em todos os escalões. Não adianta o Governo estadual reclamar apenas dos prefeitos. Por exemplo, alguém está participando da definição das grandes diretrizes do plano de desenvolvimento do estado? Os prefeitos estão participando? A Universidade está participando? A sociedade está? Você está?”, provoca Carlile Lavor, ex-presidente da Associação de Municípios do Ceará (Amece).

E continua: “Quem define é o governador, o secretário e um grupo de técnicos e, por melhor que seja o projeto, como é o caso da transposição de bacias, ele só tem sustentabilidade técnica. Agora, quando a bacia já está definida, chama o povo para participar do gerenciamento da água, o que não deixa de ser importante - e, chamando, as pessoas vêm - mas não é da prática do Governo chamar as pessoas para participar na definição dos grandes projetos, como ciência e tecnologia, agricultura, industrialização etc. O próprio GT do Castanhão nasceu da pressão da população contra

Wilson Vicentino vê que “falta uma maior compreensão política do governo para lidar com as questões técnicas, de planejamento, dos grandes projetos, de modo mais participativo”. Ele observa que as áreas estatais que articulam os grandes programas insistem em que há aspectos técnicos que não contemplam discussões retóricas ou episódicas”. E continua, num exemplo que pode ser tomado como uma ‘resposta’ a Carlile Lavor: “um exemplo é o projeto de interligação de bacias, o qual, dada sua natureza técnica extremamente sofisticada, exigiria uma participação muito qualificada. Assim, o estado vai avançando no processo e já vai abrir para o debate quando chega lá na ponta, no nível em que atinge diretamente o cotidiano das pessoas, do usuário da água, por exemplo. É a mesma coisa quanto ao Metrofor: os técnicos vêm mostrando que não há como abrir uma audiência pública séria, em que elementos técnicos razoáveis possam ser oferecidos ao debate...”.

CMDS - Os perigos da manipulação Um dos problemas maiores dos CMDS é efetivamente a possibilidade de controle, mais ou

menos velado, do Prefeito sobre o Conselho, tendo em vista uma série de circunstâncias, como a própria fragilidade das organizações comunitárias, vulneráveis pela carência absoluta de recursos. A

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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 mentalidade patrimonialista e mandonista faz com que os prefeitos vejam nos Conselhos um enorme desafio, quiçá um insulto. As tentativas de manipulá-lo se amiúdam, mas as estratégias de resistência dos conselheiros, em defesa de sua autonomia, também vem se fortalecendo com a prática.

Entre as estratégias de controle, conselheiros entrevistados se referiram a que, muitas vezes, a prefeitura manda um ‘lembrete’ da reunião apenas aos seus aliados, além de tentar fazer do CMDS não um verdadeiro Conselho, mas uma instância de homologação. Do mesmo modo, há administrações que tentam manter os antigos conselheiros que são do seu lado, e adiam a reestruturação do Conselho. Existem ainda queixas dos conselheiros quanto à comunicação por parte dos técnicos da Prefeitura, que nem sempre se preocupam em esclarecer acerca de siglas, detalhes burocráticos, etc.

A cultura paternalista coloca a Prefeitura, e mesmo alguns técnicos cheios de boas-intenções, um pouco como ‘donos’ do Conselho, coordenando as reuniões, e promovendo muito mais uma audiência pública da Prefeitura do que propriamente uma sessão de Conselho. O Conselho não planeja a médio ou longo prazo, mas acredito que, de modo geral, nem a Prefeitura planeja!

Por uma série de fatores que vimos destacando, instala-se uma certa dependência do CMDS em relação à Prefeitura, muitas vezes desde sua instalação ou reestruturação: “o prefeito está cozinhando em fogo brando a reestruturação do Conselho, que já devia ter sido feita, porque prá ele está bom assim mesmo como está”, nos informa a secretária de Ação Social de Tejuçuoca.

Afinal, como diz Germano, morador do município de Maranguape, atribuindo o fato do CMDS ter ficado inativo por um tempo ao “desinteresse do ex-prefeito”: “onde o prefeito não tem o interesse de puxar, a coisa não acontece, primeiro pelo apoio de sala, material, pessoal etc, e segundo, pela própria mobilização comunitária mesmo”.

Outros depoimentos de conselheiros reforçam essa constatação: Para o secretário do CMDS de Caucaia, respondendo a críticas de centralização da prefeitura no

processo, respondeu que “se não houvesse essa participação tão efetiva da prefeitura, não haveria CMDS”.

Outra conselheira (Maranguape), vai mais longe e afirma, a respeito dos Conselhos: “eles [o pessoal da Prefeitura] não deviam fazer isso [cancelar uma reunião - mesmo com um bom motivo - e não avisar os conselheiros], eles sabem que isso aqui [Conselhos] foi criado só para a prefeitura receber os recursos de projetos, só para facilitar eles receberem dinheiro dos governos”.

Mesmo quando criticamos, por exemplo, o fato da maioria dos CMDS, e de outros conselhos municipais, estarem funcionando mais como espaço de audiências públicas da Prefeitura do que como autênticos Conselhos, seria o caso de nos perguntarmos: no ponto do processo de construção democrática em que nos encontramos como sociedade, uma audiência pública da Prefeitura, com prestação de contas e discussão de projetos, não é já uma conquista? Ferraro nota este aspecto positivo: “A relação entre os cidadãos e a administração municipal parece ter mudado em alguns casos. Especialmente os prefeitos, aproveitam-se do novo fórum prestando contas, dando informações sobre ações políticas e eles mesmo se informam sobre os problemas das comunidades locais. Portanto, a relação entre a população e seu prefeito não é mais individual, mas encontrou um ambiente coletivo, o que muda o sistema de maneira significativa” (Ferraro:10-11).

Mesmo levando este aspecto positivo em conta, não podemos minimizar o risco da burocratização do Conselho, se sua atuação fica restrita a avaliar projetos ou a fazer reivindicações e ouvir justificações oficiais. “Falta conhecer e discutir mais o plano de governo da prefeitura, para poder avaliar uma ação, e não apenas ficar no imediato, no varejo... Como representante da Federação, não quero vir aqui somente para aprovar projeto, mas para discutir os problemas do município”, raciocina o conselheiro Otônio Andrade, do CMDS de Tejuçuoca, criticando o imediatismo e a falta de planejamento.

Um aspecto de extrema importância é aquele que diz respeito à natureza das demandas que compõem a pauta de reivindicações que chegam ao Conselho e a sua exeqüibilidade no quadro de prioridades da política municipal e estadual. Foi possível identificar, preliminarmente, que as demandas

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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 distribuem-se entre aquelas de natureza estrutucante e aquelas pontuais - que são majoritárias -, geralmente tendo como parámetro o bairro ou distrito, e não essa unidade contextualizada em um todo, como o município ou o estado. Por outro lado, observa-se uma certa acomodação das reivindicações a determinados programas encabeçados pelo estado. De fato, o papel do CMDS está subestimado em relação à proposição original: ele está funcionando mais como elo de transmissão de reivindicações à Prefeitura do que como espaço de construção de um plano de desenvolvimento sustentável para a municipalidade.

Na última reunião de CMDS que assistimos, (Tejuçuoca - junho/98), houve prestação de contas a respeito de eletrificação (Projeto S.José), abastecimento d´água, dessalinizador, poços profundos em substituição a carros-pipa, recursos do Pronaf (Programa Nacional de Agricultura Familiar), celulares rurais, passagens molhadas e barragens subterrâneas, convênio com o Banco do Brasil (programa “Homem do Campo”), programa BNB/PNUD (Programa da Unesco para o Desenvolvimento), etc.

Sobre essa questão da prestação de contas, é importante frisar o envio ao CMDS, pelo governo do estado, dos extratos de convênios firmados com a Prefeitura ou com associações comunitárias, como pudemos confirmar nos arquivos da Segov e em atas de reunião do CMDS. Essa prática já leva os conselheiros a se adiantarem no pedido de esclarecimentos ou na denúncia de irregularidades.

O CMDS de Paracuru, por exemplo, encaminhou à Segov ofício (10/05/2000) solicitando “documento comprobatório do repasse dos recursos pertinentes aos convênios (...)”, salientando que “em reunião de nossa entidade, o sr. Abner Albuquerque de Oliveira [prefeito] afirmou não ter recebido qualquer importância concernente aos convênios supracitados”; e conclui: “no intuito, apenas, de dirimir dúvidas é que nos valemos deste expediente, salientando que uma resposta até 27 de maio/2000, data de nossa próxima reunião, porá fim às incessantes cobranças dirigidas à nossa Entidade Representativa”. Em outras palavras, o Conselho indaga à Segov se o prefeito está falando a verdade ou não...

Num outro exemplo, observamos o CMDS de Forquilha enviar à Segov (novembro/99) relatório de fiscalização da construção de um colégio, onde foram constatadas irregularidades de ordem técnica. O CMDS solicita um fiscal do Dert “a fim de que o mesmo verifique as irregularidades e notifique a tempo a construtora para que efetue as correções necessárias”.

Em Santana do Acaraú, 140 “delegados” presentes à reunião do ‘Conselhão’ sob a mira de nosso olhar... Aí a prefeitura, de oposição ao governo do Estado, não aceitou transformar o Conselhão em CMDS, ainda que este tenha ficado com os mesmos poderes e responsabilidades - acerca do S. José, por exemplo - de qualquer CMDS. É Raquel Azevedo quem descreve: “as pessoas continuavam solicitando melhoramentos em suas comunidades e se informavam sobre o andamento de projetos como eletrificação etc. (...) Todas as perguntas que envolviam as secretarias, o prefeito as respondia depois de consultar em voz baixa os secretários na Mesa. Era como uma prestação de contas onde o administrador explicava as prioridades e possibilidades. Tive a impressão de que era como um fórum público para apreciação da gestão. Como uma espécie de audiência pública. (...) O secretário de Finanças distribuiu a prestação de contas, leu todos os números, as pessoas bateram palmas”.

Do mesmo modo, em Tejuçuoca, vejo formarem-se dois lados na reunião: um palco e uma platéia, a equipe da Prefeitura na Mesa, e os demais conselheiros como ‘assistência’... A teatralização é inevitável! Há um espaço ‘sagrado’, espaço de poder, dentro do espaço maior do Conselho, e que é ocupado pelo corpo simbólico do Prefeito ou de quem o representa.

Sem dúvida, o prefeito faz as vezes de centro do sistema político: ele dá vida à reunião, dá sentido às reivindicações presentes, dá legitimidade à atividade política, faz os representantes se sentirem importantes, faz o Conselho ter valor, faz com que o tempo gasto valha a pena. Vejamos um depoimento de Raquel Azevedo a partir de suas observações em Maranguape: “no dia 14/01/98, já de prefeito novo, Marcelo Silva, o CMDS é palco de apresentação de projetos e promessas. Já se tinha conhecimento de que o prefeito viria à reunião, mas como ele não chegasse, começaram sem ele alegando exaustão na pauta e pouco tempo. Mas logo ele chegou, e expôs seu plano de governo para as

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VI Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 Nov. 2001 áreas de educação, saúde e limpeza pública. Depois de sua apresentação, foram apresentadas inúmeras reivindicações dos presentes, e ‘sem mais pontos de pauta’, como está em ata, a reunião foi encerrada. E a pauta carregada de antes? E o tempo que era tão pouco?, fiquei me admirando...”

Ressaltam, portanto, entre os desafios colocados à afirmação da dimensão pública campo dos Conselhos, em particular dos CMDS, a mentalidade e a prática patrimonialista-clientelista das elites, o autoritarismo dos Governos, a distância entre as intenções dos planos de governo e o comportamento efetivo dos eleitos, as dificuldades em fortalecer o planejamento como rotina, a pouca autonomia dos Conselhos frente à Prefeitura, a fragilidade do associativismo, o isolamento dos setores populares, etc.

Apesar de todos os problemas, porém, o CMDS constitui, em muitos casos, uma rica oportunidade de encontro e interação de lideranças dos municípios, assim como de maior conhecimento da população sobre recursos, projetos e ações de políticas públicas, sendo por diversas ocasiões palco para prestação de contas da Prefeitura. Constitui também o fórum de deliberação das prioridades e aprovação de projetos para o ‘S. José’.

Merece nota o fato de existirem funcionando bem, apesar de não contarem com nenhum apoio da Prefeitura, 3 CMDS absolutamente independentes: em Antonina do Norte, Itatira e Parambu. Neste último município, inclusive, a secretária-executiva do Conselho é a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Outro ponto interessante é que cada vez um maior número de CMDS deixam de fazer suas reuniões utilizando equipamentos da Prefeitura, e passam a ter outras sedes como sindicatos, Câmaras de vereadores e centros comunitários.

Também não podemos deixar de destacar iniciativas de interação e capacitação regional tomadas de modo autônomo pelos CMDS. No dia 28 de junho deste ano, Sobral sediou o I Fórum de Desenvolvimento Sustentável da Região Norte, reunindo os CMDS dos municípios da região. O Fórum foi organizado da seguinte maneira: começou com uma apresentação sobre os CMDS (retrospectiva histórica, objetivos, competências e áreas de atuação), seguida de exposição sobre “A importância da informação e da comunicação na construção do processo de parceria” (para o que foi convidado um técnico da Secretaria de Governo); finalmente, foi elaborado coletivamente o Plano de Atuação Regional dos CMDS.

Avaliações já feitas sobre a performance dos Conselhos têm destacado pontos semelhantes. Comparemos as conclusões de Christine Masson, no Rapport de Mission Maranguape, de novembro de 1998 àquelas extraídas de reunião promovida pelo BNB para dinamização do fórum de desenvolvimento ligado ao PROGER (programa de geração de emprego e renda) em 30/03/99 no CDL∗ . Ambas as avaliações dizem respeito a Maranguape, mas servem de balisa geral para os demais Conselhos, como teremos oportunidade de ver mais adiante.

Para Masson, apesar: a) da vontade política de realizar uma democracia participativa e b) da existência de instrumentos legais que favorecem a organização da participação, os resultados, na prática, são pouco satisfatórios em virtude, entre outras, das seguintes dificuldades:

1) na estrutura administrativa: • déficit de compreensão do projeto político da participação, inclusive entre o alto escalão do

Executivo (secretários de governo) • muitos funcionários encaram os Conselhos mais como dispositivos políticos para justificar o

recebimento de recursos dos governos federal e estadual; 2) nos próprios Conselhos: • apesar de serem efetivamente escolhidos nos vários segmentos representativos da população,

os conselheiros não reconhecem a importância de seu papel como representantes da comunidade • falta de divulgação do trabalho desenvolvido nos Conselhos • poucos resultados concretos

∗ Participaram dessa reunião: Ematerce, Sine, Sec. estadual de Desenvolvimento Econômico, Conselho Regional de Assistentes Sociais, CMDS de Maranguape, e muitas outras associações e sindicatos do município.

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• a maioria dos Conselhos não participa da elaboração do Plano municipal de Desenvolvimento e, quando participa, com ampla mobilização das associações, não vê o Plano ser realizado

• falta de um plano de trabalho interno e lentidão na elaboração de regulamentos, o que ocasiona pouca eficácia no funcionamento dos Conselhos. As ordens-do-dia (pautas da reunião) variam em função do momento, sem preocupação em manter a continuidade dos trabalhos.

Para os técnicos e conselheiros reunidos com o BNB, mesmo levando em conta a abertura da atual gestão de Maranguape para uma maior participação e do fato de que a existência dos Conselhos facilita a organização comunitária, destacam-se os seguintes problemas:

1. Os Conselhos estão desarticulados. O seu funcionamento é precário e a teoria está muito distante da prática. Falta: liderança com compromisso; capacitação dos conselheiros,conhecimento das potencialidades dos municípios, articulação com órgãos técnicos, maior interesse e disponibilidade dos participantes, cooperação com o poder público, participação nas decisões que lhes competem.

2. Pouca comunicação entre comitês e Governo, entre os próprios comitês, entre comitês e sociedade.

3. Falta interesse do governo; participantes sobrecarregados de funções e reuniões em vários comitês; falta continuidade e efetividade - concretude (alguns comitês só se reúnem para aprovar projetos). Os conselhos não têm autonomia política e estão concentrando sua preocupação em recursos financeiros.

4. Os conselhos são criados com caráter imediatista para atender critérios técnicos. Proposições para melhoria são feitas por Masson, que alerta para a necessidade de ajuda por parte

de técnicos, da Universidade, da classe média: • capacitação dos conselheiros • elaboração de plano de trabalho • capacitação do Governo - formação dos funcionários • formação de líderes populares • fortalecer a comunicação entre o Conselho e a sociedade • fazer do CMDS um verdadeiro espaço de discussão, elaboração e controle das políticas

municipais.

BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Maria Raquel de Carvalho - "Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável

(CMDS): um exercício de participação democrática?"Dissertação de Mestrado, UFC, 2000 ; BOBBIO, Norberto - O Futuro da Democracia: Uma Defesa das Regras do Jogo, Paz e Terra, RJ,

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Ceará (1987-1994), Ed. Unijuí, Ijuí, 1998; KUSTER-FERRARO, Angela – “Participação: uma estratégia para o desenvolvimento sustentável – a

experiência dos Conselhos municipais do estado do Ceará”, 1998 (mimeog.); MASSON, Christine - MEDD/ CUD - Rapport de Mission Maranguape du 3/11/98 - 10/11/98 -

Coopération régions de Dunkerque et Fortaleza; OLIVEIRA, Aécio e outros - “Relatório de Pesquisa”, Fortaleza, 1998; TEIXEIRA, Francisco José - “Descentralização da Gestão das Políticas Públicas na cidade de Icapuí -

1997-2000” - Escola de Formação de Governantes, Fortaleza, 1997; TENDLER, Judith – Bom Governo nos Trópicos: uma visão crítica, Revan/Enap, RJ/Brasília, 1998; Documentos oficiais: •“A Barragem do Castanhão e sua contribuição para o desenvolvimento sustentável do Ceará” – SRH; •“Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável: o que é, como funciona e a quem serve” (Governo do estado do Ceará, 1995); •“O Caminho das Águas: Informações básicas sobre o gerenciamento dos Recursos Hídricos”, SRH-COGERH. RESENHA BIOGRÁFICA Maria Celeste Magalhães Cordeiro é doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará e professora Titular da Universidade Estadual do Ceará, coordenando o Núcleo de Pesquisa e Assessoria em Associativismo e Políticas Públicas. Endereço residencial: Av. Santos Dumont, 1546/401 – Aldeota – Fortaleza/CE - CEP 160.150-160 Fone: 85-2242779 E-mail: [email protected] Fax 227-3693 (UECE)

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