gestão local em saúde

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    Gesto Local em Sade

    Prticas e Reflexes

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    Gesto Local em SadePrticas e Reflexes

    Dacasa EditoraPorto Alegre, 2004

    Aldia Ins de Oliveira

    Ana Ceclia Bastos Stenzel

    Ariane Jacques Arenhart

    Betina Schwingel

    Carlos Alberto Protti

    Carolina Karan Brum

    Claudia Maria Scheffel Corra da Silva

    dson Fernando de Castro

    Fernando VivianFlvia Fraga

    Henrique I. Thom

    Jackeline Amantino de Andrade

    Joice Marques

    Ktia Teresa Cesa

    Kerlen Gnther Carvalho

    Liane Beatriz Righi

    Margareth Capra

    Mara E. Alonso RamrezMarina Keiko Nakayama

    Neusa Rolita Cavedon

    Paulo Mayorga

    Regina Sulzbach

    Roger dos Santos Rosa

    Thas Delgado Brandolt Aramburu

    Traudie Cornelsen

    Maria Ceci MisoczkyRonaldo Bordin

    Organizadores

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    Capa e EditoraoPubblicato Design Editorial

    [email protected] Alegre RS

    Direitos de PublicaoDacasa Editora

    Caixa Postal 5057

    90041-970 - Porto Alegre, [email protected]: (51) 9982.7878

    G393 Gesto local em sade : prticas e reflexesMaria Ceci Misoczky e Ronaldo Bordin (organizadores).Porto Alegre : Dacasa, 2004.236 p. : il

    ISBN 85-86072-58-3

    1.Gesto em sade. 2. Sade pblica. 3. Administrao

    municipal. I Misoczky, Maria Ceci. II. Bordin, Ronaldo

    CDU 352:614

    Elaborado pela Biblioteca da Escola de Administrao - UFRGS

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    SUMRIO

    APRESENTAO

    Gesto da ateno sade em territrios de fronteiras:algumas constataes a partir de casos do estado do Rio Grande do Sul / 9

    Maria Ceci Misoczky, Traudie Cornelsen, Thas Delgado Brandolt Aramburu e

    Claudia Maria Scheffel Corra da Silva

    Participao social no Sistema nico de Sade: uma utopia

    por se concretizar em municpios de pequeno porte do Vale do Taquari / 35Jackeline Amantino de Andrade e Ariane Jacques Arenhart

    Papel das transferncias subnacionais de recursos para oramentos

    locais de sade / 55Roger dos Santos Rosa e Regina Sulzbach

    Organizao e esttica em estabelecimentos de ateno sade:

    o caso da construo coletiva de uma nova ambientao

    em um servio pblico de pronto atendimento / 69Maria Ceci Misoczky e Kerlen Gnther Carvalho

    Satisfao dos usurios dos servios pblicos de sade: limites e perspectivas / 87

    Ana Ceclia Bastos Stenzel, Aldia Ins de Oliveira e Andria Cristina Leal Figueiredo

    A gesto do trabalho mdicos atravs de um ncleo gerencial de sade / 103Fernando Vivian e Ronaldo Bordin

    Contribuies do protocolo das aes bsicas de sade: uma proposta em defesada vida para o processo de gesto do SUS em Caxias do Sul / 119

    Margareth Capra e Ronaldo Bordin

    Representaes sociais dos mdicos, enfermeiros e cirurgies dentistasde equipes de sade da famlia sobre educao em sade / 147

    Betina Schwingel e Neusa Rolita Cavedon

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    A mudana na conduo das prticas de vigilncia em sade nos

    estabelecimentos odontolgicos utilizando como elemento principal a informaoe educao em sade / 171

    Ktia Teresa Cesa e Marina Keiko Nakayama

    Assistncia farmacutica no SUS: quando se efetivar? / 197

    Paulo Mayorca, Flvia Fraga, Carolina Karam Brum e dson Fernando de Castro

    Gesto Loca em Sade: descentralizao e desenvolvimento organizacional em dois

    municpios do estado do Rio grande do Sul / 217

    Carlos Alberto Protti, Joice Marques e Liane Beatriz Righi

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    APRESENTAO

    A mobilizao nacional para realizar cursos de especializao em gesto

    de sistemas e servios de sade1 tem produzido resultados muito expressivos

    em todos os estados brasileiros. Mais que uma centena de cursos e cerca de

    trs mil egressos titulados por dezenas de instituies acadmicas so

    dimenses considerveis desse processo que apontam, com justa razo, para

    sua avaliao positiva e meritria. A articulao entre os gestores do SUS e

    as escolas, ncleos ou departamentos universitrios responsveis pela

    execuo dos cursos constitui um requisito indispensvel para a realizao

    dos mesmos, representando certamente o fator mais decisivo para a

    expressividade dos resultados alcanados, tanto sob o aspecto quantitativo

    quanto qualitativo.

    A presente publicao um exemplo bem ilustrativo da importncia e dascaractersticas desse processo, no caso do Rio Grande do Sul. No apenas

    mais um livro sobre gesto local em sade, pois apresenta relatos de prticas

    inovadoras vol.tadas para o interesse social no campo da sade, na forma de

    monografias orientadas por reflexes comprometidas com o rigor cientfico.

    Expressa, portanto, a desejvel articulao entre a educao e o trabalho ou,

    mais concretamente, entre as prticas nos servios de sade e o ensino na

    universidade.

    Durante a realizao desses cursos oferecidos pelo Programa dePsGraduao da Escola de Administrao da Universidade Federal do Rio

    Grande do Sul, os alunos permaneceram exercendo suas funes de gesto

    em diversas instncias do SUS no estado. A orientao poltica pedaggica

    dos cursos permitiu-Ihes sistematizar conhecimentos e aprender conceitos e

    mtodos val.iosos para sua atuao nos servios de sade. Dessa confluncia

    de fatores resultaram cento e quarenta monografias apresentadas como

    1 Atividade integrante do plano de trabalho do Termo de Cooperao entre o Ministrio da Sade e aOPAS - TC 08.

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    trabalhos da concluso exigidos pelas regras acadmicas para titulao no grau

    de especialista. Um trabalhoso e, por que no reconhecer, doloroso esforo de

    seleo resultou na escolha dos onze textos que compem este livro.

    Os artigos selecionados revelam a diversidade temtica do conjunto dasmonografias apresentadas. E tambm confirmam que o objeto das reflexes

    exercitadas no curso foram os desafios impostos pelas prticas nos servios:

    gesto da ateno sade em territrios de fronteiras; a participao social

    no Sistema nico de Sade em municpios de pequeno porte; as transferncias

    de recursos para oramentos locais de sade; construo de ambientaes

    em estabelecimentos de sade; satisfao dos usurios com os servios

    pblicos de sade; gesto do trabalho mdico; propostas de protocolo das

    aes bsicas de sade; representaes sociais dos profissionais das equipesde sade da famlia sobre educao em sade; mudana das prticas de

    vigilncia em sade nos estabelecimentos odontolgicos; assistncia

    farmacutica no mbito do SUS; descentralizao e desenvolvimento

    organizacional da sade nos municpios.

    A realizao desta publicao, alm de constituir um reconhecimento e

    um estmulo aos autores, visa difundir algo da experincia gacha entre

    gestores e docentes de sade pblica, tanto no Brasil quanto nos pases da

    Amrica Latina, razo pela qual o livro est sendo editado em portugus e

    tambm em espanhol.

    A expectativa dos organizadores dessa publicao , primordialmente,

    contribuir para o debate sobre a proposta em evoluo da Reforma Sanitria

    Brasileira e, ao faz-Io em edies nas duas lnguas, compartilhar esse debate

    com um maior nmero de interlocutores em outros pases da Regio das

    Amricas.

    Braslia, outubro de 2004

    Jos Paranagu de Santana Organizao Pan-Americana da SadeRepresentao do Brasil

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    GESTO DA ATENO SADE EMTERRITRIOS DE FRONTEIRAS:

    ALGUMAS CONSTATAES A PARTIR DE CASOS DOESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

    Maria Ceci Misoczky

    Traudie Cornelsen

    Thas Delgado Brandolt Aramburu

    Claudia Maria Scheffel Corra da Silva

    Essa fronteira que desconstrumos analiticamente ,

    constantemente, reconstruda pelos diferentes atores sociais, de

    modo diverso. A fronteira que, ao ser analisada desagregada e

    parece diluir-se, ao encarnar-se em seres humanos concretos

    reaparece atravs de seus discursos e suas prticas. Porque a

    fronteira ao humana sedimentada no limite, histria de

    agentes sociais que a fizeram e a produzem hoje. Os fronteirios

    fazem a fronteira tanto como a fronteira constitui a eles, seus

    imaginrios, sentimentos e prticas. (Grimson, 2003, p.232)

    INTRODU O

    Sob a perspectiva geopoltica as fronteiras se apresentam, no imaginrio

    social, como um limite. Esse limite pode ser burocrtico-administrativo entre

    municpios, regies, unidades sub-nacionais, ou mesmo, Estados nacionais.

    Fronteiras, porm, so mais que isso. No se pode pensar fronteiras apenas

    sob a tica geopoltica, pois com isso se perde a possibilidade de compreenso

    ampla do processo. Do lado das fronteiras materiais, identificveis nos mapas,

    h tambm as fronteiras simblicas, resultantes de processos de construo

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    social. Fronteiras econmicas, polticas, sociais, culturais, tecnolgicas, do

    conhecimento. Fronteiras que, dentro de um mesmo espao fsico-geogrfico,

    unem ou separam, impedem ou permitem acesso a indivduos, grupos sociais,

    culturas e naes. Fronteira tambm o resultado de relaes de poder, quedeterminam interesses e definem questes a manter ou suprimir (Melo, 1997).

    Observa-se que, nos limites fsicos, os marcos de fronteira podem ser

    representados atravs de um pequeno pilar (como em Santana do Livramento/

    Rivera e em Acegu-Brasil/Acegu-Uruguai), uma rua, aduana, ponte ou

    quartel, por onde passam os fluxos de pessoas (turistas, caminhoneiros,

    moradores de rea, contrabandistas, traficantes, etc.); de mercadorias (lcitas

    ou ilcitas); bem como os fluxos no materiais.

    Onde existem fluxos com ao humana acabam sendo estabelecidasredes. Santos (1996) afirma que uma rede , simultaneamente, uma realidade

    material, definida formalmente e retratando, por exemplo, a infra-estrutura que

    permite transporte de matria, energia ou informao,

    e que se inscreve sobre um territrio onde se caracteriza a

    topologia dos seus pontos de acesso ou pontos terminais, seus

    arcos de transmisso, seus ns de bifurcao ou de comunicao.

    Mas a rede tambm social e poltica, pelas pessoas,

    mensagens, valores que a freqentam. Sem isso, e a despeito

    da materialidade com que se impe aos nossos sentidos, a rede

    , na verdade uma mera abstrao. (Santos, 1996, p.209)

    Para Arroyo (1995) o sistema econmico internacional acentuou duas

    tendncias nos ltimas dcadas: a globalizao e regionalizao da economia;

    e a complementaridade entre ambas transformou o cenrio mundial. Courlet

    (1996), por sua vez, destaca que o processo de globalizao traz consigo

    uma grande plasticidade de estruturas, conferindo uma grande margem de

    ao no territrio. Assim, o fenmeno da globalizao permite apreender o

    processo de recomposio dos espaos em suas mltiplas dimenses,

    espaos estes que participam de emergncia de novas modalidades de ao

    poltica, nas quais a fronteira cumpre um papel importante. Vimos assim, mais

    uma vez, fortalecida a idia de que a fronteira mltipla em suas funes e

    significados, que no se constitui em obstculos e que, graas, a ela, o

    capitalismo evolui, separa, diferencia, regula e se otimiza.Heresche (apud Courlet, 1996) destaca as solidariedades transfronteirias

    ou inter-regionais geradas a partir da necessidade de administrar

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    conjuntamente problemas comuns, visto que, em funo da globalizao, novos

    problemas ou questes surgem ou se amplificam. Nesse momento, transferir

    ou dividir responsabilidades para atores locais dever resultar em um espao

    mais funcional e apto a responder eficazmente aos problemas. Essa percepopode se estender a outros problemas na regio de fronteira como, por exemplo,

    os problemas advindos da necessidade de ateno sade para essa

    populao. Nesse jogo de recomposies a fronteira pode desempenhar um

    importante papel se valorizadas e revitalizadas suas potencialidades.

    Para Melo (1997) as prticas hoje dominantes no mundo so aquelas

    que priorizam o capital em detrimento do homem. Santos (1995) aponta como

    possibilidade de mudana a retomada do dilogo entre os povos e o resgate

    de idia da humanidade, a partir da crtica e anlise concreta da noo deintegrao, substituindo-a pela de unio. Para ento, retomando Melo (1997),

    delimitar os tipos de fronteiras que precisamos e que queremos manter, e

    aquelas que precisamos superar.

    A partir destas referncias iniciais podemos introduzir o texto que segue. No

    prximo item se encontra uma breve reviso terico-conceitual sobre os temas

    da produo do espao em territrios transfronteirios. A seguir so apresentados

    trs estudos de caso. Todos se originam de monografias de concluso do Cursode Especializao de Equipes Gestoras de Sistemas e Servios de Sade,

    financiado pelo Ministrio da Sade do Brasil, com apoio da OPAS, orientadas

    pelo Prof. Aldomar Rckert (Geografia/UFRGS). O que esses estudos tm em

    comum, alm de se referirem gesto da sade em territrios de fronteira, a

    preocupao com a supresso de barreiras fsicas e formais em benefcio da

    valorizao da vida, independente da nacionalidade daqueles que precisam de

    servios e/ou aes de sade. Como pano de fundo comum aos trs casos se

    apresenta uma breve sntese da organizao dos sistemas de cada pas, comfoco no acesso ateno sade; e uma contextualizao sobre como o tema

    da sade tem sido abordado no processo de construo do Mercosul.

    No primeiro estudo, realizado por Tas Delgado Brandolt Aramburu, e

    complementado pelas informaes contidas no Projeto Camioneiros, de

    autoria de Tas em parceria com Rose Maria Tinn, so realizadas reflexes

    sobre o enfrentamento dos desafios da epidemia de AIDS na faixa de fronteira

    dos municpios de Uruguaiana/Brasil, Paso de los Libres/Argentina e BellaUnin/Uruguai. Esta rea tem a particularidade e relevncia, para o tema da

    AIDS, de ser o maior porto seco da Amrica Latina, com um trnsito de

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    aproximadamente 1.000 caminhes por dia e grande interao entre as

    populaes, envolvendo tambm o estabelecimento de atividades legais e

    ilegais (contrabando de mercadorias, trfico de drogas, prostituio,

    criminalidade, etc.). Fatores contribuintes ao incremento da vulnerabilidade infeco pelo HIV.

    O estudo realizado por Traudie Cornelsen aborda a gesto da ateno bsica

    da sade no caso de Acegu/Brasil e Acegu/Uruguai. Em uma fronteira delimitada

    apenas por marcos, com a Avenida Internacional sendo o que divide as duas

    cidades, os usurios de servios de sade procuram ateno em ambos os pases,

    predominando a demanda por cuidados no lado brasileiro. Entre outros aspectos,

    esse estudo mostra a necessidade de se avanar nas negociaes para unificao

    ou complementao de servios em reas de fronteira aberta, como nesse caso,especialmente em decorrncia das desigualdades quanto ao acesso a servios

    existentes entre os pases em questo.

    Cludia Maria Scheffel Corra da Silva aborda uma iniciativa oficial, a

    Semana de Vacinao nas Amricas. Novamente, tendo como pano de fundo

    as diferenas entre os sistemas de sade desses dois pases, o estudo

    evidencia como diferentes prioridades nacionais interferem na concretizao

    dessa ao.

    A produo do espao no contexto das fronteiras do Mercousl

    Conforme Rckert e Misoczky (2002, p. 67) as clssicas divises em

    regies administrativas representam uma simplificao da noo de territrio.

    Elas ignoram que h uma espacialidade contida na existncia humana que

    est muito alm do espao banal (ou concreto) e do gerenciamento do poder

    pelas organizaes governamentais.

    Sabe-se, de longa data, que as cincias humanas e sociais

    tratam do Estado, dos governantes e das polticas pblicas e

    privadas que afetam o cotidiano das populaes e seus

    territrios. Assim, Estado, populao e territrio tm formado

    uma trade basilar clssica presente nas preocupaes dos

    gestores da coisa pblica. Diferentes atores produzem o espao,

    reestruturam o territrio atravs da prtica de poderes/polticas/

    programas estratgicos, gesto territorial, enfim, (...) imprimindoassim novos usos do territrio. Interpretar o poder relacionado

    com o territrio significa relacion-lo capacidade dos atores

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    de gerir, implantar polticas de interesse das coletividades, com

    incidncia estratgica no territrio. (Rckert, 2003, p.1)

    Portanto, o territrio formado e delimitado por atores - pessoas/

    coletividades - interessados nas mais diversas reas e usos dos espaos fsicos.Ou seja, os atores sociais produzem o territrio, partindo da realidade inicial

    dada, que o espao. O territrio torna-se manifestao de poder de cada um

    sobre uma rea precisa, resultando da que o territrio um produto das aes

    da coletividade (Raffestin, 1993). A apropriao de um espao, a territorializao

    com o resultado da ao conduzida por um coletivo, resulta do fato de que o

    Estado e as organizaes da sociedade produzem o territrio, atravs da

    implantao de novos recortes e ligaes. O territrio torna-se, ento,manifestao de poder de cada um sobre uma rea precisa. Sendo assim, as

    fronteiras, como todo e qualquer territrio, resultam de relaes de poder.

    Segundo diversos autores, uma das caractersticas dessa relao a da

    imposio de decises a partir de atores afastados, fsica e culturalmente, do

    contexto das fronteiras. Na maioria das vezes decises e modelos de

    interveno vm prontos do nvel central, ou seja, as regras sobre como uma

    determinada poltica dever ser executada so tomadas longe do gestor que

    ir execut-las. com razo que na fronteira surge a expresso ... a capitalno conhece a fronteira..., com freqncia usada para indicar o desagrado

    diante de discusses e propostas dirigidas s reas fronteirias, mas geradas

    no mbito dos rgos estaduais ou federais sediados fora da fronteira.

    O chamado marco de fronteira , na verdade, um smbolo visvel do

    limite. Visto desta forma, o limite no est ligado presena de gente,

    sendo abstrao generalizada na lei nacional, sujeita s leis

    internacionais, mais distantes, freqentemente, dos desejos easpiraes dos habitantes da fronteira. Sendo assim, o municpio

    no tem autonomia de tomar decises, modificar as regras e, sim,

    ele se torna um mero executor de tarefas muitas vezes complexas

    para a sua estrutura, ou seja, o que resolve os problemas no nvel

    local. (Machado, 1998, p. 42)

    Sob a mesma tica, Lotta (2003) considera que, dada a fraqueza do poder

    municipal e, muitas vezes, sua incapacidade, na medida em que assumeresponsabilidades isoladamente, necessita buscar a cooperao entre municpios,

    o que leva a seu fortalecimento. Pode-se, ento, sugerir que se os municpios

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    de fronteira se unissem e trabalhassem em cooperao e/ou troca, seriam

    fortalecidos e seus servios certamente teriam maior qualidade e

    resolutividade.

    Para aqueles que vivem na fronteira, ela algo que faz parte do seu diaa dia, algo bonito e interessante e, ao mesmo tempo, algo complexo que

    os deixa muitas vezes sem saber como agir. Fronteira, que num momento

    representa um corte e no outro representa uma abertura, ou seja, permite, e

    ao mesmo tempo, impede limita. Segundo Schffer (1994, p. 150), para as

    populaes locais, a questo fronteira torna-se presente no lugar de trabalho,

    na origem de muitos moradores, na procura de servios e de abastecimento,

    um dado do cotidiano e da sua situao de vida.

    No contexto atual a regio fronteiria passa por profundas modificaes,deixando de ser associada idia de limite poltico e geogrfico separando

    duas naes, para representar um territrio de integrao regional.

    Para esse novo momento da economia mundial, de mximo

    avano da expanso capitalista, pe-se em pauta a existncia

    dos espaos nacionais e o papel de suas fronteiras, cada vez

    mais norteadas por centros de deciso que esto distantes. O

    principal alinhamento na questo fronteira diz respeito aodesmoronar do significado das fronteiras rgidas e militarizadas

    e o apelo intensificao da cooperao e da integrao

    transfronteiria. (Schffer, 1995, p.79)

    Neste momento a fronteira muda radicalmente seu papel. No entanto, esse

    dinamismo no emanou da vontade da populao local, mas resultou de

    mudanas no processo econmico em escala mundial. Segundo Martin (1994,

    105) blocos de pases () vm se formando, nos quais os Estados nacionaisabrem mo de algumas prerrogativas tpicas da soberania, em favor da formao

    de mercados mais amplos e da multiplicao das oportunidades de

    investimentos. Schffer (1995, p. 83) situa o Mercosul

    como um procedimento inserido nesse quadro internacional de

    globalizao da economia, exigente de uma rearticulao regional

    e que empurra as economias do continente ideologia neoliberal,

    centrada no livre mercado (tecnolgico, informatizado, terceirizado,produtivo e competit ivo) e permissiva aos invest imentos

    estrangeiros

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    Segundo esta mesma autora (1995, p. 83), no caso meridional no houve

    nenhuma transformao produtiva dinmica que permitisse incorporar ao territrio

    tecnologia, informao e renda. Tal situao aumenta ainda mais os problemas

    j vivenciados pela classe trabalhadora da regio fronteiria. A mo-de-obra aexistente , via de regra, pouco qualificada profissionalmente, contrastando com

    as exigncias do mercado. A produo dar-se- a partir dos grandes centros,

    ficando esta rea como corredor de passagem.

    So raras as atividades novas e, no raro, tm diferente perfil na

    exigncia de trabalhadores. No de estranhar, portanto, que

    alguns dos municpios da fronteira meridional e dos departamentos

    uruguaios do norte, ao receberem novos empreendimentos, pouco

    representem na absoro de trabalhadores, que muitas vezes

    so recrutados e levados de Porto Alegre ou de Montevidu.

    (Schffer, 1995, p.83-84).

    Em conseqncia, a situao de miserabilidade, j vivenciada pela maioria

    da populao residente nos dois lados da fronteira, tender a se agudizar.

    O comrcio, baseado nas diferenas cambiais e no trabalho informal, faz parte da

    cultura regional e de certa forma ameniza a difcil situao econmica das famlias

    daquele territrio. Conforme Schffer (1994, p. 154) as condies de renda,geradas no interior das relaes sociais que orientam a produo e o trabalho,

    explicam o quadro geral de carncias que so impostas maior parte dos

    residentes e as enormes dificuldades que se apresentam para a reverso desse

    quadro no curto prazo.

    Na transformao recente, na reduo e precarizao dos postos

    de trabalho comea a desenhar-se uma acidez de convivncia ()

    que resulta em ver o antes vizinho como um estrangeiro que capturalugares escassos de trabalho, que reduz salrios e que bloqueia as

    esperanas de uma vida melhor. So espezinhados os pees das

    lavouras de arroz que acompanham os arrozeiros do Rio Grande do

    Sul, no avano dessa lavoura em terras uruguaias; so constrangidos

    os trabalhadores das firmas de construo civil que provocam a

    migrao de trabalhadores brasileiros (sem documentos, sem

    sindicatos) para as cidades argentinas. (Schffer, 1995, p.89)

    Esse contexto, certamente coloco novos e profundos desafios para os

    gestores de polticas pblicas em territrios de fronteira.

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    A ORGANIZA O DOS SISTEMAS DE SADE DA

    ARGENTINA, BRASIL E URUGUAI

    Argentina

    A Argentina uma repblica federal, constituda por 23 provncias e umaCapital Federal, e por aproximadamente 1.600 municpios. A Constituio

    Nacional constitui a lei suprema e as suas disposies devem sujeitar-se toda

    a legislao, seja nacional, seja provincial. A sade uma das reas no

    delegadas pelas provncias ao governo central. Assim, pela Constituio, as

    provncias argentinas tm autonomia em matria de sade.

    O sistema de sade tem trs subsetores: pblico, privado e da seguridade

    social. Os dois ltimos fortemente conectados entre si pelo sistema indireto

    de contratao de servios. Tal sistema de sade (Piola e Cavalcante, 2004)

    pode ser definido como abrangente em termos de cobertura, segmentado em

    relao ao nmero de fundos de financiamento e de relaes interinstitucionais,

    e caracterizado por um elevado estgio de separao entre as funes de

    financiamento e proviso de servios.

    O subsetor pblico integrado pelas estruturas administrativas provinciais,

    municipais e nacional - responsveis pela conduo setorial em suas

    respectivas reas de competncias, e pela rede pblica de prestao deservios. Ou seja, as provncias so responsveis pela proteo e assistncia

    sade da populao. Os municpios podem realizar aes de sade de

    forma independente, o que ocorre principalmente, entre os municpios de maior

    poder econmico e peso demogrfico (OPAS, 1998a). Cerca de 43% da

    populao depende de oferta pblica hospitais e centros de sade.

    As obras sociais so as entidades encarregadas da gesto da seguridade

    social. Subdividem-se em Obras Sociais Nacionais e Obras Sociais Provinciais,

    distribudas em quase 300 entidades de distinta magnitude e importncia,

    que do cobertura a uma populao de aproximadamente 18 milhes de

    pessoas (OPAS, 2003a). As obras sociais nacionais atuam, basicamente, como

    agncias gerenciadoras de recursos, uma vez que a prestao de servios

    feita, majoritariamente, por meio de contratos com o setor privado. Cobrem

    uma populao de aproximadamente 12 milhes de pessoas. So financiadas

    com aportes dos trabalhadores e contribuies dos empregadores (Leis 23.660

    e 23.661) sobre a folha de salrio.A Argentina conta com 23 Obras Sociais Provinciais OSPr, bastante

    heterogneas entre si. Foram criadas por leis e decretos dos respectivos governos

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    provinciais para atender aos empregados pblicos e seus familiares, incluindo

    tambm os trabalhadores das municipalidades integrantes da provncia. As OSPr

    no contam com estruturas que promovam redistribuio de fundos, que

    estabeleam pacotes bsicos de servios ou mecanismos homogneos defiscalizao e qualidade da ateno. Cobrem 5,2 milhes de beneficirios que

    correspondem, aproximadamente a 14% da populao (Piola e Cavalcante, 2004).

    O subsetor privado inclui a oferta de profissionais de sade

    independentes e estabelecimentos de sade, tais como hospitais e clnicas

    privadas, etc. A insero das entidades de medicina pr-paga no sistema de

    sade se faz de diferentes formas: como contratantes de seguros mdicos

    individuais privados; como contratantes do gerenciamento de servios para

    a populao vinculada a uma obra social; como entidades fornecedoras deservios complementares ou suplementares aos oferecidos pelas obras

    sociais. A populao total coberta por planos e seguros de sade privados

    era de cerca de 2,7 milhes de pessoas em 2001. Destes, 71,2% estavam

    associados a entidades de medicina pr-paga, 15,5% a afiliados de obras

    sociais de direo, na qualidade de segurados voluntrios, e 13,3% a

    hospitais de comunidade.

    Dados da OPAS (2003a) indicam a existncia de 270 instituies demedicina pr-paga, sendo 80 agrupadas em cmaras (CIMAPA e ADEMP

    Associao Entidades Medicina Privada) e 190 no vinculadas. Destas, 158

    se localizam em Buenos Aires e regio metropolitana e as demais no restante

    do pas. Dez empresas lderes mantm 50% do faturamento e 40% dos

    afiliados. Ainda conforme a OPAS (2003a), com exceo s provncias de

    Chaco e Santa F, no existe uma regulao especfica para as instituies

    de medicina pr-paga. A proteo dos usurios deste subsistema feita pela

    Lei de Defesa do Consumidor, sob o controle da Secretaria de Comrcio.A poltica de medicamentos foi gerada em resposta profunda crise de

    2002, refletida em grande desabastecimento setorial. Para enfrentar a situao

    o Ministrio da Sade tomou duas importantes medidas: iniciou polticas de

    prescrio de medicamentos pelo nome genrico; e desenvolveu o Programa

    Remediar, que distribui 26 medicamentos genricos em 34 apresentaes

    para o tratamento de doenas de maior prevalncia na populao mais carente.

    Existe uma proposta de tratamento antiretroviral para todos os doentes. Porm,periodicamente tem acontecido dificuldades quanto fluidez do acesso aos

    medicamentos atravs das vias oficiais (OPAS, 2003a).

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    Brasil

    O Sistema de Sade vigente no Brasil o Sistema nico de Sade SUS. Os

    princpios e diretrizes do SUS esto garantidos pela Constituio Federal de 1988

    e pela Lei Orgnica da Sade (Lei n 8.080/90). O artigo 196 de nossa ConstituioFederal afirma que a sade um direito de todos e um dever do Estado.

    Esse sistema prev que todo atendimento prestado ao cidado que dele

    necessitar deve ser realizado de forma igualitria, universal, e gratuita. Na

    sua origem, o SUS se caracteriza por ser solidrio, pois toda a populao tem

    acesso universal. O sistema de sade tem entre os seus princpios, alm da

    universalizao da prestao de servio de sade, a descentralizao do

    atendimento, a regionalizao e a hierarquizao dos servios de sade, a

    integralidade das aes e a participao popular atravs de representantes

    da sociedade organizada nos conselhos e conferncias de sade.

    No Brasil todo o cidado tem direito s informaes sobre seu estado de

    sade; a participar, por meio de suas organizaes, dos Conselhos de Sade

    (nos trs nveis de governo); ao acesso a medicamentos e ao tratamento

    necessrio para manter e recuperar sua sade; internao nos hospitais

    pblicos ou que prestam servios para o SUS. Todas as aes e servios

    devem ser prestados sem qualquer cobrana de taxa diretamente do usurio.Tambm est organizado, no pas, um sistema de sade suplementar,

    composto por empresas operadoras de planos e seguros de sade. O acesso

    a esses servios se d por compra direta ou atravs de contratos coletivos

    vinculados a planos empresariais.

    Uruguai

    La Constitucin de la Repblica establece que el Estado legislaren todas las cuestiones relacionadas con la salud e higiene

    pblicas procurando el perfeccionamiento fsico, moral y social

    de todos los habitantes del pas (...) Todos los habitantes tienen

    el deber de cuidar su salud, as como el de asistirse en caso de

    enfermedad. El Estado proporcionar gratuitamente los medios

    de prevencin y asistencia tan solo a los indigentes o carentes de

    recursos suficientes. (OPAS, 1998b, p.564)

    Como se pode perceber, o sistema focaliza a ateno sade gratuita

    apenas para a populao carente de recursos, prevendo acesso e assistncia

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    no remunerada somente para os considerados indigentes. Para receber esse

    benefcio precisam comprovar, junto ao Ministrio de Sade Pblica (MSP),

    seu estado de pobreza, para s ento ter direito ao carne de salud.

    Integram o sistema pblico os hospitais do MSP, da Sade das ForasArmadas, da Sade do Servio Policial, o Banco da Previdncia Social,

    Municpios, Servios Mdicos de Empresas Pblicas e Hospital de Clnicas.

    funo do MSP o controle e regulao do setor, desenvolver programas

    preventivos e administrar seus servios assistenciais (Uruguay, 2002).

    O sistema privado composto pelas Instituies de Assistncia Mdica

    Coletiva (IAMC) organizaes de seguro pr-pago de ateno integral, os

    Sanatrios Privados, Emergncias Mveis, Seguros Parciais e Servios de

    Diagnstico e Tratamento. As Instituies de Assistncia Mdica Coletiva (IAMC),por cobrirem em torno de 55% da populao (Uruguay, 2002).

    Quanto aos medicamentos, a populao possuidora do carne de salud

    tem acesso sem pagamento direto. As vacinas so aplicadas em servios

    pblicos ou privados. O programa de imunizaes se realiza atravs do

    Programa Ampliado de Imunizaes (PAI), sendo que a direo do mesmo

    competncia da Departamento de Vigilncia Epidemiolgica do MSP. As

    vacinas do PAI so aplicadas gratuitamente a toda a populao alvo e tem

    carter obrigatrio (OPAS, 1998b).

    Como se constata, o sistema estratificado em parcelas da populao. A

    primeira, que no pode pagar pela ateno sade, utiliza-se do setor pblico.

    Existe uma parcela intermediria coberta pelas mutualistas. Uma ltima, de

    renda mais alta, paga pelos servios das mutualistas e por outros servios,

    como os de emergncia, o que caracteriza uma complementao da assistncia

    entre diferentes provedores.

    SADE NO MERCOSUL

    Com o surgimento do Mercosul, mesmo sabendo-se que trataria de

    questes econmicas, surge tambm a esperana da organizao da sade

    para os municpios de fronteira dos pases participantes.

    Segundo a Resoluo n 151/96 do Grupo Mercado Comum, o subgrupo

    da sade tem como tarefa geral:

    Harmonizar as legislaes dos Estados membros referentes aosbens, servios, matrias primas e produtos na rea da sade,

    os critrios para a vigilncia epidemiolgica e controle sanitrio

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    com a finalidade de promover e proteger a sade e vida das

    pessoas e el iminar os obstculos do comrcio regional,

    contribuindo dessa maneira ao processo de integrao.

    Ao longo dos ltimos anos foram realizados vrios eventos e reuniesimportantes no Brasil, Uruguai e Argentina para avanar nas questes de sade

    para os municpios de fronteira:

    4 a reunio em Buenos Aires, em 2000, com pauta voltada para vigilncia

    epidemiolgica;

    4 a reunio no Uruguai, em 2001, para harmonizar o esquema

    teraputico para profilaxia de doenas transmissveis;

    4 a reunio no Uruguai, em 2002, com pauta ampla, como a formao

    de grupos de trabalho para a criao de um sistema de informaes

    comum, aes para preveno e erradicao de doenas

    transmissveis, prestao de servios na fronteira, aes de vigilncia

    sanitria, imunizaes e circulao de ambulncias na fronteira;

    4 a reunio em Buenos Aires, em 2002, com pauta de harmonizar a

    vigilncia epidemiolgica de surtos e doenas transmitidas por

    alimentos, incluso nas planilhas de notificao Mercosul de dados

    comuns;4 a reunio ampla em Santana do Livramento, Brasil, em 2003, com a

    participao de tcnicos da Secretaria Estadual de Sade, Secretarias

    Municipais de Sade, Ministrio da Sade, Subgrupo da Sade do

    Mercosul, Comisso Nacional de Secretrios Municipais de Sade,

    representantes dos consulados e embaixadas, Ministrio de Relaes

    Exteriores e outros, para propor e operacionalizar aes conjuntas

    estratgicas para a melhoria da qualidade de vida das populaes

    fronteirias de acordo com os problemas de sade detectados nosmunicpios de fronteira Brasil-Uruguai.

    Por sua vez, o Governo de Estado do Rio Grande do Sul, sensibilizado

    com as questes de sade dos municpios de fronteira, assinou em julho de

    2003 Resoluo n 82/2003 CIB/RS que define um repasse de 70% (setenta

    por cento) do valor correspondente aoper capitaa mais para municpios de

    fronteira, para efetivao da vigilncia epidemiolgica e controle de doenas.

    Em 2003 surge o Ajuste Complementar ao Acordo Bsico de CooperaoTcnica, Cientfica e Tecnolgica entre o Governo da Repblica Federativa

    do Brasil e o Governo da Repblica Oriental do Uruguai para a sade na

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    fronteira, que visa a criao e implementao da Comisso Binacional

    Assessora da Sade na Fronteira Brasil-Uruguai, tendo como objetivos:

    fortalecer os Comits de Fronteira na rea da sade, propor estratgias,

    elaborar, avaliar e acompanhar os Planos de Trabalho, implementar projetosde cooperao, formao de recursos humanos, promoo de intercmbio e

    discusso dos Sistemas de Sade dos pases.

    Em agosto de 2003 o Governo do Estado do Rio Grande do Sul assina a

    portaria n 41/2003, que cria o Grupo de Trabalho da Secretaria da Sade do

    Estado para Assuntos de Fronteira, cujas atribuies so participar da

    elaborao de propostas binacionais, apoiar as Coordenadorias Regionais

    de Sade nas aes de Ateno e Vigilncia em Sade comuns entre os

    pases; realizar levantamento situacional da sade da populao fronteiria.Apesar de todos os esforos realizados para a organizao de aes

    conjuntas na fronteira, existem poucos resultados concretos. Para avanar

    preciso enfrentar as diferenas mais marcantes entre os sistemas de sade

    dos pases. Entre essas se encontram as diferenas no padro de remunerao

    de servios e a necessidade de estabelecer relaes financeiras de

    reciprocidade (Dain, 2004). Enquanto isto no acontece, os gestores e

    trabalhadores de sade de territrios fronteirios esto construindo, no seu

    cotidiano, formas de integrao orientadas por princpios como a solidariedade

    e a valorizao da vida. Algumas dessas situaes sero narradas a seguir.

    Registre-se que elas so contadas por brasileiros, e esto impregnadas dessa

    situao. Ainda que incorporem vozes argentinas e uruguaias, atravs de

    entrevistas e anlise de documentos, continuam sendo narrativas brasileiras.

    O combate disseminao do HIV/Aids na trplice fronteira:

    Uruguaiana/Brasil, Paso de los Libres/Argentina, Bella Unin/UruguaiO municpio de Uruguaiana localiza-se s margens do rio Uruguai, na

    fronteira com a Argentina e a 70 km da fronteira com o Uruguai. A cidade

    lindeira Paso de los Libres, com 130.000 habitantes, localizada 634 km de

    Porto Alegre, 400km de Corrientes, capital da Provncia, e 700km de Buenos

    Aires. Bella Unin est localizada a 70 km, por via rodoviria, de Uruguaiana.

    Devido sua posio geogrfica, Uruguaiana se constitui no maior porto

    seco da Amrica Latina, exercendo importante funo no processo deintegrao do Mercosul. Na Ponte Internacional Getlio Vargas que liga

    Uruguaiana a Paso de los Libres, o trnsito de caminhes nos ltimos dez

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    anos foi de aproximadamente 200.000/ano. No perodo da crise na Argentina

    houve uma reduo para uma mdia diria de 700 caminhes; em 2004 o

    fluxo est em uma mdia de 1.000/dia.

    A situao singular de fronteira, com grande trnsito e interao entre aspopulaes das cidades pares proporciona, na mesma medida, o

    estabelecimento de atividades legais e ilegais. Dentre estas, podemos citar

    contrabando de mercadorias, uso e trfico de drogas, prostituio (inclusive

    infantil), marginalizao, criminalidade, etc. Fatores estes que, aliados,

    contribuem para aumentar a vulnerabilidade e infeco pelo HIV - entendendo

    vulnerabilidade como as diferentes chances que cada pessoa, ou grupo

    especfico, tem de se contaminar ou de se proteger do vrus. Estudos

    comprovam que em vrios pases da frica, e tambm da sia, as populaessituadas em reas de fronteira apresentam maior incidncia de infeco pelo

    HIV do que as reas afastadas das fronteiras.

    A pesquisa A Aids nas fronteiras do Brasil (Brasil, 2003) observa que o

    combate a esta epidemia, especificamente nas regies de fronteira, um

    desafio de difcil abordagem, por incluir uma srie de fatores inter-relacionados

    que definem a velocidade e intensidade com que a epidemia se expande.

    Dentro esses fatores: grupos migrantes podem promover aumento devulnerabilidade, tanto para eles quanto para as comunidades locais;

    caminhoneiros e profissionais do sexo tm presena marcante na fronteira de

    Uruguaiana, ambos com pouco acesso a informaes sobre sexualidade e

    doenas sexualmente transmissveis; os profissionais do sexo so

    especialmente vulnerveis violncia, disseminao do HIV, perda de direitos

    sociais e humanos. H que se mencionar tambm o problema da prostituio

    infantil, conseqncia comum da falta de opes de trabalho, educao,

    estrutura familiar, lazer, etc.A Secretaria Municipal de Sade e Meio Ambiente, de Uruguaiana, atravs

    da Coordenao Municipal DST/Aids, aguardou durante anos a efetivao de

    um acordo internacional entre o Brasil, Argentina e Uruguai que contemplasse

    aes de sade em cooperao entre os pases. No ano de 2004, tendo em

    vista a demora nas negociaes e considerando a impossibilidade de no atender

    aos vizinhos argentinos e uruguaios necessitados de assistncia, iniciou o

    atendimento universal aos demandantes pelos servios de sade,independentemente de sua nacionalidade, proporcionando-lhes o mesmo

    atendimento dispensado aos brasileiros. Entretanto, ainda so poucos os

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    usurios argentinos e uruguaios, uma vez que no feita nenhuma divulgao

    oficial quanto disposio e possibilidade de atendimento.

    A experincia tem como objetivos fomentar polticas internacionais amplas,

    estabelecendo aes conjuntas entre Brasil, Argentina e Uruguai. Alm distoprocura, especificamente com relao epidemia pelo HIV/Aids, garantir

    impacto positivo das aes na epidemia nas reas de fronteira; planejar aes

    especficas destinadas s populaes fronteirias portadoras do vrus ou

    doentes, em especial para as cidades de Paso de los Libres e Bella Unin,

    distantes dos centros de atendimento de seus pases. Os recursos disponveis

    para a realizao do programa so a prpria capacidade instalada j existente

    e utilizada no programa municipal, que mantido com 70% de recursos do

    Plano de Aes e Metas do Governo Federal (PAM) e 30% de recursosoramentrios do municpio. A Coordenadoria Municipal DST/Aids est

    organizada da seguinte forma:

    4 Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) uma educadora, uma

    psicloga, uma bioqumica, uma auxiliar de enfermagem e pessoal

    administrativo;

    4 Servio de Assistncia Especializada em Aids (SAE) uma enfermeira,

    uma psicloga, um pneumologista, um neurologista, duasginecologistas obstetras, duas pediatras, um dermatologista, uma

    odontloga, um infectologista, uma auxiliar de enfermagem e pessoal

    administrativo;

    4 Unidade de Preveno uma psicloga e uma enfermeira.

    No CTA as pessoas que chegam so testadas conforme rotina de servio

    e, se positivas, recebem o resultado confirmatrio em at cinco dias teis. No

    SAE, recebem assistncia de uma equipe multiprofissional, realizam exames

    bioqumicos, contagem de linfcitos CD4 e CD8, carga viral, recebemmedicamentos para infeco oportunista e terapia antiretroviral, participam de

    grupo de auto-ajuda e grupo de arteterapia. Um casal de pacientes comear a

    dar aulas de espanhol para a equipe que trabalha com preveno na Estao

    Aduaneira de Fronteira. Dizem eles ser esta uma forma de agradecer a

    assistncia recebida.

    A Unidade de Preveno desenvolve os seguintes projetos: Fundao de

    Assistncia Scio-Educativa (FASE - antiga Febem) com CTA itinerante; exrcito;Penitenciria Modulada com CTA itinerante; profissionais do sexo, orientao

    sexual para adolescentes, caminhoneiro.

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    Esse ltimo projeto de interesse especial, em funo da intensidade do trnsito

    na regio. O CTA itinerante (nibus equipado com sala de coleta e demais

    dependncias necessrias para a atividade) se desloca para o Porto Seco Rodovirio

    todas as sextas feiras, onde realiza testagem de HIV e sfilis, bem como aespreventivas - orientaes individuais, pr e ps-teste; coletivas em pequenos grupo;

    distribuio de impressos (em portugus e espanhol) e preservativos. Essas

    atividades vem se desenvolvendo desde 2000, em parceria com a Agncia Nacional

    de Vigilncia Sanitria (ANVISA) e com o Posto Aduaneiro de Fronteira/RS. Os

    resultados dos testes so entregues no CTA da Secretaria de Sade, em horrios

    alternativos, adequados para os caminhoneiros. Alm disso, diariamente os

    servidores da ANVISA desenvolvem aes de orientao junto a estes, com relao

    a diversas doenas transmissveis com destaque para as sexualmentetransmissveis, alm de cuidados de higiene, alimentar e pessoal.

    A experincia no municpio de Uruguaiana remete reflexo sobre os

    espaos contnuos de territrios vividos. Municpios de fronteira podem realizar

    intervenes efetivas para o enfrentamento do HIV/Aids mas, para tanto,

    fundamental o apoio e articulao do Ministrio da Sade/ Programa Nacional

    DST/Aids do Brasil, com os Ministrios da Sade dos pases membros do

    Mercosul, para potencializar as aes e a capacidade de captar recursos junto

    aos agentes financiadores internacionais. Algumas possibilidades incluem a

    harmonizao da legislao nos pases limtrofes; consrcios internacionais

    possibilitando o atendimentos dos cidados das diferentes nacionalidades,

    com ressarcimento financeiro entre os pases; contatos diplomticos visando

    possibilitar a construo de laboratrios comuns em regies de fronteira, entre

    tantas outras. Sem alguns passos na direo de uma maior articulao, os

    esforos do programa brasileiro e, em especial, dos municpios de fronteira,

    continuaro tmidos e, por isso, com impacto reduzido.

    A ateno bsica sade em Acegu/Brasil e Acegu/Uruguai

    As cidades gachas localizadas prximo da linha de fronteira sul

    e sudoeste () encontram, face a face, ncleos urbanos que

    representam o contraponto do pas vizinho ao avano territorial

    portugus e, mais tarde, brasileiro. Assim, surgiram alguns pares

    de cidades ou cidades gmeas. Ncleos urbanos que tmcontinuidade na planta urbana do pas vizinho, atravs da fronteira

    seca. (Schffer, 1994, p.152)

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    Acegu1est situada a 60 km da cidade de Melo, no Uruguai, e a 60 km

    da cidade de Bag, no Brasil. A extenso territorial da fronteira de Acegu/

    Brasil com a Repblica Oriental do Uruguay de 65 km. Segundo dados do

    IBGE a populao estimada do municpio brasileiro, em 2003, era de 4.034habitantes, com cerca de 24% (970 pessoas) residindo na rea urbana. O

    municpio uruguaio conta com uma populao de aproximadamente 1.500

    habitantes. Como comum em reas de fronteira, muitos brasileiros (em torno

    de 1.000 pessoas) moram no Uruguai, nas cidades prximas e nos arredores

    de Acegu.

    Acegu se emancipou de Bag em 1996, tendo sido instalado como novo

    municpio somente em 2001. Acegu/Uruguai se tornou villa em 1986. As

    cidades esto separadas somente por uma avenida, formando o que se chamade fronteira seca. A zona urbana de uma se confunde com a de outra. A

    populao transita livremente de um lado para outro, tendo sua moradia, local

    de trabalho, e outras atividades, localizados onde lhes mais conveniente.

    A narrativa que segue foi realizada a partir das vivncias da autora

    Traudie Cornelsen, de entrevistas com os gestores dos dois municpios, com

    profissionais de sade da Unidade Bsica de Sade (UBS) de Acegu/Brasil

    e da Policlnica de Acegu/Uruguai, bem como com 207 usurios 173

    brasileiros e 34 uruguaios. A amostra foi baseada na mdia dos atendimentos

    a usurios brasileiros e uruguaios realizados na UBS em 2003.

    A equipe de sade que atende na UBS composta por um clnico geral,

    um pediatra, um supervisor mdico que tambm atende ginecologia e

    obstetrcia, um cirurgio dentista, uma enfermeira, uma psicloga, uma

    fisioterapeuta, duas auxiliares de enfermagem. Com a implantao do

    Programa de Sade da Famlia (PSF) a equipe conta com mais uma mdica,

    uma auxiliar de consultrio dentrio e seis agentes comunitrios de sade.A UBS atende usurios brasileiros e, em menor nmero, uruguaios

    (Quadro 1). Devido grande demanda de usurios brasileiros, os servios de

    psicologia e fisioterapia s so oferecidos a esses. O documento exigido na

    recepo para o atendimento a carteira de identidade.

    1 O nome Acegu Yace-guab de origem Tupy Guarani e possui vrios significados: Lugar de DescansoEterno, fazendo aluso ao lugar para onde os ndios que povoavam essa regio, levavam seusmortos (cemitrio); Terra Alta e Fria, possivelmente pela altura de suas elevaes; e ainda uma

    denominao mais potica Seios da Lua , por seus cerros altos (Serra de Acegu). Existe tambmuma lenda em torno do nome Acegu : foi um mascote aragano, um mocito castelhano, queperambulando na regio a noite, escutando um grito saindo da goela de um sorro, disse pedindosocorro: hay um bicho que hace gu (existe um bicho que faz gu).

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    Quadro 1 Porcentagem de atendimentos a cidados uruguaios na UBS 2001 a 2003

    Ano/Tipo de atendimento (%) Mdico Odontolgico Enfermagem

    2001 11,5 26,1 6,6

    2002 13,1 12,5 7,7

    2003 11,8 12,1 8,4

    Fonte: Secretaria Municipal de Sade e Assistncia Social de Acegu/Brasil

    A ateno bsica de sade em Acegu/Uruguai realizada pelos setores

    pblico e privado. A Policlnica, pertencente ao Ministrio de Sade Pblica,

    conta com uma clnica geral, um especialista em medicina familiar e comunitria,

    uma ginecologista obstetra. Os usurios precisam, obrigatoriamente, apresentar

    o Carn de Assistncia liberado pelo Ministrio de Sade Pblica e, para tal,

    precisam ter a cdula de identidade uruguaia. Brasileiros s so atendidos setiverem Carn e/ou cdula de identidade estrangeira, ou se a situao for uma

    emergncia. Uma vez por ms, o Centro de Imunizaes envia seus vacinadores

    para Acegu, a fim de cumprir o programa nacional de imunizaes. O servio

    de sade pblica de Acegu/Uruguai no possui estatsticas de atendimentos

    mdicos e de enfermagem, nem de doenas ocorridas com maior freqncia e

    causa de bitos. O setor privado conta com a Policlnica CAMCEL (Cooperativa

    de Assistncia Mdica Cerro Largo), com um especialista em medicina familiare comunitria. Os usurios so filiados em geral e seus familiares que tenham

    convnios para assistncia. Em situaes de emergncia tambm so atendidos

    no filiados, usurios do Ministrio de Sade Pblica e cidados brasileiros.

    Os dois gestores de sade residem em Acegu/Uruguai. Questionados

    sobre o fornecimento de medicao para os usurios, ambos consideram que

    deve ser responsabilidade de cada pas a no ser em casos de urgncia e

    emergncia. Da mesma forma quanto aos exames, deveriam ser disponibilizados

    em cada pas. Na rea da preveno Acegu/Brasil dispe de completo servio

    de imunizaes, sendo as vacinas disponibilizadas para todas as pessoas que

    procuram este servio, seja de rotina ou em campanhas de vacinao. Em

    Acegu/Uruguai as vacinas so disponibilizadas somente para usurios

    uruguaios uma vez por ms, sendo excepcionalmente aplicadas em usurios

    brasileiros durante alguma campanha de vacinao. Quanto s doenas

    transmissveis, DST e Aids, problemas como drogas e gravidez na adolescncia,

    ambos os gestores concordam que deveria haver planejamento de prevenoe combate em conjunto, efetivando programas especficos com a participao

    dos profissionais de sade dos dois pases.

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    Para a gestora da sade de Acegu/Brasil, pode haver atendimento de

    urgncia e emergncia, bem como outros atendimentos, sem discriminao de

    nacionalidade. No entanto, deveria haver reciprocidade, pelo menos nos

    atendimentos de urgncia e emergncia pelo pas vizinho, especialmente noshorrios em que os servios esto fechados no lado brasileiro. Como o gestor de

    Acegu/Uruguai no se defronta com esta realidade, no opinou sobre o assunto.

    Quanto ao trabalho em conjunto com o outro pas e o limite de

    responsabilidade do gestor de sade com a populao dos municpios de fronteira,

    a gestora de sade de Acegu/Brasil posicionou-se da seguinte forma: o trabalho

    em conjunto poderia funcionar em dias alternados no Brasil e Uruguai, quando

    permaneceria uma equipe de sade de planto na UBS ou na Policlnica do

    Ministrio de Sade Pblica para o atendimento de todos os casos de urgncia eemergncia, com encaminhamentos necessrios para o pas de origem. O limite

    de responsabilidade do gestor de sade para com a populao no termina na

    linha limtrofe, uma vez que muitos brasileiros residem no lado uruguaio e o Brasil

    responsvel por atend-los. O gestor de Acegu/Uruguai afirma que o trabalho

    em conjunto seria fcil se a legislao fosse favorvel, permitindo que profissionais

    de sade residentes na faixa de fronteira exercessem a profisso em ambos os

    pases. Porm, para ele, sem esta questo resolvida no possvel trabalharneste sentido. Assim, mesmo que Acegu/Brasil possua uma boa estrutura na

    UBS, que poderia servir para ambos os lados, os profissionais ficam limitados por

    questes legais. Segundo ele, a responsabilidade do gestor municipal para com

    a sade da populao do municpio termina legalmente na localizao dos marcos

    e da linha limtrofe.

    Sabe-se que muitos usurios realizam tratamentos em duplicidade. Como

    no existe comunicao entre os dois servios de sade, os usurios acabam

    onerando os dois sistemas. Para o gestor de sade de Acegu/Uruguai, em seupas existem recursos adequados para a ateno sade, o que acontece a

    duplicidade de atendimentos. Para ele se os usurios uruguaios fossem atendidos

    no Uruguai e os brasileiros no Brasil, os recursos seriam mais otimizados.

    Questionados sobre o significado dos marcos ou linha limtrofe para a

    sade, os profissionais de sade de Acegu/Brasil foram unnimes em dizer

    que eles limitam os pases, diferenciam sistemas de sade. Porm, para a

    promoo de sade no significam nada, no existem limites. Deveria haveruma faixa de fronteira onde a populao pudesse ser atendida, abrindo

    alternativas e com fluxos de informaes entre os profissionais sobre episdios

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    de doenas e outros. Quanto responsabilidade do gestor municipal para com

    a sade da populao, a maioria dos profissionais entrevistados no concorda

    que a mesma termine na linha de fronteira, e colocam as seguintes justificativas:

    pela legislao brasileira qualquer pessoa tem direito sade; deveria haverum esforo conjunto para que a populao de ambos os lados tivesse

    atendimento igual, pois muitos brasileiros moram no Uruguai e muitos uruguaios

    moram no Brasil; atividades de preveno deveriam ser feitas em qualquer

    lugar, principalmente porque no h barreiras fsicas para o trnsito das pessoas;

    deveria haver um convnio binacional para atendimentos de urgncia e

    emergncia, para que a equipe de sade no ficasse limitada no atendimento;

    finalmente, consideram que a legislao no corresponde realidade das regies

    de fronteira. Os poucos profissionais que concordam que a responsabilidadede cada gestor municipal termina na linha limtrofe, consideram que cada pas

    tem compromisso apenas com a sua populao, a no ser em casos de urgncia.

    Quanto ao momento do atendimento aos usurios uruguaios, todos dos

    profissionais brasileiros responderam que no fazem distino de qualquer tipo.

    Perguntados sobre como se sentem durante o atendimento, todos afirmam que

    se sentem muito a vontade, com exceo de um entrevistado que considera

    que a lngua estrangeira (espanhol) causa um pouco de dificuldade para oatendimento.

    Quanto organizao do atendimento de sade na UBS de usurios

    uruguaios sem prejuzo dos muncipes de Acegu/Brasil, os profissionais tiveram

    opinies diversas: deveria ser negociada uma contrapartida financeira por parte

    do pas vizinho Uruguai; o atendimento de uruguaios deveria ser limitado

    urgncia e emergncia; atendimento de usurios brasileiros na Policlnica

    Uruguaia, da mesma forma como acontece na Unidade Bsica de Sade de

    Acegu-Brasil; estipular um dia especfico para atendimento de usuriosuruguaios, proporcionado melhores condies.

    Para oferecer melhor cobertura de atendimento para a populao do

    municpio, como tambm da populao uruguaia, aproveitando a estrutura da

    UBS, os profissionais entrevistados tambm tm a opinies diversas: deveria

    ser resolvida a questo legal para que os profissionais de sade do Uruguai

    pudessem trabalhar no Brasil; poderia haver um trabalho em conjunto inclusive

    com orientaes para melhoria da sade e qualidade de vida; poderia haver umacordo com o pas vizinho para que o mesmo efetuasse um repasse financeiro,

    desta forma seria possvel manter a UBS aberta 24 horas.

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    Os profissionais de sade uruguaios que atuam na sade pblica de Acegu/

    Uruguai consideram que os marcos de fronteira representam limites jurdicos

    impostos pelas autoridades de cada pas. Em termos de sade no deveriam

    existir, porm, legalmente os profissionais de sade so impedidos de exercersua profisso alm do marco. Quando se fala da responsabilidade do gestor de

    sade para com a populao de fronteira, a maioria dos profissionais

    entrevistados opinou que cada pas responsvel pela populao da sua

    jurisdio, ou seja, possui programas e planejamento prprios; apenas um deles

    acredita que a responsabilidade de cada gestor deveria ultrapassar a linha

    limtrofe e contemplar a sade da populao de ambos os lados.

    Poucos brasileiros so atendidos no sistema de sade pblica uruguaio, e

    os profissionais entrevistados foram unnimes em dizer que se sentem bematendendo-os. Pensando na organizao do atendimento aos usurios uruguaios

    e brasileiros, a maioria dos profissionais entrevistados sugeriram que o servio

    deveria funcionar em forma de planto noturno e de finais de semana alternados

    (Brasil e Uruguai). Alguns se posicionaram pela utilizao da estrutura fsica em

    Acegu/Brasil para o atendimento dos usurios brasileiros e uruguaios com

    profissionais de ambos os pases, uma vez tendo respaldo legal. Havendo falta

    de recursos humanos e financeiros para o aumento da cobertura de atendimentoem Acegu/Uruguai, os profissionais de sade entrevistados vem como

    alternativa um trabalho em conjunto com Acegu/Brasil.

    Os usurios foram entrevistados para que expressassem sua satisfao

    com os servios oferecidos na UBS. O atendimento na recepo, o fornecimento

    de fichas para acesso ao mdico, o atendimento de enfermagem e o servio de

    vacinao, foram avaliados como timos ou bons pela maioria absoluta dos

    entrevistados. Apenas o servio de odontologia, quando avaliado por usurios

    que o utilizaram, foi considerado como insatisfatrio ou regular pela mesmaquantidade de pessoas que o consideraram como bom ou timo.

    Como se pode perceber pelo que foi narrado acima, Acegu/Brasil e Acegu/

    Uruguai formam uma fronteira viva, pelo carter de sua ocupao e pelas

    relaes histricas de intercmbio, devido ausncia de obstculos fsicos e

    existncia de ncleos urbanos integrados. J os sistemas e a realidade da

    ateno bsica de sade so completamente diferentes, dificultando a

    organizao e integrao nesta rea. Constatou-se que existe interesse paraunir os esforos dos dois pases no sentido de resolver as questes de sade

    na fronteira. Segundo um dos profissionais de sade entrevistados sade no

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    se faz e nem se assume pela metade. No entanto, muito ainda precisa ser

    feito entre os dois pases, para que a integrao que comea a se viver no

    cotidiano dos servios, especialmente no lado brasileiro, se institucionalize e

    possa se ampliar nos dois lados.

    A semana de vacinao das Amricas na fronteira do estado do Rio

    Grande do Sul/Brasil com o Uruguai

    O Programa Ampliado de Imunizaes (PAI) se localiza no marco da

    Cooperao Tcnica entre Pases desenvolvida pela Organizao Pan-

    Americana de Sade (OPAS). A compra pelo Fundo Rotatrio do PAI,

    estabelecido pela OPAS, reduz o preo de aquisio, e tem contribudo para o

    controle e erradicao de patologias no continente americano. Alm desseespao os pases tm desenvolvido, de forma adicional, a cooperao entre

    eles (OPAS, 1998c).

    O Acuerdo de Sucre, firmado em 2002, na Bolvia (OPAS, 2002) pelos

    Ministros de Sade dos pases da rea andina, estabeleceu o compromisso de

    realizar uma semana nacional de vacinao simultnea em todos os pases

    desta regio. Esta semana visa consolidar a interrupo da transmisso

    autctone do sarampo, ameaada em funo do surgimento de uma epidemiade sarampo na Venezuela, em 2001. As Semanas de Vacinao nas

    Amricas tm como princpios fundamentais diminuir as desigualdades e

    fomentar o pan-americanismo. Visa atingir populaes de difcil acesso,

    protegendo grupos em risco de epidemias e promovendo a cooperao e o

    intercmbio de informaes em reas de fronteira. Essa ao utiliza os princpios

    da Cooperao Tcnica entre pases (OPAS, 2003b).

    Entre as prioridades destas semanas de vacinao esto as reas de

    fronteira. O Brasil acordou junto OPAS, a realizao de uma Jornada deVacinao Sul-Americana, tendo como objeto de ao a intensificao da

    vacinao em reas de fronteira (OPAS, 2004). Sabe-se que as regies

    fronteirias tm caractersticas que as diferenciam. So reas onde os povos

    de pases diferentes se integram de tal forma que acabam formando um territrio

    nico. O risco de introduo de doenas imunoprevenveis devido a diferenas

    nos calendrios vacinais vigentes em cada pas, bem como a existncia de

    peculiaridades na operacionalizao da vigilncia das doenas transmissveis

    pode possibilitar a introduo e disseminao das mesmas, se esta regio no

    for bem monitorada.

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    As Semanas de Vacinao se caracterizam de forma efetiva como aes

    de carter binacional. Elas se fundamentam nos princpios que norteiam a

    OPAS, ou seja, a cooperao entre as naes e a diminuio das

    desigualdades. Alm disso, uma atividade inserida no PAI, cujacaracterstica tem sido o desenvolvimento de aes conjuntas entre os pases

    para atingir uma meta comum. Trata-se de um processo novo, pois no

    presente ano transcorreu a segunda edio da mesma. Os resultados

    alcanados na primeira semana, em 2003, mostram que a cobertura

    alcanada, considerando a meta definida pelos pases foi de 97%. O Brasil

    enfocou esta atividade em 86 municpios de fronteira com 7 pases,

    desenvolvendo com alguns deles uma intensa coordenao interfronteiria.

    Pases como o Uruguai e Chile utilizaram essa estratgia para fazer buscade faltosos do programa regular. Outros pases orientaram suas atividades

    a distritos ou municpios com coberturas crticas para completar esquemas

    de vacinao, ou atividades focadas em unidades territoriais pequenas, com

    populao indgena, de maior pobreza em zonas marginais e rurais, de alta

    migrao e comunidades de fronteira (OPAS, 2003b).

    Comparando-se os dois calendrios vacinais do Brasil e do Uruguai,

    percebe-se que so muito semelhantes. No entanto, a vacina contra a varicelaj aplicada na vacinao de rotina no Uruguai, enquanto que no Brasil

    apenas para alguns grupos de risco. Essa doena ainda endmica em

    nosso pas. Por outro lado, o Brasil possui os Centros Regionais de

    Imunobiolgicos Especiais (CRIEs), onde so oferecidos diversos

    imunobiolgicos destinados parte da populao que apresenta problemas

    especiais de sade. Parte deles so muito caros, o que dificultaria o seu

    uso, se os mesmos no estivessem disponveis gratuitamente. No calendrio

    vigente no Uruguai no oferecida vacina contra a Febre Amarela , quedeve ser aplicada nas reas onde a doena endmica. O prprio Rio Grande

    do Sul s a aplica para os residentes em reas gachas onde foi isolado o

    vrus e em viajantes para reas de risco. Quanto ao Uruguai, conforme

    informao contida em documento da OPAS (1998c), no se registram casos

    dessa doena no pas.

    O Rio Grande do Sul tem vacinado em todos os municpios da regio

    fronteiria do estado durante as duas Semanas Sul-Americanas deVacinao. J o Uruguai optou, neste ano, por focalizar os esforos na regio

    de Montevidu e Canelones, devido a essas reas apresentarem coberturas

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    vacinais em declnio, principalmente nas regies mais pobres. Alm disso,

    contando com o impacto da mdia brasileira, o Ministrio da Sade Pblica

    uruguaio comprometeu-se a manter seus postos de vacinao nos demais

    Departamentos, principalmente nos da regio fronteiria, preparados paraum provvel aumento na demanda. Suas coberturas vacinais so, em

    mdia, altas.

    Conforme avaliao dos representantes da trplice fronteira presentes

    na reunio realizada em abril de 2004, em Foz do Iguau, necessrio

    fortalecer os comits de fronteira. A partir desse encontro ficaram definidas

    reunies locais nas reas fronteirias. Tambm ficou definida a necessidade

    de um plano de mdia a ser elaborado e executado por cada pas parceiro.

    Conforme avaliao do programa estadual de imunizaes do RioGrande do Sul, as principais limitaes existentes se referem ao nmero

    insuficiente de recursos humanos; e como ponto positivo se destaca a

    oportunidade de promover e difundir as informaes relacionadas ao nmero

    de casos de doenas imunoprevenveis e as aes desenvolvidas para o

    seu controle, nas reas de fronteira. Alm disso, se considera importante o

    resgate de suscetveis nas reas trabalhadas durante a realizao dessas

    semanas.

    CONSIDERAES FINA IS

    As narrativas aqui realizadas mostram diferentes situaes. Nos dois

    primeiros casos aparece a produo de um territrio que vivido pela

    desconsiderao e, em muitos momentos, pelos impedimentos legais para

    a ao solidria no campo da ateno sade. De qualquer forma, em todas

    as situaes, fica evidente o quanto h por fazer e avanar no sentido da

    unio de esforos, recursos escassos e aes.As experincias que vm sendo construdas, por imposies do cotidiano

    e pelo respeito a princpios ticos e humanistas, mostram uma outra face da

    vida no espao do Mercosul. Para que prticas como essas se disseminem

    e ampliem, indispensvel que os temas em pauta, nas reunies e grupos

    de trabalho, valorizem as polticas sociais. Como mostra a histria dos nossos

    pases, isso no ocorrer sem que os setores organizados, comprometidos

    com a melhoria das condies de sade e da qualidade de vida daspopulaes em situao de pobreza e de vulnerabilidade, se mobilizem e

    faam ouvir suas histrias e demandas.

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    PARTICIPAO SOCIALNO SISTEMA NICO DE SADE:

    UMA UTOPIA POR SE CONCRETIZAR EM MUNICPIOSDE PEQUENO PORTE DO VALE DO TAQUARI

    Jackeline Amantino-de-Andrade

    Ariane Jacques Arenhart

    INTRODU O

    Nas ltimas dcadas, o processo de democratizao nos pases latino-

    americanos representou a necessidade de se estabelecer uma nova relao

    entre o Estado e a sociedade, marcada fortemente por uma lgica de socializaodo poder a partir do controle cidado da ao pblica. Esse caso brasileiro

    com a Constituio Cidad de 1988, que delineou por meio da descentralizao

    e da participao social as novas direes para a gesto das polticas pblicas,

    sendo a sade uma pioneira no desenvolvimento dessa lgica compartilhada

    de poder com a implantao do Sistema nico de Sade (SUS).

    O presente artigo tem como proposio introduzir uma discusso sobre

    essa experincia de participao social no caso brasileiro da sade, focando

    o controle social exercido pelos conselhos municipais no processo de

    consolidao democrtica do SUS a partir da tica dos gestores. Para tanto,

    foi desenvolvido um estudo em municpios de pequeno porte da regio do

    Vale do Taquari, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, procurando identificar

    nesses locicomo se processa essa lgica de compartilhamento do poder na

    gesto da sade local.

    No desenvolvimento deste estudo se partiu da compreenso de que a

    efetiva participao da sociedade na deliberao e no controle das aesgovernamentais fundamental para fortalecer as bases descentralizadas e

    universais do SUS. Dessa forma, os conselhos municipais devem se constituir

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    em espaos que favoream a emergncia de foras coletivas, influenciando

    na democratizao da gesto municipal da sade a partir de uma atuao

    articulada com as secretarias para estabelecer uma relao de negociao

    mtua na qual so definidas prioridades de ao e de investimento.Esse o pressuposto do controle social que deve ser exercido pelos

    conselhos em todos os municpios brasileiros, dentro de uma perspectiva

    ampliada de cidadania e de uma lgica de gesto descentralizada e

    participativa, conforme explicitado na Constituio Federal de 1988 e na Lei

    Orgnica do SUS. No entanto, esses princpios precisam ainda se tornar uma

    realidade concreta e cotidiana em muitos municpios, expressando um

    verdadeiro contgio da gesto pblica pelo poder social, e no a simples

    adoo de mecanismos participativos para cumprir as formalidades exigidaspela lei. Portanto, salientada a importncia de que os gestores municipais

    reconheam de fato e incluam os conselhos na conduo da poltica municipal

    de sade, sob uma nova postura impregnada pela participao social a fim de

    vencer barreiras culturais que reproduzem o insulamento burocrtico de uma

    mquina governamental viciada em centralizar todas as competncias

    gerenciais para si, e que no possibilita uma legitimao representativa da

    sociedade na definio dos interesses pblicos.Em termos prticos, a consolidao do mecanismo de controle social na

    sade um desafio para os governos municipais e para a sociedade,

    caracterizando-se um aprendizado constante nesses quinze anos de

    implementao do SUS. Muitos exemplos so conhecidos em que os conselhos

    municipais foram criados apenas formalmente a fim de atender a legislao;

    por outro lado, tambm existem experincias onde houve uma verdadeira

    aproximao entre a administrao pblica e a comunidade para decidir sobre

    a melhoria da sade da populao. Dentro dessa perspectiva importanteanalisar como o mecanismo de controle social pode acenar para uma

    expresso da socializao do poder, identificando como os gestores municipais

    se articulam com os conselhos no processo de gesto da sade,

    principalmente, no contexto dos pequenos municpios.

    Ao analisar a experincia dos municpios de pequeno porte da regio do

    Vale do Taquari, a inteno foi compreender at que ponto pode ocorrer, na

    prtica, essa socializao do poder na gesto da sade local. O estudo tevecomo o objetivo identificar as potencialidades e os limites dos conselhos no

    exerccio do controle social na viso dos gestores, analisando se existe uma

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    tendncia de fortalecer a participao social na gesto ou apenas trat-la

    como uma mera exigncia legal para habilitar a administrao municipal

    para o recebimento de recursos de custeio da sade.

    Os resultados indicam que a socializao do poder por meio do controlesocial na gesto da sade ainda uma prtica a ser consolidada nesses

    pequenos municpios, pois os gestores compreendem o processo de participao

    social fundamentalmente sob bases tuteladas e formais que, na maioria das

    vezes, acabam sendo reforadas pela fragilidade da organizao daqueles que

    representam a comunidade. Para introduzir essa discusso este artigo foi

    organizado em cinco partes. Na primeira parte analisado como a participao

    social pode renovar o Estado sob o ethosda democracia. Na segunda parte

    questionado como os conselhos municipais de sade, no exerccio do controlesocial, podem transformar a possibilidade de participao numa prtica cotidiana

    em face da predominncia de uma cultura clientelista e formalista. Na terceira

    parte so apresentados os procedimentos metodologicos da pesquisa realizada

    junto aos gestores da sade dos pequenos municpios do Vale do Taquari. Na

    quarta parte so apresentados os resultados, analisando como a participao

    social compreendida na viso desses gestores. Finalmente, so tecidas as

    consideraes finais, evidenciando que em pequenos municpios, como osestudados, existe uma grande distncia a ser percorrida em direo de uma

    participao social efetiva.

    Participao: o desafio de renovar o Estado por meio do poder social

    As transformaes por que passa o Estado nessa virada de sculo conduzem

    a uma significativa alterao na sua fora e centralidade, de maneira que uma

    nova forma poltica mais ampla, em que ele o articulador, est por emergir

    integrando um conjunto hbrido de elementos estatais e no-estatais (Santos,2001). Essa nova condio poltica ocorre fundamentalmente pela integrao da

    sociedade no processo de governabilidade e na definio de metas coletivas em

    face do interesse pblico, adquirindo a participao social uma forte relevncia

    na conduo das polticas pblicas.

    Como afirma Kliksberg (1989) qualquer idia de Estado eficaz est

    substancialmente relacionada com mudanas na gesto governamental baseadas

    na descentralizao e na participao. O Estado se transforma estruturalmentecom a descentralizao, mas tambm por meio das relaes de poder,

    dinamizadas pela participao social, sendo ela central para o processo de

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    democratizao dentro dos preceitos ticos da universalizao de direitos

    sociais.

    A participao social d sociedade uma condio legitimadora at

    ento somente exercida pelo Estado. Dentro desse contexto, a governabilidade processada por essa relao entre a sociedade e o Estado na deciso da

    ao governamental, garantindo o exerccio de prticas democrticas que

    precisam ser adequadamente consolidadas por meio de mecanismos de

    gesto. Conseqentemente, uma gesto pblica necessria no s deve estar

    baseada na democracia, como tambm precisa ser assumida numa prtica

    cotidiana fundada em modelos abertos de participao e reprodutora de

    princpios democrticos bsicos (Kliksberg, 1989).

    Para Demo (1996) a participao social um modo de vida baseado naconquista de direitos geradores de um compromisso comunitrio, no qual a

    populao e o governo constroem uma situao de negociao mtua para

    constituir uma trama bem urdida e slida de organizaes formando a democracia

    como algo cotidiano e normal. Ela se constitui sob os ideais democrticos

    baseados na igualdade, na pluralidade e na deliberao poltica, impregnados

    pelo sentido solidrio da comunidade em processar um interesse comum.

    Entretanto, o problema est em como contagiar o aparelho administrativo

    do Estado pelo processo de deliberao social. De acordo com Demo (1996)

    preciso compreender a participao dentro de uma perspectiva processual,

    como um infindvel vir-a-ser de conquistas de modo que ela nunca est

    acabada. Trata-se, portanto, de um processo histrico realizado num contexto

    poltico, social, econmico e cultural complexo em que correlaes de foras

    se expressam para lhe dar um significado, caracterizando-se, no entendimento

    de Souza (apud Campos e Maciel, 1997), como uma questo social que no

    se vincula a reproduo da ordem.Como ressalta Kliksberg (2001), a participao social renova a administrao

    do Estado em suas aes pela constante e direta relao entre governo e

    sociedade. Assim, a participao associada mudana, mobilizando e

    dinamizando recursos e situaes numa insero decisria na qual a sociedade

    intervem proximamente ao Estado, na deliberao do bem comum. A centralidade

    da mquina governamental colocada em xeque e a poltica se insere na vida

    cotidiana por meio da multiplicidade de atores em definir as aes pblicas,evidenciando que no possvel separar o mundo do governo e da

    administrao pblica dos processos polticos (Souza, 2003, p. 17).

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    Nesse exerccio democrtico aprende-se a eleger, a deseleger, a

    estabelecer rodzio de poder, a exigir prestao de contas, a desburocratizar,

    a forar os mandantes a servir comunidade, e assim por diante (Demo,

    1996, p. 71); mas tambm, so enfrentadas barreiras diante dos vcios deuma postura clientelista da administrao e da prpria sociedade, ainda uma

    aprendiz desse exerccio participativo. Como destaca Bava (2001, p.11) uma

    cultura poltica privatista e clientelista, e um arcabouo institucional cristalizado

    levam muitas vezes os governantes e a populao a confundir democracia

    com o simples atendimento s necessidades dos mais pobres, e participao

    com eficincia das polticas mantenedoras do status quo.

    Na opinio de Carvalho (1998) existe uma generalizao de discursos

    sobre a participao, sendo eles dispostos em diversas significaes atribudaspelos atores e na criao de diferentes mecanismos que aproximam a

    administrao da sociedade. Grau (1991) identifica quatro mecanismos que

    tm se destacado no processo de integrao participativa das sociedades

    latino-americanas na gesto pblica, incluindo o Brasil (Quadro 1).

    Quadro 1 Mecanismos de participao social

    Mecanismo Definio

    Consultivo No h uma interferncia direta da populao no processo decisrio,ele sustentado fundamentalmente pelos governos que chamam asociedade para uma co-responsabilidade exclusivamente dereferendum.

    Fiscalizador Prope o controle sobre as aes desenvolvidas pelos governos.

    Resolutivo Cria a oportunidade de deliberao e igualdade poltica, com o socialadentrando no processo decisrio.

    Executivo Interveno direta nas aes pblicas, em seu planejamento,execuo e avaliao, consolidando-se uma participao deliberativa.

    O mecanismo consultivopode trazer em si a manipulao, isto , a negao

    da participao efetiva com o objetivo de que os governantes, condutores do

    processo, possam educar as pessoas e mant-las sob controle, lhes informando

    sobre os seus direitos e lhes reservando um papel meramente ratificador de

    decises j tomadas pelos atores governamentais. O mecanismo fiscalizador

    pressupe o controle cidado, mas nada garante que os representantes da

    sociedade tenham seu poder de deciso levado em conta atravs da

    operacionalizao de suas decises. Um exemplo o caso das prestaes decontas que acabam se constituindo em atos meramente formais distantes de um

    controle mais efetivo por parte da sociedade. O mecanismo resolutivoexige

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    uma relao entre iguais, isto , governo e sociedade trabalhando por uma meta

    comum, de forma que os grupos organizados, representantes da sociedade, tm

    fora para participar do processo decisrio e contribuir para uma real distribuio

    do poder na tomada de decises. O mecanismo executivocaracteriza-se pelaco-gesto, na medida em que a sociedade assume uma interveno direta no

    processo de gesto pblica, abrindo espao para uma integrao poltico-

    administrativa na formao das polticas pblicas a partir da socializao do poder.

    Esses mecanismos indicam diferentes caminhos em que o Estado pode

    ganhar uma nova fora por meio da legitimidade social. Alguns deles parecem

    revelar que a participao social se d dentro de um direcionamento voltado

    consolidao de uma cidadania ativa, em que os direitos se legitimam por

    meio de prticas concretas da sociedade. Outros, no entanto, apresentamainda uma forma normativa que no transforma as prticas, mas apenas

    fortalece a reproduo da ao burocrtica do aparato estatal e mantm um

    distanciamento dos governos da dinmica poltica produzida pela sociedade.

    Cabe questionar, ento, at que ponto esses diferentes mecanismos

    capacitam para uma efetiva participao da sociedade na gesto pblica e

    geram mudanas nas formas de coordenar as polticas pblicas, ou so apenas

    reprodutores da ao da burocracia estatal que utiliza da noo de participaosocial num sentido estreito para cumprir determinaes legais. Tal

    questionamento se justifica, principalmente, quando se percebe uma tendncia

    de preservao de uma posio mais burocrtica, que insiste em separar a

    administrao do processo poltico explicitado pela participao social.

    Isso ressaltado por Misoczky (2001), ao analisar o caso do Oramento

    Participativo da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Ela indica que, apesar

    de se evidenciar os avanos nas relaes entre governo e sociedade,

    permanecem tambm limites, pois acaba havendo um reforo das estruturase dos padres rgidos e centralizadores prprios das organizaes burocrticas.

    Por isso, a autora destaca a necessidade de se prestar ateno integrao

    dos mecanismos de participao na gesto pblica, para que eles no acabem

    se tornando num simples apndice da estrutura burocrtica, ficando assim

    com sua ao limitada e determinada pela administrao que quer manter a

    centralidade nas decises e na execuo das aes.

    Um outro exemplo so os conselhos setoriais de polticas, que muitas vezespassam a ser agregados nos organogramas de secretarias e se distanciam do

    seu papel fundamental de capilarizar e transformar a administrao estatal por

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    meio da participao cidad. Nesse sentido, preciso analisar como esses

    mecanismos participativos podem se constituir em verdadeiros produtores de

    princpios democrticos, ou serem simples reprodutores de padres burocrticos;

    de como eles facilitam ou no a conquista de direitos sociais atravs da deliberaocoletiva; de como eles produzem ou no um compromisso mtuo entre governo e

    sociedade a partir de uma co-responsabilidade pela gesto pblica. Enfim, de como

    eles contribuem para uma socializao do poder no mbito local; o locusno qual as

    polticas pblicas so concretizadas de maneira a traduzir os dramas cotidianos

    (individuais e coletivos) na linguagem pblica dos direitos (Telles, 994, p. 45).

    Os conselhos como mecanismo de controle social na gesto da sade:

    para ingls ver ou uma socializao do poder?Desde as dcadas de 70 e 80 do sculo passado, o campo da sade no Brasil

    tem sido marcado pela participao expressa num movimento social de reforma

    reivindicando a ampliao de equipamentos e profissionais para os bairros perifricos

    das grandes cidades brasileiras. Em 1986, a 8 Conferncia Nacional de Sade

    constituiu o momento culminante de formatao poltico-ideolgica do projeto da

    reforma sanitria brasileira, destacando o estmulo participao popular

    institucionalizada em ncleos decisrios a fim de assegurar o controle social sobre

    as aes do Estado.

    Em 1988, a fora do movimento da reforma sanitria refletida no novo texto

    con