Gnero, Sindicalismo e Poder nos Anos 90: Analisando os Impasses da

Participao das Mulheres em Sindicatos Filiados Central nica dos

Trabalhadores num Cenrio de Reestruturao Produtiva

Vernica Clemente Ferreira

Universidade Estadual de Campinas

Financiamento: CNPq.

Orientadora: Profa. Dra. ngela Maria Carneiro Arajo

Fruto de uma pesquisa de mestrado concluda em 20051, este paper analisa a militncia

feminina e a incorporao de demandas relacionadas condio feminina agenda de trs

sindicatos (o Sindicato dos Metalrgicos do ABC, o Sindicato dos Qumicos e Plsticos de

So Paulo e o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancrios de So Paulo) ao

longo dos anos 90. A escolha destes sindicatos baseou-se no papel por eles desempenhado no

processo de renovao das prticas do movimento sindical denominado novo

sindicalismo iniciado nos anos setenta, no bojo dos movimentos populares que eclodiram

no momento da abertura do regime militar brasileiro (Sader, 1988). Alm disso, os trs

sindicatos deste estudo procuraram, a partir dos anos 70, chamar para si as mulheres de suas

categorias, procurando investigar suas necessidades e criando atividades especficas para esse

pblico. Tratava-se menos de mobilizar as mulheres em si, e mais de atrair para a militncia

um contingente significativo da base sindical o que coadunava com a consolidao de uma

prtica de estreitamento dos laos entre diretorias sindicais e trabalhadores do cho de

fbrica. Como conseqncia, ao longo dos anos 80, as mulheres que se engajaram na luta

sindical procuraram dar voz s demandas das trabalhadoras e ampliar sua participao,

inserindo no meio sindical o debate sobre a condio feminina. Contribuiu para esse fato a

sensibilizao dessas sindicalistas pelo discurso do movimento feminista, cujas ativistas

buscaram, desde a dcada de 70, interagir com as militantes dos sindicatos e do movimento

popular de mulheres (Ferreira, 2005).

No perodo compreendido entre a dcada de 80 e os primeiros anos da dcada de 90

houve ampliao do debate sobre relaes de gnero, incluso de uma maior quantidade de

demandas das trabalhadoras na agenda sindical e abertura de espaos para mulheres em

instncias decisrias dos sindicatos. Entre os principais desdobramentos deste processo,

1 Ferreira (2005), vide bibliografia.

1

destacamos a criao da Comisso Nacional da Mulher Trabalhadora (CNMT) em 1986, e de

diversas Comisses de Mulheres nos sindicatos filiados (Delgado, 1996). Destaca-se tambm

a introduo do debate sobre aes afirmativas na CUT e a aprovao, em 1993, da destinao

de cotas de 30% dos cargos de direo dos sindicatos para as mulheres2, que passou a figurar

no Estatuto da CUT.

No decorrer dos anos 90, no entanto, o Brasil passou a sofrer mais diretamente os

efeitos de processos em curso desde a dcada de 70 em todo o mundo. O aumento da

produtividade e da competio internacional, somado ao desenvolvimento dos sistemas de

transportes e circulao de informaes motivou ampla reestruturao na indstria e no setor

financeiro, a qual incluiu investimentos macios em inovaes tecnolgicas e em novas

formas de organizao da produo (destacando-se a e externalizao de atividades para

empresas subcontratadas) e o aumento da mobilidade geogrfica das empresas. O conjunto

destas transformaes somou-se ao fortalecimento das polticas neoliberais, e ao

arrefecimento do crescimento econmico das principais economias mundiais, e abriu um

quadro extremamente difcil para os trabalhadores, marcado pelo crescimento do desemprego,

pelo achatamento dos salrios e pelo aumento dos trabalhos por tempo determinado, por

tempo parcial, terceirizado e precrio no Brasil e no mundo (Pochmann, 2004; Santos, 2002,

Harvey, 1992 e 2004, Leite, 2009).

Nos trs setores estudados, a reestruturao produtiva e financeira resultou em

transformaes cujo impacto foi diferente para os homens e as mulheres. Entre os bancrios,

houve uma queda acentuada de postos de trabalho que alterou o perfil sexual da categoria,

aumentando a participao feminina no total de trabalhadores. J nos setores qumico e

metalrgico o percentual das mulheres manteve-se relativamente estvel ao longo do tempo.

A principal mudana, no entanto, foi na forma de insero da mo de obra feminina no

interior das categorias. Nos ramos qumico e metalrgico, a intensificao do desemprego e

da terceirizao aprofundou diferenas entre mulheres e homens, por meio do aumento da

concentrao das primeiras em empresas de pequeno e mdio porte e em postos de trabalho

no qual predominam tarefas repetitivas, rotinizadas, sujeitas ao controle das gerncias e mal

remuneradas (montagem, inspeo de qualidade e embalagem). Na categoria bancria o

aumento da proporo de mulheres e as novas estratgias de gesto dos bancos abriram para

elas oportunidades de ascenso a cargos de gerncia, melhor remunerados. Entretanto, a

reestruturao financeira fez com que surgisse tambm uma outra realidade para o restante da 2Este nmero considerou a porcentagem de participao de mulheres no mercado de trabalho em nvel nacional (35,5%) e a porcentagem de nacional de sindicalizao feminina (25,6%). 6a. Plenria Nacional (24 a 28/08/93), p. 83-85.

2

fora de trabalho feminina - as digitadoras e atendentes de telemarketing, por exemplo. Estas

trabalhadoras perderam seus empregos e foram contratadas - em condies piores por

empresas que prestavam servios para os bancos, ficando, muitas vezes, fora do alcance dos

mecanismos regulatrios das relaes de trabalho articulados pelos sindicatos e

experimentando um aviltamento de seus salrios, vnculos empregatcios e condies de

trabalho. Assim, de modo geral, as mudanas oriundas da reestruturao produziram efeitos

comuns para as mulheres das trs categorias: a intensificao do ritmo do trabalho, o aumento

da presso psicolgica e, conseqentemente, o aumento de doenas profissionais, como as

Leses por Esforos Repetitivos.

O influxo da reestruturao produtiva e financeira implicou em queda da arrecadao,

dificuldades de mobilizao e debilitao do poder de barganha sindical. Nesse de cenrio os

sindicatos foram chamados a lidar com uma nova realidade na qual, para manter ou at

aumentar a participao sindical tornava-se necessrio garantir o atendimento e o

encaminhamento das necessidades dos vrios segmentos das suas bases. Entre estes, incluem-

se as mulheres trabalhadoras e seus problemas e anseios especficos (como por exemplo,

mecanismos de preveno s LER e garantias s lesionadas; instrumentos para combater as

discriminaes salariais e acesso a treinamentos e postos de trabalho; etc.). Para isso, era

preciso possibilitar a participao feminina na militncia sindical cotidiana e nas posies de

liderana de maneira a garantir que as necessidades das mulheres pudessem chegar ao espao

sindical e serem includas entre as demandas politizadas pelo coletivo.

Portanto, na segunda metade dos anos 90, apresentava-se um cenrio dual para o

movimento sindical cutista. Por um lado houvera no perodo anterior um crescimento da

insero de demandas especficas das trabalhadoras nas discusses da Central. As resolues

das Plenrias e Congressos Nacionais (CONCUTs) incluram novas bandeiras de luta, tais

como a proteo aos direitos da maternidade e paternidade (creches, licenas, auxlios), a

diviso da responsabilidade pelo trabalho domstico entre homens e mulheres, os direitos

reprodutivos, a luta contra o Assdio Sexual e contra o controle sobre os corpos das

trabalhadoras (controle do uso de banheiros, revistas) e a luta por igualdade de oportunidades

de acesso ascenso e capacitao profissional. Desses congressos tambm emergiram

propostas de mecanismos para combater a violncia e a discriminao no trabalho e no

movimento sindical, alem de propostas de incluso da temtica de gnero em campanhas de

sindicalizao e cursos de formao, de adaptao dos horrios das atividades sindicais em

funo das necessidades das trabalhadoras e de realizao de eventos com creches.

3

Por outro lado, ainda que houvesse disposio para discutir esses temas, ao longo dos

anos 90 os sindicatos tenderam a priorizar a luta pela preservao do emprego e de direitos

trabalhistas sob ameaa de flexibilizao. Tal fato comprometeu a implementao dessas

resolues e propostas.

Apesar do peso do cenrio recessivo, no ele o nico motivo para a implementao

de polticas de gnero ter sido colocada em segundo plano. Existe outra razo mais profunda,

extremamente delicada e geradora de grandes polmicas no seio do sindicalismo: o

machismo, algo presente e renitente na cultura sindical, como mostraremos adiante, ao

atentarmos para os trs sindicatos pesquisados.

O Sindicato dos Metalrgicos do ABC.

Pioneiro na iniciativa de mobilizar as mulheres de sua base no exato momento em que

despontava como sindicato combativo na dcada de 70, o Sindicato dos Metalrgicos de So

Bernardo do Campo e Diadema tornou-se um dos expoentes do movimento sindical brasileiro

e teve participao fundamental na estruturao da Central nica dos Trabalhadores durante

os anos 80. Ao longo daquela dcada, as militantes metalrgicas obtiveram xito em

consolidar uma Comisso de Mulheres que realizou um trabalho relativamente contnuo.

Desde os anos 70 os metalrgicos de So Bernardo do Campo procuraram estreitar os laos

com movimentos sociais, cuja influncia resultou na ampliao do leque de questes para as

quais seu sindicato atentava. A preocupao do sindicato com as trabalhadoras mostrou-se

bastante pertinente nos anos 90, dadas a queda geral e acentuada da sindicalizao e a

diminuio do nmero de trabalhadoras sindicalizadas3. A busca da insero das mulheres na

vida sindical e a ateno s suas necessidades tornavam-se bastante necessrias para alicerar

a mobilizao. Assim, a partir do 4o. Congresso Nacional dos Metalrgicos (1998), as

resolues congressuais da categoria passaram a traar diretrizes para inserir a questo de

gnero nos programas de formao, nas comisses de negociao coletiva, nas diretorias e nas

organizaes por local de trabalho (OLTs).

Entretanto, a dcada de 90 configurou um cenrio extremamente difcil na trajetria

reivindicativa deste sindicato. Os acordos coletivos do perodo centraram-se nos quesitos

econmicos, tais como a manuteno do emprego e reposio das perdas salariais. Nesse

perodo, as clusulas sociais (relativas a condies de trabalho, segurana, relaes de

trabalho e benefcios), foram pouco ampliadas, mesmo aps exaustivas discusses durante as

3 Entre 1995 e 1999, houve uma queda acentuada da sindicalizao: em 1995 havia 76539 filiados, que passaram a ser 51896 em 1999. Naquele espao de tempo, o numero de scias caiu de 6951 para 3058, ou seja, o nmero de mulheres sindicalizadas caiu 44%, enquanto o nmero total de scios do sindicato caiu 32,2%. A proporo de mulheres no total de sindicalizados, passou de 9,08% do total de sindicalizados em 1995 para 7,5% do total em 1999 (dados do Departamento de Arrecadao do Sindicato dos Metalrgicos do ABC).

4

negociaes coletivas (Arajo, Cartoni e Justo 1999). Na poca, os sindicatos patronais

propuseram a retirada de vrias dessas clusulas, incluindo aquelas que afetavam diretamente

as trabalhadoras. Apesar da insistncia das militantes, foi no reconhecimento da problemtica

especifica de gnero e no encaminhamento das demandas femininas para negociao que

residiu o principal problema da ao sindical dos metalrgicos na dcada de 90. Observamos

atravs da leitura da documentao que, ao longo do tempo, o sindicato buscou ampliar e

tornar mais abrangentes direitos previstos na lei trabalhista, alm de elaborar propostas que

reconheciam a necessidade de homens e mulheres dividirem a responsabilidade pelo cuidado

dos filhos4, mas deparou-se com a negao por parte do empresariado. Deste modo, muitas

das clusulas sociais de proteo maternidade constantes nas pautas limitaram-se a reafirmar

direitos legais.5

No conjunto dos acordos coletivos firmados desde o incio dos anos 90 entre o

sindicato dos metalrgicos do ABC e os sindicatos patronais, percebemos que no existia

qualquer clusula sobre LER, embora nos anos 90, os casos de LER tenham chegado a

constituir 35% dos casos de consulta no Departamento de Sade do Trabalhador e Meio

Ambiente6. Tratava-se de um problema de toda a categoria (agravado pela introduo de

inovaes, por cortes de pessoal e pelo aumento de exigncias sobre a fora de trabalho

remanescente) e que atingiu de forma mais acentuada as mulheres, por estas ocuparem os

postos mais desqualificados e rotinizados. Ao recusar-se a discutir a preveno das LER (ou a

ampliao dos direitos dos lesionados) o patronato buscou se eximir da responsabilidade

sobre o adoecimento dos trabalhadores e principalmente das trabalhadoras. Pelo lado dos

patres, aceitar o proposto significaria abrir mo do controle sobre a fora de trabalho

feminina, contingente mais sujeito ingerncia das chefias sobre seu corpo. Particularmente,

este controle que permite que o ritmo de trabalho nos setores das fbricas onde predomina o

trabalho feminino seja intenso, aumentando a produtividade. O controle e a represso so,

portanto, necessidades do processo de acumulao. A mesma postura patronal refratria

discusso manifestou-se quando vieram baila demandas relativas coibio de prticas

autoritrias dirigidas s mulheres (revistas aos corpos das trabalhadoras e controle de uso de

banheiros, por exemplo) 7 e punio ao assdio sexual.

4 A exemplo da extenso aos homens do direito dispensa do trabalho para levar o filho ao mdico. Minutas de Reivindicaes - Contrato Coletivo de Trabalho. Departamento Nacional dos Metalrgicos da CUT SP, 1990 e 1995.5Minutas de Contrato Coletivo de Trabalho. Departamento Nacional dos Metalrgicos da CUT SP, 1990 e 1995.6 Cartilha LER SMABC, Depto. de sade. S/d. (provavelmente 1997)7Minutas do acordo coletivo. Departamento Nacional dos Metalrgicos - CUT , 1990-1997.

5

O assdio sexual figurava, desde as dcadas de 70, como um dos principais temas

quando se discutiam questes relativas condio feminina durante os primeiros Encontros e

Congressos de trabalhadoras. Em 1994 esta demanda foi lanada pelo Sindicato dos

metalrgicos do ABC como proposta para o acordo coletivo.8 A proposta, pioneira no

movimento sindical brasileiro, sinaliza a sensibilizao das lideranas metalrgicas, realizada

por meio de debates no interior da CUT e do dilogo com o feminismo. Insistentemente

apresentada entre 1994 e 1997, foi recusada pelos empresrios.

Percebe-se, ao observar a trajetria das reivindicaes especficas das mulheres, que

embora o sindicato tenha se sensibilizado em relao a essas demandas, tal sensibilizao no

teve contrapartida na converso destas em clusulas de acordos coletivos. Alm da conjuntura

hostil e da intransigncia patronal, pesou neste desfecho o vis de gnero embutido na forma

como a categoria reunida escolheu as questes que comporiam a pauta de reivindicaes e na

maneira como as comisses de negociao (majoritariamente masculinas) priorizaram a

defesa de certas demandas (salrio e emprego) em detrimento de outras (garantias sociais e

coibio da discriminao mulher) no momento da negociao.

O Sindicato dos Qumicos e Plsticos de So Paulo.

O Sindicato dos Trabalhadores das Indstrias Qumicas e de Plsticos de So Paulo

1994, importante durante o nascimento e consolidao do sindicalismo cutista, tambm

procurou estimular a participao feminina atravs de sua Comisso de Mulheres, formada

nos anos 80 e atuante at o incio dos 90, quando foi transformada em Secretaria da Mulher.

A partir do final da dcada de 80, o poder de mobilizao do sindicato foi confrontado

com as transformaes estruturais advindas da reestruturao produtiva e da conjuntura

recessiva, as quais elevaram o desemprego e fomentaram o medo. Estas mudanas implicaram

na diminuio do numero de associados e, conseqentemente, srios problemas de

arrecadao9.

A dificuldade de mobilizao da base nos anos 90 tambm est relacionada, em grande

medida, ao fato do sindicato no ter obtido, nos acordos coletivos realizados at 1994, o

reconhecimento das OLTs pelo empresariado. Tais fatores implicaram em maior dificuldade

de organizar as campanhas salariais e, conseqentemente, de incorporar novas clusulas

8 Minuta de reivindicaes do contrato Coletivo de trabalho. Federao Estadual dos Metalrgicos da CUT SP, 1994.9 Durante o perodo de pesquisa, o sindicato unificado encontrava-se com srios problemas financeiros, cortando funcionrios, servios e at departamentos importantes, como o Departamento de Sade (substitudo temporariamente por uma atuao do Departamento Jurdico junto aos Conselhos Regionais de Sade do Trabalhador)

6

sociais aos acordos coletivos, restringindo o papel dos mesmos reposio das perdas

salariais. (Arajo, Cartoni e Justo 1999).

Embora os anos 90 tenham sido crticos do ponto de vista da incorporao de direitos,

a discusso sobre relaes de gnero se manteve bastante viva at meados da dcada graas

atuao da Comisso/Secretaria da Mulher. Nas campanhas salariais de 1992 a 96, os

qumicos conseguiram inserir nos acordos coletivos clusulas que ampliaram paulatinamente

a proteo maternidade e estenderam estas conquistas para os homens, indo alm, algumas

vezes, do que era determinado pela lei (como a extenso do reembolso das despesas com

creche para mes adotantes e pais com a guarda legal dos filhos; o reembolso mensal das

despesas com filho excepcional e a licena maternidade para mes adotantes)10. O sindicato

foi derrotado na mesa de negociaes ao pleitear outros benefcios, como a extenso do

direito licena adotante para os homens, por exemplo. Ainda assim, os direitos obtidos

foram importantes num contexto em que sua ampliao era difcil.

Analogamente aos metalrgicos, mostrou-se relevante a no obteno de clusulas

relativas s Leses por Esforos Repetitivos na convenes coletivas do perodo estudado,

visto que o crescimento do nmero de acometidos - principalmente mulheres foi

amplamente noticiado na imprensa sindical11. Tal fato indica que as propostas lanadas pela

Federao dos Qumicos de So Paulo at aquele momento enfrentaram oposio ferrenha dos

sindicatos patronais representados pela FIESP.

Tal oposio tambm se manifestou na negociao de mecanismos para abolir a

desigualdade salarial entre homens e mulheres, como a reivindicao de registro em carteira

compatvel com a funo exercida, obtida no acordo coletivo de 1994/95 (Soares, 1998) e

substituda, na conveno coletiva de 1997-1998, por outra mais genrica - que garantia

salrio igual quando a funo exercida fosse idntica, (sem distino de sexo e sem

contemplar instrumentos jurdicos para assegurar esse direito) 12.

Nos ltimos anos da dcada de 90 a possibilidade da ampliao dos direitos das

trabalhadoras por via de negociaes coletivas mostrou-se bastante limitada, fato que se

expressa na dificuldade em negociar questes relativas violncia contra a mulher no espao

fabril e ao assdio sexual13. A imprensa do sindicato foi bastante eficiente em denunciar a

10Sindiluta, 10/11/92, Sindiluta Unificado 04/10/93, Resolues do II Congresso dos Trabalhadores de Indstrias Qumicas, Farmacuticas e de Plsticos de So Paulo (12, 13, 14/07/1996) e Caderno do Acordo Coletivo Conveno Coletiva 97/98. 11 Sindiluta unificado no. 130,04/1999, p.4.12 Caderno do Acordo Coletivo Conveno Coletiva 97/98.13 Sindiluta edies de 04/10/93, 20/03/1987 e 13/04/1987.

7

violncia contra as trabalhadoras. Entretanto, no encontramos, na documentao pesquisada,

indcios de outros tipos de medida, para combater tais prticas.

Apesar do Sindicato dos Qumicos ter sido certamente o que teve seu poder de barganha e

sua infra-estrutura mais enfraquecidos, at a primeira metade dos anos 90 a

Comisso/Secretaria da Mulher desenvolvia com sucesso um rduo trabalho de mobilizao

das trabalhadoras e de sensibilizao da diretoria, tornando algumas reivindicaes femininas

clusulas de acordos coletivos. Entretanto, ao longo daquela dcada houve um processo de

desarticulao desse trabalho (como veremos mais adiante) e na segunda metade da dcada de

90, o trabalho de mobilizao das trabalhadoras encontrava-se quase estagnado, o que

comprometeu o encaminhamento das reivindicaes das mulheres.

O Sindicato dos Bancrios de So Paulo.

Os trabalhadores do sistema financeiro de So Paulo destacaram-se, na dcada de 80, por

sua capacidade de mobilizao e atuao no momento de fundao da CUT. Dentro do

movimento sindical cutista, o Sindicato dos Bancrios de So Paulo adquiriu particular

importncia por abranger trabalhadores urbanos do setor de servios, de classe mdia e, de

modo geral, com alto ndice de escolaridade.

Os anos 90 foram anos de intensa transformao no setor financeiro, havendo uma

elevao das demisses e um enfraquecimento da mobilizao. Num contexto de elevado

desemprego, tambm neste setor as negociaes foram extremamente difceis em funo da

presso dos banqueiros pela retirada de benefcios. A Confederao Nacional dos Bancrios -

CNB, que centralizava nacionalmente as negociaes do setor, lutou fundamentalmente pela

manuteno de direitos e preservao do nvel de emprego, buscando tambm inserir nos

acordos coletivos clusulas relativas terceirizao e sade (Justo 2000).

Sob impacto da reestruturao bancria dos anos 90, as tarefas bancrias passaram a ser

cada vez mais rotinizadas, repetitivas e mecnicas, ocasionando a disseminao da LER na

categoria. As mulheres que realizavam as tarefas de digitao e operao de caixas consistiam

o maior contingente atingido pela doena14. O poder de mobilizao e o aparato jurdico do

sindicato foram postos a servio da luta contra a LER. Os negociadores da CNB obtiveram a

implantao de uma Comisso Paritria Permanente de Sade na Conveno de 1995/96.

Posteriormente, esta comisso elaborou um Programa de Preveno e Acompanhamento de

14Folha Bancria 3127 30/05/94 Dia Internacional da Luta Pela Sade da Mulher Edio Especial.

8

LER/DORT e conseguiu garantir remunerao e tratamento para os bancrios lesionados15

sem, no entanto, a adoo de um enfoque de gnero para esta questo16.

A atividade Comisso de Mulheres do Sindicato dos Bancrios foi fortemente

presente, embora descontnua nos anos 80. Na dcada seguinte, a Comisso (que em 1998

tornou-se Coletivo de Gnero) era bastante atuante, o que pudemos verificar atravs do

acompanhamento de algumas de suas reunies entre 1998 e 1999. Assim, vrios temas de

interesse das bancrias, tais como garantias maternidade (auxlio-creche, licena

maternidade e estabilidade-gestante) figuraram na agenda de discusses e nas minutas de

reivindicaes nos anos 70 e 80. Entre os anos 80 e os anos 90 verificou-se uma mudana no

contedo das reivindicaes: algumas das garantias passaram a ser pleiteadas e obtidas

tambm para os homens (a exemplo do auxlio destinado a ressarcir despesas com creches ou

com contratao de bab). O sindicato obteve, alm disso, a ampliao das garantias

paternidade, que se tornavam cada vez mais relevantes na sua agenda17.

O sindicato e a CNB defenderam tambm a ampliao do perodo de estabilidade das

gestantes e a extenso desta estabilidade para a gestante que sofresse aborto e para os

bancrios que se tornassem pais na mesa de negociao, conseguindo estabelec-la, na

Conveno coletiva nacional de 1995/199618, ampliando garantias previstas na Constituio e

na CLT, uma vez que ambas no reconhecem a responsabilidade dos pais pelo cuidado das

crianas. Trata-se de importantes vitrias, pois vrias categorias importantes obtiveram estes

direitos apenas para as mulheres. Tais conquistas, numa poca em que a prpria manuteno

de clusulas sociais era particularmente difcil, pressupe um enorme empenho e firmeza dos

negociadores da CNB na defesa destas reivindicaes no momento da discusso com os

banqueiros. Tal fato resultou da percepo, pelo sindicato, da relevncia do fenmeno da

feminizao crescente da categoria bancria. Alm disso, as mulheres eram tambm presena

marcante no sindicato e parte delas estava envolvida na militncia em partidos de esquerda e

movimentos sociais inclusive o movimento feminista. Sua participao de em outros

espaos polticos inseriu no sindicalismo bancrio um conjunto de novas questes. Atravs

das bancrias feministas, engajadas na Comisso de Mulheres/Coletivo de Gnero, o

15 Conveno Coletiva Nacional de Trabalho - 1995/1996 (Fevereiro de 1996) e depoimento de Emlia Cmara Santana, diretora do Departamento de sade da CNB, 20/03/1999.16 Resposta da CNB-CUT ao questionrio da Federao Internacional de Empregados e Tcnicos, outubro de 1996.17 Conveno Coletiva Nacional de Trabalho - 1995/1996. Fevereiro de 1996. Executiva Nacional dos Bancrios e CNB-CUT.18Idem.

9

questionamento feminista sobre os papis tradicionais de mulheres e homens cresceu no

interior do sindicato e da CNB.

Outras reivindicaes femininas tambm foram encaminhadas para negociao, mas

no se tornaram conquistas, como a igualdade salarial e a punio ao Assdio Sexual.19

Analisando as pautas de reivindicaes dos bancrios nos anos de 1994 e 1995, Soares (1998)

encontrou as propostas de punio ao assdio sexual e de constituio de uma comisso de

defesa contra discriminao e o assdio. Ambas no se tornaram clusulas dos acordos da

categoria naquela poca. Tampouco nas convenes coletivas a que tivemos acesso (at 2005)

encontramos clusulas relativas ao dois temas. Assim, embora h muito tempo a categoria

bancria seja sensvel a estas questes, no consegue aprov-las no momento da negociao.20

possvel concluir que, no momento da negociao, foram preteridas por outras questes

consideradas mais urgentes pela bancada de negociadores da CNB. Tal fato remete, como

em outras categorias, ao vis de gnero presente na definio das demandas prioritrias.

Ainda assim, entre as trs categorias estudadas, os bancrios obtiveram os melhores acordos,

indicando maior disposio para encaminhar as reivindicaes especificas das mulheres.

A leitura da documentao dos sindicatos e da CUT indica, em linhas gerais, o

crescimento do debate sobre as relaes de gnero e a incorporao de novos temas agenda

do sindicalismo cutista. No entanto, persiste ainda uma srie de impasses, tais como a falta de

empenho de parte das lideranas quanto ao encaminhamento de algumas demandas das

mulheres. Estes impasses dificultam a traduo de uma rica reflexo em polticas concretas

para fomentar a igualdade no trabalho e no movimento sindical. Ao deixar de incluir as

questes especficas das mulheres em sua agenda, as entidades sindicais tendem a se afastar

de uma parcela cada vez mais importante de suas categorias, num contexto de perda de fora

mobilizatria.

As trajetrias individuais e processos polticos coletivos: anlise dos depoimentos de

militantes sindicais.

Sem descartar a influncia das mudanas estruturais e conjunturais - advindas da

reestruturao produtiva e financeira, nosso estudo constatou a resistncia, no meio sindical,

discusso das relaes de poder nos sindicatos e incorporao de demandas relativas

condio feminina. Identificamos como principal obstculo ao avano do debate sobre gnero

a prpria cultura poltica do sindicalismo, marcada por atitudes e representaes machistas.

19Resolues do I Congresso da Confederao Nacional dos Bancrios da CUT. 9,10 e 11/06/1994, p. 28.20Resolues do III Congresso do departamento nacional dos Bancrios da CUT (27 a 29/03/92) e do I Congresso da Confederao Nacional dos Bancrios da CUT (9 a 11/06/1994).

10

Neste sentido, os depoimentos de sindicalistas constituem parte fundamental de nossa

pesquisa, pois iluminam o que a documentao no deixa to claro. A diversidade das

experincias dos depoentes simultaneamente individuais e coletivas - aprimora nossa

compreenso sobre a evoluo da participao de mulheres no movimento sindical - ator

coletivo composto por um conjunto heterogneo de pessoas, portadoras de diversas vivncias

e modos de pensar, sentir e agir.

A documentao escrita mostrou como o questionamento da desigualdade no meio

sindical pressionou para que, dos congressos sindicais e cutistas, sassem diretrizes de aes

especficas destinadas s mulheres, de modo a assegurar a incluso de suas demandas entre os

temas para o desenvolvimento de aes coletivas. Destacaram-se atividades de formao em

relaes de gnero para dirigentes sindicais de ambos os sexos, sensibilizando-os/as para a

questo. Outro passo importante para a consolidao da discusso e da luta pela ampliao

dos espaos para a atuao feminina foi a criao da Comisso Nacional da Mulher

Trabalhadora. A Comisso atuou como um agente facilitador na definio de demandas pelos

sindicatos, inserindo propostas de polticas voltadas para as mulheres nas discusses da

Central. Entretanto, existem limitaes influncia das orientaes da CUT sobre os

sindicatos a ela filiados, pois estes ainda demonstram grande dificuldade em inserir as

mulheres na vida sindical.

Vrios fatores ligados conjuntura dos anos contriburam para prejudicar o trabalho

das Comisses de Mulheres, dificultando a mobilizao e o recrutamento de novas militantes

para compor seus quadros. A arrecadao diminua e o dinheiro se tornava mais escasso nos

sindicatos, faltando verbas para atividades. Havia tambm um acmulo de tarefas entre os

diretores. At hoje as dirigentes sindicais so cobradas para desempenhar um grande nmero

de tarefas - inclusive mobilizar as trabalhadoras de suas categorias. Esta sobrecarga de

trabalho constitui um fator bastante prejudicial aos projetos especficos voltados para o

pblico feminino. Alm disso, o trabalho voltado para as mulheres apresentou

descontinuidades. Durante os anos 80 e 90 houve momentos em que o trabalho das Comisses

de Mulheres foi bastante ativo e outros momentos em que praticamente estacionou devido ao

afastamento - por motivos pessoais ou para assumir postos em instncias superiores da CUT -

das sindicalistas responsveis por levar adiante a discusso sobre gnero. Quando estas se

afastavam, as militantes mais jovens que as substituam nem sempre conseguiam dar

continuidade ao debate j iniciado, o que fez com que o trabalho das Comisses parasse ou

tivesse que ser reiniciado.

11

No entanto, acreditamos que a raiz das dificuldades do trabalho das Comisses de

Mulheres remonta principalmente a questes profundas relativas construo das relaes de

poder entre homens e mulheres. Tomemos como exemplo o caso do Sindicato dos Qumicos

de So Paulo. A Comisso/Secretaria da Mulher deste sindicato, que vinha desenvolvendo

durante a dcada de oitenta um trabalho de mobilizao das trabalhadoras da base, estacionou

suas atividades na segunda metade dos anos noventa. O depoimento seguinte demonstra que

as causas devem ser buscadas na prpria cultura sindical, que apresenta ntidos traos de

machismo (como brincadeiras preconceituosas) que atuam como fontes de desestmulo para

as sindicalistas. Mais do que isto, este depoimento relata a reao negativa dos membros do

sindicato a um processo de questionamento das relaes de gnero que ameaava o poder

masculino.

(...) A gente tinha uma comisso que envolvia pessoas da base, mulheres timas...

Nossa! Foi maravilhosa essa poca! Mas a gente viveu uma poca de fragilidade (...). A

gente no soube administrar, porque realmente a gente fazia os encontros e falava da diviso

de tarefas... Que as mulheres no podiam ser submissas etc. e tal. (...) A gente percebeu,

assim, pessoas que entravam em crise, pessoas que achavam que a Comisso de Mulheres

queria interferir... Que tinha fofoca... Os homens comearam a fazer chacota... Ento teve

esse tipo de problema e a gente no conseguiu criar um elo, assim, que pudesse superar isso.

E a foi se fragilizando, fragilizando, e a gente no teve resposta pra isso... E a houve um

afastamento geral. 21

A introduo da discusso de gnero no meio sindical iniciou um processo que

indicava que os dirigentes caminhavam para a reviso de suas posturas sexistas, dispondo-se,

inclusive, a reavaliar suas prioridades e suas identidades enquanto militantes e enquanto

homens. A fala de uma militante metalrgica, transcrita a seguir fornece uma amostra deste

processo:

Durante muito tempo tivemos uma grande dificuldade para garantir creches nos

eventos. Eles achavam um absurdo, no tinha sentido! A mulher que entra no movimento

sindical, ela tem que saber o que t esperando ela, no adianta ela se encher de filhos ou ter

os problemas... Por que o dirigente sindical, ele meio que se colocava como... A famlia era o

segundo plano, o movimento sindical era o primeiro! Ento no era compreensvel que a

gente tivesse em primeiro plano a famlia ou os filhos. Isso era sinnimo de fraqueza. Hoje

voc ouve companheiros falarem numa reunio: Eu tenho que ir embora mais cedo, eu tenho

21 M. C. C. diretora do Sindicato dos Qumicos de So Paulo, entrevista concedida em 23/11/98.

12

que sair por que o meu filho t doente. Eu tenho que sair por que eu tenho que ajudar a

minha mulher a fazer compras. Isso, no movimento sindical era uma heresia! (...).22

A conscincia do prprio machismo e a maior compreenso da condio feminina

adquiridas pelas lideranas sindicais como resultado deste processo de sensibilizao no

significam, no entanto, o fim de todos os resqucios de restries s mulheres casadas e/ou

com filhos. Embora as principais lideranas sindicais sejam sensveis ao fato de que as

mulheres tm uma carga dupla de trabalho, na maioria das vezes, o sindicato e suas

organizaes no local de trabalho exigem que a trabalhadora que quer se tornar militante se

adapte ao seu modo de organizao, e no o contrrio. Tal paradoxo faz com que - dada a

grande dificuldade para que esta adaptao ocorra - a dupla jornada se transforme, no discurso

dos sindicalistas (diretores e militantes), num empecilho externo que os exime da

responsabilidade pela sub-representao das mulheres. O depoimento abaixo apresenta a viso

de um membro de Comisso de Fbrica do ABC.

Das mulheres, quais so as que tm tempo para estar no movimento sindical, para

estar participando do movimento sindical, para estar disponvel aos movimentos? difcil, a

gente tenta... At a companheira que est aqui do meu lado, ela participava da CIPA23 (...)

Agora, se eu falar: Companheira, vamos l no sindicato por que tem uma reunio urgente!,

no pode. Por que ela tem o filho que pequenininho e est l na creche... (...) Ela vai pegar

a 2 jornada de trabalho dela... Agora, a Comisso de Fbrica uma extenso sindical (...),

voc no s um representante dos trabalhadores dentro da fbrica. Voc tem que fazer

parte da categoria, da classe... (...) Eu sa a semana passada, fiquei trs dias na Plenria da

CUT. (...) Ser que daria para uma companheira ficar trs dias numa plenria? (...). 24

As prprias mulheres acabam tambm legitimando este discurso que justifica sua

excluso, como mostra o depoimento da prpria trabalhadora citada acima:

A CIPA uma coisa mais interna (...), o seu papel dentro da empresa (...) Durante

o meu horrio de trabalho, nos meus dois mandatos, eu ficava sempre dentro da empresa

(...). Tem as plenrias, os cursinhos, tem algumas coisas, mas no meu caso, que sou casada,

tenho marido, no d para ficar se afastando de casa muito, no. Eu freqentei alguns (...).

22 L. P. A. O., membro da diretoria do Sindicato dos Metalrgicos do ABC, 02/04/96.23 Comisso Interna de Preveno de Acidentes, rgo da fbrica que conta com representantes eleitos pelos trabalhadores.24 J., Membro da Comisso de Fbrica de uma indstria de autopeas em Diadema. 15/07/99.

13

Mas no muitos, no final de semana. Eu sempre faltava mais do que ia, porque eu tinha

aquela dupla jornada de trabalho (...).25

importante ressaltar que o conjunto de obrigaes familiares e domsticas das

trabalhadoras um fato real que diminui o tempo de que elas podem dispor para atividades

polticas, mas no necessariamente constitui um fator que as impea de atuar no sindicato.

Mas a presena ou meno do mundo domstico incomoda os dirigentes e militantes

sindicais, pois traz tona aspectos da vida pessoal, extremamente desvalorizada na cultura

sindical. A vida pessoal, para um militante sindical necessariamente algo de que ele deve

abrir mo para fazer parte da classe. Nenhum homem questionado por abrir mo da

famlia para ir a uma plenria da CUT, ou por no auxiliar nas tarefas domsticas por conta de

uma reunio do sindicato. Pelo contrrio, as mulheres so questionadas por abrir mo do

sindicato, o que parece ser mais confortvel do que refletir sobre a necessidade de uma

plenria se realizar por trs dias consecutivos. Se de fato h atualmente uma sensibilidade

maior para a questo de gnero entre os dirigentes sindicais, ainda no houve uma mudana

suficiente na cultura sindical capaz de superar os limites compreenso da especificidade da

condio feminina pelos militantes. Um exemplo disso a prpria organizao das atividades,

que continua sendo estruturada em funo do cotidiano dos homens (ou seja, noite) e sem a

montagem de creches para os filhos das trabalhadoras. Ou o empenho diferenciado dos

militantes quando se trata de chamar as mulheres para atividades sindicais, mostrado no

depoimento de uma diretora do Sindicato dos Metalrgicos do ABC:

Meus companheiros aqui do sindicato (...) fazem o seguinte: Vamos l no

sindicato? Ah! Hoje no, eu vou lavar roupa. Eu vou ao supermercado. Ah, No! Meu

marido no deixa! Ele pode chamar duas vezes, mas sete dez, vinte vezes, ele no chama. E

ns (mulheres do sindicato) chamamos. At ela atender. No deu, mas vai chegar um dia

que ela vai se cansar. E a gente acaba convencendo. (...) Eu fao assim... e assim a gente

consegue. Quem diria que a L. ia estar aqui hoje, com duas crianas pequenas, casamento de

trs anos? Est em lua de mel, a bem dizer, e est aqui. Porque eu acordo cedo, passo na

casa dela, passo no sindicato, noite, ns vamos juntas... (...) Voc acha que um

companheiro vai fazer isso? (...).26

A fala acima chama ateno para o papel crucial da presena mulheres nas diretorias

como estmulo para a participao feminina. As diretoras e militantes demonstram maior

25 G., ex-cipeira de uma indstria de autopeas em Diadema. 15/07/99.26Depoimento de M. S. S., diretora do Sindicato dos Metalrgicos. 08/07/99, grifos nossos.

14

compreenso sobre os elementos que dificultam a participao das trabalhadoras. J a

incompreenso de tais elementos pelos homens faz com que estes desistam de cham-las para

as atividades sindicais diante das primeiras respostas negativas, o que contribui para aumentar

a distncia entre sindicatos e trabalhadoras.

Um outro aspecto para que possamos refletir sobre a complexa trama das relaes de

gnero no movimento sindical pode ser extrado do depoimento de uma diretora do sindicato

dos Bancrios:

(...) Muitos dirigentes sindicais se projetam, se legitimam ali, falando no carro de

som. (...) Bom, em uma paralisao no banco Y, j tinha falado um monte de homens (...). A

veio um companheiro do banco e disse: Como D.? Nenhuma mulher vai falar? Eu senti na

fala dele uma certa provocao, tipo: Vocs no se propem a fazer a discusso? Ento vo

l! (...) E nenhuma mulher queria falar. Porque no tinha preparado o discurso, no estava

j com inteno de subir em um carro de som (...), para falar para sei l, para mil pessoas!

(...) eu pensei: No vou perder essa oportunidade, vou mostrar para esses caras que a gente

fala, sim. E ficou aquela presso: Vai l D.! (...) A eu subi l em cima e falei coisas

especficas da questo de gnero. (...).Realmente a gente no foi preparada para isso, para

se expor desta forma, para o pblico, falar em carro de som, tanto que a nossa voz no

tem... os homens tm uma entonao de voz que, talvez nem tanto pelo discurso, mas

tambm pelo tom da voz, impressiona e a gente j no, ns no temos essa entonao de

voz, a tonalidade de nossa voz no impressiona (...). 27

Esta fala aponta para a questo dos critrios definidores de qualificao das lideranas

sindicais. O conhecimento poltico, a experincia e, principalmente, o domnio da

linguagem constituem barreiras de gnero, apresentadas como barreiras tcnicas, que

justificam o monoplio masculino das tecnologias do poder (como o palanque e o

microfone) e excluem as mulheres dos mecanismos decisrios do sindicato. A valorizao de

qualificaes culturalmente construdas como masculinas torna quase unnime a idia de que

falta s mulheres prtica poltica e tarimba, o que refora a subordinao feminina no espao

sindical e dificulta o respeito diversidade no exerccio do poder. (Castro, 1995 e 1997).

Estas barreiras distanciam o sindicato das trabalhadoras, dificultam a mobilizao das

mulheres e limitam sua insero nas diretorias sindicais. A falta de uma presso feminina - e

feminista - constitui um srio obstculo para que, no jogo poltico interno, as necessidades

27 D. A. R., 16/12/98, grifos nossos.

15

sentidas cotidianamente pelas trabalhadoras se tornem demandas para o enfrentamento

coletivo e sejam defendidas com empenho em mesas de negociaes.

As negociaes coletivas e por empresa, por sua vez, constituem um instrumento

precioso tanto para diminuir a discriminao s mulheres no mercado de trabalho quanto para

fortalecer o movimento sindical atravs da sua incluso. Nestes processos as reivindicaes

especficas das mulheres encontraram as maiores dificuldades, uma vez que as mulheres nem

sempre tomam parte nas mesas de negociao e os homens no conseguem argumentar

adequadamente em favor destas questes. O conjunto das depoentes ressaltou a necessidade

de participao feminina nas equipes de negociadores, como maneira de impulsionar a

incluso de clusulas relativas s mulheres no texto dos acordos. Entretanto, mesmo em

momentos de negociao a discriminao pode se manifestar. O depoimento abaixo mostra a

atitude discriminatria do representante do patronato, corroborada por um dirigente sindical,

durante uma negociao no local de trabalho:

Fui eu e um outro diretor do sindicato, um homem, negociar com o gerente. E quem

tinha tomado a frente na discusso tinha sido eu, e ele sabia que eu era diretora, que eu

representava o banco X e era comigo que ele tinha que negociar. E ele se dirigia o tempo

todo para o outro diretor. (...) Chegou uma hora que ele falou assim [para mim]:Com voc,

eu no falo. E o companheiro que estava comigo - eu no sei se ele no tinha preparo, ou se

naquele momento ele no quis o conflito ele [disse] Est bom, depois a gente conversa.

Comprei a briga inclusive com esse companheiro dizendo: Voc foi muito flexvel com ele,

no tem que ser assim. A ele saiu de cena e eu assumi... (...) E ele [o gerente] teve que

negociar comigo. (...).28

Os fatos narrados pelas/os entrevistadas/os remetem discriminao no cotidiano

sindical, que prejudica a participao feminina de trs formas: afastando grande parte das

trabalhadoras das atividades sindicais, limitando sua ascenso na hierarquia sindical e

dificultando, por isso, a efetivao de polticas especficas voltadas para as mulheres, assim

como o encaminhamento de suas necessidades para aes de enfrentamento e/ou negociao.

A proposta de adoo da ao afirmativa pela Central visava atuar sobre o

desequilbrio entre homens e mulheres que compunham as diretorias, e assim intensificar a

discusso sobre a desigualdade de gnero que perpassava diviso do poder na Central e nos

sindicatos. No entanto, apesar da aprovao e adoo das cotas, h uma contradio

28 D. A. R., membro da diretoria do Sindicato dos Bancrios de So Paulo, entrevista concedida em 16/12/98, grifos nossos.

16

fundamental entre a o discurso que condena a discriminao e a disponibilidade dos dirigentes

sindicais em aplicar na prtica as decises tomadas. O depoimento abaixo ilustra tais

contrastes:

(...) Ns aprovamos em 93 as cotas e em 94 teve congresso. A DS (Democracia

Socialista), que foi a mais radical defensora da cota, tinha direito a colocar trs cargos na

Executiva, estavam, precisavam colocar dois homens e 1 mulher, mas no queriam colocar

mulheres... (...) Comeamos a exigir as 30% e depois descobrimos o seguinte: eles vinham e

falavam 30%? , ento tem direito a trs? Vamos supor que voc tinha direito a trs e um

suplente, (...), bota a mulher na suplncia. A ns regulamentamos dizendo que todos os

cargos seja suplente ou efetivo tem que ter 30% de mulheres.29

Tivemos acima exemplos da dificuldade de parte do movimento sindical cutista em

aceitar uma real possibilidade de dividir poder. A prpria aprovao das cotas provoca, at

hoje, divergncias quanto sua real capacidade de ampliar a participao sindical feminina.

Pudemos observar que o crescimento da participao feminina experimentado pelos

sindicatos nos anos 80 foi seriamente prejudicado devido ao jogo de relaes de gnero/poder

nos espaos sindicais. A conjuntura poltica e econmica atuou reforando tal quadro ao

dificultar a mobilizao das trabalhadoras e, por conseguinte, o recrutamento de novas

militantes para dar continuidade ao trabalho sindical voltado para as mulheres.

Nos sindicatos pesquisados, as respostas a esta combinao foram bastante variadas.

Entre os qumicos - que contavam com uma militncia feminina ativa at meados dos anos 90

- ocorreu a desarticulao da Secretaria da Mulher devido a atitudes preconceituosas dos

militantes e sindicalistas, somadas a uma conjuntura extremamente complicada (um perodo

de queda da sindicalizao, das receitas e do poder de barganha nas campanhas salariais). Tais

fatores arrefeceram a disposio da militncia sindical e das prprias mulheres - para

discutir as reivindicaes relativas condio feminina e encaminh-las negociao.

O Sindicato dos Metalrgicos, que possua uma militncia feminista consolidada e um

trabalho contnuo com as mulheres desde a dcada de 80, mostrou-se sensvel s

demandas relativas condio feminina, encaminhando-as mesa de negociao.

Porm, frente intransigncia do empresariado, no teve sucesso em transform-las em

clusulas de acordos coletivos.

O Sindicato dos Bancrios de So Paulo possua um Coletivo de Gnero bastante

atuante desde os anos 80. Na dcada de 90, em resposta feminizao da categoria, a 29 J. V., na poca Presidente do Sindicato dos Bancrios de So Paulo, 16/04/99.

17

militncia e a direo sindical mostraram-se mais sensveis s reivindicaes femininas, sendo

bastante receptivas em relao atuao do Coletivo de Gnero. A sensibilizao da liderana

sindical converteu-se em investimento na defesa das reivindicaes das bancrias nas mesas

de negociao, fator que se mostrou fundamental na obteno de conquistas. Como resultado,

o Sindicato dos Bancrios obteve os melhores acordos, no que se refere s garantias

maternidade e paternidade. Maior dificuldade foi enfrentada na negociao de clusulas

relativas igualdade de oportunidades e assdio sexual, que no foram convertidas em itens

dos acordos coletivos.

As diversas configuraes apresentadas nos trs sindicatos deste estudo mostram que,

mesmo sob um mesmo contexto econmico e poltico desfavorvel, no h uma direo

unvoca para o processo de insero das mulheres e de incorporao de suas demandas

pelo sindicalismo. O cenrio hostil somou-se ao machismo arraigado na cultura poltica

sindical, o qual se manifestou de forma diferente nas trs entidades, dependendo da

trajetria pregressa das relaes de gnero em cada uma delas. E finalmente, a maneira

como a reestruturao incidiu sobre cada categoria (aumento do desemprego e do medo,

alterao do perfil sexual das categorias ou mudanas na forma de insero de mulheres

e homens nos espaos de trabalho) completa o quadro de influncias que determinou o

rumo da discusso das relaes de poder nos sindicatos e da percepo da participao

feminina como elemento estratgico na luta sindical.

BIBLIOGRAFIA.

Amorim, E., Arajo, A. M. C. e Ferreira, V. (1999), As novas modalidades do trabalho

feminino em tempos de flexibilizao e reestruturao produtiva e seus impactos sobre a

sade da mulher trabalhadora. Trabalho apresentado durante o II Congresso Internacional

Mulher, Trabalho e Sade, Rio de Janeiro, setembro.

Antunes, R. (2002), Os Sentidos do trabalho, So Paulo, Boitempo.

Appay, Batrice (1997), Prcarisation sociale et restruturations productives, in: Appay, B.

et Thbaud-Mony, Anne (eds.) Prcarisation Sociale, Travail et Sant , Paris: IRESCO.

Arajo, A. M. C., Cartoni, D. e Justo, C. R. M. (1999), Reestruturao produtiva e

negociao coletiva: A experincia recente dos sindicatos dos metalrgicos, dos qumicos e

dos bancrios de Campinas, Trabalho apresentado no XXIII encontro anual da ANPOCS -

Caxambu 19-23/10.

18

Arajo A. M. C. e Oliveira, E.M. (2006), Reestruturao produtiva e sade no setor

metalrgico: a percepo das trabalhadoras, Sociedade e Estado, vol. 21 no.

1 Braslia Jan./Abr.

Bruschini, C. (2000), Gnero e trabalho no Brasil: novas conquistas ou persistncia da

dominao? Brasil (1985-1995), in: Rocha, M. I. B. (org.), Trabalho e Gnero: Mudanas,

Permanncias e Desafios, So Paulo, ABEP/NEPO-UNICAMP/CEDEPLAR-UFMG/Ed. 34.

Bruschini, C. e Lombardi, M. R. (2003), "Mulheres e homens no mercado de trabalho

brasileiro, um retrato dos anos noventa", in: Maruani, M. e Hirata, H. (orgs.), As novas

fronteiras da desigualdade. Homens e mulheres no mercado de trabalho , So Paulo, Ed.

Senac.

Castro, Mary Garcia (1997), The Sexual (Di) Vision of the Rebellion The Public and the

Private in Life Histories of Female and Male Union Leaders (a case in Salvador Bahia

Brazil, 1993), mimeo., Salvador.

Castro, Mary Garcia (1995), Gnero e Poder no Espao Sindical, Estudos Feministas, vol.

3, no. 1, IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro.

Delgado, M. B. G. (1996), A Organizao das Mulheres Na Central nica dos Trabalhadores

A Comisso Nacional sobre a Mulher Trabalhadora, Dissertao de Mestrado, PUC - So

Paulo.

Ferreira, V. (2005), Sindicatos: Espaos para a Atuao das Mulheres? Um Estudo sobre a

Participao das Mulheres em Sindicatos Filiados Central nica dos Trabalhadores num

Cenrio de Reestruturao Produtiva (1986 -1999). Dissertao de Mestrado, IFCH

UNICAMP

Harvey, D. (1993) A condio ps-moderna, So Paulo, Edies Loyola.

Harvey, D. (2004) O novo imperialismo, So Paulo, Edies Loyola.

Hirata, H. e Kergoat, D. (2003) A diviso sexual do trabalho revisitada, in: Maruani,

Margaret e Hirata, Helena (orgs.) As novas fronteiras da desigualdade. Homens e mulheres no

mercado de trabalho, So Paulo, Editora Senac.

Hirst, P. e Thompson, G. (1998), Globalizao em questo, Petrpolis, Vozes.

Justo, C. R. M. (2000), Reestruturao do Setor Financeiro e Negociao coletiva nos Anos

90: o Caso do Sindicato dos Bancrios de Campinas e Regio, Relatrio Final de Pesquisa,

julho, (mimeo).

Leite, Mrcia de Paula (2009), O trabalho no Brasil dos anos 2000: duas faces de um mesmo

processo. Comunicao apresentada no Workshop A Informalidade revisitada,

ABET/UFCG/Fundao Joaquim Nabuco, Recife, dezembro.

19

Leite, Mrcia de Paula e Rizek, Cibele S, (1998), "Dimenses e representaes do trabalho

fabril feminino", Cadernos Pagu no. 10, Campinas, Pagu - Ncleo de Estudos de Gnero.

Milkman, Ruth (s/d); Gender at and trade unionism in historical Perspective, s / l., (mimeo).

Pochmann, Mrcio (2004), Reestruturao produtiva. Perspectivas de desenvolvimento local

com incluso social, So Paulo, Vozes.

Posthuma, A. C. e Lombardi. M. R. (1996), Gnero e Excluso Social no Novo Paradigma

Produtivo, Caxambu, Comunicao Apresentada na XX Reunio Anual da ANPOCS,

mimeo.

Santos, Milton, (2002), Por Uma Outra Globalizao, Rio do Janeiro, Record.

Rodrigues, Iram. J. (1997), Trabalhadores, Sindicalismo e Democracia: A Trajetria da CUT.,

So Paulo, Scritta.

Sader, Eder (1988), Quando Novos Personagens Entraram em Cena, So Paulo, Brasiliense.

Scott, Joan (1990), Gnero, uma categoria til na anlise histrica, Educao e Realidade,

vol. 15 (2), jul/dez.

Segnini, Liliana R. P. (1995), O Trabalho da Mulher em Tempo Novo: Anlise das Relaes

de Gnero no Trabalho Informatizado, Tese de Livre Docncia, Campinas, FE-UNICAMP.

Segnini, Liliana R. P. (2000), Desemprego, terceirizao e intensificao do trabalho nos

bancos brasileiros in: Rocha, I. B. (org.), Trabalho e Gnero: Mudanas, Permanncias E

Desafios, So Paulo; Editora 34.

Sinclair, Diane M. (1996), The importance of gender for participation in and attitudes to

trade unionism. Industrial Relations Journal 27:3 (239/252).

Soares, Vera (1998), Acordos coletivos e as trabalhadoras, in: Abramo, L e Abreu, A. R. P.

(orgs.) Gnero e Trabalho na Sociologia Latino-Americana, So Paulo; Rio de Janeiro:

ALAST.

Souza-Lobo, Elizabeth (1991), A Classe Operria Tem Dois Sexos, So Paulo, Brasiliense.

20

Gnero, Sindicalismo e Poder nos Anos 90: Analisando os Impasses da Participao das Mulheres em Sindicatos Filiados Central nica dos Trabalhadores num Cenrio de Reestruturao ProdutivaO Sindicato dos Metalrgicos, que possua uma militncia feminista consolidada e um trabalho contnuo com as mulheres desde a dcada de 80, mostrou-se sensvel s demandas relativas condio feminina, encaminhando-as mesa de negociao. Porm, frente intransigncia do empresariado, no teve sucesso em transform-las em clusulas de acordos coletivos. As diversas configuraes apresentadas nos trs sindicatos deste estudo mostram que, mesmo sob um mesmo contexto econmico e poltico desfavorvel, no h uma direo unvoca para o processo de insero das mulheres e de incorporao de suas demandas pelo sindicalismo. O cenrio hostil somou-se ao machismo arraigado na cultura poltica sindical, o qual se manifestou de forma diferente nas trs entidades, dependendo da trajetria pregressa das relaes de gnero em cada uma delas. E finalmente, a maneira como a reestruturao incidiu sobre cada categoria (aumento do desemprego e do medo, alterao do perfil sexual das categorias ou mudanas na forma de insero de mulheres e homens nos espaos de trabalho) completa o quadro de influncias que determinou o rumo da discusso das relaes de poder nos sindicatos e da percepo da participao feminina como elemento estratgico na luta sindical.