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MUNDO Geografia e Política Internacional ANO 7 N º 2 ABRIL 1999 Tiragem: 35.000 exemplares O M ERCOSUL À BEIRA DO ABISMO E mais ... A Colômbia do narcotráfico é, também, palco da “guerra suja” patrocinada pelos paramilitares e financiada, indiretamente, por Washington. Pág. 3 A Revolução dos Cravos celebra seus 25 anos. Esse evento tão próximo de nós reposicinou Portugal na Europa e fechou o longo ciclo colonial. Pág. 4 O Meio e o Homem - Ciclos de oscilações climáticas acompanharam a aventura humana na Terra. A valsa dos climas deixou marcas na História. Pág. 8 Diário de Viagem - O Timor Leste, ex-colônia portuguesa ocupada pela Indonésia, procura, em meio à tragédia, o caminho da independência. Pág. 9 TUPI OR NOT TUPI Às vésperas das comemorações dos 500 anos de Brasil, e em plena era da globalização, a questão da identidade brasileira ganha nova relevância. E quando se trata de identidade nacional, a questão do idioma ocupa um lugar central. Que língua falamos? Até que ponto o “nosso” português é diferente daquele falado em Portugal, Angola ou Timor Leste? Haverá mesmo uma língua “brasileira” — isto é, um resultado da contaminação do português “puro” pelos idiomas nativos, em particular o tupi, e os trazidos pelos negros africanos? Aproveitamos a ocasião para homenagear o filólogo e intelectual Antônio Houaiss (15.out.1915 - 07.mar.1999), que sonhava com um Acordo de Unificação Ortográfica dos Países de Língua Portuguesa. Págs. 10 e 11 O colapso do Plano Real, em janeiro, repercu- tiu com violência no Mercosul. Nos últimos anos, a estabilidade econômica argentina repousava, em gran- de medida, no intercâmbio com o Brasil. Os saldos comerciais ajudavam a fechar as contas externas, com- pensando parte do déficit com o resto do mundo. A reestruturação da indústria argentina baseou- se no acesso ao mercado brasileiro. A maxidesvalori- zação do real está corroendo os fundamentos desse intercâmbio. Acuado, Menem optou pela ofensiva, deflagrando campanha pela dolarização em todo o Cone Sul e, depois, na América Latina. É um caminho perigoso, que ameaça extin- guir o Mercosul e reabre as portas para o projeto ame- ricano da Alca. Veja a nossa análise às págs. 6 e 7 Otan ataca Iugoslávia 24 de março: forças da Otan iniciam o mais vasto bombardeio aéreo na Europa, desde 1945. O pretexto para o ataque é, como sempre, humanitário — impedir que o presidente Slobodan Milosevic ordene novos massacres de albaneses que vivem em Kosovo. As razões reais são bem mais complexas. Está em questão o equilíbrio geopolítico europeu. Pág. 5 Galera agita o Concurso de Redação Pág. 2 Na ilustração “Índio Esquartejando um Cadáver” (in Portinari devora Hans Staden, Fernando A. Novais e Olívio T. de Araújo, Terceiro Nome, SP, 1998), Portinari retoma o mito antropofágico, que para os Modernistas é fundador da cultura brasileira TEXTO & CULTURA Que fazer? Cooperar, aprender a trabalhar em equipe, dialogar, superar preconceitos: qualidades cada vez mais necessárias ao jovem profissional no mundo globalizado.

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MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDOABRIL

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M U N D OGeografia e Política Internacional

ANO 7 • Nº 2 • ABRIL 1999Tiragem: 35.000 exemplares

O MERCOSUL À BEIRA DO ABISMO

E mais ...

■ A Colômbia do narcotráfico é, também, palcoda “guerra suja” patrocinada pelos paramilitares efinanciada, indiretamente, por Washington.

Pág. 3■ A Revolução dos Cravos celebra seus 25 anos.

Esse evento tão próximo de nós reposicinouPortugal na Europa e fechou o longo ciclocolonial.

Pág. 4■ O Meio e o Homem - Ciclos de oscilações

climáticas acompanharam a aventura humana naTerra. A valsa dos climas deixou marcas naHistória.

Pág. 8■ Diário de Viagem - O Timor Leste, ex-colônia

portuguesa ocupada pela Indonésia, procura, emmeio à tragédia, o caminho da independência.

Pág. 9

TUPI OR NOT TUPIÀs vésperas das comemorações dos 500 anos de Brasil, e em plena era da globalização, a questão da identidade

brasileira ganha nova relevância. E quando se trata de identidade nacional, a questão do idioma ocupa um lugar central.Que língua falamos? Até que ponto o “nosso” português é diferente daquele falado em Portugal, Angola ou Timor Leste?Haverá mesmo uma língua “brasileira” — isto é, um resultado da contaminação do português “puro” pelos idiomasnativos, em particular o tupi, e os trazidos pelos negros africanos?

Aproveitamos a ocasião para homenagear o filólogo e intelectual Antônio Houaiss (15.out.1915 - 07.mar.1999),que sonhava com um Acordo de Unificação Ortográfica dos Países de Língua Portuguesa.

Págs. 10 e 11

O colapso do Plano Real, em janeiro, repercu-tiu com violência no Mercosul. Nos últimos anos, aestabilidade econômica argentina repousava, em gran-de medida, no intercâmbio com o Brasil. Os saldoscomerciais ajudavam a fechar as contas externas, com-pensando parte do déficit com o resto do mundo.

A reestruturação da indústria argentina baseou-se no acesso ao mercado brasileiro. A maxidesvalori-zação do real está corroendo os fundamentos desseintercâmbio. Acuado, Menem optou pela ofensiva,deflagrando campanha pela dolarização em todo oCone Sul e, depois, na América Latina.

É um caminho perigoso, que ameaça extin-guir o Mercosul e reabre as portas para o projeto ame-ricano da Alca.

Veja a nossa análise às págs. 6 e 7

Otan ataca Iugoslávia24 de março: forças da Otan iniciam o mais vasto

bombardeio aéreo na Europa, desde 1945. O pretexto parao ataque é, como sempre, humanitário — impedir que opresidente Slobodan Milosevic ordene novos massacres dealbaneses que vivem em Kosovo. As razões reais são bemmais complexas. Está em questão o equilíbrio geopolíticoeuropeu.

Pág. 5

Galera agita o Concurso de Redação Pág. 2

Na ilustração “Índio Esquartejando um Cadáver” (in Portinari devora Hans Staden, Fernando A. Novais eOlívio T. de Araújo, Terceiro Nome, SP, 1998), Portinari retoma o mito antropofágico, que para os Modernistas é

fundador da cultura brasileira

TEXTO & CULTURA

Que fazer?Cooperar, aprender a trabalhar em equipe, dialogar,superar preconceitos: qualidades cada vez maisnecessárias ao jovem profissional no mundoglobalizado.

Page 2: Geografia e Política Internacional O M ERCOSUL À BEIRA · do Depto. de Geografia e História - USP • Banca de jornais Paulista 900 , à Av. Paulista, 900. ... nacional: multilateralismo

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4º CONCURSO NACIONAL DE REDAÇÃO

DE MUNDO E T&C - 1999

E X P E D I E N T E

Redação: Demétrio Magnoli (Mundo), Gilson Schwartz (Que Fa-zer?), Jayme Brener (Ulysses), José Arbex Jr. (Geral), Nelson BacicOlic (Cartografia), Paulo César de Carvalho (T&C),.Jornalista Responsável: José Arbex Jr. (MT 14.779)Revisão: Paulo César de CarvalhoDiretora Comercial: Vera Lúcia VieiraProjeto e editoração eletrônica: Wladimir SeniseEndereço: Rua Romeu Ferro, 501, São Paulo - SP.CEP 05591-000. Fone: (011) 2104069 - Fax: (011) 8701658E-mail: [email protected]:Rio Grande do Sul: Euler de Oliveira - Fone: (051) 245.1732Fax: (051) 343.4466 - Bahia - Alitônio Carlos Moreira - Fone:(071) 327.2088 - Fax: (071) 327.2240 - Mato Grosso do Sul :Gilda Cristina Falleiros - Fone e fax: (067) 382.9456 - Pará (Re-gião Metropolitana de Belém): José Milton Costa Morais - Fonee fax: (091) 224.0869 - Amapá e interior do Pará - LucianoCosta Oliveira - Fone: (091) 243.2599.

Colaboradores: Newton Carlos, J. B. Natali, Nicolau Sevcenko,Rabino Henry I. Sobel, Hassan El Emleh (Fed. Palestina do Bra-sil) e as ONGs Anistia Internacional e Greenpeace.

Assinaturas: Por razões técnicas, não oferecemos assinaturas indi-viduais. Exemplares avulsos podem ser obtidos nos seguintes en-dereços, em SP:• Laboratório de Ensino e Material Didático (Lemad) - Prédio

do Depto. de Geografia e História - USP• Banca de jornais Paulista 900, à Av. Paulista, 900.

Homepage: http://www.uol.com.br/mundo

PANGEA - Edição e Comercializaçãode Material Didático LTDA.

Com certeza, é mais fácil (e barato) do que vocêpensa. Para sua maior comodidade, oferecemosassinaturas ao longo de todo o ano.• As edições são veiculadas em meados dos

meses de março, abril, maio, agosto,setembro e outubro.

• Quantidade mínima de assinaturas: 50 por edição.Entre em contato com a gente(veja os endereços no Expediente, nesta pág.).

ASSINE

M U N D O

Você menciona a independência de Kosovo. Eu realmente não dou muita importância para o status político.Eu não vejo esssa como uma guerra para dividir albaneses de sérvios.

Também não acho que a guerra começou por razões nacionalistas ou para criar novas fronteiras.Quando a Europa está tentando jogar fora as fronteiras e trazer para dentro a globalização,

nós não precisamos produzir mais fronteiras.Nós apenas precisamos dos direitos que outros têm.

(E-mail enviado por “Adona”, pseudônimo de uma adolescente de 16 anos de Kosovo para Finnegan Hamill, estudante do ensino médio em Berkeley, Califórnia; CNN Interactive)A jovem, albanesa étnica, escrevendo antes da ofensiva aérea da Otan contra a Iugoslávia, assinala o contraste entre a União Européia e os Bálcãs.

O Concurso de Redação começa a esquentar nas escolas. Segundo o que disseram vários professores e alunos,algumas escolas já programaram concursos internos para selecionar os três melhores trabalhos. Em geral, participam daorganização do concurso os professores das áreas de História e Comunicação e Expressão, em alguns casos com a ativapresença do responsável pela biblioteca e videoteca da escola.

Em nossa primeira edição, publicamos o tema do concurso e alguns trechos que deverão servir de base aotrabalho. Agora, só para provocar a curiosidade, revelamos que os autores colocados do sexto ao décimo lugar receberãouma coleção de livros da Editora Moderna. No próximo número tem mais.

Finalmente, uma boa notícia para quem quer participar do concurso, mas gostaria de saber mais sobre a Revolu-ção dos Cravos (um dos tópicos a serem abordados): dêem uma olhadinha à pág. 4, e terão uma boa surpresa. De quebra,à pág. 9, na seção Diário de Viagem, publicamos também um material sobre o Timor Leste e um panorama históricosobre a formação e o declínio do império português. E mais: T&C discute a implantação da língua portuguesa na Brasil!‘‘Moleza’’ pouca é bobagem...

Mãos à obra, então, e boa sorte!!!

A cada ano realiza-se uma infinidade de examesvestibulares, que reúnem centenas de milhares de estudan-tes de todos os recantos do país. Os exames elaboradospelas universidades públicas, federais e estaduais são aque-les que congregam o maior número de candidatos.

Entre os grandes vestibulares, destaca-se o da Fuvest,órgão incumbido de selecionar os estudantes que preten-dem cursar a Universidade de São Paulo (USP). Nos últi-mos anos, mais de cem mil candidatos têm disputado va-gas nesse que é o vestibular mais concorrido do país.

Todavia, as provas de Geografia da Fuvest têm apre-sentado, com alguma freqüência, problemas de qualidade.Em particular na primeira fase, composta por testes demúltipla escolha, alternam-se questões atuais, bem elabo-radas, que solicitam análises e relações, com outras muitomal elaboradas, destituídas de criatividade e que solicitamapenas a memorização de nomes, datas ou siglas.

Acreditamos que os responsáveis pelo maior vesti-bular do país têm a obrigação de fazer um exame de altonível, criativo, atual e ousado. Foi o que ocorreu, por exem-plo, nos vestibulares de 1999 da Unicamp, que pautoutoda a sua prova da primeira fase no tema dos 500 anos deBrasil, abordado sob os prismas das diferentes disciplinas.

Também foi o que fez a PUC-SP, que, no interiorde uma prova de Geografia de alto nível, elaborou umabela questão sobre o problema dos nacionalismos toman-do como “gancho” a composição multiétnica da seleção defutebol da França, campeã do mundo. É por isso que, tan-tas vezes, enfatizamos: a Fuvest pode até errar, mas nãotem o direito de deixar de ousar.

Para ilustrar o problema apontado, selecionamosduas questões da primeira fase do vestibular da Fuvest 1999.Elas revelam enormes discrepâncias de qualidade.

Primeira Questão: Uma das inquietações fundamen-tais da atualidade, dentro do processo de globalização, consis-te em se indagar sobre o que irá prevalecer no comércio inter-nacional: multilateralismo ou regionalismo? Para gerenciar ocomércio internacional e fortalecer o multilateralismo, foi cri-ado em 1995 _________, com sede em Genebra (Suíça),substituindo ____________, de 1947. (Adap. Sene eMoreira, 1998).

As lacunas devem ser preenchidas, respectivamente, por:a) o G7; o GATT.b) o G7; a OMC.c) a OMC; o GATT.d) o GAT; o BIRD.e) a OMC; o BIRD.

Comentário: Questão que se apresenta com formu-lação moderna, fazendo referência às tendências conflitantesdo comércio mundial no pós-guerra e abrindo vastas possibi-lidades de questionamento crítico. As alternativas, contudo,formam uma “sopa de letrinhas” de pobreza assustadora. Cer-tamente restou à maioria dos candidatos, inclusive a muitosdos bem preparados, a famosa técnica do “chute” ou a da“minha mãe mandou bater nesta da...qui!”. Em suma, umdesastre que pede substituição do responsável pela questão.

Segunda Questão: Os itens referem-se a uma reali-dade regional brasileira em dois momentos distintos.

Década • agricultura de subsistênciade 50 • terras férteis em poucas áreas

• pecuária extensiva• pastos naturais• área sem futuro promissor(Adap. de Atlas do Brasil/IBGE, 1959)

Década • existência de seis meses de seca, de abrilde 90 a setembro

• 37% do bioma já perdeu sua cobertura primitiva• uso atual: extensas áreas de soja, milho, arroz e pastagens(Adap. de Tarifa, 1994).

Os comentários acima referem-se:a) ao Pampa gaúcho.b) ao Sertão nordestino.c) à Amazônia brasileira.d) à região do Pantanal.e) à região do Cerrado.

Comentário: Esta sim, é uma questão bem “bolada”.Os aspectos naturais, humanos e econômicos da Geografia es-tão plenamente contemplados, sobre a base de um enfoquehistórico das transformações espaciais. Em 1996, a Fuvest,em sua segunda fase, composta por questões dissertativas, ha-via formulado uma questão até certo ponto semelhante a esta.Ela solicitava a análise comparativa de dois mapas político-econômicos da Região Centro-Oeste, um da década de 50 eoutro dos anos 90. Lá, como aqui, realçava-se o dinamismodo espaço geográfico e as transformações econômicas eambientais sofridas por essa vasta área do território brasileiro.

Nelson Bacic OlicDa Redação de Mundo

De olho no vestibular

DESNÍVEIS COMPROMETEM GEOGRAFIA NA FUVEST

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3E D I T O R I A L

Cláudio CamargoEspecial para Mundo

WASHINGTON FINANCIA “GUERRA SUJA”NO PAÍS DO NARCOTRÁFICO

A CRISE FINANCEIRA NO BRASIL E A MAXIDESVALORIZAÇÃO DO REAL

TIVERAM EFEITO DRAMÁTICO SOBRE A ECONOMIA ARGENTINA. O BRASIL

CONSOME CERCA DE UM TERÇO DAS EXPORTAÇÕES DAQUELE PAÍS E O

MERCOSUL TEM SIDO, NOS ÚLTIMOS ANOS, A PRINCIPAL ALAVANCA PARA O

SEU CRESCIMENTO ECONÔMICO. COM O REAL EM BAIXA, OS PRODUTOS BRA-SILEIROS DESVALORIZARAM-SE, ENQUANTO AS EXPORTAÇÕES DA ARGENTINA

PARA CÁ TORNARAM-SE CARÍSSIMAS. O CRESCENTE INTERCÂMBIO COMERCIAL

ENTRE OS PARCEIROS PRINCIPAIS DO BLOCO FOI DESESTABILIZADO.ALGUNS ANALISTAS CHEGARAM A ANUNCIAR O FIM DO MERCOSUL,

QUE SE ERGUEU SOBRE A INTEGRAÇÃO COMERCIAL ENTRE O BRASIL E A AR-GENTINA. O PRESIDENTE ARGENTINO CARLOS MENEM SACOU DA CARTOLA

UMA SOLUÇÃO MÁGICA: PROPÔS A ADOÇÃO DO DÓLAR COMO MOEDA COMUM

DO BLOCO E, DEPOIS, DE TODA A AMÉRICA LATINA. A PROPOSTA PARECE

SEDUTORA, POIS A ESTABILIDADE MONETÁRIA SERIA GARANTIDA PELO PODE-ROSO FEDERAL RESERVE, O BANCO CENTRAL DOS ESTADOS UNIDOS. MAS,AO ADERIR À DOLARIZAÇÃO, CADA PAÍS ABRIRIA MÃO DE SUAS PRÓPRIAS POLÍ-TICAS DE EMISSÃO DE MOEDAS E DEFINIÇÃO DE JUROS. SERIA ENTREGAR DE

UMA VEZ NOSSOS DESTINOS ÀS MÃOS DE OUTRO GOVERNO, CUJO COMPRO-MISSO É COM A PROSPERIDADE DE SEU PAÍS E DE SUAS EMPRESAS NÃO COM ASAÚDE ECONÔMICA DA AMÉRICA LATINA.

A CRISE GERADA NO MERCOSUL LEVANTA AINDA OUTRA DÚVIDA: COMO

É QUE UM BLOCO ECONÔMICO QUE OBTEVE TANTO SUCESSO EM POUCO TEM-PO É ABALADO DE TAL FORMA POR UM SOLAVANCO CAMBIAL? O FATO É QUE OMOTIVO DO ÊXITO DO MERCOSUL É TAMBÉM A MAIOR RAZÃO DE SUA FRAGI-LIDADE. O BLOCO SÓ SAIU DO PAPEL PORQUE AS GRANDES INDÚSTRIAS ABRA-ÇARAM O MERCOSUL COMO FORMA DE APROVEITAR AS TARIFAS ALFANDEGÁ-RIAS REDUZIDAS PARA AUMENTAR SEU MERCADO E REDUZIR CUSTOS. SE A

ADESÃO DAS GRANDES EMPRESAS E A AMPLIAÇÃO DO COMÉRCIO REGIONAL

FORAM FUNDAMENTAIS PARA A DECOLAGEM DO MERCOSUL, EM OUTRAS ÁRE-AS O AVANÇO FOI MUITO LENTO. POLÍTICAS COMUNS PARA A SAÚDE, EDUCA-ÇÃO, TRANSPORTES, DIREITOS TRABALHISTAS E MESMO UMA APROXIMAÇÃO

MAIOR NO PLANO CULTURAL FICARAM PARA DEPOIS. RESULTADO: QUANDO ACRISE BATEU FORTE NA MOEDA, TODO O PROJETO DE INTEGRAÇÃO TREMEU.

HÁ UMA LIÇÃO A SER TIRADA DA CRISE. A CONSOLIDAÇÃO E EXPANSÃO

DO MERCOSUL DEPENDEM, CRUCIALMENTE, DA PARTICIPAÇÃO DE OUTROS

AGENTES SOCIAIS - SINDICATOS, ASSOCIAÇÕES, UNIVERSIDADES, ESCOLAS - E

DE UMA AGENDA POLÍTICA, SOCIAL E CULTURAL CAPAZ DE AGLUTINAR OS

INTERESSES DAS SOCIEDADES ENVOLVIDAS. POIS A INTEGRAÇÃO REGIONAL NÃO

PODE MAIS SER REFÉM DAS TABELAS DE CUSTOS DAS GRANDES EMPRESAS E DOS

FLUXOS DE CAPITAIS NO MUNDO GLOBALIZADO.

matanças, se transformaram no principalobstáculo às negociações de paz entre opresidente Andrés Pastrana, empossado noano passado, e os guerrilheiros das Farc.Iniciadas a 7 de janeiro, as conversaçõesforam congeladas pela guerrilha depois queos “paras”, como são conhecidos, lançaramferozes ataques contra vilarejos campone-ses, massacrando cerca de 150 civis.

Essas milícias terroristas são filhaslegítimas do Estado colombiano e das teo-rias de contra-insurgência elaboradas peloPentágono durante a Guerra Fria. Surgi-ram com um decreto de 1968 do entãopresidente Julio Cesar Turbay Ayala, queautorizava a formação de grupos de civisarmados para ajudar o Exército a comba-ter a guerrilha. Inicialmente, foram utili-zados para recuperar áreas em poder dosrebeldes esquerdistas. Passaram a fazer o“trabalho sujo” para os militares, massacran-do comunidades rurais suspeitas de apoiar

a guerrilha, mas também eliminando líde-res sindicais, políticos e defensores dos di-reitos humanos. Só um partido, a UniãoPatriótica (ex-guerrilheiros das Farc quedepusaram armas), teve três mil militantesassassinados pelos esquadrões da mortedesde 1985.

Além de serem uma força de pri-meira linha na luta antiguerrilheira, essesexércitos particulares estão sendo usadoscomo agentes de uma espécie de “limpezasocial” que beneficia latifundiários enarcotraficantes, que compram terras paralavar o dinheiro. As milícias aterrorizampovoados camponeses para expulsá-los desuas terras, que darão lugar a estâncias,empresas agrícolas e projetos agroindustri-ais. Por isso, muitos colombianos se torna-ram refugiados em seu próprio país. Segun-do a Anistia Internacional, cerca de ummilhão de camponeses já foram expulsosde suas propriedades.

Essa política genocida conta com oapoio quase irrestrito dos Estados Unidos.Apesar da desastrosa ficha da Colômbia emmatéria de direitos humanos, o país recebecentenas de milhões de dólares em ajudamilitar, mais do que qualquer outro da re-gião. Oficialmente, os recursos são desti-nados ao combate ao narcotráfico. Na prá-tica, as unidades militares colombianasbeneficiárias dessa ajuda estão envolvidas,junto com os “paras”, em operações de con-tra-insurgência e massacres de civis. Segun-do a Human Rights Watch, Washingtonjustifica essa política ressussitando o con-ceito de “narcoguerrilha”, que transformaguerrilheiros e traficantes em faces da mes-ma moeda. Na Colômbia, os estertores daGuerra Fria sobrevivem aos tempos da glo-balização.

Em Macondo não aconteceu nada, nem está acontecendo nem acontecerá nunca. É um povoado feliz.(Gabriel García Márquez, Cem Anos de Solidão).

Colômbia: narcotráfico e guerrilhas

OCEANOATLÂNTICO

OCEANOPACÍFICO

PANAMÁVENEZUELA

Bogotá

Cali

EQUADOR

PERU

BRASIL

Zona de influênciado narcotráfico

Ocorrência deguerrilhas

0 145 290 Km

Medellín

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Colômbia: cultivo de café e os Andes

OCEANOATLÂNTICO

OCEANOPACÍFICO

PANAMÁ

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0 145 290 Km

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Quando se fala em “guerra suja”na América Latina, o que vem à memória éa última ditadura militar da Argentina(1976-1983), um reinado de terror quecustou a vida de quase 30 mil civis. Ou,ainda, o Chile do iracundo general AugustoPinochet, cuja cruzada anticomunista pro-duziu o “desaparecimento” de três mil ci-dadãos entre 1973 e 1990. Mas, por umadessas insólitas ironias da História, a “guerrasuja” mais violenta e prolongada do hemis-fério não foi gerada por uma das tiraniasmilitares de direita que ensangüentarampaíses ao sul do Rio Grande nas décadas de70 e 80. A pior de todas as guerras sujas,com seu ritual macabro de massacres deinocentes, vem acontecendo há 20 anos naColômbia, um país com fama de ser umadas poucas democracias estáveis do conti-nente (v. os mapas). Só na última década,70 mil colombianos morreram ou desapa-receram tragados pela violência política.

Embora a Colômbia seja mais co-nhecida pelo narcotráfico - que produz80% da cocaína consumida nos EstadosUnidos e cujo poder já envolve empresaslegais, juízes, militares, políticos e até gru-pos guerrilheiros - os cartéis da droga nãosão os principais responsáveis por essa car-nificina. Nem mesmo o conflito do Exér-cito com os remanescentes da guerrilha deesquerda dos anos 60, as Forças ArmadasRevolucionárias da Colômbia (Farc), comcerca de15 mil combatentes, e o Exércitode Libertação Nacional (ELN), com pou-co menos que 2 mil. Os principais agentesda morte organizada no país são os gruposparamilitares de extrema-direita, milíciasprivadas organizadas pelas Forças Armadase patrocinadas por latifundiários, comerci-antes e barões da droga. Esses bandoleirosapadrinhados, responsáveis por 75% das

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REVOLUÇÃO DOS CRAVOS FAZ 25 ANOS

canção, tocada por váriasemissoras de rádio de Portugal ao redor dazero hora de 25 de abril de 1974, deu osinal secreto para que oficiais rebeldes es-palhados pelos quartéis de todo o país edas colônias na África — Angola,Moçambique, Guiné, Cabo Verde — pren-dessem seus superiores. Era o Movimentodas Forças Armadas, disposto a derrubar ogoverno do primeiro-ministro MarcelloCaetano, herdeiro do ditador de extrema-direita e ultra-católico Oliveira Salazar, quedominou Portugal de 1932 a 1968.

O povo saiu às ruas das principaiscidades em apoio aos oficiais revoltosos.Pacifistas mas ousados, os manifestantescolocavam cravos na boca das armas dossoldados mobilizados pelo governo parareprimir o movimento. Esse gesto foi tãomarcante que acabou dando nome ao pro-cesso em curso. Em pouco tempo, o mo-vimento conquistou as simpatias de am-plas camadas sociais, mostrando queMarcello Caetano não tinha mais apoio —nem dentro nem fora dos quartéis. O novohomem-forte era o general António deSpinola, que prometeu eleições livres emum ano. Mas os partidos Socialista, Co-munista, e vários outros grupos de esquer-da jogavam um papel decisivo na revolu-ção.

Uma das principais razões pelasquais o movimento ganhou apoio da soci-edade foi o fato de que Portugal estava es-gotado pelas guerras contra os movimen-tos que lutavam pela independência dascolônias africanas. Mais de oito mil jovensportugueses haviam morrido e outros 28mil ficaram feridos nesses conflitos. E aguerra sugava 40% do orçamento de umdos países mais pobres da Europa.

A queda de Caetano abriu cami-nho a negociações que levaram à indepen-dência de Angola, Moçambique, Guiné eCabo Verde. Foi um golpe duro para osúltimos regimes de minoria branca da Áfri-ca, na Rodésia, Namíbia e África do Sul.Com apoio da antiga União Soviética e deCuba, movimentos de esquerda assumiramo poder nas ex-colônias portuguesas, in-troduzindo novas questões para o desen-volvimento da Guerra Fria na África. Oschoques entre esses Estados e os regimesracistas africanos (que contavam com orespaldo da Casa Branca) tornaram-se umdos principais focos de tensão entre Mos-cou e Washington, nas décadas de 70 e 80.

Mas e Portugal? Por alguns meses,rondou por lá o espectro de uma revolu-ção socialista, bem nas barbas da Otan.Bancos e grandes empresas foram estatiza-dos e o novo governo fez uma reforma agrá-ria radical, com o objetivo de liqüidar umabsurdo legado de atraso e miséria deixa-do por mais de três décadas de ditadurasalazarista. Temendo que Lisboa fosse trans-formar-se em uma espécie de nova Mos-cou, dessa vez à beira do Tejo, quem tinhadinheiro retirou-o do país. Os investimen-

Em abril de 1974, a “primavera portuguesa” punha fim à ditadura salazarista em Portugal eabria espaço para a independência de suas colônias na África.

tos, nacionais e estrangeiros, sumiram. AEuropa prendeu o fôlego. Por mais quePortugal fosse um Estado “isolado” (v. obox), uma revolução desse porte teria gran-des implicações regionais, com reflexos noxadrez da Guerra Fria.

Mas a perspectiva de um empobre-cimento maior, que levaria a um desgasteda revolução, fez com que muitas lideran-

ças de esquerda moderassem suas posições.Nas eleições de 1975, o Partido Socialistafoi conduzido ao poder. O Partido Comu-nista e as forças de extrema-esquerda per-diam popularidade. Nos anos seguintes, aatitude moderada dos socialistas — o cha-mado giro ao centro — seria decisivo paralimitar o alcance das reformas econômicasem Portugal, afastar o fantasma de uma

revolução vermelha e trazer de volta, aospoucos, o dinheiro e os quadros técnicosque haviam deixado o país.

Restou, como grande legado daRevolução dos Cravos, a consolidação dademocracia, passaporte para que Portugalse integrasse à União Européia.

Se você gosta de emoções fortes, experimente dizer aalgum português que a integração à Comunidade EconômicaEuropéia (agora União Européia), em 1986, foi a forma queseu país encontrou para entrar na Europa. É provável que vocêreceba uma resposta “atravessada”. Mas há muita verdade nessaanedota. Historicamente, Portugal desenvolveu uma vocaçãogeopolítica muito mais voltada para as suas colônias na Améri-ca, Ásia e África (v. o box à pág.9). Durante a ditadura salazarista(1932 - 1968), e mesmo depois, até a Revolução dos Cravos,Portugal viveu um regime de extrema insularidade política ecultural, marcado pelo atraso e pobreza (principalmente, nomeio rural), pelo autoritarismo fascistóide. A revolução libe-rou o país dos grilhões dos salazarismo e permitiu a aberturado diálogo com a Europa. Hoje, Portugal é uma espécie de“primo pobre” dos europeus ricos. Mas paga um elevado preçopara isso.

Aparentemente, os indicadores econômicos configuramo perfil de um país que prospera. Em 1997, seu Produto Inter-no Bruto superou, pela primeira vez, a cifra dos US$ 100 bi-lhões, mais do que o dobro do PIB de 1989, quando o paíscomeçou o seu programa de privatizações. Com o objetivo deatingir um perfil econômico estável, considerado necessário àadoção da moeda única européia (o euro), Portugal teve quealcançar e manter metas rigorosas estabelecidas pelo Acordo deMaastricht (inflação nunca maior do que 1,5 ponto e taxas dejuros de longo prazo nunca superiores a 2 pontos acima damédia dos três índices mais baixos da UE, déficit público nun-ca superior a 3% do PIB, dívidas do governo nunca superior a60% do PIB, além, é claro, de estabilidade monetária).

Mas mágica não existe. Como explicar, então, a traje-tória de um país que até o final dos anos 70 era um dos maisatrasados da Europa, para a situação atual? Uma das respostasreside no fato de que, ao despertar do sono salazarista, Portugalpôde estimular setores vitais de sua economia, como turismo eserviços, antes paralisados ou mal explorados. O programa de

privatizações e a abertura para o mundo também geraram umrápido processo de transferência de trabalhadores do campo paraa cidade (o emprego na agricultura, que há duas décadas repre-sentava cerca de 1/3 do total da força de trabalho, hoje nãosupera os 5%). E - questão central - tudo isso com grandes“atrativos” para investidores estrangeiros (em Portugal o custoda mão-de-obra é um dos mais baixos da Europa).

Os portugueses trabalham mais (48 horas semanais, oitoacima da média da UE), e ganham muito menos. Dadoscoletados em 28 países europeus, em 1995, mostram que Por-tugal ocupava o 26º lugar em termos de valor da hora de traba-lho (US$ 5,35, comparados com US$ 12,70 na Espanha, US$13,77 na Grã-Bretanha, US$ 16,48 na Itália, US$ 19,35 naFrança e US$ 31,88 na Alemanha). Outro estudo, do Institutode Economia da Alemanha, mostrou que, em 1996, Portugalestava em último lugar entre 21 países industrializados, pagan-do, por hora, US$ 6,54, muito abaixo da penúltima colocada, apobre Grécia (US$ 9,84). Não por acaso, Portugal exibe umdos mais elevados índices de trabalhadores que ocupam maisde um emprego (5,6%, quando a média européia é de 3,4%).

O resultado disso tudo é uma clara tendência ao cresci-mento das desigualdades e tensões sociais. Enquanto alguns se-tores “de ponta” da economia recebem os benefícios daintegração à UE — como é o caso da Telecom portuguesa, queparticipou do processo de privatização da Telebrás —, outrosamargam o arrocho salarial. A adoção da moeda única tende aagravar esse quadro. Enquanto havia apenas uma estratégiamonetária comum, Portugal tinha a possibilidade de, medianteajustes internos, deslocar recursos para as regiões mais pobres econtrolar socialmente os seus déficits das contas públicas. Ago-ra, isso acabou. Todas as regiões terão que se ajustar a um pa-drão único, não importa se a região é o Além-Tejo ou Berlim.Será — já está sendo — alto o preço da integração.

O PREÇO DE SER EUROPEU

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Grândola, vila morena terra dafraternidade.

O povo é quem mais ordenadentro de ti, ó cidade.

A revolução aproximou oExército da nação e liqüidou o

que restava do legado deOliveira Salazar

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99

5Otan ataca a Iugoslávia

EM NOME DA

“ORDEM”“Agimos para proteger milhares de pessoas inocentes em Kosovo contra uma ofen-

siva militar crescente. Encerrar essa tragédia é um imperativo moral.” Essas palavras fo-ram dirigidas por Bill Clinton ao povo americano, enquanto mísseis riscavam o céu no-turno de Pristina e outras cidades iugoslavas, no dia 24 março, inaugurando o mais vastobombardeio aéreo na Europa desde 1945.

Procurando o caminho dos corações da opinião pública nacional, o presidentereciclava a mais histórica das justificativas utilizadas pela política externa americana. O“imperativo moral” foi o alicerce retórico da Doutrina Monroe e da Doutrina Truman,ecoando durante cada uma das guerras e intervenções externas conduzidas desde a Revo-lução Americana.

Por que as forças da Otan escolheram a tragédia de Kosovo para exercer o “impe-rativo moral”, esquecendo as carnificinas em Angola, no Congo, na Serra Leoa, na Co-lômbia e tantas outras “guerras escondidas”, até mais sangrentas que a dos Bálcãs? No seu

pronunciamento de 24 de março, Clinton forneceu vagas pistas para resolver o mistério,ao explicar que a operação balcânica destinava-se “também” a defender o “interesse naci-onal”: “Agimos para prevenir uma guerra mais vasta, para desarmar um barril de pólvorano coração da Europa, que já explodiu duas vezes com resultados catastróficos”.

O barril de pólvora étnico-nacional que deflagrou a guerra européia de 1914 ereemergiu durante a Segunda Guerra Mundial está de novo aceso desde 1991, quando aantiga Iugoslávia começou a se despedaçar. Depois da catástrofe na Bósnia, é a vez deKosovo.

Nessa região de maioria étnica albanesa, a violenta repressão conduzida pelo lídersérvio Slobodan Milosevic contra os separatistas kosovares ameaça provocar “uma guerramais vasta”. A Albânia, que já fornece armas aos separatistas através da fronteira, poderiaser engolfada para o centro do conflito. Então, seria a vez da Macedônia, onde se avolumao descontentamento entre os albaneses étnicos, concentrados no oeste, junto às fronteirasde Kosovo e da Albânia (v. o mapa).

Tropas de paz da ONU encontram-se há anos estacionadas na Mace-dônia, a fim de evitar uma guerra civil entre a maioria da população, formadapor cristãos ortodoxos, e a minoria muçulmana, de origem albanesa, que per-faz cerca de 440 mil habitantes ou 23% do total. Essa pequena repúblicaconstitui, do ponto de vista de Washington, uma pedra intocável, crucial paratodo o equilíbrio estratégico da Europa de sudeste. Uma explosão étnica nessefragmento meridional da antiga Iugoslávia provocaria o envolvimento da Gréciae da Turquia.

Grécia e Turquia formam o “flanco sul” da Otan, bastiões da ordemestabelecida desde o pós-guerra no Mediterrâneo oriental. Mas esses estra-nhos “aliados” são rivais históricos que quase engajaram-se em guerra pelocontrole de Chipre, em 1974. A Grécia, cristã ortodoxa, percebe como ame-aça a hipótese do surgimento de uma “Grande Albânia”, muçulmana, na suafronteira norte. A Turquia, muçulmana, não poderia permanecer impassíveldiante de um massacre dos albaneses étnicos. No caso de Kosovo, o “impera-tivo moral” identifica-se com o “interesse nacional”. A operação militar daOtan poderia ser descrita como uma guerra de auto-defesa. O barril de pólvo-ra balcânico, dessa vez, poderia explodir sobre os pilares da arquitetura oci-dental no Mediterrâneo oriental.

“A Otan parece pensar que podelutar meia guerra”. O comentário doex-chanceler britânico David Owen,logo após o início dos bombardeiosaéreos contra a Iugoslávia, sublinhoua inconsistência estratégica reconheci-da por todos os analistas militares: umconflito territorial não pode ser resol-vido sem operações terrestres.

Na Segunda Guerra, os terríveisbombardeios nazistas contra Londressó serviram para fortalecer a coesão na-cional britânica, assim como, depois,as incursões de esquadrilhas de aviõesaliados devastaram a cidade alemã deDresden mas pouco contribuíram paraa derrota de Hitler. Na Guerra doVietnã (1960-75), os B-52, “fortale-zas voadoras” americanas, despejaramsem sucesso, semanas a fio, toneladasde bombas sobre Hanoi e Haiphong.Na Guerra do Golfo de 1991, a ofen-siva aérea foi só um prelúdio para ainvasão de blindados. Em 1998,Sadam Hussein resistiu tranqüilamenteaos bombardeios aéreos.

Os estrategistas da Otan conhecembem essa lição de manual. Mesmo as-

“No intervalo de um ano, tropas dopresidente iugoslavo Slobodan Milosevicmataram cerca de dois mil kosovares eforçaram o êxodo de centenas de milha-res. Um saldo de destruição, diga-se, mui-to maior que o conseguido nos primei-ros dias de bombardeio da Otan, cercade 120 mortos, segundo os iugoslavos.”

(Osmar Freitas Jr.)

“Slobodan Milosevic não tem feitooutra coisa desde o fim da guerra fria alémde começar guerras e colocar gasolina naschamas das divisões étnicas e religiosas.(...) Nós agimos para prevenir a explo-são, no coração da Europa, de um barrilde pólvora que já explodiu duas vezesneste século com resultados catastróficos.”

(Bill Clinton)

1 - O primeiro fragmento (descontex-tualizado) é favorável à ação da Otan?Explique, analisando a força e os efeitosdo recurso argumentativo utilizado.2 - Os dois textos foram construídosem torno de pólos opostos: “Nós” e“Eles”. Quem estas pessoas pronomi-nais representam? Quais são os atribu-tos caracterizadores de cada um destescampos semânticos?3 - O que significa “colocar gasolina naschamas das divisões étnicas e religiosas”?4 - Em linguagem figurada, Clintonfala de “um barril de pólvora que já ex-plodiu duas vezes neste século”. Expli-que a metáfora.5 - Os fragmentos acima podem se re-lacionados de que forma com o ditadolatino “Se queres a paz, prepara-te para aguerra”?

O suposto “imperativo moral” da defesa de vidas inocentesesconde os interesses geopolíticos nos Bálcãs e noMediterrâneo oriental

sim, Clinton descartou, desde o início, o em-prego de forças terrestres em Kosovo. O di-tador sérvio Slobodan Milosevic acreditouque o presidente americano falava a sério epreparou-se para resistir ao castigo, confian-te na recompensa: a coesão dos sérvios emtorno da sua liderança e a revitalização polí-tica do seu regime enfraquecido pelas guer-ras na Bósnia e no Kosovo.

Clinton excluiu as operações terrestres,em primeiro lugar, por temor à “síndromedo Vietnã”. O presidente sabe que o relu-tante apoio da opinião pública americanapoderia se esvair diante do desembarquetelevisionado dos primeiros sacos pretoscom cadáveres de soldados americanos.Nos Estados Unidos, desde os anos 60, asorte da guerra depende mais das oscila-ções nas pesquisas de opinião que da eficá-cia da tecnologia bélica futurista.

A aposta de Milosevic não se restringeaos limites de política interna na projeçãoexterna do poder americano. O sérvio sabeque, atrás dos cuidados de Clinton, está asombra da Rússia. Moscou reagiu aos bom-bardeios na Iugoslávia chamando de voltaseu embaixador na Otan e anunciando orompimento da sua cooperação com a ali-

ança militar ocidental. Fontes do Kremlinameaçaram recolocar armas nucleares naBelarus. O parlamento da Ucrânia pediu arenuclearização do país. Boris Yeltsin usoupalavras duras, mas tratou logo de colocarágua na fervura, pois a cambaleante eco-nomia russa depende de créditos e emprés-timos de curto prazo do FMI.

A Rússia mantém laços profundos coma Sérvia. Desde o século XIX, essa aliançaé um pilar do pan-eslavismo, o projeto deextensão da influência russa entre os po-vos eslavos. A ampliação da Otan, que in-corporou a Polônia, a República Tcheca ea Hungria, é sentida na Rússia como a in-trodução de uma cunha ocidental no es-paço histórico e cultural pan-eslavo.

Em Moscou, a oposição nacionalista,que coliga comunistas e direitistas, agita-secomo nunca. Analistas temem um golpe deEstado contra Yeltsin, talvez articulado pelopróprio premiê Ievgueni Primakov. Esse éo outro temor de Clinton. Ele sabe que opreço de uma invasão terrestre na Iugoslá-via pode ser a ruptura do frágil equilíbriopolítico da Rússia pós-comunista. É por issoque a Otan age contra os manuais básicosde estratégia militar.

LIMITES DO PODER

Atividades de T&C

HUNGRIA(INCORPORADA À OTAN

EM 1999)

ÁUSTRIA

ESLOVÊNIA

CROÁCIAROMÊNIA

BÓSNIA

3

BULGÁRIA

ALBÂNIA

MACEDÔNIA

GRÉCIA

ITÁLIA

TURQUIAEUROPÉIA

TURQUIA

CHIPRE

M A R N E G R O

MA

R A

DR

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I CO

1

24

1

2

3

4

MINORIAS ALBANESAS

ESTADOS COMPONENTES DA OTAN

FRONTEIRAS DA “NOVA” IUGOSLÁVIA

SÉRVIA

MONTENEGRO

PROVÍNCIA DE VOIVÓDINA

PROVÍNCIA DE KOSOVO

MINORIAS ALBANESAS E O FLANCO SUL DA OTAN

M

AR

ME

DI T E R R Â N E O

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ABRIL99

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OTRÊS MOEDAS PARA O MUNDO GLOBALIZADO?

DESMORONAMENTO DO REAL AMEAÇA IMPLODIR O MERCOSUL

As moedas do mundo globalizado

OCEANOATLÂNTICO

OCEANOPACÍFICO

OCEANOPACÍFICO

OCEANOÍNDICO

AMÉRICADONORTE

AMÉRICADOSUL

ÁFRICA

EUROPA

Á S I A

Zona do Dólar

Zona do Euro

Zona do Iene

JAPÃO

Newton CarlosDa Equipe de Colaboradores

terremoto com epicentro emBrasília pegou toda a área do Mercosul eadjacências. O “efeito samba”, ou o contá-gio do colapso cambial da moeda brasilei-ra, teria precipitado a quebradeira no Equa-dor. Quanto ao processo de integração re-gional, estaria desestabilizado? A correria dediplomatas, burocratas, empresários, sindi-catos e até presidentes mostraram um esta-do de emergência e o medo de descarrilha-mentos coletivos. “É preciso mudar derumo urgentemente”, reclamaram dirigen-tes de entidades de trabalhadores reunidosem Montevidéu por convocação daCoordenadoria de Centrais Sindicais doCone Sul, cuja secretaria no momento éexercida pela Central Geral dos Trabalha-dores (CGT) brasileira.

O quadro traçado era um painelde tragédias. Antes da crise brasileira, oMercosul já apresentava índice médio dedesemprego entre 10% e 15% e uma pre-cária situação de oferta de trabalho queafetava a dois terços da mão-de-obra dis-ponível. A abrupta desvalorização cambi-al no Brasil “certamente provocará”desequilíbrio nos fluxos comerciais e mu-danças nos sistemas produtivos e de em-prego “com graves conseqüências paratodo o Mercosul”. Estudo preparado pe-los sindicatos filiados concluiu que os “im-pactos negativos” se amplificarão por for-ça de políticas “centradas em abertura co-mercial unilateral, sem proteção diante doresto do mundo”.

Empresários em ação

Empresários se reuniram no Riodispostos a buscar saídas “sem governos, pormeio de diálogo entre empresários, que sãomais ágeis e têm maior interesse em man-ter seus mercados”, segundo o senadorFernando Bezerra, presidente da Confe-deração Nacional da Indústria (CNI). Oconfronto com a União Industrial Argen-tina atestou a presença de interessesconflitivos, enquanto diplomatas e buro-cratas se recusavam, e continuam se recu-sando, a entrar no ritmo dos homens denegócios. “É preciso mais tempo para ava-liar a nova realidade cambial”, disseramem nota oficial presidentes que compare-ceram ao Foro Empresarial Mercosul-UniãoEuropéia.

Mas os pés no acelerador são com-primidos por uma sucessão de aconteci-mentos que pedem respostas rápidas, se éque elas existem. O governo do Uruguailançou, em dois meses, dois pacotes demedidas destinadas a “melhorar acompetitividade” das empresas nacionais,“seriamente afetadas pela desvalorização doreal”. São previstos benefícios específicospara determinados setores, como agricul-tura, pecuária, indústria pesqueira e demanufaturados. O grande desastre anun-ciado, no entanto, teria como protagonistaa indústria argentina, “vinculada de modocrucial e sem escapes ao Brasil, que com-pra um terço das exportações da Argenti-

na, cerca de oito bilhões de dólares porano”, como registrou a Latin AmericanNewsletter (v.o gráfico 1).

A relação de dependência é exten-sa. Num intercâmbio crescente, o PlanoReal garantiu, desde 1995, grandes saldosfavoráveis à Argentina (v. o gráfico 2). Vi-nha para o Brasil a metade da produçãoautomobilística do país vizinho, ou 90%do que é exportado. Do petróleo, já açoita-do pelas quedas de preços nos mercadosmundiais, 35%. De alimentos, 77%. E as-sim por diante. Todos esses produtos setornaram mais caros no Brasil com a des-valorização. Enquadradas na lei de“convertibilidade” de 1981, que moldouem pedra a paridade de um para um entreo peso e o dólar, as exportações argentinasnão podem sonhar com uma salvadora des-valorização da moeda nacional. EnriqueMantilla, presidente da Câmara dos Expor-tadores, faz duas previsões: se o PIB verde-amarelo, tragado pela recessão, contrair-seem 3% este ano, será de 15% a queda dasexportações argentinas para o Brasil; se acontração for de 6%, queda de 30%.

O declínio será ainda maior com aesperada invasão de produtos brasileirosbarateados em outros mercados, que com-pravam da Argentina. “O Brasil tem infec-ção e nós temos deficiência imunológica”,disse o deputado Rodolfo Terragno, um dosprincipais líderes da oposição a Menem.Segundo ele, não há outra saída senão fa-zer com os dois países coordenem suas po-líticas macroeconômicas. “Existem grandesdisparidades entre os sistemas de câmbio ede políticas monetárias e isso fatalmente setornará incompatível com mercado co-mum”, garante. Morte anunciada doMercosul? Não se trata apenas do desmo-ronamento da moeda brasileira, mas deuma parceria crucial, embora recente.

Choque de estratégias

Brasil e Argentina têm visões estra-tégicas diferentes em relação ao futuro daAmérica do Sul e ao seu papel na nova con-figuração mundial. A contradição centralenvolve saber se o mundo, recém-saído dabipolaridade da guerra fria, se encaminhapara um cenário dominado pela potênciahegemônica ou para outro, baseado em blo-cos com certa autonomia. O primeiro ce-nário exige subordinar a integração regio-nal à hegemonia dos Estados Unidos. Vainessa direção a proposta do presidenteCarlos Menem de dolarização das econo-mias do continente, a começar peloMercosul ou, se for o caso, pela Argentina(v. pág. 7). Com isso, seria acelerada a cri-ação da Área de Livre Comércio das Amé-ricas (Alca), de inspiração americana. Háprevisões de que Menem, dado a gestos es-petaculares, adotaria a dolarização por de-creto.

No dia a dia dos argentinos, poucomudaria. O dólar já funciona como moe-da corrente. Do total de depósitos bancári-os, 56% são em dólares e sacá-los nos cai-

xas eletrônicos é tão fácil como sacar pe-sos. Resta saber o custo político de um atoextremo de cessão de soberania, num paísde arraigada tradição nacionalista e para umpresidente de extração peronista, que cos-tuma dizer “Perón é a minha natureza”,quando se sabe que Perón teve brigas his-tóricas com os Estados Unidos. “Não que-remos ser o 51º Estado americano”, disse-

ram populares indagados nas ruas, mas amemória inflacionária aterroriza os argen-tinos e ainda é arma nas mãos de Menem.

Já o Brasil, desde o início da apro-ximação com a Argentina, há mais de umadécada, quer um Mercosul com autonomiasuficiente para negociar com todos os blo-cos existentes, sobretudo com a UE. A po-lítica externa brasileira enxerga o bloco do

Um outro engano contra o qual nos devemos precaver seria o de nos afastar de nossacircunstância geográfica e cultural para buscar uma combinação com os grandes póloseconômicos. Esses dois movimentos, de aproximação entre nós mesmos e o de inserção

no mundo, não são excludentes. Pelo contrário, complementam-se. A concertaçãopolítica e a integração econômica são requisitos para uma projeção mais nítida da

América Latina no mundo.(Fernando Henrique Cardoso, Ministro das Relações Exteriores, em conferência pronunciada

na Escola Diplomática do Chile, em 24 de março de 1993)

Um dos efeitos da globalização é a crença, justificada ounão, de que os governos perdem suas funções. Da Internet àsempresas multinacionais, passando por fortes ondas de padroni-zação de valores culturais e políticos, os Estados nacionais pare-cem cada vez menos capazes de exercer seus poderes sobre os ci-dadãos e a economia. Ora, a emissão de uma moeda própria sem-pre foi um dos sinais mais notórios do poder do Estado. Afinal,não é à toa que reis cunhavam moedas com suas efígies e até hojeas cédulas são assinadas pelas autoridades econômicas nacionais.Contudo, a capacidade de emitir moeda está sendo abalada pelaglobalização.

Alguns analistas acreditam que há uma tendênciairresistível para a substituição das moedas nacionais por algumaspoucas “moedas macrorregionais”. No futuro próximo, o dólarcobriria as Américas, o Oriente Médio e grande parte da Ásia, oeuro se estenderia da União Européia para toda a Europa, a Co-munidade de Estados Independentes e a África enquanto o iene,em função das vastas reservas japonesas, se conservaria comomoeda nacional (v. o mapa).

Por trás dessa discussão está o velho problema da confian-ça. Aliás, não é por acaso que a visão desse futuro com poucasmoedas surja exatamente agora, quando na Ásia, na Europa ori-ental e na América Latina ocorrem tantas crises monetárias, des-valorizações cambiais e falências de instituições financeiras. É comose os governos desses países fossem de fato incapazes de cuidar desuas próprias moedas. A única solução definitiva para seus pro-blemas seria o abandono dessa pretensão, aderindo a uma moedaregional cujas regras de emissão, administração e troca por outrasmoedas fossem de fato confiáveis.

Há implicações políticas óbvias nesse tipo de visão. Pois,se muitas vezes é verdade que os governos cuidam mal de suasmoedas, economias e cidadãos, qual a garantia de que um gover-

no estrangeiro seria capaz ou teria condições de fazê-lo melhor?Objetivamente: nenhuma. As relações entre o dólar, o euro e oiene oscilaram tanto ou mais, nos últimos anos, que as variaçõescambiais de inúmeras moedas nacionais. As “super-moedas”dominam o comércio e as finanças mundiais, mas nem por issosão mais estáveis ou são administradas por governos necessaria-mente mais responsáveis e atentos às necessidades dos cidadãosque os governos do Brasil ou da Malásia.

Isso não significa que as moedas, tal como as conhece-mos atualmente, sejam formas definitivas de regulação das rela-ções econômicas. Pode até mesmo ocorrer uma redução no nú-mero de moedas, mas não há nisso nada de necessariamentevirtuoso ou tecnicamente mais garantido. E podem tambémocorrer mudanças em outras direções, como uma multiplicaçãode moedas. Nesse futuro alternativo, haveria hoje moedas demenos, não demais. A Internet é um bom exemplo de comosurgem novas moedas eletrônicas e até mesmo formastecnologicamente sofisticadas de compra e venda sem uso demoeda, ou seja, por meio de troca direta de mercadorias e servi-ços. É uma volta ao escambo, a forma de interação mais primi-tiva da história humana, porém ocorrendo com base emtecnologias de informação.

Há também uma proliferação de centros de atividadefinanceira dos mais intensos, porém imunes a qualquer tipo deautoridade monetária, conhecidos como “offshore” (“paraísosfiscais”). Nesse tipo de organização (situada, por exemplo, noUruguai ou nas Ilhas Cayman), nem mesmo os governos supos-tamente mais confiáveis e desenvolvidos conseguem colocar asmãos. Afinal, são centenas de bilhões cuja origem é o comérciode armas, tráfico de drogas, a evasão de impostos e outras ativi-dades ilegais no resto do mundo.

1993 1994 1995 1996 199705

101520

25

30

3540

%

Gráfico 1Participação no destino das exportações argentinas

Mercosul

BrasilFonte: INDEC, Dirección de Estadísticas del Comercio Exterior.

0100020003000400050006000700080009000

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-10001993 1994 1995 1996 1997

Exportações

Importações

Saldo

Gráfico 2Balança comercial da Argentina com o Brasil

Fonte: INDEC, Dirección de Estadísticas del Comercio Exterior.

SERVIÇO:

Para saber mais sobre o Mercosul, pode-se consultar os livrosPara entender o Mercosul, de Demétrio Magnoli e Regina

Araujo (SP, Moderna) e O Mercosul e a sociedade global, deWalter Praxedes e Nelson Piletti (SP, Ática). Infelizmente, há

espantosa carência de bons sites na Internet sobre o tema.Uma exceção é a página em espanhol mantida pela Red

Académica Uruguaya (http://www.rau.edu.uy/mercosur).

Cone Sul como contrapeso indispensávelpara as pressões pró-Alca de Washington.Visões estratégicas diferentes já criavam ten-sões subterrâneas entre Brasília e BuenosAires e minavam o Mercosul. A desvalori-zação do real coloca as minas em estado decombustão.

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O Meio e o Homem

Demétrio MagnoliEditor de Mundo

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OSCILAÇÕES CLIMÁTICAS

AFETAM A HISTÓRIA

Os climas são produto de complexas interações entre a atmosfera, os oceanos e os continentes. Parapenetrar nos mistérios dessas interações, precisamos do auxílio dos professores de Física, Química, Biologia.

Na área de Física, vale a pena discutir as trocas de calor. Como ocorrem? Como se comportam os gases,a água e o meio rochoso nesse processo?

Química é a disciplina mais indicada para entender o conceito de efeito-estufa. Qual é a influência dosdiferentes gases atmosféricos na retenção de calor solar?

Sem a Biologia, não se compreende a formação da atual atmosfera terrestre. Por que a atmosfera eradiferente no início da história geológica da Terra? Por que demoraram para aparecer as primeiras formas de vidaaeróbica?

Por volta de 2.300 a.C., o rei Sargão I estabeleceuo seu domínio sobre as cidades sumerianas do centro e dosul da Mesopotâmia, criando o Império Acadiano. Con-tudo, o império desapareceu apenas dois séculos mais tar-de. As cidades do norte esvaziaram-se, enquanto popula-ções migravam para o sul, pressionando os estoques de águae alimentos e provocando desastrosos conflitos internos.As causas desse desenlace permanecem misteriosas. Estu-dando amostras de solos dos estratos dessa época, arqueó-logos descobriram cerca de 60 cm de areia fina e poeira,um indício de violenta mudança climática.

A desertificação pode ter causado o desastreacadiano, assim como a regressão marinha abriu o “corre-dor de tundra” para a América e a oscilação medieval ritmou

a colonização viking. Mas a Revolução Francesa é outracoisa. Um evento sócio-político do final do século XVIII,quando a explosão industrial acontecia do outro ladodo Canal da Mancha, não pode ser explicado por uma“história climática”, mas por um quadro global de crisedo absolutimo, que teve no Iluminismo o seu pano defundo. As oscilações climáticas modificaram, até certoponto, a história humana. Mas também vale a relaçãoinvertida. Para o astrônomo Carl Sagan, o homem vemalterando os climas “de forma substancial e contínuadesde a descoberta do fogo”. Não é preciso concordarcom essa proposta radical para temer pela oscilação cli-mática que pode estar em curso desde o início da civili-zação industrial, há cerca de dois séculos.

s temperaturas médias da superfície terrestreapresentam, ao longo do tempo geológico, uma estabi-lidade animada por oscilações periódicas. Há mais de 3bilhões de anos, quando a composição de gases atmosfé-ricos permitiu o desenvolvimento da vida aeróbica, astemperaturas estacionaram em torno dos 150C. De lápara cá, registraram variações de até mais ou menos 50Cem torno do ponto médio.

A história dos ciclos de aquecimento eresfriamento está impressa em rochas e fósseis. Atravésdeles, os estudiosos dos paleoclimas traçaram o percursodas longas oscilações descendentes, as idades glaciais, edas profundas e curtas depressões térmicas, as glaciações.O período geológico atual, o Quaternário, que come-çou há cerca de 1,6 milhão de anos, aparece como umaúnica idade glacial, pontilhada por cinco glaciações nohemisfério norte (v. o box). O encerramento do episó-dio glacial mais recente assinala a difusão do Homo sapiense, no Oriente Próximo, a deflagração da RevoluçãoNeolítica, que gerou as primeiras civilizações agrícolas.

No final da glaciação Wisconsin, a regressãomarinha secou o Estreito de Bering, abrindo um “corre-dor de tundra” entre a Sibéria e o Alasca. Por lá passa-ram grupos humanos que, depois do recuo dos glaciares,seguiram uma rota migratória em direção ao sul, peloleste das vertentes das Montanhas Rochosas canadensese povoando toda a América. Segundo a teoria clássica -hoje contestada por achados arqueológicos e interpreta-ções das divergências de línguas - essa foi a onda pionei-ra de povoamento do continente. Nos 12 mil anos doHoloceno, as oscilações térmicas foram pequenas. Con-tudo, a relativa estabilidade das médias globais não ex-clui variações com forte impacto regional. Mudanças nasmédias globais de menos que 10C são compatíveis comvariações regionais de 30C ou mais. Não é pouco. Noauge da glaciação Wurm, as temperaturas globais eram“apenas” 50C mais baixas que as atuais.

Nos glaciares dos Alpes e da Escandinávia, afossilização das sementes de coníferas e pólens de floresguarda a memória das oscilações climáticas na Europamedieval. Esses registros indicam um significativo aque-cimento entre os séculos VIII e XIII, provavelmente maisintenso na porção setentrional do continente. Em 874,os vikings noruegueses lançaram-se à colonização da Is-lândia. Em 982, chegaram à Groenlândia, fundando acolônia de Garda. A grande ilha foi batizada com umnome que significa “terra verde” e revela a amplitude dorecuo dos glaciares. Por volta do ano 1000, a expansãoatingiu o seu zênite, com a implantação da colônia deVinland, na ilha de Terra Nova, no atual Canadá. Oencerramento do ciclo de aquecimento, no século XIV,coincidiu com o abandono dessas colônias..A oscilaçãoclimática foi fator decisivo na expansão e retração viking.A imaginação histórica poderia criar variados cenáriosalternativos sobre a evolução sócio-econômica e culturalda América do Norte caso o resfriamento não tivesseocorrido e os vikings prosseguissem o seu empreendi-mento colonial, séculos antes de Colombo.

Os séculos XVII e XVIII são chamados, com evi-dente exagero, de “Pequena Idade Glacial”. Acredita-seque, nesse intervalo, as médias térmicas globais tenhamse reduzido em aproximadamente 10C. Há indicações deque, na Europa ocidental, o resfriamento foi mais acentu-ado. O rio Tâmisa, que atravessa Londres, sofreu conge-lamentos sucessivos, evento bastante incomum. E, comfreqüência incomum, nevascas precoces destruíram plan-tações antes da colheita. A Revolução Francesa de 1789foi precedida por anos de crises agrícolas e quebras desafras que ajudaram a formar o ambiente para a revoltacamponesa e dos pobres das cidades.

Nossa era: mero ‘‘parêntesis’’ entre glaciações?Durante o Quaternário, a Eurásia conheceu cinco grandes glaciações, e a América do Norte, quatro,

separadas por interglaciais (v. o quadro). No hemisfério sul, não se registraram glaciações. Todos os episódiosglaciais verificaram-se no Pleistoceno, a época inicial do Quaternário. O final da glaciação denominada Wurmna Europa e Wisconsin na América do Norte, há apenas 12 mil anos, assinala a passagem do Pleistoceno para oHoloceno, a época atual. Alguns geólogos pensam que o Holoceno é uma “invenção” sem sentido, pois nãopassaria de mais um interglacial pleistocênico.

Nas glaciações, as águas oceânicas sofrem resfriamento e contração. Parte delas se acumula nas altaslatitudes, contribuindo para a formação de vastas e espessas calotas polares. Ocorrem, então, regressões mari-nhas: o rebaixamento do nível dos oceanos faz emergir extensas planícies costeiras. Os glaciares expandem-seaté as latitudes intermediárias e ocupam cotas mais baixas das vertentes das montanhas. Os climas tendem a setornar mais secos, pela redução da evaporação, e os desertos avançam sobre as estepes e savanas.

Nos interglaciais, ocorrem transgressões marinhas: a elevação do nível dos oceanos provoca submersãode terras costeiras, enquanto os glaciares recuam para latitudes e altitudes maiores. Os climas tendem a se tornarmais úmidos. Os desertos recuam, as florestam reocupam áreas perdidas na glaciação anterior.

Glaciações e interglaciais recentesEuropa América do Norte Posição no QuaternárioWURM WISCONSIN Pleistoceno SuperiorRiss-Wurm Sangamon Pleistoceno SuperiorRISS ILLINOIAN Pleistoceno SuperiorMindel-Ris Yarmouth Pleistoceno MédioMINDEL KANSAN Pleistoceno MédioGunz-Mindel Aftonian Pleistoceno MédioGUNZ NEBRASKAN Pleistoceno InferiorDanúbio-Gunz Pleistoceno InferiorDANÚBIO Pleistoceno Inferior

OBS: Em maiúsculas aparecem as glaciações; em minúsculas, os interglaciais.

CID

Esquimó e seu iglu: o ser humanotem uma extraordináriacapacidade de se adaptar acondições climáticas extremas

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9Diário de Viagem

CRISTO NO TIMOR

Q

Leonardo Sakamoto é jornalista. Viajou através do TimorLeste em agosto e setembro de 1998 para realizar seutrabalho de conclusão do curso de jornalismo na Escola deComunicações e Artes (ECA) da USP. Esteve nas selvascom a guerrilha timorense e entrevistou seu líder, XananaGusmão, então preso em Jacarta, capital da Indonésia.

A “TERCEIRA MORTE” DO IMPÉRIO COLONIAL PORTUGUÊS

uando Dili surgiu por trás das nuvens, cau-sou-me certo espanto. Algo de familiar, sensação de dejavù. Do alto, a cidade era um amontoado de tetos de zincoabraçados por morros à sua volta. Boréu, Rocinha, Ale-mão... Não havia a Gávea e muito menos o Pepê, trocadospor carrocinhas que vendiam sopa. O que não impedia,porém, que a bola estufasse redes de futebol na praia. Al-guns navios de guerra descansavam na baía, essa tão porcaquanto a Guanabara. E, de braços abertos, a estátua deCristo redimia (em uma poética meio invertida) não a ci-dade, mas o pôr-do-sol do alto de uma montanha.

Estava impossível relaxar. Apesar das semelhanças,Dili não era Rio e Timor não é Brasil. Seis meses de plane-jamento, duas semanas de contatos em Portugal, dias deencontros em Jacarta, a capital da Indonésia. Tudo issopara culminar em uma grande dor de barriga no avião.Que desculpa alguém que está prestes a ser deportado devedar? Fiquei imaginando a cara dos colombianos, desco-bertos em situação irregular pela Imigração em São Paulo,tentando se explicar em castelhano para uma turma quemal fala o próprio português.

No saguão do aeroporto, o exército indonésio sevoltou para os estrangeiros. Eram revistados, mostravam opassaporte, com certeza seriam seguidos. Se eu queria ser oúnico voyeur da história teria também que ser cara-de-pau.- Bapak, selamat pagi! O método de dar bom dia e cairfora funcionou bem. Dou graças a Deus minha mãe terescolhido um japonês e não um finlandês para se casar.Olhos puxados e pele queimada de sol funcionam comoum bom disfarce entre indonésios e malaios.

Peguei um táxi e fui para o hotel que os exiladostimorenses em Portugal tinham aconselhado como o maisseguro. Mesmo assim, descobri que o estabelecimento ti-nha comodidades que não constavam no anúncio: micro-fones escondidos, minicâmeras de TV, telefones grampea-dos. E um pessoal de primeira: espiões - de proprietárioschineses a funcionários timorenses - prontos a te entregaràs autoridades ao primeiro sinal de conspiração. Quandoeu mudava de quarto, antes de abrir a boca para qualquercoisa (se você estivesse em um lugar em que não se podiaconfiar em ninguém acharia natural conversar consigomesmo) revirava tudo de ponta cabeça em busca de algumdedo-duro eletrônico.

Oito da noite, toque de recolher. Fiquei no meuquarto esperando uma sirene gritar pela noite, mas o queouvi foi só o silêncio. Um silêncio que doeu mais que umabomba porque explodiu por dentro. Uma angústia tomaconta de tudo, parecendo que o mundo acabou lá fora eque só resta você. Passado um tempo, a gente volta a sicom o barulho dos caminhões do exército que rasgam anoite em uma ou outra patrulha. Um toque informal: nin-guém disse nada para você, mas você sabe que não é parasair de casa.

De vez em quando eu rompia essa lei e fazia umpasseio noturno. Jantava em um restaurante a dois ou trêsquilômetros do hotel e voltava caminhando. Pouquíssimaspessoas nas ruas. Mesmo para os que vêm de fora não édifícil saber onde estão os postos militares do exército.Lâmpadas coloridas na fachada indicavam um local proi-bido. Pareciam instalações de Natal, porém não piscavam,vigilantes. Fina ironia muçulmana.

Tinha vontade de conhecer o Cemitério de SantaCruz, onde centenas de estudantes foram mortos em 1991.Um membro da resistência timorense levou-me lá. “Olhaaquela árvore. Ali meu amigo caiu depois de levar tirospelas costas”. Vasos de flores tombados pelo chão, cruzesquebradas, capim alto. Tudo dava a impressão de que otempo tinha sido suspenso em Santa Cruz. “Em cima des-te túmulo uma garota foi violentada por um soldado”. Derepente, parecia que tudo acontecera no dia anterior. “Oexército ficou à espreita daquele lado, esperando que osestudantes chegassem”. Tirei apenas fotos em preto e branconesse dia. Não me atrevi a colorir aquele lugar.

Portugal foi a primeira monarquia européia a estabelecer um império colonial, que chegou a ser o maisextenso do mundo no século XVI. A expansão colonial ocorreu sobre terras americanas, africanas, asiáticas e atéilhas da Oceania. As conquistas lusitanas envolveram implantações “continentais” - como Brasil, Angola, Moçambiquee Guiné-Bissau - e feitorias “puntuais” - como Goa, Damão e Diu (na Índia) ou Macau (na China). Além disso,Portugal tomou posse de arquipélagos e ilhas no Atlântico (Açores, Madeira, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe) eno Pacífico (parte oriental da ilha de Timor). As primeiras conquistas, Açores e Madeira, ocorreram durante oséculo XV, enquanto as últimas, Macau e Timor, verificaram-se na segunda metade do século XVI (v. o mapa).

Lisboa iniciou garantindo o controle sobre a rota das Índias. O Brasil era então visto quase que como umestorvo. Logo, Portugal se tornou o maior centro mundial na revenda de especiarias. Mas, à medida que o impériose expandia, paradoxalmente se enfraquecia. As despesas com a manutenção de um grande número de funcionári-os, a necessidade de proteção de inúmeros pontos espalhados pelo mundo e os gastos da corte contribuíram paratornar a monarquia mais vulnerável.

Os problemas se agravaram durante a União Ibérica (1580-1640), quando a coroa lusitana foi subordinadaà espanhola. Sob o fogo da concorrência holandesa, Lisboa perdeu o controle sobre a rota das Índias. Essa foi a“primeira morte” do império e, também, uma lição sobre o valor do Brasil. A “segunda morte” viria, justamente,com a independência brasileira, em 1822. Antes dela, na segunda metade do século XVIII, os estrategistas portu-gueses sonharam com uma refundação imperial nos trópicos. Esse sonho adquiriu uma realidade tênue e passageiraquando, confrontada com as tropas napoleônicas, a corte lusitana transferiu-se para o Rio.

O prolongado domínio de amplos territórios coloniais alimentou um anacrônico orgulho nacional e con-feriu ao pequeno país uma influência externa desproporcional. O colonialismo funcionou como um dos alicercespolíticos e ideológicos da longa ditadura de Antonio de Oliveira Salazar (1932-68), que prosseguiu e finalmenteimplodiu nas mãos do sucessor Marcelo Caetano (1968-74). A “terceira morte” do império colonial começou em1961, quando tropas da Índia tomaram as possessões de Goa, Damão e Diu. Em seguida, foram deflagradas asguerrilhas anti-coloniais em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. O custo financeiro, humano e político docombate às guerrilhas africanas foi fator primordial para a eclosão da Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974(v. pág. 4). Um ano depois da revolução, Lisboa renunciava às colônias africanas e ao Timor Leste, que foi imedi-atamente ocupado pela Indonésia.

Atualmente, do vasto império do século XVI, sobram apenas as ilhas da Madeira e Açores, fortementeintegradas a Portugal. Macau passará à soberania chinesa no primeiro dia do ano 2000. O ritual de transmissão dasoberania sobre o minúsculo enclave chinês, que assinalará o fim de um império de meio milênio, poderá coincidircom o surgimento de mais uma nação de língua portuguesa. O Timor Leste, ferido pela repressão implacável àguerrilha e desfigurado pela migração dirigida de indonésios, parece ter a possibilidade de recusar a autonomia queo novo governo de Jacarta oferece e seguir um perigoso atalho rumo à independência.

Partes de Dili haviam se tornado tão malditas que,acredito, nem os matan-dook, xamãs da ilha, poderiampurificá-los com suas mágicas, rezas e amuletos. Um des-ses lugares é o prédio onde eram realizados os interrogató-rios do serviço secreto. Algo como o nosso Dops. Em nadase distinguia das demais construções, a não ser pelas histó-rias dos que conseguiram sair. O lixo resultante das sessõesde tortura era encaminhado para valas comuns, cavadascomo trincheiras nos arredores da cidade. Houve épocasem que tratores faziam o serviço de coveiros. Ruanda,Burundi, Timor, muda só o nome. Estive sobre o localprovável de uma dessas valas, com mais de 300. Ironica-

mente, próximo de onde foi erguido um altar para receberJoão Paulo II em sua visita à ilha.

Assim como o avião do papa veio, foi embora, su-mindo por entre as nuvens, deixando Dili para trás. Al-gum tempo depois, tomei o mesmo caminho e segui via-gem para o Brasil. Indiferentes a toda essa movimentação,homens, mulheres e crianças mortos pela guerra esperamo dia em que possam realmente descansar em paz. E, entreos vivos, existe a esperança de que um dia a cidade possaser, realmente, maravilhosa.

O Império Colonial Português no século XX

OCEANOATLÂNTICO

1 - PORTUGAL

2 - AÇORES (parte metropolitana de Portugal)3 - MADEIRA (parte metropolitana de Portugal)4 - CABO VERDE (independente em 1975)5 - GUINÉ BISSAU (independente em 1974)6 - SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE (independente em 1975)

OCEANOPACÍFICO

OCEANOPACÍFICO

OCEANOÍNDICO

AMÉRICADONORTE

AMÉRICADOSUL

ÁSIA

EUROPA

ÁFRICA

12

3

4

56

7

8

910

11

12

13

7 - ANGOLA (independente em 1975) 8 - MOÇAMBIQUE (independente em 1975) 9 - DIU (anexado pela Índia em 1961)10 - DAMÃO (anexado pela Índia em 1961)11 - GOA (anexado pela Índia em 1961)12 - TIMOR ORIENTAL (anexado pela Indonésia em 1976)13 - MACAU (será devolvido à China em dezembro de 1999)

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QUESTÃO DE IDENTIDADEAo contrário do que normalmente se imagina, foramnecessários séculos para que o idioma português fosseimplantado como língua geral do Brasil. Até o século

XVIII, o uso do tupi pela população luso-brasileira eratão geral que Lisboa chegou a proibi-lo; acredita-se quemesmo nos quilombos habitados por negros de várias

origens culturais a língua falada era o tupi

Paulo Bearzoti FilhoEspecial para T&C

T & C

Dê-me um cigarro / Diz a gramática / Do professor e do aluno / E do mulatosabido / Mas o bom branco e o bom negro / Da Nação Brasileira / Dizem todos osdias / Deixa disso camarada / Me dá um cigarro

(Oswald de Andrade, pronominais)

A vida (...) / Vinha da boca do povo na língua errada / do povo / Línguacerta do povo / Porque ele é que fala gostoso o português / do Brasil / Ao passo quenós / O que fazemos / É macaquear / A sintaxe lusíada

(Manuel Bandeira, Evocação do Recife)

“A construção brasileira ‘me dá um copo d’água’ deixa um professor portuguêsempertigadinho de cabelos arrepiados. Em primeiro lugar (...). Em segundo lugar (...).Conclusão, na visão dos portugueses e até de muitos brasileiros serviçais das classes domi-nantes, a frase em questão está duplamente errada, pois infringe duas regras do portuguêslusitano. Se o brasileiro fala diferentemente, deve se corrigir, pois está ‘errado’. O certo écomo eles falam, pois é lá que está a norma.”

(Hildo Couto, O que é português brasileiro)

A partir da correlação entre os textos acima, responda:a) Qual é a regra que o “professor, o aluno e o mulato sabido” seguem?b) Qual dos dois usos é mais valorizado pelos autores?c) Se extraído do contexto o trecho “O certo é como eles (os portugueses) falam, pois é lá

que está a norma.”, seria possível afirmar que contraria a posição de que a “línguaerrada do povo” é a “língua certa do povo”? Contextualizando-o, também? Explique.

d) Os textos selecionados são construídos em torno de oposições. Organize duas colunas, trans-crevendo em cada uma idéias comuns aos três (ou seja, pertencentes ao mesmo “pólo ideoló-gico”). Na coluna da esquerda os trechos, combinados, formam um bloco de sentido (camposemântico), que se opõe ao da outra coluna. Orientando-se por este esquema gráfico, escrevauma dissertação que reafirme ou conteste a conclusão comum a que chegaram os autores.

A implantação do português como língua do Brasil se deu apenas após certoprocesso longo e complexo. O fato de que o número de falantes do português nos sécu-los XVI e XVII era muito menor que o de falantes indígenas tornava inviável a simplesadoção do português como meio de comunicação na Colônia. Ao contrário, o que seimpunha era o uso de alguma língua de base indígena.

Os contatos iniciais dos portugueses ocorreram com as tribos tupi da costa bra-sileira. O tupi antigo - falado, no século XVI, desde o litoral de São Paulo até o doNordeste -, tornou-se, então, a língua principal da colonização. O padre Antônio Vieira,por exemplo, escreveu em 1694, a propósito das “famílias dos portugueses e índios emSão Paulo”, que “a língua que nas ditas famílias se fala é a dos índios, e a Portuguesa avão os meninos aprender à escola”. Segundo o lingüista Ayron Rodrigues, o uso do tupipela população luso-brasileira, ainda no século XVIII, “era tão geral que o governo por-tuguês chegou a baixar decretos proibindo esse uso”.

Os jesuítas foram os primeiros a estudar o tupi e a utilizá-lo na escrita. Merecedestaque o padre José de Anchieta, autor da primeira gramática do tupi (1595) e decerca de 7.000 versos nesse idioma.

No entanto, os jesuÍtas concebiam a cristianização como corolário da transforma-ção “civilizatória” dos indígenas, o que implicava a mudança não só de seus costumes ou desua religiosidade, mas também de seu idioma. Assim, se os missionários adotaram o tupiantigo como a língua da catequese, não deixaram de aproximá-lo - em sua gramática, seuvocabulário e sua visão de mundo - das línguas latinas, tidas como mais civilizadas.

A modificação do tupi à medida que progrediam os contatos entre portugueses eíndios, bem como a “normatização” nele empreendida pelos jesuítas, levou à chamadalíngua geral brasileira, o verdadeiro idioma de nossa colonização.

Não fosse a ação “político-lingüística” da elite letrada luso-brasileira; não fosse aperseguição ao trabalho missionário jesuítico após Pombal; não fosse o terrível processoetnocida por que passaram os índios - e o Brasil, à semelhança do Paraguai, bem poderiahoje ser um país bilíngüe, com ao menos alguns milhões de falantes do tupi brasileiro.

AS LÍNGUAS DA ESCRAVIDÃO

A política portuguesa para os escravos visava a separá-los, para que não ficassemjuntas pessoas de mesma etnia. Isso, naturalmente, dificultava que eles adotassem algu-ma língua africana comum para sua intercomunicação. Desse modo, também para elesse impôs a adoção da língua geral de base tupi. Mesmo nos quilombos essa deve ter sidoa língua adotada. (Nesse ponto, porém, as pesquisas são incipientes, e não podemosdescartar que tenha havido, ao menos em certos quilombos, a adoção de uma línguageral de base africana.)

Em meados do século XIX, quando o tráfico de escravos foi considerado ilegal,relaxou-se a política de separação dos escravos. É apenas então que despontam gruposnegros falantes de uma única língua africana.

As pesquisas sobre os vestígios de línguas africanas no Brasil - por exemplo, nosrituais do candomblé - são feitas, principalmente, pela Universidade Federal da Bahia, eprivilegiam o estudo do ioruba (nagô).

PORTUGUÊS DO BRASIL VS. PORTUGUÊS DE PORTUGAL

Nossa independência política fortalece a preocupação com a identidade brasilei-ra e, conseqüentemente, com o caráter específico de nosso idioma.

SERVIÇO:Se você quiser saber mais sobre esse assunto, consulte as seguintes obras:ARBEX JR, José e SENISE, Maria H. V. Cinco Séculos de Brasil —

Imagens e Visões. São Paulo: Moderna, 1999.CÂMARA JR, Joaquim Mattoso. Introdução às línguas indígenas

brasileiras. Rio de Janeiro. Ao Livro Técnico, 1977.HOUAISS, Antônio. O português no Brasil. Rio de Janeiro: Unibrade

- Centro de Cultura, 1985.PINTO, Edith Pimentel. O português do Brasil - textos críticos e

teóricos (2 volumes). São Paulo: Edusp, 1978.RODRIGUES, Ayron Dall'Igna. Línguas brasileiras - para o

conhecimento das línguas indígenas. São Paulo: Edições Loyola, 1986.

O filólogo AntônioHouaiss (~a dir.),falecido em março,defendia um Acordode UnificaçãoOrtográfica entretodos os países quefalam a língua deCamões e FernandoPessoa

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Paulo Bearzoti Filho é professor de Língua Portuguesa do Curso Positivo, emCuritiba (PR), e autor de A descrição e Sintaxe de colocação, ambos pela Atual Editora.

Leia com atenção os seguintes trechos, e responda em seguida:

a) “Aqui o português sofreu não só a influência do meio físico mas também a dos povosindígenas, africanos e de outros que, como imigrantes, vieram fazer parte de nossa soci-edade posteriormente. A língua portuguesa do Brasil é, conseqüentemente, resultado detudo isso.”

(Hildo Couto, O que é português brasileiro)

b) “O português falado no Brasil é um português com açúcar.”(Eça de Queirós)

c) “Algumas palavras, ainda hoje duras ou acres quando pronunciadas pelos portugueses,se amaciaram no Brasil por influência da boa africana. O processo de reduplicação dasílaba tônica, tão das línguas selvagens e da linguagem das crianças, atuou sobre váriaspalavras dando ao nosso vocabulário infantil um especial encanto. (...) A ama negra fezmuitas vezes com as palavras o mesmo que com a comida: machucou-as, tirou-lhes asespinhas, os ossos, as durezas, só deixando para a boca do menino branco as sílabasmoles. (...) É uma das falas mais doces deste mundo (...); palavras que só faltam des-manchar na boca da gente. A linguagem infantil brasileira, e mesmo a portuguesa, temum sabor quase africano: caca, pipi, bumbum, neném, tatá, papá, papato, lili, mimi,auau, bambanho, cocô, dindinho, bimbinha.”

(Gilberto Freyre, Casa-Grande e Senzala)

d) tomei um expresso / cheguei de foguete / subi num bonde / desci de um elétrico /pedi um cafézinho / serviram-me uma bica / quis comprar meias / só vendiampeúgas / fui dar à descarga / disparei um autoclisma / gritei ‘‘ó cara!” /responderam-me “ó pá!” / positivamente / as aves que aqui gorjeiam não gorjeiamcomo lá

(José Paulo Paes, Lisboa: aventuras)

1) Reúna palavras que exemplifiquem a contribuição de índios e negros na formação doportuguês do Brasil (nomes de rua, cidade, comida etc).

2) Qual povo imigrante mais marcou a cultura de sua cidade/ região? Pesquise exemploslingüísticos desta influência.

3) Com o auxílio das notas de Gilberto Freyre, explique o que Eça de Queirós chama de“português com açúcar”.

4) O trecho “as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá” pertence originariamente aoutro poema. Depois de identificar a obra, explique o sentido que o verso adquire nosdois textos.

5) Enriqueça esta reflexão sobre o português brasileiro em um texto dissertativo de até 30linhas.

T & C

Aos principais da BahiachamadosOs Caramurus

Há coisa como ver um PaiaiáMui prezado de ser Caramuru,Descendente do sangue de tatu,Cujo torpe idioma é Cobepá?

A linha feminina é CarimáMuqueca, pititinga, caruru,Mingau de puba, vinho de cajuPisado num pilão de Pirajá.

A masculina é um Aricobé,Cuja filha Cobé, c’um branco PaíDormiu no promontório de Passé.

O branco é um Marau que veio aqui:Ela é uma índio de Maré;Cobepá, Aricobé, Cobé, Paí.

(apud Mattos, Gregório de,Poemas escolhidos - seleção, introdução e no-tas de José M. Wisnik, SP: Cultrix, s/d.)

Nesse poema, o poeta barroco baiano Gregóriode Mattos (1633 (?) – 1696) ironiza “os prin-cipais da Bahia” (ou seja, a elite - ou parte dela- da época), que se vangloriava de possuir an-cestrais indígenas.

Alguns argumentam que o português brasileiro já se diferencia do lusitano empontos fundamentais, como a pronúncia e o vocabulário, dada, sobretudo, a influênciado tupi e das línguas africanas. A vertente nacionalista dessa corrente defende a liberda-de de nos desfiliarmos do português lusitano, aceitando e favorecendo nossa especificidade.Tal foi, ao menos às vezes, a posição, por exemplo, de José de Alencar.

Para compreender a questão sem purismo ou nacionalismo, devemos notar queuma língua sofre variações, conforme, principalmente, cinco eixos, a saber: variaçõesregionais, sociais, históricas, situacionais e aquelas decorrentes do uso da modalidadeescrita ou falada.

Assim, é natural que, distantes geograficamente, e existindo em ambientes soci-ais diversos, o português do Brasil e o de Portugal apresentem variações (que, aliás, exis-tem também no interior de cada falar). Isso, entretanto, não impede a existência de uma“superior unidade” do idioma, que se revela pela intercomunicação entre falantes do por-tuguês de qualquer região ou camada social. Vejam-se, por exemplo, as novelas brasilei-ras, que passam, em Portugal, sem “dublagem”.

Quanto à influência dos falares africanos ou indígenas, seu peso tende às vezes aser exagerado, o que não significa que deva ser menosprezado. No geral, o tupi e, emmenor escala, as línguas africanas influenciaram apenas o vocabulário, mas não a gramá-tica, do português brasileiro, e, mesmo assim, em áreas específicas, como a toponímia(nomes de lugar), a antroponímia (nomes de pessoa), a culinária e a denominação dafauna e da flora.

Em resumo, se é válido pensar na diversidade da fala no Brasil e em Portugal,também é lícito focar a unidade, sobretudo escrita, dessas variantes, o que preserva oportuguês como língua comum de brasileiros e lusitanos.

O PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE CULTURA

Costuma-se distinguir as línguas “naturais”, ágrafas (sem escrita) e que servem agrupos sociais reduzidos das línguas “de cultura”, faladas por grande contingentepopulacional, em território razoavelmente extenso e utilizadas para a produção literária,filosófica e científica.

Segundo Antônio Houaiss, se considerarmos o número de falantes, a extensãogeográfica e a produção escrita, há hoje no mundo sete “línguas de cultura de ponta”:árabe, chinês, espanhol, francês, inglês, português e russo. (A exclusão de línguas impor-tantes, como o alemão, o italiano ou o japonês, se deve a sua relativa limitação geográfica.)

O português é a língua oficial de sete países, cinco deles africanos (nos quais oportuguês não é o único idioma): Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique,Portugal, e São Tomé e Príncipe. … também o idioma do Timor Leste, (v. pág.9) região queluta por sua autonomia ante a Indonésia, e de pequenas comunidades na Ásia. No total, hápelo menos 180 milhões de falantes nativos do português no mundo.

Apesar desse número de falantes e de sua transcontinentalidade, o português care-ce de uma produção escrita mais avantajada, bem como de mais falantes letrados. Na listade sete “línguas de cultura de ponta”, o português é, por enquanto, o sétimo colocado.

A “globalização” cria meios de contato entre populações distantes. Ao menosem tese, esse processo poderia favorecer a unidade lingüística dos países que integrama lusofonia (ou seja, que falam o português).

É claro, porém, que a globalização tem favorecido muito mais a difusão doinglês, língua da nação capitalista hegemônica, os EUA. A questão que surge, portan-to, é outra: em que medida a globalização pode pôr em risco o uso do português?

Historicamente, a expansão européia inibiu a diversidade lingüística. No Brasil,por exemplo, estima-se que entre 150 e 350 línguas foram extintas desde o século XVI.

Línguas com pouca ou nenhuma produção escrita, mesmo que apresentemconsiderável número de falantes, tendem a desaparecer mais facilmente. Aliás, doponto de vista estritamente lingüístico, é lícito supor que um dos motivos do desapa-recimento da língua geral brasileira é que ela não gozou de estatuto escrito ativo, anão ser para fins de catequese.

As línguas mais “aptas” a sobreviver são, portanto, aquelas ancoradas em siste-mas políticos, sociais, econômicos e culturais fortes, pois isso as reveste de grandeprodução escrita.

Nesse contexto, para o português é vantajoso afirmar a unidade de seus fala-res, mais que sua diversidade.

Esse é o pensamento daqueles que, há alguns anos, propuseram o Acordo deUnificação Ortográfica dos Países de Língua Portuguesa, que prevê a padronizaçãodos sistemas de escrita adotados nos países da lusofonia, para favorecer o intercâmbioeditorial e cultural entre eles. O Acordo já foi aprovado pelos parlamentos do Brasil ede Portugal, faltando completar-se a sanção dos países africanos.

No Brasil, o principal incentivador do Acordo foi o intelectual Antônio Houaiss,recentemente falecido. Filólogo, lingüista, dicionarista, enciclopedista, embaixador,ex-ministro da Cultura, gastrônomo, homem, enfim, de vários saberes e atividades,Houaiss calcou sua defesa do Acordo na percepção, correta, de que o português, se nãose fortalecer, pode desaparecer — ou, ao menos, ter seu número de falantes bastantereduzido — no prazo de alguns séculos. Daí a luta incessante que empreendeu em prolda educação, da cultura e da língua da lusofonia. Este pequeno artigo é uma singelahomenagem a esse que foi um dos maiores intelectuais do século 20.

A GLOBALIZAÇÃO E O ACORDO ORTOGRÁFICO

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ANO 2 ■ Nº 2 ■ ABRIL 1999

✔ A chave da nova economiaQuem ouve ou lê notícias sobre a crise eco-nômica com certeza já se deparou com apalavra mágica da nova economia global:“competitividade”. As nações competem,as empresas competem, os indivíduos com-petem. E quanto maior a globalização,maior a competição. Pág. 2

✔ Cooperação no vestibularPor que não aproveitar os meses quefaltam para os vestibulares e, em meio àcompetição, organizar grupos de estudo?Veja algumas dicas para essa fase deemoções radicais Pág. 2 e 3

✔ Vocação X PreconceitosParece fácil escolher. Afinal, a opção profis-sional depende da “vocação”. Até aí, apa-rentemente, tudo bem. Mas o que é “voca-ção”? Pág. 4

■ tecnologia ■ vocação ■ emprego ■

Que Fazer?Que Fazer?Seja radical: aprenda a cooperar

O bote é levado pela corredeira. A equipe deremadores luta contra o caos. O ruído das águasé ensurdecedor, misturado aos gritos de emoção.Equipe? Mais parece um “salve-se quem puder”.Mas o bote não pode virar. E é preciso evitar ochoque contra pedras, escapar aos rodamoinhos,quedas e galhos ou troncos que descem o mesmorio, levados pela correnteza.

No entanto é um rio, logo mais haverácalmaria, porto seguro ou praia. Ele segue seurumo e tudo o que se deseja é sobreviver aos so-bressaltos do percurso. Equipe? Como cooperarem meio ao perigo e ao “salve-se quem puder”?Como dividir tarefas se a cada momento é preci-so assumir novas tarefas: ora remar com força,ora usar o corpo como contrapeso para evitar queo bote vire, ora empurrar um tronco ameaçador,usando o próprio remo?

Busca do equilíbrio, apostando na coopera-ção mesmo em meio ao caos da luta para sobre-viver: assim pode ser resumido o desafio do“rafting”, esporte radical que tem a cara dos diasque correm. É um tempo de crise, de desemprego,de novas tecnologias e de ameaças competitivas.Daqui a alguns meses, o vestibular. Depois, a dis-puta por espaços privilegiados num mundo emtransformação.

Qual a “profissão do próximo milênio”? Nãoadiantam fórmulas banais do tipo “essa é a pro-fissão do futuro”, “aquela vai dar dinheiro”. Omercado muda e as escolhas que se faz podemmudar com o tempo. Crucial mesmo é ter a dispo-sição para acompanhar essas mudanças. E lutarpara desenvolver sempre novas habilidades. Issoé o que o mercado de trabalho espera de você.

Pois bem: capacidade de trabalhar em equi-pe para evitar que o bote vire é uma das princi-pais habilidades na era da globalização com re-volução tecnológica. Para desenvolvê-la não hácursos a fazer ou matérias a estudar. Mas ela énecessária em praticamente todas as matérias queestudamos na escola. Só que poucos têm consci-ência de que a forma de fazer um trabalho (“emgrupo”) é tão ou até mais importante que seu con-teúdo (o “tema”).

Fala-se muito em competição num mundo glo-bal. Cuidado. O bote só vira quando, além de fal-ta de sorte, a sua equipe não tem plena consciên-cia de que fundamental mesmo é cooperar.

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A fórmula da nova economiaCompetição e globalização

Quem ouve ou lê notícias sobre a crise econômica comcerteza já se deparou com a palavra mágica da nova econo-mia global: “competitividade”. As nações competem, as em-presas competem, os indivíduos competem. Por mercados, portecnologias, por riqueza, por empregos.

Há 200 anos os economistas dizem que, quanto maisintensa a competição, mais riqueza será criada, mais eficien-tes serão os mercados, maior será o bem-estar da sociedade.Ficou famoso o paradoxo da livre competição ou "livre con-corrência": cada indivíduo, procurando o próprio bem, sendoegoísta, promoveria o máximo de resultados positivos para acoletividade.

Inúmeros exemplos comprovam essa visão. Ao competircom meus concorrentes, procuro fazer um produto de melhorqualidade e se possível mais barato. Ou oferecer algo diferen-te: um serviço de atendimento ao consumidor ou de assistên-cia técnica. E, quanto mais cada indivíduo ou empresa procu-ra esses meios para melhorar, baratear e diferenciar seus pro-dutos e serviços, mais saem ganhando os consumidores e pro-dutores.

Projetada para a sociedade como um todo, essa competi-ção tende a gerar o máximo de qualidade. No mercado mun-dial, essa dinâmica resulta em países que se tornam campe-ões de vendas (como os japoneses), com avanços tecnológicos,queda de preços e diferenciação (o Japão miniaturizou toca-discos e televisões).

Competição: o feitiço contra ofeiticeiro

Apostar no egoísmo é uma forma de encarar o proble-ma. O melhor resultado possível para todos será o resultadonatural das forças do mercado, que filtram e selecionam osmais competentes (ou seja, que se saem melhor na competi-ção). Mas e se o mercado não funcionar? E se a competiçãose tornar selvagem? E se alguns “competidores” dominarem omercado? E se a desigualdade social chegar a um ponto emque, para a maioria, não haja nem mesmo condições de en-trar na competição?

Nessas situações, o feitiço pode voltar-se contra o feiticei-ro. Ou seja, a livre concorrência, o “salve-se quem puder”, aseleção natural dos mais aptos pode não resultar em mais bene-fícios, mais eficiência, mais riqueza, mais bem-estar. Pode atéproduzir o contrário: mais desigualdade social, menos bem-es-tar, menos integração de indivíduos, empresas e países ao mer-cado que deveria ser o harmonizador de desejos e interesses.

A competição saudável exigecooperação

Mais recentemente, economistas, sociólogos, engenhei-ros e tecnólogos começaram a perceber que a competição,

Que tal aproveitar os meses que faltam para o vestibular e,em meio à competição, organizar grupos de estudo? Vejanossas dicas sobre como cooperar para que todos tenhammais eficiência nessa fase de emoções radicais:1.Se estudar sozinho é difícil para você, mas trabalhar em

grupo já deixou de ser um problema, forme “grupos deestudo” nos períodos livres e divulgue-os em outras clas-ses. Você estará cooperando:a) com o bolso de seus pais, evitando aulas particulares

(às vezes de eficácia inferior à dos grupos de estudo);b) com os colegas que têm mais dificuldades, ao mesmo

tempo em que checa seus próprios conhecimentos;c) com seus próprios limites, admitindo que não é superi-

or a ninguém e que também precisa de ajuda.2.Combine com seus colegas uma agenda comum, ou seja,

horários de estudo coincidentes, mesmo que cada um fi-que em sua casa. Dúvidas poderão ser esclarecidas nahora, por telefone, em vez de serem arrastadas para apróxima aula. E seus pais não irão se queixar dos gastoscom esses impulsos...

3.Compra de livros: com a crise, ela pode sair mais baratase o grupo se organizar para adquirir o material ou partedele em conjunto, pode-se até criar, em literatura, um sis-tema de rodízio.

4.Reforço mútuo: uma das barreiras na corrida do vestibu-lar é o próprio estresse, o cansaço e as dúvidas sobre oque fazer, que exames prestar etc. Nessas horas, organi-zar os amigos para conversar, convidando professores eprofissionais para participar, ajuda a diluir as tensões e atirar muitas dúvidas.

levada ao extremo, pode anular os seus próprios méritos. Al-guns exemplos:

• no vestibular, a competição por uma vaga decididaapenas com base em um exame que exige às vezes uma ver-dadeira maratona de provas pode muitas vezes premiar quemtem mais resistência física ou capacidade de enfrentar proces-sos de tortura emocional - habilidades não necessariamentefundamentais para ser um bom profissional;

• na empresa, a competição excessiva pode criar um ambi-ente de guerra e paranóia entre os funcionários, que passam a

5.Foi-se o tempo em que pentelhar os outros durante a auladava Ibope. Há três atitudes cooperativas em classe quevocê pode tomar já:a) Se a aula é boa e você consegue acompanhá-la sem

maiores dificuldades, faça o papel de “auxiliar”: aju-de quem não tem o mesmo aproveitamento que você.“Traduza” para os colegas aquilo que você entendeu.

b) Se a aula é boa, mas mesmo assim você tem dificul-dades de acompanhá-la, fique na posição contrária:peça que “traduzam” para você aquilo que não estáclaro.

c) Se a aula é ruim, faça o mesmo que todo consumidorfaz (ou deveria) fazer: exija qualidade. Com suas per-guntas, você estará cobrando eficiência do professor.Essa é a única “pentelhação” que vale a pena.

6.Nos trabalhos escolares em grupo, quase sempre umfaz tudo e a maioria “encosta”. Coopere:a) Se você é dos que “encostam”, experimente assumir

a responsabilidade por pelo menos uma “parte” dotrabalho, por menor que ela seja.

b) Se você é o “encosto” dos outros, talvez não basteapenas “mudar de grupo”. Também aqui entra o “trei-no de consumidor”. Cobre dos colegas participaçãonas discussões e nos resultados.

c) Sempre ofereça sua opinião sobre as “partes” dosoutros e lhes peça que opinem sobre a “sua”. Mostre-lhes que já não é mais época de fazer “colagem” eque trabalho com “partes” preparadas por apenasuma pessoa vira um “frankenstein”. E no final todosserão responsáveis pelo “monstrengo”.

perder mais tempo puxando o saco de um chefe, criando obstá-culos para a promoção de colegas ou participando de reuniõesinúteis, quando seria melhor para a empresa dedicar esse tempoao que realmente interessa para aumentar a competitividade,como melhorar produtos e estimular a eficiência;

• entre os países, os governos muitas vezes adotam me-didas que buscam aumentar a competitividade a qualquer cus-to, tais como reduzir os próprios gastos e mesmo alguns im-postos, mas acabam sem dinheiro ou dando pouca importân-cia para obras na melhoria das estradas, da infra-estrutura, ou

para investimentos em educação e saúde pública, áreas todasimportantíssimas para que empresas e indivíduos possam fun-cionem em boas condições.

As novas tecnologias de informação (como a Internet) fun-cionam com base em vastas redes. E uma rede, por definição,só funciona se houver cooperação. Alguns exemplos:

•na Internet, a informação flui e as pessoas se benefici-am ao máximo apenas se conseguirem cooperar trocando in-formações, evitando poluir os espaços (da sala de “chat” aogrupo de discussão sobre algum tema), usando os endereçosalheios com respeito e assim por diante. Sem colaboração aInternet seria apenas caos;

•numa fábrica, a melhoria do produto depende da coo-peração entre os trabalhadores que lidam diretamente com aprodução (idéia que os japoneses lançaram) e destes com outrasáreas da empresa;

• se querem ser competitivas, as empresas precisam teracesso a novas tecnologias, o que as leva a buscar acordos decooperação com universidades e centros de pesquisa ou acor-dos de cooperação entre elas mesmas (os chamados “consórci-os”) para desenvolver em conjunto novas tecnologias que sãomuito caras (nenhuma teria condições de avançar sozinha - cri-ado o novo produto, cada uma vende com sua própria marca);

•internacionalmente, o sistema financeiro é tão caótico einstável que apenas a cooperação pode evitar, em momentosde crise, o colapso total do sistema econômico global;

•os governos criam agências (chamadas “reguladoras”)que têm como objetivo assegurar que a competição seja sau-dável (isto é, não se torne selvagem), que as empresas nãopoluam demais, que atendam bem ao consumidor (veja o casoda “Telefonica”, multada recentemente em São Paulo).

Cooperar exige:

•capacidade de liderar, mas também de ser liderado, ouseja, flexibilidade para colaborar com o grupo e disposiçãopara divergir e apontar novos caminhos, sempre que perceberuma ameaça aos objetivos do grupo;

•saber se comunicar: saber ouvir, saber apresentar umaidéia, conseguir moderar as ambições pessoais para levar emconsideração os apetites e interesses de outros membros dogrupo ou mesmo de competidores;

•conseguir mudar sua percepção do tempo: em vez doimediatismo, capacidade de pensar em resultados mais distantes,que dependerão do envolvimento de mais fatores e pessoas;

•no lugar da obsessão com uma seqüência rígida demetas, flexibilidade para imaginar roteiros alternativos, aban-donando regras inflexíveis e tecnologias ultrapassadas, optan-do por metas e não por ideais inalcançáveis.

Na prática: cooperação para o vestibular

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Expediente

Editor: Gilson Schwartze-mail: [email protected]

Consultor: Luiz Paulo LabriolaPesquisa: Knowware ConsultoriaProjeto gráfico: Wladimir Senise

Que fazer?■ tecnologia ■ vocação ■ emprego ■

é um suplemento dos boletinsMundo

Geografia e Política Internacional eTexto & Cultura

■ interpretar ■ escrever ■Não pode ser vendido ou distribuído

separadamente.

Parece fácil escolher. Afinal, a op-ção profissional depende da “vocação”.Até aí, aparentemente, tudo bem. Mas oque é “vocação”?

Muita gente acha que ela é uma es-pécie de dom: cada um de nós já nascepredestinado a ser o que será. Basta es-perar por uma “inspiração” que revelaráde repente a escolha que deve ser feita.

Atenção, já não é mais tempo deacreditar em mágica. Quem garante quetudo o que “baixa” em sua cabeça basta-rá para dar um rumo a sua vida? Por trásdas “inspirações” há muitas fantasias.

Confronte-as com a realidade. Váver se o seu “dom” para a Medicina re-siste a algumas horas dentro de um hos-pital ou ambulatório, se sua “paixão” porHistória lhe dá fôlego para encarar al-guns dias numa biblioteca lidando comdocumentos. Teste-se olhando para asoportunidades à sua volta, e não apenaspara as súbitas “sacações”... No extre-mo oposto, há quem descarte a buscada vocação e acredite que a escolha pro-fissional deve estar ligada ao que “dá

dinheiro”. Mas as fontes de riqueza nãosão eternas. Numa economia instávelcomo a brasileira, o que “dá dinheiro”hoje pode não dar amanhã. Além disso,as informações sobre as profissões me-nos ou mais requisitadas pelo mercadoestão aí para quem quiser. Pois bem.Seguir o rebanho dos que estão indo atrásdo que “dá dinheiro” resulta, em poucosanos, no esgotamento da fonte (talvezantes mesmo de você se formar).

É uma lei da economia de merca-do: quanto maior a oferta, menor o va-lor. Ficou famosa a lanchonete “O Enge-nheiro que Virou Suco”, que existia háalguns anos na Avenida Paulista. Eramtantos os formados em Engenharia (pro-fissão muito requisitada nos anos 70,quando o governo torrava bilhões emmegaprojetos) que, passada a fase boa,sobraram engenheiros desempregados.

Não esqueça de que competência éinsubstituível, tanto para se satisfazer pro-fissionalmente quanto para ganhar o má-ximo de dinheiro. E não custa lembrar queuma das infelicidades típicas deste séculoé a insatisfação profissional disfarçada poruma gorda conta bancária.

Já para outras pessoas, nem voca-ção, nem grana. Talvez a base para es-colher esteja na descoberta de uma mis-são: “vou seguir a carreira que me per-mitir ajudar os outros”. A escolha deveter um sentido “humanitário”. Eis aquioutro furo: boa sintonia com o “social”pode ser uma condição necessária, masnão suficiente para que você se satisfa-ça com sua escolha. Preocupar-se com ooutro e/ou cuidar do outro não são pos-sibilidades abertas exclusivamente a estaou aquela profissão. Todas as profissõestêm dimensões sociais e podem serexercidas com graus variados de respei-to aos outros, ao meio ambiente, a prin-cípios éticos ou políticos.

Do empresário ao físico nuclear,qualquer profissional pode estar compro-metido com uma missão social. Cedo outarde, engenheiro ou veterinário, vocêpoderá e deverá estar pensando em comoe por que não massacrar o peão de obra

ou convencer alguém de que os animaismerecem bons tratos. Além disso, lem-bram os psicólogos que o excesso de pre-ocupação com o bem alheio na hora daescolha profissional muitas vezes é sinalde pouco cuidado consigo mesmo.

A forma como se faz a pergunta édecisiva. Dá para entender que uma cri-ança pergunte para outra: “o que vocêvai ser quando crescer?” Mas, em plenaadolescência, pensar desse jeito é nãoassumir que você cresceu e já é alguém.A pergunta das crianças joga lá para fren-te uma resposta que você pode encon-trar agora, porque seu futuro chegou.

Não se veja como um “projeto degente”. Sua escolha terá de considerarsuas necessidades atuais, seu jeito de serjá conquistado, as dúvidas e as respos-tas que, bem ou mal, você já achou. Oque você será depende muito do que vocêjá é. “Ah, mas a gente muda com o tem-po”, você dirá. É a pura verdade. E asescolhas que você faz também mudamcom o tempo. Por isso mesmo, pense noque você é hoje e não só no que serádaqui a cinco anos, quando terminar auniversidade.

Enfrente os preconceitosVocação

As escolhas que você

faz também mudam

com o tempo.

"Estou na 3a.série do Ensino Médio e umade minhas professoras sugeriu que assinásse-mos o jornal "Mundo". Recebi a edição demarço e achei muito interessante o encarte "Quefazer?". Gostaria que me enviassem sites quetrabalhem a parte vocacional e também gosta-ria de alguma reportagem que tenha como temaa área de informática. Parabéns pelo jornal...Kleber M. Gavião, Poços de Caldas/MG"

Temos abordado, em várias edições, asexigências da economia e da tecnologia dainformação. Infelizmente ainda não existe umsite bem feito sobre a questão vocacional, emportuguês. Mas uma primeira aproximaçãoé o site www.instadolescente.com.br/.Logo estaremos lançando o site do QueFazer?. Esperamos continuar com o seuinteresse.

Que dizer?

A palavra do leitor