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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MARYLUCE CERQUEIRA DE SOUZA VIANA GÊNEROS TEXTUAIS NO ENSINO MÉDIO: UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A PRÁTICA DE PRODUÇÃO DE TEXTOS ESCRITOS VITÓRIA 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MARYLUCE CERQUEIRA DE SOUZA VIANA

GÊNEROS TEXTUAIS NO ENSINO MÉDIO: UMA INVESTIGAÇÃO

SOBRE A PRÁTICA DE PRODUÇÃO DE TEXTOS ESCRITOS

VITÓRIA 2010

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MARYLUCE CERQUEIRA DE SOUZA VIANA

GÊNEROS TEXTUAIS NO ENSINO MÉDIO: UMA INVESTIGAÇÃO

SOBRE A PRÁTICA DE PRODUÇÃO DE TEXTOS ESCRITOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação, na linha de pesquisa Educação e Linguagens Orientadora: Profª Drª Cleonara Maria Schwartz.

VITÓRIA

2010

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Viana, Maryluce Cerqueira de Souza, 1959- V614g Gêneros textuais no ensino médio : uma investigação sobre a prática de

produção de textos escritos / Maryluce Cerqueira de Souza Viana. – 2010. 173 f. : il. Orientadora: Cleonara Maria Schwartz. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Espírito

Santo, Centro de Educação. 1. Língua portuguesa - Estudo e ensino. 2. Prática de ensino. 3. Ensino. 4.

Aprendizagem. 5. Ensino médio. 6. Produção de textos. I. Schwartz, Cleonara Maria. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.

CDU: 37

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que me abençoou, que me deu paz, sabedoria e forças para a realização

de meu objetivo.

Aos meus pais, Ildefonso (in memoriam) e Eva que, conscientes do sentido da vida,

ensinaram-me o valor do conhecimento. Ao meu marido, Waine, e às minhas filhas,

Vivian e Lívia, pelo estímulo diário.

À professora Drª. Cleonara Maria Schwartz pela seriedade, paciência e dedicação

no ensino de como caminhar pela pesquisa.

Aos professores doutores Erineu Foerst e Cláudia Mendes Gontinjo pelas

relevantes contribuições por ocasião do Exame de Qualificação.

Aos professores do PPGE/UFES, cujos ensinamentos ajudaram a delinear uma

nova visão do mundo.

Às professoras doutoras Andréia Grijó, Júlia Almeida e Virgínia Abraão por terem

sido colaboradoras no processo de minha trajetória acadêmica.

Ao professor e aos alunos, sujeitos deste estudo, que me permitiram participar de

suas aulas, com contribuições preciosas que tornaram possível esta pesquisa.

Aos colegas da Turma XXI, com os quais tive a oportunidade de compartilhar

angústias, conhecimento e amizade. Em especial, às colegas Rosane e Regina,

interlocutoras, incentivadoras, amigas e companheiras, sempre.

Aos colegas da EMEF “Prezideu Amorim”, especialmente ao diretor Aguinaldo, pelas

palavras de incentivo, compreensão e cooperação por ocasião das minhas

ausências.

À professora mestra Nilcéia Elias, ex-gerente da Gerência de Tecnologias (GTE) da

PMV, pela compreensão e ajuda em um momento tão importante.

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Viver significa tomar parte no diálogo: fazer perguntas, dar respostas, dar atenção, responder, estar de acordo e assim por diante. Desse diálogo, uma pessoa participa integralmente e no correr de toda sua vida: com seus olhos, lábios, mãos, alma, espírito, com seu corpo todo e com todos os seus feitos. Ela investe seu ser inteiro no discurso e esse discurso penetra no tecido dialógico da vida humana, simpósio universa (BAKHTIN, 1981).

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RESUMO Este trabalho integra estudos desenvolvidos na linha de pesquisa Educação e

Linguagens, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal

do Espírito Santo. Trata-se de um estudo de caso de natureza qualitativa que tem

por objetivo a investigação das concepções de gênero textual que embasam as

práticas pedagógicas do professor de Língua Portuguesa no desenvolvimento da

produção de textos de alunos do 3º. ano do ensino médio de uma escola da rede

pública estadual da cidade da Serra, ES. Os sujeitos investigados foram o professor

e os alunos do 3º. ano do ensino médio no turno vespertino. Para análise dos dados,

fundamenta-se na perspectiva de linguagem, de sujeito bakhtiniano atrelada às

contribuições de pesquisadores brasileiros (GERALDI, 1997; MARCUSCHI, 2000,

2002, 2005, 2006, 2008; ROJO, 2002; KOCH, 2005; TRAVAGLIA, 1997; BRAIT,

2006; BUNZEN; MENDONÇA, 2006). Essas perspectivas teóricas compreendem o

indivíduo como ser histórico e consideram a linguagem como forma de interação

social. A partir dos dados coletados por meio da observação participante em aulas

de Língua Portuguesa, entrevistas com os sujeitos, gravações em áudio, seleciona

as atividades que se presentificaram nas situações de ensino-aprendizagem de

língua materna, observando, principalmente, aquelas decorrentes do trabalho com

os gêneros textuais. Nesse sentido, aborda as situações de ensino-aprendizagem

dos gêneros textuais escritos, focando especialmente como e em quais atividades

os suportes dos gêneros textuais foram utilizados nas aulas de Língua Portuguesa.

Além disso, analisa como ocorreu o desenvolvimento das atividades propostas pelo

professor, bem como os materiais pedagógicos que subsidiaram as atividades

desenvolvidas. Assim, atrelado à dinâmica das aulas, situa os dados relativos às

aulas de Língua Portuguesa em quatro principais tópicos: os tipos de atividades

desenvolvidas; livro didático: o apoio principal; a dinâmica da produção de textos; a

perspectiva teórica do professor e a prática real do trabalho de produção de textos.

Palavras-chave: Gêneros textuais escritos. Produção de textos. Prática pedagógica,

Ensino-aprendizagem. Língua Portuguesa. Ensino médio.

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ABSTRACT

This project integrates studies developed in the line of Education and Languages

research, of the Postgraduate Program in Education at The Federal University of

Espírito Santo. This is a qualitative nature case study that aims to investigate the

textual genre conception that support the pedagogical teaching practices of the

Portuguese teachers in the development of text production for students attending the

3rd. year of high school in a public school in Serra, a city of Espirito Santo State. The

researched personnel were a group composed by the teacher and the afternoon shift

students of the 3rd year of high school. The data analysis is based on the Bakhtin‟s

perspective of language, and subject, attached to the contribution of Brazilian

researchers (GERALDI, 1997; MARCUSCHI, 2000, 2002, 2005, 2006, 2008; ROJO,

2002; KOCH, 2005; TRAVAGLIA, 1997; BRAIT, 2006; Bunzen; Mendonça, 2006).

These theoretical perspectives understand the individual as an historical being and

consider the language as a form of social interaction. Based on the data collected

throughout participant observation in Portuguese classes, interviews, audio

recordings, the occurring activities in situations of teaching and learning of mother

tongue are selected, with special focus to those arising from work with the genre.

Accordingly, we address the situations of teaching and learning of genre writing, with

a selected focus on how and what activities the media of text genres were used in

Portuguese teaching. Furthermore, we analyze how occurred the development of the

activities proposed by the teacher as well as the pedagogical material that supported

the activities. Thus, coupled to the dynamics of classes, we classify the data on the

lessons of Portuguese language in four main topics: the types of activities developed;

Course book, support principal; the dynamics of the production of texts; the

theoretical perspective of the teacher and the actual practice of the work of

production of texts.

Keywords: Genre writing. Production of texts. Teaching practice. Teaching-learning.

Portuguese. High School.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Redação: médias, por situação, em relação ao ensino médio (Resumo Tab. 4) .............................................................................

28

Tabela 2 – Objetivas: médias, por situação, em relação ao ensino médio (Resumo Tab. 3). ...........................................................................

28

Tabela 3 – Redações: médias, por tipo de escola e situação com relação ao ensino médio (Resumo Tab.8) .......................................................

29

Tabela 4 – Objetiva: médias, por tipo de escola e situação em relação ao ensino médio (Resumo Tab.6). ........................................................

29

Tabela 5 – Demonstrativo da faixa etária dos alunos da 3ª. série do ensino médio ...............................................................................................

77

Tabela 6 – Demonstrativo da profissão dos pais ..............................................

78

Tabela 7 – Demonstrativo do grau de escolaridade dos pais ...........................

79

Tabela 8 – Demonstrativo percentual de atividades desenvolvidas nas aulas de Língua Portuguesa .....................................................................

84

Tabela 9 – Demonstrativo dos capítulos do LD trabalhados por assunto e conteúdo ........................................................................................

91

Tabela 10 – Demonstrativo dos suportes utilizados nas aulas .........................

97

Tabela 11 – Demonstrativo dos gêneros textuais escritos trabalhados e respectivos suportes ....................................................................

100

Tabela 12 – Demonstrativo dos gêneros textuais escritos trabalhados nas aulas de Língua Portuguesa ..........................................................

103

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Competências e habilidades a serem desenvolvidas em Língua

Portuguesa .....................................................................................

21

Quadro 2 – Intervenções do Estado no ensino médio ....................................

22

Quadro 3 – Textos do cotidiano (propostas de produção textual)...................

93

Quadro 4 – Capítulo 53 – exercícios ..............................................................

95

Quadro 5 – Resenha ......................................................................................

110

Quadro 6 – Texto A linguagem na internet .................................................... 114

Quadro 7 – Características do editorial e do artigo de opinião .....................

120

Quadro 8 – Exercícios sobre artigo de opinião .............................................

121

Quadro 9 – Características do abaixo-assinado ...........................................

129

Quadro 10 – Intertextualidade ..........................................................................

131

Quadro 11 – Clarice Lispector e o conto Amor ...............................................

135

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 13

CAPÍTULO 1

O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO MÉDIO ............................. 19

1.1 REVISITANDO TRABALHOS: PROBLEMAS ANTIGOS,

QUESTIONAMENTOS ATUAIS................................................................... 31

CAPÍTULO 2

PPRESSUPOSTOS TEÓRICOS ......................................................................... 48

2.1 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E PRÁTICA DO PROFESSOR .............. 48

2.2 DO OBJETIVISMO ABSTRATO E DO SUBJETIVISMO IDEALISTA À

VERDADEIRA SUBSTÂNCIA DA LÍNGUA ................................................. 52

2.3 GÊNEROS TEXTUAIS: CONCEITOS, REFLEXÕES E DEBATES .............. 57

CAPÍTULO 3

METODOLOGIA: O CAMINHO PERCORRIDO ....................................................65

3.1 O PROCESSO DE INSERÇÃO EM CAMPO E A COLETA DE DADOS ...... 68

3.2 O CONTEXTO DA PESQUISA .................................................................... 73

3.2.1 A escola ........................................................................................... 73

3.2.2 Os sujeitos da pesquisa ................................................................. 77

3.2.2.1 Os alunos ...................................................................... 77

3.2.2.2 O professor ....................................................................... 80

CAPÍTULO 4

AS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA .............................................................. 83

4.1 TIPOS DE ATIVIDADES DESENVOLVIDAS ............................................... 83

4.2 LIVRO DIDÁTICO: O APOIO PRINCIPAL ............................................... 88

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4.3 A DINÂMICA DO TRABALHO DE PRODUÇÃO DE TEXTOS .................... 99

4.3.1 Gêneros textuais mais presentes ................................................. 99

4.3.2 As condições de produção de textos na sala de aula .................101

4.4 A PERSPECTIVA TEÓRICA DO PROFESSOR

E A PRÁTICA REAL TRABALHO DE PRODUÇÃO DE TEXTOS............... 139

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................144

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 150

APÊNDICES ......................................................................................................... 157

APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecimento .................... 158

APÊNDICE B – Termo de Autorização para Participar de Pesquisa.................. 159

APÊNDICE C – Roteiro do Formulário para Caracterização da Escola ............ 160

APÊNDICE D – Formulário para Caracterização das Salas de Aula

da Turma 3ª. Série “A” Turno Vespertino ................................. 162

APÊNDICE E – Roteiro de Entrevista com os(as) Alunos(as) ......................... 163

APÊNDICE F – Roteiro de Entrevista com o Professor .................................... 165

APÊNDICE G – Roteiro de Observação em Sala de Aula ................................ 167

APÊNDICE H – Folha de Diário de Campo ....................................................... 168

APÊNDICE I – Levantamento dos Dias em Campo ......................................... 169

APÊNDICE J – Demonstrativo das Atividades Desenvolvidas nas Aulas de

Língua Portuguesa ................................................................... 170

ANEXO ........................................................................................................... 171

ANEXO A – Revista Veja 1855 – Seção Ponto de Vista: “A maquiagem do

monstro” de Cláudio de Moura Castro ............................................ 172

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INTRODUÇÃO

Este estudo teve como preocupação central investigar concepções de gênero textual

que embasam as práticas pedagógicas do professor de Língua Portuguesa no

desenvolvimento de atividades de produção de textos com alunos do 3º. ano do

ensino médio de uma escola da rede pública estadual da cidade da Serra (ES).

O interesse por essa temática deve-se, em primeiro lugar, ao fato de que, ao longo

da nossa trajetória como professora de Língua Portuguesa, trabalhando com

produção de textos em salas de aula do ensino médio, sempre nos incomodaram as

dificuldades enfrentadas pelos professores que, entre outros problemas, não

conseguem organizar uma prática que seja vista pelos alunos como dinâmica,

estimulante e desafiadora. Em segundo, as dificuldades dos alunos em produzir

textos escritos, já que, frequentemente, não conseguem se expressar de forma clara

e coerente, o que acaba por comprometer a sua aprovação nos vestibulares mais

concorridos, no caso o das universidades públicas.

Vale destacar que, nos últimos anos, o olhar da sociedade também tem se voltado

para o desempenho insatisfatório das produções escritas de estudantes do final do

ensino médio. A mídia e o mundo acadêmico têm chamado a atenção, reiteradas

vezes, para os problemas enfrentados por alunos egressos do ensino médio

concernentes à produção de textos escritos, levantando a questão de que esses

jovens, em breve, estarão no ensino superior e, depois, entrarão no mercado de

trabalho. Como poderão se expressar por meio de uma modalidade de linguagem

que nem mesmo manejam de forma clara e coerente?

Isso aponta para a evidência de que há uma demanda por pesquisas que ajudem a

compreender por que razões, no ensino médio do Brasil, o trabalho com a

linguagem escrita ainda está longe do patamar desejado. Essa demanda emerge

tanto das considerações anteriores quanto da avaliação realizada nacionalmente

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pelo Ministério da Educação (MEC) por meio do Exame Nacional do Ensino Médio

(ENEM): um desempenho não satisfatório dos estudantes.

Na década de 1980, a produção de textos escritos foi tematizada em pesquisas

importantes por um grupo de estudiosos da linguagem (GERALDI, 1996, 1997,

2001, 2006; COSTA VAL, 1999; PÉCORA, 2000; FRANCHI, 1984; SERAFINI, 1987)

que alertaram para a necessidade de um re(dimensionamento) das atividades de

ensino da escrita nas salas de aulas.

Observamos, a partir desses estudos, que o texto escolar produzido, nos diversos

níveis de ensino, pelo aluno, em resposta a uma solicitação de professores de

Língua Portuguesa, tem sido alvo de reflexões relacionadas com as suas condições

específicas de produção ou com aspectos do desenvolvimento cognitivo do aluno.

No entanto, constatamos também que são ainda incipientes as pesquisas que

procuram analisar mais detalhadamente em que medida os problemas enfrentados

por alunos na produção de textos escritos estão associados às concepções de

gêneros textuais que embasam as práticas pedagógicas de seus professores.

Apesar da escassez de estudos sobre a forma como os professores compreendem a

noção de gêneros textuais e suas implicações para a prática de ensino da escrita na

escola, assistimos, na década de 1990, a um grupo de especialistas patrocinados

pelo MEC elaborar os Parâmetros Curriculares Nacionais, doravante PCNs. Assim,

esse conjunto de diretrizes foi criado com a finalidade de orientar a prática

pedagógica de professores, levando em conta as diretrizes da educação brasileira

para a cidadania, considerando que esse é papel primordial da educação assumida

nesse documento norteador.

Nessa conjuntura, considerando que a linguagem é atividade de interação do

indivíduo na sociedade, os PCNs enfatizam o domínio da língua oral e escrita como

peça fundamental para uma participação social e efetiva. A partir dessa

preocupação, os PCNs apontam para uma reestruturação do ensino de Língua

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Portuguesa como forma de garantir uma aprendizagem efetiva de leitura e também

de produção de textos orais e escritos.

As concepções de linguagem e de língua presentes nos Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCNs) assim são pontuadas:

Linguagem [...] como ação interindividual orientada por uma finalidade específica, um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos momentos da sua história. Os homens interagem pela linguagem tanto em uma conversa de bar, entre amigos, ou a redigir uma carta pessoal, quanto ao redigir uma crônica, uma novela, um poema, um relatório profissional (p. 6). [...] enquanto atividade social e histórica, por meio dela, de geração em geração, se constroem quadros de referência culturais – representações, „teorias‟ populares e mitos, concepções e orientações ideológicas, inclusive preconceitos – por que interpretamos a realidade e as expressões linguisticas (1998, p. 6-7).

[...] língua é um sistema de signos específicos, histórico e social, que possibilita ao homem significar o mundo e a sociedade. Assim, aprendê-la é aprender não somente as palavras e saber combiná-las em expressões complexas, mas aprender pragmaticamente os seus significados e, com eles, os modos pelos quais as pessoas entendem e interpretam a realidade em si mesmas (1998, p. 7).

A partir dessas concepções, é possível constatarmos que os conceitos de texto,

discurso e gêneros passam a ser “[...] elementos basilares no ensino e na

aprendizagem da Língua Portuguesa na escola [...]” (BRAIT, 2002, p.18). Assim,

com base nessas concepções, apesar de, no corpo do texto, não haver referência

específica aos gêneros discursivos (não usa essa nomenclatura), eles aparecem

(implicitamente) nos PCNs (1998, p. 23), em trechos como este:

Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino.

Na medida em que diversas outras partes do texto dos PCNs se fundamentam na

teoria dos gêneros do discurso bakhtiniano e em outras releituras didáticas dessa

teoria (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004) , chamamos a atenção para o fato de que

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autores, como Geraldi (1996, 1997, 2001, 2006), Rojo (2002, 2005) e Barbosa

(2001), já desenvolviam estudos sobre produção e recepção de textos tendo a teoria

bakhtiniana como eixo norteador. Vale ressaltar, então, que, além dos PCNs, uma

literatura acadêmica passa a fazer circular noções de gêneros, de texto, de discurso

como elementos fundamentais para se repensar a prática da produção de textos na

escola.

É importante destacar que, apoiada nos PCNs e também em Geraldi (1996, 1997,

2001, 2006), Rojo (2002, 2005) e em Barbosa (2001), defendemos o

desenvolvimento da produção de textos na escola pautado em princípios

preconizados por Bakhtin. Isso se deve ao fato de considerarmos que tais princípios

não abstraem da linguagem o seu caráter dinâmico, cultural, histórico e social. Por

isso, acreditamos que as ideias bakhtinianas sobre a linguagem possam levar o

professor a desenvolver uma prática que venha a diminuir a distância existente entre

as práticas de produção de texto efetivadas na esfera escolar e as específicas de

outras esferas sociais. Isso significa que o professor deve levar o aluno a realizar

atividades que lhe proporcionem compreender a função social da linguagem escrita,

fazendo uso dela em situações reais de interação. Sobre essa questão, Kleiman

(2005, p. 23) afirma que,

[...] quanto mais a escola se aproxima das práticas sociais em outras instituições, mais o aluno poderá trazer conhecimentos relevantes das práticas que já conhece, e mais fáceis serão as adequações, adaptações e transferências que ele virá a fazer para outras situações da vida real.

Assim, acreditamos que a escola deve se preocupar com a formação de um sujeito

produtor de textos que seja capaz de interagir com outros sujeitos em diferentes

situações de uso real da língua escrita, de compreender características do discurso

escrito, de levar em consideração não só o texto como o produto dessa interação,

mas também todo o processo de enunciação que suporta as atividades de

linguagem escrita em diversas situações da vida.

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É nesse contexto que se visualiza a pertinência de nossa pesquisa, que teve como

objetivo investigar como o professor de Língua Portuguesa do ensino médio tem

concebido e utilizado os gêneros textuais nas aulas de produção de textos escritos.

Para análise dos dados, apoiamo-nos em Bakhtin (1981, 1993, 2003, 2004, 2006) e

em outros pesquisadores que consideram a linguagem como lugar de tensão e

conflitos ideológicos e veem o homem como sujeito que se constitui na e pela

linguagem.

Nossa pesquisa se configurou como estudo de caso e foi realizada em aulas de

Língua Portuguesa, em especial as aulas que trataram de atividades ligadas à

produção de textos, em uma turma de 3º. ano do ensino médio, do turno vespertino,

em uma unidade da Rede Estadual de Ensino da Serra – ES.

Os resultados de nossa investigação estão apresentados em quatro capítulos.

Inicialmente, situamos o ensino médio no contexto da história da educação

brasileira, a fim de compreendermos as críticas ao rendimento escolar personificado

na produção de textos dos alunos concluintes. Contextualizamos o problema de

estudo revisitando trabalhos de pesquisa que trataram dessa temática.

Em seguida, na segunda parte do trabalho, apresentamos o quadro teórico que

subsidiou nossos estudos, explicitando conceitos e concepções que embasam a

análise do processo ensino-aprendizagem da produção de textos na perspectiva dos

gêneros textuais. Nessa parte do trabalho, adotamos as teses de Mikhail Bakhtin

atreladas às contribuições de pesquisadores brasileiros (GERALDI, 1997;

MARCUSCHI, 2005, 2006, 2008; ROJO, 2002; KOCH, 2005; TRAVAGLIA, 1997;

BRAIT, 2006; BUNZEN E MENDONÇA, 2006) e outros autores. Em síntese, autores

que compreendem o indivíduo como ser histórico e que consideram a linguagem

como forma de interação social.

No terceiro capítulo, descrevemos os passos metodológicos que orientaram nosso

trabalho de pesquisa. Nessa parte, detalhamos o processo de inserção em campo e

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a coleta de dados, o contexto da pesquisa, como a escola, os sujeitos: alunos e

professor.

Por fim, abordamos as situações de ensino-aprendizagem dos gêneros textuais

escritos, focando especialmente como e quais atividades os suportes dos gêneros

textuais foram utilizados nas aulas de Língua Portuguesa. Sendo assim,

descrevemos e analisamos o modo como ocorreu o desenvolvimento das atividades

propostas pelo professor nas aulas de Língua Portuguesa observadas, bem como os

materiais pedagógicos que subsidiaram as atividades desenvolvidas.

Acreditamos que este estudo possa ampliar as discussões em torno das práticas de

produção de textos nas classes do ensino médio, suscitando reflexões que

certamente contribuirão para o (re)dimensionamento das concepções de linguagem

que embasam essas novas práticas. Nesta proposta, os sujeitos/alunos e

professores se constituem um face ao outro, mas não se diluem no outro, negando

o estudo do sujeito, pois, como postula Bakhtin (2003, p. 400),

Qualquer objeto do saber (incluindo o homem) pode ser percebido e conhecido como coisa. Mas o sujeito como tal não pode ser percebido e estudado como coisa porque, como sujeito e permanecendo sujeito, não pode tornar-se mudo; consequentemente o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico [...].

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CAPÍTULO 1

O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO MÉDIO

No contexto da história da educação brasileira, o ensino médio tem se constituído

num embate polêmico, devido, em parte, à sua estrutura, concepção e formas de

organização e, também, por fazer o papel de mediador entre o ensino fundamental

e o ensino superior. Por assumir esse papel, apresenta problemas típicos de uma

faixa de ensino que é vista como intermediária, já que, ao mesmo tempo em que

prepara o jovem para uma continuidade dos estudos, o prepara também para o

mundo do trabalho.

Nesse sentido, algumas questões orientaram nosso olhar em direção às concepções

sobre práticas de produção de texto no ensino médio. Afinal, como se configura o

ensino médio na atualidade? Considerando nosso objeto de estudo, como é tratada

a produção de texto nos documentos norteadores da política de ensino da Língua

Portuguesa (LDB, DCNEM), nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e no

Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)?

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sancionada em 1996, estipulou

que o ensino médio se constituisse na última etapa da educação básica e que

tivesse a duração de três anos. Além disso, estabeleceu sua regulamentação

específica e uma composição curricular mínima obrigatória.

Para subsidiar as propostas apresentadas na LDB nº 9.394/96 para o ensino médio,

em 1998, foram estabelecidas as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino

médio (doravante denominadas DCNEMs). Nessas DCNEMs, ficou estabelecida a

organização curricular da Base Nacional Comum do ensino médio:

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A construção da Base Nacional Comum passa pela constituição dos saberes integrados à ciência e à tecnologia, criados pela inteligência humana. Por mais instituinte e ousado, o saber terminará por findar uma tradição, por criar uma referência. A nossa relação com o instituído não deve ser, portanto, de querer destruí-lo ou cristalizá-lo. Sem um olhar sobre o instituído, criamos lacunas, desfiguramos memórias e identidades, perdemos vínculo com a nossa história, quebramos os espelhos que desenham nossas formas. A modernidade, por mais crítica que tenha sido da tradição, arquitetou-se a partir de referências e paradigmas seculares. A relação com o passado dever ser cultivada, desde que se exerça uma compreensão do tempo como algo dinâmico, mas não simplesmente linear e seqüencial. A articulação do instituído com o instituinte possibilita a ampliação dos saberes, sem retirá-los da sua historicidade e, no caso do Brasil, de interação entre nossas diversas etnias, com as raízes africanas, indígenas, européias e orientais (BRASIL, 1999, p. 103).

Dessa forma, o documento estabeleceu para o ensino médio três áreas curriculares

de ensino: Área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Área de Ciências da

Natureza, Matemática e suas Tecnologias; Área de Ciências Humanas e suas

Tecnologias. Levando em consideração o objeto de nosso estudo, consideraremos

apenas a primeira área – Linguagens, Códigos e suas Tecnologias – que apresenta

os conhecimentos de Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Educação

Física, Arte e Informática.

As diretrizes estabeleceram, também, as competências e habilidades1 que deverão

servir como referenciais para as propostas pedagógicas, além de recomendar a

interdisciplinaridade e a contextualização, princípios condutores da organização

curricular. O documento apresenta as considerações teóricas sobre esses dois

1 As Diretrizes do ensino médio fazem menção às competências básicas, que dizem respeito ao ensino médio como um todo; e competências e habilidades relacionadas com as áreas de conhecimento sem, contudo, conceituá-las. Baseada em Perrenoud (1999), Macedo, L. (2005), Macedo, E. (2002) entendemos como competências cognitivas as diferentes modalidades estruturais da inteligência que compreendem determinadas operações que o sujeito utiliza para estabelecer relações com e entre os objetos físicos, conceitos, situações, fenômenos e pessoas; elas se constituem num conjunto de conhecimentos, atitudes, capacidades e aptidões que habilitam alguém para vários desempenhos da vida. As habilidades instrumentais ligam-se a atributos relacionados não apenas com o saber-conhecer, mas referem-se especificamente ao plano do saber-fazer, saber conviver e ao saber-ser e decorrem diretamente do nível estrutural das competências já adquiridas e que se transformam em habilidades. Isto é, a “[...] capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiando-se em conhecimentos, mas sem se limitar a eles” (PERRENOUD, 1999, p. 7).

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princípios como recursos pedagógicos para um ensino que coloque o aluno como

centro de sua aprendizagem.

Além das competências gerais da Área de Linguagens, ficaram estabelecidas para a

disciplina Língua Portuguesa algumas competências e habilidades a serem

desenvolvidas no processo ensino-aprendizagem ao longo do ensino médio (Quadro

1).

Representação e comunicação

Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes manifestações da linguagem verbal

Compreender e usar a língua materna, geradora de significação e integradora da organização de mundo e da própria identidade

Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para a sua vida

Investigação e compreensão

Analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção/recepção (intenção, época, local, interlocutores participantes da criação e propagação de ideias e escolhas, tecnologias disponíveis etc.)

Recuperar, pelo estudo, as formas instituídas de construção do imaginário coletivo, o patrimônio representativo da cultura e as classificações preservadas e divulgadas, no eixo temporal e espacial

Articular as redes de diferenças e semelhanças entre a oral e escrita e seus códigos sociais, contextuais e linguísticos

Contextualização sociocultural

Considerar a Língua Portuguesa como fonte de legitimação de acordos e condutas sociais, e sua representação simbólica de experiências humanas manifestas nas formas de sentir, pensar e agir na vida social.

Entender o impacto das tecnologias da comunicação, em especial da língua escrita, na vida, nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social.

Quadro 1 – Competências e habilidades a serem desenvolvidas em Língua Portuguesa

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Além das diretrizes, o governo promoveu diversas outras intervenções no ensino

médio conforme sintetizam Bunzen e Mendonça (2006, p.16) no quadro a seguir.

Quadro 2 – Intervenções do Estado no ensino médio Fonte: Bunzen e Mendonça (2006, p. 16).

O ensino médio passou a ser a última etapa da educação básica, monitorada por

uma política de avaliação dos egressos e dos materiais didáticos que incluem o

controle curricular que tem sido realizado pelo MEC por intermédio de diversas

intervenções. Uma delas pode ser considerada o próprio estabelecimento de guias

e/ou diretrizes curriculares que buscam normatizar os diferentes níveis de ensino.

Além disso, objetivando tornar a intervenção direta sobre o currículo mais efetiva,

várias estratégias vêm sendo utilizadas pela política educacional brasileira, como:

programas de avaliação do livro didático (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1999b), de

elaboração de material didático (vídeos), de intervenção na formação e no trabalho

de professores (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1999b).

Dessa forma, o cumprimento das diretrizes curriculares passa a ser objeto de

verificação e essa verificação possibilita uma atuação do Estado no sistema

educacional, não para intervir no “[...] sentido de construção de uma escola de

qualidade, mas pela certificação dos estabelecimentos que permitiria „aos

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consumidores‟ com maiores possibilidades de escolha a aquisição de um bem

melhor” (MACEDO, 2000, p. 13).

Assim, as interferências do governo e a emergência de novas teorias e posturas

motivaram uma nova possibilidade de configuração da disciplina Lingua Portuguesa.

Antes dessas discussões, a prática de ensino de Lingua Portuguesa se pautava em

uma visão estruturalista de linguagem que favorecia na escola o ensino prioritário da

gramática normativa de forma descontextualizada.

Objetivando alterar esse quadro, surgem as Diretrizes Curriculares Para o Ensino

Médio (DCNEM, 1998), os Parâmetros Curriculares Nacionais Para o Ensino Médio

(PCNEM, 1999) e as Orientações Complementares aos PCNEM (PCN+, 2002), que

foram elaborados, segundo seus organizadores, para dar uma orientação à prática

pedagógica de professores, considerando a necessidade de uma escola voltada

para a formação de sujeitos capazes de fazer uso dos conhecimentos gramaticais

de forma consciente e crítica.

Com essa possibilidade de mudança de paradigma, emergem novos objetos de

ensino e aprendizagem que passam a enfatizar a importância do papel da linguagem

como mediadora das atividades sociais, constitutiva das relações interpessoais.

Nesse sentido, faz-se nececessária a formação de leitores atentos e competentes

produtores de texto, o que sugere um novo enfoque para o ensino.

Sobre esse assunto, os Parâmetros apontam, na aprendizagem de Língua

Portuguesa: o estudo do texto marcado por estratégias discursivas; o diagnóstico do

que o aluno já sabe e o que ele deveria saber; a linguagem verbal como material de

reflexão; a sistematização da linguagem interiorizada pelo aluno; a gramática como

meio para a leitura e escrita e a literatura integrada à leitura; a linguagem como

instrumento para comunicação; a interatividade da linguagem no processo

interlocutivo etc.

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Consoante essas orientações, os gêneros textuais passam a ser considerados

como unidades de ensino de lingua materna, já que, na perspectiva dos gêneros, se

pressupõe que as atividades linguísticas sejam vistas como atividades sociais, que

ocorrem em um dado contexto imediato de situação, no âmbito mais amplo do

contexto de cultura (MOTTA-ROTH, 2006).

Com efeito, o desenvolvimento da produção de textos pautado no trabalho com

gêneros objetiva dotar os alunos de meios de percepção, reflexão e análise das

condições sociais efetivas de produção e de recepção dos textos, desde os gêneros

que circulam na esfera cotidiana aos textos veiculados na área literária.

Nos PCNEM+ (BRASIL, 2000), documento complementar aos Parâmetros

Curriculares Nacionais do Ensino Médio, especificamente na parte de Língua

Portuguesa, é onde encontramos as orientações mais enfáticas sobre o termo

gênero. Uma análise mais meticulosa nesse documento nos permite afirmar que

nele se utiliza o termo diversas vezes sob diferentes perspectivas teóricas, sem

nomeá-las ou citá-las e, às vezes, até equivocadamente.

Assim, encontramos o vocábulo gênero utilizado como tipo de texto e também como

estratégia retórica. Além disso, uma outra questão sobre os PCNs que achamos

problemática diz respeito à sua base teórica, já que, para se compreender o que

nele está proposto, torna-se necessário que o professor tenha conhecimento sobre

os autores e respectivas teorias indicadas em suas referências.

Independentemente de todas as polêmicas levantadas sobre os PCNs, não

podemos negar que eles se constituem em um importante documento que traz

contribuições expressivas para o ensino de Língua Portuguesa, em especial ao tema

desta pesquisa.

Paralelamente a isso, o governo, objetivando estabelecer ações mais efetivas para

avaliação do desenvolvimento dessas orientações, institui o ENEM. Criado pela

Portaria do Ministério da Educação nº 438, de 28 de maio de 1998, o ENEM

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completa dez anos, reconhecido como a maior avaliação do gênero da América

Latina e uma das maiores do mundo. Foi estruturado a partir dos conceitos

presentes na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que reformulou

o ensino médio no Brasil, tornando-o etapa conclusiva da educação básica e meio

de acesso ao ensino superior no Brasil.

Nessa perspectiva, o ENEM se propõe avaliar as competências e as habilidades

desenvolvidas pelos participantes ao longo do ensino fundamental e médio, ao

mesmo tempo em que confere ao cidadão parâmetros para autoavaliação, com

vistas à continuidade de sua formação e à sua inserção no mercado de trabalho.

Além disso, objetiva ainda criar uma referência nacional para os egressos de

qualquer das modalidades do ensino médio, fornecer subsídios às diferentes

modalidades de acesso à educação superior e constituir-se em modalidade de

acesso a cursos profissionalizantes pós-médio.

Sua prova avalia o desempenho dos estudantes que concluíram o ensino médio no

ano da prova ou em anos anteriores. Desde que foi criado, até hoje, o número de

participantes do ENEM vem aumentando gradativamente, atingindo, em 2007, a

marca de quase três milhões de participantes e, com isso, apesar de todas as falhas

que apresenta, o reconhecimento como uma importante ferramenta avaliativa.

É necessário destacar um ponto importante, que vem a ser a diferença das provas

comuns de alguns vestibulares para a prova do ENEM. Esta última é contextualizada

e interdisciplinar, exigindo do candidato menos memorização excessiva dos

conteúdos e mais demonstrações de sua capacidade de “resolver problemas” e

colocar em prática os conhecimentos adquiridos nos anos de ensino médio. Ao

contrário da “decoreba” comum dos vestibulares, o tipo de prova instituído pelo

ENEM leva o aluno a pensar, raciocinar e formular respostas de acordo com o que

aprendeu e vivenciou, já que o objetivo é priorizar a interdisciplinaridade, as

habilidades de resolver problemas, e não apenas o conteúdo. Dentro dessa

perspectiva, é que, ao contrário da maioria dos vestibulares, em que cada disciplina

tem seu próprio caderno, a prova do ENEM não faz essa diferenciação.

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Dessa forma, há três conceitos básicos que orientam a elaboração da prova

(principalmente a parte objetiva):

a) situação-problema: cada questão deve ser vista pelo participante como um

desafio;

b) interdisciplinaridade: significa que o conhecimento, independentemente da

área, tem que ser concebido não como um compartimento estanque e sim

como uma rede;

c) contextualização: há uma estratégia para estabelecer relações entre o

conhecimento e o mundo que nos cerca, desenvolvendo, dessa forma,

questões sociais, políticas, culturais e, na maioria das vezes, até questões

relacionadas com o nosso cotidiano.

d) A segunda parte diz respeito a prova de Redação, que também vem sendo

considerada como uma referência em termos de avaliação, já que há muitas

universidades a utilizam como parte do seu processo de seleção.

Assim, são cinco as competências avaliadas na prova de redação:

a) demonstrar domínio da norma culta da língua escrita – Isso quer dizer que

você deve demonstrar um centro conhecimento de regras básicas de escrita

na nossa língua;

b) compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de

conhecimento para desenvolver o tema dentro dos limites estruturais do texto

dissertativo-argumentativo;

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c) selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e

argumentos em defesa de um ponto de vista;

d) demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a

construção da argumentação;

e) elaborar proposta de solução para o problema abordado, mostrando respeito

aos valores humanos e considerando a diversidade sociocultural.

É importante destacar que a prova de redação (escrita de um texto dissertativo-

argumentativo) corresponde à metade do valor total da média final do exame, o que

comprova também que não é somente a escola, mas também a sociedade, de um

modo geral, que está a exigir sujeitos cada vez mais capazes de produzir textos

escritos de modo objetivo e coerente.

Vejamos como foram os últimos resultados do ENEM 20072 apontados na prova de

redação (Tabela 1)

2 Disponível em: <www.enem.inep.gov.br>. Acesso em: 4 abr. 2008.

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Tabela 1 – Redação: médias, por situação,3 em relação ao ensino médio (Resumo

Tab. 4)

Condição dos alunos

Brasil Região Sudeste

Espírito Santo

Geral 55,99 56,31 57,34

Concluintes 56,41 56,78 58,32

Egressos 56,66 56,80 57,69

Outra Condição 53,14 54,19 55,50

S/Informação 55,04 55,13 55,52 Fonte: INEP/MEC

4

Tabela 2 – Objetivas: médias, por situação, em relação ao ensino médio (Resumo

Tab. 3)

Condição dos alunos

Brasil Região Sudeste

Espírito Santo

Geral 51,52 54,15 54,16

Concluintes 52,47 54,85 56,27

Egressos 52,59 55,16 54,65

Outra Condição 45,69 49,42 50,19

S/Informação 50,50 52,73 51,41 Fonte: INEP/MEC

O Estado do Espírito Santo apresentou um desempenho mais satisfatório quando

comparado com os outros Estados da Federação, inclusive com os da própria

Região Sudeste. Nessa região, foi superado na prova objetiva apenas pelos Estados

de São Paulo com 54,25% e Minas Gerais com 54,18%. Já na redação, o Estado

obteve a segunda melhor nota do Brasil, ficando apenas atrás do Rio Grande do Sul,

que teve 59,74%.

3 Segundo Nota Técnica INEP/MEC (ENEM 2007), foram considerados como:

“a) Geral: a média entre todos os alunos participantes; b) Concluintes: alunos que irão concluir o ensino médio ao final do ano de realização do exame;

c) Egressos: alunos que já concluíram o ensino médio em anos anteriores; d) Outra condição: alunos que não se enquadraram em nenhum dos casos anteriores; e) S/informação: alunos que não forneceram informação sobre a sua situação”. 4 Disponível em: <www.enem.inep.gov.br>. Acesso em: 4 abr. 2008

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Se, de um lado, o relatório INEP/MEC mostra que o resultado geral do ENEM 2007

é melhor do que o de anos anteriores, de outro, porém, continua apontando que a

qualidade do ensino brasileiro na rede pública é inferior à da rede particular,

conforme demonstramos abaixo.

Tabela 3 – Redações: médias, por tipo de escola e situação com relação ao ensino

médio (Resumo Tab.8)

Condição dos alunos

Brasil Região Sudeste Espírito Santo Escola Pública

Escola Particular

Escola Pública

Escola. Particular

Escola Pública

Escola Particular

Geral 55,29 58,28 55,65 58,49 57,07 59,46

Concluintes 55,96 59,11 56,10 59,07 58,26 59,89 Egressos 56,09 58,17 56,01 58,43 56,78 59,88 Outra Condição 52,04 56,18 52,61 57,09 55,53 56,98

S/Informação 53,98 55,37 53,59 55,62 54,55 53,46 Fonte: INEP/MEC

Tabela 4 – Objetiva: médias, por tipo de escola e situação em relação ao ensino

médio (Resumo Tab.6)

Condições dos alunos

Brasil Região Sudeste Espírito Santo

Escola Pública

Escola Particular

Escola Pública

Escola Particular

Escola Pública

Escola Particular

Geral 51,76 57,90 54,22 61,01 55,37 61,42

Concluintes 52,77 59,26 54,96 61,84 57,99 62,11

Egressos 52,67 57,93 55,19 61,54 55,27 62,25 Outra Condição 44,32 53,44 47,06 56,92 49,22 56,19

S/Informação 49,00 52,10 51,08 54,78 51,65 58,00 Fonte: INEP/MEC

Outro ponto a se comentar é que, apesar dos resultados mais animadores, a nota

máxima a ser alcançada na prova, tanto objetiva, quanto discursiva (redação) é 100

pontos. Sendo assim, não é nada lisonjeira uma nota na casa dos 60 pontos, já que

se trata de uma prova que prima pela elementaridade.

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Além disso, as informações colhidas (dados estatísticos, como notas, renda etc.)

com a aplicação do exame do ENEM são gerais, e as realidades, muito particulares,

específicas de cada localidade do País. Talvez seja impossível aplicar a mesma

diretriz em duas cidades muito diferentes, ou em duas escolas muito diferentes, por

exemplo, a mesma prova ser aplicada em Jacareubal, comunidade ribeirinha da

Grande Manaus, e na cidade de São Paulo.

Em outra instância, é preocupante também o uso desarticulado que muitas escolas,

principalmente privadas, fazem dos resultados do ENEM, já que são anunciados,

comemorados e divulgados, muito mais como peças de propagandas do que como

instrumentos pedagógicos

Na realidade, o que o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio de 2007

aponta é que o nosso ensino médio não passou de ano, já que as médias são as de

reprovação em qualquer escola desse nível, pois, em sua grande maioria, as

escolas brasileiras adotam a média 60 como nota mínima para aprovação. Isso torna

lamentável a apresentação da lista das melhores escolas, já que as notas a elas

veiculadas são médias de reprovação.

Finalizando, a avaliação está mal empregada e não deveria se prestar à punição ou

à premiação, mas sim atuar como um mecanismo para alcançar uma maior

qualidade social e cultural. Isso quer dizer que deveria funcionar como instrumento

de transformação, nunca de competição e de concorrência descabida.

Toda a discussão apresentada serve para evidenciar, mais uma vez, a pertinência

da pesquisa empreendida. Dessa forma, considerando que toda pesquisa

acadêmica visa ao preenchimento de lacunas apontadas em estudos anteriores ou

demandas sociais e acadêmicas, fez-se necessário que revisitássemos alguns

trabalhos.

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1.1 REVISITANDO TRABALHOS: PROBLEMAS ANTIGOS, QUESTIONAMENTOS

ATUAIS

Vários autores, como Barros (2002) e Costa Val (1999), dedicaram-se e se dedicam

à pesquisa sobre a avaliação de textos produzidos em situação de vestibular e,

lamentavelmente, concluem, em uníssono, que a maioria dos concluintes do ensino

médio demonstra muita dificuldade de se expressar por escrito. Sobre esse assunto,

afirma Barros (2002, p. 106):

A análise nos diferentes níveis mostrou a „mesmice‟ dos textos: mesmos tipos narrativos, mesmos procedimentos de projeção das pessoas, do tempo e do espaço do discurso, mesmos recursos argumentativos, mesmos percursos temáticos, mesmo investimento figurativo.

Estudos sobre os textos produzidos para o vestibular (BRITTO, 2001,1997;

BOTTEGA, 2002; COSTA VAL, 1999; CRUZ, 2005; GERALDI, 1997, 2001;

GUEDES, 2002; PÉCORA, 2000) têm denunciado a falta de qualidade dessas

produções, caracterizadas, em sua maioria, por serem insípidas, pouco criativas,

vazias de conteúdo, repletas de clichês e elementos do senso comum, além dos já

tradicionais problemas mais visíveis textualmente.

Nessa mesma direção, Pécora (2000, p.111), como resultado de seu trabalho,

apontou que,

[...] o processo histórico de falsificação das condições de produção da escrita procede a um esvaziamento de seu sentido, e, posteriormente, fornece modelos para ocupar esse vazio. Ou ainda, ao mesmo tempo que impede o aluno de ter acesso às especificidades que fazem da escrita uma forma única de contato e elaboração de referências para significar o mundo, esse processo forja novas exigências que não podem ser explicadas senão em função do mundo admitido pela instituição.

A publicação teve por objetivo, primeiramente, apresentar um diagnóstico dos

problemas mais recorrentes em aproximadamente 1.500 textos, dos quais 60

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haviam sido produzidos por vestibulandos de 1976 da UNICAMP (coordenado pelo

extinto CESCEM, o qual atendia aos candidatos da área de ciências médicas e

biológicas) e as demais foram produzidas para o Curso de Prática de Produção de

Textos (1º. e 2º. Semestre), de 1978 a 1980, no ciclo básico do Instituto de Estudos

da Linguagem (IEL) nas turmas para as quais o autor lecionava. O outro objetivo a

ser alcançado no estudo de Pécora (2000) foi o de analisar esse diagnóstico à luz

de uma perspectiva discursiva.

Na procura pelas causas dos problemas que os alunos apresentam na produção

escrita, o autor fez um diagnóstico para verificar em que circunstâncias específicas

os alunos apresentaram problemas no uso da linguagem considerando os

mecanismos avaliativos propostos pelo autor. No dizer de Pécora (2000, p. 20),

[...] se o diagnóstico se faz pela determinação dos mecanismos lingüísticos gerais que apresentaram problemas no interior de usos particulares de linguagem, o comentário do diagnóstico procura determinar em função de que circunstâncias específicas, internas à produção das redações e ao seu processo de aprendizado, esses usos manifestaram problemas na realização dos mecanismos gerais.

Considerando as condições de produção do texto, o autor pôde estabelecer um

quadro de características que permite uma reavaliação das dificuldades encontradas

pelos estudantes para o cumprimento da tarefa de escrever e, também, deve

auxiliar no levantamento de hipóteses sobre a origem dessas dificuldades.

Visto dessa forma, na prática escolar, com relação à produção de textos, o professor

deve trazer as práticas sociais do cotidiano para dentro da sala de aula como uma

tentativa de aproximar a escrita tal como ela ocorre em situações de escrita

extraclasse. Caso contrário, o estudante corre o risco de ter o seu desempenho

linguístico prejudicado.

Pécora (2000) ressalta ainda o fato de que os problemas da argumentatividade em

textos dissertativos, principalmente, e em outros, tais como a falta de adequação à

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linguagem padrão em situações formais podem revelar a dificuldade da escola em

desenvolver práticas intersubjetivas de linguagem.

No entendimento de Pécora (2000), o que ocorre é que a escola, em sua trajetória

histórica, artificializa as condições de escrita precedendo a um esvaziamento de seu

sentido e, ainda, não propiciando ao estudante uma prática interativa da língua,

fornece modelos para ocupar esse vazio. Assim, distanciada da prática social

cotidiana, a escrita torna-se um exercício penoso que cristaliza o discurso. Em tais

situações, aparecem, frequentemente, em textos dos alunos, as frases-feitas,

argumentos de senso comum etc. Contrapondo-se a isso, uma prática de ensino que

considere as intersubjetividades inerentes ao processo e com uma dinâmica

reflexiva5 sobre os reais objetivos no uso da língua poderá resgatar um discurso

mais pessoal, mais autêntico de nossos sujeitos.

Nesse contexto, é importante registrar a constatação de que, apesar de analisar

redações ou produções escritas e de utilizar pressupostos teóricos que apontam

para uma abordagem linguístico-discursiva, em nenhum momento, é referenciado

(ou citado nominalmente) o termo gênero do discurso ou textual ou algum teórico do

discurso mais próximo à academia, o que, inclusive, pode ser constatado na

bibliografia citada ao final do livro.

É verdade, porém, que não se pode desprezar a repercussão do texto de Pécora, já

que, na época, apesar do caráter descritivo, o trabalho impulsionou a reflexão sobre

as formas de tratamento e a procura por solução para os problemas que a pesquisa

apontou e, ainda hoje, continua sendo referência nas melhores e maiores

universidade do País e para qualquer estudioso do tema.

Vejamos como essas e outras questões foram abordadas no trabalho de Costa Val

(1999) que apoiada na Linguística Textual, estudou a procedência do texto e os

fatores envolvidos em sua produção. Sendo assim, apresenta noções importantes

5 Baseada em nossa experiência em sala de aula, chamamos de dinâmica reflexiva uma prática que

tenha como princípio norteador a reflexão dos alunos entre si e entre o professor e os alunos.

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dessa teoria e aplica-as na análise de redações de vestibular, procurando

diagnosticar e apontar sugestões para o que seria um trabalho com a língua escrita

na sala de aula.

A autora, antes de se referir aos critérios de avaliação de textos, apresenta algumas

considerações a respeito do que vem a ser texto, sua concepção, textualidade,

coesão e coerência e sobre os fatores pragmáticos da textualidade.

O que se percebe, já no início do trabalho, é uma diferença relevante com relação às

outras publicações sobre o assunto, já que o que se pretende avaliar não são as

partes linguísticas de um texto, mas o discurso e a textualidade. No dizer de Costa

Val (1999, p. 3), “[...] o que as pessoas têm a dizer umas às outras não são palavras

nem frases isoladas, são textos”.

Assim, na visão da autora, um texto é uma unidade de linguagem em uso,

cumprindo uma função que se percebe em uma relação sociocomunicativa. Na

produção e recepção de um texto, existe uma série de fatores pragmáticos que

contribuem para construir o seu sentido. Desse processo fazem parte: as

singularidades de cada ato comunicativo, ou seja, as intenções do produtor, o jogo

de imagens mentais que os interlocutores fazem de si, do outro e do outro com

relação a si mesmo e ao tema do discurso.

A textualidade abrange também o contexto sociocultural em que se insere o

discurso, uma vez que delimita os conhecimentos pontilhados pelos interlocutores.

Outra particularidade importante do texto é o fato de que ele se constitui em uma

unidade semântica. Dessa forma, para ser reconhecida como texto, a ocorrência

linguística precisa ser percebida pelo interlocutor como um todo significativo, ou

seja, os elementos linguísticos que o formam devem ser reconhecivelmente

integrados, de modo a permitir que ele seja apreendido como um todo coeso.

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Costa Val (1999) apresenta, então, o aporte teórico proposto por Beaugrande e

Dressler que dá conta de fatores como: coerência e coesão – relacionados com os

elementos conceituais e linguísticos do texto; intencionalidade, aceitabilidade,

situacionalidade, informatividade e intertextualidade, associados aos fatores

pragmáticos envolvidos no processo sociocomunicativo no ato de produção textual.

A conceituação teórica, que busca estabelecer em que nível se situa e com que

elementos lidam a coerência, mostra-se fruto da análise empírica, empenhada em

descobrir que características usualmente apresentam os textos.

Além desses critérios, para avaliar a coesão e a coerência, a autora toma por base

as chamadas “meta-regras” formuladas por Charolles (1978), chamadas por Costa

Val (1999) de: a continuidade; a progressão; a não contradição e articulação. É

importante destacar que Costa Val (1999) acrescenta que, além desses critérios,

usa outros próprios, já que, no julgamento das redações, há critérios que são “[...]

inegavelmente fluídos e subjetivos [...]”, considerando que “A coerência, a coesão e

a informatividade estão em estreita dependência dos conhecimentos partilhados

pelos interlocutores” (1999, p. 34). Ainda, há que se reafirmar a posição da citada

autora, ao afirmar que, no processo de avaliação de textos, devem-se fixar critérios

baseados em “[...] um julgamento que não se funda em parâmetros rígidos, mas na

realidade que o texto propõe; porém, um julgamento com inevitável margem de

subjetividade” (1999, p. 39).

Para a constituição do corpus, a autora seleciona, de acordo com o questionário de

informações socioeconômicas elaborado pelo MEC, 100 redações de vestibulandos

inscritos para o Curso de Letras no Concurso Vestibular de 1983 da Universidade

Federal de Minas Gerais (UFMG).

Antes de começar a análise, faz uma retrospectiva das condições de produção

apresentando, entre outras, a situação pela qual passava o País, caminhando para o

final do último governo após 21 anos de autoritarismo. Além disso, explicita sobre o

conceito imediato do vestibular.

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Dessa forma, Costa Val (1999) analisa as redações e conclui que o desempenho

dos vestibulandos revela até um razoável sucesso quanto a aspectos que

demandam de instrução e treinamento, porém, “[...] as redações, em sua maioria,

não constituem o que se pode chamar de bons textos. São peças que não agradam

nem convencem, em razão de suas deficiências quanto a informatividade e à

coerência” (COSTA VAL, 1999, p. 122).

Certinhas (do ponto de vista formal), mas desinteressantes e inconsistentes, as

redações são o fruto das condições de produção a que têm de se submeter os

candidatos nesse momento de escrever “30 linhas em 50 minutos”. Nessas

situações, o aluno não escreve porque tenha algo a dizer ou porque gosta, mas por

pura obrigação. Segundo a autora, o “não ter o que dizer” do candidato é legítimo,

dadas as condições de produção.

Finalizando, Costa Val (1999) sugere que é hora de novos rumos para o ensino da

língua materna. Propõe que o grau de textualidade de uma produção linguística é

decisivamente determinado por sua coerência, salientando que o texto deve ser

considerado em suas três dimensões: a formal, a conceitual e a pragmática, a fim de

se buscar “[...] o desenvolvimento pleno da competência comunicativa natural do

aluno” (p. 4).

A autora expôs, de forma clara e bem didática, uma série de características

imprescindíveis que, por sua natureza, devem ser do conhecimento de todos os

implicados no processo do desenvolvimento da escrita, ou seja, todos nós.

Apesar das questões até aqui abordadas, a prática cotidiana do professor de Língua

Portuguesa aponta, ainda, para a necessidade de se investigar as suas práticas

pedagógicas e seu possível reflexo no texto dos alunos e é isso o que faz o trabalho

de Baptista (2006) em sua pesquisa de mestrado intitulada Por entre os

(des)caminhos de leitura e produção textual no ensino médio, apresentada ao Curso

de Pós-Graduação em Letras, da Universidade Estadual de Londrina, no Paraná.

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Dessa forma, a pesquisa de Baptista (2006) teve o objetivo de, a partir da

observação do processo de ensino-aprendizagem da leitura e da produção escrita

no ensino médio, analisar as implicações que os encaminhamentos do processo de

leitura e de escrita apresentam no desempenho comunicativo dos alunos. Para

tanto, toma o seguinte excerto:

O desenvolvimento da competência linguistica do aluno no Ensino Médio, dentro dessa perspectiva, não está pautado na exclusividade do domínio técnico de uso da língua legitimada pela norma padrão, mas, principalmente, no saber utilizar a língua, em situações subjetivas e/ ou objetivas que existam graus de distanciamento e reflexão sobre contextos e estatutos de interlocutores – a competência comunicativa vista pelo prisma da referência do valor social e simbólico da atividade lingüística e dos inúmeros discursos concorrentes (BRASIL, 1999, p. 131, grifo do autor).

Assim, no dizer de Baptista (2006, p.15):

Partimos da hipótese de que o desenvolvimento dessa competência se concretiza por vários fatores, como a coerência, neste trabalho marcada especificamente pela unidade temática, pela informatividade e pela intertextualidade, já que são esses os fatores primários para que o produtor saia da mera reprodução e avance para a criação e conseqüente autonomia textual e discursiva.

Nesse contexto, o estudo procura focalizar as atenções na relação existente entre a

produção da escrita e a produção de leitura de um conjunto de textos dos alunos,

produto final da observação e da análise do material didático-pedagógico utilizado

em sala de aula. Para tanto, Baptista (2006, p. 16) elege como seus objetivos

específicos:

[...] a) reconhecer na superfície das produções textuais os esquemas ativados no momento de leitura; b) apontar marcas lingüísticos textuais que evidenciam os fatores de coerência eleitos neste trabalho: unidade temática, informatividade e intertextualidade.

A fim de viabilizar os objetivos que orientam seu trabalho, a autora, considerando os

mecanismos de geração de sentido do texto (FIORIM, 2000), recupera da

psicolinguística os elementos envolvidos no processo da construção de significados

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para a leitura, e da linguística textual o ensino-aprendizagem de textos. Nesse

mecanismo, a prática de produção textual é vista por um pequeno viés da Análise

do Discurso. Isso quer dizer que se concentrará, ainda, nas condições de produção

e nos aspectos sócio-históricos.

Sobre os pressupostos teóricos que orientam o estudo, a autora assinala que

No que tange à abordagem teórica de leitura, recorremos à visão psicolingüística de Leffa (1996a, 1996b) assim como às concepções de leitura, segundo Solé (1998), Foucambert (1994) e Silva (1987). Geraldi (1997b) nos empresta a caminhada interpretativa. Os processos mentais são vistos nas análises, segundo Vygotsky (1987) e Smith (1989). Isso implica resgatar além das concepções de leitura, as concepções de discurso e texto que se ancoram em Bakhtin (1992), Pêcheux (1988), Foucault (1986), Orlandi (2000) e Koch (2000) (BAPTISTA, 2006, p. 21).

Baptista (2006), apoiando-se em Geraldi (2005), defende a tese de que a maneira

como o professor concebe a linguagem é uma questão fundamental para o

encaminhamento do processo ensino-aprendizagem de língua materna,

considerando que a toda metodologia subjaz uma concepção, uma postura teórica

e política que direcionará toda a sua prática.

Assim, Baptista (2006) traça um paralelo entre as concepções de linguagem e os

objetivos do ensino de língua materna. Em seu caminhar, aborda a leitura com suas

concepções, objetivos, posicionamentos teóricos e opção metodológica. Para tratar

desse tópico, separa o ensino de leitura em dois polos: um de visão tradicional, que

concebe a leitura como decodificação, como uma reprodução daquilo que o autor

afirma; e outro, alicerçado na visão interacionista de ensino. Embasada em

Foucambert (1994), Leffa (1996), Solé (1998) e Orlandi (2000), concebe a leitura,

sob uma perspectiva sociocultural, como uma prática discursiva.

Continuando seu traçado teórico, a autora aborda ainda a leitura sob diversos e

diferentes pontos de vista, interessantes ao desenvolvimento da sua pesquisa.

Como não é propósito deste trabalho discutir a leitura como suscitado no trabalho de

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Baptista (2006), procuraremos nos ater às partes que tratam da postura do professor

no desenvolvimento da produção textual na sala de aula.

Baptista (2006), ancorada em Bakhtin, aponta a interlocução como uma condição

fundamental para a compreensão dos sentidos do texto, já que todo ato de fala

pressupõe um interlocutor. Nessa perspectiva, ela menciona que a interlocução

presume um duplo caminho: o do falante, que se adapta ao interlocutor e produz o

seu discurso tendo em vista esse fato; e do destinatário, que também constrói o

significado a partir de uma compreensão e repertório.

Consoante esse aspecto, para a pesquisadora, o docente em sala de aula assume o

papel de um mediador, objetivando que o processo de aquisição da escrita seja

significante, relevante e que, acima de tudo, respeite o aluno como um ser em

construção. Construção que deve acontecer por meio de reflexão sobre a língua.

Dessa forma, é escrevendo e reescrevendo o texto que se constitui o sentido, pois,

de acordo com ela, “O aluno toma consciência do que construiu e reconstruiu, e tal

atitude é um instrumento de crescimento que pode ser construtivo, por meio da

interação” (2006, p. 55)

Sua pesquisa, de cunho qualitativo interpretativo do tipo etnográfico, teve como

sujeitos uma professora licenciada desde 1978 em Letras e Literaturas, com pós-

graduação (em 2000) em Língua Portuguesa e 40 alunos de 15 a 23 anos de uma

turma do 3º. ano do ensino médio. Baptista observou seis aulas de literatura, duas

aulas por semana compreendidas entre os meses de outubro e novembro de 2004,

no turno noturno.

O trabalho desenvolvido na sala de aula consistiu na leitura e compreensão de uma

crônica e, em seguida, produção de textos – os alunos produziram 70 textos, dos

quais a autora separou 50 de diversas “tipologias e gêneros distintos”. Desses,

selecionou 30 redações que apresentavam marcas de coerência (unidade temática,

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informatividade e intertextualidade) que fossem comuns e representativas da maioria

das produções do corpus.

Emerge, como resultado da pesquisa de Baptista, a ausência, na escola, de uma

postura do professor em relação à concepção de linguagem, aos objetivos do ensino

de língua e a um embasamento teórico suficiente, que certamente se inicia nas

primeiras séries do ensino básico. Essa defasagem estende-se até as últimas séries

da educação básica.

A autora aponta também que, ao propor uma reflexão sobre a prática da produção

textual dos alunos no ensino médio, a pesquisa procurou compreender as

deficiências que, à luz de teorias consagradas como interacionistas, já deveriam

estar minimizadas, porém, ao observar as produções textuais, a autora percebe que

há muito ainda a progredir em relação à leitura e à produção textual no ensino

médio.

Baptista (2006) afirma que, diante dos resultados encontrados, pode-se dizer que o

texto escrito fornece pistas e revela o percurso de leitura de seu produtor. Além

disso, fornece também as características de leitura e o estilo de produção de seu

produtor. Dessa forma, para a autora, as contraposições existentes nos textos

analisados sinalizam outro caminho no ensino médio, que vem a ser a possibilidade

de se conviver com outras variantes escolares e o encaminhamento que se deve dar

para que o aluno desenvolva sua competência linguístico-textual e,

consequentemente, construa o seu conhecimento.

Isso, no entendimento de Baptista, aponta para o surgimento de possibilidades de

ações pedagógicas nas aulas de língua materna, em que o professor será o

mediador dos conhecimentos em sala de aula, o responsável pelo processo de

ensino-aprendizagem e pela forma como encaminha seus alunos. Assim, de acordo

com os PCNs, encontrará clareza sobre como “criar condições de produção” que

quebrem a artificialidade ao propor atividades de leitura e produção textual.

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Outro trabalho de dissertação de mestrado que abordou uma temática, em alguns

quesitos, semelhante a que estamos desenvolvendo é o de Cruz (2005) que, em sua

pesquisa intitulada A produção textual no nível médio: uma análise das condições de

produção, apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Letras, da Universidade

Estadual de Londrina, no Paraná, analisa as condições de produção de textos

escritos no nível médio de duas escolas públicas da rede estadual do município de

Tangará da Serra, norte do Mato Grosso.

A autora apresenta, como justificativa para a sua pesquisa, o fato de os trabalhos

referentes à produção textual concentrarem-se mais no nível fundamental ou

superior e também a ocorrência de muitas reclamações dos professores de Língua

Portuguesa que atuam no ensino médio, sobre a dificuldade de se desenvolver o

trabalho de produção de textos em sala de aula.

Objetivando subsidiar sua pesquisa, ela focaliza nos pressupostos teóricos os

conceitos de interação, já que acredita que, para desenvolver um ensino–

aprendizagem significativo de produção de texto, é necessário trabalhar a linguagem

dentro de um espaço que possibilite a interação entre os sujeitos.

Pressupõe, assim, que a sala de aula seja o lugar adequado para que se propicie

“[...] ao aluno estabelecer uma relação dialógica com o interlocutor num determinado

contexto de produção” (CRUZ, 2005, p. 13). Partindo dessa perspectiva, ela

considera como objetivos de sua pesquisa: a) definir as contribuições do professor

para a produção textual; b) identificar a concepção de linguagem que subjaz a

prática do professor em sala de aula.

Nesse sentido, procurando dar um suporte consistente aos seus estudos, a autora

busca em Bakhtin/Volochinov (1929) subsídios sobre o dialogismo, pois entende

que, se a palavra constitui produto da interação entre o locutor e interlocutor, ela é o

território comum entre ambos. Desse modo, apresenta o diálogo como uma das

formas mais importantes de interação verbal e que se caracteriza, “[...] não apenas

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como comunicação em voz alta, de pessoas face a face, mas toda comunicação

verbal, de todo tipo, como o livro, ato de fala impresso e objeto de discussões ativas

sob forma de diálogo” (CRUZ, 2005, p. 13).

Ao defender a ideia do diálogo como uma das mais importantes formas de interação,

o texto evolui para a concepção interacionista da linguagem no ensino-

aprendizagem de língua materna, em especial, para o de produção textual. Assim, a

autora, em princípio, sem o citar nominalmente, apropria-se das considerações de

Geraldi (2001) sobre a concepção de sujeito que esse autor compreende como

alguém constituído na e pela linguagem. Sobre isso, Cruz (2005, p.14) afirma que “É

nessa relação dialógica entre os sujeitos e na produção e interpretação de textos

que a significação da palavra, o sentido do texto e os próprios sujeitos se

constroem”. E complementa:

A linguagem, como espaço de interlocução, permite ao sujeito compreender o mundo, agir sobre ele. Somente através da interlocução será possível devolver a fala ao sujeito e, possivelmente, a constituição do sujeito (2005, p.16).

Por entender que, no ensino de língua materna, a abordagem teórica do professor é

que determina a direção a ser dada à sua prática, a autora (2005) traz as

concepções de língua/linguagem relacionadas com o ensino-aprendizagem de

língua portuguesa. Dessa forma, apresenta as duas primeiras tendências que, de

acordo com Travaglia (1998), têm se distinguido nesse ensino: “como expressão do

pensamento”; “instrumento de comunicação, como meio objetivo de comunicação”.

Na terceira e última, a linguagem é concebida como forma ou processo de interação.

De acordo com Ilari (1997, p. 97), “[...] o sujeito-falante é o principal protagonista do

ato de fala”.

Ao defender que a abordagem teórica do professor é que norteia a sua prática, a

autora passa a questionar de que maneira o professor contribui para o

desenvolvimento da capacidade comunicativa dos alunos. Assim, no decorrer da sua

trajetória teórica, destaca mais uma vez que o ensino deve se pautar em uma

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perspectiva que leve o aluno a refletir sobre o processo (produção textual) e

compreendê-lo, o que lhe permite estabelecer um diálogo com o outro. Cruz (2005,

p. 20) está de acordo com a concepção de que “[...] interagir pela linguagem significa

realizar uma atividade discursiva, dizer alguma coisa a alguém, de uma determinada

forma, num determinado contexto histórico e em determinadas circunstâncias de

interlocução” (BRASIL, 1998, p. 25).

Cruz (2005) defende a tese de que a interação dialógica na sala de aula (alunos

entre si e entre o professor e os alunos) acaba com a mera transmissão de

conteúdos, a qual considerava o aluno como um simples receptáculo de

conhecimentos e dá espaço para que o próprio aluno possa “[...] sentir-se sujeito na

construção do saber” (p. 21). Assim, nas palavras de Cruz (2005, p. 22) “[...]

trabalhando a produção textual por meio de uma metodologia dialógica, o professor

deixa de ser o detentor do conhecimento e passa a atuar como mediador na

construção do saber”.

No entender de Cruz (2005), o objetivo principal do ensino de língua materna deve

ser o desenvolvimento da competência comunicativa do alunos e, dessa forma, levá-

los a produzir e compreender textos orais ou escritos em diversas situações de

interação.

Seu trabalho, situado na área da Linguística Aplicada, insere-se no campo das

pesquisas de base qualitativa observacional. De acordo com a autora, essas

pesquisas permitem explorações de níveis de análise que abarcam, entre outras, as

minúcias e o contexto. Com base nesse preceito, em um estudo de caso, teve como

sujeitos, de um lado, cinco professores formados em Letras-Português – um sem

estudos posteriores e outros quatro que tinham especialização em diversas áreas,

como: Língua Portuguesa e Literaturas, Currículo Fundamental, Didática Geral e

Educação Especial e de outros alunos (40 em média por turma) do 1º., 2º. e 3º. ano

do ensino médio.

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Sua observação na sala tinha por finalidade a caracterização das aulas de redação,6

já que o seu objetivo era observar a conduta metodológica dos professores

pesquisados e analisar as condições de produção proporcionadas nessas aulas.

Para o desenvolvimento de sua pesquisa, Cruz (2005) observou oito aulas de

redação, duas no 1º. ano, quatro no 2º. ano e duas no 3º. ano. Dessas aulas

recolheu apenas 11 textos. No dizer de Cruz (2005, p. 39)

Isso ocorreu porque a carga horária das aulas era de uma hora aula semanal e os alunos não conseguiam concluir as produções em sala de aula, ficando sempre como tarefa de casa, estipulada pelos professores.

O quadro revelado pela pesquisa de Cruz (2005) permitiu-lhe afirmar, entre outros

apontamentos, que, ao se trabalhar com a produção textual escrita na sala de aula,

os professores não consideraram (propiciaram) adequadas condições de produção.

Dessa forma, de acordo com a autora, com a anulação do caráter interativo da

escrita, há a sua descaracterização como prática comunicativa. A esse respeito,

assim se posicionou Cruz (2005, p. 91):

As redações, quando produzidas, são objetos de avaliação do professor, que as „corrige‟, atribuindo-lhes uma nota, prática esta, que é utilizada pela maioria dos professores como uma condição para que os alunos escrevam. É uma situação marcada pelo artificialismo, pois é negado ao aluno constituir-se como sujeito de sua própria escrita.

Outro ponto importante a se destacar na pesquisa de Cruz é que, apesar de toda a

discussão sobre a reescritura do texto, isso ainda não é feito. Ou seja, não há um

trabalho de reescrita dos textos em sala de aula, pois o professor leva as redações

para serem corrigidas em casa e já as devolve com uma nota atribuída e as

correções já marcadas no texto. Quando muito, realiza-se um trabalho de

reestruturação coletiva. Assim, de acordo com Cruz, a produção de textos não é

vista como processo pelo professor, pois não há preocupação em mostrar ao aluno

6 Nomenclatura utilizada pela autora.

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que essa atividade é um trabalho e exige planejamento, o que inclui, também,

releituras e revisão.

O que se percebe nos trabalhos revisitados é que se, de um lado, as discussões

sobre metodologias ou estratégias de ensino de língua(gem) são levadas em conta,

por outro, verifica-se que muito do que se descobriu na ciência linguística do século

XX ainda não foi aplicado na escola, pois os postulados ficam no campo meramente

teórico, sem deixar transparecer sua prática, já que, ainda, não possibilitam um

ensino de língua produtivo e eficaz, que preveja o desenvolvimento pleno do aluno.

Enquanto Geraldi (1997, 1998, 2001, 2006), em sua produção, aponta teorias e

fornece subsídios teórico-práticos para o profissional que pretende enfrentar o

cotidiano escolar, Costa Val (1999) apresenta um trabalho, síntese da sua

dissertação de mestrado, digno de uma releitura, já que desenvolveu um estudo

sério pelo domínio de uma linha de avaliação de textos, rica em aspectos formais,

conceituais e pragmáticos.

Pécora (2000), por outro lado, apesar de em nenhum momento abarcar a teoria dos

gêneros do discurso e/ou textuais, ou dialogar com seus teóricos, apresenta uma

análise reconhecidamente válida, já que, a partir das condições de produção do

texto, pôde-se estabelecer um quadro de características que permite uma

reavaliação das dificuldades apresentadas pelos sujeitos para o cumprimento da

tarefa de escrever.

Já as teses visitadas demonstraram que, apesar de a maioria (cinco dos seis

professores investigados) terem curso de pós-graduação em Língua Portuguesa ou

áreas afins, ainda não há consciência da necessidade de instaurar uma estratégia

metodológica que considere os caminhos apontados pelos estudos mais recentes

que delineiam uma abordagem linguístico-discursiva.

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Emerge daí a necessidade de uma nova postura do profissional da linguagem,

consciente de que a linguagem é lugar de constituição das relações sociais nas

quais os falantes se tornam sujeitos conscientes. Dessa forma, o professor deve

desenvolver uma metodologia de ensino que propicie aos falantes a percepção do

seu papel e a sua importância como usuário da língua em suas diferentes

modalidades.

O fracasso na produção de textos escritos, no último ano do ensino médio, aponta

para uma sucessão de vazios no ensino da prática de escrita. Os professores do

ensino fundamental se esforçam, mas não têm conseguido desenvolver no aluno a

uma capacidade de produzir textos em diferentes situações de uso da linguagem

escrita em nossa sociedade. O ensino médio deveria tornar seus alunos proficientes

em expressão oral e escrita, mas, no geral, tem falhado na tentativa.

O que encontramos atualmente no final do ensino médio é um contingente que está

imerso num mar de dificuldades, quando era de se esperar um produtor de textos

proficiente. O estudante, sujeito-autor, reconhece como seu real interlocutor um

único sujeito, sabendo de antemão que será lido e avaliado pelo professor ou, em

muitos casos, pelo corretor e, com essa perspectiva, apresenta ideias prontas,

cheias de lugares-comuns, tentando aparentar ser elas fruto de experiências e

reflexão própria.

Assim, é comum percebermos práticas escolares nas quais os gêneros textuais são

desenvolvidos como um sistema uniforme, formalmente constituído, distante da

função comunicativa preconizada por Bakhtin e sem considerar a subjetividade do

autor e do leitor.

Dessa forma, reiteramos a necessidade de se considerar uma proposta de ensino de

Língua Portuguesa, por meio dos gêneros textuais, em que se considerem as

condições sócio-históricas, já que elas irão definir os objetivos e a forma de se

escrever o texto. Diante do quadro atual, surgem alguns questionamentos: as

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escolas e/ou professores estão compreendendo essas dimensões? Que

interpretações estarão os alunos fazendo dessas situações de aprendizagem?

Considerando as reflexões acima mencionadas e que o desenvolvimento da

produção textual pautada nos gêneros textuais é de suma importância para uma

prática significativa, este projeto de pesquisa investigou concepções de gênero

textual que embasam práticas pedagógicas de um professor de Língua Portuguesa

no desenvolvimento de produção de texto de alunos no 3º. ano do ensino médio de

uma escola da rede pública estadual da cidade da Serra, ES.

Com essa problemática, objetivamos especificamente:

a) analisar como se efetiva a prática pedagógica de um professor de Língua

Portuguesa no desenvolvimento da produção textual de discentes do terceiro

ano do ensino médio;

b) investigar concepções de ensino da Língua Portuguesa que embasam as

práticas de trabalho desse professor no desenvolvimento da produção textual

de discentes do terceiro ano do ensino médio;

c) investigar se a concepção do professor sobre gênero textual influencia na

produção textual dos alunos.

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CAPÍTULO 2

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Nosso objetivo, neste capítulo, é apresentar as bases teóricas que nortearam e

subsidiaram o processo de investigação desta pesquisa. Por considerarmos a

linguagem como forma de interação social realizada por meio de enunciações,

delineamos algumas contribuições de Mikhail Bakhtin (1993, 2003, 2006) sobre os

princípios dialógicos do enunciado e dos gêneros do discurso que reiteram o caráter

social, histórico e cultural nos processos de produção de conhecimento. Além disso,

procuramos dialogar com outros/as autores/as que consideraram essas mesmas

concepções.

2.1 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E A PRÁTICA DO PROFESSOR

A língua, anteriormente concebida como produto pronto e acabado, tinha seu ensino

focado nos estudos das frases, desprezando, assim, os implícitos, os pressupostos,

o contexto, os elementos extralinguísticos e, principalmente, o relacionamento entre

os interlocutores. Hoje, a partir dos estudos mais recentes, já se sabe que, para o

ensino de língua materna, as concepções de linguagem e de língua e,

consequentemente, de sujeito e texto, determinam a direção a ser dada à prática do

professor, já que nem sempre ele está consciente da teoria linguística ou do método

que embasa o seu trabalho.

Dessa forma, os métodos e as técnicas, os conteúdos e a avaliação devem

encontrar sua sustentação tanto nas teorias linguísticas quanto nas educacionais.

Essa questão é alarmante, pois não há ensino satisfatório sem o conhecimento

profundo da concepção de linguagem e, consequentemente, da definição de seu

objeto específico, a língua.

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O que se vê é uma grande quantidade de professores que, ao início do ano letivo,

planejam e colocam em suas aulas conteúdos que devem ser “ensinados” e

“aprendidos” por seus alunos ao final de cada série, baseados em livros didáticos.7

Há estudos que comprovam que muitos docentes desconhecem as principais teorias

que deveriam embasar a sua prática pedagógica. Isso demonstra que não ocorre

uma reflexão sobre os pressupostos teóricos metodológicos que adotam em sala de

aula e, com certa frequência, chegam mesmo a desenvolver ações sem ter clareza

das intenções pedagógicas, isto é, definidas sobre o que estão fazendo e qual o

objetivo pretendido com os seus procedimentos.

Assim é que a realidade apresentada hoje pelas escolas de ensino médio vem

demonstrando a ineficácia desse método de ensino, que transforma os professores

em meros transmissores de conteúdos, os quais não fazem o menor sentido para a

maioria dos alunos e, muitas vezes, nem mesmo para eles próprios.

É por isso que Geraldi (1997, p. XXIII) afirma que “[...] o que falta aos professores é

teoria”. Assim, no trabalho com o ensino-aprendizagem de língua materna, uma

questão importantíssima vem a ser a abordagem teórica que embasa o processo.

Sobre isso, Geraldi (2001, p.41 ) esclarece: [...] toda e qualquer metodologia de

ensino articula uma opção política - que envolve uma teoria de compreensão e

interpretação da realidade - com os mecanismos utilizados em sala de aula”.

Como pode ser notado, de acordo com Geraldi (2001), a opção política envolve uma

teoria de compreensão da realidade, que inclui uma concepção de linguagem que dá

resposta ao para que ensinamos o que ensinamos. Além disso, a cada concepção

de linguagem corresponde uma noção de sujeito.

Geraldi aponta, fundamentalmente, três concepções de linguagem: a linguagem

como expressão do pensamento, a linguagem como instrumento de comunicação e

a linguagem como forma de interação social.

7 Ver Geraldi (1997, p.93-94) – Crítica ao livro didático.

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A primeira concepção, como expressão do pensamento foi considerada a opção

adequada para o ensino até a década de 60 e está subjacente aos estudos

tradicionais que, baseados na lógica grega clássica, categorizam palavras e funções

sintáticas, objetivando com isso atingir e melhorar os mecanismos lógicos do

raciocínio e do pensamento humano.

Esse tipo de visão interfere diretamente na prática de ensino dos professores de

Língua Portuguesa, já que toda e qualquer variação é vista como desvio, e aquele

que fala diferente fala errado. Para esse tipo de concepção, o bom texto será aquele

que exteriorize um pensamento lógico articulado com a norma culta da língua. De

acordo com essa perspectiva, o produtor do texto não é afetado pelo seu possível

interlocutor nem pelo contexto no qual está inserido.

A segunda concepção, ligada à teoria da comunicação, situa a língua como código

capaz de transmitir ao receptor uma certa mensagem, isto é, considera-a um

sistema organizado de sinais (signos) que serve como meio de comunicação entre

os indivíduos. Entretanto, para que a comunicação se efetive, é necessário que o

código seja conhecido e dominado por ambos os falantes (emissor e receptor) e seja

utilizado de maneira preestabelecida e convencionada.

Essa concepção privilegia a forma, o aspecto material da língua e as relações

constituintes de seu sistema (emissor, receptor, mensagem, código etc.) em

detrimento da significação, conteúdo e elementos extralinguísticos. Além disso, ela é

reducionista, pois ignora que o sujeito, na maioria das vezes, imprime a sua marca

no texto (ambiguidades, ironia etc.).

Como última concepção de linguagem, temos a que concebe a linguagem como

forma ou processo de interação social. Opõe-se às outras concepções apresentadas

por corresponder à noção de sujeito como entidade psicossocial, com ênfase no

caráter ativo dos sujeitos na produção do social e da interação. Essa concepção

inclui também a defesa de que os sujeitos (re)produzem o social na medida em que

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participam ativamente da situação na qual estão engajados, já que são atores na

atualização das imagens e representações sem as quais não existiria comunicação

(KOCH, 2006, p. 15).

Nesse contexto, a linguagem deve ser compreendida como um conjunto de práticas

sociais, imprescindíveis para a construção dos sentidos nos indivíduos,

considerando um dado contexto histórico. Dessa forma, é essa concepção que

predomina nos estudos atuais sobre linguagem e texto, pois o sujeito, como aponta

Brandão (apud KOCH, 2006, p.15), retomando as colocações de Bakhtin (1979):

[...] é um sujeito social, histórica e ideologicamente situado, que se constitui na interação com o outro. Eu sou na medida em que interajo com o outro. É o outro que dá a medida do que sou. A identidade se constrói nessa relação dinâmica com a alteridade. O texto encena, dramatiza essa relação. Nele, o sujeito divide seu espaço com o outro porque nenhum discurso provém de um sujeito adâmico que, num gesto inaugural, emerge a cada vez que fala/escreve como fonte única do seu dizer. Segundo essa perspectiva, o conceito de subjetividade se desloca para um sujeito que se cinde porque átomo, partícula de um corpo histórico-social no qual interage com outros discursos, de que se apossa ou diante dos quais se posiciona (ou é posicionado) para construir sua fala.

2.2 DO OBJETIVISMO ABSTRATO E SUBJETIVISMO IDEALISTA À

VERDADEIRA SUBSTÂNCIA DA LÍNGUA

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua (BAKHTIN, 2006, p.123)

Nesse contexto, em contraposição aos estudos de bases estruturalistas, emerge a

teoria do dialogismo de Bakhtin (2006) que concebe a linguagem como interação

social. Assim, a linguagem e sua aquisição passam a ser compreendidas a partir de

sua natureza sócio-histórica, sendo a interação entre os sujeitos o seu princípio

norteador. É importante entender que a interação verbal (dialogia) preconizada por

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Bakhtin centra-se na crítica a duas grandes correntes teóricas: uma denominada

objetivismo abstrato, e a outra, subjetivismo idealista. O filósofo russo considerava

que o objetivismo abstrato e o subjetivismo idealista constituíam um obstáculo a uma

apreensão totalizante da linguagem.

Sua crítica à primeira corrente acena que o objetivismo abstrato se fundamenta em

uma concepção abstrata de linguagem, a qual se apresenta como um sistema

abstrato de formas linguísticas (no universo lexical, nos fonemas, nos morfemas, nas

flexões etc.), inerte, estável e depositada na mente do falante, pronta para o seu

uso. Isso quer dizer que essa corrente não aceitava a capacidade de as línguas

evoluírem através do tempo e tampouco que a língua pudesse ser compreendida no

seu processo real de uso. Nessa direção, Bakhtin, contrapondo-se a ela, propõe a

interação verbal como opção as duas orientações anteriores e, além disso, assinala

que as formas da língua são um produto das relações sociais estabelecidas pelos

interlocutores.

A segunda corrente teórica, subjetivismo idealista, assim como a primeira, tem como

principais características a sua classificação como um sistema de formas linguísticas

passíveis de descrição, estável e homogêneo, o que reduz a linguagem à

enunciação monológica isolada. Nessa concepção, Bakhtin assume a sua crítica,

argumentando que o indivíduo sofre influências significativas do contexto que

vivencia, direcionando sua fala de um para outro.

Sobre a crítica epistemológica de Bakhtin (2006) a essas duas correntes, Brait

(2001, p.79-80) afirma:

Ao contrário do que admiradores e detratores de Bakhtin tentam enfatizar a partir de leituras datadas e teoricamente comprometidas, as críticas às duas tendências não têm por função demolir a perspectiva dos estudos lingüísticos e estilísticos longa e criteriosamente desenvolvidos por essas duas grandes tendências. O que se observa é que, ao analisar determinados aspectos marcantes dessas duas tendências, Bakhtin tem em mira uma terceira via de enfrentamento das questões da linguagem, que não se restringiria à formalização abstrata e nem às especificidades dos talentos individuais.

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Para o teórico russo (2006, p.113), uma compreensão totalizante da natureza da

linguagem não está no meio dessas duas correntes; ela está mais além. Dessa

forma, objetivando superar, dialeticamente, essa posição dicotômica, apontou a

interação verbal como a raiz criadora e organizadora da palavra. Nesse contexto, a

palavra “[…] é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo

fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do

locutor e do ouvinte”.

Nesse sentido, percebe-se que a linguagem tem um caráter interativo e só pode ser

compreendida a partir de sua natureza sócio-histórica. A propósito, é significativa a

seguinte afirmação de Bakhtin (2006, p. 41): “[...] as palavras são tecidas a partir de

uma multidão de fios ideológicos e servem de trama para todas as relações sociais

em todos os domínios”. Isso quer dizer que ela se constrói no contexto em que se

realiza e reflete as ideologias que circulam ao redor.

Bakhtin defende a tese de que o ato de fala ou, exatamente, o seu produto, a

enunciação, não pode ser discutido, levando-se somente em consideração as

condições psicofisiológicas do sujeito falante, apesar de não poder delas prescindir.

A enunciação é de natureza social e, para compreendê-la, é necessário entender

que ela acontece sempre em uma interação. A verdadeira substância da língua é

constituída, para Bakhtin (2006, p.123), “[...] pelo fenômeno social da interação

verbal, realizada por meio da enunciação ou enunciações. A interação verbal

constitui assim a realidade fundamental da língua”.

Assim sendo, a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente

organizados. A palavra dirige-se a um interlocutor real e variará em função deste,

seja em relação ao grupo social a que ele pertence, seja com referência aos laços

sociais etc. Não pode haver interlocutor abstrato, pois não teríamos linguagem com

tal interlocutor, mesmo no sentido figurado.

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No entendimento de Bakhtin, a língua constitui-se de um fenômeno desencadeado

pelas práticas sociais, imprescindíveis para a construção dos sentidos nos

indivíduos engajados dialogicamente, respeitando um determinado contexto

histórico. Nesse sentido, Bakhtin (2006, p. 124) aponta que “A língua vive e evolui

historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato

das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes”. Assim, para ele, a

língua é vista a partir de uma perspectiva de totalidade integrada à vida humana. A

linguística não pode dar conta de explicar um objeto multifacetado. Para explicar a

dialogicidade, só o aspecto linguístico não é suficiente. Por isso ele acrescenta o

contextual e propõe assim uma disciplina, a metalinguística ou translinguística, para

estudar o assunto.

Ao contrário de Saussure (1993) e dos estruturalistas que privilegiam a langue, ou

seja, o sistema abstrato da língua, Bakhtin chamou a atenção para a

heterogeneidade da parole, evidenciando uma complexa multiplicidade das

manifestações da linguagem em situações sociais concretas. A evidenciar ainda

mais o pensamento de Bakhtin sobre a questão, está a sua consideração de que a

linguagem, como uma criação coletiva, mantém um diálogo cumulativo entre o “eu” e

o “outro”, entre muitos “eus” e muitos “outros”. É nessa relação com o outro, na e

pela linguagem que homem se constitui. Bakhtin (2006, p.145) assim considera o

diálogo: “A unidade real da língua que é realizada na fala não é a enunciação

monológica individual e isolada, mas a interação de pelo menos duas enunciações,

isto é, o diálogo”.

A observação feita por Bakhtin confirma que uma das formas mais importantes da

interação verbal é o diálogo, caracterizado não apenas como comunicação em voz

alta, de pessoas face a face, mas toda a comunicação verbal, de todo tipo. Qualquer

enunciação constitui apenas uma fração da corrente da comunicação verbal

ininterrupta (relativa à vida cotidiana, à literatura, ao conhecimento, à política etc.).

No entender de Bakhtin, a comunicação verbal ininterrupta constitui apenas um

momento na evolução contínua e em todas as direções de um grupo social

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determinado. Assim, pode-se tomar também a palavra diálogo em seu sentido mais

amplo, como qualquer tipo de comunicação verbal, oral ou escrita, exterior ou

interior, manifestada ou não. Nas palavras de Bakhtin (2006, p. 123), tudo está em

comunicação, já que

O discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio, etc.

Além disso, soma-se à concepção de diálogo outro elemento que não se refere

apenas à fala em voz alta de duas pessoas, mas a um discurso interior, do qual

emanam as várias e inesgotáveis enunciações, que são determinadas pela situação

de sua enunciação e pelo seu auditório. A esse respeito Bakhtin (2006, p.125)

postula:

A situação e o auditório obrigam o discurso interior a realizar-se em uma expressão exterior definida, que se insere diretamente no contexto não verbalizado da vida corrente, e nele se amplia pela ação, pelo gesto ou pela resposta verbal dos outros participantes na situação de enunciação.

Percebe-se que, do ponto de vista de Bakhtin (2006), toda interação é dialógica, faz

parte de um processo contínuo de comunicação que se materializa por meio de

palavras, faz parte da vida cotidiana e das atividades práticas do homem.

O resultado disso é que os estudos linguísticos não têm que tomar como centro as

formas linguísticas dos interlocutores de um determinado grupo social, mas

considerar como foco as unidades reais da cadeia verbal: as enunciações. A esse

respeito, assim se posiciona Bakhtin (2006, p. 125):

Enquanto um todo, a enunciação só se realiza no curso da comunicação verbal, pois o todo é determinado pelos seus limites, que se configuram pelos pontos de contato de uma determinada enunciação com o meio extraverbal e verbal (isto é, as outras enunciações).

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Nesse contexto teórico, é categoria relevante a noção de interação verbal como

princípio fundador da linguagem. Assim, toda linguagem é dialógica, isto é, todo

enunciado é sempre um enunciado de um locutor para seu interlocutor. Pode-se

inferir que é na relação entre sujeitos, ou seja, na produção e na interpretação dos

textos que se constroem o sentido do texto, a significação das palavras e os próprios

sujeitos. Emerge daí a concepção de gênero textual de Bakhtin (2003) como

enunciado responsivo, o que está de acordo com a ideia de linguagem como

atividade interativa e não como forma ou sistema.

Dessa forma, para se desenvolver um ensino-aprendizagem satisfatório de produção

de textos, é necessário desenvolver a linguagem dentro da sala de aula de forma

que seja possibilitada a interação entre os sujeitos. Isso significa que o ensino-

aprendizagem de produção textual deve manter uma estreita relação com os

gêneros do discurso, compreendendo a dimensão do texto como dimensão do

enunciado. Vejamos, portanto, as diversas questões relativas a compreensão do

gênero sob a dimensão dialógica da linguagem com o objetivo de entendermos

melhor como essa concepção embasa a prática pedagógica do professor de Língua

Portuguesa do 3º. ano do ensino médio e, consequentemente, o desenvolvimento da

produção textual dos alunos.

2.3 GÊNEROS TEXTUAIS: CONCEITOS, REFLEXÕES E DEBATES

A noção de gênero aparece na Antiguidade Clássica, ligada, em particular, à arte

literária. Assim, Platão propôs uma classificação binária que dividia, de um lado, a

epopeia e a tragédia e, de outro, a comédia e a sátira. Aristóteles indicou uma

classificação em três gêneros: o lírico, o épico e o dramático. Por sua vez,

Charaudeau e Maingueneau (2004) apontam que, além dessas classificações

ligadas à literatura, Aristóteles apresenta, em sua Retórica, três gêneros de fala

pública: o epidítico, o deliberativo e o judiciário. Sobre a classificação efetuada pela

retórica antiga, Brandão (2003, p.19) aponta:

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Ela reconhece três tipos de discursos, definidos pelas circunstâncias em que são pronunciados: deliberativo, judiciário e epidítico. O deliberativo é dirigido habitualmente a um auditório a quem se aconselha ou dissuade; corresponderia mais ou menos ao nosso discurso político. No judiciário, o orador acusa ou se defende. O epidítico é um discurso de elogio ou repreensão que versa sobre os atos do cidadão.

Esses gêneros responderiam a um pressuposto de que a oratória deveria ser

exercitada no espaço público, isto é, definida a partir dos parâmetros institucionais

nos quais tem lugar o discurso. É importante salientar que a retórica não era, na

Antiguidade, uma disciplina descritiva, mas eminentemente prática, destinada a

ensinar a persuadir, de tal maneira que a limitação a três tipos de discurso indica

quais eram os âmbitos em que se considerava fundamental dispor dessa habilidade.

Com o declinar dessas modalidades da vida pública, a retórica, como disciplina,

ficou relegada aos âmbitos religioso e jurídico. No entanto, o deslocamento mais

importante para a história dos estudos sobre a linguagem produziu-se entre o

emprego da retórica para o âmbito oral institucional e seu uso no discurso artístico,

estético e escrito. Por essa razão, é que os estudos sobre os gêneros discursivos

tiveram seus primeiros desenvolvimentos modernos no âmbito da teoria e da crítica

literária.

Assim, a partir do século XV, os gêneros expandiram-se com o florescimento da

cultura impressa e deram início a uma grande ampliação. Na Rússia, na segunda

década do século XX, Bakhtin sobressaía como um crítico do formalismo russo e

integrante do círculo que posteriormente levou o seu nome. Assim, o denominado

“Círculo de Bakhtin” discutia questões fundamentais da filosofia e da linguagem,

abrindo muitos caminhos na área da linguagem, em especial, e das ciências

humanas, em geral. Esses estudos serviram de base para uma teoria da linguagem

na qual os gêneros discursivos tinham uma função central. Em suas próprias

palavras:

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O desconhecimento da natureza do enunciado e a relação diferente com as peculiaridades das diversidades de gêneros do discurso em qualquer campo da investigação lingüística redundam em formalismo e em uma abstração exagerada, deformam a historicidade da investigação, debilitam as relações da língua com a vida (BAKHTIN, 2003, p. 264-265).

Graças aos estudos de Mikhail Bakhtin e seu Círculo, o interesse pelos gêneros

ultrapassou o âmbito dos estudos literários para abarcar a comunicação oral e

escrita. Bakhtin apresentou uma noção de língua como atividade social, histórica e

cognitiva (MARCUSCHI, 2008), opondo-se à visão de discurso dos formalistas, que

privilegiava os aspectos formais e estruturais.

Assim é que, para Bakhtin, os gêneros do discurso são fenômenos históricos,

profundamente vinculados à vida cultural e social. Por isso, são muitos e difíceis de

enumerar, já que circulam em contextos sociais específicos e mudam com o passar

do tempo para atender às novas necessidades e, ainda, são reconhecidos por

serem tipos relativamente estáveis de enunciados utilizados na comunicação

(BAKHTIN, 2003).

Consideramos que a ação comunicativa está ligada diretamente à ação verbal, seja

ela escrita, seja oral, e toda ação verbal se constrói apoiada sobre um determinado

gênero textual. Assim, para se pensar em gênero textual, é necessário, antes de

qualquer coisa, reconhecer o contexto que essa forma de agir implica e a partir daí,

começar a nossa reflexão. O gênero, dentro de uma perspectiva discursivo-

enunciativa, é fortemente vinculado ao aspecto histórico e cultural. Dessa forma, é

pelo uso de textos que nós não só organizamos as nossas ações diárias, mas

também criamos significações e fatos sociais num processo interativo.

Bakhtin chega à definição de gênero partindo da verificação de que todos os campos

da atividade humana estão relacionados com a utilização da língua. Essa utilização

se dá em forma de enunciados, os quais, por sua vez, “[...] refletem as condições

específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo

(temático) e pelo estilo da linguagem [...], mas acima de tudo por sua construção

composicional” (2003, p. 261). Assim, o tema, o estilo e a construção composicional

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formam um tipo característico de enunciado dentro de um dado espaço de

comunicação, e é por isso que tipos estáveis de enunciado caracterizam gêneros do

discurso.

Antes de se preocupar em classificar os diferentes gêneros discursivos, Bakhtin

chamou a atenção para a sua diversidade, já que, como são utilizados em todos os

campos da atividade humana, eles vão se diferenciando e ampliando na medida em

que estes se desenvolvem ou se ampliam. Em seu entender, ao invés de se

privilegiar o estudo de apenas alguns gêneros (literários, retóricos, do discurso

cotidiano), o mais importante é levar em conta a diferença fundamental entre

gêneros primários ou simples e secundários ou complexos.

Como o próprio nome diz, os gêneros primários se constituiriam em circunstâncias

de uma comunicação verbal espontânea (a réplica do diálogo cotidiano, a carta),

enquanto os secundários apareceriam “[...] nas condições de um convívio cultural

mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado

(predominantemente o escrito) - artístico, científico, sociopolítico, etc.” (2003, p.

263).

Um gênero se caracteriza por possuir uma estrutura convencional e por ser uma

criação social facilmente reconhecível. Assim, percebe-se que os gêneros nunca

surgem num grau zero, mas em uma situação que envolve uma realidade sócio-

histórica, cultural e interativa e que se estabelece dentro de instituições e atividades

preexistentes. Se alguém nos pede que façamos uma narração (tipo de texto),

estará nos dando somente uma pequena pista sobre que texto deseja, pois resulta

em uma indicação um tanto abstrata. Se nos pede que lhe contemos um conto ou

uma piada (gêneros textuais), sabemos muito mais exatamente o que deseja. São

gêneros textuais, por exemplo, as cartas, os telegramas, os contos, as notícias, os

poemas, as receitas de cozinha, o currículo, as adivinhações, a conferência etc. Ou

seja, agrupamos em um gênero aqueles textos que apresentam determinadas

características e que são socialmente reconhecíveis e reconhecidos.

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É importante observarmos que a descrição mais tradicionalmente citada do conceito

de gêneros do discurso é a célebre passagem no parágrafo inicial de Os gêneros do

discurso, de Bakhtin (2003), talvez a passagem mais citada do pensador russo:

A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo por sua construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, estilo, a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso (BAKHTIN, 2003, p. 261-262).

Além disso, pode-se considerar que os gêneros trazem embutidos em seu princípio

as características constitutivas da sociedade a que pertencem e, ao mesmo tempo,

são constituídos pela institucionalização de usos recorrentes da linguagem por essa

mesma sociedade.

Antes de continuarmos com nossas reflexões, é imperativo esclarecer alguns

conceitos sobre gênero discursivo, gênero e tipo textual. Há, atualmente, muitos

estudos que abordam densas discussões sobre esse assunto, já que, em uma

pesquisa, o que está implicado não é apenas a terminologia, mas o aspecto teórico-

metodológico que se adota.

Dessa forma, diversos estudiosos têm se debruçado sobre o assunto. Roxane Rojo

(2005) é um deles. Em seu estudo, ela faz um levantamento (restrito a uma

instituição de pesquisa) sobre as pesquisas que tomam por base teórica as teorias

de gêneros. Destaca que a mais importante constatação foi a de que esses

trabalhos poderiam ser divididos em duas vertentes metateoricamente diferentes:

teoria de gêneros do discurso ou discursivos e teoria de gêneros de texto ou

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textuais. Ambas as vertentes se encontravam enraizadas em diferentes releituras da

herança bakhtiniana.

De acordo com a autora, a primeira vertente teoria dos gêneros do discurso focava

seus estudos nas situações de produção dos enunciados ou textos e em seus

aspectos sócio-históricos e tinha como autores de referência o próprio Bakhtin,

Holquist, Silvestre e Blank, Brait, Faraco, Tezza, Castro etc.; a segunda, teoria de

gêneros de textos, centrava-se, sobretudo, na descrição da materialidade textual.

Os autores de referência eram, em geral, Bronckart e Adam. Outro dado

interessante levantado pela pesquisa da autora é o de que ambas as vertentes

muitas vezes recorriam a um conjunto de autores comuns, tais como Charaudeau,

Maingueneau, Kerbrat-Orecchioni, Authier-Revuz, Ducrot, Bronkart et al. (1985),

Bronckart (1997), Adam (1992).

Outra percepção de Rojo foi que, embora os trabalhos adotassem vias

metodológicas diversas para o tratamento dos gêneros, uns mais centrados na

descrição das situações de enunciação em seus aspectos sócio-históricos; outros,

sobre a descrição da composição e materialidade linguística dos textos no gênero,

mas todos acabavam por fazer descrições de “gêneros”, de enunciados ou de textos

pertencentes ao gênero. Essa constatação levou-a a questionar se as designações

gêneros do discurso (ou discursivos) ou gêneros textuais (ou de texto) significavam

o mesmo objeto teórico, ou não.

Assim, no desenvolvimento do seu estudo, Rojo (2005) aponta algumas diferenças

entre os dois termos.

Na teoria dos gêneros textuais: a ênfase está nas formas composicionais; o gênero

é concebido como uma entidade que recobre uma família de similaridades e é

percebido como um modelo canônico; a noção de gênero se confunde com a família

de textos; busca descrever a função ou materialidade do texto/gênero por meio de

unidades estáveis que o compõem, entre estas, as sequências típicas ou os tipos de

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discursos; apesar de estabelecer uma aproximação com o discurso bakhtiniano, em

alguns momentos, dele se distancia e com ele rompe, em muitos pontos; em termos

didáticos, busca definir um gênero colocando paralelamente vários textos

supostamente pertencentes a ele, procurando assim regularidades formais ligadas à

língua ou à função do gênero, tendo como “pano de fundo” o contexto da produção.

Na teoria dos gêneros discursivos: Rojo (2005) aponta que a ênfase está na

situação de enunciação; gênero é um universal concreto decorrente das relações

sociais e regulador das interações e discursos configurados em enunciados e/ou

textos; texto é a materialização do gênero como universal concreto; busca a

significação, a acentuação valorativa e o tema, indicados pelas marcas linguisticas,

pelo estilo e pela forma composicional do texto; mantém uma postura crítica e

dialógica com as teorias bakhtinianas, sem, no entanto, se distanciar demasiado

delas; em termos didáticos, busca definir um gênero a partir de regularidades e

similaridades das relações sociais em uma esfera de comunicação específica, já

que parte da análise em detalhe dos aspectos sócio-históricos da situação

enunciativa para daí buscar as marcas linguisticas que refletem esses aspectos da

situação.

Considerando a discussão (BRAIT, 2000, 2001; BRANDÃO, 2000; GERALDI, 1997,

2001, 2006; KOCH, 2000, 2006; MARCUSCHI, 2005, 2006, 2008; ROJO, 2000,

2005) sobre qual terminologia utilizar ou sobre qual ancoragem teórica pautar

nossos estudos, entendemos que, para definir a noção de gêneros, devemos levar

em conta: a ancoragem social do discurso, sua natureza comunicacional, as

regularidades composicionais dos textos ou ainda suas características formais. Isso

nos leva a inferir que esses diferentes aspectos estão ligados, o que cria, aliás,

afinidades em torno de duas orientações principais: a que está mais voltada para os

textos, justificando a denominação gênero de texto, e a mais voltada para as

condições de produção do discurso, que justifica a denominação gênero do discurso.

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Marcuschi (2005, 2006, 2008),8 em um dos seus trabalhos, reafirma sua opção pela

expressão gêneros textuais. Esse estudioso tem suas concepções teóricas

fortemente ancoradas em Bakhtin, porém considera também, entre outros, autores

como: Bazerman, para quem os gêneros são rotinas sociais de nosso dia a dia; e

Bhatia, para quem os gêneros são formas de “ação tática”.

Justificando sua posição, Marcuschi (2005, 2006, 2008) afirma que toda produção

textual pertence a um gênero e que os gêneros textuais são fatos sociais e não

apenas fatos linguísticos, já que todas as nossas manifestações verbais em

consonância com a língua se dão como textos e não como elementos linguísticos

isolados, e toda manifestação linguistica se manifesta como discurso (língua em

uso). Ainda aponta que os gêneros não são modelos estanques nem estruturas

rígidas; não são estruturas canônicas, mas também não são amorfos; não são

estáticos nem puros.

A contrapor a esses argumentos, afirma: são formas culturais e cognitivas de ação

social; são entidades dinâmicas que condicionam nossas escolhas, limitam nossa

ação na escrita, impõem restrições e padronizações e nos incitam a escolhas,

estilos, criatividade e variações. Nessa direção, de acordo com ele, assim como a

língua varia, também os gêneros variam, adaptam-se, renovam-se e multiplicam-se.

Um outro dado interessante a destacar dentro da perspectiva que adotamos para a

condução de nossa pesquisa é a noção de tipologia textual, que entendemos pelo

olhar de Marcuschi (2005), para quem ela deve ser usada para designar uma

determinada sequência teoricamente definida pela natureza linguistica de sua

composição. De acordo com esse autor, os tipos textuais abrangem as categorias de

8 Marcuschi (2008, p. 154) chama a atenção para o fato de que: “Não vamos discutir aqui se é mais pertinente a expressão „gênero textual‟ ou a expressão „gênero discursivo‟ ou „gênero do discurso‟. Vamos adotar a posição de que todas essas expressões podem ser usadas intercambiavelmente, salvo naqueles momentos em que se pretende, de modo explícito e claro, identificar algum fenômeno específico”.

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narração, argumentação, exposição, descrição e injunção (SWALES, 1990; ADAM,

1996; BRONCKART, 1999).

Nesse sentido, Marcuschi (2005, p. 22-23), sobre a distinção entre gênero e tipo

textual, aponta que

[...] (a) Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de seqüência teoricamente definida pela natureza lingüística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. (b) Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositadamente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gêneros são inúmeros.

Dessa forma, como nossa pesquisa está voltada para a concepção sobre gênero

que embasa a prática pedagógica do professor de Língua Portuguesa

desenvolvendo com os alunos a produção de textos escritos, vamos adotar

doravante o termo “gênero textual”.

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CAPÍTULO 3

METODOLOGIA: O CAMINHO PERCORRIDO

[...] aquele que pratica um ato de compreensão (também no caso do pesquisador) passa a ser participante do diálogo (BAKHTIN, 2003).

Neste capítulo, buscamos apresentar a abordagem metodológica utilizada para

alcançar os objetivos apontados no Capítulo I. Nosso estudo investigou as

concepções de gêneros que embasam práticas desenvolvidas por professores de

Língua Portuguesa para o ensino de produção de textos escritos a alunos do 3º. ano

do ensino médio. Trata-se de um estudo de caso de natureza qualitativa, que tem

como foco uma escola da rede pública estadual da cidade da Serra, ES.

A abordagem qualitativa é bastante adequada a estudos desse tipo, na medida em

que favorece, como destaca André (1995, p.17),

[...] a interpretação em lugar da mensuração, a descoberta em lugar da constatação, valoriza a indução e assume que fatos e valores estão intimamente relacionados, tornando inaceitável uma postura neutra do pesquisador. [...] se contrapõe ao esquema quantitativista de pesquisa (que divide a realidade em unidades passíveis de mensuração, estudando-as isoladamente), defendendo a visão holística dos fenômenos, isto é, que leve em conta os componentes de uma situação em suas interações e influências recíprocas.

Ludke e André (1986) enfatizam a necessidade de se determinar os focos de

investigação e estabelecer os contornos do estudo, já que não será possível

explorar todos os ângulos do fenômeno no tempo aprazado. Sobre o mesmo

assunto, assim se posicionam Bogdan e Biklen (1994, p. 91):

O investigador escolherá uma organização, como a escola, e irá concentrar-se num aspecto particular desta. A escolha de determinado foco, seja ele um local na escola, um grupo em particular, ou qualquer outro aspecto, é sempre um ato artificial, uma vez que implica a fragmentação do todo onde ele está integrado. O investigador qualitativo tenta ter em consideração a relação desta parte com o todo, mas, pela necessidade de controlar a investigação, delimita a matéria de estudo.

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Em nossa pesquisa, ao investigarmos as concepções de gêneros textuais que

subjazem às aulas de produção de textos no 3º. ano do ensino médio,

determinamos, como foco de investigação, as práticas de produção de texto que se

efetivam em um contexto específico de ensino.

Percebe-se, na fala dos autores de referência, uma preocupação com a delimitação

do contexto, sem, contudo, perder de vista o universo maior que envolve o

fenômeno. Nessa direção, fica evidente a necessidade de o pesquisador se munir de

instrumentos de coleta de dados variados. Optamos por utilizar a observação

participante com roteiro de observação e registro em diário de campo; formulários

para caracterização da escola, da sala de aula e dos alunos; roteiro de entrevistas

com o professor e com os alunos (APÊNDICES A, B, C, D, E, F, G, H, I, J).

Escolhemos a observação participante por considerar que esse tipo de

procedimento possibilita ao pesquisador uma atenção ímpar aos domínios onde está

inserido o fenômeno de investigação. A observação foi atenta e integrada no que

diz respeito aos cenários, aos sujeitos, às ações e reações, enfim a todo o contexto

observado. Durante todo o período de observação, procuramos manter uma postura

reflexiva, tomando notas, registrando e coletando dados a partir dos instrumentos

utilizados.

No decorrer das observações, encaramos o contexto investigado não só como uma

fonte de informação, mas também de aprendizagem, uma vez que esse

procedimento requer do pesquisador concentração, discernimento e boa capacidade

de relacionamento com outros indivíduos que fazem parte do caso estudado.

Nesse sentido, é interessante lembrar Sarmento (2003, p. 160-161), para quem

[...] as relações de comunicação vão-se estreitando à medida que a permanência no terreno aumenta, sendo o investigador progressivamente tomado enquanto elemento que se posiciona [...]. A presença de um investigador externo introduz um cenário de complexificação das relações sociais no seu interior.

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Durante a observação participante, realizamos entrevistas semiestruturadas com

alunos e professor com o objetivo de oferecer a esses sujeitos da pesquisa

oportunidades de expressarem seus pensamentos, suas interpretações. Desse

modo, pudemos conhecer a forma como os sujeitos interpretavam as suas vivências.

A entrevista é um instrumento positivo nesses casos, pois possibilita “[...] recolher

dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador

desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam

aspectos do mundo” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.134).

Lüdke e André (1986, p. 33-38) chamam a atenção para a relação interativa que se

cria na entrevista, em que quem pergunta e quem responde se influenciam

reciprocamente, em especial no caso das entrevistas semiestruturadas. Assim, no

caso da entrevista com o professor e os alunos, o produto da entrevista foi analisado

e interpretado no confronto com os resultados das demais técnicas de coleta de

dados utilizadas.

Para a análise dos dados coletados na observação, utilizamos os pressupostos de

Bakhtin e outros autores apontados no Capítulo 2, já que nosso protocolo de

observação para registro das informações (MOREIRA; CALEFFE, 2006) contemplou

as interações que se constituíam na prática de ensino de produção de textos,

mediada pelo professor de Língua Portuguesa em uma turma de 3º. ano do ensino

médio.

Sobre a análise dos dados, é imperioso destacar que ela sempre esteve presente

nas várias fases da nossa pesquisa, porém se tornou mais sistêmica e formal depois

do encerramento da coleta de dados. De acordo com Bogdan e Biklen (1994, p.

205), a análise de dados

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[...] é o processo de busca e organização sistemático de transcrições de entrevistas, de notas de campo e de outros materiais que foram sendo acumulados, com o objectivo de aumentar a sua própria compreensão desses mesmos materiais e de lhe permitir apresentar aos outros aquilo que encontrou. A análise envolve o trabalho com os dados, a sua organização, divisão em unidades manipuláveis, síntese, procura de padrões, descoberta dos aspectos importantes e do que deve ser apreendido e a decisão sobre o que vai ser transmitido aos outros.

Outro ponto importante do qual não podemos nos esquecer é com relação ao

procedimento ético em pesquisa. Assim, é necessário salientar que buscamos o

consentimento informado e proteção aos sujeitos contra qualquer espécie de danos;

que demos importância central à intencionalidade dos sujeitos, à complexidade e à

fluidez dos processos implicados no desenvolvimento da ação social. Dessa forma,

a análise dos dados foi efetivada em estreita relação com as abordagens

metodológicas qualitativas e mediada pelos objetivos da investigação.

Levando em conta as orientações metodológicas explicitadas, descreveremos como

se deu o processo de inserção em campo e as técnicas e/ou instrumentos utilizados

para contemplar os objetivos da pesquisa. Além disso, caracterizaremos o contexto

onde se efetivou a nossa pesquisa e os sujeitos envolvidos.

3.1 O PROCESSO DE INSERÇÃO EM CAMPO E DE COLETA DE DADOS

A pesquisa foi realizada durante o ano letivo de 2008. Iniciou-se no dia 6 de outubro

e finalizou-se no dia 11 de dezembro, totalizando 44 dias em campo (APÊNDICE I).

Desses, nove dias foram destinados aos primeiros contatos, às entrevistas com o

professor e com os alunos, à análise de documentos e à caracterização da escola. A

observação das aulas foi efetivada durante 35 dias e era feita geralmente de três a

quatro vezes por semana, dependendo dos dias destinados às aulas de Língua

Portuguesa, além de outras atividades desenvolvidas na escola. Foi observado um

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total de 46 aulas de 60 minutos cada uma, resultando em 46 horas de observação

participante.

A escolha pela escola deu-se pelo fato de já a conhecermos, visto que

trabalhávamos lá no turno noturno, como professora de Português. Nesse sentido, a

ideia de desenvolvermos lá a pesquisa partiu da própria diretora, que colocou a

Escola à disposição. Quando questionamos se o professor do 3º. ano concordaria

em participar, ela garantiu que, conhecendo-o bem, tinha certeza de que não se

oporia.

A inserção em campo iniciou-se com a nossa apresentação na unidade escolar para

conversarmos com o professor de Língua Portuguesa do 3º. ano do ensino médio.

Realmente, o professor se mostrou muito solícito e disse que se sentia lisonjeado

em participar. Sendo assim, entregamos uma cópia do projeto de pesquisa à diretora

que, após tomar ciência do objetivo de nosso trabalho, repassou-o para a pedagoga

e para o professor. Voltamos à escola em outra oportunidade e nos reunimos com a

diretora, pedagoga e o professor para dirimirmos qualquer dúvida sobre a pesquisa.

Na oportunidade, reiteramos os nossos objetivos, apresentamos o roteiro de

observação (APÊNDICE G) e oficializamos o processo de coleta de dados a partir

do protocolo de pesquisa (APÊNDICE A).

Com a autorização da escola e do professor, fomos, em companhia da pedagoga

até a sala da 3ª. série, onde apresentamos o nosso projeto e encaminhamos para os

pais e/ou os próprios alunos os o Termo de Consentimento (APÊNDICE B) para que

os alunos pudessem participar da pesquisa. Os alunos menores que participaram do

nosso estudo foram autorizados pelos pais (14 alunos) e os alunos maiores de 18

anos (12 alunos) assinaram a sua própria autorização. A esse respeito, Lüdke e

André (1986, p. 29) pontuam:

O „observador como participante‟ é um papel em que a identidade do pesquisador e os objetivos do estudo são revelados ao grupo pesquisado desde o início. Nessa posição, o pesquisador pode ter acesso a uma gama variada de informações, até mesmo confidenciais, pedido colaboração do grupo. Contudo, terá em geral que aceitar o controle do grupo sobre o que será ou não tornado público pela pesquisa.

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Durante essa primeira fase, dentro do processo investigativo, iniciamos a coleta de

dados com as entrevistas com os alunos. Elas aconteceram individualmente, num

local calmo e tranquilo (no laboratório de informática), fora da sala de aula, porém,

dentro do horário de turno, objetivando interferir o mínimo possível no cotidiano das

aulas.

Conversamos com cada aluno, procurando deixá-los bem à vontade, para discorrer

sobre a escola, os professores e os colegas. Somente após ganharmos a sua

confiança, começarmos a entrevista. Dessa forma, seguimos a orientação de

Sarmento (2003), o qual alerta que, por um lado, as entrevistas podem se constituir

em um constrangedor exame e, por outro, os atores sociais podem usar diversos

subterfúgios para, em determinadas circunstâncias, se calar ou usar uma narrativa

idealizada ou ficcional. Para que isso seja evitado, ele recomenda:

A realização de entrevistas deve permitir a máxima espontaneidade, seguindo devagar as derivas da conversa e percorrendo com atenção seus espaços de silêncio. As entrevistas podem ser uma oportunidade para os entrevistados se explicarem, falando de si, encontrando as razões e as sem-razões por que se age e vive (SARMENTO, 2003, P. 163).

Seguimos, também, a orientação dada por Ludke e André (1986, p. 34) para as

quais a entrevista semiestruturada é “[...] o tipo de entrevista mais adequado para o

trabalho de pesquisa que se faz atualmente em educação [...]”, pois

[...] aproxima-se mais dos esquemas mais livres, menos estruturados. As informações que se quer obter, e os informantes que se quer contatar, em geral professores, diretores, orientadores, alunos e pais, são mais convenientemente abordáveis através de um instrumento mais flexível.

Os registros dessa técnica foram feitos por escrito, no momento das entrevistas,

sem gravações em audiovisual. Ao final, era feita a leitura da entrevista para que o

aluno pudesse concordar e ou discordar do que havia sido registrado ou, ainda,

acrescentar ou retirar informações que considerasse inadequada(s).

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Ainda nessa fase, caracterizamos o espaço físico (APÊNDICE C) e o ambiente

didático e pedagógico, por meio da análise de documentos (planos de cursos, dados

históricos, materiais técnico-pedagógicos, projetos em desenvolvimento,

documentos técnicos – pautas, fluxos etc.). Outro documento muito importante para

a nossa caracterização foi o Projeto Político-Pedagógico da Escola, recém-

atualizado.

A segunda fase iniciou-se por meio da observação em contato direto com os

sujeitos investigados, em sala de aula, durante 46 aulas, em uma média de cinco

horas por semana (perfazendo o total das cinco aulas destinadas às aulas de Língua

Portuguesa, conforme organização curricular para as escolas de ensino médio da

rede estadual do Estado do Espírito Santo). Essas observações foram registradas

por escrito em um diário de campo, seguindo o roteiro de análise (APÊNDICE G).

Tendo em vista a necessidade de optarmos por uma parte da realidade a ser

privilegiada nas observações, foi necessário acompanhar as experiências diárias

dos sujeitos, para tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que

eles atribuíam à realidade que os cerca e às suas próprias ações (LÜDKE; ANDRÉ,

1986, p. 26).

Percebemos que, em contextos como este, a presença de um pesquisador até então

estranho ao ambiente pode perturbar as relações interpessoais naquele grupo. Isso

quer dizer que alguns professores (e também alguns alunos) podem se sentir

vigiados e interpretar as observações como uma avaliação de suas práticas. De

acordo com Sarmento (2003), essa desconfiança é natural e só será ultrapassada

com o tempo, já que

[…] o tempo, como condição de habituação mútua a uma presença desejavelmente não interferente e muito menos avaliativa, e a efectiva implicação na ação, no sentido de uma „familiarização‟ que não recusando o „distanciamento‟ possa afirmar como „mais um de nós‟ , só que com uma tarefa própria (SARMENTO, 2003, p. 161, grifos do autor).

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Com efeito, nossa presença, nos primeiros dias, provocou uma certa curiosidade,

tanto do professor quanto dos alunos. Porém, com o passar do tempo, a nossa

presença passou a ser encarada com naturalidade. Dessa forma, nas três primeiras

aulas, fizemos o registro sem o apoio do recurso do áudio, objetivando acostumar os

alunos com a nossa presença. Na quarta aula, introduzimos o gravador, que foi

constante em todas as aulas observadas. Conforme os registros, a pesquisa

configurou-se com um corpus de 46 aulas observadas e descritas em diário de

campo (APÊNDICE H).

Durante o processo investigativo, e quando já contávamos com mais de 20 aulas

observadas, foi feita a entrevista com o professor de Língua Portuguesa.

Escolhemos esse momento, por considerar que, a essa altura, já havíamos

conquistado maior confiança e credibilidade por parte do professor e dos outros

sujeitos.

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3.2 O CONTEXTO DA PESQUISA

3.2.1 A escola

A ESCOLA

Escola é ...

O lugar onde se faz amigos não se trata só de prédios, salas, quadros, programas, horários, conceitos...

Escola é, sobretudo, gente, gente que trabalha, que estuda,

que se alegra, se conhece, se estima. O diretor é gente,

o coordenador é gente, o professor é gente, o aluno é gente,

cada funcionário é gente. E a escola será cada vez melhor

na medida em que cada um se comporte como colega, amigo, irmão.

Nada de „ilha cercada de gente por todos os lados‟. Nada de conviver com as pessoas e depois descobrir

que não tem amizade a ninguém. Nada de ser como tijolo que forma a parede,

indiferente, frio, só. Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar,

é também criar laços de amizade, é criar ambiente de camaradagem,

é conviver, é se „amarrar nela‟ ! Ora, é lógico...

em uma escola assim vai ser fácil estudar, trabalhar, crescer, fazer amigos, educar-se,

ser feliz.

(PAULO FREIRE)

Esse poema ilustrava uma das paredes na entrada principal da escola onde fizemos

a pesquisa, que se realizou em uma unidade de ensino da rede pública estadual,

situada num bairro periférico da cidade da Serra. O bairro onde está localizada a

escola é dividido em setores, de maneira que a escola se situa em um ponto central

que permite aos moradores de bairros adjacentes usufruírem do atendimento

escolar oferecido. A escola teve sua autorização para funcionamento inicialmente

para o ensino fundamental, em 1996, e para o ensino médio, em 2004. Nesse ano,

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houve uma reforma no prédio escolar, porém nela não foram contempladas algumas

obras reclamadas pela comunidade, como, principalmente, a construção da quadra

poliesportiva. A falta dessa quadra foi a queixa mais ouvida durante a nossa estada

na escola, pois a sua ausência comprometia as atividades de Educação Física, além

de prejudicar os eventos festivos promovidos pela escola.

A escola possuía uma grande extensão de área que circundava a construção

principal. Era um prédio de dois andares e comportava inicialmente dez salas de

aula, porém foram improvisadas mais quatro salas. A biblioteca estava em reformas,

mas percebemos que, apesar de possuir um grande acervo, estava localizada em

instalações precárias, já que ocupava um espaço muito pequeno e inapropriado para

o manuseio dos livros. Seu mobiliário era inadequado, além de ficar ao lado da

cozinha absorvendo todos os odores. A unidade contava também com secretaria,

cantina, sala de professores, sala da direção, sala de planejamento (utilizada

também como depósito de material e sala de artes), coordenação, cozinha,

laboratório de informática e outras dependências, como almoxarifados e sanitários.

Apesar de simples e com móveis antigos, as salas, em sua maioria, eram amplas e

ventiladas, com boa luminosidade. Percebemos que, apesar de ter sido construído

um sanitário para portadores de necessidades especiais, o prédio não foi planejado

para atender adequadamente essas pessoas, uma vez que as salas de aula se

encontravam no andar superior, e a única forma de acesso eram as escadas. Outra

observação é que a largura das portas também era normal, o que não permitia o

acesso de pessoas que se locomovessem por cadeira de rodas sem serem

auxiliadas.

A escola atendia a 920 alunos, distribuídos nos turnos matutino, vespertino e

noturno. No turno matutino, o atendimento era voltado para as séries iniciais do

ensino fundamental. Já no turno vespertino, funcionavam as séries finais do ensino

fundamental e as quatro turmas do ensino médio: duas de 1º ano, uma de 2º ano e

uma de 3º ano. No turno noturno funcionava somente o ensino médio, com uma

turma de 1º ano, duas de 2° e duas de 3° ano. A média de alunos por turma era de

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30 alunos. No que se refere aos profissionais, a escola tinha uma diretora, quatro

coordenadores escolares, três pedagogas, dez auxiliares de secretaria, dez

auxiliares de serviços gerais, seis merendeiras e 44 professores.

Os 14 professores que atuavam no ensino fundamental de 1ª a 4ª séries eram

habilitados, pertencentes ao quadro efetivo do magistério. Havia mais dois

designados temporariamente na disciplina de Educação Física. Nas turmas do

ensino fundamental de 5ª a 8ª série, atuavam seis professores efetivos e oito

professores designados temporariamente, mais uma professora efetiva e um

designado temporariamente na disciplina de Educação Física. No ensino médio,

atuavam seis professores efetivos e cinco designados temporariamente, incluindo

uma professora de Educação Física. Alguns professores trabalhavam no ensino

fundamental e médio concomitantemente. Havia também três estagiários, alunos da

própria escola, que atuavam no contraturno como monitores no laboratório de

informática.

A escola dispunha de farto material pedagógico, como jogos, mapas, DVDs

específicos de cada disciplina e livros didáticos para os alunos. Com relação aos

recursos audiovisuais, a escola tinha dois projetores multimídia, um quadro digital,

um televisor CCE com entrada USB em cada sala, três aparelhos de DVD, dois

aparelhos de som, uma caixa amplificadora e uma máquina digital. Para utilização

desses recursos, os professores deviam agendar o dia e horário com os

coordenadores ou pedagogos. Além disso, na sala dos professores, havia um

computador com acesso à internet e uma impressora matricial.

O meio de transporte mais utilizado pelos alunos para chegarem à escola era o

ônibus escolar, que, por meio de convênio, era oferecido pela Secretaria Estadual

de Educação para a locomoção dos alunos oriundos dos bairros adjacentes, uma

vez que esses bairros são desprovidos de escolas. Já no turno noturno, o acesso à

escola era, na maioria das vezes, feito com a utilização de bicicletas.

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A rotina de funcionamento da escola obedecia aos horários de cada turno. O turno

matutino iniciava suas atividades às 7h e as encerrava às 11h30min. Já o turno

vespertino iniciava às 13h e tinha o término do ensino fundamental às 17h30min e

do ensino médio às 18h10min. O turno noturno funcionava das 18h20min às 22h.

No turno vespertino, horário em que nossa pesquisa se realizou, a entrada da

maioria dos alunos ocorria por volta das 12h50min, horário em que os ônibus de

transporte chegavam. Às 13h, o acesso às salas era liberado e os alunos iam para

as suas salas. Com relação aos atrasos, havia uma tolerância de até 15 minutos. O

sinal era tocado no horário de entrada e entre uma aula e outra.

Na hora do recreio, todos os alunos eram obrigados a descer para o andar térreo e a

grade que dava acesso ao segundo andar era fechada. No horário do recreio, na

maioria das vezes, era ligada uma aparelhagem de som, na qual os próprios alunos

colocavam músicas escolhidas por eles. Nesse horário, após comerem o lanche

fornecido pela escola, podiam se dispersar da forma que achassem mais

conveniente. Muitos ficavam no próprio hall (refeitório), outros iam para o pátio

externo onde formavam pequenos grupos para conversar e uns poucos iam para a

biblioteca, que ficava aberta nesse horário para empréstimos e leituras de livros,

jornais e revistas.

A sala de aula (APÊNDICE D) onde realizamos nossa pesquisa era uma das

menores da escola (aproximadamente 32m²), visto que a turma pesquisada também

era uma das menores. Apesar de pequena, era limpa, iluminada e arejada

naturalmente e artificialmente por um ventilador de teto. Tinha duas janelas (sem

grades ou outro tipo de proteção), com cortinas gastas pelo tempo.

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3.2.2 Os sujeitos da pesquisa

Os sujeitos da nossa pesquisa foram 26 alunos de uma turma de 3ª. série do ensino

médio e seu professor de Língua Portuguesa. Ressaltamos que a caracterização

dos sujeitos foi feita por entrevistas (APÊNDICES E e F), consulta à ficha de

matrícula e ao diário de classe da professora, além de observações pessoais do

pesquisador-observador.

3.2.2.1 Os alunos

As informações coletadas nos permitiram caracterizar esses alunos no que concerne

a aspectos individuais, sociais, culturais e acadêmicos. A turma era composta de 26

alunos, 15 do sexo feminino e 11 do masculino, e manteve-se estável durante a

coleta de dados. Constatamos que 12 desses alunos ficaram reprovados e/ou

evadiram-se em algum momento da trajetória escolar, o que resultou em uma

defasagem de idade quanto à série cursada. A Tabela 5 mostra a distribuição por

faixa estaria dos 26 alunos envolvidos na pesquisa.

TABELA 5 – Demonstrativo da distribuição dos alunos por faixa etária

Idade Nº de alunos Percentual

17 anos 14 53,7

18 anos 10 38,5

19 anos 01 3,9

22 anos 01 3,9

TOTAL 26 100

Com base nesses dados, verificamos que a faixa etária dos alunos se situa entre 17

e 22 anos, revelando que 14 deles se encontravam na faixa própria do curso, 11

adolescentes apresentavam uma pequena defasagem na idade escolar e um deles

encontrava-se bem defasado.

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Convém mencionar que a maioria da turma (18 alunos) se conhece e estuda juntos

há mais de cinco anos e que, dos 26 alunos, cinco estagiavam em diferentes

empresas por indicação do Centro de Integração Empresa-Escola do Espírito Santo

(CIEE); cinco trabalhavam em empresas, como escritório de contabilidade, escritório

de advocacia, creche, padaria e lanchonete. Além disso, dois alunos trabalhavam no

negócio da família. Do total de alunos, apenas três faziam cursinho pré-vestibular

em outras instituições de ensino.

Constatamos também que, do total de 17 sujeitos que preencheram o formulário

para caracterização dos(as) alunos(as), apenas quatro eram oriundos de lares de

pais separados. Além disso, o núcleo familiar, na maioria dos casos, é constituído de

quatro pessoas, ou seja, pai, mãe e dois filhos. Para avaliar o nível socioeconômico

das famílias, utilizamos como indicadores a profissão e o grau de escolaridade dos

pais. Entre as profissões, observamos predominância de funções de nível técnico e

outras que não requerem alta qualificação, como se vê na Tabela 6 a seguir.

TABELA 6 – Demonstrativo da profissão dos pais

PAI Nº MÃE Nº

Profissão Microempresário 2 Gerente de Loja Pedagoga

1 1

Policial Militar 1 Autônoma (doceira) 1 Metalúrgico 4 Dona de Casa 6 Motorista 3 Empregada Doméstica 2 Pedreiro 2 Balconista 1 Vigia 2 Profª Ens. Fundamental

Servente 1 1

Aux. Serviços Gerais

3 Balconista Servente Autônoma (lavadeira)

1 1 1

TOTAL 17 17

O indicador “profissão”, associado ao de “escolarização”, permite situar as famílias

entre as classes C e D. Um ponto considerado positivo é o que todos os pais e mães

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frequentaram a escola, embora uma parcela não tenha completado o segundo ciclo

do ensino fundamental. Observemos a Tabela 7.

TABELA 7 – Demonstrativo do grau de escolaridade dos pais

PAI Nº MÃE Nº

Escola-

ridade

2º. ciclo do ensino fundamental completo

23,5 2º. ciclo do ensino fundamental completo

11,8

2º. ciclo do ensino fundamental incompleto

35,3 2º. ciclo do ensino fundamental completo

47,0

ensino médio completo

29,4

ensino médio completo

23,5

ensino médio incompleto 5,9 ensino médio incompleto

11,8

ensino superior incompleto

5,9

ensino superior Pós-graduação

5,9

TOTAL 100 100

Os dados da Tabela 7 mostram um nítido investimento das famílias em manterem

seus filhos na escola. Sabe-se que, para as classes populares, a educação é vista

como uma forma de ascensão social. Se considerarmos que apenas um percentual

inferior a 30% dos pais conseguiu concluir o ensino médio, o fato de os filhos

estarem terminando esse nível de ensino representa um avanço.

Na questão relativa às práticas de leitura efetivadas fora do espaço escolar, as

alunas responderam, em sua maioria, que, quando leem, escolhem as revistas

direcionadas para o público adolescente (Todateen, Capricho, Atrevida); seis alunas

disseram que leem a revista Veja. Do total de 15 alunas, dez leem romances de

literatura mais comercial (Sabrina, Júlia e de autores como Sidney Sheldon etc.). Já

no caso dos alunos, responderam que leem jornais, especificamente as notícias

esportivas e policiais.

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Fizemos ainda algumas perguntas semistruturadas sobre o encaminhamento das

solicitações de produção de texto e constatamos que a maioria, apesar de reclamar,

quando solicitada a produzir um texto, acha necessário para um bom

desenvolvimento da capacidade de expressão. Quando perguntamos sobre a

importância ou não da produção de textos nas aulas de Língua Portuguesa, os

alunos foram unânimes em achar muito importante. Na fala de uma aluna, “Ótimo,

isso estimula o raciocínio e ajuda no crescimento pessoal”. Alguns alunos

salientaram que acham difícil escrever, mas que, na vida diária, é necessário.

3.2.2.2 O professor

O professor estava, no momento da coleta de dados, com 49 anos e apresentava

uma trajetória profissional de mais de 30 anos de magistério. Trabalhava na escola

em que a pesquisa foi realizada havia oito meses, com uma carga horária de 26

horas e trabalhava também há mais de 15 anos em uma instituição particular com

uma carga horária de 17 aulas.

Com relação à formação, havia concluído o curso superior em Letras (Português-

Literaturas/Inglês-Literaturas) e pós-graduação em nível de especialização em Artes

Cênicas e especialização em Literatura Brasileira. Além disso, fez algumas

disciplinas como aluno especial no Mestrado em Estudos Literários. Ainda com

referência à formação, mencionou os três últimos cursos que havia feito, por ordem

de relevância (Literatura Comparada, Simpósio de Literatura, Curso FNILIJ).

Sua motivação para o magistério e, em especial, especificamente pela área de

Letras, foi estimulada pela família, na qual há vários professores. Falando de sua

experiência, comentou que começou a trabalhar com a disciplina de Inglês, mas,

objetivando conseguir um maior número de aulas, optou pela Língua Portuguesa.

Em princípio, nos primeiros dez anos, trabalhou especificamente com produção de

textos e, logo depois, a partir das pós-graduações que fez, passou para a literatura.

Publicou alguns artigos na área literária, como: A religiosidade na literatura

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trovadoresca, publicado no livro do Mestrado em estudos literários (2006); Metáforas

de Clarice Lispector, publicado no Livro do Mestrado em estudos literários (2006); O

ensino da Língua Portuguesa: eles não querem aprender, publicado por meio

eletrônico, CESA – Revista Alfabetização e Letramento – Sutis Diferenças.

Sobre as leituras, afirmou que costumava ler artigos técnicos sobre literatura,

produção de textos e histórias infantis. Estas últimas, como fonte de inspiração para

futuros trabalhos. Afirmou ainda ler jornais locais e a revista Veja.

Quando solicitado a conceituar linguagem, preferiu uma definição em sentido amplo:

“São todos os recursos, meios que usamos para nos comunicar. Tudo é linguagem,

olhar, corpo, silêncio etc. Somos constituídos pela linguagem”. Já sobre a gramática

afirmou que antigamente era considerada um conjunto de regras e que hoje se pode

considerá-la como mecanismos de organização e expressão da língua. A respeito de

sua prática, afirmou seguir os preceitos teóricos preconizados por Alfredo Bosi para

a literatura (análise literária) e Bakhtin e Magda Soares para produção de textos.

Pelas respostas do professor, notamos que a concepção de linguagem que ele

professa é a que considera a língua como um código, que deve ser dominado pelos

falantes para cumprir um objetivo de comunicação. Nessa concepção, o falante é

visto como ativo e o ouvinte como passivo. O papel daquele é emitir a mensagem e

o deste é decodificá-la, pois a informação deve ser passada e recebida tal qual

estava na mente do emissor.

Com relação ao planejamento das aulas, o professor relatou que o faz no final de

semana. Como trabalha em dois estabelecimentos, divide seu tempo: no sábado,

planeja as aulas da escola particular e, no domingo, as da escola pública. Aproveita,

também, para efetuar pesquisas nos livros didáticos, jornais, revistas e, por último,

na internet. Com relação à utilização do livro didático nas aulas, considera-o

somente como um apoio, haja vista que utiliza outros materiais pedagógicos. Sobre

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o critério para seleção dos conteúdos do livro didático, disse que usa os textos e

questões que considera mais fáceis, a fim de adequá-los ao nível da turma.

Ao explicar o que entende por gêneros discursivos/textuais, o professor definiu-os

como formas de organização do discurso oral ou escrito, ressaltando que considera

Bakhtin como o expoente dessa teoria. Referindo-se à orientação para leitura e

produção escrita dos gêneros textuais, aponta que, na escola particular, na parte de

literatura, propõe a comparação de obras literárias estimulando o aluno a ler e tirar

suas próprias conclusões. Já na escola pública, define o objeto, aponta suas

características, analisa um texto do gênero a ser estudado e depois estimula a

produção de textos.

A respeito da produção escrita dos alunos do terceiro ano, o professor salienta a

grande dificuldade de articulação das ideias, mas acredita que alguns deles

apresentam um nível satisfatório de escrita. Considera a turma muito heterogênea e

acrescenta que falta um trabalho de base nos fundamentos teóricos da produção

textual e até mesmo um encorajamento para a escrita.

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CAPÍTULO 4

AS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

Apresentamos, neste capítulo, as atividades desenvolvidas nas aulas de Língua

Portuguesa observadas e os materiais didáticos nelas utilizados, com o objetivo de

mostrar a circulação dos gêneros textuais em momentos de ensino-aprendizagem.

4.1 TIPOS DE ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

Durante o período de observação, o professor desenvolveu atividades variadas,

abordando desde conteúdos gramaticais até atividades de expressão oral. A fim de

coletar os dados que nos interessavam, estabelecemos uma categorização dessas

atividades, como a seguir: atividades que enfocavam o conhecimento sobre

produção de textos; leitura, interpretação oral e produção escrita; produção escrita;

leitura e interpretação oral; foco no conhecimento gramatical; exibição e discussão

de filmes; leitura e interpretação escrita; debate; reescritura de textos; reflexão

sobre fatos da língua. A Tabela 8 mostra a distribuição (APÊNDICE J) dessas

atividades nas aulas observadas.

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TABELA 8 – Demonstrativo das atividades desenvolvidas nas aulas de

Língua Portuguesa

ATIVIDADES f %

1 Foco no conhecimento sobre produção de textos

22 47,7

2 Produção escrita 6 13,0

3 Leitura e interpretação oral 5 10,9

4 Foco no conhecimento gramatical 5 10,9

5 Leitura e interpretação oral, seguida de produção escrita

3 6,5

6 Exibição de filme 2 4,4

7 Leitura seguida de interpretação por escrito 1 2,2

8 Debate 1 2,2

9 Reflexão sobre fatos da língua 1 2,2

TOTAL 46 100

Excetuando as aulas nas quais a atividade enfocava o conhecimento gramatical, as

demais (41) desenvolveram-se, de uma forma ou de outra, a partir de gêneros

textuais. Para maior clareza, a seguir apresentamos uma descrição das atividades

categorizadas.

As atividades que enfocavam os conhecimentos sobre texto ocuparam grande parte

das aulas observadas (47,8%) – as atividades que versavam sobre esse tipo de

conhecimento foram aquelas em que as estratégias para produção de textos eram

examinadas de forma sistematizada pelo professor. Os referidos conhecimentos

foram trabalhados sempre relacionando a produção textual com um gênero, tipo

textual ou conhecimento teórico necessário a uma produção eficaz.

Dessa forma, o professor colocou dentro da sala de aula materiais impressos em

seus suportes “originais”, porém utilizou também o suporte livro didático. Este, por

sua vez, trazia determinados conhecimentos sobre produção de textos, enfocados a

partir de fragmentos e/ou textos completos. Das 22 aulas que enfocavam essas

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atividades, 36,4% abordaram conhecimentos sobre gêneros textuais específicos;

27,2% focalizaram conhecimentos sobre tipos de textos e 36,4% trataram

conhecimentos teóricos necessários a uma eficiente produção de textos, por

exemplo, características apresentadas pelos gêneros textuais carta e bilhete,

conceitos sobre coesão e coerência etc.

Atividades de produção escrita (13%) – tais atividades eram precedidas da

discussão de um tema. Dessa discussão nascia a necessidade de estabelecer

comunicação e apontar um gênero textual específico para viabilizá-la. Assim, de

comum acordo, os alunos eram incentivados a produzir um texto sobre o assunto

discutido e o gênero apontado. Durante o período observado, os alunos se

expressaram utilizando os seguintes gêneros textuais: convite, e-mail, conto, abaixo-

assinado e comentário.

Atividade de leitura e interpretação oral (10,9%) – nesse tipo de atividade, o

professor apresentava um texto, geralmente do livro didático, pedia aos alunos que o

lessem e estimulava o comentário das ideias nele contidas. Depois, o professor

levantava questões sobre o gênero em destaque, sua função, perguntava se alguém

já o havia utilizado, onde, em que circunstâncias e por qual motivo. Os alunos

acompanhavam e respondiam aos questionamentos feitos pelo professor.

Atividades que enfocavam o conhecimento gramatical (10,9%) – as atividades que

versavam sobre este tipo de conhecimento englobaram conteúdos da gramática

tradicional submetidos a uma explicação sistematizada pelo professor. Esses

conhecimentos eram desenvolvidos após o professor perceber alguma dificuldade

gramatical por parte dos alunos. As atividades eram vinculadas aos gêneros textuais

e/ou tipos textuais que estavam em pauta. Por exemplo, quando foi estudado o tipo

de texto injuntivo, o professor trouxe para a sala cópias de um folheto instrutivo

sobre como agir em caso de incêndio.

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Assim, trabalhou o gênero textual e mostrou aos alunos como funcionava o tipo de

texto injuntivo. No desenvolvimento dessa atividade, o professor percebeu que os

alunos não sabiam como era formado o modo imperativo e qual a sua função.

Partindo dessa premissa, trabalhou a formação de verbos no modo imperativo,

revisou a conjugação de alguns verbos e propôs alguns exercícios. De outra vez,

após os alunos produzirem alguns textos e ele comentar as correções feitas, os

próprios alunos solicitaram explicações posteriores sobre o uso de vírgulas.

Atividades de leitura, interpretação oral e produção escrita (6,5%) – nesse tipo de

atividade, o professor solicitava aos alunos que lessem em voz alta e, sob a sua

mediação, estimulava-os para que debatessem entre si sobre o assunto e/ou gênero

apresentado. Em seguida, solicitava aos alunos a produção de um texto referente ao

gênero estudado. Nessas atividades, o professor relacionava algum acontecimento

real com o gênero que estava sendo estudado e, dessa forma, os alunos tinham a

oportunidade de debater assuntos reais e opinar sobre o que estava sendo

apresentado nos gêneros textuais, por exemplo, quando foi desenvolvido o gênero

textual opinião do leitor, postado posteriormente no site

http://gazetaonline.globo.com. Conforme indicação do diário de campo do dia

19-11-2008, o mote foi a opinião de um internauta publicado no site do Jornal A

Gazeta. Após lerem a cópia trazida pelo professor e discutirem as denúncias ali

relatadas, ficou evidenciado que os alunos poderiam levantar alguns problemas do

bairro em que viviam e também publicá-los naquele site.

Exibição de filme (4,4%) – para essa atividade, o professor avisou na aula anterior

que iria trazer um filme para assistirem juntos e que o assunto do filme estaria

articulado às aulas posteriores. O filme Central do Brasil foi apresentado no

laboratório de informática. Percebeu-se claramente que os alunos sabiam que

deveriam prestar atenção, pois seriam cobrados sobre alguns conteúdos e/ou

passagens do filme. Após a apresentação do filme, na primeira aula subsequente, o

professor utilizou o assunto do filme para desenvolver uma atividade oral – debate

(2,2%) sobre a escritura de cartas para pessoas sem alfabetização. Além disso,

trabalhou as características da carta pessoal e, também, discutiu com os alunos a

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necessidade de se fazer uma resenha crítica para orientar outros alunos que

quisessem saber sobre o filme.

Leitura seguida de interpretação por escrito (2,2%) – nesse tipo de atividade, após a

leitura sobre o conceito de charge e de tira no livro didático, o professor apresentou

aos alunos algumas charges e tiras retiradas de jornais ou livros didáticos para

serem interpretados e respondidas por escrito. Depois, solicitou a alguns alunos

que lessem as suas respostas para a turma.

Reflexão sobre fatos da língua (2,2%) – para essa atividade, o professor fez diversos

recortes em textos de alunos, nos quais havia alguma inadequação, e montou

algumas transparências. Em seguida, foi mostrando os excertos para os alunos e

perguntando se estava adequada aquela composição. Os alunos foram apontando o

que consideravam errado e as partes foram sendo corrigidas coletivamente. Após

esse exercício, o professor devolveu aos alunos os textos que havia corrigido. Foi

entregando um por um e comentando sobre os erros apresentados e solicitando-lhes

a reescrita do texto.

Conforme apontamos, nas 46 aulas observadas, foram desenvolvidas diferentes

atividades. Porém, aquelas que privilegiaram efetivamente a produção de textos

escritos corresponderam a menos de 20% desse total, o que demonstra o pouco

tempo destinado a essa prática dentro da programação da disciplina.

Antes de passar à análise das atividades de produção textual, é oportuno destacar

que os alunos dispõem de um manual didático no qual seguem os conteúdos

pertinentes ao 3º ano. Manual, aliás, disponibilizado em consonância com o

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do Governo Federal.

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4.2 LIVRO DIDÁTICO:9 O APOIO PRINCIPAL

Mesmo com a chegada de novas tecnologias e mídia à escola brasileira, o livro

didático (de agora em diante, LD) não perde a majestade. Sem ele, como ponto de

apoio, seria quase impossível ao professor desenvolver com os alunos práticas de

leitura e produção escrita, já que o trabalho de elaborar materiais auxiliares seria

infinito (SILVA, 1996).

A adoção de um LD não significa, porém, que o docente se desobriga a levar outros

suportes ou textos avulsos para ilustrar suas explicações, mas, sem sombra de

dúvida, o LD é mesmo o principal mediador do ensino escolar, como destaca Souza

(1999), sendo, portanto, de extrema relevância.

Essa relevância também é assinalada por Marcuschi (2008), que considera o LD um

suporte com características muito especiais, uma vez que abriga variados gêneros.

O interessante é que, mesmo incorporado num único suporte, esses gêneros não

perdem suas identidades, embora adquiram outra funcionalidade. Por exemplo, uma

carta ou um poema não deixam de ser carta ou poema pelo fato de migrarem para o

LD. Por outro lado, há gêneros típicos da esfera do discurso pedagógico que

praticamente não se soltam do LD: a explicação textual, os exercícios e instruções

para produção textual, são bons exemplos dessa característica funcional.

O livro10 utilizado pelo professor é organizado em três partes distintas: Literatura –

com 21 capítulos (de 1 a 21); Gramática – com 18 capítulos (de 22 a 39); e

Produção de Textos – com 19 capítulos (de 40 a 58). Essa divisão revela uma

concepção tradicional de ensino de língua materna, segundo a qual os conteúdos

são fragmentados em três “eixos”: o trabalho com a literatura, o trabalho com a

gramática e o trabalho com a produção de textos. A literatura serviria para focalizar o

ensino da interpretação de textos; a gramática, para trabalhar os conhecimentos 9 O livro didático utilizado na sala de aula pesquisada era o de SARMENTO, Leila L.; TUFANO,

Douglas. Português: literatura, gramática, produção de texto. São Paulo: Moderna, 2004. 10 Analisamos o livro em questão sem considerar o Manual do Professor, já que não conseguimos um exemplar.

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gramaticais propriamente ditos; e o último eixo, para ensinar a produzir textos. Em

outras palavras, esse tipo de divisão e organização reforça a ideia de que as

atividades de produção de textos devem se realizar separadamente das atividades

de leitura e de reflexão gramatical.

É interessante observar que o livro do Tufano (como é conhecido esse LD) foi

adotado para todas as séries do ensino médio e, portanto, vem sendo utilizado

pelos alunos faz algum tempo. Considerando que nosso objeto de estudo se localiza

no 3º. ano do ensino médio e nossa observação iniciou-se no mês de outubro de

2008, a turma estava em seu terceiro ano de uso do livro.

Longe de ser ideal, mesmo assim a frequência com que o professor recorreu ao livro

para suas explicações foi significativa: em quase 30% das aulas observadas. Na

entrevista, ele havia enfatizado que usava o livro apenas como um apoio e que não

se limitava a ele. Apontou, como ponto negativo, a qualidade dos textos, em sua

maioria antigos e fora do contexto. Dessa forma, aproveitava algumas de suas

partes teóricas e, quando propício, contextualizava e utilizava os textos (literários ou

não) para reconhecimento e desenvolvimento de gêneros textuais.

Apesar de haver livros didáticos em número suficiente para todos, percebemos que

os alunos não os levavam para casa. A explicação dada pelo professor é que, ao

invés de trazê-los para as aulas todos os dias, os alunos os esqueciam em casa,

prejudicando sua programação. Dessa forma, os livros passaram a ficar na escola.

Quando precisava deles, era só pedir para um aluno ir buscá-los. Porém, sem o livro

em casa, para consultá-lo quando lhe aprouvesse, o aluno perde a oportunidade de

complementar os conteúdos trabalhados e/ou desenvolvidos em sala, além de não

desenvolver hábitos de estudo fora da escola. Se o professor tem razão nos seus

argumentos, também é verdade que o aluno é o maior prejudicado com essa

medida.

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O livro didático foi utilizado pela primeira vez, durante nossa observação, já na

segunda aula. Tal evento foi assim registrado no diário de campo:

O professor pediu ao aluno M que fosse à biblioteca apanhar os livros. Após a distribuição dos livros, o professor pediu que abrissem na página 347, cujo título era Textos do Cotidiano. Assim, o professor falou que conforme já havia explicado antes, a partir de agora iriam estudar sobre os gêneros textuais, que eram os textos materializados encontrados em nosso cotidiano. Explicou que eles apresentam características sociocomunicativas definidas por seu estilo, pela função, composição, conteúdo e canal em que é apresentado (7-10-2008).

Pelo registro acima, percebe-se que a prática do professor, ao introduzir o tema

gêneros textuais, está em contradição com suas declarações feitas durante a

entrevista. Em primeiro lugar, ele apresenta de forma expositiva uma definição de

gênero, demonstrando com isso uma prática que se aproxima de um ensino da

língua que prioriza a memorização de definições, de classificações. A definição,

nesse caso, seria a última coisa a ser elaborada. Seria desejável que primeiro os

alunos fossem expostos a alguns gêneros diferentes e apontassem essas

diferenças.

Podemos, assim, interpretar a prática do professor como um apego a uma vertente

tradicionalista de língua. Poderia ser influência do modo de exposição dos

conteúdos pelo LD? O certo é que, nessa explicação sobre gêneros, ele mistura

conceitos, por exemplo, utilizando a denominação “canal” para se referir à

forma/meio de apresentação do gênero. Como se sabe, esse termo vincula-se a

uma classificação do ato comunicativo proposta por Jakobson, segundo a qual a

língua é entendida como código (conjunto de signos que se combinam segundo

regras) capaz de transmitir uma mensagem de emissor a receptor.

Essa concepção privilegia a forma, o aspecto material da língua e as relações

constituintes do seu sistema (emissor, receptor, mensagem, código, canal), em

detrimento da significação, conteúdo e elementos extralinguísticos. Além disso, a

linguagem, na concepção comunicativa, é centrada na informatividade da

mensagem, na sua funcionalidade e não no ato de linguagem. A preocupação é

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mostrar como “funciona a comunicação” e não estabelecer interações, “ouvir” e “dar

voz” ao outro.

Durante o período da pesquisa, o professor trabalhou com o LD em cinco sessões,

cada uma delas correspondendo a um capítulo, segundo a seguinte distribuição: um

capítulo da parte de Literatura e quatro da parte de Produção de Textos, totalizando

20 páginas, conforme especificado na Tabela 9.

Tabela 9 - Demonstrativo dos capítulos do LD trabalhados por assunto

e conteúdo11

Cap. Assunto Gêneros/Conteúdo Página Total Págs.

20 Pós-modernismo: prosa

Conto “Amor”, de Clarice Lispector

166 - 170 5

40

Linguagens e oralidade

Humor, charge e história em quadrinhos.

333 - 335

3

43 Textos do cotidiano

Cartão-postal, bilhete, convite e carta familiar

347 - 352

6

45 Elementos da textualidade

Ambiguidade, redundância, coesão, clareza e coerência textual

363, 364 e 368

3

53

Gêneros textuais em jornal e revista

Editorial, resenha, carta do leitor e crônica jornalística

411, 414 e 415

3

A tabela mostra que os alunos interagiram com variados gêneros textuais.

Entretanto, eles foram utilizados pelo professor para trabalhar conteúdos de

literatura, características da linguagem, elementos da textualidade, características

dos gêneros, indicando que servem como pretexto para o ensino de aspectos macro

e microlinguísticos.

11 Considerando que o professor utilizou apenas cinco capítulos do livro, priorizaremos nossa análise sobre esse material.

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Observamos que, no caso de literatura, o livro utilizado apresentava, na maioria das

vezes, apenas fragmentos de obras literárias. Essas obras, retiradas do seu

contexto, servem apenas como fontes de verificação das características de época e

para responder a questionários. Além disso, os questionários trazem perguntas

cujas respostas já estão previamente respondidas, inviabilizando discussões a

respeito dos vários sentidos trazidos pelo texto.

No caso da produção de textos, a seção apresenta diversos gêneros textuais e a

clássica tipologia – narração, descrição e dissertação/argumentação. As atividades

são conduzidas a partir da explicação sobre a organização e a estrutura de um

determinado gênero e/ou sobre um tipo de recurso a ser utilizado no

desenvolvimento de algum gênero textual. Apesar de o livro apresentar, em cada

capítulo, textos ou excertos de textos motivadores, com propostas de produção de

outros textos, não há uma orientação ao aluno sobre o que ou para que se escreve o

que se escreve.

Além disso, não vimos no livro procedimentos voltados para a peculiaridade de cada

texto, ou seja, sua utilização articulada aos usos sociais, às condições de produção

e aos efeitos de sentido. Dessa forma, fica claro que se trata de um manual

desatualizado, que não incorporou os resultados da pesquisa linguistica disponível,

nem tampouco as orientações emanadas dos documentos oficiais.

Ilustramos nossa afirmação com a tarefa proposta no Capítulo 43, intitulado Textos

do Cotidiano (p. 348) conforme o quadro a seguir:

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Produzindo

(Registre as respostas em seu caderno)

Leia as propostas a seguir e escolha uma delas

1ª. Proposta

Redija um bilhete para seus pais, explicando-lhes a sua súbita decisão de passar o fim de

semana na casa de praia de seus primos. Para que não fiquem preocupados, informe-

lhes o endereço onde se hospedará, o telefone para contato, assim como o dia e a hora

do seu retorno.

Releia atentamente seu texto, altere o que for necessário e passe-o a limpo.

2ª. Proposta

Envie um bilhete para um(a) amigo(a) ou colega, convidando-o(a) para assistir a um filme

e, depois, para um lanche em um shopping.

Releia atentamente o que você escreveu e altere o que for necessário. Não se esqueça

de passar seu texto a limpo.

Quadro 3 – Textos do cotidiano (propostas de produção textual)

Nessas propostas, a preocupação dos autores, mais uma vez, estava focada nas

questões formais da escrita de um bilhete, perdendo a oportunidade de enfocar as

reais condições de produção, os sujeitos envolvidos e os efeitos de sentido do texto

a ser produzido.

Na perspectiva bakhtiniana, tal como reforça Rojo (2003, p. 201):

[...] O enunciado passa a só adquirir sentido/significado/circulação a partir de situações concretas de produção (enunciação), que devem ser caracterizadas e levadas em conta enunciativamente, e não mais comunicacionalmente.

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Um outro ponto que merece destaque: de fato, há no livro uma grande diversidade

de gêneros textuais, porém estão concentrados no capítulo citado anteriormente e

no Capítulo 53 – intitulado Gêneros textuais em jornal e revista. Por que os autores

usam a nomenclatura gêneros textuais apenas nesses casos? Os outros textos,

inclusive os literários, não constituem gênero?

Ainda nesse mesmo capítulo, chamamos a atenção para os exercícios apresentados

nas páginas 414 e 415, que reproduzimos a seguir (Quadro 4).

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Produzindo

(Registre as respostas em seu caderno) 1) Sob A liderança do(a) professor(a), a classe debaterá brevemente as cartas reunidas sob o título “Limites ao fumo”. Em seguida, você redigirá uma carta ao jornal que publicou os referidos textos. Nela, você deve concordar ou discordar de um dos leitores. Procure ser breve e expor sua opinião de forma clara e objetiva.

2) (Unicamp-SP) O texto abaixo foi publicado na seção “Cartas do leitor” da Folha de S. Paulo de 30/8/2000. Referida a um crime que teve repercussão na imprensa escrita e falada, esta carta dá uma notável demonstração de machismo e desprezo pelas mulheres.

“A recente morte violenta de uma jornalista choca a todos porque, nesse fato, o assassino foge ao perfil comum de tais tipos, mas certas situações que levam a isso estão aí, nos círculos milionários, meios artísticos, esportivos e de poder. Tudo porque o homem não aprende. Há milênios, gosta de passar aos demais uma imagem de eterna juventude e virilidade, posando com fêmeas muito mais jovens. Fingem acreditar que elas estão por aí por amá-los. São poucas vezes atraídas pelo seu intelecto, e muitas pela fama, poder e dinheiro. A durabilidade de tais ligações, no geral, termina quando tal fêmea mostra também intelecto e capacidade de sobrevivência sem seu protetor. Duro, triste, real.” (Laércio Zanini, Garça, SP)

a) O texto usa, em relação às mulheres, um termo fortemente conotado e lhes atribui um comportamento que as desqualifica. Transcreva uma frase em que o termo ocorre, associado à descrição de comportamentos que desqualificariam as mulheres. Sublinhe o termo em questão da frase.

b) Quais os traços de caráter das mulheres em relação aos quais os homens deveriam se precaver, segundo o autor dessa carta?

c) A quem se refere o autor da carta, na frase “o homem não aprende?”

3) Imagine que o jornal Folha de S. Paulo tenha recebido, dias depois, uma carta de uma associação feminista indignada com a caracterização das mulheres feita pelo leitor Laércio Zanini. Escreva essa carta.

Avaliação: Troque seu texto com um(a) colega. Verifique se a carta dele(a) está concisa e objetiva e faça sugestões. Depois, reescreva seu texto, se necessário.

Quadro 4 – Capítulo 53 - exercícios

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O exercício 1 apresenta cartas dos leitores (reais), sugere um debate breve sobre as

cartas e, em seguida, propõe que o aluno se coloque em uma situação imaginária e

produza uma carta do leitor. Essa proposta, porém, não se configura uma prática

significativa, pois não contempla uma situação real de uso da língua, isto é, a

atividade se limita a uma tarefa escolar que tem como característica escrever para a

escola. Além disso, considerando a situação sociocomunicativa, fica bem claro que a

proposta não apresenta uma finalidade que corresponda a uma prática social, pois,

embora indique o destinatário (leitores do jornal Folha de São Paulo), não há a

intenção de a carta ser realmente encaminhada ao jornal, pois o texto referência é

do ano de 2002.

Já com relação ao exercício 2, observamos que ele tenta impor a opinião do autor,

pede que o aluno transcreva e sublinhe a frase que justifique essa opinião e

esquece de dar voz ao aluno, já que, em nenhum momento, pede que ele dê a sua

própria opinião.

Na proposta apresentada no exercício 3, percebemos mais uma vez a falta de

objetivo da escrita, já que há uma orientação para que o aluno se coloque em uma

situação imaginária e produza uma carta do leitor que nunca será enviada, nunca

será lida pelos leitores do jornal.

No geral, a produção de texto nessas condições não constitui uma prática

significativa para a aprendizagem do aluno, pois não explora o caráter interativo da

linguagem, inviabilizando o desenvolvimento das habilidades necessárias para uma

efetiva participação social. Nesse quadro, o processo de ensino-aprendizagem em

Língua Portuguesa na escola atual deve ser embasado em uma prática mediadora,

dialógica e participativa.

Dentro desse contexto, tomamos como referência a observação feita por Bunzen e

Mendonça (2006, p. 159), que assim se posicionam quanto aos materiais didáticos:

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Para dar autonomia a esse aluno de ensino médio e promover uma prática de ensino de língua materna menos artificial e instrumental, que contemple a necessidade de jovens que já produzem textos de gêneros diversos [...], temos que pensar em aulas e materiais didáticos para esse nível de ensino que estabeleçam uma inter-relação entre as atividades de leitura, produção de texto e análise linguística e que não fragmentem a relação entre língua e vida. Uma prática de ensino, como sugerem os PCNEM e os PCN+, mais voltada para a formação de leitores e escritores autônomos e críticos.

Em vista disso, para contornar as falhas observadas no LD que serve de apoio às

aulas de Língua Portuguesa na turma observada, seria necessário grande esforço

por parte do professor. Tanto na parte reservada à literatura, quanto naquela

específica de produção textual, ele teria que complementar informações,

redirecionar alguns conteúdos, aprofundar outros e até mesmo desfazer conceitos

que contrariam sua opção teórica. De outro modo, estaria correndo o risco de repetir

experiências do passado que não contribuem para inserir o aluno na cultura letrada.

O professor precisa entender que há uma tradição escolar que precisa ser rompida

para devolver a voz ao aluno, assim como a cidadania, que a escola está a lhe

dever.

Aparentemente, esse esforço foi feito, a julgar pela diversidade de suportes textuais

que foram utilizados nas aulas que observamos. Na Tabela 10, a seguir, podemos

comparar os percentuais de uso de cada um deles.

Tabela 10 – Demonstrativo dos suportes utilizados nas aulas12

Suporte Nº de Aulas Percentual

Livro didático 13 28,2

Folha Fotocopiada 13 28,2

Quadro de Pincel 13 28,2

Jornais e Revistas 4 8,7

Projetor Multimídia 2 4,4

Transparência com textos de alunos 1 2,3

TOTAL 46 100

12

Ressaltamos que muitas vezes foi utilizado mais de um suporte em uma mesma aula. Nesses casos, optamos por apontar aquele de maior predomínio.

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Os dados da Tabela 10 não surpreendem – o quadro de pincel e a folha xerocopiada

se igualam em uso ao livro didático, o principal suporte, se não em todas, na imensa

maioria das escolas brasileiras. O quadro há muito já faz parte da cultura escolar,

enquanto a cópia xerox foi ganhando terreno nos últimos 30 anos e hoje disputa

posição de liderança com os LDs (SILVA, 1996).

Um ponto positivo para o professor é a introdução de materiais autênticos em suas

aulas, no caso, representados pelos suportes jornal e revista. Além disso, ainda que

em menor percentual de uso, surgiram também, como ferramentas de ensino, o

projetor multimídia e as transparências.

Alguém poderia dizer que os suportes em questão são habituais no ambiente

escolar e, portanto, o professor não teria feito senão requisitá-los para suas aulas.

Em defesa do professor, diríamos que, embora tais suportes estejam, sim,

disponíveis na escola, é raro vê-los em uso nas salas de aula. Aliás, existe toda uma

cultura de dificultar o uso de novas tecnologias no ensino. É o caso dos televisores,

que nunca conseguiram integrar-se à rotina das aulas, assim como os DVDs. Muitas

escolas possuem em seu acervo vídeos educacionais, cópias de programas de TV

aberta e filmes diversos, que só eventualmente são utilizados como materiais

didáticos, sem falar nas aulas no laboratório de informática, que mereceriam

comentários à parte.

Porém, não cabe, nos limites deste trabalho, uma discussão mais aprofundada

desse tema. Sua simples menção, no entanto, dá um crédito de confiança ao

professor. Na próxima seção, quando analisarmos as aulas que trabalharam a

produção textual, retomaremos o uso dado aos suportes acima mencionados. Aí,

então, consideraremos sua adequação à tarefa solicitada.

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4.3 A DINÂMICA DO TRABALHO DE PRODUÇÃO DE TEXTOS NA SALA DE

AULA

O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática

docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua

insubmissão (PAULO FREIRE).

Delineadas as considerações iniciais sobre as aulas de Língua Portuguesa

observadas, vamos analisar, neste capítulo, os procedimentos adotados pelo

professor para desenvolver o trabalho de produção textual. A expectativa inicial era

que as atividades programadas com essa finalidade tivessem como referência os

gêneros textuais, em particular, aqueles escritos.

Procuramos, nesse sentido, encontrar respostas para as questões que orientaram

nosso olhar investigativo em campo a fim de compreender: quais gêneros/tipos

textuais foram trabalhados e priorizados nas aulas de Língua Portuguesa? Por que

alguns foram priorizados em detrimento de outros? Houve uma diversidade de

gêneros/tipos nas atividades de produção de textos escritos? Quais as condições de

produção que foram proporcionadas aos alunos? Como e por quê? Em que

consistiram as atividades de produção de textos escritos? Como as perspectivas

teóricas que orientavam o trabalho com os gêneros textuais escritos na sala de aula

investigada foram apropriadas nas práticas de ensino do professor? Essas questões

serão discutidas a partir do conjunto de dados analisados neste capítulo.

4.3.1 Gêneros textuais mais presentes

Em nossas observações, constatamos a circulação de gêneros textuais em 41 das

46 aulas, o que representa um percentual de quase 90%, dado muito significativo.

No entanto, se considerarmos que nossa pesquisa foi realizada quase no final do

ano letivo, a análise sofrerá mudanças. Como se trata de uma turma de 3º ano, o

professor havia prevenido aos alunos, ainda no 1º. semestre, que, no último

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trimestre do ano, daria atenção especial às atividades de leitura, compreensão e

produção de textos,13 tendo em vista que alguns alunos iriam prestar vestibular.

Isso justifica a opção do professor em direcionar seu foco, na maioria das aulas

observadas, para o desenvolvimento dos gêneros textuais, já que os alunos iriam

prestar o vestibular e ENEM. Muitos deles desconheciam as características formais

da maioria dos gêneros solicitados nesses processos seletivos, daí a necessidade

de orientação prática.

Em uma primeira análise, podemos afirmar que o aproveitamento dos gêneros

textuais, como objetos de ensino, foi significativo. Esse aproveitamento merece

destaque não apenas pela diversidade de gêneros apresentados, como também

pelo quantitativo, já que foi utilizado, proporcionalmente, 1,8 gênero por aula. Na

Tabela 11, a seguir, demonstramos quais foram os gêneros utilizados e seus

respectivos suportes.

TABELA 11 – Demonstrativo dos gêneros textuais escritos trabalhados e

respectivos suportes

Suporte Gêneros Total

Livro Cartão postal, bilhete, carta pessoal, convite, e-mail, editorial, artigo de opinião, notícia, reportagem, carta do leitor, charge, tira, conto, resenha

14

Folha Fotocopiada

Editorial, artigo de opinião, notícia, reportagem, crônica jornalística, charge, tira, receita, entrevista, crônica argumentativa, prospecto informativo

11

Jornal/Revista Carta pessoal, editorial, artigo de opinião, notícia, reportagem, carta do leitor, crônica jornalística, charge, tira

9

Projetor Carta pessoal, filme, propaganda

3

Quadro Pincel E-mail, comentário, editorial, artigo opinião, notícia, reportagem, abaixo-assinado, conto

8

13

Conforme mencionado pelo professor em entrevista realizada no dia 13-11-08.

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Um dado que sobressai nessa tabela diz respeito à presença de um mesmo gênero

fixado em variados suportes. Por isso, encontramos 45 suportes para 24 gêneros.

Tomemos, por exemplo, o caso do artigo de opinião, que foi dado a conhecer

concomitantemente no LD, jornal/revista e em folha xerocopiada. Nessa situação,

perguntamos ao professor (conforme registro no diário de campo do dia 11-12-2008)

por que utilizar vários suportes para trabalhar um mesmo gênero textual, ao que ele

nos respondeu que pensava nos alunos.

O professor explicou que os alunos raramente têm oportunidade de manusear, ler,

discutir e produzir textos de caráter expositivo e/ou argumentativo. Diante disso, a

escola tem obrigação de lhes apresentar textos dessa natureza para que eles

aprendam a reconhecer suas características estruturais e, se possível, sejam

desafiados também a produzi-los. É quase certo que serão solicitados a produzi-los

por ocasião da prova de redação do Enem e de outros vestibulares. Além disso,

ainda segundo ele, há necessidade de os alunos desenvolverem habilidades de

leitura desses gêneros nos mais diversos suportes, já que alguns gêneros

jornalísticos se constituem em espaços importantes para a manifestação de opiniões

sobre relevantes assuntos de interesse de todos os cidadãos.

4.3.2 As condições de produção14 de textos na sala de aula

Partindo da premissa bakhtiniana de que a linguagem mediatiza as interações entre

sujeitos, acreditamos que a sala de aula seja um espaço de pesquisa-ação-

produção, que possibilita ampliar a capacidade expressiva dos alunos e melhorar a

qualidade de suas produções. Para isso, é necessária uma intervenção dirigida do

professor, a fim de evitar (ou minimizar) que os alunos tomem a escrita como uma

atividade puramente escolar e transformem o professor no leitor único de seus

textos.

14

Estamos compreendendo o termo condições de produção na acepção usada por Travaglia (2007) para designar quem produz, para quem, quando, onde e a qual suporte se destina o texto proposto.

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Os estudos sobre as práticas de leitura e escrita na escola brasileira já dispõem de

um volume considerável de pesquisa. Nesse sentido, nosso olhar também foi

embasado pelas perspectivas teóricas defendidas por Brait (2001, 2002), Brandão

(2000), Koch (2000, 2006), Marcuschi (2005, 2006, 2008), Rojo (2002, 2005) e

Geraldi (1997, 2001, 2006). Destacamos, em particular, as sugestões de Geraldi

(2001), para quem o ensino de Língua Portuguesa deve ser centrado em três

atividades: prática da leitura de textos, prática da produção de textos e prática da

análise linguistica. Tais práticas, integradas ao processo de ensino-aprendizagem,

objetivam ultrapassar a artificialidade do uso linguístico na sala de aula e possibilitar,

pelo uso autêntico da linguagem, o domínio efetivo da língua padrão em suas

modalidades oral e escrita.

Nesse contexto, tornou-se fundamental para o aluno reconhecer a configuração e o

funcionamento dos diversos gêneros do discurso. Todo esforço do professor deve

ser no sentido de fazer com que os alunos entendam a função de cada gênero e

saibam transportar-se para uma situação extramuros no momento de considerar as

condições de produção de seu texto. Sem dúvida, isso vai demandar novas ações

do professor, que deve ter, como ponto de partida para o planejamento didático, os

gêneros textuais. Nossa investigação quer avaliar como essa orientação está sendo

adotada nas aulas de Língua Portuguesa em nível do ensino médio.

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TABELA 12 – Demonstrativo dos gêneros textuais escritos trabalhados nas

aulas de Língua Portuguesa15

Gêneros Nº de Aulas Suportes Circulação Percentual

Cartão Postal

Bilhete (*)16

Carta Pessoal(*)

Comentário(*)

Resenha (*)

Convite/E-mail(*)

Comentário17

11 aulas

Filme (Projetor)

Livro Didático

F. Fotocopiada

Quadro Pincel

Sala de Aula,

Corredor e Lab.

Informática

32,4

Notícia

Reportagem

Crônica Jornal.

Artigo Opinião(*)

Editorial

Carta do Leitor(*)

8 aulas

Jornal

Revista

Livro didático

F. Fotocopiada

Internet

Sala de Aula e

Lab. Informática

23,4

Charge/Tira em

Quadrinho

4 aulas F. Fotocopiada Sala de Aula 11,8

Receita

Entrevista

Crônica Argum.

3 aulas F.Fotocopiada Sala de Aula 8,8

Abaixo-Assinado(*) 2 aulas Quadro Pincel Sala de Aula 5,9

Conto(*) 2 aulas Livro Didático e

Quadro Pincel

Sala de Aula 5,9

Prospecto

Informativo

2 aulas F. Fotocopiada Sala de Aula 5,9

Propaganda 2 aulas Projetor

5,9

Total 34 aulas 100,0

15 Chamamos a atenção para o fato de que, apesar de apontarmos anteriormente a circulação dos gêneros textuais escritos em 41 aulas, consideramos apenas as 34 aulas nas quais os gêneros textuais escritos, além de haverem circulado, também foram trabalhados e/ou desenvolvidos. 16

Os asteriscos indicam que esses gêneros foram desenvolvidos (produzidos) pelos alunos, conforme veremos a seguir. 17 Nessas aulas, em duas ocasiões, o professor solicitou aos alunos que produzissem comentários. Da primeira vez, foi motivado pelo filme Central do Brasil e, depois, veio a se constituir no gênero textual resenha. Nessa segunda abordagem, foi motivado pelo texto A linguagem da internet, trazido pelo professor.

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Os dados descritos na Tabela 12 demonstram que gêneros como cartão postal,

bilhete, carta pessoal, comentários, resenha, convite e e-mail foram os que

tiveram, em conjunto, maior circulação (32,4%) no espaço escolar. Incluem-se nesse

grupo, majoritariamente, textos produzidos pelos próprios alunos que foram

utilizados pelo professor para ilustrar suas explicações.

No entanto, nas observações em campo, pudemos notar que o professor conduziu

as aulas focalizando as características dos gêneros, sem, contudo, se preocupar em

mostrar o domínio discursivo a que estavam vinculados. Os domínios discursivos,

como assinala Marcuschi (2005, p. 24), correspondem “[...] às esferas da atividade

humana em que os textos circulam”. É inegável, portanto, que o reconhecimento dos

gêneros esteja, de alguma forma, associado aos respectivos domínios, elemento

importante para compreender as intenções do autor do texto.

Acreditamos em um ensino de língua materna fundamentado em atividades que

privilegiem a interação comunicativa e esteja preocupado em relacionar as

habilidades linguisticas dos alunos com as práticas sociais. O modelo tradicional

gramaticalista já deu provas suficientes de sua ineficácia e, há mais de uma década,

os PCNs estabeleceram diretrizes que, em muitas escolas, continuam sendo

ignoradas.

Neste estudo, interessa-nos observar de que maneira as práticas de produção de

textos escritos vêm ocorrendo e se elas favoreceram uma mudança de postura por

parte de quem ensina e de quem aprende.

A esse respeito, Travaglia (1997, p. 151) assim se posiciona:

As atividades podem assumir as formas que a capacidade de criação do professor encontrar, mas devem sempre fazer o aluno pensar na razão de se usar determinado recurso em determinada situação para produzir determinado efeito de sentido. Isto vai fazer com que ele utilize com mais segurança e precisão os recursos da língua ao produzir seus textos e tenha capacidade de leitura bastante ampliada e aperfeiçoada, para julgar o que quer dizer o produtor de um texto, ao usar certos recursos determinados da língua e não outros.

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Assim, a partir do posicionamento de Travaglia (1997), entendemos que a prática de

produção de textos escritos ganharia novos sentidos mais próximos das práticas

reais de escrita da/na sociedade, se se tomasse o gênero como objeto de ensino-

aprendizagem. Com efeito, já no primeiro dia de nossa observação, a denominação

gênero textual foi apresentada aos alunos (terá sido pela presença do pesquisador

ou de fato estava na programação do curso?).

Vale a pena ressaltar como se deu essa apresentação. Já no início de nossa

observação (aula nº 1), faltando 20min para o final da aula, o professor comunicou

aos alunos que, a partir daquele momento, iriam iniciar um trabalho referenciado em

gêneros textuais. A reação dos alunos foi imediata, como registrado no trecho

abaixo do diário de campo:

A aluna K logo perguntou o que era isso e o professor respondeu-lhe que gêneros textuais eram os textos materializados, encontrados em nosso cotidiano e que apresentavam características sociocomunicativas definidas pelo estilo, função, composição, conteúdo e canal em que é apresentado. Para exemplificar, o professor retirou de sua pasta um exemplar do dia do jornal A Tribuna e mostrou para os alunos. Apontando para duas alunas (L e S), pediu as revistas que estavam lendo quando ele entrou na sala. Elas entregaram um exemplar da revista Capricho e outro da Claudia. O professor aproveitou e mostrou no jornal a seção de cartas (e e-mails) contendo opiniões, dizendo que era um gênero textual, apresentou também o editorial, a notícia, a reportagem. Nas revistas, o professor apontou a seção de cartas dos leitores, receitas culinárias (6-10-2008).

Para um primeiro contato com a terminologia, até que o professor conseguiu

transmitir uma noção compreensível para os alunos. Apesar da preocupação com a

definição, ele soube explorar o material que tinha em mãos, mostrando aos alunos

que os gêneros textuais são textos que realmente circulam na sociedade e têm uma

função específica. Muito provavelmente os alunos ficaram motivados para conhecer

e produzir textos bem diferentes daqueles padronizados, que estavam habituados a

escrever.

Uma outra atividade que agradou bastante aos alunos foi aquela iniciada com a

exibição do filme Central do Brasil (aulas 3 e 4, do dia 9-10-2008, conforme

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registrado no diário de campo). A atividade realizou-se no laboratório de informática

da escola, que também funciona como sala de vídeo:

O professor entrou na sala exatamente às 15h e disse para os alunos que, como eles iriam estudar os textos do cotidiano, seria interessante que assistissem a um filme, que iria situá-los. Então convidou os alunos a irem até o laboratório de informática para assistirem ao filme Central do Brasil. A projeção ocupou o horário de duas aulas. Ficha técnica do filme: (Brasil-1998). Direção: Walter Salles. Elenco: Fernanda Montenegro, Vinícius de Oliveira, Marília Pêra, Othon Bastos (09-10-2008)

Os alunos assistiram atentamente ao filme e, como houve um intervalo para recreio,

compraram pipoca e refrigerantes. Quando o filme acabou, os alunos bateram

palmas e elogiaram o professor pela escolha. Percebemos que o vídeo aproxima a

sala de aula do cotidiano, ampara e apoia a comunicação da sociedade urbana e

introduz novas questões no processo educacional.

Na aula seguinte (nº 5, do dia 10-10-2008), o conteúdo do filme foi retomado por

meio de debate oral. O propósito do professor era aproveitar a situação

contextualizada no filme – em que a protagonista ganhava dinheiro escrevendo

cartas para pessoas analfabetas – para explorar o gênero carta, comparando-o com

o gênero e-mail. A comparação intergêneros foi conduzida na direção certa na

medida em que aproxima os alunos de composições que têm forma diversa e função

semelhante.

Argumentando sobre a questão cultural que incide sobre a criação de novos gêneros

ou sobre a transformação de gêneros já existentes, Marcuschi (2005, p. 20) diz que

alguns deles “[...] não são inovações absolutas, [...] sem uma ancoragem em outros

gêneros já existentes”. Acrescenta que o fato já fora notado por Bakthin (1997), que

falava em “[...] transmutação dos gêneros e assimilação de um gênero por outro,

gerando novos”. Marcuschi (2005) ainda dá como exemplo o seguinte: “O e-mail

(correio eletrônico) gera mensagens eletrônicas que têm nas cartas (pessoais,

comerciais etc.) e nos bilhetes os seus antecessores. Contudo, as cartas eletrônicas

são gêneros novos com identidades próprias” (p. 21).

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Vejamos o que foi registrado no diário a respeito da continuidade da aula:

Dando continuidade às aulas anteriores nas quais os alunos assistiram ao filme Central do Brasil, o professor comentou sobre o ofício da protagonista que escrevia cartas para pessoas analfabetas. Depois fez um paralelo com os e-mails perguntando quem costumava se comunicar assim com amigos. Depois apontou alguns dados entre cartas e e-mails. Ele informou à turma que há dados que estimam, hoje, em 600 milhões os usuários de correio eletrônico, na rede mundial de computadores e que projetam para 2009 um total de mais ou menos 800 milhões. Esclareceu ainda que o acesso a internet e ao correio eletrônico está diretamente relacionado ao poder aquisitivo das pessoas. No Brasil, de acordo com pesquisas recentes, somente 10% das pessoas têm computador em casa e, assim, a exclusão digital ocorre de modo mais intenso. Logo após, escreveu algumas perguntas no quadro pedindo para os alunos copiarem para que pudessem refletir sobre elas e manter uma discussão oral sobre o filme. Foram estas as questões: a) Qual a função da escrita (e da leitura) na vida das pessoas retratadas no filme? b) Qual é o grau de exclusão a que estão submetidos os analfabetos em uma sociedade letrada? c) De que maneira o advento da internet pode agravar esse problema, criando 5 milhões de excluídos digitais? d) Qual a importância do gênero carta utilizada como único meio de comunicação para contar acontecimentos, sentimentos e emoções entre os personagens do filme, pessoas distantes físicas e geograficamente? [...] O professor lembrou ainda que a linguagem (formal/informal) empregada na escrita de uma carta está diretamente relacionada ao grau de familiaridade que se tem com o destinatário, mas que, em determinadas situações, por exemplo, quando escrevemos uma carta para o prefeito de nossa cidade reclamando de algum problema em nossa rua ou nosso bairro, o tipo de escrita utilizada é diferente, é o registro formal, a modalidade de acordo com a norma padrão.

Nas palavras do professor, o objetivo da aula era levar os alunos a refletirem sobre

uma situação provavelmente ignorada por eles: os muitos obstáculos que uma

sociedade letrada impõe aos analfabetos. Além disso, o professor apresentou

alguns dados sobre como essa situação pode piorar, se for considerado que há um

forte componente econômico associado à exclusão digital.

Percebemos que, nessa aula, os alunos se mostraram atentos e participativos, já

que a linguagem da TV e do vídeo provocou maior aproximação. Deduzimos que as

razões do entusiasmo dessa recepção foram pelo dinamismo presente na linguagem

audiovisual, visto que se dirige mais imediatamente à afetividade do que à razão.

Essa nossa concepção encontra eco nas palavras de Moran (2002, p. 30) que

afirma:

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A linguagem audiovisual desenvolve múltiplas atitudes perceptivas: solicita constantemente a imaginação e reinveste a afetividade com um papel de mediação primordial no mundo, enquanto que a linguagem escrita desenvolve mais o rigor, a organização, a abstração e a análise lógica.

Em vista disso, o professor deve atentar para o que está acontecendo nos meios de

comunicação, mostrá-lo na sala de aula e discuti-los com os alunos, ajudando-os a

perceber seus aspectos positivos e negativos. Isso significa apresentar alguns filmes

que contenham temas interessantes, fazer releituras de alguns filmes e/ou

programas em diferentes áreas, partindo da própria visão que os alunos têm, e

ajudá-los a desenvolver seu espírito crítico sem imposições, nem visões

maniqueístas (bem x mal).

Considerando que o vídeo está ligado conceitualmente à televisão e a um contexto

de lazer, percebemos que, para os alunos, assistir a um filme não lhes pareceu uma

aula, o que os estimulou, modificou-lhes a postura e as expectativas com relação ao

seu uso. Com essa estratégia, o professor solicitou que os alunos produzissem três

gêneros textuais diferentes: o comentário, uma carta pessoal e uma resenha do

filme.

Assim, após terem debatido as questões sobre o filme, o professor solicitou que os

alunos fizessem um comentário por escrito de, no máximo, dez linhas, sobre o filme,

pois, posteriormente, iriam utilizá-lo para complementar outra atividade. Ao final da

atividade, o professor recolheu os textos produzidos e informou aos alunos que, na

aula seguinte, complementariam a atividade.

Na aula subsequente (nº 6, de 13-10-2008, conforme registro no diário de campo),

o professor solicitou aos alunos que produzissem uma carta para uma pessoa que

fosse muito querida, um amigo, um parente, um namorado, mas que estivesse

longe. Os alunos estavam muito motivados e se envolveram na atividade. Conforme

iam acabando, o professor imediatamente ia corrigindo a atividade e solicitando aos

alunos que passassem a limpo e novamente entregassem para ele (Fotos 1 e 2). Na

sequência, o professor esclareceu que os alunos deveriam trazer para o próximo

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encontro o endereço do destinatário de suas cartas, pois, quando todos as

entregassem, ele mesmo se encarregaria de postá-las.

Foto 1 – Os alunos em atividade de produção de textos

Foto 2 – Os alunos em atividade de produção de textos

Ainda sobre o mesmo objeto motivador (filme Central do Brasil), na aula nº 7, de 14-

10-2008, o professor apresentou nesse dia instruções para a produção do gênero

resenha. Primeiro, perguntou quem conhecia o termo. Como os alunos não

conheciam, explicou que se tratava de um texto de forma sintética que expressava a

opinião do autor sobre determinado fato cultural (podendo ser um livro, filme, peças

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teatrais, exposições, shows etc.) com o objetivo de guiar e/ou informar ao leitor

sobre a produção cultural que circula na sociedade. A seguir, distribuiu uma folha

contendo um texto fotocopiado (reproduzido abaixo, conforme anotação no diário de

campo, desse dia (Quadro 5).

Como uma síntese, a resenha deve ir direto ao ponto, mesclando momentos de pura descrição

com momentos de crítica direta. O resenhista que conseguir equilibrar perfeitamente esses

dois pontos terá escrito a resenha ideal. No entanto, sendo um gênero necessariamente breve,

é perigoso recorrermos ao erro de sermos superficiais demais. Nosso texto precisa mostrar ao

leitor as principais características do fato cultural, sejam elas boas ou ruins, mas sem esquecer

de argumentar em determinados pontos e nunca usar expressões como “Eu gostei” ou “Eu não

gostei”.

Na resenha crítica, os oito passos a seguir formam um guia ideal para uma produção

completa: 1. Identifique a obra: coloque os dados bibliográficos essenciais do livro ou artigo que você vai resenhar;

2. Apresente a obra: situe o leitor descrevendo em poucas linhas todo o conteúdo do texto a ser resenhado;

3. Descreva a estrutura: fale sobre a divisão em capítulos, em seções, sobre o foco narrativo ou até, de forma

sutil, o número de páginas do texto completo; 4. Descreva o conteúdo: Aqui sim, utilize de 3 a 5 parágrafos para resumir claramente o texto resenhado;

5. Analise de forma crítica: Nessa parte, e apenas nessa parte, você vai dar sua opinião. Argumente

baseando-se em teorias de outros autores, fazendo comparações ou até mesmo utilizando-se de explicações

que foram dadas em aula. É difícil encontrarmos resenhas que utilizam mais de 3 parágrafos para isso,

porém não há um limite estabelecido. Dê asas ao seu senso crítico.

6. Recomende a obra: Você já leu, já resumiu e já deu sua opinião, agora é hora de analisar para quem o

texto realmente é útil (se for útil para alguém). Utilize elementos sociais ou pedagógicos, baseie-se na

idade, na escolaridade, na renda etc.

7. Identifique o autor: Cuidado! Aqui você fala quem é o autor da obra que foi resenhada e não do autor da

resenha (no caso, você). Fale brevemente da vida e de algumas outras obras do escritor ou pesquisador.

8. Assine e identifique-se: Coloque seu nome e uma breve descrição do tipo “aluno da 3ª. série do ensino médio da Escola Estadual de E. F. M. Zumbi dos Palmares”.

9. Na resenha acadêmica descritiva, os passos são exatamente os mesmos, excluindo-se o passo de número 5.

Como o próprio nome já diz, a resenha descritiva apenas descreve, não expõe a opinião o resenhista.

Quadro 5 – Resenha

Como os alunos já haviam feito um comentário sobre o filme, o professor devolveu-o

esclarecendo que eles poderiam usá-lo na confecção de sua resenha e também que

esta poderia ser feita em duplas. Informou, ainda, que a resenha ficaria exposta no

mural da escola para que os alunos de outras turmas pudessem ler e se informar a

respeito do filme.

A propósito das condições de produção da resenha, salientamos a opinião de

Bakhtin (2003). Ao comentar sobre o direcionamento social da enunciação, Bakhtin

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aponta o percurso, sugerindo que deve partir de fora para dentro, ou seja, são as

condições de produção de um determinado enunciado que determinam sua forma de

enunciação e não o contrário. Eis o que Bakhtin (2003, p.112) diz textualmente:

Mas o que é afinal a expressão? Sua mais simples e mais grosseira definição é: tudo aquilo que, tendo se formado e determinado de alguma maneira no psiquismo do indivíduo, exterioriza-se objetivamente para outrem com a ajuda de algum código de signos exteriores. A expressão comporta, portanto, duas (facetas: o conteúdo (interior) e sua objetivação exterior, para outrem (ou também para si mesmo). Não existe atividade mental sem expressão semiótica. Conseqüentemente, é preciso eliminar de saída o princípio de uma distinção qualitativa entre o conteúdo interior e a expressão exterior. Além disso, o centro organizador e formador não se situa no interior, mas no exterior. Não é a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação. Qualquer que seja o aspecto da expressão-enunciação considerado, ele será determinado pelas condições reais da enunciação em questão, isto é, antes de tudo pela situação social mais imediata.

Ora, isso não é evidenciado pelas atividades propostas para a produção dos

gêneros carta pessoal, comentário e resenha. O professor usou a estratégia de

oferecer um recurso mais lúdico e aproveitou a oportunidade para “encaixar” os

gêneros textuais escritos.

O que terá acontecido com a produção de outros gêneros? Será que a estratégia foi

a mesma? Recorramos ao fragmento do diário de campo, do dia 16-10-2008,

referente às aulas nºs 8 e 9, quando foi desenvolvido o gênero bilhete:

O professor solicitou ao aluno D que fosse apanhar os livros. Perguntou aos alunos quem se lembrava do que haviam feito na última aula. A aluna L lembrou que haviam falado dos textos do cotidiano e dos tipos de texto. O professor perguntou se era só isso. A aluna M acrescentou que ele havia falado também dos diversas formas de se comunicar. O professor interferiu e perguntou qual era o nome que se dava para essas formas de comunicação, como bilhetes, cartas, e-mails. A aluna T, após consultar o caderno, falou que era gêneros textuais. O professor reforçou que essas formas de comunicação eram chamadas de gêneros textuais, já que eram os textos materializados que se encontravam em nosso cotidiano. Dando prosseguimento, o professor perguntou para a aluna J, se sua mãe tivesse saído (e não tivesse levado o celular) e ela precisasse sair também, como ela faria para avisá-la. Ela lhe respondeu que lhe deixaria um bilhete. Ele perguntou, então, como seria esse bilhete. Ela disse que seria assim: „Mamãe, precisei ir na casa da Marina apanhar um livro para terminar o trabalho de português, volto logo, não demoro‟. O professor perguntou para

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os outros alunos quais são as características do bilhete que J havia feito. Um aluno respondeu que ele era curto e bem objetivo. Outro falou que trazia bem claro o motivo dela ter escrito. O professor reforçou, então, que era isso mesmo, que os alunos tinham sempre que observar a intenção, ou seja, o motivo de o gênero textual ter sido escrito. Logo em seguida, o professor solicitou que os alunos abrissem o livro na p. 348 e vissem se o que eles haviam falado correspondia ao que o autor do livro indicava. Vários alunos falaram ao mesmo tempo para relatar as semelhanças entre o que eles falaram e o que estava escrito no livro. Após os comentários dos alunos, o professor solicitou que eles escolhessem uma das propostas apresentadas no livro e que fizessem a produção do texto solicitada (16-10-08).

Sobre a dinâmica de perguntas e respostas em sala de aula, Geraldi (2003, p. 157)

faz uma observação importante dizendo que

[...] o discurso de sala de aula, que se pretende um discurso ensino-aprendizagem, na verdade, distribui de forma totalmente diferenciada os papéis dos participantes e as funções do atos praticados. Tomemos a pergunta para nossa reflexão. Quando alguém quer aprender algo, e imagina que seu interlocutor possa lhe ser útil, dirige-lhe perguntas cujas respostas poderão suprir „a falta de conhecimento desejado‟. Neste sentido, a iniciativa da ação é de quem aprende, e não de quem ensina. No discurso de sala de aula, é o inverso que ocorre: pergunta quem já sabe a resposta (é o que podemos verificar em nossos dois exemplos e em muitos outros), ou quem o interlocutor (aluno) imagina que já sabe a resposta. Sua ação lingüística de responder é, então, marcada por essa situação: suas respostas serão „candidatas‟ à resposta certa, cabendo a quem perguntou (o professor) o poder de avaliar a resposta dada. As possibilidades, portanto, de „quebrar a cara‟ são muito maiores nos diálogos de sala de aula do que em outras circunstâncias, em que a resposta adequada resulta de uma construção entre os participantes.

É preciso destacar também que o professor sabe que, nessa demanda dialógica

escolar, nem sempre o aluno está preocupado com os “objetos” escolares. Dessa

forma, existe a necessidade de “motivar” o aluno a “querer aprender” o que a escola

acha que aprendido deve ser (GERALDI, 1997).

Com efeito, os dados apontam que, no trabalho de produção do bilhete, houve uma

delimitação do gênero e a exploração das suas características predominantes.

Nessa situação, temos que considerar também que a atividade foi proposta com o

objetivo de “aprender como escrever bilhetes”, porém houve uma atividade prévia

(diálogo sobre a necessidade de se utilizar um bilhete), que ajudou os alunos a

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construírem o conteúdo do texto. Não houve nenhuma finalidade comunicativa, já

que os bilhetes não seriam enviados ou lidos pelos seus destinatários.

Assim, fica evidente que os alunos escreveram apenas para aprender a escrever e

que o leitor do texto foi o próprio professor. Destacamos que os alunos escreveram

os bilhetes em folhas separadas que foram entregues ao professor para “receberem

nota”.

Na verdade, os alunos não estavam em situação de escrita real, na qual o texto

seria utilizado concretamente. Porém, percebe-se que o professor pensou em uma

situação que tivesse características que se aproximaram do uso real e deixou claro

para o aluno que ele estava aprendendo algo que poderia ser utilizado em outras

situações. Sobre essa questão, Geraldi (1997, p. 163) pontua:

A experiência do vivido passa a ser o objeto da reflexão; mas não se pode ficar no vivido sob pena de esta reflexão não se dar. O vivido é o ponto de partida para a reflexão. Aqui a ação educativa é fundamental, não só pelas comparações que o professor e alunos podem ir estabelecendo entre as diferentes histórias, mas sobretudo pelas ampliações de perspectivas que cada história, individual, permite.

Na 10ª aula observada (diário de campo, 17-10-2008), relatamos que o professor

trouxe um texto para ser discutido com os alunos. Quando perguntado sobre quem

era o autor, o professor respondeu que era ele mesmo e que havia se inspirado em

uma monografia de um amigo lida há algum tempo (Quadro 6).

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A linguagem na Internet

No século em que estamos, a internet é um meio de comunicação bastante eficaz e permite aos interlocutores uma rapidez maior e uma segurança que as correspondências tradicionais não ofereciam. Vale lembrar a morosidade do envio das tradicionais cartas no passado e a rapidez do e-mail.. No entanto, quando se pára com o objetivo de buscar algumas identidades e dessemelhanças entre os dois gêneros textuais em questão, encontramos muitos pontos, mas um é motivo central de nosso comentário: a linguagem. Na internet, os usuários da comunicação escrita usufruem de vários recursos que vão desde cartões “prontos”, os famosos cartões virtuais, até a certeza de que a comunicação será concretizada, e com eficiência, uma vez que destinatário e remetente encontram-se conectados e dispostos a manterem um discurso, o que nem sempre ocorria no passado. No entanto, no que se refere à qualidade das enunciações, percebe-se que na internet há um grande número de aféreses e síncopes no uso de palavras. Bom ou ruim, o fato é que tais efeitos de linguagem ocorrem com naturalidade, ficando os interlocutores quase que obrigados a usarem tais mecanismos, sob a justificativa de que a pós-modernidade exige: velocidade, economia de tempo e espaço e a negação da prolixidade. Elementos outrora, tão valorizados na comunicação.

Quadro 6 – A linguagem da internet

Assim que distribuiu o texto, o professor solicitou que os alunos se organizassem

para fazer a leitura, em primeiro lugar, silenciosa, o que todos os alunos atenderam.

Depois, pediu que a aluna S fizesse a leitura em voz alta. Quando a aluna acabou,

ele perguntou se havia alguma palavra que eles não conheciam. Os alunos

apontaram as palavras morosidade, dessemelhanças, aférese, síncope e

prolixidade, cujos significados o professor explicou.

Em seguida, o professor debateu com os alunos sobre a revolução dentro da

informação desencadeada pela internet. Disse também que, com o surgimento de

novos veículos de comunicação, várias formas de comunicação apareceram e o e-

mail é apenas uma delas. Continuando, o professor solicitou que os alunos fizessem

um comentário por escrito, em, no máximo dez linhas, argumentando contra ou a

favor do conteúdo do texto.

Enquanto os alunos escreviam, o professor ficou circulando pela sala de aula,

dirimindo alguma dúvida. Quando os alunos terminavam, ele dava uma corrigida

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preliminar, solicitava alguns ajustes e, quase sempre, uma reescritura. No final da

aula, recolheu os textos e levou-os para a correção final.

Na aula nº 11, conforme registro no diário de campo, o professor anunciou que eles

iriam desenvolver o gênero textual e-mail.18 Nesse contexto, lembrou-lhes sobre o

texto lido na aula anterior (A linguagem da internet) e explicou que os alunos

poderiam aproveitar os conhecimentos adquiridos nas aulas anteriores sobre bilhete,

carta e convite para desenvolver o texto que ele iria lhes solicitar.

Para essa aula, o professor comentou sobre a proximidade das olimpíadas da

escola (competição esportiva interclasses) e falou que o evento estava pouco

divulgado. Dessa forma, como proposta de atividades, ele sugeriu que os alunos

escrevessem um e-mail para seus colegas de outras escolas, convidando-os para

assistirem aos jogos programados para a sua turma. A ideia era fazer o convite no

caderno e depois ir ao laboratório de informática para enviá-lo via e-mail. Para que

os alunos pudessem iniciar a atividade, o professor chamou a atenção explicando

que para poderem fazer um e-mail, teriam que levar em consideração alguns pontos

que ele escreveu no quadro:

a) Qual o objetivo do e-mail?

b) Qual o endereço eletrônico do remetente e do destinatário?

c) Quais informações deveriam constar no corpo do e-mail?

d) Analisar em que situações a linguagem e as abreviaturas, típicas desse

gênero, devem ser usadas.

e) Que expressões usar para despedida? Há necessidade de assinatura?

Os alunos fizeram a atividade, o professor corrigiu de quem já havia terminado e

falou que, na aula seguinte, corrigiria o resto e deu a aula por encerrada.

18 Percebemos que o professor sempre enfatizava a nomenclatura gênero textual para que os alunos se familiarizassem com o termo e passassem a entendê-lo dentro de uma perspectiva enunciativa.

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Na aula seguinte (conforme registro no diário de campo - aula nº 12, do dia

21-10-2008) o professor comunicou que, infelizmente, não havia conseguido o

laboratório de informática para encaminharem os e-mails, pois as duas semanas

seguintes já estavam agendadas. Diante da frustração dos alunos, o professor

informou-lhes que quem não tivesse condições de encaminhar o seu e-mail, em

casa, passasse a limpo, em folha separada, o texto com todos os dados

necessários, que ele pessoalmente digitaria, em sua residência, e os enviaria. No

total, nove alunos disseram não ter condições de acesso à internet e o professor

disse que aguardaria o texto para poder tomar as providências.

Essa situação nos leva a inferir que o professor, ao assumir a relação interlocutiva

como princípio básico para direcionar o processo ensino-aprendizagem, escolheu a

estratégia de apontar os caminhos possíveis para o aluno dizer o que quer

comunicar na forma que escolheu. De fato, nossas palavras encontram eco em

Geraldi (1997, p.164), para quem “[...] a escolha não se dá no abstrato. Elas são

selecionadas ou construídas em função tanto do que se tem a dizer quanto das

razões para dizer a quem se diz”.

Voltando um pouco e retomando a Tabela 12, que trata dos gêneros trabalhados nas

aulas observadas, verificamos outro grupo de gêneros que também foi priorizado

(em cerca de 23% das aulas). Dele fazem parte: notícia, reportagem, crônica

jornalística, artigo de opinião,19 editorial e carta do leitor,20 Destacamos para

análise as aulas de nºs 44, 45 e 46, nas quais foram trabalhados diversos gêneros

da esfera jornalística.

19 Como estavam em final de semestre e estavam estudando para as avaliações finais, somente um aluno produziu o gênero textual artigo de opinião. 20

Conforme registrado no diário de campo do dia 17-11-2008, na aula 29, apesar de haver sido desenvolvido pelos alunos o gênero textual carta (e-mail) do leitor, optamos por não destacá-lo, visto que os alunos foram ao laboratório de informática, nesse dia, acessaram o site: http://gazetaonline.globo.com/index.php?id=/local/a_gazeta/index.php e postaram suas opiniões sobre os assuntos (reportagens e notícias) escolhidos por eles mesmos, diretamente no site. Dessa forma, não houve condições de analisar mais profundamente o gênero textual escrito produzido pelos alunos.

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Nessas aulas circularam diversos jornais, como: A Tribuna (dias 6, 7, 8 e

9-12-2008); A Gazeta (dias 6, 7, 8 e 9-12-2008); Jornal do Brasil e Jornal O Dia

(dia 7-12-2008); e revistas, como: Veja e Época dos meses de agosto, setembro e

outubro de 2008. No total, foram 20 exemplares de jornais e 20 de revistas, para que

os alunos procurassem reconhecer os gêneros: editorial, resenha, carta do leitor e

crônica jornalística e tecer comentários sobre eles.

Percebemos que a intenção do professor, ao trazer esses suportes para circulação

na sala de aula, foi de fazer uma articulação dos conteúdos escolares com a

realidade, visto que, principalmente o jornal, resgata o passado no presente e a

escola na sociedade. A interação criada por jornais e revistas em sala de aula é

muito importante, pois altera a dinâmica entre professor, aluno e conteúdo. O fluxo

de informação passa a circular, há troca de ideias, enfim, gera uma relação mais

democrática na sala de aula.

Além disso, do ponto de vista didático, também é positivo, já que há um

envolvimento em situações concretas de uso da linguagem, o que favorece a

internalização sistemática da língua de maneira construtiva. Esse princípio vai ao

encontro daquilo que postula Bakhtin (2006, p. 124), quando diz: “A língua vive e

evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico

abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes”, visto que

“[...] a comunicação verbal não poderá jamais ser compreendida e explicada fora

desse vínculo com a situação concreta” (p. 124).

As aulas 44, 45 e 46 serão analisadas a seguir, individualmente. O professor iniciou

a aula nº 44 (referente ao dia 9-12-2008, conforme registro no diário de campo)

distribuindo 15 exemplares do jornal A Gazeta do dia 7-12-2008 – sexta-feira

(emprestados de outra escola que participa do projeto “A Gazeta na escola”); 11

revistas Época, sendo de 2007 os nºs 468, 475, 495, e de 2008 as de nºs 503, 506,

507, 509, 511, 512, 513 e 515; sete revistas Veja do ano de 2008 de nºs 2068, 2070,

2073, 2078, 2079, 2080 e 2081, e a de nº 1855 de 2005. Perguntou se os alunos

sabiam o que era um artigo de opinião e um editorial. Apenas dois alunos

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responderam que sabiam o que era. O professor pediu, então, que eles explicassem

para a turma.

O aluno M disse que era um artigo em que o escritor opinava sobre algum assunto

de seu conhecimento. Já a aluna P falou que editorial era a opinião do jornal ou da

revista. Antes de dar outras explicações, o professor pediu aos alunos que

selecionassem nas revistas e jornais que estavam circulando textos que

exemplificassem artigo de opinião e editorial. Deu um tempo de 20 minutos para eles

apontarem e relatarem oralmente para os colegas o que encontraram.

Quando venceu o prazo, pediu que os alunos falassem sobre o que leram. Conforme

os alunos mostravam e liam o suposto artigo, o professor perguntava à turma se

concordava com a seleção: era artigo de opinião ou editorial?. A maioria conseguiu

distinguir os gêneros, pois o aluno que achava primeiro ajudava um colega a

também encontrar o seu.

Chamou a atenção para o texto encontrado pela aluna L, que tratava da questão de

cotas raciais na universidade. O professor parabenizou a turma pela participação e

elogiou os alunos, pois todos conseguiram identificar um ou outro gênero. Depois

pediu que os alunos anotassem a referência da revista e/ou do jornal para que

continuassem a tarefa na próxima aula. Foi uma aula muito movimentada.

Na aula nº 45, o professor distribuiu novamente as revistas e os jornais para os

alunos e pediu que eles observassem no texto que haviam escolhido as

características dos gêneros, como: definição, uso, contexto de circulação, perfil do

leitor, estrutura, linguagem e mais qualquer outra observação que quisessem fazer.

Explicou ainda que o artigo de opinião é um gênero jornalístico que se caracteriza

por apresentar opiniões de seus autores, ao contrário das notícias, que devem ser

isentas “teoricamente” do julgamento daqueles que as escrevem. O artigo, escrito

por especialistas em suas respectivas áreas, é mais profundo, mais longo e

apresenta uma linguagem mais ligada à área de atuação do articulista.

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E o mais importante: alertou que os artigos de opinião e editoriais são,

possivelmente, os gêneros em que se percebe mais claramente que não existe

escrita neutra e solicitou-lhes uma leitura mais atenta para que conseguissem

enxergar determinadas escolhas nos textos, ou seja, pistas que acabam revelando

as posições do autor.

Como os alunos já haviam de antemão escolhido o artigo de opinião para trabalhar,

o professor deu 20 minutos para que eles fizessem a tarefa de apontar as

características dos gêneros, como: definição, uso, contexto de circulação, perfil do

leitor, estrutura, linguagem etc. Passados os 20 minutos, o professor solicitou aos

alunos que conversassem entre si para complementar a sua atividade. Para isso,

deu mais dez minutos. No final dessa aula (45), o professor foi para o quadro e

perguntou quais foram as características observadas. Os alunos foram respondendo

e o professor escrevendo no quadro de pincel.

A seguir, mostramos como ficou a caracterização dos gêneros editorial e artigo de

opinião no final da aula (Quadro 7), conforme registro no diário de campo, do dia

11-12-2008:

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Características do editorial 1. expressa a opinião de um jornal ou revista a respeito de um assunto da atualidade, quase

sempre polêmico; 2. tem a intenção de esclarecer ou alertar os leitores, alterar seu ponto de vista a respeito de

algum assunto e mobilizá-los para uma causa de interesse coletivo; 3. estrutura convencionalmente organizada em três partes: a - introdução b - desenvolvimento c – conclusão 4. desenvolvimento estruturado a partir de exemplificações, comparações, depoimentos,

pesquisas e dados estatísticos, citações, retrospectivas históricas, etc.; 5. linguagem clara, objetiva e impessoal; 6. predomínio do padrão culto formal da língua; 7. verbos geralmente no presente do indicativo. Características do artigo de opinião 1. o autor domina o assunto e expressa a sua opinião sobre um assunto de relevância, da

atualidade, quase sempre polêmico e tem uma clara intenção persuasiva; 2. É assinado; 3. tem a intenção de expor seu ponto de vista a respeito de algum assunto e/ou mobilizar o leitor

para uma causa de interesse coletivo; 4. apresenta uma certa liberdade, mas muitos articulistas mantém uma estrutura

convencionalmente organizada em três partes: a - introdução b - desenvolvimento c - conclusão 5. desenvolvimento estruturado a partir de exemplificações, comparações, depoimentos,

pesquisas e dados estatísticos, citações, retrospectivas históricas, etc.; 6. linguagem clara, objetiva e impessoal; 7. A linguagem costuma variar conforme o perfil dos leitores, com um certo predomínio do

padrão culto formal da língua;

Quadro 7 – Características do editorial e do artigo de opinião

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Na aula nº 46, o professor distribuiu para os alunos folhas xerocopiadas do material

abaixo (Quadro 8):

Quadro 8 – Exercícios sobre artigo de opinião (continua)

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Quadro 8 – Exercícios sobre artigo de opinião (continua)

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Quadro 8 – Exercícios sobre artigo de opinião (conclusão)

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Na primeira parte da atividade, os alunos responderam oralmente às questões. A

seguir, o professor pediu que se organizassem em duplas e perguntou quem

gostaria de ler o texto em voz alta. Entre os que se apresentaram, destacou seis que

assim o fizeram. No final, pediu aos alunos que respondessem a proposta em 30

minutos, pois como, teoricamente, seria a última aula, gostaria que não ficasse nada

sem resposta. No final de 40 minutos, o professor sorteou alguns alunos para ler as

suas respostas, deixando à turma a tarefa de avaliá-las como certas ou erradas.

Acabando a aula, o professor falou que, apesar de eles não terem mais aulas, pois

entrariam em período de avaliação, colocava-se à disposição, caso algum aluno

quisesse escrever um texto de opinião sobre algum assunto. Falou, inclusive, que

poderiam mandar para algum jornal.21

Sobre o trabalho desenvolvido pelo professor, achamos didaticamente adequada a

seleção do material em seus suportes originais da mídia impressa (jornais e revistas)

para o trabalho em sala de aula. Os próprios alunos tiveram oportunidade de

encontrar os gêneros solicitados. Além de contribuir para ampliar o repertório dos

jovens sobre os temas discutidos, esse tipo de atividade permite que se familiarizem

com as estruturas desses textos.

Apesar de percebermos que o professor estava preocupado em finalizar a atividade,

ele levantou hipóteses sobre o tema discutido e, quando os alunos expunham sua

opinião, ele referenciava o texto discutido, permitindo que eles próprios fizessem

suas inferências. Outro ponto importante foi destacar para a turma outro texto sobre

o mesmo assunto (Veja – 1855 – Seção Ponto de Vista: A maquiagem do monstro

de Claúdio de Moura Castro),22 pois serviu para aprofundar a reflexão sobre o

aspecto social do sistema de cotas nas universidades públicas, ampliar os

conhecimentos dos alunos sobre o tema e estabelecer uma rede de significação

para a leitura do texto seguinte.

21

Em conversa posterior com o professor, perguntamos-lhe quantos alunos haviam escrito o artigo de opinião, e ele respondeu que somente um aluno, pois os alunos estavam se empenhando em estudar para as provas finais. 22

Conforme Apêndice L.

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Um dado a ser levado em consideração, no que diz respeito à atividade proposta é

que o professor se esqueceu, momentaneamente, de que os gêneros são produtos

culturais construídos por determinada comunidade histórico-social e, portanto,

sujeitos a um contexto próprio. Assim, poderia ter possibilitado aos alunos questões

mais aprofundadas sobre o veículo midiático, por exemplo: o que o órgão de

imprensa que se analisa costuma publicar? Qual é a sua linha editorial? Etc.

Além disso, o professor poderia também ter criado com os alunos um roteiro para

análise desses textos, elencando critérios, como: uma exploração parágrafo a

parágrafo, analisando a forma como se organizam (em geral, primeiro vem a

questão a ser discutida, depois a opinião do autor, seus argumentos e a conclusão)

e técnicas persuasivas, como o uso de números e estatísticas, descrição de fatos

favoráveis à tese e apresentação de contra-argumentos (em geral, atacados) etc.

Dessa forma, perdeu-se a oportunidade de contribuir para que os alunos

percebessem o discurso do autor, no que tange à concepção de mundo,

preconceitos e uso que faz de estereótipos sociais e culturais, em relação à

subjetividade.

Ressalvas à parte, os dados demonstram que o professor partiu da leitura e

compreensão do texto para a discussão oral, retomou conceitos e, só então, propôs

a análise sobre a produção de texto. Ao analisarem em conjunto a estrutura da

argumentação, o professor reforçou a prática pedagógica de leitura e análise textual,

além da apropriação da estrutura e do gênero textual a ser produzido.

Acreditamos que, no desenvolvimento de diferentes gêneros jornalísticos na escola,

estão embutidos a compreensão e o domínio das condições de produção e

significação dos discursos da esfera jornalística, que, por sua vez, propiciam

situações de aprendizagem cujo objetivo final será que os alunos construam os

conhecimentos necessários para o exercício pleno da cidadania. Como aponta

Rodrigues (2001, p. 81):

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Numa síntese, pode-se dizer que o objeto da esfera jornalística se constitui no horizonte dos acontecimentos, fatos, conhecimentos e opiniões da atualidade, de interesse público. Nesse contexto, sua função sócio-ideológica se caracteriza por fazer circular (interpretar, „traduzir‟) periódica e amplamente as informações, conhecimentos e pontos de vista da atualidade e de interesse público, „atualizando‟ o nível da informação da sociedade (ou de grupos sociais particulares).

Nessa conjuntura, entender quais gêneros costumam frequentar os jornais é

imprescindível para a nossa pesquisa, visto que eles direcionam os enunciados,

conferindo às enunciações diferentes cargas ideológicas.

Takazaki (2004) identifica 18 gêneros textuais mais frequentes em jornais, os quais

podemos enumerar como: 1. anúncio classificado, 2. anúncio publicitário, 3. artigo,

4. carta do leitor, 5. chamada, 6. charge, 7. crítica [de arte], 8. crônica, 9. editorial,

10. entrevista, 11. gráfico, 12. legenda, 13. manchete, 14. notícia, 15. reportagem,

16. resenha, 17. tabela, 18. tira.

Parece, no entanto, que o conhecimento de textos do domínio jornalístico não é o

único que merece ser exercitado. Nas palavras de Rojo (2005, p. 207):

[...] no Brasil, com seus acentuados problemas de iletrismo, a necessidade dos alunos é de terem acesso letrado a textos (de opinião, literários, científicos, jornalísticos, informativos etc.) e de poderem fazer uma leitura crítica desses textos.

Outro gênero trabalhado na sala de aula foi o editorial, o qual se constitui em uma

ferramenta interessante, pois, conforme o direcionamento do professor, permite a

análise de um gênero com características argumentativas, sem ficar preso apenas à

estrutura da dissertação. Além disso, como geralmente o articulista opina sobre um

assunto polêmico e que domina em profundidade, o editorial pode embasar

discussões e debates sobre os mais variados temas.

Dessa forma, o trabalho com os gêneros jornalísticos, principalmente quando

utilizados os jornais como suportes “originais”, permite um entendimento sobre o

contexto de produção que auxiliará o professor e os alunos na apropriação de uma

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visão mais ampla e contextualizada desse gênero. Bonini (2006, p.67) afirma que

“[...] o estudo dos gêneros jornalísticos (bem como dos demais gêneros que

compõem o conjunto mais amplo das manifestações da comunicação de massa)

apresenta uma grande relevância social”. De acordo com o autor, o trabalho com o

jornal pode aprimorar o senso crítico do aluno, já que este tende a lidar de maneira

mais consciente com as informações veiculadas pelos órgãos de comunicação.

Nesse sentido, é fundamental fazê-lo compreender o texto, inserido em uma

realidade sócio-histórica, que engendra o texto e pode ser por ele modificada.

Depois, é preciso mostrar que todo texto, além de um objetivo, tem uma intenção

nem sempre explicitada, mas sempre passível de ser desvelada nas entrelinhas.

Dessa forma, poderá criar um olhar crítico, inquieto, que vai buscar no texto

intenções ocultas. O importante é que o aluno se prepare para viver plenamente em

sociedade, exercitando seus direitos de cidadão.

Sobre esse processo, assim se posiciona Geraldi (1997, p. 179):

Ao aprender a língua, aprende-se ao mesmo tempo outras coisas através dela: constrói-se uma imagem da realidade exterior e da própria realidade interior. Este é um processo social, pois como vimos, é no sistema de referência que as expressões se tornam significativas. Ignorá-las no ensino, ou deixar de ampliá-las no ensino, é reduzir não só o ensino a um formalismo inócuo. É também reduzir a linguagem, destruindo sua característica fundamental: ser simbólica.

Acreditamos ter sido importante o desenvolvimento do trabalho textual realizado com

os gêneros da esfera da esfera jornalística, visto que permitiu também uma análise

do papel ideológico que a mídia, em especial, a impressa, desempenha na

comunicação social. Esse trabalho, aliás, mostrou ser possível a efetivação de

práticas que abordem os gêneros textuais a partir de uma perspectiva bakhtiniana

(em suas dimensões sócio-histórica, discursiva e ideológica).

Outro dado apontado ainda na Tabela 12, o qual queremos destacar, diz respeito às

31ª e 32ª aulas observadas (diário de campo, 20-11-2008). O professor começou

sua conversa perguntando aos alunos se havia na escola alguma situação que os

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afligia. Os alunos foram unânimes em apontar a falta de uma quadra poliesportiva

como o maior problema encontrado na escola. Se havia esse problema, então o que

eles estavam fazendo para solucioná-lo, quis saber o professor. Transcrevemos

abaixo trecho da aula 31, conforme diário de campo do dia 20-11-2008.

O professor chegou na sala de aula e começou a conversar com os alunos sobre os problemas diários que muitas pessoas tinham. Durante uns cinco minutos, deixou os alunos exporem seus próprios problemas ou comentarem sobre os dos outros. Em seguida, perguntou aos alunos, se havia algum problema na escola que os afligia. Os alunos foram unânimes em apontar a falta de uma quadra poliesportiva como o maior problema da escola no momento. Imediatamente ele perguntou o que eles estavam fazendo para resolver a situação. Vários alunos disseram que sempre cobram da diretora uma solução. O professor perguntou se alguma vez eles já haviam documentado esse pedido, e eles responderam que não. Explicou que sempre há um gênero textual para uma necessidade comunicativa. Nesse caso, o gênero era o abaixo-assinado. A aluna L falou que sempre ouve falar, mas que não sabe como fazer. O professor disse então, que iria lhes explicar como era e como se fazia um abaixo-assinado e que depois eles poderiam fazer um abaixo-assinado e encaminhar para a diretora. O aluno D perguntou se poderia passar para os alunos das outras séries assinarem. O professor falou que, se eles decidissem que sim, poderia (20-11-2008).

Os dados acima nos permitem inferir que o professor estava atento aos anseios dos

alunos, pois soube suscitar uma discussão sobre um problema que realmente os

incomodava. Nesse contexto, recomendou que copiassem o que iria passar no

quadro, pois poderia servir de roteiro para elaborarem o abaixo assinado para a

diretora da escola. A seguir, escreveu o texto no quadro (Quadro 9).

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O abaixo-assinado

É um tipo de gênero textual que se produz quando uma pessoa ou um grupo de

pessoas deseja fazer uma reivindicação, de caráter pessoal ou coletivo.

A estrutura do abaixo-assinado é simples: identificação, na forma de vocativo, da

autoridade a quem é encaminhada o documento; corpo do texto, que consiste na

apresentação do problema, seguido da reivindicação pretendida pelos assinantes,

e dos argumentos, que justificam a solicitação feita. No fechamento do texto, local

e data, seguido das assinaturas dos simpatizantes. Para dar maior credibilidade às

assinaturas, costuma-se identificá-las por meio de dados pessoais como cidade,

país, documento de identificação e às vezes endereço.

Como o documento é dirigido a autoridades, sua linguagem segue o padrão culto

formal. Os verbos são empregados geralmente no presente do indicativo, e a

escolha dos pronomes deve levar em conta o cargo ocupado pelo interlocutor.

Características do abaixo-assinado

texto de intenção persuasiva, que encaminha uma reivindicação;

estrutura: vocativo, que identifica a quem se encaminha o documento; o

corpo do texto formado pela apresentação do problema, seguido da

reivindicação e de argumentos que a justifiquem; local e data; assinaturas;

os autores do texto podem se colocar em 1a. ou 3a. pessoa;

linguagem atenta às normas do padrão culto formal da língua;

verbos predominantemente no presente do indicativo;

pronomes de tratamento de acordo com o cargo ocupado pelo interlocutor.

Quadro 9 – Características do abaixo-assinado

Terminada a cópia, o professor falou que, com aquelas informações, já tinham

elementos para elaborar um abaixo assinado. Solicitou que se dividissem em grupos

de três a quatro integrantes e elaborassem o texto. Nesse dia, uma quinta-feira,

havia apenas 19 alunos presentes, por isso se dividiram em cinco grupos de três

alunos e um grupo de quatro alunos. Em seguida, o professor pediu que

sinalizassem, pois escolheriam o mais adequado para recolherem as assinatura e

encaminhá-lo à diretora. Na aula seguinte (32ª), os grupos iam terminando e

mostrando ao professor. Quando todos acabaram, leram a produção em voz alta.

Após algumas intervenções dos alunos e do professor, o texto do Grupo 3 foi

escolhido como o mais completo. O aluno D prontificou-se a levá-lo para digitar e

imprimir em casa, comprometendo-se a trazê-lo na aula seguinte para todos

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assinarem. O grupo decidiu que iria também às outras salas pedir a assinatura dos

outros alunos.

Sem dúvida, o professor soube tirar proveito da situação comunicativa, criando

condições adequadas para a produção do abaixo-assinado. Fez isso ao mostrar aos

alunos o gênero textual que, na vida em sociedade, tem essa função e, a partir daí,

introduzir configurações desse gênero. Foi, portanto, uma prática de linguagem real,

no sentido definido por Geraldi (1997, p.137), uma prática na qual “[...] se tenha algo

a se dizer, uma razão para dizer o que se tem a dizer, para quem dizer [...]”.

Da mesma forma, a estratégia didática tem respaldo naquilo que Bakhtin postula

para a seleção dos gêneros discursivos que vão permitir a interação verbal:

A vontade discursiva do falante se realiza antes de tudo na escolha de um certo gênero de discurso. Essa escolha é determinada pela especificidade de um dado campo da comunicação discursiva, por considerações semântico-objetais (temáticas), pela situação concreta da comunicação discursiva, pela composição pessoal dos seus participantes, etc. A intenção discursiva do falante, com toda a sua individualidade e subjetividade, é em seguida aplicada e adaptada ao gênero escolhido, constitui-se e desenvolve-se em uma determinada forma de gênero (BAKHTIN, 2003, p. 282, grifos do autor).

É oportuno salientar que, em várias ocasiões, o professor usou estratégias de

ensino, se não totalmente adequadas, pelo menos variadas. Vejamos como ele

procedeu para introduzir o tema da intertextualidade, noção que seria utilizada na

produção de texto posteriormente.

Na aula nº 25 (conforme registro no diário de campo, do dia 14-11-2008), o professor

primeiro distribuiu duas folhas xerocopiadas, como as reproduzidas a seguir (Quadro

10).

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Quadro 10 - Intertextualidade (continua)

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Quadro 10 - Intertextualidade (conclusão)

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Professor e alunos fizeram a leitura em conjunto, que era acompanhada de

explicações. O professor mostrava as semelhanças entre os textos e o tom

discursivo que cada autor havia imprimido à sua composição. Os alunos acharam

divertido. A seguir, leram também as explicações sobre intertextualidade presentes

no texto e aprenderam que ela pode estar em todo tipo de objeto artístico.

O professor preveniu os alunos informando que também exercitariam essa

possibilidade de diálogo entre textos em aulas seguintes. Antes, porém, iriam ler um

conto. Assim, pediu aos alunos que abrissem o livro na pág. 166 e lessem

silenciosamente o conto “Amor”, de Clarice Lispector. A maioria dos alunos estava

apenas começando a ler quando o sinal tocou. O professor recolheu os livros e disse

que no dia seguinte recomeçariam.

Na sequência, passaremos a analisar parte a parte os capítulos enfocados. Na parte

de literatura, foi utilizado o capítulo 20 – cinco páginas. A estratégia do professor, ao

propor a leitura do conto “Amor”, de Clarice Lispector, contido nessas páginas, foi,

inicialmente, apresentar o caráter introspectivo da literatura da autora e depois

trabalhar também aspectos formais da narração.

Dessa forma, ao término da leitura do conto, o professor explorou um pouco as

características de uma narrativa, questionando sobre os personagens, o clímax e

desfecho. Os alunos responderam e o professor deu maiores detalhes sobre o

texto. Frisou que esse conto apresenta uma temática voltada para questões

existenciais, demonstrando a protagonista Ana, em determinado momento da sua

vida, uma extrema insatisfação com a realidade à sua volta.

A atividade está descrita no diário de campo, no qual é esclarecido também o que o

professor quis dizer com o aproveitamento do livro quando a situação se mostrasse

propícia: utilizar os textos sem considerar os conteúdos com eles relacionados pelo

LD.

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Assim que entrou na sala o professor falou que naquele dia excepcionalmente haveria duas aulas de Português, porque havia faltado um professor e a coordenadora havia solicitado que ele desse uma aula a mais. Os alunos assobiaram sinalizando que gostaram, já que a aula seguinte seria de Matemática. Antes de entregar os livros, o professor registrou no quadro „P. 166 – Conto Amor de Clarice Lispector‟. Em seguida, distribuiu os livros, perguntando quem sabia as características do conto. A aluna A falou que era uma história curta que tinha personagens, enredo, clímax e desfecho. O professor elogiou a aluna e disse que era isso mesmo. Em seguida, solicitou aos alunos que fizessem uma leitura silenciosa e que depois falaria sobre o próximo passo para desenvolvimento da aula. Os alunos começaram a se envolver com a leitura e a sala silenciou. Os alunos levaram mais ou menos 30 minutos para ler o texto. Quando todos haviam acabado, o professor perguntou se haviam gostado. Observei que mais da metade da turma havia gostado e a outra metade não havia entendido o texto. Continuando, o professor perguntou pelas características do conto, isto é, quem eram os personagens, qual era o clímax e qual foi o desfecho. A aluna L respondeu que a personagem chamava-se Ana e era uma dona de casa. A aluna J falou que o clímax era a crise existencial pela qual a personagem passava e que a levava a repensar toda a sua vida. O aluno DB falou que não entendeu nada disso, do que leu, e que não conseguiu alcançar isso que a colega falou. O professor falou que as observações das alunas eram corretas, pois o conto Amor, de Clarice Lispector, era tudo isso e muito mais. Ele falou que o conto foi publicado em 1982 e estava presente no livro Laços de Família e que na biblioteca da escola havia alguns exemplares. Falou também que o conto apresenta uma temática voltada para as questões existenciais e que a protagonista Ana, em um determinado momento da sua vida cotidiana, demonstra uma extrema insatisfação com a realidade à sua volta. [...] Tocou o sinal encerrando uma aula e começando outra. O professor disse que, ainda trabalhando na perspectiva dos gêneros textuais iriam desenvolver a narração intertextual. Pediu para os alunos fazerem um texto narrativo no qual aparecesse a frase: „O mais importante é o amor‟. Explicou que a frase constava da bíblia e que tinha uma conotação espiritualista e que atendia ao pedido de alguns alunos. Nenhum aluno se manifestou contra. Os alunos começaram a fazer a atividade. Enquanto os alunos escreviam os textos, o professor ia tirando dúvidas e corrigindo alguns textos que lhe eram apresentados. A turma estava silenciosa, quase todos preocupados com a tarefa. Tocou o sinal para o encerramento da aula e os alunos entregaram a tarefa (17-11-2008).

Após debaterem a temática e as características estruturais do conto, o professor

solicitou que transcrevessem alguns trechos dele. Esses trechos deveriam servir de

base para o próximo texto que seria solicitado. Enquanto os alunos iam fazendo a

atividade, ele escreveu no quadro dados sobre a obra da autora, conforme exposto

no Quadro 11.

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Clarice Lispector é considerada uma das grandes motivadoras na narrativa de

autoria feminina, que começa a se expandir no universo cultural brasileiro,

apresentando características inovadoras em termos de linguagem e de perspectivas.

É conhecida por sua complexa subjetividade e seus questionamentos do mundo

externo sob o interno. Percebe-se, após a leitura de seu conto Amor, uma tomada

de consciência de mundo da personagem protagonista. Por isso, enxergamos na

personagem Ana a figura de um ser humano com aspectos psicológicos incomuns,

em conflito consigo mesma e tudo que representa para a sua família e a sociedade.

Quadro 11 - Clarice Lispector e o conto Amor

Assim que tocou o sinal anunciando o fim da aula, o professor lembrou que ainda

estavam trabalhando na perspectiva dos gêneros textuais e que, logo após o recreio,

iriam desenvolver uma narrativa intertextual.

Quando, enfim, os alunos retornaram, receberam a indicação de elaborar um texto

narrativo cujo gênero pudesse ficar entre um miniconto e uma crônica. A única

exigência é que usassem como mote a frase “O mais importante é o amor” e alguns

dos trechos retirados do conto de Clarice. Explicou que a frase consta de um texto

bíblico, tem conotação espiritualista e foi sugerida por alguns alunos. Enquanto os

alunos escreviam, o professor circulava e tirava dúvidas ou corrigia textos que lhe

eram apresentados. No final da aula, quase todos os alunos já haviam entregue o

texto.

A respeito da utilização, pelos alunos, de outros textos alheios para produção de

seus próprios textos, Geraldi (1997, p.172) sinaliza:

[...] Posso ir ao texto nem para perguntar-lhe nem para escutá-lo, mas para usá-lo na produção de outras obras, inclusive outros textos. Pretextos legítimos, em qualquer circunstância. Penso aqui, por exemplo, no diretor de teatro que, montando uma peça, sua obra não se mede pela fidelidade ao texto que a sustenta, mas pelo novo texto (montagem) que o faz reaparecer. A leitura-pretexto não me parece em si um mal (aliás, haverá alguma leitura sem pretexto?), sob pena de um endeusamento do dito e, por ricochete, a decretação de sua morte na imobilidade de ser o que é, sem predicativos.

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A iniciativa do professor, portanto, foi válida, já que os discentes puderam exercitar,

na prática, um aspecto textual que dificilmente não está presente em um texto

qualquer, independente do gênero em questão. Quando questionado sobre o porquê

de trabalhar o gênero textual conto, o professor respondeu que esse gênero deveria

estar sempre entre os materiais didáticos preferenciais, na medida em que, em

geral, traz conteúdos ético-culturais, políticos e sociais. Em sua opinião, há uma

carência desses conhecimentos entre os jovens, logo a leitura e discussão do conto

na sala de aula podem suprir essa lacuna, além de criar referências que facilitem a

produção textual. Com isso, a motivação aumenta, além do que o conto pode ser

fonte inspiradora para novos leitores e autores.

Cremos ser muito importante o professor propiciar ao aluno a oportunidade de ler e

produzir contos, pois esse gênero pode aguçar a imaginação, favorecer a criação

de histórias ficcionais, além de proporcionar um encontro com expressivos nomes da

nossa literatura.

Por uma questão de planejamento, o professor deve selecionar previamente os

gêneros que os alunos deverão produzir durante o ano letivo, quer se trate de

gêneros literários ou não literários. Essa decisão normalmente se dá em função da

série ou do que está previsto no livro didático adotado. Existe uma diferença entre

produzir e ser apresentado a um gênero. É evidente que produção de textos está

limitada ao espaço-tempo escolar, porém o conhecimento de outros gêneros não

tem limites. O aluno terá contato com gêneros que não conhece, em suas relações

sociais. Esses textos poderão ser levados à escola e tornar-se objeto de discussão.

É importante que o universo de conhecimento dos gêneros vá sendo

progressivamente ampliado, a fim de aumentar também a inserção do aluno nas

práticas sociais da cultura letrada.

Nessa seção em que analisamos os eventos de produção de texto nas aulas

observadas, mostramos que, por meio de estratégias variadas, os alunos foram

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levados a produzir os gêneros seguintes: resenha, comentário (sobre filme), carta

pessoal, bilhete, comentário (texto sobre internet), miniconto, convite (e-mail), carta

do leitor (on-line), artigo de opinião, abaixo-assinado.

Isso quer dizer que as circunstâncias sociocomunicativas instauradas, por meio dos

aspectos motivacionais e intencionais, convergiram para um resultado final que foi o

texto, a sua produção ou um conhecimento mais aprofundado sobre o seu

funcionamento. Entendemos que uma situação de comunicação com

intencionalidade explícita, destino compartilhado pelos atores desse jogo e um

conteúdo a ser dito contribuíram para a constituição de sentidos dos textos.

Dessa forma, Geraldi (1997, p.165) estabelece que

Centrar o ensino na produção de textos é tomar a palavra do aluno como indicador dos caminhos que necessariamente deverão ser trilhados no aprofundamento quer da compreensão dos próprios fatos sobre os quais se fala quer dos modos (estratégias) pelos quais se fala.

No entanto, o ensino dos gêneros textuais não se esgota em si mesmo, o professor,

de forma acertada, preocupou-se também com as características formais pertinentes

a cada um deles e reservou uma aula para trabalhar esses aspectos.

Procedeu da seguinte maneira: selecionou alguns excertos de textos que haviam

sido produzidos pelos próprios alunos e escreveu-os no quadro. Disse que

apresentavam alguns problemas, que seriam sanados com a ajuda do grupo. A

partir do que consideravam problemático, os alunos foram sugerindo correções e o

professor escrevendo no quadro.

Várias vezes houve troca de ideias para chegarem a um acordo sobre determinada

estrutura. Os alunos participaram ativamente e gostaram da atividade.

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Foi, portanto, uma atividade duplamente acertada. De acordo com Geraldi (1997a),

a produção de textos (orais e escritos) produzidos na escola deve ser ponto de

partida e de chegada de todo o processo de ensino-aprendizagem da língua.

Além disso, Geraldi (2006) chama a atenção para o fato de que é a adoção do texto,

como unidade básica do ensino e aprendizagem, que nos faz desistir de um ensino

transmissor de um conhecimento pronto e acabado e nos faz aproximar de um

ensino em que a aprendizagem se efetiva na experiência de produzir algo,

dialogando com o que nos foi disponibilizado por produções anteriores.

Dessa forma, na visão de Geraldi (1997b), reconhecer o texto como unidade de

ensino-aprendizagem é percebê-lo como uma entrada para o diálogo com outros

textos, que remetem a textos anteriores e que farão parte de textos futuros, e

conceber o aluno como produtor de textos é visualizá-lo como participante ativo

desse diálogo contínuo: com textos e com leitores.

Considerando a dificuldade que é para os alunos produzir textos escritos e, pior

ainda, reescrevê-los, consideramos a atividade desenvolvida muito importante para

que eles se apropriem de conhecimentos sobre aspectos estruturais e discursivos da

linguagem. Assim, ao produzir textos, o aluno articula um ponto de vista sobre o

mundo que o cerca e não faz uma mera reprodução, além de se apropriar das

estruturas linguísticas.

Em síntese, o aluno planeja um texto, escreve, lê o que escreveu, corrige, entrega

para o professor. O professor retorna com o texto e a partir daí ele realiza as

modificações necessárias. Isso reforça a nossa tese de que a escrita é construída

em momentos diferentes e que se processa na interação, e a revisão é um momento

desse processo, um degrau na sua escalada. Dessa forma, ao observarmos o texto

original e os dele decorrentes, percebemos a funcionalidade da linguagem e as

possibilidades de construção de sentidos diversos por meio do uso de diferentes

recursos linguísticos.

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Sobre esse assunto, assim se posicionam Fiad e Mayrink-Sabinson (1991, p. 55):

Levando em consideração, portanto, que a escrita é uma construção que se processa na interação e que a revisão é um momento que demonstra a vitalidade desse processo construtivo, pensamos a escrita como um trabalho e propomos seu ensino como uma aprendizagem de reescritas. Consideramos um texto como um percurso desse trabalho, sempre possível de ser continuado. O texto original e os textos dele decorrentes podem nos dar uma dimensão do que é a linguagem e suas possibilidades.

E, ainda, o exercício nos permite afirmar que as mudanças propostas pelos alunos

são uma resposta a alguma observação realizada pelo professor ou colega em seu

texto. Nessa situação, os alunos foram levados a analisar e a refletir sobre a escrita

do colega e a sua própria escrita. Assim, o texto dos alunos passou a ser objeto da

própria constituição da escrita, o que permitiu articular a construção dos

conhecimentos com as necessidades dos alunos. Isso significa dizer que as

atividades anteriores é que desencadearam a proposta da produção do texto e,

nesse “jogo”, o professor se fez mediador.

Mesmo esse tipo de atividade ter sido muito bem recebido pelos alunos e ser de

fundamental importância no desenvolvimento de um trabalho com o uso da língua,

infelizmente, foi desenvolvido em apenas uma aula.

4.4 A PERSPECTIVA TEÓRICA DO PROFESSOR E A PRÁTICA REAL

Apesar de os dados terem apontados que, das 46 aulas observadas, em 41 aulas

circularam gêneros textuais escritos; que dessas 41aulas, em 34 os gêneros textuais

foram trabalhados; que nessas 34 circularam 23 gêneros diferentes e em 10 aulas

foram produzidos 10 gêneros textuais escritos, faltou ao professor o conhecimento

teórico necessário para articular o conteúdo a uma prática social. Em alguns

momentos, o professor “oscilava” entre redação e produção de textos.23 Dos dez

23

De acordo com Geraldi (1997, p. 136), existem diferenças básicas entre produção de textos e redação: na primeira, produzem-se textos na escola; na segunda, produzem-se textos para a escola.

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gêneros textuais produzidos pelos alunos, apenas cinco deles (carta pessoal,

resenha, convite, carta do leitor e abaixo-assinado) tiveram como interlocutores

pessoas diferentes do professor.

Por outro lado, percebemos que, nas 46 aulas observadas, em apenas uma aula (a

de nº 17, do dia 28-10-2008, conforme registro no diário de campo), o professor

desenvolveu uma atividade epilinguística.24 Isso quer dizer que o professor perdeu a

oportunidade de colocar em confronto os conhecimentos linguísticos dos alunos e

aqueles que a escola (o professor) considera como adequados para a sua formação

como produtor de textos e a pertinência ou não de determinadas estruturas, num

processo de reflexão e ação sobre o texto que estava sendo construído. Sobre essa

atividade, assim se posiciona Geraldi (1997, p. 24):

Poderíamos caracterizar as atividades epilinguísticas como atividades que, independentemente da consciência ou não, tomando as próprias expressões usadas por objeto, suspendem o tratamento do tema que se dedicam os interlocutores para refletir sobre os recursos expressivos que estão usando.

Além disso, não podemos deixar de evidenciar a ausência de maior espaço de

tempo nas aulas para a reescrita dos textos, pois, na maioria das vezes, num

mesmo dia (duas aulas, por exemplo), o aluno escrevia, o professor corrigia e

devolvia para o aluno fazer a escrita final. Dessa forma, foi retirada do aluno a

oportunidade de sair do estágio emocional (inspirativo) da primeira escrita e passar

para o estágio de maior racionalização sobre o que foi materializado. Faltou espaço

para que o aluno sujeito-autor tivesse um diálogo com o aluno sujeito-criador, o que

possibilitaria um relacionamento mais aprofundado com seu próprio texto.

24

As atividades epilinguísticas, segundo Geraldi (1997, p. 25), “[...] são aquelas também presentes nos processos interacionais, e neles detectáveis e que resultam de uma reflexão que toma os próprios recursos expressivos como seu objeto. As demais possibilidades de trabalhar a linguagem dizem respeito a atividades linguísticas, que [...] são aquelas praticadas nos processos interacionais e referem-se ao assunto em pauta; e a atividades metalinguisticas, que [...] são aquelas que tomam a linguagem como objeto não mais enquanto reflexão vinculada ao próprio processo interativo, mas falam sobre a língua”.

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É nesse processo de refacção e reflexão sobre o próprio texto que, muitas vezes, o

aluno enxerga o que antes não havia se dado conta na organização do seu texto.

Tal como assinala Bakhtin (2003, p. 311):

[...] a reprodução do texto pelo sujeito (a retomada dele, a repetição da leitura, uma nova execução, uma citação) é um acontecimento novo e singular na vida do texto, o novo elo na cadeia histórica da comunicação discursiva.

Nesse contexto, a reescrita permitiria também a apropriação dos diversos gêneros

textuais, pois poderia fazer o aluno diferenciá-los e melhor contextualizá-los de

acordo com o que solicita a prática social, pois, quanto mais o aluno reescrever,

mais vai perceber que todo texto pode ser modificado e que não é um produto de

dimensões significativas acabadas. Ainda, com uma prática maior, o aluno pode

melhorar o domínio da modalidade escrita, já que vai internalizando os processos

constitutivos dos gêneros textuais (por que, como, qual e em que condições utilizar).

Corroborando essas afirmações, Sercundes (1997, p. 89) considera:

[...] partindo do próprio texto, o aluno terá melhores condições de perceber que escrever é trabalho, é construção do conhecimento, e estará, portanto, mais bem capacitado para compreender a linguagem, ser um usuário efetivo, e, consequentemente, aprender a variedade padrão e inteirar-se dela.

Pelos dados apresentados, fica evidente que, em alguns casos, o professor

considerou o uso social da escrita levando em conta o processo e as condições de

produção do texto, evitando, dessa forma, o exercício descontextualizado da escrita.

Apesar disso, explorou diversos gêneros e tipos textuais contemplando suas

especificidades. Mesmo que não tenha culminado com uma produção de textos,

apresentou e discutiu as características discursivas e textuais dos gêneros

abordados, não se restringindo à exploração temática.

Nesse contexto, não nos custa (re)afirmar a importância das atividades de

linguagem desenvolvidas com os gêneros textuais escritos nas aulas de Língua

Portuguesa, como se posiciona Nascimento (2005, p.17): “[...] não podemos nos

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esquecer que a apropriação dos gêneros como instrumento de mediação para o uso

nas múltiplas formas de comunicação exige capacidades para que possamos agir

com a linguagem em uma situação determinada”. Tal concepção também é

reafirmada por Bazerman (2006, p.84), quando adverte para o seguinte:

Os gêneros nos ajudam a navegar dentro de complexos mundos da comunicação escrita e da atividade simbólica, porque, ao reconhecer uma espécie de texto, reconhecemos muitas coisas sobre a situação social e institucional, as atividades propostas, os papéis disponíveis do escritor e do leitor, os motivos, as ideias, as ideologias e o conteúdo esperado do documento e o lugar onde isso tudo pode caber em nossa vida.

A adesão do professor às práticas discursivas significa distinguir redação de

produção textual, a primeira entendida como uma prática tipicamente escolar, na

qual os alunos escrevem textos na escola para a escola (GERALDI, 1997). Nessa

situação, por meio de atividades artificiais, desconsidera-se o interlocutor real e

visualiza-se o professor como o suposto receptor. Já a produção textual pressupõe

uma interação privilegiada por um interlocutor real e objetivos claros para o texto a

ser produzido, de modo que quem escreve entenda as condições de produção do

texto. Isso quer dizer, criar condições para que a produção se realize.25

Dessa forma, possibilita-se ao aluno que ele se constitua como sujeito do ato

interlocutivo e tenha condições para definir as estratégias do dizer, a partir do qual o

seu texto ganhará forma e conteúdo e deixará de ser, no sistema escolar, mera

atividade avaliativa do aluno. Muitas vezes, a preocupação maior é com os aspectos

gramaticais. É por isso que Rojo (2001, p.173) argumenta que

[...] a linguagem escrita deve se constituir como discurso (texto) significativo, inserido numa situação de produção significativa, formatado num gênero, ao invés de se enfocar letras, sons, palavras, estruturas gramaticais ou textuais.

25

Conforme propõe Geraldi (1997), para que o aluno tenha o que dizer, razão para dizer, como dizer e interlocutores para quem dizer.

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Quanto à produção textual, acreditamos que deve ser um processo dinâmico no qual

se efetive a produção de discursos, ao contrário da redação na qual prevalece o

discurso escolarizado. Na visão de Geraldi (1997, p.136):

[...] o sujeito articula, aqui e agora, um ponto de vista sobre o mundo que, vinculado a uma certa formação discursiva, dela não é recorrência mecânica, seu trabalho sendo mais que mera reprodução: se fosse apenas isso, os discursos seriam sempre idênticos, independentemente de quem e para quem resultam.

É por isso que o texto deve ser visto como o instrumento no qual os sujeitos

concretizam seus discursos e interagem com seus pares. Enfim, ao entendê-lo como

atividade dialógica, o professor propiciará ao aluno condições para produzir um texto

real, pois, dessa forma, ele “terá o que dizer”, “para quem dizer” e “como dizer”.

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ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES

[...] Passemos da vida cotidiana da escola real para os sonhos da escola possível. Também as utopias têm seu lugar na história [...]. (MANACORDA)

A dinâmica do processo educativo exige constantes questionamentos, debates,

ajustes, atualizações. O objetivo de qualquer estudo, portanto, deve ser refletir sobre

a diversidade de saberes e multiciplicidade de reflexões que se presentificam cada

vez que se desenvolve uma pesquisa.

Nossa pesquisa pautou-se por uma abordagem metodológica de estudo de caso de

natureza qualitativa, que teve na observação participante o meio para a coleta de

dados. Realizou-se no decorrer de 46 aulas de língua portuguesa, em especial as

aulas que trataram de atividades ligadas à produção textual, em uma turma de 3º.

ano do ensino médio, do turno vespertino, em uma unidade da Rede Estadual de

Ensino da Serra - ES.

Nessa perspectiva e ancorada nos conceitos de Mikhail Bakhtin e de outros autores

que com eles dialogam, voltamos nosso olhar para a sala de aula, especificamente

para as relações que se circunscreveram aos gêneros textuais escritos, buscando

dar visibilidade às práticas que foram recorrentes na sala de aula.

O exame dos dados nos permite chegar a alguns elementos conclusivos, dos quais

o primeiro se refere ao fato de as concepções de ensino e linguagem presentes na

prática do professor não serem marcadas por uma única tendência. Há incorporação

de diferentes teorias em uma mesma prática, uma mais voltada ao ensino

tradicional26 e outras apontando para uma concepção interacional de linguagem, em

uma perspectiva dialógica de ensino.

26

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1998), pode-se entender ensino tradicional como aquele que desconsidera a realidade e o interesse dos alunos; a excessiva escolarização das atividades de leitura e escrita; a artificialidade e fragmentação dos trabalhos; a visão da língua como sistema fixo e imutável de regras; o uso do texto como pretexto para o ensino da gramática e para a inculcação de valores morais; o preconceito contra as formas de oralidade e

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Incluem-se no primeiro caso: o apoio excessivo do livro didático; a apresentação dos

gêneros textuais a partir de sua definição, antes de expô-los aos alunos; a mistura

de terminologia de diferentes teorias (por exemplo, a denominação “canal” para se

referir à forma/meio de veiculação do gênero); o trabalho com gêneros textuais sem

situá-los nos respectivos domínios discursivos; o uso dos gêneros textuais como

pretexto para trabalhar tanto aspectos de teoria literária, quanto características de

linguagens e elementos de textualidade, enfim, aspectos macro e microlinguísticos

do texto.

O ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa é muito mais complexo do que o uso

de terminologias inadequadas. As exigências da tarefa impõem ao professor um

desafio, até então não resolvido, pois ele continua, como há décadas, a recorrer

(excessivamente) ao LD para fundamentar as suas aulas.

O professor de Língua Portuguesa ainda não compreende a teoria da enunciação e

a teoria dos gêneros textuais, e isso abarca toda a compreensão dos conteúdos

indicados pelos PCNEM. Nas Orientações Curriculares Para o Ensino Médio,

conhecido como PCN+ Ensino Médio, são mencionados princípios organizadores do

ensino de Língua Portuguesa que se encontram diluídos por dois eixos de práticas

de linguagens: as práticas de uso e as práticas de reflexão sobre a língua e a

linguagem. Os conteúdos para as práticas do eixo do uso da linguagem são

enunciativos e envolvem aspectos como a historicidade, aspectos do contexto de

produção dos enunciados e suas implicações na organização dos discursos

(gêneros e suportes) e no processo de significação. Nesse documento, o texto é

visto como unidade de ensino e os gêneros textuais como objetos de ensino.

Para a implementação desta proposta, o documento exige do professor um enfoque

linguístico-enunciativo, ou seja, a teoria da enunciação bakhtiniana e a teoria dos

gêneros textuais, entretanto há uma grande distância entre o que é proposto e a

prática em sala de aula, pois o professor ainda não compreendeu ou não tem

contra as variedades não padrão; o ensino descontextualizado da metalinguagem apoiado em fragmentos linguísticos e em frases soltas.

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conhecimento mais aprofundado das mais recentes teorias linguisticas, que são

indispensáveis para mediar o processo de leitura e produção de textos em sala de

aula.

Em contrapartida, encontram-se, no segundo caso, atividades, procedimentos e

posturas que evidenciam uma concepção de linguagem identificada com a interação

verbal, posturas comprometidas com o desenvolvimento real da competência

linguistica dos alunos. Em muitos momentos, o professor demonstrou preocupação

em criar situações discursivas que permitissem a introdução de gêneros particulares,

inseridos em seus contextos de uso. Assim, ele introduziu materiais autênticos em

suas aulas quando propôs a leitura de jornais e revistas em sala de aula, chamando

a atenção para alguns gêneros e suas funções. Além disso, é de se destacar

também que houve a circulação dos gêneros textuais em quase 90% das aulas

observadas. Ele utilizou, em diversas ocasiões, variadas estratégias de ensino para

motivar os alunos a produzirem textos.

Nessa parte, percebe-se uma compreensão razoável do discurso assumido pelos

PCNs, pois a finalidade do ensino de Língua Portuguesa deixa de ser

exclusivamente o desenvolvimento das habilidades de leitura e de produção ou o

domínio da língua escrita padrão pelos alunos, e passa a ser o domínio das

habilidades textuais além dos limites da escola, na solução dos problemas que a

vida “real” apresenta, no acesso aos bens culturais, além de propiciar a participação

efetiva no mundo letrado.

Queremos destacar a contribuição de novas pesquisas como as da linguistica

textual, da pragmática, da sociolinguistica interacional e do discurso e as orientações

contidas nos documentos oficiais pertinentes, que demonstram não ser mais

possível, nas aulas de Língua Portuguesa, uma concepção formalista, na qual se

privilegie mais a forma e se dê mais atenção à ortografia, pontuação, sintaxe do que

a aspectos como a adequação conceitual, contextual e comunicativa do texto.

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Dessa forma, para o aluno produzir um texto na escola, ele deve ser inserido num

processo de interlocução, no qual deve assumir-se como sujeito locutor, com algum

motivo, algum objetivo, para escrever alguma coisa a um interlocutor, em uma

determinada situação de interação verbal.

Assim, à luz desses pressupostos, o discente será conduzido à realização de uma

série de atividades mentais (planejamento, execução, revisão) que não são lineares,

nem estanques, mas recursivas e interdependentes. Nesse processo, em primeiro

lugar, o professor deve atentar para que o aluno se dê conta de que está inserido

em um contexto comunicativo e como tal deve considerar alguns aspectos

questionativos, como as suas próprias condições: quem sou? Quais as minhas

crenças? De onde falo? Qual o meu objetivo com essa interlocução?; a imagem do

interlocutor: quem é? Que posição ocupa? O que sabe? Do que gosta? Suas

crenças? Que tipo de relação é possível estabelecer com ele?; as circunstâncias

sócio-históricas: em que situação nos encontramos? Qual o grau de formalidade

requerido? Que dados conceituais e contextuais temos em comum? Que

conhecimentos, crenças e valores comuns partilhamos?; o suporte textual: web,

revista, livro, jornal, mural, outdoor?

Todo esse processo antecede questionamentos e decisões fundamentais quanto ao

ato de fala pretendido: pedir, convencer, explicar, bajular, criticar?; quanto ao tipo

de texto mais adequado à realização da produção: narrar, argumentar, justificar,

relatar?; quanto ao gênero textual a ser utilizado: conto, artigo de opinião,

relatório, carta?; quanto à variedade linguistica a ser utilizada: linguagem formal e

coloquial – dialeto local e regional – dialeto socialmente prestigiado e considerado

culto?

Como continuação desse processo, apontamos, como próximo passo, a

necessidade de o aluno apoderar-se do assunto em pauta, ativando na memória o

que sabe a respeito dele, empenhando-se na seleção e elaboração de aspectos

relevantes e pertinentes à situação específica, além de organizar essas ideias em

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uma estrutura semanticamente coerente e compatível com os conhecimentos do

interlocutor.

Outra atividade seria o trabalho de verbalização, que os levaria a encontrar as

palavras e construir frases, parágrafos e sequências que comporão o texto.

Enquanto as atividades anteriores constituem um planejamento do que se vai

escrever, essa última atividade vem a ser a execução, a manifestação linguistica

daquilo que se planejou, pelo menos mentalmente.

Toda essa reflexão serve para mostrar como é complexo o processo de produção do

texto escrito, considerando principalmente que o aluno necessita tomar diversas e

importantes decisões. Ao professor de Língua Portuguesa cabe se conscientizar de

que é no funcionamento interlocutivo que as formas linguisticas ganham sentido.

Isso só será conseguido à medida que ele puder articular os conhecimentos

advindos das teorias já mencionadas e já existentes ao planejamento de suas aulas,

pois, dessa forma, fornecerá ao aluno condições adequadas para a realização das

atividades propostas.

Assim, com uma proposta de produção textual bem clara e definida, enfocando,

principalmente, os contextos de usos e condições de produção, os alunos realizarão

conscientemente um trabalho linguístico que realmente tenha sentido para ele, pois

lidamos com sujeitos que se constituem na e pela linguagem.

Pôde-se verificar que os pressupostos que fundamentam as concepções de

linguagem baseadas nas mais recentes teorias linguisticas estão se estendendo até

as salas de aulas, onde está se observando um processo de transformação. O

ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, nos moldes tradicionais, ainda não

está superado, porém o professor está se está empenhando em adotar práticas

metodológicas que expressem resultados mais satisfatórios no uso da língua. Esses

resultados não são os ideais, porém, para que a situação melhore, além das

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mudanças sociopolíticas, é preciso propiciar condições para o embasamento teórico

e prático dos professores.

Independentemente de ações do Poder Público, é imperioso que os professores

busquem ampliar seus conhecimentos por meio de leitura especializada;

participação em cursos, seminários, discussões teóricas e metodológicas,

apropriando-se de práticas pautadas em teorias enunciativo-discursivas que devem

embasar o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa,

Por último, queremos ressaltar a necessidade de pesquisas futuras que abarquem

um número maior de professores e que objetivem dar mais visibilidade a esse

(re)dimensionamento das concepções que embasam essas novas práticas, pois,

apesar de os cursos de capacitação serem constantes no magistério, as mudanças

estão demorando muito a chegar à sala de aula.

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10 BAZERMAN, Charles. Gêneros textuais, tipificação e interação. Tradução

de Judith Chambliss Hoffnagel. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2006. 11 BOGDAN, Roberto C; BIKLEN, Sari Knopp. Investigação qualitativa em

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DIONÍSIO, Angela et al.Gêneros textuais: reflexões e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.

13 BRAIT, Beth (Org.) Bakhtin: conceitos-chave. 2. ed. São Paulo: Contexto,

2005.

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14 BRAIT, Beth (Org.) Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto,

2006. 15 ______. As vozes bakhtinianas e o diálogo inconcluso. In: BARROS, Diana

Luz Pessoa; FIORIN, José Luiz. (Org.). Dialogismo, polifonia e intertextualidade em torno de Bakhtin. São Paulo: Edusp, 2001.

16 ______. PCNs, gêneros e ensino de língua: faces discursivas da textualidade.

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18 BRASIL, Ministério da Educação. MEC – Estatística dos professores do

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Brasília: MEC/SEMTEC, 1998.

20 ______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC, 2000.

21 ______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. PCN+ ensino médio: orientações educacionais

complementares aos parâmetros curriculares nacionais: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC, 2000.

22 BRITTO, Luiz Percival Leme. A sombra do caos: ensino de língua X tradição

gramatical. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1997.

23 ______. Em terra de surdos-mudos (um estudo sobre as condições de produção de textos escolares). In: GERALDI, João Wanderley (Org.). O texto na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Ed. Ática, 2005. cap.8, p.117-131.

24 BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos: por

um interacionismo sócio-discursivo. Tradução de Anna Raquel Machado e Péricles Cunha. São Paulo: EDUC, 1999.

25 BUNZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia (Org.). Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo: Parábola, 2006.

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26 CHIAPPINI, Lígia (coord geral); CITELLI, Adilson (Coord.). Aprender e ensinar com textos não escolares. São Paulo: Cortez, 1997.

27 COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e textualidade. 2. ed. São Paulo:

Martins Fontes, 1999.

28 ______. O que é produção de texto na escola? Revista Presença Pedagógica, v. 4, n. 20, p. 83-85, mar./abr. 1998

29 CRUZ, Mônica Cidele da. A produção textual no nível médio: uma análise das condições de produção. 2005. Dissertação (Mestrado em Letras, Estudos Linguísticos) – Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2005

30 FIAD, Raquel Salek; MAYRINK-SABISON, Maria Laura Trindade. A escrita como trabalho. In: MARTINS, Maria Helena (Org.). Questões da linguagem. São Paulo: Contexto, 1991. p. 54-63

31 FRANCHI, Carlos. Mas o que é mesmo “gramática”?. São Paulo: Parábola

Editorial, 2006.

32 FREITAS, Maria Tereza de Assunção. O pensamento de Bakhtin e Vygotsky no Brasil. São Paulo: Papirus, 2002.

33 GARCEZ, Lucília. A escrita e o outro. Brasília: Ed. da UNB, 1998.

34 GARCIA, Othon Moacir. Comunicação em prosa moderna. 6. ed. Rio de

Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1977.

35 GERALDI, João Wanderley. Concepções de linguagem e ensino de português. In: GERALDI, João Wanderley (Org.). O texto na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Ed. Ática, 2001. cap. 5, p. 39-46.

36 ______. Portos de passagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

37 ______. Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação. 6ª. reimp. Campinas, SP: Mercado de Letras – Associação de Leitura do Brasil,1996 - 2006.

38 GUEDES, Paulo Coimbra. Da redação escolar ao texto: um manual de

redação. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2002.

39 KLEIMAN, Angela. Preciso “ensinar” o letramento? não basta ensinar a ler e escrever?. São Paulo: CEFIEL/ILEL, UNICAMP, Ministério da Educação, 2005

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40 KOCH, Ingedore Vilaça. Desvendando os segredos do texto. 5. ed. São

Paulo: Cortez Editora, 2005.

41 KOCH, Ingedore Vilaça; Elias, Vanda Maria. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009.

42 KOCH, Ingedore Vilaça; Elias, Vanda Maria. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006.

43 LEMOS, Claudia Guimarães. Redações no vestibular: algumas estratégias.

Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 23, p. 61-71, 1997.

44 LOPES, Alice Casimiro. Parâmetros curriculares para o ensino médio: quando

a integração perde seu potencial crítico. In: LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Disciplinas e integração curricular: histórias e

políticas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p.145-176. 45 LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth (Org.). Currículo: debates

contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002a. 46 LUDKE, M. e ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens

qualitativas. São Paulo: Ed. Pedagógica e Universitária, 1986. 47 MACEDO, Elizabeth. Formação de professores e diretrizes curriculares

nacionais: para onde caminha a educação? In: REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 23., 2000, Caxambu. Anais... Caxambu: ANPED, 2000.

48 ______. Currículo e competência. In: LOPES, Alice Casimiro; MACEDO,

Elizabeth. Disciplinas e integração curricular: histórias e políticas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002b. p.113-143.

49 MACEDO, Lino de. Competências e habilidades: Elementos para uma reflexão pedagógica. In: MORAES, Jair Santana (Org.). Exame nacional do ensino médio (ENEM): fundamentação teórico-metodológica. Brasília: O

Instituto (INEP/MEC), 2005a. 50 ______. Propostas para pensar sobre situações-problema a partir do ENEM.

In: MORAES, Jair Santana (Org.). Exame nacional do ensino médio (ENEM): fundamentação teórico-metodológica. Brasília: O Instituto (INEP/ MEC), 2005b.

51 MACHADO, Irene A. Gêneros discursivos. In: BRAIT, Beth. Bakhtin:

conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. p. 151-166. 52 MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e

compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

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53 ______. Gêneros textuais; configuração, dinamicidade e circulação. In: KARWOSKI, Acir Mário; GAYDECZKA, Beatriz; BRITO, Karin Siebeneicher. Gêneros textuais: reflexões e ensino. 2. ed. ampl. Rio de Janeiro: Lucerna,

2006. .

54 ______.Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Angela et al. Gêneros textuais e ensino. 4. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.

55 ______. A questão do suporte dos gêneros textuais. Pernambuco: UFPE/CNPq, 2003.

56 ______. O papel da linguistica no ensino de língua. Disponível em: <www.marcosbagno.com.br/for_marcuschi.htm. 2000>. Acesso em: 27 fev. 2008.

57 MENEGASSI, Renilson José. Professor e escrita: a construção de comandos de produção de textos. Trabalhos em Linguistica Aplicada, Campinas, n. 42, p. 55-79, jul./dez. 2003.

58 MATENCIO, Maria de Lourdes M. O estudo dos gêneros do discurso: notas sobre as contribuições do interacionismo. In: MACHADO, Ida Lúcia; MELLO, Renato de (Org.). Gêneros: reflexões em análise do discurso. Belo Horizonte:

Faculdade de Letras da UFMG, 2004. v. 1, p. 221-231.

59 MINAYO, Maria Cecília de Souza. Introdução à metodologia da pesquisa social. In: ______. O desafio do conhecimento. São Paulo: Editora Hucitec, 2004. p. 9-88.

60 MORAN, José Manuel. O vídeo na sala de aula. Artigo publicado na revista

Comunicação & Educação. São Paulo, ECA-Ed. Moderna [2]: 27 a 35, jan./abr. de 1995. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/prof/moran/vidsal.htm#apresentação>. Acesso em: 20 ago. 2009.

61 MOREIRA, Herivelto; CALEFFE, Luiz Gonzaga. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

62 MORIN, Edgar. Sete saberes necessários à educação do futuro. São

Paulo: Cortez, 2000.

63 MOTTA-ROTH, Désiree. O ensino de produção textual com base em atividades sociais e gêneros textuais. Revista Linguagem em (Dis)curso,

Florianópolis, v. 6, n. 3, set./dez. 2006.

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64 NASCIMENTO, Elvira Lopes. A transposição didática dos gêneros textuais: uma proposta de trabalho. In: CRISTÓVÃO, Vera Lúcia Lopes; NASCIMENTO, Elvira Lopes (Org.). Gêneros textuais: teoria e prática II.

Londrina, Moriá, 2004 65 NIDELCOFF, Maria T. A escola e a compreensão da realidade. São Paulo,

Brasiliense, 1993.

66 PÉCORA, Alcir. Problemas de redação. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

67 PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Porto

Alegre: Artmed Editora, 1999.

68 ______. Pedagogia diferenciada. Porto Alegre: Artmed Editora, 1999a.

69 ______. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed Editora, 2000.

70 RODRIGUES. Rosane. Hammes: os gêneros do discurso na perspectiva dialógica da linguagem: a abordagem de Bakhtin. In: MEURER, José Luiz; BONINI, Adair; MOTTA-ROTH, Désiree (Org.). Gêneros: teorias, métodos e

debates. São Paulo: Parábola, 2005. p. 152-183.

71 ROJO, Roxane, H.R. Revisitando a produção de textos na escola. In: ROCHA, Gladys; VAL, Maria da Graça C. Reflexões sobre práticas escolares de produção de textos: o sujeito-autor. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

72 ______. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In: MEURER, José Luiz; BONINI, Adair; MOTTA-ROTH, Désiree (Org.). Gêneros: teorias, métodos e debates. São Paulo: Parábola, 2005. p.

184-207. 73 ______ (Org.). A prática de linguagem na sala de aula: praticando os

PCNs. Campinas: Mercado de Letras, 2002.

74 SARMENTO, Manuel Jacinto. O estudo de caso etnográfico em educação. In: ZAGO, N. et al. (Org.). Itinerários de pesquisa: perspectivas qualitativas em

sociologia da educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

75 SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguistica geral. São Paulo: Cultrix, 1994.

76 SAVIANI, Dermeval. Da nova LDB ao FUNDEB: por uma outra política

educacional. 2. ed. São Paulo: Editora Autores Associados, 2008

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77 SCHENEUWLY, Bernard. Gêneros e tipos de discurso: considerações

psicológicas e ontogenéticas. In: SCHENEUWLY, Bernard et al. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004.

78 SERCUNDES, Maria Madalena. Ensinando a escrever: as práticas de sala de aula. In: CHIAPPINI, Lígia. Aprender e ensinar com textos dos alunos. São

Paulo: Cortez, 1997. v. 1. (Coleção Aprender e Ensinar com Textos).

79 SILVA, Ezequiel Theodoro. Livros didáticos: do ritual de passagem à ultrapassagem, 1996. Disponível em: <www.inep.gov.br/download/cibec/1996/periodicos/em_aberto_69.doc ->. Acesso em: 23 fev. 2009

80 TAKAZAKI, Heloísa Harue. Língua portuguesa. São Paulo: Ibep, 2004.

81 TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Tipelementos e a construção de uma teoria

tipológica geral de textos. In: FÁVERO, Leonor Lopes; BASTOS, Neusa M. de O. Barbosa; MARQUESI, Sueli Cristina (Org.). Língua portuguesa, pesquisa e ensino. São Paulo: EDUC/FAPESP, 2007. v. 2, p. 97-117.

82 TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1997.

83 TODOROV, T. Parte I. Gêneros do discurso. Tradução de Elisa Angotti

Kossovitch. São Paulo: Martins Fontes, 1980. p. 11-58.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A –TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO

Em cumprimento ao protocolo de pesquisa, apresento à Escola Estadual de Ensino

fundamental e Médio Zumbi dos Palmares, instituição integrante da rede Estadual de

Ensino do Estado do Espírito Santo e aos funcionários, técnico-pedagógicos e

professores e alunos (sujeitos da pesquisa), o projeto de pesquisa Gêneros e tipos

textuais na concepção do professor e na prática textual dos alunos: uma

investigação sobre a prática de produção de texto no ensino médio, de autoria

da mestranda Maryluce Cerqueira de Souza Viana, como recomendação para a

realização do Mestrado em Educação, do Programa de Pós-Graduação em

Educação, da Universidade Federal do Espírito Santo.

O objetivo da pesquisa é investigar as concepções de gênero e tipologia textual que

embasam práticas pedagógicas de professores de Língua Portuguesa no

desenvolvimento de produção de textos de alunos do 3º. ano do ensino médio.

Como instrumentos de pesquisa, utilizaremos análise de documentos escolares

relacionados com a história da escola, registros de alunos, entrevistas, registros em

diário de campo, gravações em áudio e vídeo e registros em fotografias.

Os dados terão tratamento ético, com garantia de proteção dos nomes dos sujeitos e

autorização da participação dos alunos pelas famílias. O trabalho será realizado a

partir de negociações com os sujeitos envolvidos na pesquisa no decorrer do estudo.

Por isso, solicito sua autorização por meio da assinatura deste Termo de

Consentimento.

Serra,... de.......................de 2008.

______________________________

Maryluce Cerqueira de Souza Viana

Nome do profissional Função Assinatura Telefone

Diretor (a)

Professor

Pedagogo (a)

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APÊNDICE B –TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA PARTICIPAR DE PESQUISA Vitória, ES, .... de .................. de 2008. Prezados Responsáveis pelos alunos e alunas do 3º. Ano do turno Vespertino da Escola Estadual de Ensino médio ................ Sou professora da Área de Língua Portuguesa e, atualmente, estou realizando curso de pós-graduação em nível de Mestrado em Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação, na Linha de Pesquisa Educação e Linguagens, da Universidade Federal do Espírito Santo. O objetivo do projeto de pesquisa é investigar as concepções de gênero e tipologia textual que embasam práticas pedagógicas de professores de Língua Portuguesa no desenvolvimento de produção de textos de alunos do 3º. ano do ensino médio. Dessa forma, para realizar minha pesquisa, preciso proceder à coleta de dados que inclui entrevistas, registros em diário de campo, gravações em áudio e vídeo e fotografias. Nesse sentido, solicito a autorização dos senhores e/ou senhoras para utilizar as imagens por mim captadas e as gravações realizadas em sala de aula e as produções escritas feitas por seu (sua) filho(a) ou aluno que esteja legalmente sob a sua responsabilidade. Esclareço que os dados coletados serão utilizados estritamente para análise e os nomes dos(as) alunos(as) não serão divulgados. Quando for necessário me referir a eles (elas) utilizarei as iniciais do nome, resguardando totalmente a identidade dos (das) participante(s) da pesquisa. Esses dados coletados serão apresentados na dissertação e poderão ser utilizados para publicação. Ao final deste estudo, a minha intenção é contribuir para a melhoria da qualidade do ensino de Língua Portuguesa nas escolas de ensino médio. Maryluce Cerqueira de Souza Viana Professora de Língua Portuguesa Eu, ______________________________________, responsável pelo aluno (a) ____________________________________, da terceira série do ensino médio, da EEEFM Zumbi dos Palmares, autorizo sua participação no projeto de pesquisa, Generos textuais no ensino médio: uma investigação sobre a prática de produção de textos escritos, de autoria da mestranda Maryluce Cerqueira de Souza Viana - PPGE/UFES, concordando com os procedimentos acima apresentados. Assinatura ________________________________ RG: _________________

Serra, _______ de ____________ de 2008.

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APÊNDICE C – ROTEIRO DO FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA Instrumento de pesquisa a ser utilizado para coletar informações destinadas à escola-campo. 1. Nome da escola:

___________________________________________________________________ 2. Endereço: ___________________________________________________________________ 3. Dados históricos:

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 4. Bairros de origem da clientela: _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 5. Aspecto físico:

a) Número de salas de aula: ____________________________________________ b) Condições da sala de aula: ___________________________________________ c) Possui biblioteca? __________________________________________________ Condições de funcionamento: _________________________________________ d) Possui sala ambiente? Quais?_________________________________________ e) Possui sala de professores, sala de direção, coordenação pedagógica, secretaria? Outras?___________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________________________________________________ f) Possui refeitório? ___________________________________________________ g) Possui área livre? Parquinho? Quadra de esportes? _______________________ h) Como são utilizados? ________________________________________________ 6) Organização das turmas: a) Média de alunos por turma: __________________________________________ b) Número de alunos por turno: Matutino______ Vespertino:______ Noturno_______ c) Número de turmas por turno: Matutino: ____________ Vespertino____________ Noturno: ___________

a) Organização das turmas:

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Matutino Vespertino Noturno

7. Recursos Humanos: a) Número de professores por turno: Matutino ____ Vespertino ____ Noturno ____ b) Composição do corpo técnico-administrativo: ____________________________ c) Faxineiras e merendeiras: ___________________________________________ d) Pessoal de apoio: __________________________________________________ 8. Recursos materiais: a) Tipo de material pedagógico existente na escola? ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ b) Recursos audiovisuais: ______________________________________________ ___________________________________________________________________ Como são utilizados e com que frequência? _______________________________ ___________________________________________________________________ 9. Rotina escolar

a) A chegada dos alunos na escola: _____________________________________ ___________________________________________________________________ b) O recreio: _________________________________________________________ ___________________________________________________________________ c) O intervalo entre as aulas: ____________________________________________ ___________________________________________________________________ d) O momento da saída: _______________________________________________ ___________________________________________________________________ e) Outras atividades: __________________________________________________ ___________________________________________________________________ f) Eventos: __________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 10. Usos de gêneros textuais escritos no ambiente escolar

a) Há circulação de gêneros textuais escritos? Quais? ______________________________________________________________________________________________________________________________________ b) São aproveitados como recurso pedagógico?_____________________________ ______________________________________________________________________________________________________________________________________

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APÊNDICE D – FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DAS SALAS DE AULA DA TURMA DA 3ª SÉRIE A TURNO VESPERTINO

1. Aspecto físico: a) Dimensão espacial: _______________________________ b) Mobília: ___________________________________________ c) Acústica;____________________________________________ d) Há ambientes específicos na sala de aula? Quais? _______ e) Materiais escritos expostos? ________________________ 2. A turma: a) Número de alunos: sexo masculino: ________________

sexo feminino: ________________; b) Forma de organização da turma no espaço físico: ________________ c) Número de alunos ingressantes este ano? ________________ d) Número de alunos que estão repetindo a mesma série? ________________ 3. Sobre o trabalho coletivo: a) Há regras para orientar o trabalho e a organização diária: ________________ b) São explicitadas? Como? ________________________ c) São cobradas? Como? ________________________ 4. A rotina diária: ________________

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APÊNDICE E – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS (AS) ALUNOS (AS)

1. Nome do aluno(a): ________________________________________ 2. Endereço completo: _______________________________________ 3. Dados pessoais: a) Data de nascimento ________/_________ /__________ b) Idade: _____________________________________ c) Sexo: ______________________ d) Algum problema de saúde? Qual?_______________________________ 4. Dados da vida escolar

a) Com que idade frequentou pela primeira vez um espaço escolar? ________ b) Com que idade aprendeu a ler e escrever? _________________________ c) Já ficou reprovado alguma vez? __________________________________ Quantas vezes? Em que série? d) Há quantos anos estuda nesta escola? ____________________________ 5. Atividades de leitura e escrita extraescolar: a) Lê jornais? ________________ Quantas horas por dia? _______________ b) Em caso afirmativo, o que mais gosta de ler?_______________________ c) Lê revistas? __________________________________ d) Em caso afirmativo, qual? _____________________________________ 6. Sobre conhecimentos escolares: a) Para você, de que forma a professora deve encaminhar e/ou organizar as solicitações de produção de texto? b) O que acha do produção de textos nas aulas de Língua Portuguesa? 7. Dados familiares: a) Pessoas que moram com você: Quantas e quais? b) Pai: Profissão: _____________________ Trabalho atual: __________________ Renda mensal: _________________ Grau de instrução: ______________ c) Mãe: Profissão; _____________________ Trabalho atual: __________________ Renda mensal: ________________ Grau de instrução: _____________ d) Responsável: _________________ Profissão: _____________________

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Renda mensal: ________________ Grau de instrução: _____________ e) Números de irmãos: (Marque um X) Nenhum ( ) Um irmão/irmã ( ) Dois irmãos ( ) Três irmãos ( ) Mais de três irmãos ( )

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APÊNDICE F – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM O PROFESSOR

Instrumento a ser utilizado para coletar informações para a caracterização do professor da turma envolvido no estudo. 1. Idade: 2. Locais de trabalho: 3. Regime de trabalho: 4. Tempo de magistério: 5. Formação acadêmica: 6. Participação em cursos: 7. Vínculo e participação em Sindicato. 8. Já produziu algum trabalho acadêmico (excluindo monografias e teses)? Em caso afirmativo, informar título e em que situação foi escrito. 9. Suas atividades culturais mais frequentes? 10. Suas leituras mais comuns? 11. O que a levou a escolher a profissão de professor de Língua Portuguesa? 12. Para você o que é linguagem? 13. E a gramática? 14. Qual é linha teórica que embasa a prática na sala de aula e concepção de linguagem? 15. Como planeja as aulas do terceiro ano do ensino médio? 16. O que representa o livro didático nas aulas? 17. Quais os critérios que utiliza para usar as atividades do livro didático? 18. O que você entende por gêneros do discurso/texto? 19. Como você orienta a leitura e a produção escrita desses gêneros? 20. O que você acha do desempenho dos alunos nas produções de textos escritos?

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21. Quais os gêneros que já desenvolveu na sala de aula do terceiro ano do ensino médio? 22. Qual a sua opinião sobre a produção escrita dos alunos do terceiro ano do ensino médio?

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APÊNDICE G – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO EM SALA DE AULA

I. Gêneros textuais escritos que circulam em sala de aula:

a) Identificação dos gêneros e do suporte

b) Tipologia textual

II - Trabalho com a leitura de gêneros textuais:

a) Caracterização da atividade de leitura

- estratégia (oral, silenciosa, dramatizada)

- atividades de interpretação

- enfoque: aspectos discursivos, situação de produção do gênero textual, conteúdos

gramaticais.

III - Trabalho com a produção de gêneros textuais escritos:

a) Orientações para a escritura do texto

b) Orientações para a reescrita do texto

c) Enfoque para a escrita e reescrita: aspectos discursivos, situação de produção do

gênero textual, conteúdos gramaticais.

IV - Os Interlocutores do diálogo: professor-aluno, aluno-aluno ou outros.

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APÊNDICE H – FOLHA DE DIÁRIO DE CAMPO

O diário de campo será utilizado para registro das observações realizadas em sala de aula.

Título da pesquisa: GÊNEROS TEXTUAIS NO ENSINO MÉDIO: UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A PRÁTICA DE PRODUÇÃO DE TEXTOS ESCRITOS. Pesquisadora: Tipo de Observação: Participante Aula nº: Data: Local: Horário: Duração: Enfoques:

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APÊNDICE I – LEVANTAMENTO DOS DIAS EM CAMPO

Mês Dias de observação participante

Dias em que foram realizadas outras atividades em campo

Total

Setembro

16, 18, 23, 25, 30

05 dias

Outubro

06, 07, 09, 10, 13, 14, 16, 17, 20, 21, 23, 24, 27, 28, 30, 31

16 dias

Novembro 03, 04, 06, 11, 13, 14, 17, 18, 20, 24, 25 27, 28

13, 21, 24

16 dias

Dezembro

01, 02, 04, 05, 09, 11

15

07 dias

Total 35 dias 09 44 dias

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APÊNDICE J – Demonstrativo das atividades desenvolvidas nas aulas de Língua Portuguesa AULA DATA ENFOQUE PRINCIPAL DA AULA

01 06.10.08 Conhecimento sobre produção de texto

02 07.10.08 Leitura em voz alta e interpretação oral

03 09.10.08 Filme

04 09.10.08 Filme

05 10.10.08 Debate oral

06 13.10.08 Leitura em voz alta e interpretação oral e produção escrita

07 14.10.08 Conhecimento sobre produção de texto

08 16.10.08 Conhecimento sobre produção de texto

09 16.10.08 Leitura em voz alta e interpretação oral e produção escrita

10 17.10.08 Leitura em voz alta e interpretação oral e produção escrita

11 20.10.08 Produção escrita

12 21.10.08 Conhecimento sobre produção de texto

13 23.10.08 Leitura em voz alta e interpretação oral e produção escrita

14 23.10.08 Conhecimento gramatical

15 24.10.08 Conhecimento gramatical

16 27.10.08 Conhecimento gramatical

17 28.10.08 Reescritura de textos

18 30.10.08 Conhecimento sobre produção de texto

19 30.10.08 Leitura em voz alta e interpretação oral

20 31.10.08 Leitura em voz alta e interpretação oral e produção escrita

21 03.11.08 Conhecimento sobre produção de texto

22 04.11.08 Conhecimento sobre produção de texto

23 06.11.08 Conhecimento sobre produção de texto

24 06.11.08 Produção escrita

25 11.11.08 Conhecimento sobre produção de texto

26 13.11.08 Leitura em voz alta e interpretação oral

27 13.11.08 Produção escrita

28 14.11.08 Conhecimento sobre produção de texto

29 17.11.08 Leitura em voz alta e interpretação oral e produção escrita

30 18.11.08 Produção escrita

31 20.11.08 Conhecimento sobre produção de texto

32 20.11.08 Produção escrita

33 24.11.08 Conhecimento sobre produção de texto

34 25.11.08 Conhecimento sobre produção de texto

35 25.11.08 Conhecimento sobre produção de texto

36 27.11.08 Conhecimento gramatical

37 27.11.08 Conhecimento gramatical

38 28.11.08 Conhecimento sobre produção de texto

39 01.12.08 Produção escrita

40 02.12.08 Conhecimento sobre produção de texto

41 04.12.08 Conhecimento sobre produção de texto

42 04.12.08 Conhecimento sobre produção de texto

43 05.12.08 Produção escrita

44 09.12.08 Conhecimento sobre produção de texto

45 11.12.08 Conhecimento sobre produção de texto

46 11.12.08 Conhecimento sobre produção de texto

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ANEXO

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ANEXO A – (Veja-1855 – Seção Ponto de Vista: “A maquiagem do monstro” de Claúdio de Moura Castro)

Edição 1855 . 26 de maio de 2004 Ponto de vista: Claudio de Moura Castro

A maquiagem do monstro "Obter justiça social na entrada da universidade é como tentar maquiar

o Frankenstein. Batom, ruge e pó-de-arroz não conseguirão reduzir sua feiúra"

O Brasil não é um país sem políticas sociais. Pelo contrário, nós as temos em abundância. O problema é que elas tendem a ajudar os que menos precisam. Sendo assim, devemos festejar um novo intento de aliviar as injustiças da nossa sociedade. O MEC pretende

reservar 50% das vagas de suas universidades para os alunos de escolas públicas, sabidamente mais pobres que os das particulares. Quando nada, evitamos os pesadelos de implementar cotas raciais.

Mas parece-nos que ainda não é desta vez que acertaremos. Mal comparando, obter justiça social na entrada da universidade é como tentar maquiar o Frankenstein. Batom, ruge e pó-de-arroz não conseguirão reduzir sua feiúra.

Isso porque o problema se origina na falta de qualidade do ensino fundamental, o que impede 40% dos alunos de terminá-lo. Do contingente já desfalcado que chega ao ensino médio, quase metade soçobra antes de completar o curso. Os que terminam também não aprenderam muito. Em ambos os níveis, são os pobres (brancos e negros) que ficam travados no meio do caminho. As políticas que incidem às vésperas do vestibular

beneficiam no máximo um em cinco pobres.

Melhorar o ensino público básico é a única política que enfrenta o real problema de eqüidade. Infelizmente, não é uma política de charme, pois seus resultados custam a aparecer.

Não é irrelevante ampliar as chances de entrar no ensino superior desse pequeno grupo que conclui o ensino médio. Aumentar sua capacidade de competir nos vestibulares é, talvez, o melhor que se pode fazer tão tardiamente. Nesse particular, merecem louvor as tentativas de criar cursinhos pré-vestibulares de qualidade para clientelas mais pobres.

Contudo, é justo pensar também em alternativas de melhorar as chances dos sobreviventes. A questão é saber a que custo. Lembremo-nos: o ensino superior não é um nível obrigatório. Portanto, não pode ser sacrificado por razões de eqüidade.

A ideia de cotas para os alunos das escolas públicas parece atraente. Mas, na prática, traz problemas graves. O primeiro é de princípio. No ensino superior, sobretudo nas universidades públicas – extraordinariamente caras –, deve reinar o princípio da meritocracia intelectual, no qual pode mais quem sabe mais e sobe mais quem sabe mais. Uma violação à força bruta dessas regras não se faz sem graves prejuízos para uma instituição em que o mérito é fundamental. As soluções apropriadas para o Brasil deveriam ser muito mais complexas e matizadas, em cada caso, fixando-se as cotas em níveis em que a perda de qualidade seja aceitável (há estudos sobre o assunto).

Nos Estados Unidos, onde houve a chamada ação afirmativa a favor das minorias étnicas, as instituições deviam atingir certo equilíbrio entre brancos e negros. Mas, como o processo de recrutamento sempre foi assunto interno das instituições, elas saíam

garimpando os negros de melhor desempenho. Isso é diferente do estabelecimento mecânico de cotas, que desconsidera o desnível dos beneficiados por elas.

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No caso brasileiro, se as cotas propostas forem para a universidade pública como um todo, não vão fazer diferença, pois metade dos alunos já vem de escolas públicas. É

muita vela para pouco defunto. Mas, se as cotas forem dentro de cada curso, nesse caso realmente vão provocar uma mudança de clientela. Exceto no caso das escolas de aplicação das universidades e das escolas técnicas federais – que já são elitizadas – serão recrutados alunos dramaticamente menos preparados para as carreiras mais competitivas. Por exemplo, na medicina e no direito da USP, os alunos que entrarem pelas cotas terão uma pontuação 54% menor no vestibular. Na Universidade Federal de Minas Gerais, somente 10% dos candidatos ao curso de medicina egressos das escolas estaduais atingem a pontuação requerida para passar para a segunda fase. Estaremos comprometendo a qualidade em carreiras muito críticas para o país.

Seria interessante fazer uma pesquisa de opinião dentro do MEC para saber quem votaria pelas cotas se isso implicasse o compromisso de ter de se tratar somente com os médicos selecionados dessa forma.

Claudio de Moura Castro é economista

([email protected].)