gestão do uso dos recursos pesqueiros marinhos no brasil

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IBAMA

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Este trabalho analisa a crise da pesca marítima nacionalsob a ótica do papel do Estado, que é o ator principal no processode gestão do uso dos recursos pesqueiros. Assim, parte-se da baseteórica e conceitual disponível na literatura especializada e dosdados e informações existentes sobre a pesca marítima e sua gestãonos últimos quarenta anos para buscar esclarecer as causas econseqüências da crise específica da pesca marítima no país. Nestaperspectiva, analisam-se as políticas públicas voltadas para a gestãoda pesca marítima brasileira, avalia-se a implementação de algunsdos seus principais instrumentos, como os planos, incentivos esubsídios, a legislação, a regulamentação e a fiscalização, eexaminam-se as conseqüências dessas políticas para o conjunto dosrecursos explorados. Discutem-se, também, os seus resultados paraos segmentos sociais envolvidos – pesca artesanal ou de pequenaescala e industrial. Uma análise específica é apresentada para asardinha-verdadeira, Sardinella brasiliensis, as lagostas, Panulirusargus e Panulirus laevicauda, e o camarão, Farfantepenaeus subtilis,da costa norte, que representam os principais recursos pesqueirosdas regiões Sudeste-Sul, Nordeste e Norte, respectivamente. Concluiseque há fortes indícios de que o Estado brasileiro foi o principalator responsável pela crise, ao fracassar na missão de promover ouso sustentável dos recursos pesqueiros. Partindo-se dasespecificidades da crise da pesca marítima brasileira, o presentetrabalho propõe a adoção de um processo de gestão para asuperação dessa crise e a promoção do uso sustentável dos recursosmarítimos nacionais.

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  • IBAMA

  • Gesto do uso dos recursospesqueiros marinhos no Brasil

    Jos Dias Neto

  • Ministrio do Meio Ambiente

    Izabella Teixeira

    Instituto Brasileiro do Meio Ambiente

    e dos Recursos Naturais Renovveis

    Aberlado Bayma

    Diretoria de Uso Sustentvel da Biodiversidade e Floresta

    Amrico Ribeiro Tunes

    Coordenao-Geral de Autorizao de Uso e

    Gesto da Fauna e Recursos Pesqueiros

    Clemeson Jos Pinheiro da Silva

    Coordenao de Recursos Pesqueiros - IBAMA-DF

    Hiram Lopes Pereira - Substituto

    Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicadasem autorizao expressa do autor e do editor.

    Produo EditoralInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

    Centro Nacional de Informao AmbientalSCEN, Trecho 2, Edifcio-Sede do Ibama

    CEP: 70818-900 - Braslia-DFTelefone: (61) 316-1225 /// 3316-1294

    Fax: (61) 3307-1987http://www.ibama.gov.br

    2 Edio

    Braslia2010

    Impresso no Brasil Printed in Brazil

  • Ministrio do Meio AmbienteInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

    Gesto do uso dos recursospesqueiros marinhos no Brasil

    Jos Dias Neto

  • Produo Editoral

    Centro Nacional de Informao AmbientalJorditnia Souto Santos

    RevisoVitria Rodrigues

    Enrique CalafMaria Jos Teixeira

    Capa/DiagramaoPaulo Luna

    Catalogao na fonte

    Heliondia Carvalho

    D541g Dias Neto, Jos.Gesto do uso dos recursos pesqueiros marinhos

    no Brasil/Jos Dias Neto. Braslia: Ibama, 2010.242 p.: il.; 22 cm.

    Inclui BibliografiaISBN 85-7300-150-X

    1. Recursos pesqueiros. 2. Recursos marinhos.3. Pesca martima. 4. Gesto ambiental. I. Instituto Brasileirodo Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis.

    II. Ttulo.

    CDU (2.ed.) 639.2

  • Aos meus pais, Jos Dias e Gizelda (in memoriam),pela vida e sabedoria com queconseguiram encaminhar-me na vida.

    Jacinta, pelo amor, compreenso,apoio e companheirismo nesta caminhada.

    Ao Bruno, Fernando e Andr, como incentivo.

  • Agradecimentos

    Agradecimento especial Dr. Ione Egler pelo particularprocesso de orientao, traduzido em muito mais do que algumasde suas preciosas horas, mas, principalmente, em um debate francoe construtivo de encontro de saberes, quando da elaborao dadissertao que originou este trabalho.

    Aos professores, funcionrios e colegas do CDS agradeo osensinamentos, a gentileza e a troca de experincias proporcionadas.

    Ao Ibama e seus dirigentes que no me faltaram com oapoio nas distintas fases do mestrado que culminou com adissertao que resultou neste trabalho.

    Ao Prof. Dr. Melquades Pinto Paiva, pelo incentivo e apoio,meu respeitoso agradecimento.

    Um agradecimento carinhoso aos amigos Carlos Jos deSousa Silvio, Enrique Calaf Calaf, Geraldo Cllio Batista dosSantos, Jacinta de Ftima Oliveira Dias, Joaquim Benedito da SilvaFilho, Jos Heriberto Menezes de Lima, Lia Drumond ChagasDornelles, Maria Jos Gualda Oliveira, Sebastio Saldanha Neto,Simo Marrul Filho e Vitria Adail Brito Rodrigues pelasimportantes contribuies.

    minha irm Maria das Dores de Oliveira Filgueira pelacaprichosa reviso final da dissertao que originou este trabalho.

    Finalmente, especial agradecimento ao Prof. Dr. MiguelPretere Jr. e ao Prof. Dr. Joseph Weiss pelas importantes sugestese contribuies.

  • Resumo

    Este trabalho analisa a crise da pesca martima nacionalsob a tica do papel do Estado, que o ator principal no processode gesto do uso dos recursos pesqueiros. Assim, parte-se da baseterica e conceitual disponvel na literatura especializada e dosdados e informaes existentes sobre a pesca martima e sua gestonos ltimos quarenta anos para buscar esclarecer as causas econseqncias da crise especfica da pesca martima no pas. Nestaperspectiva, analisam-se as polticas pblicas voltadas para a gestoda pesca martima brasileira, avalia-se a implementao de algunsdos seus principais instrumentos, como os planos, incentivos esubsdios, a legislao, a regulamentao e a fiscalizao, eexaminam-se as conseqncias dessas polticas para o conjunto dosrecursos explorados. Discutem-se, tambm, os seus resultados paraos segmentos sociais envolvidos pesca artesanal ou de pequenaescala e industrial. Uma anlise especfica apresentada para asardinha-verdadeira, Sardinella brasiliensis, as lagostas, Panulirusargus e Panulirus laevicauda, e o camaro, Farfantepenaeus subtilis,da costa norte, que representam os principais recursos pesqueirosdas regies Sudeste-Sul, Nordeste e Norte, respectivamente. Conclui-se que h fortes indcios de que o Estado brasileiro foi o principalator responsvel pela crise, ao fracassar na misso de promover ouso sustentvel dos recursos pesqueiros. Partindo-se dasespecificidades da crise da pesca martima brasileira, o presente

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    trabalho prope a adoo de um processo de gesto para asuperao dessa crise e a promoo do uso sustentvel dos recursosmartimos nacionais.

  • Abstract

    The present paper analyses the national marine fisherycrisis from the perspective of the role of the State, which plays themajor role in the management process of the use of the fisheryresources. Therefore, the paper starts from the available theoreticaland conceptual basis found in the specialized literature as well asthe existing data and information about the marine fishery and itsmanagement in the last forty years, in an attempt to clear up thecauses and consequences of the specific marine fishery crisis in thecountry. From this perspective, the paper analyzes the public policiesturned to the management, and the implementation of some of itsmain instruments, such as plans, incentives and subsidies,legislation, regulation and enforcement, end examines theconsequences of these policies to the set of the exploited resources.The work also discusses their results to the social segments involved artisan fishing or small scale and industrial. Specific analyses arepresented for Brazilian sardine (Sardinella brasiliensis), lobsters(Panulirus argus e Panulirus laevicauda) and shrimp (Farfantepenaeussubtilis) of the North Coast, which represent the main fishingresources of the Southeast, Northeast and North regions,respectively. The conclusion reached is that there is strong evidencethat the Brazilian State was the main actor responsible for the crisis,as it failed in its mission to promote the sustainable use of fisheriesresources. Starting from the specificities of the Brazilian marinefishery crisis, the present dissertation proposes the adoption of amanagement process aiming to overcome the crisis and to promotethe sustainable use of the national marine resources.

  • Lista de tabelas ................................................................................................

    Lista de figuras ................................................................................................

    Lista de abreviaturas ....................................................................................

    1. Introduo ...................................................................................................

    2. Consideraes iniciais ............................................................................

    2.1 O Conceito ............................................................................................

    2.2 O contexto da pesca martima mundial ..............................

    2.3 A pesca martima no Brasil .........................................................

    2.4 O Objetivo do trabalho ..................................................................

    2.5 Variveis utilizadas ..........................................................................

    3. Caractersticas e conceitos bsicos relacionados gesto do uso dos recursos pesqueiros...................................

    3.1 Os recursos pesqueiros marinhose seus usos .............................................................................................

    Sumrio

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  • Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

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    3.1.1 O ambiente marinho ...........................................................31.2 Efeitos da pesca sobre os recursos

    biolgicos e a socioeconomia da pesca ......................3.1.3 A propriedade e o acesso ao uso dos

    recursos pesqueiros marinhos .......................................

    3.2 O papel do Estado e das polticas de uso ..............................

    3.2.1 Aspectos histricos e evolutivosdo papel do Estado ..............................................................

    3.2.2 O papel das polticas pblicas ........................................3.2.3 As Instituies .........................................................................

    3.3 A Gesto do uso sustentvel dos recursos .............................

    3.3.1 Objetivos .......................................................................................3.3.2 Pontos de referncia ...............................................................3.3.3 Possveis medidas de regulamentao ........................3.3.4 Aspectos institucionais ........................................................3.3.5 As dificuldades enfrentadas ............................................

    3.4 Do papel da pesquisa cientfica ..................................................

    4. A realidade da pesca martima no Brasil .......................................

    4.1 O caso do Estado brasileiro ..........................................................

    4.2 Caractersticas dominantes epotencialidades do mar brasileiro ..............................................

    4.3 Principais caractersticas da pescamartima do Brasil ..............................................................................

    4.4 Aspectos legais .....................................................................................

    4.5 O aparato burocrtico e as polticas pblicas .........................

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    4.5.1 Dos anos de 1960 a 1980 .......................................................4.5.2 Os anos de 1990 ......................................................................4.5.3 Os anos de 2000 e 2001 .......................................................4.5.4 Consideraes finais ............................................................

    4.6 O setor produtivo e suas representaes ..................................

    4.7 O desempenho do setor produtivo aevoluo da produo e o fantasma da crise .........................

    4.8 Situao dos principais recursos e pescarias .....................

    4.8.1 A sardinha ................................................................................4.8.2 A lagosta ....................................................................................4.8.3 O camaro da costa norte ...................................................

    5. Concluso e sugestes .............................................................................

    5.1 Algumas consideraes e concluso sobrea pergunta-hiptese ..........................................................................

    5.2 As possveis alternativas de soluo ............................................

    5.2.1 Um novo olhar para o problema ......................................5.2.2 Proposta de modelo de gesto ............................................5.2.3 Estratgias para implementao ......................................5.2.4 Possveis riscos .......................................................................

    Referncias bibliogrficas ..........................................................................

    Apndice ...........................................................................................................

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  • Tabela 4.1 Estimativa dos potenciais de produo anualde pescado estuarino/marinho do Brasil, porregies costeiras, considerando os recursospelgicos e demersais (Dias-Neto & Mesquita,1988). ....................................................................................

    Tabela 4.2 Produo da pesca extrativa e da aqiculturado mar e de gua doce e total, no perodo de1994 a 1999. .......................................................................

    Tabela 4.3 Produo brasileira total, industrial e artesanalanual de pescado estuarino/marinho erespectiva participao relativa, no perodo de1994 a 1999. ......................................................................

    Lista de Tabelas

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  • Lista de Figuras

    Figura 2.1 Produo mundial da pesca extrativa e daaqicultura, no perodo de 1950 a 1998 (FAO,2000). .......................................................................

    Figura 2.2 Produo marinha e continental dos dozeprincipais produtores, no ano de 1998 (FAO,2000). ....................................................................................

    Figura 2.3 - Produo mundial da pesca extrativa marinhade 1950 a 1999 (FAO, 1985, 1987 e 2000). ..........

    Figura 2.4 Relao entre a produo de 1998 e a mximaj obtida (FAO, 2000). .................................................

    Figura 3.1 Primeira viso global da distribuiogeogrfica da produo vegetal (ofitoplncton) dos oceanos, base das cadeiasalimentares que do lugar s pescariasmarinhas (FAO, 1994, apud Caddy &Griffiths, 1996). ................................................................

    Figura 3.2 Possveis comportamentos de uma pescaria(modificada Arago & Dias-Neto, 1988). ............

    Figura 3.3 A dinmica de uma coorte (Sparre &Venema, 1997). ..............................................................

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  • Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

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    Figura 3.4 Representao grfica dos resultadoshipotticos da anlise de Thompson & Bellbaseada em comprimento, para uma dadapescaria (Sparre & Venema, 1997). ...........................

    Figura 3.5 Curva de captura, por recruta (Y/R), paradiferentes idades de primeira captura (Tc).(Sparre & Venema, 1997). ...........................................

    Figura 3.6 Ilustrao da aplicao dos modelos deSchaefer & Fox para uma pescaria hipottica(Sparre & Venema, 1997). ...........................................

    Figura 3.7 Modelo econmico de uma pescariacomposta de uma s espcie, de um s sistemade pesca e de um s conjunto de pescadores(Troadec, 1984). ...............................................................

    Figura 3.8 Modelo geral de mudana de polticaenfocando coalizes de defesas competentesdentro de subsistemas polticos (Sabatier,1988). ....................................................................................

    Figura 4.1 Correntes martimas da costa brasileira(modificada Matsuura, 1995). .................................

    Figura 4.2 Produo brasileira de pescado continental,martimo e total, no perodo de 1960 a 1999. ..............

    Figura 4.3 Produo anual de sardinha, no perodo de 1964 a 1999..........................................................................

    Figura 4.4 Produo anual de lagostas, no perodo de1965 a 1999. ......................................................................

    Figura 4.5 Produo anual (peso inteiro) de camaro-rosa, no perodo de 1970 a 1999. ...............................

    Figura 5.1 Proposta de organograma funcional do modelode gesto do uso dos recursos pesqueiros noBrasil. ......................................................................................

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  • Lista de Abreviaturas

    Acas gua Central do AtlnticoAEP/DF Associao dos Engenheiros de Pesca do Distrito

    FederalBID Banco Interamericano de DesenvolvimentoBNCC Banco Nacional de Crdito CooperativoCDS Centro de Desenvolvimento SustentvelCepene Centro de Pesquisa e Extenso Pesqueira do NordesteCepenor Centro de Pesquisa e Extenso Pesqueira do Norte do BrasilCIRM Comisso Interministerial para os Recursos do MarCMIO Comisso Mundial Independente sobre os OceanosCMS = MSY Captura Mxima SustentvelCNBB Confederao Nacional dos Bispos do BrasilCNIO Comisso Nacional Independente sobre os OceanosCNP Confederao Nacional dos PescadoresCNUDM Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do MarConep Conselho Nacional de Pesca e AqiculturaCPI Comisso Parlamentar de InquritoCPUE Captura por Unidade de EsforoDepaq Departamento de Pesca e Aqicultura IbamaDircof Diretoria de Controle e FiscalizaoDirec Diretoria de EcossistemasDirped Diretoria de Incentivo Pesquisa e DivulgaoDiren Diretoria de Recursos Naturais RenovveisDPA Departamento de Pesca e Aqicultura Mapa

  • Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

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    FAO Organizao das Naes Unidas para Agricultura eAlimentao

    FAT Fundo de Amparo ao TrabalhadorFemar Fundao de Estudos do MarFiset/Pesca Fundo de Incentivo Setorial PescaGespe Grupo Executivo do Setor PesqueiroGPE Grupo Permanente de EstudoGTT Grupo de Trabalho e TreinamentoIbama Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

    Recursos Naturais RenovveisIBDF Instituto Brasileiro de Desenvolvimento FlorestalICCAT Comisso Internacional para Conservao do Atum

    do AtlnticoIpea Instituto de Pesquisa Econmica AplicadaMapa Ministrio da Agricultura, Pecuria e AbastecimentoMMA Ministrio do Meio AmbienteMonape Movimento Nacional dos PescadoresMRE Mximo Rendimento EconmicoMRS Mximo Rendimento SustentvelOIT Organizao Internacional do TrabalhoONU Organizao das Naes UnidasPDP Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Pesqueiro

    do BrasilPIEBS Plano Integrado de Estudos Biolgicos sobre a

    SardinhaPND Plano Nacional de DesenvolvimentoPNDP Plano Nacional de Desenvolvimento da PescaPRL Ponto de Referncia LimitePRO Ponto de Referncia ObjetivoPropesca Programa de Desenvolvimento Pesqueiro Sudepe/

    BIDPSRM Plano Setorial para os Recursos do MarRevizee Programa de Avaliao do Potencial Sustentvel dos

    Recursos Vivos da Zona Econmica ExclusivaROS Rendimento timo SustentvelSecirm Secretaria da Comisso Interministerial para os

    Recursos do Mar

  • Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

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    Sema Secretaria Especial do Meio AmbienteSeplan Secretaria de PlanejamentoSudepe Superintendncia do Desenvolvimento da PescaSudhevea Superintendncia do Desenvolvimento da BorrachaTED Dispositivo para Escape de TartarugasUN Naes UnidasUnB Universidade de BrasliaVPA Anlise de Populao VirtualZEE Zona Econmica Exclusiva

  • Introduo

    Ns, pescadores, somos livres, fazemos

    nossa colheita nos imensos campos do oceano, e no estamos

    sujeitos nem corvia nem meao.

    Velha cano dos pescadores ingleses.1

    O presente trabalho o resultado de dissertao, do mesmottulo, defendida em agosto de 2002 no Centro de DesenvolvimentoSustentvel CDS, da Universidade de Braslia-UnB, como partedos requisitos necessrios para obteno do grau de mestre emdesenvolvimento sustentvel, rea de concentrao poltica e gestoambiental, opo profissionalizante.

    O trabalho encontra-se estruturado em cinco captulos,sendo o primeiro a presente introduo, e os demais sero a seguir,resumidamente, comentados.

    O segundo captulo contempla as consideraes iniciais,comeando com a apresentao de conceito sobre gesto do usodos recursos pesqueiros, seguindo com uma breve sntese sobre ocontexto da pesca martima mundial e da brasileira, passando,ento, para a apresentao dos objetivos e fechando com as variveisutilizadas para testar ou verificar estes objetivos.

    No terceiro captulo so apresentadas as caractersticas econceitos bsicos relacionados gesto do uso sustentvel dos

    1Diegues, 1983.

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  • Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

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    recursos pesqueiros. Para atingir essa meta foi realizada uma revisobibliogrfica, oportunidade em que se evidenciaram aspectostericos sobre os recursos pesqueiros marinhos, a pesca e seuspossveis efeitos sobre o ambiente e os recursos, o papel do Estadoe das polticas para o uso sustentvel dos recursos pesqueiros, afundamentao conceitual sobre gesto e o papel da pesquisa.

    O quarto captulo dedicado anlise da realidade dapesca martima no Brasil. Abordam-se, inicialmente, algunsaspectos polticos, econmicos e institucionais do Estado brasileironos ltimos quarenta anos. Na seqncia, apresentam-se ascaractersticas mais relevantes do mar que banha a costa brasileirae suas potencialidades. Elabora-se uma sntese que descreve a pescamartima nacional, discutem-se as principais polticas executadasno pas, quando os anos cobertos pela anlise so divididos em trsperodos distintos. Descrevem-se os comportamentos relevantes dosetor produtivo e suas representaes e discutido o desempenhodo setor, com destaque para a evoluo da produo e o fantasmada crise. Estudos de caso para trs dos principais recursos da pescamartima nacional (sardinha, lagosta e camaro da costa norte)so desenvolvidos para examinar a implementao das polticaspblicas. Este , em realidade, o captulo que apresenta os elementosessenciais para o teste da hiptese j mencionada.

    O quinto captulo dedicado s concluses a que se chegoue apresentam-se sugestes para superar a crise da pesca martimaou o fracasso do Estado brasileiro na implementao da gesto,oportunidade em que se pondera pela necessidade de um novoolhar para o problema, formula-se um modelo poltico-institucional,defende-se estratgias de implementao e pondera-se sobrepossveis riscos.

    Isto posto, volta-se velha, sbia e verdadeira cano dospescadores ingleses, citada inicialmente, para argumentar quetalvez no se possa, hoje, cant-la com o mesmo entusiasmo ecerteza de ento. As condies de liberdade dos pescadores e daimensido do mar podem at continuar prximas daquelas dacano, j o resultado da colheita e seus desmembramentos podemser bem distintos.

  • Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

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    No Brasil se canta: minha jangada vai sair pro mar,(...), quando eu voltar do mar, um peixe bom eu vou trazer (DorivalCaymmi). Tambm, certamente, verdadeira quando foi composta.Na atualidade pode ter passado a ser meia verdade. Especialmenteporque ao sair para o mar, os pescadores nem sempre podem ter acerteza de que um peixe bom, no sentido de boa colheita, vo trazer.

    Entende-se como fundamental acrescentar, ainda, queeste trabalho deve ser entendido como mais uma contribuio sobreo tema. No pretende ser, portanto, uma verdade absoluta, masto-somente uma viso do problema, e o que se espera colaborarpara os debates cientfico e poltico-administrativo sobre a gestodo uso dos recursos pesqueiros marinhos do Brasil.

    Acredita-se, por fim, na importncia da pesca martimanacional e na construo de um futuro melhor para a pesca etambm para o Brasil. Assim, o desejo o de que este trabalho sejauma contribuio para tal fim. Almeja-se, ainda, que se possa,brevemente, compor e entoar novas canes to ou mais belas,ldicas e verdadeiras como tantas cantadas no passado.

  • Consideraes Iniciais

    2.1 O Conceito

    No presente trabalho a gesto do uso dos recursospesqueiros entendida como o processo integrado de agrupamentode informaes, anlise, planejamento, consulta, tomada dedecises, alocao de recursos e implementao dasregulamentaes ou normas que governam as atividades pesqueiras,de modo a assegurar a sustentabilidade no uso dos recursos e oalcance de outros objetivos das pescarias (FAO, 1997).

    2.2 O Contexto da Pesca Martima Mundial

    O comportamento da produo mundial de pescadooriunda das atividades extrativa e da aqicultura, para o perodode 1950 a 1998,2 caracteriza-se pelo crescimento continuado at1989, quando atingiu pouco mais de 100 milhes de toneladas,seguido de uma reduo na produo por dois anos e um perodode recuperao que atingiu o pice em 1997, quando registrou-seuma produo de 122 milhes de toneladas. Em 1998 a produodecresceu para 117 milhes de toneladas (Figura 2.1).

    2 Utilizou-se como base, FAO, 2000.

    2

  • Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

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    A estimativa da produo total para 1999 apontou umarecuperao, devendo ter ficado em cerca de 125 milhes detoneladas.

    O incremento de 20 milhes de toneladas, no final dadcada de 1990, em relao dcada anterior se deve,principalmente, aqicultura, j que a produo da pesca extrativase manteve relativamente estvel.

    Entre os pases com maior participao na produomundial, no ano de 1998, em ordem decrescente, destacam-se:China (participao de 32%), Japo, ndia, Estados Unidos,Federao Russa e Indonsia.

    Considerando-se somente a pesca extrativa, para o anode 1998, os 12 principais produtores so: China, Japo, EstadosUnidos, Federao da Rssia, Peru, Indonsia, Chile, ndia,Tailndia, Noruega, Repblica da Coria e Filipinas (Figura 2.2).

    Nota: As quantidades da aqicultura anteriores a 1984 so estimativas.

    Figura 2.1 Produo mundial da pesca extrativa e da aqicultura, noperodo de 1950 a 1998 (FAO, 2000).

  • Consideraes Iniciais

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    Nota: Para efeito estatstico, os dados da China no incluem os de Taiwan.

    Quanto ao Brasil, considerando a situao apresentadaem FAO (1995a), em relao produo total mundial de pescado,o pas ocupava o 24 lugar.

    A produo da pesca martima mundial vemcorrespondendo a mais de 90% da produo total da pesca extrativa(incluindo a continental) e apresentou um comportamento similarquele descrito na Figura 2.1. A sua produo recorde aconteceuem 1997, com cerca de 86,1 milhes de toneladas. No ano de 1998ocorreu uma importante diminuio, ficando em 78,3 milhes detoneladas (Figura 2.3).

    A estimativa preliminar para 1999 era de recuperao ecorrespondendo a 84,1 milhes de toneladas, no voltando,portanto, a atingir aquela produo recorde. Este comportamento

    Figura 2.2 Produo marinha e continental dos doze principais produtores,

    no ano de 1998 (FAO, 2000).

  • Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

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    da srie histrica analisada parece mostrar uma tendncia deestagnao da produo oriunda dessa atividade.

    A maior parte do decrscimo dos desembarques mundiaisda pesca martima, em 1998, pode ser atribuda s quedas deproduo registradas no Pacfico Sul Oriental, onde foram maisgraves os efeitos do fenmeno El Nio em 1997-1998. Nesta zona,a produo pesqueira de captura baixou de 17,1 milhes detoneladas, em 1996, para 14,4 milhes de toneladas, em 1997. Em1998 registrou-se um decrscimo ainda mais relevante, de 8 milhesde toneladas. Este decrscimo deveu-se, fundamentalmente, queda registrada na produo da anchoveta do Peru, queapresentou as maiores produes individuais do mundo 8,9milhes de toneladas, em 1996 e do jurel chileno, cuja produose equipara com a do coln do Alasca (FAO, 2000).

    Os dados disponveis para 1998, sobre o volume relativode produo das 16 regies estatsticas da FAO3 indicam que quatro

    Figura 2.3 - Produo mundial da pesca extrativa marinha de 1950 a 1999(FAO, 1985, 1987 e 2000).

    3 O Oceano Antrtico foi considerado como uma nica regio.

  • Consideraes Iniciais

    33

    delas (o Oceano ndico Oriental e o Oceano Pacfico Noroeste, SulOcidental e Centro Oriental) j alcanaram seus mximos nveishistricos de produo. Todas as demais regies ocenicas registramnveis de produo inferiores (Figura. 2.4).

    Esse comportamento deve-se, em parte, s oscilaesnaturais na produtividade, provocado pelo fenmeno El Nio.

    Figura 2.4 Relao entre a produo de 1998 e a mxima j obtida

    (FAO, 2000).

    Nota: ACE=Atlntico Centro Oriental (34); ACO=Atlntico Centro

    Ocidental (31); ANE=Atlntico Nordeste (27); ANT=Antrtico total (48,58, 88);

    ANO=Atlntico Noroeste (21); ASE=Atlntico Sul Oriental (47); ASO=Atlntico Sul

    Ocidental (41 rea que contempla a costa brasileira); IE=Oceano ndico Oriental

    (57); IO=Oceano ndico Ocidental (51); MMN=Mediterrneo e Mar Negro (37);

    PCE=Pacfico Centro Oriental (77); PCO=Pacfico Centro Ocidental (71); PNE=Pacfico

    Nordeste (67); PNO=Pacfico Noroeste (61); PSE=Pacfico Sul Oriental (87), e

    PSO=Pacfico Sul Ocidental.

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    34

    J os valores mais baixos podem indicar que uma grande proporodos recursos est submetida sobrepesca4 (FAO, 2000).

    Os dados da Figura 2.4 demonstram que a relao entre aproduo de 1998 e a mxima obtida na Zona do Atlntico SulOcidental e inferior a um (0,86), segundo interpretao da FAO(2000) pode ser uma decorrncia de sobrepesca.

    No final do ano de 1999 foram identificadas 590 populaesmarinhas exploradas em todo o mundo, e para 75% desse total,havia alguma informao sobre a situao de suas explotaes.Uma sntese dos resultados dessas informaes mostrou que: 4%encontravam-se inexplotadas; 21% moderadamente explotadas;47% plenamente explotadas, 18% sobrepescadas; 9% esgotadas e1% em recuperao (FAO, 2000).

    Esse quadro, quando comparado com aquele apresentadopor FAO (1995a), demonstra que a situao se agravou, poisnaquela oportunidade os recursos que se encontravamplenamente explotados ou sobrepescados ou esgotados ou serecuperando de sobrepesca correspondiam a 69%, contra os 75%informados para 1999.

    relevante acrescentar, ainda, que apesar dosignificativo nmero de espcies identificadas nos desembarques,grande parte da produo obtida da captura de um reduzidonmero delas. Do total de 186 espcies pelgicas5 capturadas entre1950 e 1994, 50% da mdia dos desembarques foram representadospor sete espcies: anchoveta, arenque do atlntico, sardinha

    4 Sobrepesca definida, segundo Caddy & Griffiths (1996), como sendo a condio emque as capturas de uma ou todas as classes de idade em uma populao so toelevadas que reduz a biomassa, o potencial de desova e as capturas no futuro, a nveisinferiores aos de segurana. A sobrepesca pode ser de crescimento, quando ocorredecrscimo no nmero de recrutas pelo excesso de captura dos indivduos jovens, nolhes dando chance de crescer; de recrutamento, quando se constata decrscimo noestoque reprodutor, pelo excesso de captura dos reprodutores, no lhes dandooportunidade de contribuir para a reposio do estoque (Fonteles-Filho, 1989); ouecossistmica, quando a composio e dominncia das espcies so significativamentemodificadas pela pesca (http://www.fao.org/fi/glossary, capturada em 26/08/02).Sinnimos: sobreexplorao, sobreexplotao, sobreuso.

    5 Espcies pelgicas so aquelas que vivem na superfcie de gua (ou prximas dela) ouna lmina superior da coluna de gua.

  • Consideraes Iniciais

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    japonesa, sardinha chilena, estornino, capeln e jurel chileno. Quantos espcies demersais,6 as duas principais foram o coln do Alascae o bacalhau do Atlntico (FAO, 1997).

    Entre as vrias causas apontadas como responsveispela crise anteriormente mencionada, cita-se o excesso de esforode pesca, o desenvolvimento tecnolgico e os subsdios. Dados daliteratura demonstram que a capacidade excessiva de pesca acausa mais visvel e ameaadora da viabilidade da explotao dosrecursos pesqueiros. Mace (1997) constatou que entre 1970 e 1992o nmero de embarcaes com convs passou de 580.980 para1.178.160, enquanto o nmero de barcos de pequeno porte, semconvs, passou de 1,5 milho para 2,3 milhes.

    O crescimento quantitativo, que contribuiu para oexcesso de capacidade de pesca, tambm foi fortementeinfluenciado pelo avano tecnolgico. Um estudo que tomou porbase o ano de 1980 estimou coeficientes de impactos tecnolgicosde 0,54 para 1965; 1,0 para 1980, e 2,0 para 1995, o que permiteconcluir que o poder de pesca advindo do desenvolvimentotecnolgico dos apetrechos e tcnicas de pesca, equipamentos denavegao por satlite e localizao de cardumes e demaisequipamentos auxiliares captura, quase que quadruplicou entre1965 e 1995 (Fitzpatrick, 1995, apud Mace, op. cit.).

    Estima-se, ainda, que a frota pesqueira mundial custaanualmente aos seus pases mais de 50 bilhes de dlares emsubsdios diretos e indiretos (FAO, 1995a). Subsdios esses quecontribuem para a manuteno do excesso de capacidade de pesca,sendo, portanto, responsveis diretos pelos problemas desobrepesca, degradao ambiental e decadncia social.

    A comunidade internacional reconhece agora que oexcesso de capacidade de pesca e de investimentos afetanegativamente os esforos de conservao e ordenamento da pescae ameaam a sustentabilidade no longo prazo das pescarias,impedindo por sua vez uma contribuio maior da pesca para asegurana alimentar (FAO, 1995a).

    6 Espcies demersais so aquelas que habitam o fundo do mar ou prximo dele.

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    2.3 A Pesca Martima no Brasil

    Dias-Neto & Dornelles (1996) evidenciaram que a pescanacional est colocada entre as quatro maiores fontes defornecimento de protena animal para o consumo humano. Aproduo oriunda do mar contribuiu, no perodo de 1975 a 1994,com um mnimo de 67,7% e um mximo de 85,2% da produototal de pescado do Brasil.

    Por sua vez, as ltimas estimativas apontam que o setorcontribui para a gerao de 800 mil empregos diretos e compostopor um parque industrial que integra mais de 300 empresas. Essesdois indicadores associados infra-estrutura de apoio pequenaproduo, comercializao e distribuio do pescado formamum conjunto de indicadores socioeconmicos da pesca martimanacional que no to expressivo quando comparado com o mesmoconjunto de indicadores da economia nacional no seu todo (Dias-Neto & Dornelles, op. cit.).

    O mesmo no se pode dizer quando se considera essaatividade como geradora de emprego e de alimentos para umexpressivo contingente de brasileiros que vive no litoral e reasribeirinhas. Na realidade, a pesca nacional uma das poucasatividades que absorve mo-de-obra de pouca ou nenhumaqualificao, quer seja de origem rural ou urbana. Em alguns casos, a nica oportunidade de emprego para certos grupos deindivduos e para a populao excluda.

    Esses fatos indiscutveis, associados queles demaisindicadores, transformam a pesca nacional em um dos pilaresfundamentais da socioeconomia brasileira.

    A pesca martima nacional tambm enfrenta umasignificativa crise. Os aspectos mais visveis da crise da pescamartima brasileira podem ser observados na situao de sobrepescaem que se encontra a grande maioria dos recursos que suportamas mais importantes capturas. Podem ser observados igualmentena permanente situao de falncia do setor privado, nasfundamentadas reclamaes dos pescadores quanto ao

  • Consideraes Iniciais

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    7 Estado: conjunto organizado das instituies polticas, jurdicas, policiais, econmicas,administrativas etc. (e a populao), sob um governo autnomo e ocupando um territrioprprio e independente (Japiass & Marcondes, 1999).

    desaparecimento dos cardumes, e na ausncia de confiana entreos interlocutores do Estado7 da iniciativa privada.

    Quanto crtica situao dos estoques,8 estudosafirmam que se na crise da pesca mundial cerca de 75% dosprincipais recursos encontram-se plenamente explotados ou sobexcesso de explotao ou at esgotados ou se recuperando detal nvel de utilizao, no caso da pesca brasileira os principaisrecursos nessas condies ficam acima dos 80% (Dias-Neto &Dornelles, op. cit.).

    Analisando as pescarias industriais estuarinas/marinhasdo Brasil, Paiva (1997), conclui serem comuns as evidncias dedeclnio (sobrepesca) e mesmo o colapso da explotao pesqueira,principalmente decorrentes do aumento descontrolado dos esforosde pesca a que esto sujeitas.

    Esse quadro de sobrepesca pode ser considerado como umadas principais causas da aludida situao de falncia do setorpesqueiro nacional, pois os baixos rendimentos tornameconomicamente inviveis as pescarias. J o desaparecimento doscardumes , certamente, uma conseqncia direta desse sobreuso.

    A ausncia de confiana entre os interlocutores do Estadoe da iniciativa privada , seguramente, uma das caractersticas maiscomplexas da pesca nacional que, construda ao longo de dcadas,parece j fazer parte de sua cultura e, assim, demandar tempo,dilogo e trabalho coerente e continuado para ser superada.

    O comprometimento dos principais recursos pode ser frutode polticas inadequadas, associadas ao imediatismo de parcelasignificativa do setor produtivo, o insuficiente e inadequadoenvolvimento dos segmentos sociais diretamente envolvidos e daaparente incapacidade do Estado em promover a reverso desse

    8 Apesar da dificuldade de se encontrar consenso entre bilogos pesqueiros quanto a umnico conceito sobre estoque, para efeito deste trabalho adotaremos aquele formulado porSparre & Venema (1977), ou seja, "Entende-se por estoque um subconjunto de umaespcie que possui os mesmos parmetros de crescimento e mortalidade, e que habitauma rea geogrfica particular".

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    quadro. Esses aspectos podem ser apontados como as causas dopermanente estado de falncia de parte significativa do setor eda ausncia de confiana entre os representantes do setor pblicoe o privado.

    As ltimas anlises (FAO, 2000; Dias-Neto & Dornellesop. cit.; Paiva, op. cit., entre outros) s tornam mais complicado oquadro anterior, j que a situao dos recursos pesqueiros martimosque suportam as principais capturas, tanto da pesca martimamundial quanto da brasileira, s se agravou nestes ltimos anos.

    Dias-Neto & Dornelles (op. cit.) afirmam, ainda, que maisgrave, com certeza, a crise econmica da atividade pesqueiranacional, com tendncia a piorar no curto e mdio prazos.

    Acrescentam, tambm, que os resultados obtidos comas medidas de regulamentao adotadas conseguiram, nomximo, adiar o agravamento da sobrepesca ou o colapso dealgumas pescarias, sem contudo ter revertido sua situao apatamares satisfatrios.

    Marrul-Filho (2001), por sua vez, pondera que assim estconfigurada a tenso fundamental que hoje domina a explotaodos recursos pesqueiros: recursos limitados a serem explotados poruma dinmica capitalista que tende a expandir-se ao infinito, (...).

    O quadro anteriormente traado caracteriza a crise porque passa a pesca martima nacional, a qual pode decorrer deum fenmeno bem mais amplo, que Sosa (1996), adverte queno deve ser minimizada, pois a humanidade vive, hoje, (...)uma crise de um modo de civilizao e de progresso. Posiocom a qual concordamos.

    Outros tantos aspectos poderiam, ainda, ser enumerados.Alguns comuns, outros especficos da crise da pesca mundial ouda pesca do Brasil. Todos para deixar claro que a crise existe e,como tal, um consenso entre as distintas partes direta ouindiretamente envolvidas. Essas partes, entretanto, quandoconcordam com o diagnstico, na maioria das vezes no concordamquanto s causas e muito menos com os caminhos de superaoque se apresentam, o que tem levado a importantes entraves quandoda busca de alternativas para a superao da crise.

  • Consideraes Iniciais

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    2.4 O Objetivo do Trabalho

    Entre as vrias perguntas que se poderia formular sobreas possveis causas da crise da pesca martima nacional, algumasso mais importantes. Entre elas:

    O Estado brasileiro fracassou na misso de promover agesto do uso sustentvel dos seus recursos pesqueirosmarinhos?

    Ser verdadeira a afirmao de Diegues (1983),transformada em pergunta por Marrul-Filho, (op. cit.)de que a pesca contm em si o germe de sua prpriadestruio?

    A crise resultado do excesso de esforo de pesca?9 A viso de curto prazo e a ganncia dos usurios so as

    responsveis pela crise?

    Discutir essas questes, buscando entender qual averdadeira causa da crise enfrentada pela pesca martima brasileira, o principal objetivo do presente trabalho.

    Para nortear as discusses e buscar elementos quepossibilitem atingir o objetivo, elegeu-se a primeira das perguntasanteriormente formuladas como a hiptese central do presente estudo.

    A eleio da primeira pergunta como hiptese centraldecorreu do fato de que, segundo a legislao nacional em vigor,os recursos pesqueiros so um bem da Unio e, por conseqncia,a pesca uma concesso do Estado. Essa assertiva leva aoentendimento de que o Estado, em ltima instncia, o responsvelpelo sucesso ou fracasso na promoo da gesto sustentvel douso dos recursos pesqueiros, quando em guas sob sua jurisdio.

    Se as anlises conduzirem confirmao da hiptesecentral, as demais perguntas ou hipteses secundrias seriam comouma conseqncia daquela. No caso de ser negada, as outraspoderiam passar a ter um papel mais relevante ou serem objeto deavaliaes especficas.

    9 O esforo de pesca uma unidade de medida que traduz a capacidade de pesca (nmerode barcos, pescadores, anzis, metros de redes etc.) por unidade de tempo (normalmenteanual).

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    2.5 Variveis Utilizadas

    Para teste ou verificao da hiptese central foramselecionadas algumas variveis quantitativas e outras qualitativas(Ferrari, 1982), a seguir relacionadas:

    Comportamento da produo nacional dos recursospesqueiros marinhos, nos ltimos 40 anos;

    Porcentagem dos principais recursos marinhosconsiderados na literatura especializada comoplenamente explotados, sobrepescados, esgotados ouse recuperando do esgotamento;

    Resultados obtidos com a gesto de trs dos principaisrecursos pesqueiros marinhos;

    Comportamento dominante do Estado brasileiro noprocesso de gesto, tomada de deciso, uso dosinstrumentos de polticas e uso de informaescientficas;

    O desempenho do setor, com nfase para as condiessociais e econmicas dos segmentos envolvidos com apesca marinha.

    No prximo captulo sero abordados os conhecimentosou mtodos, processos e tcnicas que so necessrios para umaabordagem preventiva ou tratamento a posteriori das questesrelacionadas com a gesto do uso sustentvel dos recursos pesqueiros.

  • Caractersticas e conceitos bsicosrelacionados gesto do uso dosrecursos pesqueiros

    A adequada gesto do uso sustentvel dos recursospesqueiros requer dos tomadores de deciso o suporte deconhecimentos bsicos, como as caractersticas e conceitosfundamentais sobre o assunto, o meio ambiente onde ocorrem e oprocesso de gesto em si.

    Os requerimentos anteriormente mencionados enecessrios promoo do desenvolvimento sustentvel10 de umapescaria sero discutidos nos seguintes itens: os recursos pesqueirosmarinhos e seus usos, o papel do Estado e das polticas pblicas, agesto do uso dos recursos pesqueiros e a pesquisa cientfica.

    3.1 Os Recursos Pesqueiros Marinhos e Seus Usos

    Os recursos pesqueiros marinhos apresentamcaractersticas prprias, em face do que no se torna adequado asimples transposio das tcnicas ou mesmo conceitos agrcolas,assentados sobre as realidades que predominam nos territrioscontinentais (CMIO, 1998).

    Trs so os principais aspectos que diferenciam os recursospesqueiros. O primeiro refere-se ao fato de se encontrarem no meio

    10 Neste trabalho o desenvolvimento sustentvel entendido como sendo aquele definidopela Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1991), ou seja: "(...) aquele que atende s necessidades do presente sem comprometer a possibilidade dasgeraes futuras atenderem a suas prprias necessidades".

    3

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    marinho. O segundo o regime de propriedade e de acesso ao usodesse tipo de recurso. E o terceiro diz respeito aos efeitos da pescasobre os mesmos e os possveis resultados obtidos.

    3.1.1 O ambiente marinho

    Segundo o Relatrio da Comisso Mundial Independentesobre os Oceanos CMIO (1999):

    Os oceanos tm sido tradicionalmente considerados como fonte segura

    de riqueza, oportunidade e abundncia. A vastido do espao ocenico,

    que tanto alimentou nossa inspirao e curiosidade, arrastou consigo a

    sugesto de que existiria pouco ou nenhum limite ao seu uso e abuso.

    Nosso crescente conhecimento dos oceanos mudou profundamente essa

    percepo. Conduziu a um reconhecimento cada vez maior no s da

    importncia dos oceanos para o progresso social e econmico como tambm

    de sua vulnerabilidade. Sabemos hoje que a abundncia d lugar

    escassez em alguns casos a um ritmo alarmante e a conflitos originados

    pela utilizao desregrada dos mares.

    Os mares, numa viso global, constituem um continuum,isto , no se pode, a rigor, falar em fronteiras nos oceanos (CMIO,1998). Esta mxima , no geral, aplicvel s suas distintas zonas,ambientes e recursos. Mesmo assim, indiscutvel a existncia devariados ecossistemas e estoques de recursos pesqueiros, por reaetc. Entretanto, suas fronteiras no dependem do arbtrio dohomem, mas to-somente de suas caractersticas intrnsecas.

    A CMIO (op. cit.) destaca que:

    Os oceanos cobrem aproximadamente 71% da superfcieda terra;

    O ambiente marinho abriga 43 filos11 distintos, enquantoo terrestre possui, ao todo, 28 filos;

    11 A categoria de classificao mais vasta a seguir de reino.

  • Caractersticas e Conceitos Bsicos Relacionados Gesto do Uso dos Recursos Pesqueiros

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    A base da cadeia alimentar marinha uma comunidadede organismos microscpicos chamada plncton. Salvopoucas excees, as comunidades marinhas dependemda produo de fitoplncton e zooplncton como fontede energia;

    A distribuio e a abundncia de comunidades defitoplncton dependem de um conjunto de variveis,como a luz, a temperatura e o nvel de nutrientesexistentes na gua. Em termos gerais, a produo deplncton menor nas regies tropicais, em grandemedida, por fora da escassez de nutrientes e daselevadas temperaturas que maximizam a circulaodesses componentes, em vez de ficarem incorporadosaos organismos;

    As reas mais produtivas de todos os oceanos tendem asituar-se em guas costeiras e regies de ressurgncia,dado que os nveis de nutrientes so, em geral, maiselevados e, assim, com maior concentrao defitoplncton.

    Silva (1970) informa que de toda a rea dos oceanos apenas10% produtiva. Dessa rea produtiva, 9,9% corresponde splataformas continentais e 0,1% s zonas de ressurgncias, tambmcontguas costa. Os 90% restantes so quase absolutamentedesrticos. Conclui que as reas costeiras so 5 vezes maisprodutivas que o oceano no seu todo e que as reas de ressurgnciaso, em mdia, 50 vezes mais produtivas, podendo alcanarprodutividade 75 vezes maiores que a do oceano.

    Segundo Caddy & Griffiths (1996), a maior parte daproduo pesqueira se d dentro das 200 milhas prximas da terra,o que torna os recursos pesqueiros muito suscetveis dos efeitos dasatividades humanas (Figura 3.1).

    Confirmando as constataes anteriores, dos 98,3 milhesde toneladas de pescado extrados do mar, em 1990, cerca de 95%foram obtidas nas zonas econmicas exclusivas dos distintoscontinentes (Caddy & Griffths, op. cit.).

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    Assim, as zonas costeiras, desde as bacias hidrogrficasat o limite da plataforma, formam um ambiente densamentepovoado, muito dinmico e de grande complexidade. Tal ambiente afetado tanto pelos processos naturais quanto pelastransformaes causadas pela interveno humana. A gesto dessaszonas exige uma profunda compreenso dos fenmenos fsicos,qumicos e biolgicos que lhes influenciam a morfologia, a eroso ea evoluo dos ecossistemas (CMIO, op. cit.).

    A Figura 3.1 tambm evidencia que a produtividadeprimria do Hemisfrio Norte superior a do Hemisfrio Sul, o queexplica o fato de o Atlntico Norte ser bem mais produtivo, emtermos de pesca, que o Atlntico Sul.

    Lana (1996) acrescenta que o oceano tropical correspondea 50% da rea total de guas ocenicas globais e 30% da rea totaldas plataformas continentais. Apesar disso, responsvel porapenas 16% da produo pesqueira global. Estes nmerosconstituem um verdadeiro paradoxo, j que os processosmetablicos, refletindo-se no crescimento e nas idades dereproduo, tendem a ser mais rpidos em latitudes tropicais, ondea alta diversidade especfica possibilita igualmente a ocupao devariados habitats e nichos ecolgicos (Longhurst & Pauly, 1987).

    Figura 3.1 Primeira viso global da distribuio geogrfica da produovegetal (o fitoplncton) dos oceanos, base das cadeias alimentares quedo lugar s pescarias marinhas (FAO, 1994, apud Caddy & Griffiths, op. cit.)

  • Caractersticas e Conceitos Bsicos Relacionados Gesto do Uso dos Recursos Pesqueiros

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    O debate sobre o uso sustentvel do meio ambientemarinho e de seus recursos, diante da complexidade da biotamarinha, leva, forosamente, necessidade dos envolvidos de sefamiliarizarem com toda uma srie de aspectos tcnicos,especialmente no que diz respeito aos recursos vivos, sua biologia eseu entorno (Caddy & Griffths, 1996).

    Num primeiro momento importante destacar que areproduo e o crescimento dos indivduos, garantia de renovaodos estoques, limitada pela capacidade de suporte do ambienteonde ocorrem, o que impe limites ao tamanho dos estoquescapturveis. Ademais, as espcies de peixes, como evidenciaDiegues (1995), so mveis e muitas vezes invisveis,reproduzindo-se e migrando de um ambiente a outro, obedecendoa complexos padres.

    Torna-se necessrio acrescentar, ainda, que as flutuaesno tamanho dos estoques explotveis, provocadas tanto por fatoresnaturais (disponibilidade de alimentos, temperatura, etc.), comodecorrentes de desequilbrios ambientais ocasionados por atividadesantrpicas, dificultam a previso de safras.

    Assim, a mobilidade dos organismos aquticos, adistribuio geogrfica das populaes, a extenso da rea ondeocorre a pesca e a ocorrncia de vrias espcies em um mesmoambiente, faz com que a pesca comercial, geralmente dirigida auma determinada espcie-alvo, termine por impactar as demaisespcies, o que dificulta os estudos de avaliao dos estoques e dosefeitos da pesca sobre estes.

    As caractersticas anteriormente expostas de formaresumida representam, sem dvida, alguns dos grandes desafios paraa gesto dos recursos pesqueiros, conforme ser discutidoposteriormente.

    Mas o uso dos recursos a pesca tem uma dinmicaprpria.

    3.1.2 Efeitos da pesca sobre os recursos biolgicos e asocioeconomia da pesca

    Desde os primrdios da humanidade, o uso dos recursospesqueiros, a partir de processo tipicamente extrativo, responsvelpor importante fonte de protena animal para a alimentao. Nas

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    ltimas dcadas a importncia da pesca como atividade econmicae social cresceu consideravelmente, chegando a destacar-se comoprincipal atividade em algumas comunidades, regies e at pases(Arago & Dias-Neto, 1988).

    relevante evidenciar que os recursos pesqueiros no tmsua origem no trabalho humano e, como destaca Diegues (1983),ao contrrio da produo industrial, a reproduo dos objetos dotrabalho o pescado se realiza segundo leis de reproduobiolgica dos cardumes, as quais escapam ao controle do homem.Nessa mesma linha, OConnor (1994) afirma que um fato que ocapital no controla nem pode controlar a reproduo emodificao das condies naturais de produo no mesmo planoem que regula a produo industrial de mercadorias. Marrul-Filho(op. cit.), apoiado em OConnor (1988), conclui que tanto naatividade pesqueira quanto na apropriao capitalista dos recursosambientais, explicita-se o surgimento das mercadorias fictcias, ouseja, coisas que no so produzidas como mercadorias, mas queso tratadas como se fossem.

    A pesca encontra nos ecossistemas suas prprias condiesnaturais de produo os recursos pesqueiros, classificados naliteratura econmica como recursos naturais renovveis. A Lei deCrimes Ambientais Lei n. 9.605/98 define pesca como: Todoato tendente a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender oucapturar espcimes dos grupos de peixes, crustceos, moluscos evegetais hidrbios, susceptveis ou no de aproveitamentoeconmico, ressalvadas as espcies ameaadas de extino,constantes nas listas oficiais da fauna e da flora.

    A explorao dos recursos pesqueiros apresenta os maisvariados padres, contemplando desde mtodos simples e, emtermos unitrios, de baixo impacto ambiental, como a pesca comlinha e anzol, at aqueles que se utilizam artes de arrasto. Estas,alm de afetarem o recurso, objeto da pescaria, j que, dependendodo fator de seleo, capturam tudo o que encontram pela frente,ainda causam significativas alteraes no ambiente.

    Gulland (1974), Hancock (1973), Paiva (1983), Arago& Dias-Neto (1988), Fonteles-Filho (1989), entre outros, descrevemos possveis resultados da pesca sobre um determinado recurso.

  • Caractersticas e Conceitos Bsicos Relacionados Gesto do Uso dos Recursos Pesqueiros

    47

    A partir da conjugao das descries destes autores e da ilustraocontida na Figura 3.2, analisa-se esses possveis resultados numaperspectiva de longo prazo.

    O incio da pesca (T) sobre um estoque virgem possibilita aobteno de altos rendimentos (captura por unidade de esforo CPUE), em decorrncia da sua elevada abundncia. medida quea atividade se desenvolve e o esforo de pesca cresce (f1), observa-seaumento nas capturas totais (C) e, em muitas oportunidades,tambm no rendimento, pois a habilidade dos pescadores aperfeioada, ao tempo em que os mtodos e petrechos de pesca somelhorados. Isto esconde, de certa forma, a reduo da biomassa12

    do estoque (vide o incio da curva de CPUE, Figura 3.2).Essa situao extremamente positiva funciona como um

    incentivo ao ingresso de novos pescadores (f1) na atividade. A partirde certo estgio, observa-se a diminuio da abundncia (quedada CPUE), fazendo com que os rendimentos individuais decresam,embora as capturas totais (C) continuem a crescer (T1). Entretanto,o crescimento das capturas totais no proporcional ao incrementodo esforo de pesca (f1), atingindo, em continuidade, a produomxima que o estoque pode oferecer.

    Na fase seguinte (T2), no havendo interveno daautoridade gestora, comum observar-se a sobrepesca, situaoem que por mais que se aumente o esforo de pesca (f2) a produototal passa a diminuir (C2). Com o passar do tempo e continuandoa aumentar o esforo de pesca (f2), a pescaria pode entrar emcolapso, uma vez que os baixssimos rendimentos (CPUE 2) a tornameconomicamente invivel (T3).

    Por outro lado, se ainda na fase T1 forem adotadas medidasde forma a manter o esforo de pesca estvel (f) e num nvel inferiorquele que possibilita a captura mxima sustentvel CMS e queleque oferea o mximo rendimento econmico MRE (Figura. 3.7),e se nenhum outro fator alterar o ambiente, possvel manter apescaria em nveis sustentveis para as presentes e futuras geraes.

    12 Biomassa definida como sendo o peso total de todos os peixes de uma populao ou deoutro grupo, considerados conjuntamente (Caddy & Griffiths, 1996).

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    48

    Isto resultaria em pequenas flutuaes nas capturas totais (C) aolongo do tempo.

    Entretanto, se as medidas de gesto forem adotadas apso esforo j ter ultrapassado o nvel recomendvel ou o ponto dereferncia limite (f2 do final de T2, p. ex.), com a sobrepesca jcaracterizada, torna-se necessrio uma significativa reduo doesforo (f1 do incio de T3, p. ex.) para, algum tempo depois, orecurso iniciar um processo de recuperao. Observa-se, emconseqncia, a recuperao parcial da produo total (C1) e dorendimento (CPUE 1).

    relevante destacar, tambm, que a pesca altera a composioetria (e o tamanho) dos indivduos que compem o estoque. Ou seja,quando virgem e em equilbrio natural dinmico, o estoque composto,dominantemente, por classes de indivduos de maiores idades (etamanhos). A introduo da pesca altera a estrutura inicial do estoquee, dependendo da seletividade dos aparelhos de pesca e do nvel deesforo aplicado, as classes de maiores tamanhos podem serdrasticamente reduzidas. Prevalecem, ento, indivduos de meia idadee jovens, especialmente na fase de sobrepesca (Paiva, 1986).

    Figura 3.2 Possveis comportamentos de uma pescaria (modificada

    Arago & Dias-Neto, 1988).

    Em que: T; T1; T2 e T3 tempo em distintos momentos da pescaria.- C; C1 e C2 captura (em peso) em diferentes situaes.- f; f1 e f2 esforo em nveis distintos.- CPUE; CPUE1 e CPUE2 captura por unidade de esforo em diferentesoportunidades.

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    Feitas estas consideraes gerais, sero abordados, a seguir,alguns dos principais conceitos e teorias sobre os enfoquesbiolgicos, econmicos e sociais de uma pescaria.

    Enfoque Biolgico

    Inicialmente importante destacar que no se pretende serexaustivo quanto aos vrios modelos, teorias e conceitos utilizadosna biologia pesqueira. A abordagem aqui apresentada limita-se aosaspectos necessrios para fundamentar futuras discusses.

    O enfoque biolgico oferece, fundamentalmente, umadiscusso sobre as possibilidades de avaliao de um estoquepesqueiro. Para tal considera, preliminarmente, a existncia de doisblocos de mtodos, um chamado de mtodo direto e outro quecontempla os mtodos indiretos (Saville, 1978).

    O mtodo direto, cujo incio aconteceu por volta de 1930,fundamenta-se na utilizao de instrumentos hidroacsticos, comoo ecossonda, para quantificar a biomassa de um determinado recurso.Suas principais vantagens esto em no dependerem de srieshistricas das estatsticas de captura, que possibilitam fazer umaavaliao com bastante rapidez e que podem ser utilizados paraavaliao preliminar do potencial de populaes ainda inexploradas.As tcnicas acsticas, entretanto, no so adequadas para a maiorparte das populaes demersais e, assim, aconselhvel utiliz-lasem combinao com a pesca exploratria (Saville, op. cit.).

    O mtodo indireto13 est classificado em dois gruposprincipais: modelos analticos e modelos holsticos, os quaissero abordados a seguir.

    a) Modelos analticos

    Os modelos analticos so baseados em descriespormenorizadas do estoque e so exigentes em termos de qualidade

    13 As consideraes sobre os mtodos indiretos tiveram como base Sparre & Venema(1997).

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    e quantidade de dados. Desenvolvidos, entre outros, por Baranov(1914), Thompson & Bell (1934) e Beverton & Holt (1956),necessitam do conhecimento da composio etria das capturas etm como idias bsicas, o seguinte:

    Se existirem poucos peixes velhos, o estoque estsobreexplorado (sobrepesca de crescimento) e a pressode pesca sobre este deve ser reduzida;

    Se existirem muitos peixes velhos, o estoque estsubexplorado e mais peixes podem ser capturados paramaximizar os resultados da pescaria.

    Os modelos analticos so modelos estruturais por idadesque trabalham com conceitos como taxas de mortalidade, taxas decrescimento individual e coorte.14 A Figura 3.3 apresenta umexemplo (hipottico) da dinmica de uma coorte na forma grfica,do nmero de sobreviventes (A), do comprimento do corpo dosindivduos (B), do peso do corpo (C) e da biomassa total (D). Acurva (A) mostra o declnio no nmero de sobreviventes em funoda idade da coorte. A curva (B) mostra como o comprimento mdioindividual do corpo aumenta medida que a coorte envelhece. Acurva (C) demonstra o peso total individual correspondente,enquanto a curva (D) representa a biomassa total da coorte, isto ,o nmero de sobreviventes multiplicado pelo peso mdio do corpoem funo da idade da coorte.

    A anlise de populao virtual (VPA) basicamente umaanlise das capturas da pesca comercial obtida da estatstica dapesca, combinada com informaes detalhadas sobre qual acontribuio de cada coorte para as capturas, que geralmenteobtida de programas de amostragens ou leituras de idade. A idiaque fundamenta o mtodo analisar aquilo que mensurvel, acaptura, que adicionada a uma estimativa da mortalidade natural(M) possibilita calcular a populao que deve ter existido paraproduzir essa captura. Portanto, a VPA lida com a populao numaperspectiva histrica. A vantagem da VPA que, uma vez

    14 Para Sparre & Venema (op. cit.), coorte um grupo de peixes com a mesma idade epertencendo ao mesmo estoque.

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    conhecida a histria dessa pescaria, torna-se mais fcil prever ascapturas futuras.

    A anlise de coorte (que pode ser baseada em idade oucomprimento) conceitualmente idntica de VPA, mas a tcnica declculo mais simples e baseia-se em uma aproximao que mostra onmero de sobreviventes de uma coorte durante um ano. Na verdade,a captura obtida continuamente durante o ano, mas na anlise decoorte assume-se que todos os peixes so capturados em um nico dia(1 de julho metade do ano). Assim, anda-se para trs no tempo,estimando um novo nmero do estoque, passo a passo.

    fundamental destacar que esses modelos podem serutilizados para prever os efeitos do incremento de uma pescaria edas medidas de regulamentao, tais como aumento ou reduoda frota pesqueira, mudanas no tamanho da malha, perodos de

    Figura 3.3 A dinmica de uma coorte (Sparre & Venema, 1997).

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    defeso, fechamento de reas de pesca, etc. Portanto, constituemuma ligao direta entre a avaliao de estoques e a gesto do usodos recursos.

    O primeiro modelo de projeo foi desenvolvido por

    Thompson & Bell (1934), sendo utilizado para prever os efeitos

    de alteraes do esforo de pesca nas capturas futuras, enquanto

    a VPA e a anlise de coorte so usadas para determinar o nmero

    de peixes que deveria estar presente no mar, para justificar uma

    determinada captura sustentvel, e o esforo de pesca que deveria

    ter sido aplicado em cada grupo de idade ou de comprimento,

    para obter dada captura em nmero. Portanto a VPA e a anlise

    de coorte so chamados de modelos histricos ou retrospectivos,

    enquanto o desses autores denominado de projeo.

    O modelo desenvolvido por esses autores uma

    ferramenta muito importante para o cientista pesqueiro

    demonstrar os efeitos que certas medidas de regulamentao tero

    sobre a captura, a biomassa e o rendimento da captura. Entre

    essas medidas citam-se: mudanas no tamanho mnimo da malha

    ou de primeira captura dos indivduos, diminuio ou aumento

    do esforo de pesca e perodos de defeso.

    Ele permite, ainda, incorporar o valor da captura, o que

    tem tornado a base para o desenvolvimento dos chamados modelos

    bioeconmicos, que so extremamente teis na formulao de

    previses necessrias s decises na gesto das pescarias.

    Esse mtodo consiste em dois passos principais: 1)

    fornecimento de dados de entrada essenciais e opcionais matriz

    de referncia de F-por-idade; nmero de recrutas e matriz de peso

    ou comprimento, por idade; e 2) clculo dos resultados na forma

    de previso das futuras capturas, nveis de biomassas e at mesmo

    o rendimento dessas capturas.

    A Figura 3.4 mostra um resultado hipottico da aplicao

    do modelo de Thompson & Bell, baseada em comprimento, para

    uma dada pescaria, onde se observam: as curvas de captura total

    (C), rendimento total (R) e biomassa mdia (B).

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    Verificam-se, tambm, os pontos de Captura MximaSustentvel (CMS) e Mximo Rendimento Econmico (MRE), osquais no correspondem a um mesmo Fator-F (X), resultado possvelquando o preo do quilo do pescado varia com o tamanho (comumcom o camaro, p. ex.). Uma outra observao hipottica que sea referida pescaria estivesse operando com um nvel de esforoequivalente a 1,0 (fator-F = 1,0), o recurso estaria em situao desobrepesca e seria necessria uma reduo desse esforo para algoem torno de 0,5 (fator-F = 0,5).

    Pela enorme quantidade de clculos requeridos, ochamado modelo de Thompson & Bell no obteve popularidadeat a introduo dos computadores. Durante esse perodo, ummodelo que se consagrou pela simplicidade foi desenvolvido porBeverton & Holt (1957) que se basearam em dados de capturapor recruta.15 Atualmente, com a disseminao da informtica,este modelo vem sendo substitudo por aquele onde a VPA e aanlise de coorte so aplicadas.

    Figura 3.4 Representao grfica dos resultados hipotticos da anlisede Thompson & Bell baseada em comprimento, para uma dada pescaria(Sparre & Venema, op. cit.).

    15 Recruta o peixe que, atingindo uma determinada idade (Tr), passou a ser vulnervel sartes de pesca. Recrutamento o conjunto de recrutas de uma determinada classe deidade ou coorte (adaptado de Sparre & Venema, op. cit.).

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    O modelo de Beverton & Holt, ou de rendimento porrecruta (Y/R), descreve o estado do estoque e a captura em umasituao cujo padro de pesca vem sendo o mesmo durante umtempo suficientemente longo, de modo que todos os peixes vivosvm sendo submetidos ao mesmo padro desde que foramrecrutados. Existem extenses do modelo que trata da fase detransio aps uma mudana no padro de pesca, mas raramenteso utilizadas, pois os modelos do tipo Thompson & Bell fornecemdescries mais simples de situaes onde no se observa o equilbrio.

    A Figura 3.5 ilustra o resultado hipottico da aplicao domodelo de Beverton & Holt para diferentes idades de primeiracaptura (Tc), onde fica demonstrado que para cada Tc existe umponto de rendimento mximo sustentvel (YMS), idade esta quedepende, por sua vez, do tamanho da malha utilizada na pescaria.Assim, cada alterao no tamanho da malha, ou seja, em Tc,resultar num diferente RMS, onde a mais alta obtida para omaior valor de Tc, com um nvel de esforo (F) ligeiramente superior.O rendimento sustentvel mais elevado, vlido para uma certacombinao de Tc e F, pode ser determinado pela combinao dediferentes valores desses dois parmetros.

    Figura 3.5 Curva de captura por recruta (Y/R) para diferentes idades deprimeira captura (Tc) (modificado Sparre & Venema, op. cit.).

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    O modelo permite, ainda, calcular a biomassa, por recruta,e o rendimento relativo, por recruta, j que os valores absolutos deY/R, expressos em gramas, no tm muita importncia para opropsito da gesto pesqueira. importante determinar asvariaes de Y/R para diferentes valores de F. Por exemplo, se Faumentar em 20%, a captura ir decrescer em 15%. Beverton &Holt (1966) tambm desenvolveram um modelo de capturarelativa, por recruta, que oferece a grande vantagem de exigirmenos parmetros e, ao mesmo tempo, especialmente til paraavaliar o efeito da regulamentao do tamanho da malha.

    Espera-se que a partir dos resultados obtidos pelos modelosde projeo, os gestores tomem as medidas para regular aexplorao a um nvel no qual se obtenha o mximo rendimento,tanto no sentido biolgico quanto no econmico, numa basesustentvel, ou seja, sem comprometer as futuras capturas.

    Uma previso exata dos rendimentos futuros pelosmtodos de projeo geralmente no possvel, pois os estoquesraramente se encontram em condies de equilbrio esttico, o que um pressuposto para a aplicao dos vrios modelos. Foidemonstrado (Sharp & Csirke, 1984) que a abundncia de certosestoques, em particular pequenas espcies pelgicas que ocorremem reas de ressurgncia, geralmente dependem dos fatoresambientais que esto fora do controle humano. Nestes casos, osvalores previstos nos modelos so praticamente nulos. No entanto,no caso de algumas espcies pelgicas e para a maioria das pescariasdemersais de peixes e camares, os modelos tm se mostradoextremamente teis.

    b) Modelos holsticos

    Os modelos holsticos so usados em situaes em que adisponibilidade de dados limitada, como no incio da exploraode um recurso at ento, no explorado; em casos de capacidadelimitada de amostragem, entre outras. Portanto, quando noexistem dados de entrada na qualidade ou quantidade requeridaspara modelos analticos.

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    Nestes casos, uma soluo seria iniciar a coleta de dadosnecessrios para viabilizar, no futuro, aquela abordagem. Entretanto,como isto pode levar anos, existe sempre alguma informao a serextrada e uma recomendao baseada na anlise de dados limitados sempre melhor do que um palpite no fundamentado.

    Buscando contemplar situaes em que os dados sejamlimitados, existem os mtodos holsticos simples, menos exigentes,mas que consideram o estoque como uma biomassa homognea.Entre tais mtodos, dois so muito utilizados: o modelo de produogeral e o mtodo de rea varrida.

    O mtodo de rea varrida baseado na captura porunidade de rea prospectada com arrasto de fundo. Das densidadesde peixes observadas (peso por rea varrida no arrasto), obtm-seuma estimativa da biomassa no mar, da qual se obtm umaestimativa da CMS. Este mtodo impreciso e prev somente aordem de magnitude da CMS para recursos demersais. Revisesda teoria envolvida nesse mtodo so encontradas em: Gulland(1975), Saville (1977), Troadec (1980), Doubleday (1980) e Grosslein& Laurec (1982).

    Os modelos de produo geral ou modelos sintticospodem ser aplicados quando se dispe de razoveis estimativas dacaptura total por espcie e/ou da captura por unidade de esforo(CPUE), por espcie, e o esforo de pesca correspondente para umcerto nmero de anos. O esforo deve ter passado por substanciaisalteraes ao longo do perodo coberto.

    A Figura 3.6 ilustra a aplicao dos modelos de Schaefere de Fox para uma pescaria hipottica onde se constatam: ascapturas mximas sustentveis (CMSs) e os nveis de esforo timo(fot) para os dois modelos. Observa-se, tambm, que para umamesma srie de dados, normalmente so obtidos resultadosligeiramente diferentes.

    Dada a simplicidade da aplicao desses modelos, poder-se-ia perguntar por que a preocupao em utilizar modeloscomplicados, quando se poderia facilmente estimar a CMS por meiode modelos de produo geral? O ganho em simplicidade com ouso desses modelos em relao ao de Beverton & Holt obtido scustas de uma srie de suposies acerca da dinmica dos estoques,as quais podem ser (e quase sempre so) difceis de serem

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    justificadas. Entre as suposies citam-se: estoque em situao deequilbrio; o nvel de esforo de pesca no altera a dinmica doestoque; o coeficiente de capturabilidade (ou poder de pesca) doesforo considerado no se altera no tempo; e a desconsideraodas flutuaes ambientais, entre outras.

    Enfoque Econmico

    Tanto o modelo de Thompson & Bell como o de Beverton& Holt, apresentados na sesso anterior, podem descrever asinteraes econmicas de uma pescaria (Figura 3.5). Por isso, o uso

    Figura 3.6 Ilustrao da aplicao dos modelos de Schaefer e Fox para

    uma pescaria hipottica (Sparre & Venema, 1997).

    Onde: (S) = Schaefer(F) = Fox(S/F) =Schaefer/FoxY = capturaf = esforo

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    desses modelos muito importante como suporte tcnico tomadade deciso por gestores de pesca, especialmente no tocante mudana no tamanho da malha da arte de pesca utilizada, introduo ou alterao do tamanho mnimo de captura de umdeterminado recurso, adoo de defesos, e definio ou alteraodo nvel de esforo de pesca. Nessas oportunidades, tais mtodospermitem avaliar os possveis ganhos e perdas de curto e longoprazos e, assim, definir alternativas que maximizem os benefcioseconmicos da atividade.

    Estes modelos podem ser particularmente importantes parapossibilitar o mximo de benefcio biolgico e econmico depescarias cujas espcies-alvo obtm preos diferenciados ediretamente proporcionais ao seu tamanho, como no caso daslagostas e camares. Suas aplicaes possibilitam encontrarparmetros timos para o nvel de esforo a ser empregado, otamanho mdio dos indivduos a serem capturados, a captura e areceita mxima, dentre outros, de forma a permitir a recomposiodo estoque e, portanto, o futuro da pescaria.

    De forma mais simples, por serem menos exigentes naquantidade e qualidade dos dados, tambm se pode partir doschamados modelos de produo geral, j mencionados, para avaliaro comportamento de uma pescaria sob o aspecto econmico. Aliteratura especializada sobre essas teorias pode ser encontrada emGordon (1954), Schaefer (1954), Clark (1976), Clark (1985) e Gmez-Lobos (1991), apud Andrade (1993).

    Troadec (1984) analisa o comportamento econmico deuma pescaria por meio da relao entre as curvas de quantidadecapturada e a sua correspondente, de valor total (a), considerandoque esta proporcional curva de quantidade capturada; orendimento econmico bruto (b); o benefcio econmico marginalbruto (c) e lquido (d) e o custo total (e). (Figura 3.7). relevantedestacar que quando a curva de benefcio marginal (c) passa pelovalor 1 obtm-se os maiores lucros na pescaria. Isso significa que oincremento unitrio do custo total ficar coberto pelo incrementocorrespondente do valor da produo resultante e neste pontoque ocorre o mximo rendimento econmico (MRE). Emdecorrncia, se o objetivo do gestor levar em conta, essencialmente,o lucro, o esforo de pesca deveria permanecer no nvel que oferece

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    o MRE, mesmo sabendo que o estoque poderia suportar um esforosuperior e obter uma maior produo at prximo do ponto deCMS (maior oferta de alimento e de emprego) de forma continuadae sustentvel.

    Enfoque Social

    Troadec (1984) afirma que o nmero de empregos no setorde captura ser aproximadamente proporcional ao esforo depesca. A necessidade de limitar ou, inclusive, reduzir a pesca deum determinado recurso afetar diretamente a possibilidade deemprego. Por outro lado, a renda individual mdia ser maiselevada quanto mais baixo for o ndice de explotao do estoqueou quanto menor for o esforo de pesca empregado (vide curva b,Figura 3.7).

    Figura 3.7 Modelo econmico de uma pescaria composta de uma sespcie, de um s sistema de pesca e de um s conjunto de pescadores(Troadec, 1984).

    Onde:

    a1- quantidade capturada;valor total das capturas

    b1 - rendimento econmicobruto

    c1- benefcio econmicomarginal bruto

    d1 - benefcio econmicototal lquido

    e1 - custo total

    MSY = CMS = capturamxima sustentvel

    MEY = MRE = mximorendimento econmico

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    Ainda segundo o mesmo autor, a maximizao de empregoe a melhoria da renda individual mdia representa um conflitodireto. Por outro lado, em regies em que so limitados os recursosacessveis pesca artesanal ou de pequena escala, o fatorpreponderante, na hora de determinar o nvel de explotao,poderia ser a busca de caminhos que provocassem o mnimo dedesemprego. Especialmente em pases onde a gerao de empregoem outros setores da economia nacional tambm seja crtico.

    Outro exemplo de conflito entre emprego e rendaindividual o que ocorre em pases em desenvolvimento quedispem de recursos pesqueiros abundantes, cujas pescariasnacionais so modestas e a explorao complementada com aassociao com estrangeiros. Neste caso, tais pases podemconsiderar prefervel o bloqueio ou suspenso, em parte, da pescapor estrangeiros a um nvel tal, que compense o rendimentoinicialmente menor de seus pescadores.

    Em pases onde os custos de oportunidade da mo-de-obraso baixos, sobretudo em funo do elevado ndice de desemprego,os custos totais de explotao sero reduzidos. Em decorrncia,pode ocorrer o deslocamento do ponto de MRE at o de RMS(Figura 3.7). Ou seja, no plano social, se justificaria o emprego demaior quantidade de pessoas e, assim, um esforo de pesca maiselevado. Porm, o timo socioeconmico no poder alcanar o daRMS, pois ele equivaleria a admitir que os custos totais de produo,includos os de oportunidade da mo-de-obra, poderiam ser nulos.

    Troadec (op. cit.) pondera que a opinio com freqnciaadmitida de que o volume de emprego aumenta com a taxa deexplorao, no vlida quando se considera, ao mesmo tempo,os efeitos sobre o emprego nas atividades conexas, comobeneficiamento, distribuio e comercializao, assim como asrepercusses no produto nacional bruto. A atividade da construonaval, quase sempre, diretamente proporcional ao esforo depesca; no cabe dizer o mesmo nas subseqentes atividadessecundrias induzidas. Neste ltimo caso, o volume de suasatividades depender, sobretudo, da tonelagem desembarcada. Porconseguinte, a quantidade de emprego deveria ser mxima em tornodo RMS. J nos setores secundrios e tercirios pode ser vrias vezesinferior ao do setor primrio.

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    As estimativas de efeitos multiplicadores so raras. Para apesca artesanal se fala de coeficientes de dois a trs, podendoinclusive chegar a sete ou oito em algumas pescarias industriais.Na realidade, quanto mais elevados forem os benefcios lquidoseconmicos e sociais no beneficiamento e na comercializao emrelao ao total obtido, mais interesse h na obteno de umacaptura superior ao MRE e prxima RMS.

    Ademais, deve-se ter em conta os efeitos da racionalizaoda pesca no crescimento econmico. Como j abordado, umcontrole que mantenha o esforo de pesca em um nvel prximo doMRE pode oferecer rendas econmicas substanciais que poderiamser empregadas:

    pelas autoridades encarregadas da gesto das pescariaspara criar novos empregos com o objetivo de promoverpescarias sobre recursos pouco aproveitados ou ematividade nova (p. ex., a aqicultura);

    pelos prprios pescadores, para a criao de atividadescomplementares ou substitutivas (p. ex., o turismo) e oaperfeioamento de seus instrumentos de trabalho oque levar consigo um incremento de empregos nasatividades e nas indstrias de equipamentos (Newton,1978) na melhoria de suas condies de vida (p. ex.:alojamento ou residncia).

    Troadec (op. cit.) conclui que a taxa mxima de emprego,em todo o setor pesqueiro, depende s em parte da mo-de-obraocupada nas atividades de captura. Fatores como custo deoportunidade da mo-de-obra, maior ou menor pronunciamentoda curva de produo, importncia do custo do trabalho nos gastostotais de produo, efeito multiplicador nas atividadescomplementares e rendimento econmico lquido, produzido pelapesca, tambm influenciam na taxa de emprego.

    Na verdade, em determinadas situaes o mximo deemprego no ficaria to distante do RMS como se poderia admitire podendo situar-se, inclusive, esquerda do rendimento mximo(veja Figura 3.7).

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    Portanto, para que uma poltica de pesca tenha o fim socialcomo objetivo principal, seria necessrio que ela estivessefundamentada em uma anlise apropriada do conjunto dos fatorespertinentes. necessrio que se reconhea, entretanto, que oemprego e a renda auferida apenas parte do amplo campo queintegra os aspectos sociais dos que vivem da atividade pesqueira.

    Mas a quem pertencem os recursos pesqueiros? Como setem acesso a esses recursos? Esses so os prximos aspectos a seremconsiderados.

    3.1.3 A propriedade e o acesso ao uso dos recursospesqueiros marinhos

    Marrul-Filho (2001), apoiando-se em Fenny et al. (1990) eem Van Der Elst et al. (1997), descreve cinco categorias depropriedade dos recursos pesqueiros, quais sejam:

    a) Propriedade comum - para os recursos de propriedadecomum no existem proprietrios e nem direitos depropriedade; o acesso aos recursos no regulado, sendoaberto e livre para qualquer indivduo ou empresa. Muitosautores consideram recursos de propriedade comum comorecursos de livre acesso;

    b) Propriedade privada - aqui os direitos de propriedadepertencem aos indivduos ou s empresas que tm direitosexclusivos de uso. Como recursos privados, soadministrados por seus proprietrios que tambm tm odireito de manter para si ou vender, no todo ou em parte,tanto os recursos em si como o esforo de pesca que lhespertence e com o qual se apropria de tais recursos.Configuram-se, assim, as condies de exclusividade etransferibilidade, caractersticas dos bens privados,cabendo ao Estado apenas assegurar os direitos dapropriedade privada;

    a) Propriedade comunal ou comunitria - nesse caso, osrecursos pertencem a uma comunidade ou a usurios quemantm entre si um alto grau de interdependncia. Osrecursos so administrados coletivamente, sendo os direitos

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    de uso vedados a terceiros. Internamente comunidade, no

    existem as condies de exclusividade e transferibilidade,

    sendo o direito de uso e acesso igual para todos. Os direitos

    de propriedade comunal ou comunitria podem ser

    assegurados e reconhecidos pelo Estado ou simplesmente

    existir de fato, pela tradio ou direitos de ancestrais. Em

    geral, as regras de uso dos recursos so estabelecidas pela

    comunidade proprietria associada em maior ou menor grau

    com o Estado;

    b) Propriedade do Estado - os recursos sob propriedade

    do Estado se caracterizam por encontrarem nessa

    instncia o poder decisrio sobre o nvel e a natureza da

    explotao. O Estado como proprietrio dos recursos pode

    explor-lo diretamente ou alocar direitos de uso a seus

    cidados ou empresas.

    c) Propriedade Global ou Internacional - os recursos que

    ocorrem alm das zonas econmicas exclusivas - ZEEs so

    considerados de propriedade ou uso comum das naes,

    prevalecendo para eles, em princpio, a regra do livre

    acesso. No entanto, para recursos de grande importncia

    econmica ou ambiental, convenes, acordos ou tratados

    internacionais regulamentam os principais parmetros da

    explotao, tentando evitar o livre acesso e suas implicaes

    negativas sobre a sade dos estoques e a lucratividade dos

    empreendimentos econmicos.

    No Brasil os recursos pesqueiros marinhos constituam-se oque se chama de res nullius coisas de ningum e a ao do Estadosobre esses bens se faziam mediante o domnio eminente (direitos deadministrao e de polcia na jurisdio inerente soberania doterritrio), que justificou regimes especiais como o da pesca.

    Atualmente, a tutela do Estado sobre esses bens maisabrangente, j que o artigo 20 da Constituio Federal, promulgadaem 1988, define que os recursos vivos do mar territorial, daplataforma continental e da zona econmica exclusiva, integramos bens da Unio.

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    Entretanto, Lia D. C. Dornelles, servidora do Ibama ejurista com vasto conhecimento em direito ambiental, esclarece,em entrevista especfica que, o pertencer Unio no significa queesses recursos pesqueiros so de propriedade da Unio no sentidode que esta pode usar, gozar e dispor, na lgica de apropriaoprivada. Isto , o fundamento da submisso dos recursos pesqueiros dominialidade pblica no se encontra na vontade da Unio emdispor desses bens e com eles praticar atos de comrcio. Encontra-se, sim, na necessidade de conservao desses recursos ambientaise, para tanto, torn-la efetivamente gestora desses bens em prol dointeresse da sociedade.

    Esse novo estatuto jurdico relativo propriedade dosrecursos pesqueiros leva a que se analise a questo considerando-se, tambm, o artigo 225 da Constituio Federal e o artigo 3, daLei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, vez que os recursos pesqueirostambm fazem parte dos recursos ambientais.

    Cabe evidenciar que o artigo 225 da Constituio Federalestabelece que:

    Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade devida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever dedefend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes.

    Marrul-Filho (op. cit.), apoiado ainda em Derani (1997),pondera que o meio ambiente ecologicamente equilibrado, a quetodos tm direito de usufruir, apresenta-se como sendosimultaneamente um direito social e individual. Da, acrescenta,que desse direito de fruio no advm nenhuma prerrogativaprivada, pois sua realizao est intrinsecamente ligada suarealizao social.

    Argumenta Dornelles (1999), apoiando-se em Benjamin(1993), que como macrobem, o meio ambiente sempre bem pblicoe como microbem sua acepo fragmentada pode ser pblicoou privado. A autora concorda com Farias (1998), ao advogar quea Constituio Federal ao definir o meio ambiente como bem deuso comum do povo, mostra categoricamente que no aceita aprivatizao da natureza.

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    Ao contemplar o direito de usufruir um meio ambienteecologicamente equilibrado e estabelecer o dever de proteg-lo paraas presentes e futuras geraes, a Constituio Federal de 1988avana consideravelmente, vez que esse dever no seja um nusatribudo apenas ao Poder Pblico, mas tambm coletividade.

    Nesse particular, Marrul-Filho (op. cit.) pondera que aresponsabilidade social que reveste o dever de proteger o meioambiente aduz que o Estado e a sociedade construam espaos decolaborao e participao no processo de tomada de deciso quantoao uso dos recursos ambientais, bem como da formulao de normasque lhe d conseqncia, ou seja, demanda a formulao eimplementao de polticas pblicas que balizem o comportamentodos agentes econmicos e sociais no aproveitamento de tais recursos.

    Os argumentos expostos anteriormente levam conclusode que os recursos pesqueiros, na atualidade e quando em guasjurisdicionais do pas, enquadram-se na categoria de propriedadedo Estado, j que, quando em guas internacionais, so depropriedade global ou internacional, conforme definido naConveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar (UN, 1994).

    O acesso aos recursos pesqueiros, como uma das variveisfundamentais para a gesto dos seus usos, condicionado pelatutela do Estado, assim como pelas variveis econmicas, sociais,culturais, biolgicas e polticas, vigente em cada pas.

    Segundo Scott (1999), o livre acesso caracterizou as normase formas de apropriao dos recursos at os primrdios do sculoXX. Esse sistema predominante de acesso no impediu a existnciade algumas normas de controle entre comunidades pesqueirasaborgines em vrias partes do mundo, que adotaram o regime depropriedade comunal.

    Para Hardin (1968), o livre acesso, traduzido na ausnciade restries entrada de novos participantes na pescaria,possibilitaria o crescimento continuado do esforo de pesca. Quandoeste passasse a causar diminuio nas capturas e, em conseqncia,decrscimo na margem de lucro, os pescadores individuais,presididos pela lgica de que hoje tem mais peixe a ser pescadoque ter amanh, ao invs de diminurem o esforo empregado,

  • Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

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    tenderiam a aumentar seu poder de pesca. A prevalncia dosinteresses imediatos dos benefcios individuais sobre aqueles dacoletividade levaria sobrepesca e, at mesmo, exausto do recurso,culminando com o que Hardin (op. cit.) denominou de a tragdiados comuns. Incluem-se, nessa tragdia, como ressalta Christy(1983), os conflitos entre distintas categorias de pescadores (pequenae grande escalas ou que utilizam artes de pesca diferentes, etc.).

    Cabe destacar, em concordncia com a observao feitapor Berkes (1989), que o conceito de tragdia dos comuns confundiurecursos de propriedade comunal com aqueles sobre os quais noexistia qualquer direit