gêneros textuais e ensino de língua materna

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GÊNEROS TEXTUAIS E ENSINO DE LÍNGUA MATERNA Faraco (2000) afirma que podemos encontrar em Bakhtin os pressupostos necessários para o ensino de Língua Portuguesa nas escolas, também porque esse autor atribui um novo enfoque para a relação homem/linguagem/sociedade, enfim entender a mudança de concepção de linguagem que seja voltado para o fenômeno de interlocução viva. “A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta” (BAKHTIN, 1986), ou seja, a linguagem é como um intercâmbio entre os sujeitos historicamente estabelecidos. Entendemos, a partir de Bakhtin, que a linguagem deve ser entendida como um produto de interação do sujeito com o mundo e com os outros. A concepção de linguagem de Bakhtin fundamenta uma proposta lingüística pedagógica interacional, portanto, dá um suporte inicial necessário para uma mudança qualitativa no ensino tradicional da língua. A língua é viva, produzida historicamente, e ao mesmo tempo, produtora da história humana. Para Bakhtin, a língua materializa-se nas diversas enunciações, em diferentes situações sociais, através dos gêneros discursivos. O “querer dizer do locutor se realiza acima de tudo na escolha de um gênero discursivo”. (BAKHTIN, 1992, p.301). O ensino de diversos gêneros que socialmente circulam entre nós, além de ampliar sobremaneira a competência lingüística e discursiva dos alunos, aponta inúmeras formas concretas de participação social.

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Gêneros textuais e ensino de língua materna

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Page 1: Gêneros textuais e ensino de língua materna

GÊNEROS TEXTUAIS E ENSINO DE LÍNGUA MATERNA

Faraco (2000) afirma que podemos encontrar em Bakhtin os pressupostos

necessários para o ensino de Língua Portuguesa nas escolas, também porque esse autor

atribui um novo enfoque para a relação homem/linguagem/sociedade, enfim entender a

mudança de concepção de linguagem que seja voltado para o fenômeno de interlocução

viva. “A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta”

(BAKHTIN, 1986), ou seja, a linguagem é como um intercâmbio entre os sujeitos

historicamente estabelecidos. Entendemos, a partir de Bakhtin, que a linguagem deve

ser entendida como um produto de interação do sujeito com o mundo e com os outros.

A concepção de linguagem de Bakhtin fundamenta uma proposta lingüística

pedagógica interacional, portanto, dá um suporte inicial necessário para uma mudança

qualitativa no ensino tradicional da língua.

A língua é viva, produzida historicamente, e ao mesmo tempo, produtora da

história humana. Para Bakhtin, a língua materializa-se nas diversas enunciações, em

diferentes situações sociais, através dos gêneros discursivos. O “querer dizer do locutor

se realiza acima de tudo na escolha de um gênero discursivo”. (BAKHTIN, 1992,

p.301).

O ensino de diversos gêneros que socialmente circulam entre nós, além de

ampliar sobremaneira a competência lingüística e discursiva dos alunos, aponta

inúmeras formas concretas de participação social.

Um processo de ensino-aprendizagem que priorize o trabalho com os diferentes

gêneros do discurso, prepara o aluno para as diferentes práticas lingüísticas, e também

amplia sua compreensão da realidade, apontando-lhe formas concretas de participação

social como cidadão.

Quando um aluno aprende a produzir, por exemplo, uma carta do leitor para ser

enviada a um jornal ou revista, toma consciência de que pode como cidadão, manifestar

seus pontos de vista, opinar e interferir nos acontecimentos do mundo concreto.

A escola deve trabalhar com os mais diversos gêneros que circulam socialmente

como, por exemplo, no jornalismo: a notícia, o editorial, a reportagem, o artigo de

opinião, a carta do leitor, etc., para que os alunos sejam preparados para as situações de

interação existentes na sociedade em que vivem e, assim possam agir de forma crítica e

consciente em relação a assuntos e situações do dia-a-dia. Os gêneros devem ser

periodicamente retomados e seu estudo aprofundado e ampliado, de acordo com a série,

Page 2: Gêneros textuais e ensino de língua materna

com o grau de maturidade dos alunos, com suas habilidades lingüísticas e com a área

temática de seu interesse.

Segundo Faraco e Castro (2000), o professor deve incentivar o aluno a refletir

sobre as diferenças existentes entre os gêneros, assim como o papel desses no processo

social de interação verbal a que ele poderá ser exposto, fora do ambiente escolar.

É possível que até algum aluno, ao se apropriar dos procedimentos que

envolvem a produção de crônica, não apresente tanta habilidade quanto outro aluno,

mas ele poderá, por exemplo, produzir textos publicitários muito criativos ou ser um

ótimo argumentador em debates públicos em textos argumentativos escritos. Por isso,

em relação à avaliação das produções textuais dos gêneros, devemos abandonar os

critérios quase exclusivamente literários ou gramaticais e deslocar seu foco para outro

ponto: o bom texto não é aquele que apresenta, ou só apresenta características literárias,

mas aquele que é adequado à situação comunicacional para tanto, aspectos como a

adequação ao conteúdo, da estrutura e da linguagem como um todo e o cumprimento da

finalidade que motivou a produção.

Bezerra (2005) afirma que em qualquer contexto social ou cultural que envolva a

leitura e /ou escrita é um evento de letramento, o que implica a existência de inúmeros

gêneros textuais, culturalmente determinados, de acordo com as diferentes instituições e

usados em situações comunicativas reais. Os estudos sobre letramento investigam as

práticas sociais que envolvem a escrita, seus usos, funções e efeitos sobre o indivíduo e

a sociedade como um todo.

Rossi (2003) afirma que a produção escrita implica em atividades de leitura para

que os alunos se apropriem das características dos gêneros que produzirão. Por isso, a

autora sugere que antes de iniciar um trabalho pedagógico de produção escrita de

gêneros o professor deve propor aos alunos um trabalho didático de leitura, para ocorrer

a apropriação do gênero a ser produzido.

Marcuschi (2005) relata que a escrita é usada em contextos sociais básicos da

vida cotidiana, como por exemplo, o trabalho, a escola, o dia-a-dia, a família, a vida

burocrática, atividade intelectual, em paralelo direto com a oralidade. Em cada um

desses contextos, as ênfases e os objetivos da escrita são variados e diversos, fazendo

surgir gêneros textuais e formas comunicativas.

O ensino de língua deve oferecer incentivos e meios para que os alunos leiam,

desenvolvam a competência de compreender e produzir textos nas mais diversas

Page 3: Gêneros textuais e ensino de língua materna

situações de interação. Enfim, o texto é produto de uma determinada visão de mundo,

de uma integração, de um momento de produção histórica e socialmente marcado.

A leitura da literatura de ficção de não-ficção, de jornais, revistas, enfim de

vários gêneros que circulam na sociedade é uma forma de oferecer condições para que

os alunos ampliem seus conhecimentos e assim possam desenvolver o raciocínio, o

senso crítico, a compreensão do real, a curiosidade intelectual, que são essenciais para a

constituição de uma sociedade mais politizada.

A partir destas reflexões, o que se pretende é que o ensino de língua materna se

torne mais concreto, que o espaço de sala de aula seja um ambiente de interlocução viva

entre alunos e professores.

Em vista estas considerações, escolhemos para aprofundamento, neste artigo, dentre os

muitos gêneros textuais existentes em nossa sociedade, o gênero cartas do leitor.

CARTAS DO LEITOR

Bezerra (2005) afirma que o gênero cartas do leitor são uma espécie de

subgênero carta. Isto porque as cartas têm em comum a estrutura básica, (como por

exemplo, o núcleo da carta). No entanto, as cartas são variadas em suas formas de

realização, em seus objetivos, intenções, propósitos (carta pedido, carta resposta, carta

pessoal, carta ao leitor...).

As cartas do leitor diferenciam-se um pouco das cartas tradicionais por

abordarem diretamente o assunto a ser discutido, por serem curtas e não apresentarem as

saudações (prezado senhor, querido amigo), nem as despedidas tradicionais (um grande

abraço).

Nos jornais e revistas, há um espaço próprio destinado para que as cartas dos

leitores sejam publicadas. Quando uma carta é enviada para a publicação, o leitor

precisa identificar-se colocando nome completo, o nº. de identidade e endereço e é

responsabilizado pelo que escreve. Nem todas as cartas são publicadas, pois passam por

uma seleção e podem ser resumidas ou parafraseadas. Cada jornal ou revista segue

critérios próprios de publicação.

O propósito comunicativo de uma revista ou jornal pode variar. Os temas podem

ser diferentes, assim como um mesmo assunto pode ser abordado de formas variadas.

Cada um tem um público alvo (homem, mulher, jovem, criança). Estes fatores

influenciam os leitores frente às reportagens, notícias, em outras pedem conselhos,

Page 4: Gêneros textuais e ensino de língua materna

orientações, sobre assuntos relacionados à adolescência: gravidez e relacionamentos

pessoais.

A publicação das cartas segue normas, que variam de acordo com cada revista ou jornal,

como por exemplo, as que são enviadas à Revista Veja devem trazer assinatura, o

endereço, o número da identidade e o telefone do autor. A seleção das cartas parte de

alguns critérios como clareza, conteúdo, que são adotados pela direção da revista.

Também, não há espaço para a publicação de todas as cartas recebidas. Assim, são lidas,

analisadas e somente publicadas as selecionadas pelo editor da seção Cartas e pela

direção da Veja.

Além disso, os objetivos das revistas ou jornais devem ser observados. Não se

escreve para uma revista de informação como a Veja da mesma forma que se escreve

para a revista Capricho, como podemos verificar nas seguintes cartas publicadas em

julho de 2008:

Galeraa, Capricho, eu gostariaa de pedir novamente que vocês

façam uma matéria sobre a luta livre (WWE). Sou fanática e

gostaria de saber mais, muito mais desse esporte.

Obrigadaa, Bzo Laizinha Hardy

Laizinha Hardy

Campinas-SP

FÁBULAS

As fábulas pertencem ao grupo de histórias criadas pela tradição oral,

juntamente com os contos de fadas, as lendas e os mitos. Elas são um tipo de narrativa

que se caracterizam pela estrutura simples, são pequenas histórias que têm a intenção de

transmitir “lição de moral”, ou seja, refletir sobre concepções de viver. Esta moral da

fábula não constitui uma conclusão definitiva. Portanto a moral pode variar de acordo

com quem lê a história.

A origem da fábula é oriental e muitas foram encontradas no Egito antigo e na

Índia, mas ficaram conhecidas no Ocidente graças, principalmente, a fontes gregas, em

especial a de Esopo, escravo grego que teria vivido no século V a.C. Esopo criava

histórias baseadas em animais para mostrar como devemos agir com sabedoria. Suas

fábulas foram reescritas em versos por Fedro, escravo romano, e no século XVII d.C.

por Jean de La Fontaine, um poeta francês. La Fontaine criava suas histórias com um

único objetivo: tornar os animais os principais agentes da educação dos homens. Para

Page 5: Gêneros textuais e ensino de língua materna

isso, os animais foram colocados em situações que serviam de exemplos para todos, ou

seja, tornaram-se símbolos.

No Brasil, o grande responsável por reavivar as antigas fábulas foi Monteiro

Lobato, que ao final de suas narrativas oportuniza às crianças opinarem sobre a

possibilidade de alteração da história ou da moral sugerida, e criticarem as atitudes que

consideram errôneas e moralistas ou seja, embora mantenha a idéia de que a fábula

tenha uma moral, Lobato sugere que o leitor deva tirar sua própria conclusão.

ESTRUTURA DA FÁBULA

• Histórias curtas: há um só conflito, isso resulta numa narrativa resumida;

• Diálogo: no que se refere à linguagem, a fábula é objetiva gerando poucas descrições e

muitos diálogos;

• Personagens: os animais são usados como personagens que representam virtudes,

defeitos e características dos seres humanos. São utilizados de forma simbólica para

criticar ou exaltar esses comportamentos;

• Moral: a moral escrita no final da fábula reproduz um provérbio, um dito popular,

cujos temas principais são lealdade, generosidade e as virtudes do trabalho.

A CABRA E O ASNO

Uma cabra e um asno comiam ao mesmo tempo no estábulo. A cabra começou a

invejar o asno porque acreditava que ele estava melhor alimentado, e lhe disse:

- Tua vida é um tormento inacabável. Finge um ataque e deixa-te cair num fosso

para que te dêem umas férias.

Aceitou o asno o conselho, e deixando-se cair, machucou todo o corpo.

Vendo-o o amo, chamou o veterinário e lhe pediu um remédio para o pobre.

Prescreveu o curandeiro que necessitava uma infusão com o pulmão de uma cabra, pois

era muito eficiente para devolver o vigor. Para isso então degolaram a cabra e assim

curaram o asno.

Moral da História:

Em todo plano de maldade, a vítima principal sempre é seu próprio criador

Esopo

A CERVA NA GRUTA DO LEÃO

Page 6: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Uma cerva que fugia de uns caçadores, chegou a uma gruta onde não sabia que

morava o leão. Entrando nela para se esconder, caiu nas garras do leão. Vendo-se sem

remédio, perdida, exclamou:

- Infeliz de mim! Fugindo dos homens, caí nas garras de um feroz animal.

Moral da História:

Se tratas de sair de um problema, busca uma saída que não seja cair em outro.

Esopo

A CERVA TORTA

Uma cerva a qual faltava um olho, passeava à beira-mar, voltando seu olho

intacto em direção à terra para observar a possível chegada de caçadores, e dando ao

mar o lado que faltava o olho, pois dali não esperava nenhum perigo. Mas resultou que

uma gente navegava por este lugar, e ao ver a cerva, abateram-na com seus dardos. E a

cerva agonizando, disse para si:

- Pobre de mim! Vigiava a terra, que acreditava cheia de perigos, e o mar, que

considerava um refúgio, me foi muito mais funesto.

Moral da História:

Nunca excedas a valoração das coisas. Procura ver sempre suas vantagens.

Esopo

A FORMIGA

Diz uma lenda que a formiga atual era em outros tempos um homem que,

consagrado aos trabalhos de agricultura, não se contentava com o produto de seu

próprio esforço, senão que olhava com inveja o produto alheio e roubava os frutos de

seus vizinhos.

Indignado Zeus pela avareza deste homem, transformou-o em formiga.

Porém ainda que tenha mudado de forma, não mudou seu caráter, pois até hoje

percorre os campos e recolhe o trigo e a cevada alheios e os guarda para seu uso.

Moral da História:

Ainda que aos malvados se lhes castigue severamente, dificilmente mudarão sua

natureza.

Esopo

A FORMIGA E A POMBA

Page 7: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Uma formiga foi à margem do rio para beber água, e, sendo arrastada pela forte

correnteza, estava prestes a se afogar.

Uma pomba que estava numa árvore sobre a água, arrancou uma folha, e a

deixou cair na correnteza perto dela. A formiga, subiu na folha, e flutuou em segurança

até a margem.

Pouco tempo depois, um caçador de pássaros, veio por baixo da árvore, e se

preparava para colocar varas com visgo perto da pomba que repousava nos galhos

alheia ao perigo.

A formiga, percebendo sua intenção, deu-lhe uma ferroada no pé. Ele

repentinamente deixou cair sua armadilha, e isso deu chance para que a pomba voasse

para longe a salvo.

Moral da História:

O grato de coração sempre encontrará oportunidades para mostrar sua gratidão.

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Como sugestão de tema para carta de reclamação, vejam essa proposta da UFES

(Universidade Federal do Espírito Santo). Se desejarem, enviem suas cartas para mim

que eu terei prazer em corrigi-las e comentá-las.

O brasileiro tem feito inúmeras reclamações relacionadas à prestação de serviços,

tanto públicos como privados. Redija uma carta ao departamento de vendas de uma

empresa de plano de saúde ou de telefonia, apresentando seu pedido de desligamento

em decorrência de sua insatisfação com os serviços prestados.

Sugestões:

1. Procure detalhar com objetividade e precisão quais foram os eventos que geraram sua

insatisfação com os serviços prestados (convenhamos: não é preciso muita imaginação

para pensar em, pelo menos, meia dúzia de possibilidades); portanto, evite fazer alusões

genéricas sobre a incompetência, por exemplo, da empresa prestadora de serviços;

2. O pedido de desligamento precisa ser acompanhado de um tom firme, mas educado.

Não é xingando o responsável pelo setor de vendas que você irá justificar seu pedido,

certo?

3. A interlocução e a criação das imagens de emissor e receptor também fazem parte da

construção desse tipo de carta. Você pode, por exemplo, chamar a atenção do receptor

Page 8: Gêneros textuais e ensino de língua materna

(interlocutor) sobre sua frustração em relação à empresa, pois esperava, por seu renome,

que ela oferecesse serviços de melhor qualidade.

CARTA DE RECLAMAÇÃO

À:

Nome da Empresa

No que diz respeito ao pedido nº (informar), realizado em (informar a data), venho

manifestar meu descontentamento, pois a entrega estava prevista para, no máximo, até o

dia (informar).

Ou seja, já se passaram (xxx) dias no prazo limite de entrega e até o momento não

recebi as mercadorias adquiridas ou qualquer explicação consistente sobre o ocorrido.

Dessa forma, caso o pedido não seja entregue até o dia (informar), a compra deve ser

considerada cancelada, ficando, desde já, solicitada a restituição dos valores pagos.

ou utilizar o parágrafo abaixo

Dessa forma, venho solicitar o cancelamento imediato do pedido, pois já desisti da

compra em função do descumprimento do prazo de entrega, de modo que requeiro a

restituição dos valores pagos.

Aguardo resposta.

A PRODUÇÃO DE CARTAS DE RECLAMAÇÃO: SEMELHANÇAS ENTRE

TEXTOS DE ADULTOS E CRIANÇAS

SILVA, Leila Nascimento da – UFPE∗

GT-10: Alfabetização, Leitura e Escrita

Agência Financiadora: CAPES

De acordo com os estudos realizados por Schneuwly e Dolz (2004), o gênero

textual “carta de reclamação” estaria dentro da ordem do argumentar, uma vez que o

mesmo apresenta uma predominância de seqüências tipológicas argumentativas. Estes

Page 9: Gêneros textuais e ensino de língua materna

textos teriam como função primordial convencer o leitor de algo. São exemplos, as

cartas ao leitor, os textos de opinião, as resenhas críticas e as dissertações.

No texto predominantemente argumentativo, a presença de um diálogo é

marcante, visto que a relação escritor/leitor é muito próxima e dependente. Para lançar

mão de um argumento, se faz necessário refletir sobre o que os possíveis interlocutores

podem pensar a respeito da situação de produção e do texto criado. Essa habilidade de

lidar com diferentes leitores só pode ser adquirida pelas crianças no ato das produções

orais e escritas, em situações semelhantes às que acontecem fora da escola.

Além desse pensar sobre o destinatário do texto a ser escrito, uma questão

primeira emerge: a relevância do ato de argumentar naquela determinada situação. Para

que haja a necessidade de argumentar é preciso que exista um assunto que dê margens a

um debate, proposições que justifiquem e/ou refutem a declaração, enfim, alguém

apresentando resistências.

Apesar dessa predominância argumentativa, pode-se lançar mão, em seu corpo,

de outras seqüências tipológicas, o que faria a carta de reclamação ser chamada de texto

heterogêneo (Bronckart, 1999).

No levantamento bibliográfico, fomos à procura de materiais que trouxessem

informações mais específicas sobre esse gênero. No entanto, detectamos uma escassez

de publicações, apenas uma foi encontrada (Wilson, 2001). Foi possível encontrarmos

um número maior de estudos sobre outros subgêneros da carta, como carta de pedido de

conselho (Cristóvão, Durão, Nascimento e Santos, 2006) e carta à redação (Melo,

1999).

Então, diante dessa constatação, buscaremos apresentar não só de Wilson, mas

também o estudo de Melo que trás contribuições para um melhor entendimento do

referido gênero textual.

A pesquisa de Wilson (2001) teve como objetivo maior refletir sobre a

problemática que envolve a categorização dos gêneros do discurso, especialmente, no

que diz respeito ao gênero textual carta. Em particular se deteve na carta de reclamação

e algumas questões se fizeram presentes: Como distinguir tipologicamente uma carta de

reclamação de uma carta pessoal ou de um pedido se não forem estabelecidos

parâmetros flexíveis? Como enquadrar cartas de reclamação em que são empregadas

diferentes estruturas discursivas?

O corpus de análise foi de cartas de reclamação escritas por proprietários de

imóveis residenciais de classe média e média alta de um importante centro urbano do

Page 10: Gêneros textuais e ensino de língua materna

país, dirigidas a uma empresa do ramo da construção civil. Nestas cartas era observada,

especificamente, a dimensão afetiva e como esses reclamantes atuam diante de uma

situação de confronto.

Para uma abordagem mais completa, as cartas de reclamação foram interpretadas

em sua natureza tipológica, atentando, assim, para aspectos importantes de sua

constituição.

Um deles é o nível das estruturas discursivas e dos recursos lingüísticos típicos de cada

nível.

Foi constatado, entre outras coisas, que ao expor um problema referente a um

dano material, o reclamante lança mão da estrutura narrativa para relatar o problema ou

da estrutura descritiva para informar minuciosamente o tipo de dano material ocorrido.

Wilson salienta, no entanto, que o emprego de tais estruturas concorre para dar a

impressão de que a função referencial ocupa o plano principal, quando, na verdade, o

foco, o conteúdo informacional dessas cartas é uma reclamação.

A reclamação, por sua vez, como ato e objeto, traduz uma informação que

envolve a expressão de um estado psicológico, em geral de insatisfação. Por isso, não há

como não se referir à função expressiva que nelas aparece, nem deixar de chamar a

atenção para o fato de que estruturas expressivas se superpõem ou se entrecruzam às

estruturas narrativa e descritiva e também às expositivo-argumentativas. Na verdade, a

autora do estudo quer ressaltar que a afetividade também está presente na carta de

reclamação e deve ser objeto de investigação.

A partir dessa observação, uma outra conclusão foi tirada: a certeza de que para

compreender a reclamação se faz necessário um rastreamento das suas condições de

produção, uma vez que o querer-dizer do locutor se realiza acima de tudo na escolha de

um gênero do discurso que, por sua vez, apresenta uma relação imediata com a

realidade existente, além de ser constituído como uma resposta a enunciados anteriores

dentro de uma dada esfera comunicativa e social. Ou seja, não é possível, ao analisar

cartas de reclamação, se prender apenas ao material lingüístico, exposto como resultado

final. As decisões que tomamos na hora da escrita (Uso uma linguagem mais formal?

Qual palavra é a mais apropriada neste caso? Como denuncio sem ser grosseira?)

dependem da nossa intenção com aquele texto, das nossas condições de produção .

Tudo isso pôde ser visto nas cartas. Wilson, por exemplo, percebeu que em

muitas delas o escritor utiliza o pedido como força ilocucionária para atenuar o grau de

ofensa latente na reclamação. Desta forma, evitando afirmativa do tipo “venho aqui para

Page 11: Gêneros textuais e ensino de língua materna

fazer uma reclamação”, o autor da carta acaba empregando mais freqüentemente a

forma verbal “solicitar” ou o seu correlato “pedir”. Isso demonstra que selecionamos as

palavras segundo as especificidades do gênero e, sobretudo, pela nossa intenção.

Em seu corpus, a estudiosa também observou uma composição mista em função

do significado afetivo construído na interação cliente/empresa. Ou seja, foi possível

encontrar cartas de reclamação que ora foram escritas de forma não-ofensiva, buscando

não romper definitivamente com os laços de camaradagem e reciprocidade (afeto

positivo) e ora foram produzidas em tom de ameaça velada em virtude de atitude

vitimizada para envolver (negativamente) o reclamado, colocando-o na condição de

culpado.

Wilson chama a atenção para esse jogo distanciamento/alinhamento afetivo. Pois

ele faz emergir um sentimento de ambivalência, produzindo um efeito misto: uma carta

de cunho pessoal em que o locutor age às vezes como pessoa e outras vezes como

consumidor, misturando as relações formais às mais informais. Como resultado disso,

os (as) reclamantes acabam empregando em seus textos modos de organização mais

fixos e padronizados em meio a outras formas socialmente pouco recomendáveis ou

aprovadas em contextos de natureza semi-institucional.

Embora algumas cartas apresentem organizações não recomendáveis, estas não

deixam de ser cartas de reclamação. Apesar da existência de formas padronizadas e

típicas já disponíveis, a constituição dos gêneros de discurso vão se ajustando às novas e

diferentes realidades. Ratificamos, portanto, o posicionamento de Wilson: não há como

estudar tal gênero sem essa flexibilidade e sem uma análise das condições de produção,

pois são elas que podem nos ajudar a entender o porquê de tal reclamação e porque tal

forma de escrita foi escolhida.

Outro estudo que traz importantes descobertas, embora não tenha o gênero

“carta de reclamação” como objeto de análise especificamente, é a pesquisa de Melo

(1999) sobre carta à redação. A pesquisadora, assim como Wilson, levanta uma

discussão sobre o discurso pessoal e impessoal nas cartas. Ela analisou 293 cartas

publicadas nos jornais O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, O Globo e Jornal do

Brasil, que traziam comentários sobre as seguintes reportagens: a greve dos petroleiros

(esfera pública), a agressão à imagem de Nossa Senhora Aparecida pelo bispo Sérgio

Von Helde e sobre a possível homossexualidade de Zumbi dos Palmares (ambas da

esfera privada).

Page 12: Gêneros textuais e ensino de língua materna

A hipótese levantada neste estudo é a de que cada tipo de discurso apresenta

marcas textuais próprias, ou seja, discursos que abordam temas de caráter público têm

características "x", diferenciando-se de discursos que abordam temas de caráter privado

que, por sua vez, têm características textuais "y". Melo, então, buscou verificar se isso

realmente ocorre e como as características se materializam nas cartas.

Em seus resultados, a estudiosa pôde ver sua hipótese comprovada. Percebeu

que, de fato, quando se trata de assuntos da esfera privada, não se convence o outro

exclusivamente através da argumentação lógica:

(...) o debate não se centra na objetividade dos argumentos, não importa se a

origem do debate é objetiva ou racional; busca-se, isto sim, a simpatia, a boa vontade do

interlocutor. Assim, com relação aos temas religiosidade e sexualidade, as opções dos

sujeitos não são consideradas mutáveis com base em argumentos: ou é fé ou é

preferência (pp. 39).

As pessoas que escreveram sobre “homossexualidade de Zumbi” e “chute na

santa” parecem supor não poder mudar a opinião do outro. Diante disso, investem bem

mais em marcar sua própria posição. O resultado dessa posição é o uso freqüente do

emprego de pronomes e verbos em primeira pessoa para marcar a subjetividade no

discurso.

Já com relação aos temas da esfera pública, constatou-se que os escritores das

cartas buscavam, sim, a adesão do outro à sua causa. Supostamente, com argumentos

objetivos.

Para conseguir este efeito de persuasão, usaram uma estratégia argumentativa

que imaginavam eficaz, cujo efeito é de "objetividade": imprimiram ao texto um tom

impessoal, esconderam-se atrás de uma suposta voz coletiva, dissimulando o caráter

autoritário/pessoal do seu discurso, utilizando-se para isso de expressões como: "fala-

se", "comenta-se", "todos dizem que", etc. (Melo, pp. 39) Como se pode perceber há

estruturas discursivas diferenciadas quando se trata de assuntos da esfera pública e

privada nas cartas. Acreditamos que esse mesmo movimento discursivo ocorra em

cartas de reclamação propriamente. Possivelmente, as que envolvem temáticas da esfera

pública apresentem características textuais distintas das cartas relacionadas à esfera

privada.

No caso do nosso estudo, o tema da produção foi da esfera pública (reclamações

sobre a escola na qual se estuda), de modo geral, buscamos investigar se os textos dos

nossos alunos são semelhantes às cartas de reclamação de circulação social efetiva, ou

Page 13: Gêneros textuais e ensino de língua materna

seja, averiguar se a estrutura e estratégias usuais das cartas de circulação são

encontradas nas cartas das crianças. Mais especificamente, era nossa intenção identificar

os componentes e modelos textuais mais encontrados em Cartas de Reclamação escritas

por adultos fora da escola. Em seguida, verificar se tais componentes também estavam

presentes nas cartas das crianças; e por fim, identificar se os modelos textuais mais

adotados pelos adultos também foram os mais adotados pelas crianças.

METODOLOGIA

Participaram da pesquisa alunos de seis turmas (duas turmas de 2ª séries, duas de

4ª e duas de 6ª) que estudam na Rede Pública de Ensino. De cada série selecionamos

apenas 20 textos, totalizando, assim, 60 cartas. Excluímos da amostra todos os textos

não atenderam ao comando da atividade solicitada ou foram escritos de forma não

convencional e ilegível. Mesmo com tais critérios tivemos um número maior de textos,

então, optamos ainda por realizar um sorteio.

As cartas coletadas foram escritas ao final de uma seqüência de atividades que

explorava o gênero “Carta de Reclamação”. A intenção com tais momentos era a de

ativar os conhecimentos prévios das crianças e contribuir para construção de

representações/conhecimentos sobre tal gêneros e também outros tipos de cartas.

Primeiro aconteceu uma conversa com toda a turma sobre a escola e seus

problemas. Em seguida, os alunos leram e analisaram cartas variadas (carta de amor,

carta de reclamação, carta à redação,). Criado o contexto de produção, os alunos

partiram para conhecer melhor a carta de reclamação. Analisaram coletivamente e com

a ajuda da professora uma carta de reclamação, depois analisaram outras cartas em

pequenos grupos.

Após todo esse processo, foram convidados a produzirem uma carta de

reclamação para o (a) diretor(a) da escola.

Para traçar o paralelo com os textos das crianças, selecionamos 20 (vinte) cartas

de reclamação de circulação social. Estes textos foram retirados de várias fontes

(sindicatos, cartas publicadas em sites de denúncia, cartas escritas por pessoas de nosso

circulo social).

RESULTADOS

Page 14: Gêneros textuais e ensino de língua materna

As cartas de reclamação de circulação extra-escolar

As observações feitas das cartas de reclamação de circulação social trouxeram

informações bastante relevantes sobre como, possivelmente, se caracterizaria tal gênero.

Também nos ajudou a perceber como comumente é construída sua cadeia

argumentativa.

Foi possível identificar sete componentes textuais que configurariam uma carta

de reclamação. São eles: 1) indicação do objeto alvo de reclamação; 2) justificativa para

convencimento de que o objeto pode ser (merece ser) alvo de reclamação 3) indicação

de sugestões de providências a serem tomadas; 4) justificativa para convencimento de

que a sugestão é adequada; 5) Indicação das causas do objeto alvo da reclamação; 6)

Contraargumentação relativa ao objeto alvo de reclamação; 7) Contra-argumentação

relativa às sugestões.

Nestas cartas de circulação, os componentes 1 (indicação do objeto alvo de

reclamação) e 2 (justificativa da reclamação) foram os que mais apareceram. Estavam

presentes em todos os 20 textos analisados. Desta forma, para reconhecermos que uma

carta é uma carta de reclamação precisamos identificar a indicação do objeto alvo da

denúncia e o movimento de justificação da relevância de tal indicação.

Em seguida, encontramos um amplo uso do componente 3, a indicação de

sugestões tendo em vista a resolução do problema, que teve 12 aparições (60%). Tal

componente esteve muito presente nos textos analisados, constituindo uma estratégia de

mostrar para a parte que está recebendo a queixa de que era possível resolver o

problema descrito (ex: “Reparar ou substituir o frigorífico no prazo de 10 dias”).

O movimento de justificar a(s) sugestão(ões) dada(s) na tentativa de convencer o

leitor da sua adequação e pertinência (componente 4) também foi utilizado em várias

cartas - 8 das 20 cartas (40%). Do mesmo modo, encontramos em 8 cartas a tentativa de

apontar e explicar as possíveis causas para o problema em foco ter acontecido -

componente 5 - (ex: provável causa para o desgaste do calçamento - “(ele) suporta

diariamente o peso dos ônibus e carros”).

Outros movimentos, no entanto, tiveram baixa incidência. Foi o caso da

contraargumentação relativa ao objeto alvo de reclamação (componente 6) e da

contraargumentação relativa às sugestões (componente 7); ambas tiveram apenas 3

aparições (15%).

Page 15: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Essa baixa incidência, no entanto, não pode ser interpretada como indício de que

tais componentes são irrelevantes. Eles são fundamentais em situações em que as partes

envolvidas já estejam em processo de negociação e não haja um consenso sobre quem é

o culpado ou, então, em situações em que a parte que sofre a queixa queira adotar um

procedimento não interessante para o reclamante. Um exemplo de contra-argumentação

relativa ao objeto estava presente numa carta em que se reclamava de avarias sofridas

numa mala (“Os objetos que sofreram estragos são relativamente fáceis de serem

substituídos” – “Porém o fato que desapontou foi a maneira relapsa com que o diretor

foi tratado quando reclamou verbalmente no balcão de informações da companhia”).

Defendemos, portanto, que, dependendo do contexto, diferentes estratégias de

construção da cadeia argumentativa podem ser encontradas. As análises das cartas de

circulação social também nos mostraram que quanto maior for o uso desses diversos

componentes, maiores são as chances de o texto ter uma cadeia argumentativa

apropriada para as finalidades previstas. Mesmo com tais dados, reconhecemos que uma

carta pode ser consistente sem ter todos esses componentes textuais, pois, conforme o

próprio Bakthin (1997) coloca, os gêneros são relativamente flexíveis.

Após essa análise dos componentes textuais presentes nas cartas extra-escolares,

montamos categorias que nos permitiram enxergar melhor como estas cartas de

reclamação se caracterizavam. Diferenciamos as cartas pela presença ou não dos

componentes. Tais categorias, portanto, se configuram como modelos textuais.

Chegamos a encontrar 3 modelos adotados pelos escritores dos textos.

Modelo 1 - Indica e argumenta a respeito do objeto da reclamação

Neste modelo percebemos um cuidado em defender a relevância do que está sendo

reclamado, mas sem dar sugestões para a resolução do problema denunciado. Cerca de

30% das cartas foram escritas assim.

Exemplo:

Eu, XX, sou Cliente desta empresa desde maio/2006. Foi instalado na minha

moto o rastreador da YY. Durante este curto período em que utilizei seus serviços foram

feitas manutenções no equipamento e a última manutenção feita foi no dia 11/11/06 as

14:00 horas, pelo Técnico da empresa, Sr. ZZ. Ocorre, que poucas horas após a

Page 16: Gêneros textuais e ensino de língua materna

liberação do equipamento e minha moto pelo técnico da YY, fui roubado a mão armada

e minha moto foi levada.

Imediatamente liguei para vocês e pedi que fosse feito o rastreamento/bloqueio

de minha nenhuma notícia me foi dada sobre o bloqueio e rastreamento da minha moto.

A Empresa não efetuou o rastreamento nem o bloqueio.

Até o momento vocês não me deram nenhum retorno sobre o ocorrido, falando

somente que não houve o rastreamento nem o bloqueio. Instalei o equipamento

justamente para me assegurar em caso de roubo, fui roubado e a empresa não cumpriu

sua função.

Ora, a função da empresa é justamente rastrear e bloquear a minha moto. Fiz o

contrato com vocês por ser reconhecida no mercado, porém quando precisei o serviço

não foi efetuado. Paguei pelo serviço que não foi prestado e fiquei no prejuízo tanto da

moto, como pelo serviço.

Como vemos, o objeto alvo da reclamação foi o descumprimento pela empresa

de suas funções. O reclamante justifica a relevância de sua reclamação dizendo que

contratou a empresa, mas o serviço não foi feito.

Modelo 2 - Indica e argumenta a respeito do objeto da reclamação, indica sugestões

Ao contrário das cartas do grupo anterior, nestas, além de indicar e argumentar sobre o

objeto a ser reclamado há também uma indicação de providências a serem tomadas, mas

não se argumenta em favor dessa sugestão. 25% das cartas foram escritas dentro deste

modelo.

Exemplo:

Lamentamos informar que em vôo realizado por essa Companhia, no trecho

Maceió/ São Paulo no dia 21/01/05, detectamos que a mala de viagem pertencente a

nosso Diretor-Presidente, Dr. YY sofreu sérias avarias, o que terminou por danificar

permanentemente alguns de seus mais estimados pertences. Estamos cientes de que os

objetos que sofreram estragos são relativamente fáceis de serem substituídos, porém, o

fato que nos desapontou de maneira significativa foi a maneira relapsa com que nosso

ilustre Diretor foi tratado quando de sua reclamação verbal junto ao balcão de

informações da Companhia.

E, sendo assim, informamos que entraremos com pedido de reembolso junto ao

Page 17: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Departamento Financeiro de sua empresa para podermos recuperar, pelo menos,

o prejuízo material, porque quesito confiança, a relação entre nossa empresa e a XX

sofreu um considerável abalo.

Vemos que o escritor reclama de objetos quebrados durante uma viagem e

também da forma como foi tratado o dono da mala ao reclamar. Argumenta que embora

tais objetos sejam relativamente fáceis de serem substituídos, o caso mereça atenção e

sugere reembolso, mas sem argumentar a favor dessa sugestão.

Modelo 3 - Indica e argumenta sobre o objeto de reclamação, indica e argumenta sobre

as sugestões

Foi o modelo mais adotado. Trata-se de cartas que não só indicam e argumentam

em favor do objeto alvo da denúncia, como também apresentam sugestões e

argumentam a seu favor. Cerca de 45% das cartas de reclamação de circulação social

analisadas podem ser consideradas como pertencente a este grupo.

Na carta abaixo, o autor reclama da não entrega de um colchão e de um fone de

ouvido.

Inicialmente gostaria de deixar claro que o atendimento de vocês é precário.

Estou desde dia 08/12/06 para receber um colchão que me foi entregue rasgado. Após

uma semana foi retirado apenas o BOX rasgado e depois de 10 dias fui avisado que não

havia mais o produto para me atender. Para eu receber o crédito vocês enrolaram mais

10 dias para retirar o colchão e me dar o crédito integral.

Após isso fiz nova compra e estou esperando entregar até hoje. Coloquei o fone

de ouvido na compra para completar o valor e vocês novamente não tem a mercadoria

para me entregar. Até quando vocês vão tratar os clientes dessa forma? Porque o fone de

ouvido continua disponível no site? Que site tabajara é esse?

Quero uma solução para isso hoje, caso contrário vou entrar no PROCON com

uma reclamação, afinal das contas está tudo pago e vocês que estão causando

problemas. Estou de saco cheio. Não há um similar para o fone de ouvido, sendo assim

conforme código do consumidor, vocês são obrigados a me oferecer um produto de

igual ou superior qualidade.

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A técnica da notícia

Page 18: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Dentre todos os gêneros jornalísticos, a notícia é o que mais usufrui da aura de

imparcialidade que leva o leitor a aceitar, a priori, aquele relato dos fatos como

verdadeiro e isento. É principalmente em torno dela que foi construído o mito da

objetividade, responsável pela enorme acolhida e o potencial de convencimento que o

jornalismo tem.

Para gozar de uma aura de objetividade, para alimentar esse mito, o jornalismo

estabeleceu uma espécie de acordo com o indivíduo e as coletividades, acordo esse que

vem sustentando em grande parte a aceitação do jornalismo nas sociedades

contemporâneas. Sua parte no trato é produzir notícias sem distorções ou mentiras em

relação aos fatos concretos. Nomes, datas e eventos veiculados na notícia podem ser

comprovados até mesmo pela comparação de diferentes jornais, pois todos trazem mais

ou menos as mesmas informações. Para Adriano

Duarte Rodrigues, há um acordo tácito entre público e veículo:

Lemos a notícia acreditando que os profissionais não irão transgredir esse

“acordo de cavalheiros” entre jornalistas e leitores pelo respeito dessa fronteira que

torna possível a leitura de notícias enquanto índices do real.5

Por ser considerada a matéria-prima do jornalismo6 contemporâneo, a notícia é

produzida segundo técnicas específicas que foram adotadas, em seu conjunto, de forma

quase unânime pela grande imprensa. Essas técnicas dizem respeito à apuração e

seleção dos fatos, escolha do vocabulário, ordenação de informações, tratamento das

fontes etc.

Mas o que é notícia? De forma simplista, pode-se dizer que é o anúncio de um

fato novo, o anúncio da novidade. Nem mesmo para os jornalistas parece fácil a tarefa

de defini-la de modo mais satisfatório. Alguns autores tentaram explicá-la por seu

conteúdo, mas a diversidade dos temas e enfoques em milhões de jornais do mundo

inteiro leva à conclusão de que qualquer fato novo, qualquer fenômeno recém-percebido

pode virar notícia, desde que seja capaz de gerar interesse. Isso inclui não só eventos

naturalmente considerados como importantes por serem capazes de provocar

conseqüências políticas e econômicas, a exemplo de uma decisão governamental, mas

também ocorrências banais, como uma briga de condôminos por causa da presença de

cachorros no edifício.

Para Nilson Lage, a diferença entre a notícia e outros formatos de texto não está

no seu conteúdo ou na natureza das informações, mas na forma em que ela é redigida.

Notícia, segundo ele7, é o fato redigido a partir do dado mais importante ou capaz de

Page 19: Gêneros textuais e ensino de língua materna

gerar maior interesse, seguindo- se as demais informações em ordem decrescente de

importância.

Para Lage, notícia é qualquer informação redigida em forma de notícia, o que

equivale a dizer, do mais para o menos importante.

Em seu livro mais recente, Lage8 observa que a linguagem jornalística é

transnacional: as técnicas básicas servem para redatores em diversos idiomas e culturas.

Tanto nos jornais russos como nos norte-americanos, franceses e brasileiros, observa-se

a ordenação dos fatos por sua importância, o uso da terceira pessoa9, preferência por

verbos no pretérito perfeito10 e a exclusão de adjetivos11 que não sejam absolutamente

necessários, entre outras “regras”. Também é teoricamente consensual (embora não o

seja na prática) que a notícia (salvo matérias especiais, assinadas, cuja apresentação

gráfica identifique aquela cobertura como excepcional) deve apresentar ao leitor um

relato objetivo e distante dos fatos, isento de avaliações pessoais ou julgamentos tanto

explícitos quanto implícitos. Na notícia, de acordo com a técnica predominante na

grande imprensa, só quem opina é a fonte e o texto precisa deixar bem claro de quem é

a opinião, para que aquele juízo de valor não seja entendido pelo leitor como uma

interferência indevida do repórter ou do veículo.

Diz ainda a técnica que toda notícia polêmica tem dois lados e ambos precisam

ser ouvidos. Se alguém faz uma denúncia, a notícia tem que registrar também o que diz

o acusado; se uma pessoa reclama é preciso dar voz também a quem seria o alvo da

queixa; se há uma greve, a notícia tem que incluir tanto a posição do sindicato quanto a

da empresa. Caso um dos lados não queira se manifestar ou não tenha sido encontrado,

essa informação tem que ser passada ao leitor a fim de certificar a isenção da matéria.

A estas somam-se também técnicas específicas de apuração dos fatos, como a

seleção de fontes segundo o grau de confiabilidade12, o cruzamento de informações13 e

os limites técnicos e éticos para o uso de declarações em off 14, ou seja, sem que a

identidade da fonte seja revelada.

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A coletânea de textos a seguir aborda a temática O destino dos resíduos urbanos

atualmente nas cidades. Tendo-a como apoio, redija os gêneros textuais solicitados.

Lixo urbano

Jairo Augusto Nogueira Pinheiro

Desde o surgimento dos primeiros centros urbanos, a produção de lixo se

apresenta como um problema de difícil solução. A partir da Revolução Industrial, com a

Page 20: Gêneros textuais e ensino de língua materna

intensificação da migração dos trabalhadores do campo para a cidade, aumentaram as

dificuldades referentes à produção de resíduos sólidos de diferentes naturezas

(domésticos, industriais, serviços de saúde, etc.).

(...)

Os excedentes vão se acumulando cada vez em maior escala, colocando a

questão do lixo urbano como uma das mais sérias a ser enfrentada atualmente. Com a

elevação da população e, principalmente, com o estímulo dado ao consumismo, o

problema tende a se agravar.

(...)

A grande preocupação em torno do destino do lixo se dá principalmente em face

da sua característica de inesgotabilidade, comprometimento de grandes áreas e pela sua

complexidade estrutural, devido à grande variedade de materiais, desde substâncias

inertes a substâncias altamente tóxicas. A heterogeneidade é uma das características

principais dos resíduos sólidos urbanos, que apresentam uma composição qualitativa e

quantitativa muito variada. Essas variações ocorrem geralmente em função do nível de

vida e educação da população, do clima, dos modos de consumo, das mudanças

tecnológicas, etc.

(...)

A partir da Revolução Industrial, as fábricas começaram a produzir objetos de

consumo em larga escala e a introduzir novas embalagens no mercado, aumentando

consideravelmente o volume e a diversidade de resíduos gerados nas áreas urbanas. O

homem passou a viver então a era dos descartáveis, em que a maior parte dos produtos –

desde guardanapos de papel e latas de refrigerante, até computadores – são utilizados e

jogados fora com enorme rapidez. Ao mesmo tempo, o crescimento acelerado das

metrópoles fez com que as áreas disponíveis para colocar o lixo se tornassem escassas.

A sujeira acumulada no ambiente aumentou a poluição do solo e das águas e piorou as

condições de saúde das populações em todo o mundo, especialmente nas regiões menos

desenvolvidas.

Até hoje, no Brasil, a maior parte dos resíduos recolhidos nos centros urbanos é

simplesmente jogada sem qualquer cuidado em depósitos existentes nas periferias das

cidades. O lixo urbano é, portanto, um dos maiores problemas da atualidade, pois os

moldes de consumo adotados pela maioria das sociedades modernas estão provocando

um aumento contínuo e exagerado na quantidade de lixo produzido.

Page 21: Gêneros textuais e ensino de língua materna

(Texto adaptado de

http://www.webartigos.com/articles/10684/1/Lixo-Urbano/pagina1.html)

Destinação correta dos resíduos sólidos urbanos requer inicialmente investimentos

da ordem de R$ 1,3 bilhão

Mônica Pinto

O Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil é um estudo realizado pela

Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – Abrelpe

– desde 2003. Em sua segunda edição, com dados referentes ao ano de 2004, ele mostra

que a questão do lixo no país demanda não só vontade política para fazer andarem os

projetos, para levar ao povo procedimentos de asseio basilares.

Mais que isso, todo esse processo requer investimentos vultuosos, da ordem de

R$ 1,3 bilhão na fase pré-operacional e R$ 80 milhões/mês na fase operacional.

(...)

O Brasil tem hoje 237 cidades, em todas as regiões, com coleta seletiva de lixo.

Parece pouco diante do universo de 5.560 sob a bandeira verde-amarela, mas a curva é

ascendente e os números otimistas. Ainda mais se observados os estímulos à

reciclagem, que invariavelmente caminham junto com a coleta seletiva. Os dados mais

significativos quanto à reciclagem podem ser sintetizados a seguir:

• a taxa de recuperação de papéis recicláveis evoluiu de 30,7%, em 1980, para 43,9%,

em 2002;

• a reciclagem de plásticos pós-consumo é da ordem de 17,5, sendo que, na Grande São

Paulo, o índice é de 15,8% e, no Rio Grande do Sul, é da ordem de 27,6%;

• a reciclagem de embalagens PET cresceu de 16,25%, em 1994, para 35%, em 2002;

• a reciclagem das embalagens de vidro cresceu de 42% para 45% entre 2001 e 2003;

• o índice de reciclagem de latas de aço para bebidas evolui de 43%, em 2001, para

75%, em 2003.

Você sabe a diferença entre lixão, aterro controlado e aterro sanitário?

Um lixão é uma área de disposição final de resíduos sólidos sem nenhuma

preparação anterior do solo. Não tem sistema de tratamento de fluentes líquidos – o

chorume (líquido preto que escorre do lixo). Este penetra pela terra levando substâncias

Page 22: Gêneros textuais e ensino de língua materna

contaminantes para o solo e para o lençol freático. (...) No lixão, o lixo fica exposto sem

nenhum procedimento que evite as consequências ambientais e sociais negativas.

Já o aterro controlado (...) é uma célula adjacente ao lixão (...) que recebeu

cobertura de argila, grama (idealmente selado com manta impermeável para proteger a

pilha de água de chuva), captação de chorume e gás. (...) Tem também recirculação do

chorume que é coletado e levado para cima da pilha do lixo, diminuindo a sua absorção

pela terra ou eventualmente outro tipo de tratamento. (...)

Aterro sanitário (...) tem o terreno preparado previamente com o nivelamento

de terra e com o selamento da base com argila e mantas de PVC extremamente

resistente. Com essa impermeabilização do solo, o lençol freático não será contaminado

pelo chorume.

(...) A operação do aterro sanitário, assim como a do aterro controlado, prevê a

cobertura diária do lixo, não ocorrendo a proliferação de vetores, mau cheiro e poluição

visual.

(Texto adaptado de http://www.lixo.com.br/index.php?

option=com_content&task=view&id=144&Itemid=251)

GÊNERO TEXTUAL 1

Redija uma notícia, com até 15 linhas, aos leitores do Jornal da Cidade, apresentando

informações sobre o destino dos resíduos urbanos nas cidades brasileiras.

Page 23: Gêneros textuais e ensino de língua materna

GÊNERO TEXTUAL 2

Redija, em 15 linhas, uma resposta interpretativa, que indique quais são as formas de

tratamento dos resíduos urbanos no Brasil, definindo aquela(s) que melhor atenda(m) as

cidades atualmente

Os textos desta prova abordam assuntos que dizem respeito à nossa vida, tais como

leitura, literatura, cidadania, livros, imaginação, criatividade, memórias de infância,

lugares imaginários, entre outros. Os temas de redação apresentados a seguir, como é

tradição no Concurso Vestibular da PUCRS, têm relação com alguns desses assuntos.

Leia as propostas e as orientações com atenção, escolha uma delas e elabore seu texto.

GÊNERO TEXTUAL 3

Page 24: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Mesmo que não sejamos adeptos da geoficção, somos capazes de criar lugares

imaginários. Podemos, por exemplo, imaginar como seria a cidade, a região ou o país

ideal para viver, a partir daquilo que mais valorizamos.

Produza um texto narrativo, em até 30 linhas, que apresente o lugar que, para você, seria

ideal para viver, defendendo os princípios que você valoriza e que orientariam a criação

desse lugar.

Não esqueça: seu texto poderá utilizar a primeira pessoa e apresentar trechos

descritivos, mas o que deve predominar são seus argumentos em defesa das qualidades

que importam para você.

TEMA 2

Crianças pequenas costumam ter imaginação muito fértil. Com o passar dos anos,

geralmente vai-se reduzindo essa abertura para a fantasia, essa criatividade tão

acentuada nos primeiros anos de vida, e que nos permite criar mundos imaginários,

seres superpoderosos, amigos invisíveis.

Entretanto, a criatividade é um importante atributo em todos os campos humanos, do

pessoal ao profissional.

Profissionais criativos, atualizados, abertos a inovações são pessoas que provavelmente

não deixaram morrer a fantasia, direcionando seu foco e adequando-a a diferentes

situações.

Se você escolher este tema, deverá escrever sobre a importância da criatividade na vida

profissional, apresentando exemplos ou situações em que ela seja um fator decisivo para

o sucesso.

TEMA 3

A escola tem sido bastante criticada por não estimular a formação de um aluno

reflexivo, questionador, que perceba a importância de desenvolver referenciais que lhe

possibilitem constituir-se como cidadão atuante na sociedade e no meio profissional.

A partir de sua experiência de vida e do que você tem observado e aprendido, reflita:

Que características deve ter a escola e tudo que nela se inclui – professores, alunos, pais,

direção, recursos – para ser realmente efetiva?

Para desenvolver seu texto, você pode focalizar um ou dois desses componentes do

universo escolar, discorrendo sobre o seu papel e a contribuição que ele(s) pode(m)

trazer para a melhoria dessa instituição.

Page 25: Gêneros textuais e ensino de língua materna

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Resumo

Page 26: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Ler não é apenas passar os olhos no texto. É preciso saber tirar dele o que é mais

importante, facilitando o trabalho da memória. Saber resumir as idéias expressas em um

texto não é difícil. Resumir um texto é reproduzir com poucas palavras aquilo que o

autor disse.

Para se realizar um bom resumo, são necessárias algumas recomendações:

1. Ler todo o texto para descobrir do que se trata.

2. Reler uma ou mais vezes, sublinhando frases ou palavras importantes. Isto ajuda

a identificar.

3. Distinguir os exemplos ou detalhes das idéias principais.

4. Observar as palavras que fazem a ligação entre as diferentes idéias do texto,

também chamadas de conectivos: "por causa de", "assim sendo", "além do mais",

"pois", "em decorrência de", "por outro lado", "da mesma forma".

5. Fazer o resumo de cada parágrafo, porque cada um encerra uma idéia diferente.

6. Ler os parágrafos resumidos e observar se há uma estrutura coerente, isto é, se

todas as partes estão bem encadeadas e se formam um todo.

7. Num resumo, não se devem comentar as idéias do autor. Deve-se registrar

apenas o que ele escreveu, sem usar expressões como "segundo o autor", "o autor

afirmou que".

8. O tamanho do resumo pode variar conforme o tipo de assunto abordado. É

recomendável que nunca ultrapasse vinte por cento da extensão do texto original.

9. Nos resumos de livros, não devem aparecer diálogos, descrições detalhadas,

cenas ou personagens secundárias. Somente as personagens, os ambientes e as

ações mais importantes devem ser registrados.

RESUMO

Tenho notado nos alunos universitários uma dificuldade incrível em sintetizar

ideias, isto é, em fazer resumos. O fato é que esse tipo de atividade raramente é

explicada na escola, quando muito solicitada, por isso os alunos chegam à faculdade

sem a menor noção sobre como extrair as idéias principais de um texto.

Page 27: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Antes de mais nada, vale dizer que um resumo nada mais é do que um texto

reduzido a seus tópicos principais, sem a presença de comentários ou julgamentos. Um

resumo não é uma crítica, assim como a resenha o é; o objetivo do resumo é informar

sobre o que é mais importante em determinado texto.

Para Platão e Fiorin (1995), resumir um texto significa condensá-lo a sua

estrutura essencial sem perder de vista três elementos:

1. as partes essenciais do texto;

2. a progressão em que elas aparecem no texto;

3. a correlação entre cada uma das partes.

Se o texto que estamos resumindo for do tipo narrativo, devemos prestar atenção

aos elementos de causa e sequências de tempo; se for descritivo, nos aspectos visuais e

espaciais; caso o texto for dissertativo, é bom cuidar da organização e construção das

idéias.

Existem, segundo van Dijk & Kintsch (apud FONTANA, 1995, p.89), basicamente 3

técnicas que podem ser úteis ao escrevermos uma síntese. São elas o apagamento, a

generalização e a construção.

Apagamento

Como no nome já diz, o apagamento consiste em apagar, em cortar as partes que

são desnecessárias. Geralmente essas partes são os adjetivos e os advérbios, ou frases

equivalentes a eles. Vamos ver um exemplo.

O velho jardineiro trabalhava muito bem. Ele arrumava muitos jardins

diariamente.

Sendo essa a frase a ser resumida através do apagamento, poderia ficar assim:

O jardineiro trabalhava bem.

Page 28: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Cortamos os adjetivo “velho” e o advérbio “muito” na primeira frase e

eliminamos a segunda. Ora, se o jardineiro trabalhava bem, é porque arrumava jardins; a

segunda informação é redundante.

Generalização

A generalização é uma estratégia que consiste em reduzir os elementos da frase

através do critério semântico, ou seja, do significado. Exemplo:

Pedro comeu picanha, costela, alcatra e coração no almoço.

As palavras em destaque são carnes. Então, o resumo da frase fica:

Pedro comeu carne no almoço.

Construção

A técnica da construção consiste em substituir uma sequência de fatos ou

proposições por uma única, que possa ser presumida a partir delas, também baseando-se

no significado. Exemplo:

Maria comprou farinha, ovos e leite. Foi para casa, ligou a batedeira, misturou os

ingredientes e colocou-os no forno.

Todas essas ações praticadas por Maria nos remetem a uma síntese:

Maria fez um bolo.

Além dessas três, ainda existe uma quarta dica que pode ajudar muito a resumir

um texto. É a técnica de sublinhar.

Enquanto você estiver lendo o texto, sublinhe as palavras ou frases que fazem

mais sentido, que expressam ideias que tenham mais importância. Depois, junte seus

sublinhados, formando um texto a partir deles e aplique as três primeiras técnicas.

Page 29: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Fontes:

Prática Textual: atividades de leitura e escrita / Vanilda Salton Köche, Odete Benetti

Boff, Cinara Ferreira Pavani. — Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

Definindo conceitos – o que é um conto?

Conto é uma narrativa curta e que se diferencia dos romances não apenas pelo tamanho,

mas também pela sua estrutura: há poucas personagens, nunca analisadas

profundamente; há acontecimentos breves, sem grandes complicações de enredo; e há

apenas um clímax, no qual a tensão da história atinge seu auge.

No conto, tempo e espaço são elementos secundários, podendo até não existir. Além

disso, os próprios acontecimentos podem ser dispensáveis. Há, por exemplo, contos de

Machado de Assis ou Tchekov nos quais, simplesmente, não tem nada que acontece. O

essencial está no ar, na atmosfera, na forma de narrar, no estilo.

Leia uma definição BEM mais extensa e detalhada de conto, na Wikipedia .

Grandes escritores de contos do século XIX

O século XIX foi o que teve o maior número de mestres na arte de escrever contos. Foi

nesse período que surgiram os contos clássicos mais lidos até hoje, como O Gato Preto,

de Allan Poe; O Alienista, de Machado de Assis; Bola de Sebo, de Guy de Maupassant;

entre outros.

Fases

Há várias fases do conto. Tais fases nada têm a ver com aquelas estudadas por Vladimir

Propp no livro "A morfologia do conto maravilhoso", no qual, para descrever o conto,

Propp o "desmonta" e o "classifica" em unidades estruturais – constantes, variantes,

sistemas, fontes, funções, assuntos, etc. Além disso, ele fala de uma "primeira fase"

(religiosa) e uma "segunda fase" (da história do conto). Aqui, quando falamos em fases,

temos a intenção de apenas darmos um "passeio" pela linha evolutiva do gênero.

[editar] Fase oral

Page 30: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Logicamente a primeira fase é a "oral", a qual não é impossivel precisar o seu início: o

conto se origina num tempo em que nem sequer existia a escrita; as histórias eram

narradas oralmente ao redor das fogueiras das habitações dos povos primitivos –

geralmente à noite. Por isso o suspense, o fantástico, que o caracterizou

[editar] Fase escrita

A primeira fase escrita é provavelmente aquela em que os egípcios registraram O livro

do mágico (cerca de 4000 a.C.). Daí vamos passando pela Bíblia – veja-se como a

história de Caim e Abel (2000 a.C.) tem a precisa estrutura de um conto. O antigo e

novo testamento trazem muitas outras histórias com a estrutura do conto, como os

episódios de José e seus irmãos, de Sansão, de Ruth, de Suzana, de Judith, Salomé; as

parábolas: o Bom Samaritano, o Filho Pródigo, a Figueira Estéril, a do Semeador, entre

outras.

Geoffrey Chaucer.

No século VI a.C. temos a Ilíada e a Odisséia, de Homero e na literatura Hindu há o

Pantchatantra (século II a.C?). De um modo geral, Luciano de Samosata (125-192) é

considerado o primeiro grande nome da história do conto. Ele escreveu "O cínico", "O

asno" etc. Da mesma época é Lucio Apuleyo (125-180), que escreveu "O asno de ouro".

Outro nome importante é o de Caio Petrônio (século I), autor de Satiricon, livro que

continua sendo reeditado até hoje. As "Mil e uma Noites" aparecem na Pérsia no século

X da era cristã.

A segunda fase escrita começa por volta do século XIV, quando registram-se as

primeiras preocupações estéticas. Giovanni Boccaccio (1313-1375) aparece com seu

Decameron, que se tornou um clássico e lançou as bases do conto tal como o

conhecemos hoje, além de ter influenciado, Charles Perrault, La Fontaine, entre outros.

Page 31: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Miguel de Cervantes (1547-1616) escreve as "Novelas Exemplares". Francisco Gómez

de Quevedo y Villegas (1580-1645) traz "Os sonhos", satirizando a sociedade da época.

Os "Contos da Cantuária", de Chaucer (1340?-1400) são publicados por volta de 1700.

Perrault (1628-1703) publica "O barba azul", "O gato de botas", "Cinderela", "O

soldadinho de chumbo" etc. Jean de La Fontaine (1621-1695) é o contador de fábulas

por excelência: "A cigarra e a formiga", "A tartaruga e a lebre", "Aquelas Bolas

Cabeludas", "A raposa e as uvas" etc.

No século XVIII o mestre foi Voltairetaynata (1694-1778). Ele escreveu obras

importantes como Zadig e Cândido.

Chegando ao século XIX o conto "decola" através da imprensa escrita, toma força e se

moderniza. Washington Irving (1783-1859) é o primeiro contista norte-americano de

importância. Os irmãos Grimm (Jacob, 1785-1863 e Wilhelm, 1786-1859) publicam

"Branca de Neve", "Rapunzel", "O Gato de Botas", "A Bela Adormecida", "O Pequeno

Polegar", "Chapeuzinho Vermelho" etc. Os Grimm recontam contos que já haviam sido

contados por Perrault, por exemplo. Eles foram tão importantes para o gênero que

André Jolles diz que "o conto só adotou verdadeiramente o sentido de forma literária

determinada, no momento em que os irmãos Grimm deram a uma coletânea de

narrativas o título de Contos para crianças e famílias", ("O conto" em formas simples).

O século XIX foi pródigo em mestres: Nathaniel Hawthorne (1804-1864), Poe,

Maupassant (1850-1893), Flaubert (1821-1880), Leo Tolstoy (1828-1910), Mary

Shelley (1797–1851), Tchekhov, Machado de Assis (1839-1908), Conan Doyle (1859-

1930), Balzac, Stendhal, Eça de Queirós, Aluízio Azevedo.

Não podemos esquecer de nomes como: Hoffman (um dos pais do conto fantástico, que

viria influenciar Poe, Machado de Assis, Álvares de Azevedo e outros), Sade, Adalbert

von Chamisso, Nerval, Gogol, Dickens, Turguenev, Stevenson, Kipling, entre outros.

[editar] Críticas

Mesmo com tanta história para "contar", o conto continua sendo alvo de preconceitos,

chegando ao ponto de algumas editoras terem como política não publicar o gênero. É

uma questão de mercado? O conto não vende? E, se não vende, quais os motivos? Sua

excessiva banalização através de revistas e jornais? Ou a falsa idéia de que seria uma

literatura fácil, secundária, menor? Veja o que pensa Mempo Giardinelli: "Sustento

sempre que o conto é o gênero literário mais moderno e que maior vitalidade possui,

Page 32: Gêneros textuais e ensino de língua materna

pela simples razão que as pessoas jamais deixarão de contar o que se passa, nem de

interessar-se pelo que lhes contam bem contado". "Comecei escrevendo contos, mas me

vi forçado a mudar de rumo por pedidos de editores que queriam romances. Mas, cada

vez que me vejo livre dessas pressões editoriais, volto ao conto… porque, em literatura,

o que me deixa realmente satisfeito é escrever um conto" [carece de fontes?] (René Avilés

Fabila em Assim se escreve um conto). Maupassant dizia que escrever contos era mais

difícil do que escrever romances. Ele escreveu cerca de 300 contos e, segundo se diz,

ficou rico com eles. Machado de Assis também não achava fácil escrever contos: "É

gênero difícil, a despeito de sua aparente facilidade", (citado por Nádia Battella Gotlib

em Teoria do Conto). Faulkner (1897-1962) pensava da mesma maneira: "…quando

seriamente explorada, a história curta é a mais difícil e a mais disciplinada forma de

escrever prosa… Num romance, pode o escritor ser mais descuidado e deixar escórias e

superfluidades, que seriam descartáveis. Mas num conto… quase todas as palavras

devem estar em seus lugares exatos", (citado por R. Magalhães Júnior em A arte do

conto).

Numa entrevista ao jornal Folha de S. Paulo (de 4 de fevereiro de 1996, página 5-11),

Moacyr Scliar (1937), mais conhecido como romancista do que como contista, revela

sua preferência pelo conto: "Eu valorizo mais o conto como forma literária. Em termos

de criação, o conto exige muito mais do que o romance… Eu me lembro de vários

romances em que pulei pedaços, trechos muito chatos. Já o conto não tem meio termo,

ou é bom ou é ruim. É um desafio fantástico. As limitações do conto estão associadas ao

fato de ser um gênero curto, que as pessoas ligam a uma idéia de facilidade; é por isso

que todo escritor começa contista". "Penso que, não por casualidade, a nossa época

(anos 80) é a época do conto, do romance breve", diz Italo Calvino (1923-1985) em Por

que ler os clássicos. Num artigo sobre Borges (1899-1986), Calvino disse que lendo

Borges veio-lhe muitas vezes a tentação de formular uma poética do escrever breve,

louvando suas vantagens em relação ao escrever longo. "A última grande invenção de

um gênero literário a que assistimos foi levada a efeito por um mestre da escrita breve,

Jorge Luis Borges, que se inventou a si mesmo como narrador, um ovo de Colombo que

lhe permitiu superar o bloqueio que lhe impedia, por volta dos 40 anos, passar da prosa

ensaística à prosa narrativa." (Italo Calvino, Seis propostas para o próximo milênio).

"No decurso de uma vida devotada principalmente aos livros, tenho lido poucos

romances e, na maioria dos casos, apenas o senso do dever me deu forças para abrir

caminho até a última página. Ao mesmo tempo, sempre fui um leitor e releitor de

Page 33: Gêneros textuais e ensino de língua materna

contos… A impressão de que grandes romances como Dom Quixote e Huckleberry

Finn são virtualmente amorfos, serviu para reforçar meu gosto pela forma do conto,

cujos elementos indispensáveis são economia e um começo, meio e fim claramente

determinados. Como escritor, todavia, pensei durante anos que o conto estava acima de

meus poderes e foi só depois de uma longa e indireta série de tímidas experiências

narrativas que tomei assento para escrever estórias propriamente ditas." (Jorge Luis

Borges, Elogio da sombra/Perfis - Um ensaio autobiográfico).

[editar] Influência

Está evidente a identificação do conto com a "falta" de tempo dos habitantes dos

grandes centros urbanos, com a industrialização. Afinal, foi graças à imprensa escrita,

que o gênero se popularizou no Brasil, no século XIX: os grandes jornais sempre davam

espaço ao conto. Antônio Hohlfeldt em "Conto brasileiro contemporâneo" diz que

"pode-se verificar que, na evolução do conto, há uma relação entre a revolução

tecnológica e a técnica do conto".

Na introdução de Maravilhas do conto universal, Edgard Cavalheiro diz: "A autonomia

do conto, seu êxito social, o experimentalismo exercido sobre ele, deram ao gênero

grande realce na literatura, destaque esse favorecido pela facilidade de circulação em

diferentes órgãos da imprensa periódica. Creio que o sucesso do conto nos últimos

tempos (anos 60 e 70) deve ser atribuído, em parte, à expansão da imprensa".

Além de criar o mercado de consumo e a necessidade de alfabetização em massa, a

industrialização também criou a necessidade de informações sintéticas. No século

passado essas informações vinham do jornalismo e do livro; neste século vêm do

cinema, rádio e televisão. Assim, no seu início, o conto pegou uma carona na imprensa

escrita; agora não tem mais esse espaço. Será que o conto se adaptará às novas

tecnologias? TV, Internet etc? De qualquer forma, no Brasil, o conto surgiu mesmo foi

através da imprensa em meados do século XIX. Por isso, naquela época, quase todos os

contistas eram jornalistas. E não foi só no Brasil que isso ocorreu.

Essa tecnologia é, também, em parte, "culpada" pelo preconceito em relação ao gênero.

"A linha normativa gera uma série de manuais que prescrevem como escrever contos. E

a revista popular propicia uma comercialização gradativa do gênero. Tais fatos são tidos

como responsáveis pela degradação técnica e pela formação de estereótipos de contos

que, na era industrializada do capitalismo americano, passa a ser arte padronizada,

Page 34: Gêneros textuais e ensino de língua materna

impessoal, uniformizada, de produção veloz e barata. Tais preocupações provocam, por

sua vez, um movimento de diferenciação entre o conto comercial e o conto literário. Daí

talvez tenha surgido o preconceito contra o conto…" (Nádia Battella Gotlib, op. cit.).

Esse fenômeno também foi notado no Brasil no início dos anos 70. As influências

exercidas pela imprensa escrita, revistas, TVs, levaram o conto a um ponto de

praticamente perder sua "identidade": sendo "quase tudo", passou a ser quase "nada".

Na década de 20 temos os modernistas e o conto agora é essencialmente

urbano/suburbano. Eles propuseram a renovação das formas, a ruptura com a linguagem

tradicional, a renovação dos meios de expressão etc. Procura-se evitar rebuscamentos na

linguagem, a narrativa é mais objetiva, a frase torna-se mais curta e a comunicação mais

breve.

Nesta mesma linha, Poe, que também foi o primeiro teórico do gênero, diz: "Temos

necessidade de uma literatura curta, concentrada, penetrante, concisa, ao invés de

extensa, verbosa, pormenorizada… É um sinal dos tempos… A indicação de uma época

na qual o homem é forçado a escolher o curto, o condensado, o resumido, em lugar do

volumoso" (citado por Edgard Cavalheiro na introdução de Maravilhas do conto

universal).

[editar] Extensão

Segundo outras definições, o conto não deve ocupar mais de 7.500 palavras. Atualmente

entende-se que pode variar entre um mínimo de 1.000 e um máximo de 20.000 palavras.

Mas toda e qualquer limitação de um mínimo ou máximo de palavras é descartada e

ignorada por escritores e leitores.

O romance "Vidas secas" (de Graciliano Ramos), "A festa" (de Ivan Ângelo) e alguns

romances de Bernardo Guimarães (1825-1884) e Autran Dourado, podem ser lidos

como uma série de contos. Também "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e "Quincas

Borba" (de Machado de Assis), "O Processo" (de Franz Kafka), são constituídos por

pequenos contos. São os chamados "romances desmontáveis". Assis Brasil vai mais

longe ao afirmar que "Grande Sertão: veredas" (de Guimarães Rosa), é um conto

alongado, pois o escritor tê-lo-ia como narrativa curta. O "Grande Sertão", como

sabemos, tem mais de 500 páginas. Todas essas colocações demonstram como é difícil

definir o conto; mesmo assim, quem o conhece, não o confunde com outro gênero.

Page 35: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Neste século podemos incluir entre os grandes: O. Henry, Anatole France, Virginia

Woolf, Katherine Mansfield, Kafka, James Joyce, William Faulkner, Ernest

Hemingway, Máximo Gorki, Mário de Andrade, Monteiro Lobato, Aníbal Machado,

Alcântara Machado, Guimarães Rosa,Isaac Bashevis Singer,Nelson Rodrigues, Dalton

Trevisan, Rubem Fonseca, Osman Lins, Clarice Lispector, Jorge Luís Borges, Lima

Barreto.

Outros nomes importantes do conto no Brasil: Julieta Godoy Ladeira, Otto Lara

Resende, Manoel Lobato, Sérgio Sant’Anna, Moreira Campos, Ricardo Ramos,

Edilberto Coutinho, Breno Accioly, Murilo Rubião, Moacyr Scliar, Péricles Prade,

Guido Wilmar Sassi, Samuel Rawet, Domingos Pellegrini Jr, José J. Veiga, Luiz Vilela,

Sergio Faraco, Victor Giudice, Lygia Fagundes Telles, entre outros. Em Portugal

destaca-se, entre outros, Eça de Queirós.

Para um escritor que faz da sua escrita, arte, a trama/o enredo não têm muita

importância; o que mais importa é como (forma) contar e não o que (conteúdo) contar.

Borges dizia que contamos sempre a mesma fábula. Julio Cortázar (1914-1984) diz que

não há temas bons nem temas ruins; há somente um tratamento bom ou ruim para

determinado tema. ("Alguns aspectos do conto", in Valise de cronópio). Claro que há

que ter cuidado com o excesso de formalismos para não virar personagem daquela

piada: um escritor passou a vida toda trabalhando as formas para criar um estilo perfeito

para impressionar o mundo; quando conseguiu alcançá-lo, descobriu que não tinha nada

para dizer com ele.

[editar] Conteúdo e forma

Forma: expressão ou linguagem mais os elementos concretos e estruturados, como as

palavras e as frases. Conteúdo: é imaterial (fixado e carregado pela forma); são as

personagens, suas ações, a história (ver Céu, inferno, Alfredo Bosi).

Há contos de Machado de Assis, de Katherine Mansfield, de José J. Veiga, de Tchecov,

de Clarice Lispector, por exemplo, que não são "contáveis", não há "nada" acontecendo.

O essencial está no "ar", na atmosfera, na forma de narrar, no "estilo". No livro "Que é a

literatura?" de Jean-Paul Sartre diz que "ninguém é escritor por haver decidido dizer

certas coisas, mas por haver decidido dizê-las de determinado modo. E o "estilo",

decerto, é o que determina o valor da prosa".

[editar] Necessidades básicas

Page 36: Gêneros textuais e ensino de língua materna

O conto necessita de tensão, ritmo, o imprevisto dentro dos parâmetros previstos,

unidade, compactação, concisão, conflito, início, meio e fim; o passado e o futuro têm

significado menor. O "flashback" pode acontecer, mas só se absolutamente necessário,

mesmo assim da forma mais curta possível.

[editar] Final enigmático

O final enigmático prevaleceu até Maupassant (fim do século XIX) e era muito

importante, pois trazia o desenlace surpreendente (o fechamento com "chave de ouro",

como se dizia). Hoje em dia tem pouca importância; alguns críticos e escritores acham-

no perfeitamente dispensável, sinônimo de anacronismo. Mesmo assim não há como

negar que o final no conto é sempre mais carregado de tensão do que no romance ou na

novela e que um bom final é fundamental no gênero. "Eu diria que o que opera no conto

desde o começo é a noção de fim. Tudo chama, tudo convoca a um final" (Antonio

Skármeta, Assim se escreve um conto).

Neste gênero, como afirmou Tchecov, é melhor não dizer o suficiente do que dizer

demais. Para não dizer demais é melhor, então, "sugerir" como se tivesse de haver um

certo "silêncio" entremeando o texto, sustentando a intriga, mantendo a tensão. Não é o

que acontece no conto "A missa do galo", de Machado de Assis? Especialmente nos

diálogos; não exatamente pelo que estes dizem, mas pelo que deixam de dizer. Ricardo

Piglia, comentando alguns contos de Hemingway (1898-1961), diz que o mais

importante nunca se conta: "O conto se constrói para fazer aparecer artificialmente algo

que estava oculto. Reproduz a busca sempre renovada de uma experiência única que nos

permite ver, sob a superfície opaca da vida, uma verdade secreta" (O laboratório do

escritor). Piglia diz que conta uma história como se tivesse contando outra. Como se o

escritor estivesse narrando uma história "visível", disfarçando, escondendo uma história

secreta. "Narrar é como jogar pôquer: todo segredo consiste em fingir que se mente

quando se está dizendo a verdade." (Prisão perpétua). É como se o contista pegasse na

mão do leitor é desse a entender que o levaria para um lugar, mas Rebeca , no fim, leva-

o para outro. Talvez por isso, D.H. Lawrence tenha dito que o leitor deve confiar no

conto, não no contista. O contista é o terrorista que se finge de diplomata, como diz

Alfredo Bosi sobre Machado de Assis (op. cit.).

Segundo Cristina Perí-Rossi, o escritor contemporâneo de contos não narra somente

pelo prazer de encadear fatos de uma maneira mais ou menos casual, senão para revelar

Page 37: Gêneros textuais e ensino de língua materna

o que há por trás deles (citada por Mempo Giardinelli, op. cit). Desse ponto de vista a

surpresa se produz quando, no fim, a história secreta vem à superfície.

No conto a trama é linear, objetiva, pois o conto, ao começar, já está quase no fim e é

preciso que o leitor "veja" claramente os acontecimentos. Se no romance o

espaço/tempo é móvel, no conto a linearidade é a sua forma narrativa por excelência.

"A intriga completa consiste na passagem de um equilíbrio a outro. A narrativa ideal, a

meu ver, começa por uma situação estável que será perturbada por alguma força,

resultando num desequilíbrio. Aí entra em ação outra força, inversa, restabelecendo o

equilíbrio; sendo este equilíbrio parecido com o primeiro, mas nunca idêntico." (Gom

Jabbar em Hardcore, baseado em Tzvetan Todorov).

Em outras palavras: no geral o conto "se apresenta" com "uma ordem". O conflito traz

uma "desordem" e a solução desse conflito (favorável ou não) faz retornar à "ordem" –

agora com ganhos e perdas, portanto essa ordem difere da primeira. "O conto é um

problema e uma solução", diz Enrique Aderson Imbert.

[editar] Diálogos

Os diálogos são de suma importância; sem eles não há discórdia, conflito, fundamentais

ao gênero. A melhor forma de se informar é através dos diálogos; mesmo no conto em

que o ingrediente narrativo seja importante. "A função do diálogo é expor." (Henry

James, 1843-1916).

Em alguns escritores o diálogo é uma ferramenta absolutamente indispensável. Caio

Porfírio Carneiro, por exemplo, chega ao ponto de escrever contos compostos apenas

por diálogos, sem que, em nenhum instante, apareça um narrador. Em 172 páginas de

Trapiá, um clássico da década de 60, há apenas seis páginas sem diálogos. Vejamos os

tipos de diálogos:

1. Direto: (discurso direto) as personagens conversam entre si; usam-se os

travessões. Além de ser o mais conhecido é, também, predominante no conto.

2. Indireto: (discurso indireto) quando o escritor resume a fala da personagem em

forma narrativa, sem destacá-la. Vamos dizer que a personagem conta como

aconteceu o diálogo, quase que reproduzindo-o. Essas duas primeiras formas

podem ser observadas no conto "A Missa do Galo", Machado de Assis.

3. Indireto livre (discurso indireto livre) é a fusão entre autor e personagem

(primeira e terceira pessoa da narrativa); o narrador narra, mas no meio da

Page 38: Gêneros textuais e ensino de língua materna

narrativa surgem diálogos indiretos da personagem como que complementando

o que disse o narrador.

Veja-se o caso de "Vidas secas": em certas passagens não sabemos exatamente quem

fala – é o narrador (terceira pessoa) ou a consciência de Fabiano (primeira pessoa)?

Este tipo de discurso permite expor os pensamentos da personagem sem que o narrador

perca seu poder de mediador.

1. Monólogo interior (ou fluxo de consciência) é o que se passa "dentro" do

mundo psíquico da personagem; "falando" consigo mesma; veja algumas

passagens de Perto do coração selvagem, de Clarice Lispector. O livro A canção

dos loureiros (1887), de Édouard Dujardin é o precursor moderno deste tipo de

discurso da personagem. O Lazarillo de Tormes, de autor desconhecido, é

considerado o verdadeiro precursor deste tipo de discurso. Em Ulisses, Joyce

(inspirado em Dujardin) radicalizou no monólogo interior.

[editar] Focos narrativos

1. Primeira pessoa: Personagem principal conta sua história; este narrador limita-

se ao saber de si próprio, fala de sua própria vivência. Esta é uma narrativa típica

do romance epistolar (século XVIII).

2. Terceira pessoa: O texto é narrado em 3ª pessoa e neste caso podemos ter:

A) Narrador observador: o narrador limita-se a descrever o que está acontecendo,

"falando" do exterior, não nos colocando dentro da cabeça da personagem; assim não

sabemos suas emoções, idéias, pensamentos. O narrador apenas descreve o que vê, no

mais, especula.

B) Narrador onisciente conta a história; o narrador tudo sabe sobre a vida das

personagens, sobre seus destinos, idéias, pensamentos. Como se narrasse de dentro da

cabeça delas.

Relato de um Miserável

Page 39: Gêneros textuais e ensino de língua materna

1

Wanderley. · Goiânia, GO

23/4/2008 · 177 · 3

 

Me chamo Jahari e pretendo relatar aqui a vocês um pouco da minha deplorável

vida, ou existência.

Meus pais morreram em uma invasão à aldeia em que vivíamos quando eu tinha

apenas 6 anos. Tenho infelizes lembranças daquele acontecido. Lembro-me dos meus

pais gritando, berrando, urrando, suplicando por piedade, fato que se sucedera por um

estrondo de tiro. Eu ficara ali, estático, naquele cubículo onde meus pais haviam me

aconselhado esconder. Observara àquilo com um ar intrigante e inquieto, tentando

entender o que estava acontecendo, pois naquela época não tinha maturidade o

suficiente para entender o que, de fato, significava a morte. Não tinha maturidade o

suficiente para compreender que, a partir daquele momento, nunca mais os veria

novamente.

Aqueles gritos atormentam minha mente a todo instante até os dias atuais.

Hoje completo 14 anos. Mas e daí? Quem se importa? Quem ao menos sabe disso? Bem

queria ganhar um pão de presente. Mas não tenho amigos a quem posso confiar tal

pedido. E mesmo se tivesse, não creio que se dariam ao trabalho de me arrumar algo tão

valioso.

Até tento evitar de me lembrar de comida, ainda mais hoje que estou faminto,

pois, sempre que o faço, meus olhos se enchem d'água e minha boca seca

automaticamente dá-se lugar a uma acelerada salivação.

Faz pouco mais de quatro dias que não como nada. Juro que, neste instante, seria

capaz de comer até carne humana.

Page 40: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Além da fome, o cansaço também me domina, pois há muito tempo sigo essa

minha caminhada sem rumo sob o efeito desse maldito sol escaldante.

Paro para descansar sempre quando a noite chega. Deito no chão e tento dormir, mas

meu estômago ronca tão alto que não me permite fazê-lo muito bem.

A jornada prossegue. O forte bodum que exalava do meu corpo começa a ficar

insuportável até mesmo para mim. Não consigo nem me lembrar de quando fora a

última vez que tomara um banho decente.

A água do meu cantil improvisado está acabando. A última vez que o

reabastecera tinha sido na última aldeia que encontrara há exatos três dias. Infelizmente,

a água, não tão pura, fora a única coisa que puderam me oferecer. Aquele povo, assim

como eu, era completamente miserável. Optei por continuar minha jornada em busca de

um lugar melhor.

Pode tudo isso até soar exagero de minha parte, mas meu estado de pobreza é

realmente crítico, lamentável, e, sinceramente, não sei até quando conseguirei

sobreviver. Minha desgraçada realidade se resume em uma nua e crua miséria. Vivo

apenas alimentado por minhas expectativas e esperanças.

Não consigo imaginar a catástrofe que fizera para ter sido tão castigado assim. Não

consigo achar um porquê para tudo isso estar acontecendo comigo. Não consigo

entender por que EU fora escolhido e predestinado a sofrer tanto durante TODA minha

existência. Me pergunto a todo momento: Por que EU?

E, pode nem todo mundo concordar, mas tudo isso sempre me põe a refletir,

questionar e duvidar sobre a existência de um Deus.

São várias perguntas sobre minha existência em si que definitivamente me

intrigam. Minha mente está sempre em constante trabalho, apesar de meu lastimável

estado físico não deixar transparecer isso.

Às vezes prefiria não ter nem nascido. Já pensei várias vezes em, simplesmente,

desistir de continuar lutando, mas, apesar de tudo, tenho bastante fé de que, em breve,

encontrarei uma pequena aldeia que tenha condição de me acolher, de me fornecer

qualquer coisa conceituada comestível.

Apesar de toda miséria, fome e carência de lar, família e amigos, ainda vivo,

mas o faço com a plena consciência de que meu grande objetivo vital é, simplesmente...

sobreviver.

Page 41: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Espero que, no mundo afora, quem tem a oportunidade de fazer isso

intensamente, que o faça! E que se alegre por ter tudo que tem, porque existem pessoas,

assim como eu, que não têm absolutamente nada.

Mais do que uma dica, isso é um apelo.

A SITUAÇÃO COMUNICATIVA DO GÊNERO RELATO DE EXPERIÊNCIA

DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Jocília Rodrigues da Silva (UFBP)

Poliana Dayse Vasconcelos Leitão (UFPB)

1. INTRODUÇÃO

Para transformar as atuais práticas de ensino-aprendizagem da língua materna faz-

se necessário adotar a noção de gênero, visto que os gêneros textuais articulam as

práticas sociais e os objetos escolares, constituindo-se em instrumentos privilegiados

para o desenvolvimento das capacidades necessárias à compreensão/ produção oral e

escrita dos mais variados textos existentes, pois, como afirmam muitos estudiosos,

aprender a falar, ler e escrever é, principalmente, aprender a compreender e produzir

enunciados através de gêneros. Entretanto, em virtude de o trabalho com esta noção ser

ainda recente e estar se expandindo, verifica-se a necessidade de pesquisas voltadas para

a descrição dos gêneros e para a intervenção, com vistas ao desenvolvimento das

habilidades para apropriação de gêneros.

Tendo em vista tal necessidade, pretendemos esboçar um modelo escolar de relato

de experiência, que favoreça, sobretudo, a formação de professores. Nesse sentido, a

pesquisa sobre a descrição dos gêneros se torna imprescindível e anterior a qualquer

projeto de intervenção didática, pois segundo Schneuwly & Dolz (1997), o gênero

trabalhado como objeto de ensino-aprendizagem é sempre uma variação do gênero de

referência.

Com essa visão, o presente trabalho tem por objetivo reunir elementos para a

descrição do gênero relato de experiência, observando o nível da situação de ação de

linguagem, isto é, a situação comunicativa em que os textos pertencentes a esse gênero

são produzidos. O corpus deste trabalho está constituído de 15 relatos de experiência,

sendo 05 relatos da revista Leitura: Teoria e Prática, 05 da revista Psicopedagogia e 05

da revista Linha D’água.

2. SITUANDO O RELATO DE EXPERIÊNCIA NOS AGRUPAMENTOS DOS

Page 42: Gêneros textuais e ensino de língua materna

GÊNEROS

De acordo Schneuwly (1998:04), o termo gênero, advindo da retórica e da

literatura, ganhou extensão na obra de Bakhtin (1979), que define gênero como sendo

tipos relativamente estáveis de enunciados elaborados em cada esfera de troca (lugar

social dos interlocutores), os quais são caracterizados pelo conteúdo temático, estilo e

construção composicional, e escolhidos em função de uma situação definida por alguns

parâmetros (finalidade, destinatários, conteúdo). Ou seja, os gêneros do discurso seriam

formas de dizer sócio-historicamente cristalizadas provenientes das necessidades

produzidas em diferentes lugares sociais da comunicação humana.

Como afirmam Santos & Barbosa (1999: 04), a noção de gênero considera, além

dos elementos da ordem do social e do histórico, aspectos estruturais do texto, situação

de produção e forma de dizer. Esta noção de gênero vem sendo adotada para o processo

de ensino/ aprendizagem de língua materna, favorecendo uma melhor produção e

compreensão de textos orais e escritos, através da seleção que oriente as propostas

curriculares, definindo princípios, delimitando objetivos, conteúdos e atividades (Santos

& Barbosa, op.cit. p. 05).

Dolz & Schneuwly (1996), vislumbrando o processo ensino/aprendizagem,

propuseram cinco agrupamentos de gêneros com base em três critérios: domínio social

da comunicação a que pertencem; capacidades de linguagem envolvidas na produção e

compreensão desses gêneros e sua tipologia geral. São eles:

a) Agrupamento da ordem do narrar – envolve os gêneros cujo domínio é o da

cultura literária ficcional, marcados pela manifestação estética e caracterizados

pela mimesis da ação através da criação, da intriga no domínio do verossímil..

Exemplos: contos de fada, fábulas, lendas, narrativas de aventura, de enigma,

ficção científica, crônica literária, romance, entre outros.

b) Agrupamento da ordem do relatar – comporta os gêneros pertencentes ao

domínio social da memorização e documentação das experiências humanas,

situando-as no tempo. Exemplos: relato de experiências vividas, diários

íntimos, diários de viagem, notícias, reportagens, crônicas jornalísticas, relatos

históricos, biografias, autobiografias, testemunhos etc.

c) Agrupamento da ordem do argumentar – inclui os gêneros relacionados ao

domínio social da discussão de assuntos sociais controversos, objetivando um

entendimento e um posicionamento frente a eles, exigindo para tanto,

sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição. Exemplos: textos

Page 43: Gêneros textuais e ensino de língua materna

de opinião, diálogos argumentativos, cartas de leitor, cartas de reclamação,

cartas de solicitação, debates regrados, editoriais, requerimentos, ensaios

argumentativos, resenhas críticas, artigos assinados, entre outros.

d) Agrupamento da ordem do expor – engloba os gêneros relacionados ao domínio

social de transmissão e construção de saberes, visando de forma sistemática

possibilitar a apreensão dos conhecimentos científicos e afins, numa

perspectiva menos assertiva e mais interpretativa, exigindo a apresentação

textual de diferentes formas dos saberes. Exemplos: textos expositivos,

conferências, seminários, resenha, artigos, tomadas de notas, resumos de

textos expositivos e explicativos, relatos de experiência científica.

e) Agrupamento da ordem do descrever ações – reúne os gêneros cujo domínio

social é o das instruções e prescrições, revisando a regulação ou normatização

de comportamentos. Exemplos: receitas, instruções de uso, instruções de

montagens, bulas, regulamentos, regimentos, estatutos, constituições, regras de

jogo.

Neste enfoque, o relato de experiência de atuação profissional é entendido com um

gênero de texto que pertence ao agrupamento dos gêneros da ordem do expor, cujo

domínio social de comunicação é o da transmissão e construção de saberes. Nesse

sentido, quando informado teoricamente, o relato de experiência permite a apreensão de

conteúdos numa perspectiva que envolve a interpretação ao lado da asserção,

constituindo-se num instrumento relevante para registrar a produção do conhecimento

sobre a construção do processo de ensino-aprendizagem em sala de aula.

2. 1. Situação de ação de linguagem (ou comunicativa).

De acordo com Schneuwly (1998, apud Machado, 1999, p. 97), toda produção

textual tem como base de orientação uma situação de ação de linguagem, que envolve

representações do produtor sobre aspectos dos mundos físico e sócio-subjetivo. Essas

representações se manifestam em duas direções: a do contexto de produção, constituído

por oito tipos de representações: local, momento de produção, emissor, receptor,

instituição onde se dá a interação, o papel social representado pelo emissor e receptor,

objetivos que o enunciador quer atingir sobre o destinatário; e a do conteúdo temático,

aquilo que é ou pode ser dito, através do gênero, marcado por uma construção

composicional, estilo.

Considerando esta perspectiva, tentaremos descrever como se manifestam as

representações do contexto de produção em relatos de experiência de atuação

Page 44: Gêneros textuais e ensino de língua materna

profissional, publicados em periódicos. A observarmos os relatos de experiência de

atuação profissional em três diferentes periódicos de divulgação científica, verificamos

que o primeiro agente a influenciar a produção desse gênero é a instituição onde se dá a

interação, representada pela Associação de Leitura do Brasil (ALB) encarregada da

publicação da Revista Leitura: Teoria e Prática; Associação Brasileira de

Psicopedagogia (ABP) responsável pela publicação da Revista Psicopedagogia, e a

Associação de Professores de Língua e Literatura (APLL) que publica a Revista Linha

D’água. É interessante ressaltar que o fato de as revistas estarem vinculadas a

associações revela que elas têm um posicionamento sócio-histórico e ideológico

determinado e que seus informantes, bem como os assinantes aceitam esse

posicionamento. Outro aspecto importante é que todas as revistas analisadas afirmam

que os artigos assinados são de responsabilidade dos autores, mas se reservam o direito

de publicar ou não as matérias enviadas. A partir, desta afirmação constata-se que o

conselho editorial das revistas mantém controle sobre o que é publicado e, num tom

sugestivo, direciona a leitura do leitor, uma vez que acredita conhecer o perfil de seus

leitores-modelo, dessa forma, o como de ação adotado no e pelo discurso se constrói no

conteúdo previsto.

Levando em conta os leitores-modelo, constatamos nos periódicos analisados, três

tipos: 1) Na revista Leitura: Teoria e Prática, segundo Silva (1998), seu destinatário é

um professor-leitor em formação que assume a postura reflexiva e crítica diante da

leitura1[1]; 2) Na revista Linha D’água, o leitor é um professor de Língua e Literatura

em nível de 1º e 2º graus “interessado, à procura de questões que possam levá-lo a rever

sua prática ou um professor cansado e explorado, querendo respostas, caminhos claros

que facilitem sua tarefa tão pouco satisfatória quanto aos resultados educacionais e

financeiros. Em um ou outro caso, é um professor que ainda não perdeu o entusiasmo e

se interessa por publicações de sua área e procurando respostas prontas questiona as que

obteve e ao encontrar novas questões assume-as com rigor de certeza” (Mariano, 1988);

3) Na revista Psicopedagogia, os destinatários são profissionais atuantes na área de

Psicopedagogia e áreas afins (Fonoaudiologia, Psicologia, Pedagogia, Serviço Social),

preocupados em definir as abordagens preventivas e terapêuticas de Psicopedagogia.

(Noffs, 1998).

Percebemos que ao controlar os artigos a serem publicados, a instituição através

do conselho editorial também seleciona os papéis de produtor, que se assemelham ao

1

Page 45: Gêneros textuais e ensino de língua materna

perfil de leitor-modelo esperado pela revista. Desse modo, vamos ter como emissor da

revista Leitura: Teoria e Prática, alunos e/ou professores envolvidos com atividades em

nível de 3º grau ou pós-graduação e bibliotecários, preocupados com o ensino-

aprendizagem de leitura nos seus aspectos teóricos e práticos. Na revista Linha d’água,

o emissor está representado por professores do 3º grau ou mestrandos, interessados em

divulgar seus trabalhos e contribuir para a melhoria das práticas de leitura e produção de

textos no ensino de 1º e 2º graus. Na revista Psicopedagogia, o emissor é um

profissional graduado em Pedagogia, Fonoaudiologia, Psicologia, Serviço Social e área

afins, com pós-graduação em nível de mestrado e/ou doutorado em Psicopedagogia,

preocupados com os problemas de aprendizagem escolar.

Tendo em vista os perfis de leitores e produtores, podemos constatar que as

revistas Leitura: Teoria e Prática e Linha d’água têm como finalidade estabelecer um

diálogo com o receptor, possibilitando-lhe o acesso a informações e experiências a

respeito da leitura e produção de textos, a reflexão sobre sua própria prática e a

mudança de perspectiva. Além de se preocupar com a formação do professor-leitor

reflexivo e crítico, a revista Psicopedagogia objetiva informar os profissionais de

Psicopedagogia e áreas afins quanto às possíveis soluções para os problemas de ensino-

aprendizagem de ordem patológica ou não.

Em função dos objetivos traçados por cada revista, verificamos que estes refletem

o discurso de transformação social, divulgado pelo momento sócio-histórico em que

vivemos, assimilado no contexto educacional, através da teoria sócio-interacionista de

Vygotsky e da de leiturização de Foucambert, fundamentada nas idéias de Paulo Freire.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da observação das direções que norteiam as representações dos gêneros

textuais, o contexto de produção e o conteúdo temático, verificamos que, nos periódicos

analisados, os relatos de experiência refletem a representação que os periódicos têm

acerca do mundo físico e sócio-subjetivo relacionado ao processo de ensino-

aprendizagem. Conseqüentemente, no momento em que os produtores e leitores-modelo

escolhem um determinado periódico como referencial para seu trabalho, assumem a

representação nele apresentada.

Assim sendo, constatamos, como afirma Schneuwly, que o relato de experiência,

assim como toda produção textual, orienta-se por uma situação de ação de linguagem

que está pautada num contexto sócio-histórico-ideológico determinado. Esse contexto é

refletido na concepção teórico-metodológica divulgada pelo periódico, norteando os

Page 46: Gêneros textuais e ensino de língua materna

relatos de experiência que, por sua vez, interferem na formação e atuação do professor.

No caso dos periódicos analisados, estes divulgam o discurso de transformação

social, mostrando que tal transformação depende do professor. Este deve assumir uma

postura crítica e reflexiva sobre sua postura de ensino, reavaliando-a e modificando-a,

implicando numa mudança de perspectiva.

O artigo de opinião

O artigo de opinião como o próprio nome já diz, é um texto em que o autor

expõe seu posicionamento diante de algum tema atual e de interesse de muitos.

É um texto dissertativo que apresenta argumentos sobre o assunto abordado,

portanto, o escritor além de expor seu ponto de vista, deve sustentá-lo através de

informações coerentes e admissíveis.

Logo, as ideias defendidas no artigo de opinião são de total responsabilidade do autor, e,

por este motivo, o mesmo deve ter cuidado com a veracidade dos elementos

apresentados, além de assinar o texto no final.

Contudo, em vestibulares, a assinatura é desnecessária, uma vez que pode

identificar a autoria e desclassificar o candidato.

É muito comum artigos de opinião em jornais e revistas. Portanto, se você quiser

aprofundar mais seus conhecimentos a respeito desse tipo de produção textual, é só

procurá-lo nestes tipos de canais informativos. A leitura é breve e simples, pois são

textos pequenos e a linguagem não é intelectualizada, uma vez que a intenção é atingir

todo tipo de leitor.

Uma característica muito peculiar deste tipo de gênero textual é a persuasão, que

consiste na tentativa do emissor de convencer o destinatário, neste caso, o leitor, a

adotar a opinião apresentada. Por este motivo, é comum presenciarmos descrições

detalhadas, apelo emotivo, acusações, humor satírico, ironia e fontes de informações

precisas.

Como dito anteriormente, a linguagem é objetiva e aparecem repletas de sinais de

exclamação e interrogação, os quais incitam à posição de reflexão favorável ao enfoque

do autor.

Outros aspectos persuasivos são as orações no imperativo (seja, compre, ajude,

favoreça, exija, etc.) e a utilização de conjunções que agem como elementos

Page 47: Gêneros textuais e ensino de língua materna

articuladores (e, mas, contudo, porém, entretanto, uma vez que, de forma que, etc.) e

dão maior clareza às ideias.

Geralmente, é escrito em primeira pessoa, já que trata-se de um texto com

marcas pessoais e, portanto, com indícios claros de subjetividade, porém, pode surgir

em terceira pessoa.

Como fazer um artigo de opinião

Essa semana meu amigo e companheiro de trabalho, Dado Moura, me passou um texto

muito interessante de Stephen Kanitz* sobre como escrever artigos e convencer as

pessoas com a sua opinião. Tendo em vista que muita gente acessa este blog

pesquisando sobre jornalismo opinativo achei pertinente compartilhar este documento

com vocês também.

Como afirma Kanitz, “o segredo de um bom artigo não é talento, mas dedicação,

persistência e manter-se ligado a algumas regras simples”. Cada colunista tem os seus

padrões. Segue abaixo uma síntese das sete dicas deste grande escritor para argumentar

bem:

1. Sempre escreva tendo uma nítida imagem da pessoa para quem está escrevendo.

Imagine alguém com 16 anos de idade ou um pai de família. A maioria escreve

pensando em todo mundo, querendo explicar tudo a todos ao mesmo tempo. Ter uma

imagem do leitor ajuda a lembrar que não dá para escrever para todos no mesmo artigo.

Você vai ter que escolher o seu público alvo de cada vez, e escrever quantos artigos

forem necessários para convencer todos os grupos.

2. Há muitos escritores que escrevem para afagar os seus próprios egos e mostrar para o

público quão inteligentes são. Querer se mostrar é sempre uma tentação, mas, tendo

uma nítida imagem para quem você está escrevendo, ajuda a manter o bom senso e a

humildade. Querer se exibir nem fica bem. Resumindo, não caia nessa tentação, leitores

odeiam ser chamados de burros. Leitores querem sair da leitura mais inteligentes do que

antes, querem entender o que você quis dizer.

Page 48: Gêneros textuais e ensino de língua materna

3. Releia e rescreva os seus artigos quantas vezes forem necessárias. Ninguém tem

coragem de cortar tudo o que tem de ser cortado numa única passada. Parece tudo tão

perfeito, tudo tão essencial. Por isto, os cortes são feitos aos poucos.

4. Você normalmente quer convencer alguém que tem uma convicção contrária à sua.

Se você quer mudar o mundo terá que começar convencendo os conservadores a mudar.

Dezenas de jornalistas e colunistas desperdiçam as suas vidas ao serem tão sectários e

ideológicos que acabam sendo lidos somente pelos já convertidos. Não vão acabar nem

mudando o bairro, somente semeando ódio e cizânia.

5. Cada ideia tem de ser repetida duas ou mais vezes. Na primeira vez você explica de

um jeito, na segunda você explica de outro. Informação é redundância. Você tem que

dar mais informação do que o estritamente necessário.

6. Se você quer convencer alguém de alguma coisa, o melhor é deixá-lo chegar à

conclusão sozinho, em vez de você impor a sua. Se ele chegar à mesma conclusão, você

terá um aliado. Se você apresentar a sua conclusão, terá um desconfiado. Então, o

segredo é colocar os dados, formular a pergunta que o leitor deve responder, dar alguns

argumentos importantes e parar por aí. Se o leitor for esperto, ele fará o passo seguinte,

chegará à terrível conclusão por si só e se sentirá um gênio.

7. É preciso ser conciso, direto e achar soluções mais curtas. Escreva um texto de quatro

páginas, depois, reduza a duas e, mais adiante, a uma. Assim, você aprende a tirar as

“linguiças” e redundâncias.

Texto instrucional

-os textos instrucionais são aqueles cuja função é instruir, ensinar, mostrar como algo

deve ser feito.

-eles descrevem etapas que devem ser seguidas. Dentro desta categoria, encontramos

desde as mais simples receitas culinárias até os complexos manuais de instrução para

montar o motor de um avião.

-existem numerosas variedades de textos instrucionais: além de receitas e manuais,

estão os regulamentos, estatutos, contratos, instruções de jogos etc.

-referindo-nos especialmente às receitas culinárias e aos textos que trazem instruções

para organizar um jogo, realizar um experimento, construir um artefato e concertar um

Page 49: Gêneros textuais e ensino de língua materna

objeto, entre outros, distinguimos duas partes, uma, contém listas de elementos a serem

utilizados, a outra, desenvolve as instruções.

-as instruções configuram-se, habitualmente, com orações bimembres, com verbos no

modo imperativo (misture a farinha com o fermento), ou orações unimembres formadas

por construções com o verbo no infinitivo (misturar a farinha com o açúcar).

-o estudo de textos normativos também pode ser associado ao estudo de sinalizações

normalmente utilizadas com a mesma função, por exemplo, os sinais de trânsito e outras

placas indicativas como: “proibido fumar”, “reservado a deficientes físicos”, etc.

-todos eles, independente de sua complexidade, compartilham da função apelativa da

linguagem, à medida que prescrevem ações e empregam a trama descritiva para

representar o processo a ser seguido na tarefa empreendida.

-em nosso cotidiano, deparamo-nos constantemente com textos instrucionais, que nos

ajudam a usar corretamente um processador de alimentos ou um computador; a fazer

uma comida saborosa ou a seguir uma dieta para emagrecer.

-é necessário atribuir um título como por ex. "Bolo de cenoura".

Resposta de questão interpretativa/argumentativa

- os gêneros têm como foco central responder uma pergunta marcada ou não marcada.

Na resposta argumentativa, o candidato deve trazer argumentos extratextuais, já

na resposta interpretativa é quase sempre indispensável o uso de comprovações, não

sendo permitido fazer interpretações literais.

Escreva um texto NARRATIVO ou um texto DISSERTATIVO a respeito do seguinte

tema:

QUANDO SE JUSTIFICA MENTIR?

Para o texto NARRATIVO, atente para as seguintes instruções: redija a narrativa em 1.ª

ou 3.ª pessoa, de forma que o conflito seja desencadeado por uma MENTIRA; além do

conflito, o texto deverá ter personagens e desfecho adequados ao tema.

Para o texto DISSERTATIVO, você poderá se basear nos excertos a seguir, sem,

contudo, poder copiar informações deles. Eleja uma tese e defenda-a com argumentos

convincentes.

Excerto 1

(...)

Os pais ensinam os filhos desde cedo que mentir é muito feio. Que gente mentirosa é

mal vista pela sociedade.

Page 50: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Mas vamos falar a verdade. O que mais existe no mundo é mentira (...)

Mentir é considerado o quinto pecado capital, mas quem já não teve de lançar mão

desse recurso para se sair de uma situação complicada? Muita gente acredita que, se for

uma mentirinha inofensiva que não prejudique ninguém, não faz mal. Mesmo que isso

funcione algumas vezes, mais vale uma verdade dolorida do que uma mentira mal

contada.

(...)

O Diário do Norte do Paraná, 1.º/04/2005.

Excerto 2

(...)

A interpretação da mentira depende, portanto, do “código de ética” seguido pelo

mentiroso. Para o utilitarista, por exemplo, a mentira se justifica quando, através dela, se

produz maior felicidade. Esse é o caso do comentário que se faz ao moribundo (“como

você está bem ...”) ou do consolo do dentista (“não vai doer nada ...”) ou da formalidade

dos adversários quando se encontram em público (“que prazer em vê-lo ...”) ou mesmo

do final da carta desaforada (“com a minha alta estima e elevada consideração ...”).

(...)

José Pastore

Folha de S. Paulo, 20/05/1987.

Disponívelhttp://www.josepastore.com.br/artigos/cotidiano/057.htm

Page 51: Gêneros textuais e ensino de língua materna

TEMA

Freqüentemente nos deparamos com situações em que se verifica a desobediência às leis

de trânsito, quer nas zonas urbanas, quer nas rurais ou nas estradas em geral. Isso tem

ocasionado sérios problemas e conseqüências irreversíveis às pessoas, ao meio ambiente

e ao Estado. Sobre esse tema, escolha uma das tipologias abaixo para produzir sua

redação.

a) Texto DISSERTATIVO: apresente um problema criado pela desobediência às leis de

trânsito e as

possíveis soluções para resolvê-lo;

b) Texto NARRATIVO: apresente uma história em que a(s) personagem(ns)

vivencie(m) um conflito

gerado por um problema de desobediência às leis de trânsito, com sua resolução.

Page 52: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Você pode usar exemplos de seu cotidiano, desde que não identifique pessoas com seus

nomes verdadeiros.

Page 53: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Leia o texto de parte da entrevista concedida pelo economista Erick Hanushek à revista

Veja, edição de 17 de setembro de 2008; esse texto pode fornecer subsídios ao

desenvolvimento do tema de sua redação.

Seus estudos recentes comprovam uma forte relação entre educação e

crescimento econômico. Com o Brasil nas últimas colocações em rankings

internacionais de ensino, o que se pode dizer sobre a economia?

Com esse desempenho, as chances de o Brasil crescer em ritmo chinês e se

tornar mais competitivo no cenário internacional são mínimas. Digo isso baseado nos

números que reuni ao longo das últimas décadas. Eles mostram que avanços na sala de

aula têm peso decisivo para a evolução dos indicadores econômicos de um país. Olhe o

caso brasileiro. Se as notas dos estudantes subissem apenas 15% nas avaliações, o Brasil

somaria, a cada ano, meio ponto porcentual às suas taxas de crescimento. Isso

significaria, hoje, avançar em um ritmo 10% maior. Vale observar que o que impulsiona

a economia é a qualidade da educação, e não a quantidade de alunos na escola.

O Brasil colocou 97% das crianças na sala de aula. Isso não tem impacto na

economia?

A massificação do ensino, por si só, tem pouco efeito – e a matemática não deixa

dúvida quanto a isso. Os dados mostram que a influência da educação passa a ser

decisiva apenas quando ela é de bom nível. Aí, sim, consegue empurrar os indivíduos e

a economia.

A relação é simples. Países capazes de proporcionar bom ensino a muita gente

ao mesmo tempo elevam rapidamente o padrão de sua força de trabalho. Quando uma

população atinge alta capacidade de raciocínio e síntese, torna-se naturalmente mais

produtiva e capaz de criar riquezas para o país. Nesse sentido, a posição do Brasil é

desvantajosa. Faltam aos alunos habilidades cognitivas básicas, e isso funciona como

um freio de mão para o crescimento. Esse cenário, que já era preocupante décadas atrás,

agora é ainda mais nocivo.

Na comemoração de seus 40 anos, a mesma revista Veja promoveu o seminário

“O Brasil que queremos ser”, no qual foi abordado, entre outros, o seguinte tema:

“Educação com qualidade: os caminhos da produtividade e da prosperidade”.

PROPOSTA 1

Page 54: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Reportando-se a suas ideias e informações, desenvolva um artigo de opinião, discutido

sobre o Brasil que queremos ser, com foco na relação entre educação,

produtividade e prosperidade.

PROPOSTA 2

Produza um resumo, em até 10 linhas, sobre a temática: o Brasil que queremos ser,

com foco na relação entre educação, produtividade e prosperidade.

TEMA

Page 55: Gêneros textuais e ensino de língua materna

Uma leitura mais profunda sobre a temática da mulher revela, muitas vezes, uma

imagem deturpada, provocando uma indagação, uma reflexão sobre as marcas do

feminino, presentes nos textos a seguir, que servirão de ponto de partida para a sua

produção textual.

I. Nem é preciso repetir as profundas alterações sofridas pelo papel feminino no

decorrer das últimas cinco décadas. [...]

Uma das questões suscitadas pelas transformações dos costumes diz respeito às

articulações entre o advento da puberdade e a aquisição do que se costuma chamar

“identidade de gênero”.

Atualmente é mais fácil verificar que as mudanças biológicas — obviamente manifestas

de formas diferentes para o menino e para a menina — não têm gerado os efeitos de

outrora em seus comportamentos e, até mesmo, na aparência física. Garotas e rapazes

convivem em salas mistas, usam uniformes idênticos, praticam os mesmos esportes,

preparam-se para as mesmas profissões. As fronteiras entre os respectivos papéis estão

cada vez mais diluídas.

Estas evidências comprovam a impossibilidade não apenas de atribuir a feminilidade ou

a masculinidade às diferenças anatômicas, como também de poder definir o tornar-se

homem ou tornar-se mulher apenas pela aprendizagem, ou aquisição, dos papéis de

gênero impostos pelo sistema social.

NASCIMENTO, Angelina Bulcão. Quem tem medo da geração shopping? uma

abordagem psicossocial. Salvador: Secretaria de Cultura e Turismo. EDUFBA, 1999. p.

159-160.

II. [...] A mulher sempre foi para o homem “o outro”, seu contrário e complemento. Se

uma parte do nosso ser deseja fundir-se nela, outra, não menos imperiosamente, a separa

e exclui. A mulher é um objeto, alternadamente precioso ou nocivo, mas sempre

diferente.

Ao transformá-la em objeto, em ser aparte e ao submetê-la a todas as deformações que

seu interesse, sua vaidade, sua angústia e até mesmo seu amor lhe ditam, o homem

transforma-a em instrumento. Meio para obter o conhecimento e o prazer, via para

atingir a sobrevivência, a mulher é ídolo, deusa, mãe, feiticeira ou musa, conforme

aponta Simone de Beauvoir, mas nunca pode ser ela mesma. Entre a mulher e nós

interpõe-se um fantasma: o de sua imagem, da imagem que fazemos dela e da qual ela

se reveste. Não podemos sequer tocá-la como carne que se ignora a si mesma, porque

Page 56: Gêneros textuais e ensino de língua materna

entre nós e ela, desliza esta visão dócil e servil de um corpo que se entrega. E com a

mulher acontece o mesmo: não se sente nem se imagina, a não ser como objeto, como

“outro”. Nunca é dona de si. Seu ser se divide entre o que é realmente e a imagem que

faz de si. Uma imagem que lhe foi impressa por família, classe, escola, amigas, religião

e amante. Sua feminidade nunca se expressa, porque se manifesta por meio de formas

inventadas pelo homem. [...]

PAZ, Octavio. O labirinto da solidão e post scriptum. Tradução Eliane Zagury. Rio

de Janeiro:Paz e Terra, 1992. p. 177-178. (Clássicos Latino-Americanos).

III.

É TEMPO DE MULHER

a mulher ainda desespera

à espera do primeiro beijo

úmido de sim

e permissão de macho

a mulher no entanto conspira

na sua ira secular de silêncio

em sua ilha de nãos

e arremessos

exercitando batalhões oníricos

o relógio com suas obrigações e rugas

questiona eros

homo

hetero

o útero e seu mistério

sapato de salto

batom

rouge

e este inadiável instante etéreo

de saltar

para

dentro

Page 57: Gêneros textuais e ensino de língua materna

de

si

na conquista do espaço além da moda

[...]

CUTI. É tempo de mulher. In: QUILOMBHOJE (Org.). Cadernos negros: os melhores

poemas. São Paulo: Quilombhoje, 1998. p. 52-53.

IV. COR DE ROSA CHOQUE

Nas duas faces de Eva

A bela e a fera

Um certo sorriso

De quem nada quer

Sexo frágil

Não foge à luta

E nem só de cama

Vive a mulher

Por isso não provoque

É cor-de-rosa choque

Não provoque

É cor-de-rosa choque

Mulher é bicho esquisito

Todo mês sangra

Um sexto sentido

Maior que a razão

Gata borralheira

Você é princesa

Dondoca é uma espécie

Em extinção

Por isso não provoque

É cor de rosa choque

Não provoque

É cor de rosa choque

Page 58: Gêneros textuais e ensino de língua materna

CARVALHO, Roberto de; LEE, Rita. Cor de rosa choque. Disponível em:

<http://www.rita-lee.cor-derosa-

choque.buscaletras.com.br/>. Acesso em: 10 jul. 2007.

Elabore uma carta ao Editor, Pedro Câncio, da Revista Mulher, discutindo os aspectos

distintos do que é ser mulher e ser homem numa sociedade plural e capitalista como a

brasileira. Assine como Valdete, com até 15 linhas.