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1 GEOGRAFIA DOS PROTESTOS: UM ESTUDO SOBRE AS MANIFESTAÇÕES DO CAMPO NO ESTADO DE SÃO PAULO NO PERÍODO DE 2000 A 2011 Danilo Valentin Pereira Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária – NERA UNESP/Presidente Prudente [email protected] Resumo Esta pesquisa em andamento propõe contribuir com os estudos sobre a luta pela terra no contexto atual da questão agrária, qualificando os dados do Banco de Dados da Luta pela Terra - DATALUTA, que é um processo permanente dentro do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária – NERA e Rede DATALUTA. Pretendemos estudar os tipos das manifestações do campo no processo de luta na e pela terra, utilizando os registros da Comissão Pastoral da Terra – CPT desde 2000, fazendo uma análise com o recorte temporal de 2000 a 2011 e um recorte espacial do estado de São Paulo. O objetivo deste projeto é compreender, sob o ponto de vista geográfico, o significado das manifestações camponesas como um elemento da espacialização da luta pela terra e desenvolvimento territorial camponês no bojo da questão agrária brasileira. Palavras-chave: Espacialização da Luta. CPT. DATALUTA. Manifestação Camponesa. Questão agrária. Movimentos Socioterritoriais. Introdução Este trabalho é fruto de uma pesquisa de monografia em andamento e fará parte do trabalho final de graduação para o curso de geografia. Trata-se de uma intenção de colaborar com os estudos da questão agrária a partir das ações de manifestações dos movimentos socioterritoriais do campo ao entender sua relevância no contexto da luta pela terra. Com o intuito de organizar, armazenar e sistematizar informações sobre a questão agrária, para análises mais bem elaboradas, em 1998 foi criado o Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária - NERA, integrado ao Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista – FCT/UNESP, Campus de Presidente Prudente. Em 1999 foi criado o DATALUTA, projeto de pesquisa do NERA que é mantido permanentemente atualizado. O desenvolvimento do DATALUTA contribui com pesquisadores do Brasil e também de outros países como, por exemplo: Cuba, Canadá, Estados Unidos, México, Argentina,

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GEOGRAFIA DOS PROTESTOS: UM ESTUDO SOBRE AS MANIFESTAÇÕES DO CAMPO NO ESTADO DE SÃO PAULO NO PERÍODO

DE 2000 A 2011

Danilo Valentin Pereira

Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária – NERA UNESP/Presidente Prudente

[email protected]

Resumo Esta pesquisa em andamento propõe contribuir com os estudos sobre a luta pela terra no contexto atual da questão agrária, qualificando os dados do Banco de Dados da Luta pela Terra - DATALUTA, que é um processo permanente dentro do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária – NERA e Rede DATALUTA. Pretendemos estudar os tipos das manifestações do campo no processo de luta na e pela terra, utilizando os registros da Comissão Pastoral da Terra – CPT desde 2000, fazendo uma análise com o recorte temporal de 2000 a 2011 e um recorte espacial do estado de São Paulo. O objetivo deste projeto é compreender, sob o ponto de vista geográfico, o significado das manifestações camponesas como um elemento da espacialização da luta pela terra e desenvolvimento territorial camponês no bojo da questão agrária brasileira. Palavras-chave: Espacialização da Luta. CPT. DATALUTA. Manifestação Camponesa. Questão agrária. Movimentos Socioterritoriais. Introdução Este trabalho é fruto de uma pesquisa de monografia em andamento e fará parte do

trabalho final de graduação para o curso de geografia. Trata-se de uma intenção de

colaborar com os estudos da questão agrária a partir das ações de manifestações dos

movimentos socioterritoriais do campo ao entender sua relevância no contexto da luta

pela terra.

Com o intuito de organizar, armazenar e sistematizar informações sobre a questão

agrária, para análises mais bem elaboradas, em 1998 foi criado o Núcleo de Estudos,

Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária - NERA, integrado ao Departamento de

Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista –

FCT/UNESP, Campus de Presidente Prudente. Em 1999 foi criado o DATALUTA,

projeto de pesquisa do NERA que é mantido permanentemente atualizado. O

desenvolvimento do DATALUTA contribui com pesquisadores do Brasil e também de

outros países como, por exemplo: Cuba, Canadá, Estados Unidos, México, Argentina,

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Espanha, Bolívia, Uruguai e França. Além do DATALUTA, existem outros projetos de

pesquisa desenvolvidos no NERA: o Relatório de Impactos socioterritoriais – RIST,

Espacialização, territorialização e mundialização dos movimentos camponeses – VIA

CAMPESINA, Estrangeirização da terra, Atlas dos movimentos socioterritoriais da

América Latina – ATLAS, Cadastro dos Grupos de Pesquisa em Geografia Agrária -

CGPGA e estudos das teorias e métodos geográficos.

Desde o início foram sistematizados dados referentes às ocupações de terra e

assentamentos rurais como elementos que interessam no estudo da questão agrária. Com

o avanço da pesquisa surgiram necessidades em criar novas categorias para que as

análises fossem mais completas e específicas. Em 2000 e 2003 foi acrescentado ao

banco de dados estudos dos movimentos socioterritoriais e estrutura fundiária,

respectivamente.

Até 2008, o DATALUTA teve a seguinte composição de categorias:

• Categoria Ocupações de terra;

• Categoria Assentamentos Rurais;

• Categoria Movimentos Socioterritoriais;

• Categoria Estrutura Fundiária;

Nas primeiras quatro categorias, trabalhamos nas escalas municipal, microrregional,

estadual, macrorregional e nacional por meio da confrontação e comparação de dados

de diferentes fontes: Comissão Pastoral da Terra - CPT, Ouvidoria Agrária Nacional -

OAN, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA e Rede

DATALUTA.

A Rede DATALUTA foi criada dentro da mesma dinâmica da complexidade do tema e

da necessidade de obter dados mais rigorosos que contribuíssem para compreender

melhor a espacialidade dos eventos de outros estados para os trabalhos em escalas

nacionais. Hoje compõe a REDE DATALUTA, o Laboratório de Geografia Agrária

(LAGEA), do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, sob a

coordenação do prof. Dr. João Cleps Junior; Geografia das Lutas no Campo e na Cidade

(GEOLUTAS) do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Oeste do

Paraná, sob coordenação do prof. Dr. João Fabrini; Núcleo de Estudos Agrários

(NEAG), da Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul, sob coordenação da

prof. Dra. Rosa Maria Medeiros; Grupo de Pesquisas em Geografia Agrária e

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Conservação da Biodiversidade do Pantanal (GECA), da Universidade Federal do Mato

Grosso, sob coordenação do prof. Dr. Eduardo Paulon Girardi, hoje docente da

UNESP/Presidente Prudente, mas responsável pela sistematização dos dados no estado;

Grupo de Estudos sobre Trabalho, Espaço e Campesinato (GETEC), da Universidade

Federal da Paraíba, coordenado pela prof. Dr. Emília de Rodat Fernandes Moreira;

Laboratório de Estudos Rurais (LABER), da Universidade Federal do Sergipe,

coordenado pelo prof. Dr. Eraldo da Silva Ramos Filho; Observatório dos Conflitos no

Campo (OCCA), da Universidade Federal do Espírito Santo, sob coordenação do prof.

Dr. Paulo Scarim e o Laboratório de Estudos Territoriais (LABET), da Universidade

Federal do Mato Grosso do Sul coordenado pela prof. Dr. Rosemeire Aparecida de

Almeirda.

Em 2009, para levantamento específico de dados, criamos a Categoria Manifestações.

No mês de março desse mesmo ano, realizamos a reunião da Rede DATALUTA na

FCT/UNESP, Campus de Presidente Prudente, e decidimos a metodologia de registro de

dados da nova categoria. A criação do banco de dados para as manifestações deu-se

devido à importância que essas ações camponesas têm assumido como mais um

elemento da luta pela terra, que contribui com a sua espacialização e dos movimentos

socioterritoriais e para o desenvolvimento do território camponês. Por isso,

consideramos necessária uma pesquisa para levantarmos mais elementos que possam

contribuir para o entendimento desse fenômeno presente na questão agrária brasileira.

Desenvolvimento Estudar as manifestações como formas de mobilização dos movimentos socioterritoriais

tornou-se tão importante quanto os estudos das ocupações e dos assentamentos rurais,

considerando que também são espaços de luta, reivindicação, proposição e resistência

dos camponeses.

Diante dessa conjuntura utilizamos os dados fornecidos pela CPT, que registra em

escala nacional, desde 2000, as manifestações realizadas por esses sujeitos sociais do

campo brasileiro e também os dados da Rede DATALUTA desde 2009.

Procedimentos metodológicos Para esta pesquisa, assim como outros trabalhos desenvolvidos pelo NERA, fazemos

um esforço de relacionar teoria e prática. O levantamento, aprimoramento e

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aprofundamento da bibliografia são trabalhados a todo o momento, assim como a

sistematização do banco de dados.

A sistematização dos dados de manifestações para o estado de São Paulo é através dos

registros fornecidos pela CPT junto aos dados do NERA.

Adotamos o procedimento metodológico de incorporação de dados que configura a

manutenção de um banco de dados o mais próximo à realidade, contribuindo com a

espacialidade das ações, que podem contemplar projetos, políticas públicas, pesquisas

cientificas, enfim, podem contribuir analiticamente com os questionamentos e

discussões sobre a questão agrária no Brasil. Com os dados da CPT em mãos

confrontamos com os registros do NERA nos anos de 2009, 2010 e 2011, encontrando

registros que a CPT não continha. Assim, adotamos a metodologia de incorporação dos

nossos dados aos da CPT. Nos anos antes de 2009 mantivemos somente os dados da

CPT, pois ainda não possuíamos o banco de dados de Manifestações. O banco de dados

configura-se numa confrontação entre os dados da CPT e NERA.

Os dados registrados pelo NERA são oriundos de fontes secundárias, conferidos e

obtidos diariamente através do DATALUTA Jornal. O DATALUTA Jornal configura-

se numa metodologia de leitura, recorte e armazenamento de notícias trazidas por

jornais de circulação nacional e regional de Presidente Prudente. Trata-se de um

trabalho diário dentro do grupo de pesquisa sendo necessária sua continuidade. Os

recortes são selecionados de acordo com temas pré-estabelecidos nos procedimentos

metodológicos do Jornal, temas esses que compreendem a questão agrária, e são

armazenados em caixas arquivos. Desta forma mantemos o banco de dados das

ocupações de terra e de manifestações registradas pela mídia.

Além dos registros das manifestações em planilhas, também digitalizamos a folha do

jornal, dando mais credibilidade às nossas pesquisas e divulgações, preservando a fonte.

Utilizamos O Estado de S. Paulo, A Folha de S. Paulo, O Imparcial, Oeste Notícias,

Brasil de Fato, Boletim da CPT, e o Jornal dos Sem Terra. Os dados apurados de

manifestações de movimentos socioterritoriais do campo diariamente são registrados em

planilhas, como já mencionado, e são enviados à CPT todo dia 10 de cada mês. Nossa

intenção é dar continuidade a esse trabalho além de fomentar o debate sobre os

procedimentos de levantamento para pesquisa e também fornecer dados não alcançados

pela CPT.

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Os materiais empregados na realização da pesquisa à sua divulgação em forma de

relatórios, quadros, mapas, tabelas e gráficos são:

• Acervo de livros das bibliotecas da UNESP e seus grupos de pesquisas, teses,

dissertações, monografias e artigos produzidos por seus pesquisadores;

• Pesquisa na Internet;

• Cadernos da CPT;

• Acervo de recortes DATALUTA Jornal;

• Software Microsoft Excel, Philcarto e Corel Draw.

Debate teórico: a representação das manifestações dos movimentos camponeses no estado de São Paulo O objetivo geral da pesquisa é analisar os tipos de manifestações camponesas no estado

de São Paulo, sistematizados pelo DATALUTA, no sentido de compreendê-las como

mais um elemento do processo de espacialização da luta pela terra, desenvolvimento

territorial e seus impactos na estrutura agrária e no desenvolvimento da agricultura

paulista.

Como objetivos específicos, a pesquisa propõe:

• Auxiliar na sistematização dos dados de registros de manifestações no NERA

para o estado de São Paulo;

• Identificar os tipos e locais onde as manifestações ocorreram, suas

especificidades e espacialidade no estado de São Paulo;

• Estudar a bibliografia para analisar o conceito de espacialização da luta pela

terra e movimentos socioterritoriais;

• Fornecer os dados sistematizados para a CPT, com a finalidade de aperfeiçoar o

debate sobre os procedimentos de levantamento de dados de manifestações;

• Elaborar tabelas, gráficos e quadros sobre as manifestações no período de 2000 a

2011;

• Levantar quais os movimentos socioterritoriais que realizam as manifestações no

estado de São Paulo;

• Compreender os significados e sentidos das diferentes formas de manifestações;

• Acompanhar as reivindicações e os resultados das manifestações na

implementação de políticas públicas referentes à estrutura fundiárias e de

desenvolvimento da agricultura.

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• Relacionar os tipos de manifestações com as reivindicações dos movimentos;

• Cartografar as informações levantadas no DATALUTA para visualizar a

espacialização da luta no estado de São Paulo com as manifestações do campo;

• Analisar por meio de representações cartográficas a espacialização e

territorialização da luta pela terra no estado de São Paulo;

A partir dos trabalhos de manutenção do banco de dados permanente DATALUTA

Jornal, com mais de 35 mil notícias registradas desde 1986, percebemos que as

manifestações ganharam espaço na mídia nos últimos anos, o que se confirma pela fala

do coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST,

João Pedro Stédile, divulgada no site do movimento, em 7 de abril de 2010:

Agora a ocupação de terras é insuficiente para enfrentar o modelo do agronegócio. Por isso, além das ocupações, o MST deve desenvolver novas formas de luta, que envolvam todos os camponeses e outros setores da sociedade interessados em mudar esse modelo de exploração agrícola, que agride o ambiente e produz alimentos contaminados. (STEDILE, 2010)

Neste contexto, as manifestações camponesas adquirem importância por serem mais

uma estratégia de luta da classe camponesa.

Além de ser mais uma estratégia de luta, hoje os movimentos socioterritoriais passam

por um momento de queda nas ações de ocupações de terras. O Relatório DATALUTA

2010i evidenciou uma tendência na diminuição dessas ocupações, consideradas a

principal forma de pressão por parte dos movimentos para o acesso a terra

(FERNANDES, 1999). As possibilidades que justificam essa queda nas ocupações são

debatidas por pesquisadores da questão agrária. Mas, o destaque dessa pesquisa revela

que as manifestações mantém certa continuidade, não variando consideravelmente de

ano para ano o número de ações e de pessoas participantes. Por isso a nossa intenção de

tentar entender seu significado em comparação com outras formas de luta dos

movimentos socioterritoriais.

Após a sistematização dos dados para o Relatório DATALUTA 2010, confeccionamos a

tabela 1 que possibilitou visualizar a relevância dos números de São Paulo das

manifestações:

Tabela 1 – BRASIL – Número das manifestações por estados e macrorregiões 2000 - 2010

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Fonte: DATALUTA, 2011. Org.: Danilo Valentin Pereira, 2011.

Podemos perceber os números expressivos dessas ações por parte dos camponeses no

país. Com quase sete mil manifestações de variados tipos e quase cinco milhões de

pessoas participando, é notável o envolvimento desses camponeses na busca do

desenvolvimento dos territórios conquistados e também como pressão para a conquista de

novos territórios disputados. O Nordeste se sobressai com um grande percentual tanto do

número de ações como de pessoas participantes. A região Sul aparece logo em seguida.

São Paulo aparece como o 7º estado em número de manifestações e 3º em número de

concentração de pessoas nessas manifestações. Esse cenário fomentou a pesquisa, que

visa aprofundar a análise inicialmente quantitativa.

Desta maneira, propomos compreender a ação dos movimentos socioterritoriais no

estado de São Paulo, buscando novos elementos que possibilitem contribuir com os

estudos sobre a espacialização e territorialização desses sujeitos sociais, através das

manifestações. Sendo assim, os dados e resultados da pesquisa proporcionarão a

continuidade do debate sobre as questões do campo paulista.

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Ainda com resultados preliminares da pesquisa que está em andamento,

confeccionamos um gráfico (gráfico 1) geral das manifestações no estado:

Gráfico 1 – SÃO PAULO - Relação do número de manifestações e número de pessoas envolvidas – 2000 a 2011.

Fonte: DATALUTA, 2012. Org.: Danilo Valentin Pereira, 2012.

Observamos que o número de pessoas participando dos atos tem sofrido uma oscilação,

com um ápice em 2005 e quedas significativas em 2006 e em 2008, porém essa queda

foi brusca em relação ao ano de 2005 somente, pois podemos observar que nesses anos

o número de pessoas participando se manteve dentro da média dos anos anteriores e

posteriores, e o número de ações manteve-se alto depois de 2005.

Dentre esses números destacamos os tipos de manifestações que os movimentos do

campo no estado de São Paulo utilizam como estratégia de luta. O trabalho de

identificação dessas tipologias foi baseado em Feliciano (2009), que através do

levantamento dessas tipologias analisou o objetivo da utilização dessas diferentes

formas de ações, e discussões com pesquisadores do NERA.

A tabela abaixo (tabela 2) traz o resultado do levantamento da pesquisa dos tipos de

manifestações praticadas no estado de São Paulo e suas representatividades percentuais

em número de ações e número de pessoas envolvidas.

Podemos perceber que a ocupação em diferentes tipos de espaços é o principal

instrumento de lutas dos movimentos socioterritoriais também nas manifestações.

Assim como no campo, ocupando fazendas, os movimentos também utilizam dessa

prática contestatória nas cidades ocupando prédios de órgãos públicos, prédios privados,

agências bancárias, prédios público/privados como pedágios e hidrelétricas e as

ocupações de rodovias bloqueando-as. Se olharmos para a tabela veremos a

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representatividade em números (45,8%) das ocupações de prédios públicos, privados,

públicos/privados, agências bancárias e as rodovias, colocadas aqui como bloqueio, mas

que não deixam de ser uma ocupação com enfrentamento direto.

Tabela 2 – SÃO PAULO - Tipologias das manifestações dos movimentos

socioterritoriais do campo – 2000 a 2011.

Fonte: DATALUTA, 2012. Org.: Danilo Valentin Pereira, 2012. *N.I – número de pessoas não informado pela fonte.

Levantadas essas tipologias que já são adotadas pela CPT em seus registros, porém não

de forma sistematizadas, a intenção da pesquisa é também estabelecer um padrão de

registro das ações camponesas para a Rede DATALUTA e compreender como essas

ações são organizadas de forma social e espacial.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é o que pratica o maior

número de ações no estado com 327 manifestações no período (76,4%) e 166.966

pessoas participantes (76,6%). Nesse conjunto de manifestações são agregados também

momentos de articulação com outros movimentos para a realização da ação.

Outro fator interessante em relação as manifestações diz respeito a suas reivindicações e

representação na luta pela terra. As ocupações de terras são a forma dos camponeses

terem o acesso a essa terra (FERNANDES, 1999), ou seja, são um enfrentamento para a

conquista do território camponês representado nos assentamentos rurais. Ao

observarmos as reivindicações externalizadas nas ações de manifestações percebemos

que políticas de reforma agrária são a principal exigência dos movimentos. Porém,

percebemos também a grande variedade de reivindicações que elas podem trazer em

suas diversas tipologias.

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Identificamos manifestações por Políticas de Crédito, de Infraestrutura, de Assistência

Técnica, Contra o Modelo Atual de Desenvolvimento, acesso a Água, Questões

Indígenas, Questões Quilombolas, Questões Ambientais, Educação, Direitos

Trabalhistas, Direitos Humanos e Justiça Social. É justamente nessa variedade de

reivindicações que visualizamos a diferenciação das manifestações para as ocupações de

terras e sua relevância como mais um elemento de luta para a conquista e o

desenvolvimento do território camponês e da questão agrária brasileira.

No estudo da questão agrária, entendemos como Fernandes (1994), que as

manifestações camponesas da luta pela terra constituem na sucessão de atos públicos

com as quais materializam e espacializam as reivindicações e proposições dos

movimentos camponeses:

Uma das formas de informar a opinião pública sobre a sua situação e pressionar o Estado é a caminhada. A caminhada é um ato público em movimento, onde centenas de trabalhadores ocupam as rodovias percorrendo centenas de quilômetros, passando por diversas cidades, conquistando apoio e divulgando a luta pela terra. Outro ato público importante é a ocupação de prédios de instituições governamentais: secretarias, institutos, Palácio do Governo, etc. (FERNANDES, 1994, p. 180)

Além dessas formas de manifestações citadas por Fernandes (1994), outras são

praticadas pelos camponeses, como observamos nesse primeiro levantamento dos

registros que nos embasam na tabela 2.

Relacionamos as manifestações como uma forma de espacialização da luta pela terra,

pois: A solução política da luta pela terra começa com as ocupações dos latifúndios e se expande para a cidade, lugar onde será desenvolvida a negociação sobre o problema apresentado pelos trabalhadores. Nas audiências, os trabalhadores apresentam suas reivindicações e exigem solução imediata para os seus problemas. (FERNANDES, 1994, p. 181).

A ocupação é uma das formas dos camponeses conseguirem o acesso a terra. As

manifestações são a materialização da mobilização do campesinato na luta na e pela

terra, ou seja, além da pressão pela reforma agrária, os camponeses lutam pelo

desenvolvimento dos territórios conquistados. De acordo com os dados do da CPT e

Rede DATALUTA, constatamos nos registros que as manifestações podem ter diversas

reivindicações, diversos objetivos e ocorrer tanto no campo, como na cidade.

De acordo com Fernandes (1994) um dos objetivos centrais da luta ao direcionar as

pessoas e as manifestações para cidade é o fato da localização das esferas do poder e

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espaços de decisões (prefeituras, sede de órgãos públicos, bancos, etc.) estarem

centrados na área urbana. Esses espaços tornam-se lugar onde as reivindicações poderão

ser ouvidas e com potencialidade de serem atendidas.

Desta maneira, as proposições das manifestações se fazem notar ao entrarem nesses

espaços políticos de decisões (FELICIANO, 2009). Assim como as ocupações, que são

formas de pressionar o governo para políticas públicas de acesso a terra e a realização

de reforma agrária: [...] as formas encontradas pelos movimentos agrários e concretizadas pelas suas práticas estão concentradas em uma ocupação estritamente ligada à luta por um espaço político: ocupar para parar (ocupação de prédios, agências bancárias, acampamentos em praças, em frente a órgãos públicos), parar para ocupar (bloqueios de estradas, interdição, retenção) e andar para parar e ocupar (marchas/caminhadas, barquetatas). Há um mosaico de possibilidades, e sua riqueza está justamente nessa diversidade. (FELICIANO, 2009. p. 135).

As manifestações podem ser também um mensurador da luta pela terra no que diz

respeito a essa diversidade e multidimensionalidade que elas apresentam nas

reivindicações e nas formas (FERNANDES e SILVA, 2007). Podem servir como um

fator revelador do que está causando o conflito, ou seus fatores principais, pois a

mobilização camponesa materializada em diferentes tipos e formas de manifestações

acontece como um modo de externalizar o descontentamento com as políticas públicas e

interesses hegemônicos, considerados contra as necessidades das massas populares, de

modo que as pessoas não têm como não sair às ruas para protestar e pedir mudanças

(WELCH, 2004) e esse é mais um elemento que queremos identificar nesse recorte

histórico/espacial.

A espacialidade, estatísticas, especificidades, formas e tipologia, ou seja, esse

“mosaico” que se cria nas manifestações precisa ser mais bem estudado, afinal é o que

as “determinam e as condicionam” (STÉDILE, 2005). Por isso o fato de terem se

tornado uma categoria nova para debate e pesquisa.

Conclusões

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Como ressaltado, a pesquisa ainda está em andamento, outros dados e interpretações

ainda estão sendo construídos, bem como a reflexão e o entendimento através da

bibliografia que está sendo lida.

De forma geral, seguiremos nessa linha de entendimento das manifestações no estado de

São Paulo, como mais um elemento de luta pela terra e desenvolvimento do território

camponês pelas várias dimensões que essas ações externalizam. Então as manifestações

dos movimentos camponeses são uma estratégia de luta que busca o acesso a terra,

assim como as ocupações, mas também são uma forma de luta na terra ao reivindicarem

políticas publicas de desenvolvimento de seus territórios.

Buscaremos assim a espacialidade da luta camponesa em suas diversas ações, sendo as

manifestações mais uma ação reveladora das demandas camponesas através de sua

diversidade e multidimensionalidade. Neste contexto analisaremos os impactos das

manifestações em diferentes políticas como as de reforma agrária e de desenvolvimento

da agricultura camponesa. As manifestações são estratégias de luta que complementam

as ocupações, ou são ações distintas nesse conflito? Qual a importância e a eficácia das

manifestações para os movimentos socioterritoriais? Esses e outros questionamentos é

que queremos responder com nossos estudos e trabalhos de campo.

O andamento da pesquisa e o resultado final do trabalho serão apresentados aos

orientadores, ao grupo de pesquisa NERA, aos pesquisadores da Rede DATALUTA e

em eventos temáticos, fornecendo novos elementos para o debate da questão agrária.

Nota __________________ i Outras informações como quadros, mapas, gráficos e tabelas na escala Brasil foram publicados no Relatório DATALUTA 2010, publicado em outubro de 2011. Para acessar: www.fct.unesp.br/nera. Referências FELICIANO, C. A. Território em disputa: terras (re)tomadas (Estado, propriedade da terra e luta de classes no Pontal do Paranapanema). Tese (doutorado), FFLCH, USP, 2009. 575 p. FERNANDES, B. M. MST: Espacialização e territorialização da luta pela terra: Movimento dos trabalhadores rurais sem terra - formação e territorialização em São Paulo. Dissertação (mestrado), FFLCH, USP, 1994. 207 p.

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FERNANDES, Bernardo Mançano. Contribuição ao estudo do campesinato brasileiro: Formação e territorialização do movimento dos Trabalhadores rurais sem terra - MST (1979 –1999). Tese (doutorado), FFLCH, USP, 1999. 316 p. FERNANDES, Bernardo Mançano. Questão Agrária: conflitualidade e desenvolvimento territorial. In: BUAINAIN, Antonio Marcio (Editor). Luta pela terra, Reforma Agrária e Gestão de Conflitos no Brasil, Campinas: Unicamp, 2007. REDE DATALUTA. DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra: Relatório Brasil 2010. Disponível em: <http://www2.fct.unesp.br/grupos/nera/projetos/dataluta_brasil_2010.pdf>. Acesso em: 20 de jun. de 2011. SILVA, A. A. FERNANDES, B. M. Manifestações: A arte de fazer política fazendo manifestações, ocupações e acampamentos no Brasil de 2007. In Cadernos Conflitos no Campo Brasil 2007. Goiânia: Comissão Pastoral da Terra, 2008. STEDILE, J. P. Camponeses e indígenas estão se mexendo. In Cadernos Conflitos no Campo Brasil 2005. Goiânia: Comissão Pastoral da Terra, 2006. STEDILE, J. P. O MST e a ocupação de terras. 7 de abril de 2010. Disponível em: < http://www.mst.org.br/node/9438>. Acesso em: 14 abr. de 2010. TARROW, Sidney. O poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Tradução Ana Maria Sallum. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. WELCH, C. A. Manifestações - 2004. In Cadernos Conflitos no Campo Brasil 2004. Goiânia: Comissão Pastoral da Terra, 2005.