gazeta de física

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Física Sociedade Portuguesa de Física Gazeta de Volume 26 | Fascículo 1 | 2003 | Publicação Trimestral | Janeiro/Março | 4,00 AMPLIAÇÕES: A ESCALA EM FOTOGRAFIA Jorge Calado O TAMANHO CONTA Armando Vieira "ENSINAR É APENAS AJUDAR A APRENDER" Entrevista com Eric Mazur, professor de Física na Universidade de Harvard

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Page 1: Gazeta de Física

FísicaSociedade Portuguesa de Física

Gazeta de

Volume 26 | Fascículo 1 | 2003 | Publicação Trimestral | Janeiro/Março | 4,00 €

AMPLIAÇÕES:A ESCALA EM FOTOGRAFIA Jorge Calado

O TAMANHO CONTAArmando Vieira

"ENSINAR É APENAS AJUDAR A APRENDER"

Entrevista com Eric Mazur, professor de Física naUniversidade de Harvard

Page 2: Gazeta de Física

GAZETA DE FÍSICA VOL. 26 FASC.1, 2003

DIRECTOR Carlos FiolhaisEDITOR Carlos Pessoa

CORRESPONDENTES Paulo Crawford (Lisboa),Constança Providência (Coimbra) e Fátima Pinheiro (Porto)

COLABORAM AINDA NESTE NÚMEROAdriano Sampaio Sousa, Armando Vieira, Daniel Cruz, EricMazur, Graça Santos, Jorge C. G. Calado, Florbela Meireles,Helder Carvalho, Hugo Costa, Ilda Ribeiro Custódio, Joãoda Providência Jr., Lucília Tavares dos Santos, Maurice Jacob,Orfeu Bertolami, Pedro Souto, Rui Barbosa e Rui Gomes.

SECRETARIADO Maria José Couceiro (Lisboa) e Carolina Borges Simões (Coimbra)

DESIGNMediaPrimer - Tecnologias e Sistemas Multimédia LdaRua Simões de Castro, 132, 1º Esq.3000-387 CoimbraE-mail [email protected]

PRÉ-IMPRESSÃO E IMPRESSÃOCarvalho & Simões, Artes Gráficas, LdaEstrada da Beira 479 / Anexo3030-173 Coimbra

TIRAGEM 1800 exemplares

PREÇOS Número avulso 4,00 € (inclui IVA).Assinatura anual 15,00 € (inclui IVA).A assinatura é grátis para os sócios da SPF.

PROPRIEDADE DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE FÍSICA

ADMINISTRAÇÃO E REDACÇÃOAvenida da República 37-4º 1050-187 LisboaTel 217 993 665 Fax 217 952 349E-mail [email protected]

ISSN 0396-3561REGISTO DGCS nº 107280 de 13.05.80DEPÓSITO LEGAL nº 51419/91PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL

A Gazeta da Física publica artigos, com índole de divulgação, con-siderados de interesse para estudantes, professores e investigado-res em Física. Deverá constituir também um espaço de informaçãopara as actividades da SPF, nomeadamente as suas DelegaçõesRegionais e divisões Técnicas. Os artigos podem ter índole teórica,experimental ou aplicada, visando promover o interesse dos jovenspelo estudo da Física, o intercâmbio de ideias e experiências profis-sionais entre os que ensinam, investigam ou aplicam a Física. As opi-niões expressas pelos autores não representam necessariamenteposições da SPF.

Os manuscritos devem ser submetidos em duplicado, dactilografa-dos em folhas A4 a dois espaços (máximo equivalente a 3500palavras ou 17500 caracteres, incluindo figuras, sendo que uma figu-ra corresponde em média a 140 palavras). Deverão ter sempre umcurto resumo, não excedendo 130 palavras. Deve(m) ser indica-do(s) o(s) endereço(s) completo(s) das instituições dos autores,assim como o endereço electrónico para eventual contacto.Agradece-se o envio dos textos em disquete, de preferência“Word” para PC. Os originais de figuras devem ser apresentadosem folhas separadas, prontas para reprodução, e nos formatoselectrónicos jpg, gif ou eps.

PUBLICAÇÃO SUBSIDIADA

Page 3: Gazeta de Física

NOTA DE ABERTURA

AMPLIAÇÕES: A ESCALA EM FOTOGRAFIAJorge Calado

O TAMANHO CONTAArmando Vieira

"ENSINAR É APENAS AJUDAR A APRENDER"

Entrevista com Eric Mazur, professor de Física na

Universidade de Harvard

FÍSICA NO MUNDO

FÍSICA EM PORTUGAL

ENSINO DA FÍSICA

SOCIEDADE PORTUGUESA DE FÍSICA

LIVROS E MULTIMÉDIA

OPINIÃO

ENTREVISTA

NOTÍCIAS

ARTIGOS

ÍNDICE

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37

42

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O QUE SE ENSINA QUANDO SE ENSINA?

O que se ensina quando se ensina? Os alunos podemser os seus próprios professores? O papel do professor éapenas o de um "treinador", que coordena e define ométodo do "treino"? Ensinar é, apenas, ajudar a aprender?São, sem dúvida, questões provocantes e desafiadoras asque ERIC MAZUR, professor de Física na Universidade deHarvard, EUA, levanta na entrevista exclusiva que publi-camos nesta edição da "Gazeta".

Os tempos são difíceis para o ensino das ciências, emparticular da Física, rareando o número de candidatos esendo o sucesso escasso, mas é também nas situaçõesde crise que o talento humano mais profundamente éposto à prova, num desafio de superação que se desejatransformador. As pertinentes questões levantadas porEric Mazur durante a última Conferência Nacional da SPFsituam-se nesse campo e far-nos-ão reflectir a todos.

Ainda a propósito de ensino, a recente proposta de re-forma do Ensino Secundário ameaça subalternizar de for-ma porventura irreparável o ensino das ciências em Por-tugal, e da Física muito em particular. Felizmente, surgemsinais da esfera do poder político que nos permitem acre-ditar que nem tudo está perdido, e os próximos temposdirão se assim é. A SPF deu o contributo que se esperava.

Outros motivos de interesse nesta primeira edição da"Gazeta" de 2003 podem ser encontrados pelos leitoresna "nova frente" que abrimos - precisamente uma secçãoconsagrada ao Ensino de Física, feita a pensar nos profes-sores e alunos do Básico e Secundário, que estão desdejá "desafiados" a participar com as suas sugestões, críticas,notícias e experiências de trabalho.A nova secção é coor-denada por GRAÇA SANTOS, responsável pela Divisãode Educação da SPF.

Destacamos ainda os dois artigos sobre escalas apresenta-dos nesta edição, assinados por JORGE CALADO eARMANDO VIEIRA, através dos quais as ciências físico-químicas se cruzam com a Arte (Fotografia) e comoutras ciências (Biologia). O primeiro autor, que além deconhecido professor de Termodinâmica do Técnico écrítico de fotografia, de ópera e de outras artes, dácorpo à sua visão do tema "Potências de Dez",completando-se assim a abordagem constante da edi-ção especial da "Gazeta" sobre o tema, no primeirotrimestre do ano passado. Armando Vieira, por seu lado,mostra que o uso adequado da análise dimensionalpermite obter resultados notáveis a partir de conhe-cimentos rudimentares de Física.

Chamamos, finalmente, a atenção dos leitores para ashabituais secções, onde, como é costume, são muitos evariados os assuntos que propomos nesta edição.

Boa leitura!

SECÇÕES

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Esta é a visão de um químico e crítico de fotografia

do tema "Potências de Dez" (ver “Gazeta de Física”,

vol.2, fasc. 1, 2002). Das questões do grande e do

pequeno em geral passa para o modo como a

fotografia apreende a escala dos objectos.

JORGE C. G. CALADO

Departamento de Engenharia Química

Instituto Superior Técnico, 1049-001 Lisboa

[email protected]

AMPLIAÇÕES:A FOTOGRAFIA

A química utilitária é uma ciência de menos de 100 ele-mentos, com estruturas e propriedades recorrentes (pe-riódicas). Porém, ao usar uma substância, os químicoslidam simultaneamente com o muito grande e o muitopequeno, numa gama que percorre facilmente umas 25ordens de grandeza. Pensam em termos de átomos emoléculas, mas usam quantidades de substância que semedem em moles. Uma mole (símbolo, mol) representaum número de Avogadro de partículas, cerca de 6 x1023

- por exemplo, 12 g de carvão ou 18 cm3 de água. Umnúmero de Avogadro de metros, alinhados rectilinea-mente, são 60 milhões de anos-luz. À distância de umano-luz da terra, o Sol brilharia apenas como um meroponto - uma estrela de primeira grandeza no céu galáctico.

Por sorte, a criança cresce ouvindo histórias e vendofilmes em que a noção de escala está presente: oPolegarzinho, o Gigante Papa-Léguas, o feijoeiro doJack, os sete anões da Branca de Neve, o Gulliver emLilliput e Brobdingnag (anões e gigantes), a Alice queestica e encolhe, o pezinho pequeno da Gata Borralheiraou o nariz comprido do Pinóquio. Descontando as co-notações sexuais do nariz grande ou do pé pequeno, sãotodos contos que ensinam as consequências dramáticasda passagem do pequeno ao grande e vice-versa.Embora se diga que "tudo o que é pequenino temgraça", na infância prevalece o fascínio com o grande -daí a popularidade dos dinossauros. No jardim zoológi-co, também há mais público para os elefantes do quepara as aves ou insectos.

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ESCALA EM

Subjacente à apresentação de qualquer imagem, está aescolha da escala. O tamanho da ilustração (projectadaou impressa) depende de vários factores. No caso daprojecção de diapositivos depende das dimensões doobjecto, da óptica, da distância do projector ao ecrã, etc.Cada um dos espectadores faz também uma escolha, aosentar-se corajosamente na primeira fila, ou mais discre-tamente ao fundo da sala, de preferência na coxia parapoder sair a qualquer momento sem se fazer notado(a).

No caso da figura impressa no livro, a decisão tem a vercom as dimensões da folha, a legibilidade e as questõesestéticas do design. Veja-se, por exemplo, a ilustração deJohn Tenniel para a Alice no País das Maravilhas (Fig. 1).

Houve um desenho que deu uma gravura que aparecereproduzida no livro. O livro teve várias edições, em va-riados formatos. Qual é o original e qual é a dimensãodesse original? Não esqueçamos que a Alice é uma meni-na especial: na história de Lewis Carroll ela estica e enco-lhe. Diluída no texto da página do livro, aquela ilustraçãorespira melhor e não parece tão claustrofóbica. O carác-ter da imagem muda quando se passa do desenho para olivro ou para a projecção em ecrã. Muda também com otamanho.

Estruturas

No filme/exposição "Potências de 10" o viajante podedeslocar-se nos dois sentidos: o do "infinitamente" gran-de (digamos, o universo galáctico) e o do "infinitamente"pequeno (que é o universo da molécula, do átomo e doseu núcleo). O universo parece estar em expansão (a quecorresponde um aumento de entropia, a "seta do tem-po", segundo Eddington). O viajante de "Potências deDez" é pontual, desloca-se segundo uma linha recta enunca sai dela. Não há aqui ilusões de óptica nem exa-geros de perspectiva. Notar ainda que, na viagem emdirecção ao espaço sideral, uma estrela aparece primeirocomo um ponto (zero dimensões), depois como umdisco (duas dimensões) e finalmente como uma esfera(três dimensões). Paradoxo: será que a "meio caminho"terá, por exemplo, a dimensão 0,8 ou 2,3?

Hoje o estudante médio não concebe nem o universo do"infinitamente" grande nem o do "infinitamente" peque-no, mas julga que domina melhor o universo atómico sóporque está habituado a ver nos livros de texto ilustraçõesmais ou menos apelativas de estruturas atómicas e mole-culares. Se a coisa é familiar julga-se que está percebida(é aquilo a que Coleridge chamava o "despotismo da vis-ta", o mais poderoso dos cinco sentidos). Mas é bomnão esquecer que, com a Mecânica Quântica, a visualiza-ção e a visualizabilidade deixaram de ser sinónimos epassaram a ser incompatíveis.

A somar a isto há a ajuda do reconhecimento de estrutu-ras. É mais imediato e acessível o apelo estético de umaestrutura atómico-molecular ou mesmo celular do que ainformidade de uma nuvem ou de uma galáxia. A irregu-laridade de formas como as das nuvens ou das ramifica-ções das árvores, que se mantém qualquer que seja aescala, só é descritível usando uma dimensão fractal,fraccionária. A única nuvem com uma forma imediata-mente identificável tem a forma de um cogumelo.Apareceu em 1945 e toda a gente sabe qual é. Certas

ARTIGO

Fig.1- Ilustração de John Tenniel para

“Alice's Adventures in Wonderland”, (1865)

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nebulosas são facilmente memorizáveis graças à analogiada sua forma com outras conhecidas, por exemplo a dacabeça dum cavalo (Fig. 2).

A Natureza repete estruturas e o homem copia-as por-que são, em geral, as melhores soluções (mais simples,económicas, belas). Exemplos: o círculo e a esfera; aespiral; os prismas hexagonais (exemplificados pelos fa-vos de mel ou pelo Giant's Causeway, na Irlanda); ofullereno e a bola de futebol. Por exemplo, o diamantevisto por Linus Pauling e Roger Hayward (Fig. 3) poderiaser o interior de uma torre de telecomunicações ou mes-mo da Torre Eiffel. (A propósito: a Torre Eiffel é o pri-meiro monumento moderno porque é feita de espaçovazio, como os átomos e o espaço sideral; está-se fora,estando-se dentro.) Olhando para a Fig. 3 e para umafoto semelhante da Torre Eiffel faz sentido perguntar oque é uma e outra. O carácter e significado duma ima-gem dependem da escala.

Outro exemplo é uma fotografia de Man Ray (Fig. 4). Oque é isto? Uma galáxia? A prova de que existem canais

em Marte? A colonização americana da Lua?Uma intervenção humana à superfície da Terra como,por exemplo, a das Linhas Nazca no Peru (há quemacredite que têm origem extra-terrestre)? Nada disso.

A Fig. 4 é simplesmente uma vista da obra-prima deMarcel Duchamp, "finalmente inacabada" em 1923, "Anoiva despida pelos solteiros, mesmo" (também conheci-da como "O vidro grande"), coberta de pó…

Ou ainda, quem diria que a fotografia de RichardWoldendorp (Fig. 5) representa, não uma cultura bacteri-ana, mas uma paisagem australiana? Em resumo: igno-rando a escala, o concreto torna-se abstracto. A interpre-tação das imagens depende da escala; sem referentes, aúnica identificação possível é a de uma estrutura (quepode ser grande ou pequena, macroscópica ou molecu-lar, feita de metal, plástico, etc).

AMPLIAÇÕES:A ESCALA EM FOTOGRAFIA

Fig. 2 - David Malin, “Nebulosas da Cabeça de Cavalo e IC 434

em Orionte “, (três exposições de 60 min cada em placas

hipersensíveis ao azul, verde e vermelho)

Fig. 3 - Linus Pauling e Roger

Hayward, “Vista dum Cristal

de Diamante”, (1964)

Fig. 4 - Man Ray, “Cultura de Pó”, (1920)

Fig. 5 - Richard Woldendorp, “Hamersley Range, Pilbara

(Australia)”

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O corpo humano

Diz a Bíblia que o Homem foi feito à imagem e seme-lhança de Deus (e que a Mulher, fruto da costela deAdão, foi criada à imagem e semelhança do Homem -daí a compatibilidade dos sexos). Mas é a inversa queprevalece: Deus e o universo só podem ser compreendi-dos e imaginados à imagem e semelhança do Homem.Os padrões e unidades de medida reflectem relações ínti-mas com o corpo humano, algumas das quais continuamem voga em países desenvolvidos: as polegadas, os pés eos cúbitos (comprimento do antebraço); os palmos deterra ou as braçadas de feno. Polegada, palmo, pé, cúbitoou côvado (66 cm), etc., de quem? Do rei, obviamente. Ajarda (ou cintura) era o cúbito duplo. Segundo a tradição,foi Henrique I de Inglaterra (filho mais novo de Guilher-me, O Conquistador) quem decretou que a jarda era adistância que ia da ponta do nariz real à extremidade dopolegar. Mesmo a milha (romana) eram 1000 passadasou passos duplos. O homem de Vitrúvio, popularizadopor Leonardo da Vinci, simboliza isto. EscreveLeonardo: "Vitrúvio, o arquitecto, diz na sua obra sobre arqui-tectura que as medidas do homem são arranjadas pela natureza daseguinte maneira: 4 dedos fazem um palmo, e 4 palmos fazem umpé; 6 palmos fazem um cúbito; 4 cúbitos fazem um homem e 4cúbitos fazem uma passada e 24 palmos fazem um homem; e estasmedidas são as dos seus edifícios".

O sistema de medidas só foi racionalizado em 1791, gra-ças aos esforços de Talleyrand. O conjunto de notáveisque levaram à criação do metro é um verdadeiro "Who'sWho" da ciência francesa: Lagrange, Laplace, Monge,Condorcet, Lavoisier. A referência deixou de ser antro-pocêntrica para passar a ser geocêntrica (décima milioné-sima parte dum quarto do meridiano terrestre), havendoo cuidado de escolher um padrão semelhante à jarda (sóem 1960 a unidade de comprimento foi referida ao com-primento de onda no vácuo da risca vermelho-alaranjadado crípton-86).

Antropocêntrico ou geocêntrico, a verdade é que sóapreendemos bem aquilo que é comensurável com a ex-periência humana. A gama do nosso discernimento nãoultrapassa as seis ordens de grandeza, desde, digamos, oburaco de uma agulha (uma fracção de milímetro) atéaos maiores edifícios construídos, por exemplo a grandepirâmide quadrangular de Gizé, com os seus 230 m delado da base (o maior edifício construído foi o da Gran-de Exposição de Londres em 1851, com uma nave commais de 563 m de comprimento).

ARTIGO

O maior monólito na Terra está na Austrália: é o famosoAyers Rock ou Uluru, de 340 m de altura e um períme-tro de base de 9,5 km. A esta escala, estamos no domí-nio do Deus irrepresentável e incompreensível de Moisés(em oposição ao Deus de Aarão), tão genialmente trata-do na ópera Moses und Aron, de Arnold Schoenberg.

O grande e o pequeno só deixam de fazer sentido comas dimensões fractais. É o fenómeno da auto-seme-lhança, exemplificado pela conhecida curva de Koch: umtriângulo equilátero a cujos lados se adicionam simetri-camente novos triângulos equiláteros (cujo lado é umterço do triângulo original) e assim sucessivamente.Agora o todo passa a ser igual a cada uma das partes. Éaquilo a que o inspirado William Blake definia (sem osaber) no século XVIII como "ver o universo num grão deareia". Para os aborígenes australianos, um grão de areia eUluru são uma e a mesma coisa.

Sejam pois as seis ordens de grandeza familiares, de umpara um milhão. Um milhão de milímetros que é um qui-lómetro. Penso em dimensões lineares porque se for emáreas ou volumes seria o dobro ou o triplo. Felizmentepara a experiência humana, por razões evolutivas, as coi-sas grandes tendem a não ser grandes nas três dimesões.O polvo gigante das profundezas marinhas atinge os 60 mgraças ao comprimento dos tentáculos. A sua grandeza élinear, não volumétrica.

As escalas da fotografia

Há meia dezena de predicados que contribuem muitopara o carácter especial da fotografia:

- ser feita por uma máquina (tal como muita ciência);- multiplicidade: um negativo pode gerar milhares deprovas;- o jogo do acaso na informação recolhida;- possibilidade de reenquadramento e manipulação;- escala variável (ampliação).

Nem sempre estes predicados ocorrem simultaneamente(por exemplo, há fotografias que não precisam de má-quina para serem feitas), e nem todos são exclusivos dafotografia (a escultura pode ser um múltiplo se houverum molde), mas de todas as formas de arte, a fotografiaé a única de escala variável. O negativo pode ser facil-mente ampliado ou reduzido.

Cedo a óptica da câmara fotográfica foi acoplada com a do microscópio ou do telescópio, dando a ver (e a conhecer) o muito pequeno e o (muito grande) longínquo.

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Inventada oficialmente em 1839 (na realidade, mais deuma década antes), a fotografia logo apontou para ascoisas próximas e pequenas, tal como para as coisasgrandes e distantes. Por exemplo, o tecido das asas deuma borboleta nocturna (fotografado por Fox Talbot em1839) e a Lua (fotografada por Rutherford em 1865 -Fig. 6). Isto é, onze das 42 "Potências de Dez".

Há três participantes na observação de uma fotografia: oobjecto em si, a fotografia desse objecto e o observador.Repare-se que esta fotografia da Lua é uma ampliaçãoem relação ao que se vê a olho nu, mas é uma reduçãoem relação ao tamanho real do planeta (ninguém esperaver uma fotografia da Lua inteira em tamanho natural!).No caso da asa da borboleta nocturna, a fotografia éuma ampliação em relação a ambos os referentes:objecto e observador. Nas microfotografias, é uma re-dução em relação aos dois. Este problema é particular-mente importante nas palestras de história de arte, emque a obra real tem dimensões fixas, muito diferentes dasque são vistas projectadas no ecrã.

Será que o significado da fotografia depende da sua rela-ção com os outros dois participantes? Excepto no casoda fotografia documental (e talvez nem mesmo nesse caso),

o objectivo da fotografia é - disse Gérard Castello-Lopes- "desencadear uma emoção estética". A apreciação da foto-grafia está no prazer da evocação. Essa evocação e aemoção que ela provoca dependem da (isto é, variamcom a) ampliação, como se pode verificar com o seguinteexemplo duma fotografia de Helmut Newton (Fig. 7).

O título é "Sapato", mas isto não é um sapato, tal comoo que está no célebre quadro de Magritte não é um ca-chimbo! A fotografia de Newton é uma afirmação depoder feminino, e quanto mais ampliada, maior é o po-der projectado! Este não é, definitivamente, o sapatinhoda Gata Borralheira! O que Jean-Luc Godard dizia emrelação ao cinema aplica-se também aqui: a fotografianão é o reflexo do real, mas a realidade do reflexo.

Notar ainda que mesmo na fotografia comercial as di-mensões têm variado ao longo dos tempos: as "cartes--de-visite" (1850s) tinham 10 x 6 cm; os cartões de gabi-nete, 15 x 10 cm; as primeiras provas Kodak eram circu-lares, com cerca de 9 cm de diâmetro; hoje voltámos aoformato dos cartões de gabinete, 15 x 10 cm, ou aos18 x 24 cm dos que têm pretensões a ser Fotógrafoscom F grande. Claro que tudo isto é função das dimen-sões do filme, isto é, do tamanho do negativo (em geral,um rectângulo de 24 x 36 mm).

AMPLIAÇÕES:A ESCALA EM FOTOGRAFIA

Fig. 6 - Lewis Rutherford, “Lua”, (1865) Fig. 7 - Helmut Newton, “Sapato”, (1983)

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Limites

Há limites - inferior e superior - para as provas fotográfi-cas (reduções e ampliações). O limite inferior é impostopela visibilidade. Por exemplo, José Luís Neto tem umprojecto curioso de retratos (e não só) - "Irgendwo" -em que as fotografias têm 1,7 x 1,2 cm. Estas fotogra-fias não só cabem na palma da mão, como cabem tam-bém no espaço de uma unha! O limite superior da am-pliação é imposto pelo grão - o tamanho dos espéculosde prata, que variam conforme o filme é mais "rápido"ou "lento". Ampliar significa, muitas vezes, perder infor-mação (o exemplo paradigmático está no filme Blow-Up(1968) de Michelangelo Antonioni).

Por outro lado, há questões intrínsecas à própria estrutu-ra da imagem fotográfica que fazem com que o equilí-brio se perca a partir de certa dimensão (isto tanto fun-ciona para as ampliações como para as reduções). Saberquais são as dimensões ideais de uma prova fotográfica éum problema muito pouco investigado e discutido. Queeu saiba, quem melhor tem feito isso é o decano da foto-grafia portuguesa, Gérard Castello-Lopes. A escala deuma fotografia é variável, mas há uma escala - superiorou inferior - a partir da qual a imagem se desagrega ouentra em colapso, passando a informação a ser qualitativa(e quantitativamente) diferente.

Há fotografias " íntimas" que, tal como o adjectivo indi-ca, não devem - por pudor - ser devassadas pelo grandeformato. Para mim, um bom exemplo é o interior deuma casa portuguesa (aliás cabo-verdiana) fotografadaem Truro, Massachusetts, por Walker Evans em 1930(Fig. 8). A fotografia é já um "close-up", e nela Evansmostra tudo aquilo que quer dar a ver. Meio escondidas

pelo vaso com a figueira do inferno estão as fotos de fa-mília e a bandeira (americana). Evans imprimiu-a comoprova de contacto - o tamanho do positivo é o tamanhodo negativo, e é essa dimensão que está certa.

Outras, porém, têm a escala do universo e quanto maio-res melhor. Um exemplo é a obra de David Stephenson,toda debruçada sobre o sublime - desde as cúpulas dascatedrais aos céus estrelados, passando pelos desertos degelo da Antárctica. No exemplo da Fig. 9 o que ele mos-tra é o dossel celeste. Mais do que fotografias no sentidocorrente, são verdadeiros desenhos luminosos da rota-ção aparente das estrelas em relação à Terra, obtidoscom exposições longas, interrompidas ou múltiplas.Constituem também um olhar sobre o passado (as estre-las estão a milhões de anos-luz de distância), e resumem,de certo modo, a história do universo que é, simultanea-mente, uma história da fotografia. Notar o truque da es-piral incipiente, a lembrar-nos a forma da nossa galáxia.

Uma das perversões de muitos concursos de fotografia édar tema livre e exigir provas de determinadas dimen-sões. Não se deve ficar, porém, com a ideia de que umobjecto grande requer uma imagem de grandes dimen-sões, e um pequeno, de pequenas. É bom recordar o"Sapato" de Newton! A fotografia não é a coisa, mas sima evocação do carácter da coisa. A dimensão pode con-tribuir para o carácter, mas não o define totalmente.

ARTIGO

Fig. 8 - Walker Evans,

“Casa Portuguesa,

Truro, Massachusetts”,

(1930) Fig. 9 - David Stephenson, “1996/1902”

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A escala de todas as escalas

Uma fotografia, tal como uma carga eléctrica ou ummagneto, gera um campo de forças. É uma fogueira quearde sem se ver. Isto põe outra questão: a que distânciadeve uma fotografia ser observada, estudada, gozada (talcomo há uma distância ideal para nos aquecermos à la-reira)? Entram aqui em jogo várias escalas: a distânciaideal de observação depende das dimensões da prova fo-tográfica, das dimensões da sala, da proximidade de ou-tras fotografias, outros objectos, outras pessoas, outrossons. A propósito, lembremo-nos que as propriedades deuma molécula isolada são diferentes das propriedadesdessa mesma molécula numa assembleia de moléculaspróximas (líquido ou sólido) ou mais distantes (gás nãoperfeito). A regra de ouro diz que a distância mais favo-rável deve ser 2,5 vezes a diagonal da imagem. No casode uma fotografia de exposição, em geral de 30 x 40 cm,essa distância será 125 cm. Mas - é bom repetir - tudodepende do espaço que a rodeia.

Todavia há objectos, como há imagens, que podem serapreciados (quase) a qualquer distância. Isto aconteceporque não têm escala, ou têm todas as escalas. Uma vezmais, é necessário invocar os fractais. A ampliação oucontracção duma espiral gera mais do mesmo, que não épequeno nem grande ou é simultaneamente pequeno egrande.

Foi o próprio Benoît Mandelbrot quem notou que háedifícios sem escala, susceptíveis de ser apreciados aqualquer distância. Os exemplos clássicos estão na deco-ração rocócó e na chamada arquitectura de "Beaux-Arts"ou de Arte Nova, que contêm elementos importantes detodos os tamanhos (a Bauhaus tem uma sensibilidade eu-clidiana, não fractal; a sensibilidade fractal é mais huma-na). A Ópera de Paris (1861-1875), obra-prima deCharles Garnier, surge sempre bela, qualquer que seja adistância a que é admirada. Claro que nem todos os por-menores arquitectónicos e decorativos são perceptíveis efuncionam a qualquer distância, mas qualquer que seja adistância há sempre algo para descobrir. Outro exemploóbvio é o da arquitectura de Antonio Gaudí. À medidaque nos aproximamos do grande edifício apercebemo-nosde pormenores novos que contribuem para a expressãoestética global da obra (o mesmo acontece com a espiral;não admira, por isso, que Mme. de Staël tenha declaradoque o progresso do espírito humano se faz em espiral).

AMPLIAÇÕES:A ESCALA EM FOTOGRAFIA

É este também o paradigma do bolo de noiva ou da flo-resta e da árvore com os seus ramos, folhas e nervuras.Não deixa de ser curioso que a beleza fractal da Óperade Paris tenha sido registada fotograficamente, durante aconstrução, pela firma de Delmaet & Durandelle (Fig.10). Há grandes imagens de conjunto, mas também decada pormenor decorativo, provando que o todo não émais do que a ampliação de cada uma das partes, mesmoque as partes se percam no seio do conjunto.

À fotografia nada escapa, nem mesmo os segredos dasescalas.

Fig. 10 - Delmaet & Durandelle,

“Figuras decorativas para a Ópera de

Paris”, (ca. 1872)

Agradecimentos

Aos Professores Jorge Buescu e Carlos Fiolhais pelasvaliosas contribuições para melhorar e clarificar estetexto.

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A análise dimensional é uma ferramenta de grande

utilidade no estudo da Física: fornece pistas impor-

tantes para a solução de um problema, ajuda a in-

tuição, e pode reduzir significativamente a comple-

xidade de um problema. Este artigo pretende

mostrar que usando adequadamente a análise

dimensional, se podem obter inúmeros resultados

importantes a partir de conhecimentos rudimenta-

res de Física. Serão apresentados vários exemplos,

com especial destaque para o mundo biológico.

Armando VieiraDepartamento de FísicaInstituto Superior de Engenharia do PortoRua de S.Tomé, 4200 Portoe Centro de Física Computacional da Universidadede Coimbra([email protected])

O TAMANHO CA ANÁLISE DIMEFÍSICA

Existem na Natureza fenómenos complexos sobre osquais não temos a sorte de possuir uma teoria adequada,como por exemplo o escoamento turbulento de um flui-do. No entanto, usando apenas as dimensões das grande-zas físicas intervenientes, podemos extrair uma quantida-de de informação extraordinária. Embora pouco rele-vante do ponto de vista de compreensão dos fenómenosfísicos, esta informação é extremamente útil do ponto devista prático e ajuda-nos a compreender melhor o pro-blema em estudo [1]

Apesar de a turbulência ser um fenómeno ainda nãototalmente compreendido, podemos saber a priori, igno-rando completamente os detalhes do problema, porexemplo, como se relacionam as forças exercidas numadada superfície com a velocidade e a densidade do fluido.

O objectivo deste artigo é mostrar que, recorrendo à aná-lise dimensional, se podem conhecer relações interessantesdesconhecendo quase por completo a física dos fenóme-nos em causa. Em particular, serão abordados aspectosrelacionados com o tamanho, ou seja, como variam cer-tas propriedades na matéria e nos seres vivos quando sealteram apenas as suas dimensões. Podemos assim respon-der a questões como: quanto varia a força de impacto deum projéctil ao reduzirmos a metade a sua densidade:quanto tempo a mais é preciso para cozer um bolo como dobro do tamanho de outro? No caso da biologia, exis-tem fenómenos muito curiosos que podem ser compreen-didos à luz da análise dimensional, como, por exemplo,saber porque morre um homem numa queda de 10 m ao

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passo que um pequeno rato sai geralmente ileso de umacidente do mesmo tipo.

A arte de adivinhar equações

Existem inúmeros casos na história da ciência onde asequações, antes de terem sido deduzidas, foram de certaforma adivinhadas ou intuídas pelos seus autores.

Vejamos como isso não é muito difícil. Tomemos o exem-plo da queda dos graves. Suponhamos que queríamosdeterminar uma expressão para a velocidade terminal doobjecto v em função da altura h de que foi largado.Como não sabemos nada de Física apenas temos deaveriguar quais são as grandezas físicas relevantes. Nestecaso consideramos, além da altura, a aceleração da gravi-dade da terra g. Vamos então supor que v se escrevecomo um produto:

em que α é uma constante sem dimensões e x e y são ex-poentes a determinar. Para esta equação estar dimensionalmentecorrecta, o lado direito deve ter as dimensões de uma dis-tância sobre tempo (L/T), ou seja, dimensionalmente:

Daqui se tira facilmente que x + y = 1, e -2x = -1, ou seja

Portanto obtivemos a expressão da velocidade que pre-tendíamos,

Resta-nos determinar a constante α, que pode ser obtidaquer experimentalmente, quer por uma análise detalhadado problema. Através desta relação funcional reduzimosa nossa ignorância à mera determinação de uma constan-te, o que não deixa de ser notável.

Suponhamos agora que, erradamente, considerávamostambém a massa como uma grandeza relevante para esteproblema. Então a equação dimensional ficava:

Pode verificar-se directamente que z = 0, ou seja, a velo-cidade de queda de um corpo não depende da sua massa.

É claro que esta expressão só é válida se desprezarmos aresistência do ar. Se a considerássemos, teríamos novasgrandezas na expressão da velocidade. Elas seriam a den-sidade do ar ρ, a massa do corpo m e a área eficaz ex-posta ao deslocamento A. Ou seja,

Trata-se agora de um problema mais difícil de resolverpois temos 5 grandezas e apenas 3 equações: uma para otempo, outra para o espaço e outra para a massa. Para es-tes casos existe um procedimento geral baseado no teo-rema π de Buckingam que permite obter relações entrequantidades adimensionais [2].

Podemos, no entanto, usar a intuição para reduzir a com-plexidade do problema. Por exemplo, devido agora à pre-sença de uma forma de resistência que aumenta com a velo-cidade do corpo, a velocidade não pode aumentar indefi-nidamente. Logo a altura de queda, h, não deve entrar naexpressão da velocidade a partir de um certo tempo. Apóseliminarmos h não é difícil obter a seguinte expressão:

Podemos verificar que esta equação está correcta recordan-do que a força que um fluido exerce numa área A é ρAv2

e que esta deve igualar a força gravítica mg. A esta quanti-dade chama-se velocidade terminal, que para o corpohumano está compreendida entre 150 a 200 km/h (Fig. 1).Recorde-se que a densidade do ar é cerca de 1 kg/m3.

ARTIGO

v g hx y= α ,

LT LT Lx y− −= ( )1 2 .

v gh= α .

LT LT L Mx y z− −= ( )1 2 .

v f M A h g= ( )ρ , , , , .

vmg

A∼

ρ.

x y= =1

2.

Page 14: Gazeta de Física

Ou seja, se tivermos um fenómeno descrito por umarelação funcional f(q1,q2,...,qn) = 0, em que qi sãograndezas físicas quaisquer, podemos sempre encontraruma relação F(π1,π2,...,πm) = 0, em que πi são grandezasadimensionais, sendo que em geral m = n −3.

Algumas dessas grandezas adimensionais são, por exem-plo, o número de Reynolds (Re = ρlv / η), em que ρ é adensidade do fluido e η a sua viscosidade.

A primeira vantagem de reescrever as equações com baseem quantidades adimensionais é que reduzimos o núme-ro de variáveis no problema (normalmente ficamos commenos 3). Mas a principal vantagem talvez seja o factode, ao reescrever as equações em função de grandezasadimensionais, podermos estabelecer semelhanças entreum modelo a escala reduzida e o protótipo real. Porexemplo, para estudar as forças exercidas pelo ventonuma ponte é construído um modelo de dimensõesreduzidas, tipicamente numa escala de 1:100, ou seja,uma ponte com 1 km é reduzida para 10 m. Para que ostestes com o modelo sejam válidos é preciso conhecer acorrespondência entre as forças exercidas no modelo eas correspondentes no protótipo. Se testarmos o modelocom valores das quantidades adimensionais iguais à reali-dade, e com as mesmas condições de fronteira, então te-remos uma equivalência directa.

Neste caso há uma relação que pode ser facilmenteextraída entre a força do vento exercida na ponte modeloe na ponte real.

Vejamos um outro exemplo. Se, num modelo de um arcofeito de alumínio à escala de 1:3, é necessária uma forçade 1 N para esticar a corda, que força será necessáriaaplicar num arco de aço de tamanho real? Como omódulo de Young E é dado por E = F / l2, em que F é aforça aplicada, temos que a relação de forças entre oprotótipo e o modelo é dadapela expressão:

onde KE é a relação dos módulos de Young entre oalumínio e o aço e Kl é a relação das dimensões linearesentre o protótipo e o modelo. Ou seja, teríamos deaplicar uma força de 1/0,02 = 50 N.

A velocidade depende agora da massa mas não da altura.Isto significa que, na realidade, a velocidade do corpo au-menta inicialmente de acordo com a equação da quedados graves, mas que, após algum tempo, ela irá estabilizarnum valor constante.

Como m ~ l 3, em que l é a dimensão linear do corpo, eA ~ l 2, a velocidade terminal é proporcional a : seaumentarmos o tamanho de um objecto ele irá cair comuma maior velocidade. Por exemplo, um elefante, quetem uma dimensão linear cerca de 100 vezes superior àdo rato, terá uma velocidade terminal 10 vezes maior.

Mais uma vez a nossa ignorância acerca de um fenómenocomplexo fica reduzida apenas à determinação de umaconstante.

Vejamos mais um caso não trivial: encontrar uma expressãopara a frequência de vibração fundamental f, de umaestrela. Usando o diâmetro da estrela D, a sua densidade ρe a constante de gravitação universal G, o leitor podeobter facilmente a seguinte expressão:

em que . Ou seja, a frequência depende ape-nas da raiz quadrada da densidade e é independente dotamanho da estrela.

A semelhança mecânica

A análise dimensional é muito útil em engenharia paraanalisar processos que envolvem por vezes dezenas degrandezas físicas.

O teorema π de Buckingam estabelece a possibilidade dereescrever as equações que descrevem um dado fenómenoem função de quantidades adimensionais, em número sem-pre inferior à quantidade de grandezas físicas envolvidasno problema.

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O TAMANHO CONTA: ANÁLISE DIMENSIONAL NA FÍSICA

f C= ρ ,

C G= α

K F FF prototipo modelo= /

K K KF E l= = =

/ , ,2 15

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0 022

Fig. 1: Um paraquedista em queda livre atinge rapidamente a

velocidade terminal.

l

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Outras aplicações

Vamos agora ver algumas aplicações ao mundo da biolo-gia. Por que razão um rato consegue sair ileso de umaqueda de vários metros de altura enquanto um serhumano fica esmagado?

Vejamos quanto vale a força de impacto de um corpo demassa m com velocidade v ao chocar com uma superfícierígida:

onde usámos o facto de ∆t = 2∆x / ∆v para um movi-mento uniformemente retardado, sendo ∆x o valor dadistorção linear provocada pelo embate do corpo.

Usando a lei de Hooke, F = k∆x, com k a constante deelasticidade do material, fica

Usando a equação da velocidade terminal de um corpoem queda, a força fica proporcional ao quadrado das di-mensões lineares do corpo (F ~ l2) - lembremos que m ~ l3.

Resta-nos saber como medir a taxa de destruição provo-cada por uma força num ser vivo. Iremos considerar adistorção percentual ∆x / l no corpo do animal paramedir o seu "esmagamento". Então:

Ou seja, quanto maior for o animal, mais será ele "esma-gado". Um animal com o dobro do peso terá dimensõeslineares vezes maiores, ou seja um "esmaga-mento" 26 por cento maior. Deixo para o leitor a tentati-va de explicar por que razão as crianças se magoam rela-tivamente menos que os adultos numa queda.

Um outro exemplo interessante é perceber por que razãoos animais nos climas frios tendem a ser maiores quenos climas mais quentes. A razão é que a perda de calordos animais é essencialmente proporcional à superfícieenquanto o calor gerado é proporcional ao volume. Logoa relação entre o calor gerado e o calor perdido é dadapor volume/área = l3 / l2 = l. Ou seja, animais maioresperdem percentualmente menos calor.

Façamos finalmente uma aplicação a um problema decondução de calor. Consideremos o problema de saber otempo necessário para arrefecer (ou aquecer) um corpo a

ARTIGO

uma temperatura no seu centro To , quando a sua super-fície está à temperatura Ts . A relação que se obtém é:

em que Fo = at / l2 é o número de Fourier e Bi = hl / ké o número de Biot. As constantes são a difusividade tér-mica a, a condutividade térmica k, e o coeficiente detransferência térmica h. Ou seja, dimensionalmente podeescrever-se uma equação para o tempo da forma:

Podemos agora responder à questão de quanto tempomais leva um corpo a arrefecer em relação a um outronas mesmas condições mas de tamanho diferente. Otempo de arrefecimento é proporcional a l2. Vamos ver ocaso do arrefecimento do nosso planeta. Suponhamosque uma esfera de 1 m de raio, com uma composiçãogrosseiramente idêntica à da Terra, leva cerca de 10 hpara que a temperatura seja apenas 90 por cento inferiorà temperatura do centro, ou seja Ts/T0 = 0,9. Então, parao centro da Terra (raio de 6400 km) arrefecer até 90 porcento da temperatura da superfície levaria o tempo10 (6,4 x 106)2 = 4,1 x 1014 horas. O que daria 46,7 milmilhões de anos. Como a Terra tem apenas cerca de 4mil milhões de anos, podemos ficar descansados que tãodepressa não ficaremos enregelados!

Leis de escala no mundo biológico

Sabe-se empiricamente que, com um bom grau de apro-ximação, quase todas as grandezas referentes aos seresvivos (chamemos-lhes X, que pode ser a força, o ritmocardíaco, a taxa metabólica, etc.) variam com a sua massada seguinte forma [2, 3, 4]:

em que γ=1/4 ou 3/4.

Com base nesta relação vamos tirar algumas conclusões.Vejamos por que razão uma formiga consegue levantarvárias vezes o seu peso, enquanto um ser humano não.Um animal de massa m possui uma força dada por

F = c1m3/4

e é menos que proporcional à massa do animal. Usandoo facto de um homem poder suportar duas vezes o seupróprio peso, determinamos a constante c1 = 60.

Fpt

mvx

= =∆∆ ∆

2

F km v= .

∆ = =x lFkl

mk

l/ .

2 1 263 = ,

fTT

Fo Bio

s

, ,

= 0

tl

af T

TBio

s

=

2

1 , .

X m= ±α γ

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Uma formiga de massa m = 0,1 g terá uma força de 0,06N. Como o seu peso é 0,001 N, ela consegue exerceruma força de cerca 60 vezes o seu peso! É por esta razãoque, em geral, os campeões de ginástica são pessoas rela-tivamente pequenas.

Note que estas relações não são exactas. Elas resultam deinterpolações empíricas numa gama de massas de váriasordens de grandeza. Devem por isso ser aplicadas comalgum cuidado, sobretudo quando se fazem extrapolações.Por exemplo, o elefante africano é o maior animal ter-restre, com uma massa da ordem dos 5000 kg. Usando aexpressão anterior, a força que ele pode exercer é cercade 35 000 N, ou seja apenas 70 por cento do seu peso -ele não seria capaz de se sustentar!

O maior animal terrestre, o braquiosauro, que viveu noperíodo Jurássico há 140 milhões de anos, pesava cercade 80 000 kg. Segundo a nossa expressão, este animaldevia ser capaz de exercer uma força de 28 000 N, ouseja apenas 30 por cento do seu peso. Embora se possaaceitar que o elefante seja capaz de se sustentar com umaforça de 70 por cento do seu peso, muito provavelmenteo braquiosauro não poderia fazê-lo. Daí a hipótese deesta ter sido uma criatura semi-aquática, usando a impul-são da água para suportar parte do seu enorme peso [5].

Vejamos agora, por exemplo, qual é o peso máximo queum animal pode ter para ser capaz de voar de uma formaauto-sustentada. Para massas inferiores a 100 kg, a velo-cidade máxima de um animal depende das suas dimen-sões lineares da forma [6]:

Dado que a força que um animal exerce é F = c1m3/4, a

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potência máxima de um animal é dada então por

É conhecido empiricamente que a potência necessáriapara suportar uma estrutura voadora depende das suasdimensões lineares de acordo com a expressão [2]:

P ~ 5000 l7/2

Combinando estas duas últimas expressões concluímosque terá de haver um limite para as dimensões lineares,dado por l3/4 = 1500/5000 (Fig. 2).

Resolvendo, obtemos a dimensão linear máxima que umanimal pode ter para ser capaz de voar, l = 0,20 m. Parauma densidade de 0,5 g/cm3 esse valor corresponde aum peso de 4 kg. Podemos ainda concluir que quantomenor for o animal mais facilidade terá em voar, como éo caso dos insectos.

Vamos terminar considerando ainda o que aconteceria sea gravidade da Terra fosse 10 vezes maior. Tomemos,por exemplo, o caso do coração. Como a potência neces-sária para bombear um caudal de fluido Q a uma altura hé P = ρgQh, se a gravidade fosse 10 vezes maior tería-mos de ter um coração dez vezes mais potente. Ou sejaum coração vezes maior lembre-se daexpressão que relaciona a força com a massa. O leitorpode tentar determinar como se deviam alterar as pro-porções do corpo nesta hipotética gravidade - seríamosnós mais baixos e mais robustos? Devíamos ter umamassa óssea percentualmente maior?

104 3/ ≈ 21

v mmax.= 8 250 16 1∼ m/s .

P Fv c l v l= = 19 4 11 41500/ /∼

Fig. 2: Quociente entre a potência necessária para voar e a potência

exercida por um animal em função da sua dimensão linear. A linha

horizontal marca o limiar acima do qual o animal não poderá voar.

REFERÊNCIAS:

[1] Barnes, G., Physics Teacher, Abril, 234 (1989); Lin, H.,American Journal Physics 50, 62 (1982).[2] Szirtes, T., e Rozsa, P., Applied Dimensional Analysis andModeling, McGraw Hill (1997).[3] New Scientist, 403, 3/Abril (1999).[4] McMahon, T., e Bonner, J., On Size and Life, ScientificAmerican Books, New York (1983).[5] Colbert, E. H., Amer. Mus. Novitates, 2076, 1 (1962).[6] T. Garland, J. Zool., Lond. 199, 157 (1983).

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Eric Mazur, professor de Física na

Universidade de Harvard

"Podemos e devemos tratar a educação como uma

ciência. Eu encaro os dados das minhas experiên-

cias laboratoriais da mesma maneira que trato os

resultados das minhas aulas, que também são um

laboratório", afirma Eric Mazur, professor de Física

na Universidade de Harvard, criador de um mé-

todo "experimental" de ensinar que "devolve" aos

alunos a decisão de estabelecer os conteúdos da

aula seguinte.Tendo abandonado a dada altura os

métodos tradicionais de transmissão de conheci-

mentos, Mazur rompeu com a ideia, adoptada em

todo o mundo, de que "as aulas de ciências são

transferência de informação". Retirou a transferência

de informação da sala de aula dizendo aos alunos,

por exemplo, coisas tão simples como estudarem

um assunto em casa para posteriormente o discu-

tirem na aula. Recorrendo à chamada aprendizagem

conceptual, faz com que os alunos se tornem os

seus próprios professores. Para estes está, segundo

Mazur, reservado o papel do "treinador": "Ensinar é

apenas ajudar a aprender e é esse o meu papel

como professor".

Entrevistado por:

CARLOS FIOLHAIS e CARLOS PESSOA

[email protected]

Gazeta de Física - É verdade que os seus alunos costu-mam atribuir-lhe boas notas? E como consegue isso? Eric Mazur - Quando comecei a ensinar, em 1984, ensi-nava tal como eu próprio tinha sido ensinado. Afinal,que outras formas há de ensinar? É natural, foi comonós aprendemos e, além disso, temos tendência para pro-jectar a nossa própria experiência nas pessoas que nosrodeiam. O que pensamos é: "Eu aprendi assim e, porisso, eles também devem aprender assim". Ao fazer isto,acho que se cometem dois erros. Se olhar para a formacomo fui ensinado percebo que aprendi, não devido aesse ensino, mas apesar dele.

P. - É o método tradicional, com recitações. O professorfala e os alunos ouvem...R. - Exacto, usa-se isso nas igrejas... É um método muitoantigo!

P. - A diferença é que, nas igrejas, por vezes funciona!R. - Hum... Esse é o primeiro erro. O segundo erro éque a maioria dos alunos são diferentes de nós, e nemtodos vão ser professores de Física. Interessam-se porcoisas totalmente diversas, pois querem ser médicos, en-genheiros, homens de negócios ou políticos e não têm amesma inclinação para a Física. Penso que estes são oserros típicos em que incorremos quando começamos aensinar.

"ENSINAR É APENAS

AJUDAR A APRENDER"

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P. - Como é que mudou os seus métodos de trabalho? R. - Não mudei imediatamente porque considerava que esta-va a ensinar bem. Os meus alunos tinham boas classifica-ções nos exames e também me atribuíam boas notas no in-quérito final de avaliação dos professores...

P. - Então o método tradicional funcionava bem...R. - Tinha quatro e meio numa escala de cinco. Era a no-ta mais alta na área de Física.

P. - Em suma, os alunos estavam satisfeitos e o professortambém...R. - Exactamente! E era por isso mesmo que eu achavaque estava a fazer um bom trabalho. Seis anos mais tar-de, colegas da Califórnia mostraram-me artigos sobretestes com questões muito fáceis. Por exemplo: "Um car-ro colide com um camião. A força exercida pelo camiãosobre o carro é maior ou menor que a força do carro so-bre o camião?". A confusão era grande.

P. - Está a sugerir que os professores faziam perguntasaos alunos que eles próprios não compreendiam bem?...R. - Exacto. Os dados recolhidos nesse estudo sãomuito interessantes. Se colocar essa questão no início e

no fim do semestre a diferença entre o padrão de respos-tas é quase nula. Mais, se a analisar pela forma como osalunos são instruídos também não há diferença...Por exemplo, o autor daquele artigo, David Hestenes,deu o teste a três grupos. O primeiro consistia em tur-mas com professores premiados. O segundo grupo com-preendia turmas com professores com uma classificaçãomuito baixa.

P. - Os maus professores...R. - Sim, os maus professores. Finalmente, o terceirogrupo consistia em professores com turmas pequenas(até 20 alunos). Se compararmos a evolução nos váriosgrupos ao longo do semestre verificamos que não hádiferença. Por outras palavras, os alunos não aprendemmuito numa aula convencional (passiva), independente-mente da forma como se ensina.

P. - Os resultados não dependiam da forma como seensinava?!"R. - Bem, eu li aquilo e interroguei-me: passar-se-á omesmo com os meus alunos? Depois, lembro-me de terpensado: "Não pode ser verdade! E muito menos comos meus alunos de Harvard!". Decidi mostrar a esse

ENTREVISTA

Stephanie Mitchell/Harvard News Office, © 2001 President and Fellows of Harvard College.

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autor que a situação era diferente com os meus alunos.Dei-lhes o teste e notei de imediato que havia algo deerrado com a minha turma. Logo no início uma alunaperguntou: "Prof. Mazur, como é que respondo a estasperguntas? De acordo com o que ensinou ou de acordocom aquilo que eu penso?". Olhei para ela e pensei:"Qual é a diferença?". É claro que os alunos de Harvardsão melhores do que um aluno médio americano, masmesmo assim...

P. - Eram alunos de Física?R. - Não, eram alunos de Engenharia e Medicina. Mas amelhoria não era significativa. Tiveram uma evolução de8 por cento, 70 por cento no início do semestre e 78 porcento no final. Ora, vendo o teste era de esperar que osmeus alunos tivessem 100 por cento e, por isso, fiqueiperplexo. A minha primeira reacção foi pensar que haviaalgo de errado com o teste. Não sabia o que pensar. Porum lado, os meus alunos tinham boas notas em examesmuito mais complexos, com integrações, derivações...

P. - Talvez fosse pelo facto de serem conteúdos maisfamiliares enquanto as outras questões eram novas...R. - Bem, a questão mais difícil era a do camião e docarro! De facto, não sabia o que fazer e comecei a pensarnoutros sinais dos alunos durante a minha carreira do-cente. Alguns atribuíam-me uma nota alta no questioná-rio mas punham observações do género "A Física é umaseca!". Um outro aspecto que nos remete para os ser-mões nas igrejas é o seguinte. No primeiro ano em queleccionei decidi dar aos alunos um livro diferente do queeu usava para preparar as aulas. Escrevia cerca de 12páginas de notas que entregava aos alunos no final daaula para que estivessem com mais atenção ao que eudizia do que às notas que tomavam. Mas cerca de seis se-manas mais tarde alguns alunos começaram a pedir-meque entregasse os apontamentos no início da aula paraque não tivessem de escrever tanto: copiavam tudo o queeu escrevia no quadro! Alguém disse uma vez que o mé-todo das aulas é o processo pelo qual os apontamentosdo professor são transferidos para os cadernos dos alu-nos sem que a informação passe pelo cérebro de ne-nhum deles.Nessa altura decidi entregar as notas no início das aulas,mas os alunos continuavam a escrever nas margens... Noano seguinte voltei a leccionar a mesma disciplina edecidi que era mais prático entregar o conjunto completodos apontamentos, em vez de os entregar em cada aula.No final do semestre cerca de 12 alunos (150 no total)escreveram no questionário de avaliação que "o prof.Mazur dá as aulas pelos apontamentos"! Bem vistas as

coisas, eles tinham razão. Se pensarmos bem, 99,9999por cento das aulas de ciências em todo o mundo sãotransferência de informação.Devo salientar dois pontos. O primeiro é que a educaçãoé mais do que transferência de informação, é um pro-cesso em que desenvolvemos um modelo mental paraassimilar essa informação. Mas numa aula convencionalnão há tempo para pensar, espera-se que essa assimilaçãoseja feita após a aula. O segundo ponto tem a ver com astecnologias de informação. Não estou a falar de compu-tadores mas da invenção de Gutenberg, há quinhentos anos.

P. - Os livros.R. - Sim, mas antes de haver livros a transmissão de co-nhecimentos de uma geração para a outra era feita oral-mente, como hoje nas aulas. Depois vieram os livros, eos livros são uma boa fonte de informação, mas passá-mos a lê-los aos alunos nas aulas. É ridículo! Se eu fosseprofessor de Literatura, por exemplo, não diria aos alu-nos que na aula seguinte iríamos ler “Sonho de uma Noitede Verão” mas sim que o lessem antes da aula. Assim, de-cidi que a primeira coisa que iria fazer seria retirar atransferência de informação da sala de aula. O que agorafaço é dizer aos meus alunos que estudem um assuntoem casa para posteriormente o discutirmos na aula.

P. - E os alunos fazem isso?R. - Têm de fazer. Esse trabalho representa 20 por centoda nota final. Mas voltemos atrás. Uma vez estudado de-terminado assunto, posso explicar aos alunos o seusignificado.

P. - A chamada aprendizagem conceptual.R. - Exactamente. E faço-o usando uma técnica a quechamamos "Peer Instruction".

P. - Mas essa técnica não é nova...R. - Não, de facto não se trata de uma novidade mas eutambém não sabia nada da literatura especializada sobrea aprendizagem colaborativa... Só conhecia Sócrates! Oque se passou numa aula foi o seguinte. Estava a discutiro teste conceptual com alguns alunos e a tentar explicaralguns problemas. Expliquei-os durante dez minutos epercebi pelas expressões deles que não estavam a enten-der. Pelo contrário, estavam ainda mais confusos. Eu nãosabia o que fazer, não sabia explicar melhor. Resolvi en-tão dizer-lhes para discutirem as suas dúvidas com o co-lega do lado e fiquei surpreendido com a agitação que secriou. De repente estavam todos a falar uns com os ou-tros. Decidi formalizar este procedimento e o que façohoje em dia é isso mesmo. Digo aos alunos para estudarem

ENTREVISTA COM ERIC MAZUR

Page 21: Gazeta de Física

antes da aula, depois faço uma breve introdução (nãomais de cinco minutos senão eles adormecem) e colocouma pergunta (a que chamo teste conceptual) no retro-projector. São perguntas conceptuais que não se podemresolver por equações. Por exemplo, há um barco nolago com uma pedra dentro. Se tirarmos a pedra o queacontece ao nível da água do lago? É uma questãocontra-intuitiva, temos de perceber bem o Princípio deArquimedes. Os alunos têm um minuto para pensar sobre apergunta e em seguida votam na opção que consideram correcta(uso cartões com as letras A, B, C, etc.).

P. - Como em alguns programas de televisão...R. - Hoje em dia utilizamos WAP e infravermelhos navotação. Depois de ver os resultados no ecrán peço a ca-da aluno que tente convencer o colega mais próximo deque a sua resposta está correcta. E quem vai conseguirser mais persuasivo? A pessoa que compreendeu a per-gunta. Ainda mais importante é que o aluno consegueexplicar determinada questão ao colega melhor do que oprofessor, porque quanto mais se sabe sobre um assunto,mais difícil se torna explicá-lo, mais depressa se esque-cem as dificuldades conceptuais.

P. - Então os alunos tornam-se os seus própriosprofessores.R. - Sim.

P. - E qual é o papel que resta para o professor?R. - O professor é o treinador. Concluindo, os alunosdiscutem o problema durante mais dois minutos e votamnovamente. O que acontece é incrível: o número de res-postas correctas aumenta consideravelmente. E no finaldo semestre a aprendizagem conceptual também melhorou.

P. - E o que acontece à capacidade de resolver umproblema tradicional?R. - Aí está uma boa questão. O que eu faço é falar so-bre um assunto durante cinco minutos, apresento umaquestão aos alunos e assim sucessivamente. Os alunosnão podem adormecer nas minhas aulas, pois são perma-nentemente solicitados. Um outro aspecto importante éo feedback que obtenho com este método. Consigo verimediatamente se os alunos estão confusos, se estão acompreender, etc.

P. - Estão "controlados"...R. - Mais do que isso, existe uma reacção observável daparte dos alunos. Antes de prosseguirmos, deixem-meresponder melhor a duas questões anteriores: o papeldeixado ao professor e a resolução tradicional de problemas.

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ENTREVISTA

Em primeiro lugar, nos questionários de final de semes-tre já não há um único aluno que escreva "O Prof.Mazur dá as aulas pelos apontamentos." Agora escrevem"O Prof. Mazur não nos ensina nada! Temos de ser nósa descobrir". Quando li esses comentários fiquei algomagoado. Tinha alterado o meu método de ensino, colo-cado problemas novos e agora os alunos diziam que eunão ensinava?!... Mas depois comecei a reflectir sobre oque era ensinar. Em holandês, a minha língua materna, amesma palavra significa ensinar e aprender, mas são coi-sas distintas, pois aprender não é necessariamente umaconsequência de ensinar. Ensinar é apenas ajudar aaprender e é esse o meu papel enquanto professor.

P. - Então resta alguma coisa para o professor fazer!R. - Sem dúvida! Quanto à resolução de problemas tra-dicionais, a resposta é simples: não uso nenhuns nas mi-nhas aulas.

P. - Mas os seus alunos têm de aprender a calcularintegrais, não têm?R. - Claro. Eles têm de saber resolver problemas. Umengenheiro tem que saber projectar uma ponte e fazer oscálculos correctos. Fiz alguns testes para verificar a eficá-cia da aprendizagem conceptual. Preparei exames comproblemas tradicionais e outros com questões concep-tuais sobre o mesmo tema para verificar se resolver pro-blemas significava compreendê-los e vice-versa. O queverifiquei foi que os alunos podem resolver problemascom facilidade sem os compreender. Descobri que sesaem muito melhor nas questões conceptuais porquelhes dou ênfase nas aulas. Mas em relação à tradicionalresolução de problemas não houve melhorias significa-tivas. Por outras palavras, a compreensão dos problemascontribui para a sua resolução, mas a resolução de pro-blemas não é indicador de uma boa compreensão.

P. - E o que pensa o Director da faculdade sobre o seumétodo?R. - Em Harvard, basicamente cada professor goza deautonomia. Posso fazer o que achar melhor nas aulas,desde que não haja queixas dos alunos.

P. - Neste momento sente que o seu trabalho é apreciadoem Harvard, não só pelos seus alunos mas pelos outrosprofessores?R. - Sim, é verdade. Em Harvard há professores assis-tentes, associados e titulares. Eu já era professor titular,depois passei a presidente e fui distinguido com o títulode Professor Universitário de Harvard - só foram atribuí-dos 12 - como reconhecimento pelo meu trabalho.

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P. - Pensa que seria possível fazer algo semelhante aqui?R. - Como não conseguia estar presente em todas asconferências para que era convidado, escrevi em 1997um livro que foi um grande sucesso. Professores domundo inteiro quiseram lê-lo. Fizemos 2500 inquéritosna Internet, aos quais 700 pessoas responderam e desco-brimos gente em todo o mundo que tinha lido o livro eo tinha aplicado nas suas aulas em vários domínios comoQuímica, Astronomia, Física... Ou seja, quase um terçodas pessoas a quem foram enviados os inquéritos tinhamlido ou utilizado o livro. Além disso, estes resultados des-construíram a ideia que eu tinha de que este tipo de tes-tes só era útil no caso específico de alunos universitários,principalmente aqueles com mais dificuldades. Hoje emdia já existem livros de testes conceptuais com materiaisde Astronomia, de Química e de Matemática. Uma outraquestão é a de saber quem beneficia com este método naaula. Será que os melhores alunos não se sentem aborre-cidos? Entrevistei alguns alunos e verifiquei que muitosdos melhores alunos estavam entusiasmadíssimos comos meus métodos. Como um dos alunos disse, quem be-neficia mais são aqueles que aprendem ao ter de explicaraos outros colegas.

P. - Falou de questões conceptuais mas não referiuexperiências ou simulações. Também as fazem nosvossos cursos?R. - Sim. Aliás, eu adoro demonstrações, sou um experi-mentalista! Nos últimos três anos, temos analisado a efi-cácia das experiências.

P. - São poderosas, do ponto de vista didáctico.R. - Sim, mas mais como motivadores. Por exemplo, noinício do semestre fazemos algumas demonstrações. Nofim, os alunos lembram-se dos resultados dessas de-monstrações não pelo que tinha sido mostrado mas deacordo com a sua compreensão. Por isso, se eles tiveremum modelo conceptual errado irão ajustar a memória aesse modelo. Dou um caso concreto. Fazemos uma ex-periência com duas balanças, uma placa e um objecto nomeio. Se mover o objecto para um lado, ou outro, osvalores das balanças variam. Há alunos que pensam quea placa distribui o peso do objecto pelas duas balanças,independentemente do sítio onde se coloca o objecto...E, de facto, no final do semestre há alunos que, questio-nados sobre o resultado da experiência referida, escrevem"como demonstrado na aula, o peso não se altera mo-vendo o objecto de um lado para o outro"!Eles têm um modelo conceptual errado.

P. - Nós vemos aquilo que pensamos que estamos a ver...R. - Exacto. O cérebro armazena melhor modelos doque factos. Por isso, o que fazemos em Física é trabalharcom modelos. Nunca mostro só a experiência. Primeirocoloco a questão conceptual, "Temos duas balanças e umobjecto em cima de uma placa. O que acontece se movero objecto?" Falo sobre a experiência, ouço as opiniõesdos alunos, faço uma votação dos resultados e volto aquestioná-los. Nesta altura, já estão ansiosos por ver aexperiência! Temos de integrar a experiência e nãomostrá-la isoladamente.

P. - E qual é a importância das tecnologias de infor-mação no seu trabalho? R. - Eu acho que as tecnologias de informação não sãouma poção mágica. A maior invenção neste domínio foihá 500 anos com Gutenberg.

P. - Mas concorda que podem ser úteis?...R. - Podem ser úteis mas também perigosas, no sentidoem que as pessoas podem pensar que adaptando materialantigo às novas tecnologias conseguem um melhor ensi-no. O importante é usar as novas tecnologias para fazeralgo que de outra forma fosse impossível.

P. - O senhor é um cientista, um físico, e agora estáenvolvido em pedagogia. Acha que a educação é umaciência, no sentido tradicional da palavra?R. - Tenho que lhe dizer que fiquei fascinado com a pe-dagogia e a psicologia do ensino-aprendizagem e passei arespeitar muito mais os meus colegas do departamentode Psicologia. É uma ciência? Penso que podemos e de-vemos tratar a educação como uma ciência. Eu encaroos dados das minhas experiências laboratoriais da mesmamaneira que trato os resultados das minhas aulas, quetambém são um laboratório.

ENTREVISTA COM ERIC MAZUR

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CENTRO DE FÍSICA DAS INTERACÇÕES FUNDAMENTAIS

Instituto Superior Técnico

> Projecto de Investigação em Física de Partículas, Física Nuclear, Física Hadrónica, Física daMatéria Condensada, Relatividade e Cosmologia, Geometria Diferencial e áreas afins.

> Teses de Mestrado e Doutoramento com uma formação internacionalmente competitiva.

> 33 membros doutorados

Visite a nossa página http://cfif.ist.utl.pt

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6ª REUNIÃO IBÉRICA SOBRE FÍSICAATÓMICA E MOLECULAR

Realiza-se de 9 a 11 de Julho do correnteano, em Madrid, a 6ª Reunião Ibéricasobre Física Atómica e Molecular (IBER2003). O encontro integra-se nas come-morações do centenário da Real SociedadEspañola de Física e da Real SociedadEspañola de Química (Bienal 2003), quedecorrem, por seu turno, entre 8 e 11 domesmo mês.

Esta última reunião é presidida pelo ReiJuan Carlos e o respectivo programacompõe-se de dois eventos distintos. Noprimeiro (7 e 8 de Julho) intervirão vá-rios galardoados com o Nobel da Física(M.Gell-Mann, C. Cohen-Tanoudji, S.Glashow) e Química (Richard Ernst, HaroldKroto e Jean Marie Lehn). A segundafase do encontro (9 a 11) é preenchidacom sessões paralelas, agrupadas por áreastemáticas, uma das quais é o IBER 2003.Para informações mais detalhadas, osinteressados podem consultar:www.centenario-bienales.com

FÍSICA NO MUNDO6ª Reunião Ibérica sobre Física Atómica e Molecular

Física Aplicada em Badajoz

NASA quer provar que os seus astronautas... foramà Lua

Workshop da ESA com professores primários

Recorde de campos magnéticos em laboratório

Desaparecimento de anti-neutrinos dos reactores

Simulações quânticas com variáveis contínuas

A velocidade da gravidade

Electroencefalogramas não invasivos

A física do arremesso de pedras

PPrréémmiiooss NNoobbeell ddaa FFííssiiccaa ccoonnttrraa gguueerrrraa aaoo IIrraaqquuee

Algumas destas notícias foram adaptadas das "Physics News" do

American Institute of Physics.

A "Gazeta" agradece aos seus leitores sugestões de notícias do

mundo da Física. [email protected]

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NOTÍCIAS

FÍSICA APLICADA EM BADAJOZ

O IV International Meeting on AppliedPhysics (APHYS 2003) vai realizar-se de14 a 18 de Outubro próximo na cidadeespanhola de Badajoz. Entre os tópicosa abordar nesta reunião interdisciplinarincluem-se os seguintes: nanociências etecnologias; materiais, ciência e engenha-ria; engenharia biomédica e bioma-teriais, ciência e engenharia; biofísica, fí-sica biológica e médica; física computa-cional; e radiações físicas, física e quími-ca nuclear aplicada e protecção radioló-gica. Estão ainda previstos vários workshops,nomeadamente: microscopia modernaaplicada em investigação de biofísicamolecular e celular; bioengenharia de só-lidos não cristalinos; e protecção ocupa-cional contra radiações.Para mais informações ou inscrições,consultar:http://www.formatex.org/aphys2003/aphys2003.htm.

OS ASTRONAUTAS FORAM À LUA?

A agência espacial norte-americana,NASA, anunciou recentemente a sua in-tenção de provar cientificamente que osseus astronautas desceram efectivamentena Lua, dirigindo para a superfície do

and Technology Centre (ESTEC), deNoordwijk, na Holanda.Para mais informações sobre esta inicia-tiva, consultar:http://www.esa.int/export/esaHS/ESA05X7708D_education_0.html.

RECORDE DE CAMPOSMAGNÉTICOS EM LABORATÓRIO

Campos magnéticos muito elevados (dequase um Gigagauss) foram registadosem laboratório ao fazer incidir um feixelaser intenso sobre um plasma denso, au-mentando assim a possibilidade de re-criar laboratorialmente certos fenóme-nos astrofísicos. No último encontro daAPS Division of Plasma Physics, emOrlando (EUA), investigadores doImperial College de Londres e do Labo-ratório Rutherford Appleton, no ReinoUnido, relataram a medida de camposmagnéticos extra-fortes - centenas devezes mais intensos do que quaisqueroutros criados até agora em laboratóriosterrestres e até um milhão de milhão devezes mais fortes do que o campo mag-nético natural do nosso planeta. Essesfortes campos magnéticos em breve per-mitirão aos investigadores recriar nosseus laboratórios condições astrofísicasextremas, como as atmosferas de estrelasde neutrões e de anãs brancas.No laboratório Rutherford Appleton(em Oxford), os investigadores daexperiência Vulcan lançaram impulsosintensos de laser durante alguns pico-segundos sobre um plasma denso.

satélite da Terra o maior telescópio domundo (o VLT, situado no Chile). Oobjectivo seria, basicamente, ver os res-tos dos módulos lunares e, assim, pôrdefinitivamente uma pedra sobre umapolémica que se arrasta desde que oprimeiro homem alunou, em 1969.A notícia não podia deixar indiferentesos participantes nos grupos de dis-cussão animados no âmbito da ThePlanetary Society-Portugal, que formu-laram comentários jocosos sobre oassunto. "Se isso é verdade, acho triste aNASA estar a perder tempo com essetipo de atitudes. Não é por o VLT obterprovas irrefutáveis que essa minoria depessoas irá alterar o seu cepticismo", es-creve um dos sócios.Mais analítico, outro sócio manifesta dú-vidas quanto à possibilidade de se chegara qualquer conclusão irrefutável:"Vamos lá é ver se o VLT tem resoluçãopara ver as partes inferiores dos mó-dulos lunares. Não é uma tarefa nadafácil. O limite de Dawes para um teles-cópio como o Keck, por exemplo, é de0,012 segundos de arco. Ora, como aLua está a 385 mil quilómetros e o mó-dulo lunar tem 4 metros de diâmetro,significa que o telescópio tem que teruma resolução de 0,002 segundos de ar-co para ver alguma coisa. Ora isto estápara além da capacidade do Keck oumesmo do VLT. Calculo, no entanto,que estejam a pensar no modo de inter-ferómetro (VLTI) para chegar a tal reso-lução. Será um grande desafio técnico".Mais informação em:http://7mares.terravista.pt/tps_portugalou através de [email protected].

WORKSHOP DA ESA COMPROFESSORES PRIMÁRIOS

A Agência Espacial Europeia (ESA) rea-lizou nos passados dias 3 e 4 de Marçoum workshop subordinado ao tema"Teach space in primary education",dirigido especialmente a professores dosprimeiros níveis de ensino. A reunião te-ve lugar no European Space Research

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Os campos magnéticos resultantes fo-ram da ordem dos 400 Megagauss. Paradeterminar o valor dos campos, os in-vestigadores mediram a polarização daluz de alta frequência emitida durante aexperiência. Medições apresentadas nareferida conferência sugeriam que ocampo magnético mais elevado na re-gião mais densa do plasma se apro-ximava de 1 Gigagauss. Devido aosavanços tecnológicos, os picos das inten-sidades laser devem aumentar ainda maise, consequentemente, possibilitar o apa-recimento de campos magnéticos maiselevados. (ver Tatarakis et al., Nature, 17Janeiro 2002)

DESAPARECIMENTO DE ANTI-NEUTRINOS DOS REACTORES

O desaparecimento de anti-neutrinos dereactores nucleares, registado por umdetector no Japão, sustenta a ideia de queos neutrinos oscilam de um tipo para ooutro e que possuem massa. Os reacto-res nucleares produzem várias coisas:calor, electricidade, barras de combus-tível usado e neutrinos. Os neutrinos(ou, para ser mais exacto, os anti-neu-trinos electrónicos) são o resultado dereacções de cisão no núcleo do reactor.Mas alguns dos anti-neutrinos electró-nicos, uma vez em movimento atravésda Terra, manifestam um dos mais estra-nhos fenómenos da Física, nomeada-mente a capacidade de existir como umcomposto de várias sub-espécies.Isto é, aquilo a que chamamos neutrinosão realmente vários (talvez três) neutri-nos. Em qualquer ponto da sua trajectó-ria o neutrino genérico pode (se o captu-rarmos nessa altura) parecer um neutrino

electrónico, mas mais adiante pode pa-recer um neutrino muónico. Neste casoiludiria os detectores sintonizados paradetectar apenas neutrinos electrónicos.O detector Kamioka Liquid ScintillatorAnti-Neutrino (KamLAND) foi cons-truído para verificar esta estranha formade existência. O aparelho, basicamenteum enorme reservatório de líquido opti-camente activo visionado por inúmerosfototubos, procura interacções em queum neutrino recém-chegado atinge umprotão, criando no seu lugar um par neu-trão-positrão detectável.O KamLAND encontra-se num labora-tório subterrâneo em Toyama, Japão. Éuma espécie de telescópio que não per-scruta galáxias no céu mas, em vez disso,faz observações de um bloco de crostaterrestre procurando o calor dos neutri-nos libertado por um conjunto de 69reactores no Japão e na Coreia. Tendoem conta as leis da Física subjacentes àsreacções nos núcleos dos reactores, osvalores conhecidos de energia para osreactores e as distâncias reactor-detectore a duração da experiência (145 dias),estaríamos à espera de ver 86 eventosverdadeiros, quando eles efectivamenteforam 54. Os investigadores concluíramque o desaparecimento dos eventos sedeve à oscilação dos neutrinos.Este resultado é uma confirmação dapesquisa sobre oscilação empreendidacom neutrinos solares em detectorescomo o Super Kamiokande, no Japão, eno Sudbury Neutrino Observatory(SNO), no Canadá. Mas a produção deneutrinos num reactor é mais prática emelhor compreendida do que no casodo Sol. A descoberta do KamLANDtambém serve para limitar as explica-ções teóricas da personalidade múltiplado neutrino (Eguchi et al., artigo subme-tido à Physical Review Letters ehttp://hep.stanford.edu/neutrino/KamLAND/KamLAND.html).

SIMULAÇÕES QUÂNTICAS COMVARIÁVEIS CONTÍNUAS

Aprofundando os esforços para respon-der a perguntas difíceis sobre o mundoquântico, um computador de ratoeira deiões consegue simular até que ponto asregras da mecânica quântica afectam asvariáveis contínuas de uma partícula mi-croscópica, como a posição e o momen-to. Actuando como um computadorquântico, a ratoeira de iões necessitaapenas de alguns segundos para simularuma experiência de mecânica quânticaque poderia demorar dias a executar.Além disso, é capaz de simular expe-riências que requerem produtos raros,como fotões entrançados, que são di-fíceis de criar. Uma vez que os compu-tadores quânticos incorporam a lógicapouco usual do mundo microscópico,podem efectuar simulações poderosasde fenómenos frequentemente contra-intuitivos. Imaginados pela primeira vezpor Richard Feynman, os computadoresquânticos são talvez a primeira apli-cação prática da computação quântica.De facto, existem há já vários anos.Contudo, as versões anteriores limita-vam-se a recriar fenómenos quânticosque envolviam variáveis discretas, comoa energia de um electrão num átomo. Anova versão recria processos quânticosincluindo variáveis tanto discretas comocontínuas.Para construir o seu simulador, os inves-tigadores do NIST, no Colorado (EUA),capturaram um ião de berílio-9 com oauxílio de campos eléctricos. À medidaque o ião vibra na ratoeira, a sua posiçãoe o seu momento tomam valores contí-nuos. Isto permite aos cientistas simularfacilmente qualquer outro par comple-mentar de variáveis contínuas, como aamplitude e fase de um campo eléctrico- que têm entre si a mesma relação ma-temática. Para fazer simulações, osinvestigadores aplicam ao ião uma sériede pulsos de luz, cuidadosamente prepa-rados. Estes impulsos fazem com que oião se comporte de maneira diferente,por exemplo, como um electrão ligado aum átomo, ou mesmo como um fotãoquando atinge um divisor de feixe. Sob ainfluência dos pulsos, os estados quânticos

FÍSICA NO MUNDO

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ambiente relaxado do cérebro (achamada onda alfa, a uma frequência de8-14 Hz) dá lugar à onda beta (14-35Hz) assim que o paciente abre os olhos.Os investigadores de Sussex crêem queo seu novo sensor instigará avançosmaiores na recolha e demonstração deinformação eléctrica do cérebro, espe-cialmente no estudo da sonolência e dointerface homem-máquina. O mesmogrupo de cientistas produziu unidadesde sensores remotos para electrocardio-gramas (ECG) (Harland et al., AppliedPhysics Letters, 21 de Outubro de 2002).

A FÍSICA DO ARREMESSO DEPEDRAS

Encorajado pelas perguntas do filho epela necessidade de completar o seu ma-nual escolar de mecânica com exemploscomuns, o físico Lyderic Bocquet, daUniversidade Claude Bernard (Lyon,França), tem investigado a ciência doarremesso de pedras a um lago. Os parâ-metros principais que determinam seuma pedra se vai afundar no lago ou sevai ressaltar por cima dele são: a massada pedra, o seu ângulo relativamente àsuperfície da água (quanto mais baixomelhor), a sua velocidade de rotação(quanto maior melhor, para efeitos deestabilidade) e a sua velocidade horizon-tal. Munido de cálculos sobre a perda deenergia, Bocquet obteve uma expressãopara o número máximo de ressaltos.Segundo Bocquet, o recorde mundial deressaltos na água é 38 (American Journalof Physics, Fevereiro de 2003).

do ião evoluem para uma situação que ocientista pretenda estudar. (Leibfried etal., Physical Review Letters, 9 de Dezem-bro de 2002).

A VELOCIDADE DA GRAVIDADE

A velocidade da gravidade poderá sermedida directamente através da obser-vação dos efeitos de uma lente gravi-tacional? Dois cientistas que observa-ram a deflecção de luz quasar quandoesta passava muito perto de Júpiter argu-mentam que deduziram um valor ex-perimental para a velocidade da gravi-dade igual a 1,06 vezes a velocidade daluz (com uma margem de incerteza de20 por cento). Mas outros dois cien-tistas contrapuseram que a experiênciada lente foi apenas uma medição gros-seira da velocidade da luz.Há muito que os físicos não questio-nam o facto de que o efeito da força dagravidade, como o efeito da forçaelectromagnética, não é instantâneo masdeve mover-se a uma velocidade finita.Um exemplo familiar deste atraso é que,quando vemos o Sol, o vemos como eleera há oito minutos. Muitos acreditamque a gravidade também se move àvelocidade da luz. O problema é que érelativamente fácil calcular a intensidadeda gravidade (pode mesmo medir se agravidade ao pé de um buraco negro,onde a matéria em órbita emite raios-X),mas é difícil estudar a propagação damesma. Embora não seja tão pesadocomo uma estrela, Júpiter tem umagravidade considerável.Quando, em 8 de Setembro de 2002,passou muito perto do quasar J0842 +1835, a teoria da relatividade geralsugeria que a posição aparente do quasarno céu descreveria uma pequena curvaao longo de vários dias devido ao efeitode lente da luz do quasar no planeta.Sergei Kopeiken (da Universidade doMissouri, EUA) e Ed Fomolont (do Na-tional Radio Astronomy Observatory)observaram essa curva, como revelaramno recente encontro da American As-tronomical Society em Seattle. Para o

efeito utilizaram o Very Long BaselineArray (VLBA) de radiotelescópios, umaconfiguração de detectores de pratoscom uma resolução angular de 10 micro-segundos de arco. De facto, a curva delente observada estava ligeiramentedeslocada do que se esperaria se a gravi-dade se propagasse instantaneamente.Kopeiken e Fomolont interpretam estaligeira deslocação como um indicadorexperimental da própria velocidade dagravidade, e daí o valor de 1,06 c.Outros cientistas discordam desta inter-pretação dizendo que os dados da expe-riência pouco mais fazem do que medira velocidade da luz e não da gravidade. Doisdeles são Clifford Will, da Universidadede Washington (EUA), e Hideki Asada,da Universidade de Hirosaki (Japão).

ELECTROENCEFALOGRAMAS NÃOINVASIVOS

Os electroencefalogramas convencio-nais (EEG) supervisionam a actividadeeléctrica no cérebro com eléctrodoscolocados no couro cabeludo (exigindoa remoção do cabelo ou depilação) ouinseridos directamente no cérebro atra-vés de agulhas. Agora, cientistas da Uni-versidade de Sussex (Reino Unido) des-cobriram uma forma de EEG nãoinvasiva. Em vez de medir a corrente decarga através de um eléctrodo (que temdistorções, no caso dos eléctrodos co-locados no couro cabeludo), o novosistema mede remotamente camposeléctricos, um avanço possível graças aosnovos desenvolvimentos na tecnologiasensorial. A sensibilidade dos aparelhosé demonstrada observando a mudançada actividade eléctrica à medida que o sinal

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FÍSICA NO MUNDO

PRÉMIOS NOBEL DA FÍSICA CONTRA GUERRA AO IRAQUE

Philip W. Anderson, Hans A. Bethe, Nicolaas Bloembergen, OwenChaimberlain, Leon N. Cooper, James W. Cronin, Val L. Fitch,Sheldon L. Glashow, Leon M. Lederman, Arno A. Penzias, Martin L.Perl, William D. Phillips, Norman F. Ramsey, J. Robert Schrieffer, JackSteinberger, Joseph H. Taylor, Charles H. Townes, Daniel C. Tsui eRobert W. Wilson são físicos norte-americanos laureados com o Nobelda Física que subscreveram um manifesto de oposição ao desenca-deamento de uma guerra preventiva contra o Iraque.

Não são os únicos cientistas a tomarem esta posição, pois o docu-mento tornado público no final de Janeiro passado começou por ter 42assinaturas de cidadãos norte-americanos que ganharam o Nobel nasáreas da Química, Economia e Medicina, além da Física.

"Os signatários opõem-se a uma guerra preventiva contra o Iraque semum amplo apoio internacional", afirmam. "Mesmo em caso de vitória,pensamos que as consequências médicas, económicas, ambientais, mo-rais, espirituais, políticas e jurídicas de um ataque preventivo contra oIraque não vão proteger, mas sim minar, a segurança nos EstadosUnidos e, por extensão, no mundo inteiro".

Em Portugal e na mesma linha, circulou também um abaixo-assinadocontra a guerra subscrito por mais de 500 cientistas.

Philip W. AndersonNicolaas BloembergenLeon N. Cooper

Hans A. Bethe James W. Cronin Leon M. Lederman

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assunto nas quais referiam que o embate poderia ter causadodanos sérios na estrutura térmica de protecção do vaivém,podendo assim originar uma catástrofe.

A missão do Columbia correu sem problemas de maioraté que chegou o dia do regresso à Terra. Estamos agoraa 1 de Fevereiro de 2003 e o vaivém acaba de accionar osseus motores que o fazem deixar a órbita terrestre e iniciaro regresso. Completamente despercebida para os astronau-tas e para os controladores da missão em terra, uma fa-lha na estrutura de protecção térmica da asa esquerda -provavelmente causada pelo embate da espuma isolantedurante o lançamento - irá fazer com que este seja umvoo para a morte dos sete tripulantes do Columbia.

O vaivém começa a sentir os efeitos da atmosfera terres-tre à medida que vai descendo em direcção à Terra. Como aumento da fricção começa a formar-se um plasma in-candescente em torno do vaivém. As partes mais quentesdo veículo são o "nariz" e os bordos das asas. O plasmavai aumentando e de repente encontra uma brecha naprotecção térmica e, eventualmente, na própria estruturade alumínio do Columbia. O pequeno orifício permite apassagem de plasma para o interior da asa, explicando-seassim o súbito aumento de temperatura na asa esquerda.Alguns sensores começam a falhar à medida que a tem-peratura subiu e a integridade da estrutura física da asaesquerda começa a ser ameaçada. Certamente que o plas-ma incandescente começa também a ter um efeito demaçarico sobre o pequeno orifício original e este vai-setornando cada vez maior, permitindo assim a passagemde cada vez mais plasma para o interior da asa esquerda.A temperatura vai aumentando, alguns sensores registamesse aumento da temperatura e outros localizados naparte posterior da asa deixam de funcionar (os cabos detransmissão de dados dos sensores devem ter sido des-truídos pelo intenso calor). O aumento de temperaturafaz também aumentar a pressão dos pneus do trem deaterragem da asa esquerda. Regista-se também um au-mento de uma força de arrastamento que faz com que ospequenos motores de manobra do vaivém tentem corri-gir a trajectória deste. Esta força vai aumentando até queas transmissões do vaivém são cortadas quando provavel-mente a asa esquerda se separa do resto do veículo, indu-zindo assim um torque que faz com que o Columbia sedesfaça em milhares de fragmentos incandescentes. Osastronautas devem ter tido morte imediata...

Porque caiu o Columbia? Muito provavelmente nuncasaberemos com toda a certeza a razão que levou à des-truição do vaivém espacial. Porém, a Humanidade irácontinuar a sua descoberta do espaço!

Rui C. Barbosae-mail: [email protected] do Boletim "Em Órbita"

QUESTÕES DE FÍSICA

“Porque caiu o Columbia”?(de um aluno do ensino secundário)

RESPOSTAMuitas hipóteses já foram levantadas para a razão de umdos piores desastres da conquista espacial. Muitas delastêm fundamento científico, podendo ser corroboradas porimagens, dados e medidas efectuadas no vaivém. Outrasnem merecem referência por terem origem em mentestão doentias que merecem ser caladas.

Tendo como base aquilo que se sabe até ao momento,pode escrever-se uma sequência lógica dos acontecimentosque levaram à destruição do Columbia. De qualquer dasformas é uma sequência baseada nos dados fornecidospela NASA e noutros obtidos através de correio electró-nico com outros entusiastas que, tal como eu, acompa-nhavam o regresso do vaivém pela televisão e que fica-ram chocados com o que viram.

Estamos a 16 de Janeiro de 2003 e o vaivém espacial a-caba de abandonar a plataforma LC-39A do Centro Es-pacial Kennedy, iniciando a sua 28ª missão espacial. Éuma missão científica com um interesse mediático forado comum, pois leva a bordo o primeiro astronauta is-raelita, Ilan Ramon. Ganhando velocidade nos céus deCabo Canaveral, dá-se um acontecimento aos 80 segundosde voo que passa completamente despercebido a quemobserva o lançamento, tanto no Centro Espacial comopelas televisões. Os técnicos da NASA só se apercebemdo sucedido no dia seguinte ao visionar as imagens denumerosas câmaras que registam lançamento de ângulosdiferentes. Uma parte do isolamento do grande tanqueexterior laranja de combustível líquido do vaivém des-prende-se e embate na asa esquerda do Columbia. Asimagens são vistas muitas vezes pelos físicos e engenhei-ros, algumas das "mentes mais brilhantes da América". ANASA não considerou que o embate da espuma isolantedo tanque de combustível sobre a asa esquerda do Colum-bia causasse qualquer problema e o assunto foi quaseesquecido. Porém, dentro da NASA surgiram preocupaçõesrelacionadas com o efeito desse embate e vários enge-nheiros chegaram a trocar mensagens electrónicas sobre o

NOTÍCIAS

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FÍSICA EM PORTUGAL

CONFERÊNCIA INTERNACIONALSOBRE NANOESTRUTURAS EMBRAGA

A cidade de Braga vai ser palco, entre 1 e5 de Setembro do corrente ano, de umaconferência internacional europeia sobre"Spin and charge transport in nano-structures", promovida pelo ISTAS e fi-nanciada pela Comunidade Europeia.Com carácter interdisciplinar, o encon-tro visa passar em revista os avanços noscampos das nanoestruturas com inte-resse para a electrónica, das proprie-dades electrónicas dos biomateriais(caso do DNA), assim como estimulartrabalhos futuros nestas áreas de inves-tigação.Para mais informações verhttp://www.gfct.fisica.uminho.pt/sctn2003ou [email protected].

DIA ABERTO NO PORTO

Nos passados dias 28 e 30 de Janeiro oDepartamento de Física da Universidadedo Porto organizou, conjuntamente como Departamento de Química, um diaaberto destinado respectivamente aosalunos dos 8º ao 10º ano e do 11º e 12ºano de escolaridade.No 1º dia participaram 23 escolas dePenafiel, Braga, Guimarães, Lixa, Cabeceiras

Conferência internacional sobre nanoestruturas emBraga

Dia aberto no PortO

Palestras do Centro de Física do Porto

Dínamos naturais

Dia aberto no Departamento de Física de Coimbra

CRYOBIOMOL 2003 em Coimbra

II Jornadas Nacionais sobre Radão

III Jornadas sobre o Ensino das Ciências

IX Encontro de Jovens Investigadores na Covilhã

Ciclo de colóquios "Despertar para a Ciência"

Abertas 15 vagas em Física hospitalar

Novo director da FCTUNL

Vídeoconferência de Astronomia em directo naInternet

XII Encontro de Outono de Geometria e Física

V Encontro Nacional de Estudantes de Física

Lançamento do 6º Programa-Quadro deInvestigação e Desenvolvimento Tecnológico

Avaliação dos cursos de Física está em curso

Ciência portuguesa em Bruxelas

Portugueses Traduzidos na China

Space without Smoke: uma experiência emmicrogravidade

A “Gazeta” agradece o envio de notícias para esta secção

[email protected]

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de Basto, Lamego, Macedo de Ca-valeiros e da área metropolitana do Por-to, num total de 1200 alunos e no 2º diaestiveram envolvidas 18 escolas da zonado Porto, Póvoa de Varzim, Braga, Tro-fa, Felgueiras, Viana do Castelo e Moi-menta da Beira, num total de cerca de900 alunos.Os participantes tiveram oportunidadede assistir e colaborar em experiênciasde carácter lúdico/didáctico realizadas eexplicadas por docentes do departamen-to, visitar a sala de exposições ondeestão disponíveis, em permanência, umasérie de experiências interactivas nasáreas da óptica, electromagnetismo, levi-tação magnética, mecânica, física doestado sólido e meios granulares ou deassistir à projecção de vídeos sobre cos-mologia e experiências de electricidadeou ao visionamento de simulações emcomputador de experiências de FísicaEstatística de sistemas complexos e ain-da do modelo de Ising através de umjogo de tabuleiro ou a observação de umfilme em CD sobre materiais magnéticosnanoestruturados.A concretização desta iniciativa foi pos-sível dada a colaboração dos membros doDepartamento e dos institutos e centrosde investigação nele sediados e a partici-pação entusiástica de alunos das licencia-turas, mestrados e doutoramentos.

PALESTRAS DO CENTRO DEFÍSICA DO PORTO

Como habitualmente, o Centro de Físicado Porto organiza um conjunto de pale-stras, algumas delas especializadas, ou-tras dirigidas a um público mais vasto.Durante os meses de Janeiro e Fevereiro,realizaram-se as seguintes:

10 de Janeiro, Estatística de Tsallis para"principiantes":aplicações ao magnetismo,por João Pedro Araújo (DF-FCUP)

17 de Janeiro, Network science: the na-tural philosophy of a small world, por S.Dorogovtsev (CFP/Ioffe Institute)

NOTÍCIAS

24 de Janeiro, Bose Einstein Condensation,por José Carlos Gomes (Univ. Paris Sud XI)

31 de Janeiro, Two dimensional gravity andthe stability of orientifold cosmology,por Miguel Sousa Costa (CFP/DF-FCUP)

14 de Fevereiro, Magnetoresistência gi-gante em materiais granulares magnéti-cos, por João Viana Lopes (CFP/DF-FCUP)

21 de Fevereiro, Interface growth: anapplication to superconducors, por José J.Ramasco (CFP)

26 de Fevereiro, Invariância de escala lo-cal em fenómenos do envelhecimento,por Malte Henkel (Univ. Nancy, France)

28 de Fevereiro, What we (don't) knowabout higher dimensional black holes, porHarvey Reall (Queen Mary Univ.London, UK)

As palestras realizam-se habitualmenteàs sextas-feiras, pelas 14 h 30 min, no Anfi-teatro -119 do Departamento de Físicada Faculdade de Ciências da Univer-sidade do Porto, Rua do Campo Alegre, 687.

DÍNAMOS NATURAIS

Vai decorrer de 31 de Agosto a 6 de Se-tembro de 2003, no Hotel do Caramulo,uma workshop dedicada ao tema “Ma-thematical Aspects of Natural Dyna-mos”. Este encontro, co-organizadopelo Centro de Física Computacional daUniversidade de Coimbra e por colegasfranceses do Institut de Physique duGlobe de Paris e Ecole Normale Supe-rieure, pretende promover a interacçãoentre especialistas de dínamos planetá-rios (como o da Terra), estelares (comoo do Sol) ou galácticos, bem assim como

provenientes da comunidade de Mate-mática Aplicada.Para mais informações, ver:http://www.ipgp.jussieu.fr/~dormy/dynamo

DIA ABERTO NO DEPARTAMENTODE FÍSICA DE COIMBRA

No dia 5 de Fevereiro realizou-se o DiaAberto do Departamento de Física daUniversidade de Coimbra. Visitaram oDepartamento cerca de 1200 alunos do11º e 12º anos das escolas secundárias daRegião Centro.O Dia Aberto foi coordenado pelo Dr.Carlos Nabais Conde, tendo sido progra-madas actividades experimentais nos la-boratórios didácticos, visitas aos labora-tórios de investigação, conversas com re-presentantes dos diferentes grupos de in-vestigação do Departamento, projecçãode filmes de divulgação científica e váriaspalestras realizadas por docentes doDepartamento.

CRYOBIOMOL 2003 EM COIMBRA

O congresso "CRYOBIOMOL 2003 -Low Temperature Biology: from the LowTemperature Physics and Chemistry ofBiological Molecules to Life in extremeLow Temperature Conditions" vai reali-zar-se de 14 a 18 de Setembro próximo noauditório da Universidade de Coimbra.Patrocinado pela Society for LowTemperature Biology e pela Faculdadede Ciências e Tecnologia da Universidade

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alargou-se às áreas da Biologia, Geologiae Matemática, tendo como ideia centralque o ensino das ciências só pode ser en-tendido como um ensino integrador dosdiversos saberes.Além de dois debates sobre "A formaçãoinicial" e "Que futuro para o ensino dasciências?", as jornadas contaram este anocom intervenções de José Paulo Viana,Euclides Pires, Carlos Fiolhais, JuditeBarbedo, Ana Fernandes, Jorge Leitão,António Manuel Baptista, Arsélio Mar-tins, Pedro Fevereiro e Fernando Nunes.

IX ENCONTRO DE JOVENSINVESTIGADORES NA COVILHÃ

Cerca de 70 jovens, membros de Clubesde Ciência ou de grupos que desenvol-vem trabalho de carácter científico juve-nil, vão participar no IX Encontro deJovens Investigadores, a decorrer entre12 e 16 de Abril na cidade da Covilhã. Areunião é organizada pela Escola Se-cundária Campos Melo, AssociaçãoJuvenil de Ciência e Clube de Holografiada Escola Campos Melo.Mostrar projectos desenvolvidos por jo-vens, abrir espaço à divulgação da ciên-cia junto dos mais novos, incentivar otrabalho de clubes e círculos de ciência jáexistentes e a criação de novos, são osobjectivos fundamentais da reunião. Oprograma científico do encontro é pre-enchido por debates, conferências, gru-pos de trabalho e saídas de campo.Para mais informações e inscrições con-tactar [email protected] ou consultar www.ajc.pt.

de Coimbra, integra-se no programa deCoimbra Capital Nacional da Cultura.O programa científico do encontro estáaberto a todas as áreas tradicionais daCriobiologia, incluindo vida em condi-ções extremas de baixa temperatura,Física e Química de baixas temperatu-ras aplicadas a moléculas de interessebiológico. Está confirmada a presençados seguintes conferencistas principais:Warwick Vincent, Chandra Wickramasinghe,Kenneth Storey, Karl Zachariassen, GregoryFahy, Dirk Hincha, Monica Wusteman, JamesSouthard, Maureen Wood, Juan de la Calle,Andrew Gage, Jean-Paul Homasson, Mauricede Wachter e Mike West.Para mais informações, consultar:http://www.qui.uc.pt/~rfausto/cryobiomolou escrever para [email protected].

II JORNADAS NACIONAIS SOBRERADÃO

As II Jornadas Nacionais sobre Radão eRadioactividade Natural tiveram lugar naCuria nos dias 23 e 24 de Janeiro pas-sado. Integrada no programa das XJornadas Pedagógicas da AssociaçãoPortuguesa de Educação Ambiental, areunião fez o ponto da situação rela-tivamente aos conhecimentos actuaissobre o radão no interior das habitações,seus efeitos e formas de reduzir as suasconcentrações. Gás radioactivo de ori-gem natural, que se liberta da crustaterrestre, o radão pode registar concen-trações elevadas em espaços fechados (cavese edifícios), tornando-se perigoso para asaúde humana.

III JORNADAS SOBRE O ENSINODAS CIÊNCIAS

A terceira edição das Jornadas sobre oEnsino das Ciências da Escola Secundá-ria de Tondela, destinadas a professoresde todos os níveis de ensino, mas es-pecialmente do secundário, realizou-senos passados dias 6 e 7 de Março na-quela localidade. Inicialmente centradano âmbito da Física e Química, a iniciativa

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FÍSICA EM PORTUGAL

CICLO DE COLÓQUIOS"DESPERTAR PARA A CIÊNCIA"

Iniciado no passado dia 14 de Janeirocom uma palestra de Teresa Lago (Fa-culdade de Ciências da Universidade doPorto) sobre "O Universo (visível e in-visível) que se vai descobrindo", pro-longa-se até ao final do corrente ano umciclo de colóquios mensais organizadopela Fundação Calouste Gulbenkian e pelaFundação para a Ciência e a Tecnologia,intitulado "Despertar para a Ciência".Já intervieram nesta iniciativa AntónioCoutinho (Instituto Gulbenkian deCiência, 18 de Fevereiro) e Jorge Calado(Instituto Superior Técnico, 25 deMarço), com palestras intituladas respec-tivamente "Ora então, vamos à vida!" e"O dia em que nasceu a Química".A iniciativa dirige-se principalmente a jo-vens e tem como finalidade ajudar a in-cutir neles "o prazer de descobrir, o gostode aprender, o gozo de imaginar". Ocalendário dos colóquios, sempre às 18horas no Auditório 2 da FundaçãoGulbenkian, é o seguinte:

- "Batatas e maçãs: despertar para a ciên-cia no jardim de infância e escola primá-ria", por Carlos Fiolhais (Faculdade deCiências e Tecnologia, Universidade deCoimbra), 15 de Abril;

-"Aventuras da água do mar nos sub-terrâneos do oceano", por Fernando Ba-rriga (Faculdade de Ciências, Uni-versidade de Lisboa), 20 de Maio;

-"Sistemas dinâmicos, equidistribuição ecombate à fraude fiscal", por JorgeBuescu (Instituto Superior Técnico, Lis-boa), 24 de Junho;

-"Manipulação genética: medos e espe-ranças", por Alexandre Quintanilha (Ins-tituto de Biologia Molecular e Celular,Universidade do Porto), 15 de Julho;

-"A Medicina na era pós-genómica", porCarmo Fonseca (Faculdade de Medicina,Universidade de Lisboa), 16 de Setembro;

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-"Comunicações móveis: passado, pre-sente e futuro", por Carlos Salema (Ins-tituto de Telecomunicações, Univer-sidade Técnica de Lisboa), 21 de Outubro;

-"Cérebro e visão: da arte à engenharia",por João Lobo Antunes (Faculdade deMedicina, Universidade de Lisboa), 18de Novembro; e

-"A insustentável leveza do saber", porJoão Caraça (Serviço de Ciência, Fun-dação Calouste Gulbenkian), 16 deDezembro.

Informação completa sobre esta ini-ciativa está disponível emhttp://www.gulbenkian.pt/ciencia/eventos.asp.

ABERTAS 15 VAGAS EM FÍSICAHOSPITALAR

O Ministério da Saúde abriu no passadomês de Dezembro um concurso de ad-missão ao estágio de especialidade dacarreira de técnicos superiores de saúde,incluindo 15 vagas no ramo de Físicahospitalar.O estágio tem a duração de dois anos,seguidos de mais dois ou três comvínculo à função pública.As vagas a preencher dizem respeito alugares nos Hospitais da Universidadede Coimbra (3), Hospital de Santa Maria(Lisboa, 2) e Instituto Português deOncologia - 3 para o Centro Regional deCoimbra, outras 3 para o de Lisboa, e 4para o do Porto.

NOVO DIRECTOR DA FCTUNL

António Manuel Nunes dos Santos é onovo director da Faculdade de Ciências eTecnologia da Universidade Nova deLisboa (FCTUNL). Professor catedráticoe presidente do Conselho Científico damesma faculdade, Nunes dos Santosvenceu as eleições realizadas no passadodia 21 de Janeiro.Doutorado em Ciências Tecnológicas

pela Escola Politécnica Federal de Zu-rique (Suíça), o novo director daFCTUNL possui uma licenciatura emEngenharia Químico-Industrial pelo ISTe uma agregação em Teoria das Ciênciase Pensamento Contemporâneo pelaUniversidade Nova de Lisboa. Estudouno Departamento de Engenharia Quí-mica da Universidade de Edimburgo(Escócia) e coordena o Centro de Inves-tigação em História e Filosofia da Ciên-cia e da Tecnologia da Fundação para aCiência e Tecnologia. É o autor ou edi-tor de vários livros sobre história da Física.

VÍDEOCONFERÊNCIA DE ASTRO-NOMIA EM DIRECTO NA INTERNET

A assinalar o encerramento da Semanade Ciência e da Tecnologia, uma mostraà escala nacional da investigação que sefaz em Portugal, que decorreu entre 23 e30 de Novembro do ano passado, o Obser-vatório Astronómico de Lisboa (OAL) ea Fundação para a Computação Cientí-fica Nacional (FCCN) organizaram nodia 29 de Novembro uma palestra pú-blica sobre "Os melhores telescópios domundo", realizada por João Lin Yun,professor e investigador da Faculdade deCiências da Universidade de Lisboa(FCUL) e director do OAL.Há muitos anos que o Observatório de-senvolve um programa de palestras so-bre Astronomia, que são muito concor-ridas pelas escolas e pela população emgeral. Desta vez, porém, esta iniciativateve a particularidade de ser difundidaem directo pela Internet. A experiênciafoi repetida em 20 de Dezembro, porocasião de mais uma palestra pública doOAL, que teve como orador VirgílioMendes, professor e investigador daFCUL, que falou sobre o tema "Tempoastronómico, tempo atómico e o GPS".O Serviço de Videoconferência da FCCNguardou uma cópia da palestra de JoãoLin Yun, disponível em "download" apartir dos seus servidores(http://www.fccn.pt).

XII ENCONTRO DE OUTONO DEGEOMETRIA E FÍSICA

O XII Encontro de Outono de Geo-metria e Física vai decorrer entre 8 e 10de Setembro de 2003 no Departamentode Matemática da Universidade deCoimbra. É a primeira vez que esteevento, habitualmente realizado em Es-panha, se efectua em Portugal.O objectivo da iniciativa é promover acolaboração entre matemáticos e físicosdos dois países ibéricos interessados naaplicação de métodos geométricos noestudo dos problemas físicos.O encontro compreende dois mini-cursos: "Geometry and Dynamics ofrelativistic particles and strings", dina-mizado por Manuel Barros (Univer-sidade de Granada) e "Aspects of theconnections between path integrals,quantum field theory, topology andgeometry", da responsabilidade de JoséMourão (Instituto Superior Técnico,Lisboa).Todas as informações disponíveispodem ser obtidas em http://www.mat.uc.pt/~geomfis.Está prevista a atribuição de bolsas aestudantes. Os interessados deverãoenviar a sua candidatura formal [email protected], com um currículoresumido.

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V ENCONTRO NACIONAL DEESTUDANTES DE FÍSICA

Realizou-se este ano, pela primeira vezem Lisboa, o V Encontro Nacional deEstudantes de Física (ENEF), organi-zado pelo Núcleo de Física do InstitutoSuperior Técnico (NFIST). O encontrodecorreu entre os dias 14 e 16 de Março,no Campus do IST, com a presença demais de duas centenas de participantes.Para além de actividades científicas, ostrês dias foram preenchidos com acti-vidades lúdico-pedagógicas, recreativas ede âmbito cultural.Sendo um evento de carácter nacional, oV ENEF visou, entre outras coisas, pro-mover, na área da Física a realização detrabalhos por estudantes e a divulgaçãode projectos de investigação por fina-listas de licenciaturas e mestrado, além deimpulsionar a participação dos estudantesportugueses na investigação e eventoscongéneres a nível internacional.No sábado, dia 15 de Março, decorreu umconcurso que consistiu na apresentação depalestras científicas, com o máximo de 30minutos cada, à escolha dos participantes.Durante os dois dias foram apresentadosdiversos seminários de divulgação científicacom o objectivo de informar os presentessobre a actual situação da investigaçãocientífica portuguesa.Com este encontro o NFIST pretendeupromover o convívio, a troca de experi-ências, o confronto de ideias e relembraro papel da Física no desenvolvimentodas sociedades através dos benefíciostecnológicos e político-culturais.

LANÇAMENTO DO 6º PROGRAMA-QUADRO DE INVESTIGAÇÃO EDESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO

Promovidas pelo Gabinete de RelaçõesInternacionais da Ciência e do EnsinoSuperior, decorreram nos passados dias27 e 28 de Janeiro, respectivamente emSanta Maria da Feira (Europarque) e emLisboa (LNEC), sessões de lançamentodo 6º Programa-Quadro de Investigaçãoe Desenvolvimento tecnológico (I&DT).As duas reuniões, em cuja organização epromoção colaborou a Unidade deMissão e Conhecimento, permitiram dis-cutir as oportunidades abertas pelo pro-grama em causa, dotado de um orça-mento de 17,5 mil milhões de euros,para as instituições nacionais de ciência etecnologia, assim como para as empresase outros utilizadores de resultados deI&DT - é o caso das autarquias.Paralelamente a estas duas reuniões,decorreram sessões específicas de apre-sentação das prioridades 3 e 4 do mesmoprograma-quadro. A primeira incidiu so-bre "Nanotecnologias e nanociências,materiais multifuncionais no conheci-mento e novos processos e dispositivosde produção". A segunda ocupou-se dotema "Aeronáutica e aeroespacial".

AVALIAÇÃO DOS CURSOS DEFÍSICA ESTÁ EM CURSO

Promovida pela Fundação das Universi-dades Portuguesas, está a decorrer aavaliação dos cursos universitários deFísica. Os relatórios de auto-avaliaçãoforam já recebidos no passado mês deJaneiro. Os "termos de referência" (cri-térios de avaliação para este processo)foram entretanto distribuídos, tendo si-do igualmente fixado o calendário dasvisitas a realizar pelas comissões de avaliação.No que diz respeito à Comissão de Ava-liação da Física e Química, o seu pre-sidente é o Dr. Filipe Duarte Santos.Existem quatro subcomissões: Enge-nharias Físicas, Ciências Geofísicas eÓptica Aplicada (presidida pelos Drs.Ducla Soares e João Bessa e Sousa); Fí-sica e Astrofísica (Dr. Jorge Dias de

Deus); Química (Dr. Sebastião Formosi-nho); e Ensino da Física e da Química(Drs. Carlos Fiolhais e António FerrerCorreia).

CIÊNCIA INVOCADA EMBRUXELAS

No dia 27 de Novembro Manuel Paiva,professor de Física na UniversidadeLivre de Bruxelas (especialista em FísicaMédica, que esteve recentemente em fo-co por coordenar uma das experiências abordo no malogrado vaivém "Colum-bia"), apresentou o último livro de MárioSoares, "Entretien", lançado na livrariaportuguesa Orfeu da capital belga. Olivro é uma viagem desde o princípio doséculo XX até aos nossos dias, guiadapelo autor, que descreve as perseguiçõesdo regime de Salazar a portugueses degrande envergadura, como Ruy LuísGomes e Bento de Jesus Caraça, ManuelValadares e Mário Silva. A Matemática ea Física portuguesas sofreram então umaperda cujas consequências ainda hoje sefazem sentir, como recordaria ManuelPaiva.O apresentador da obra centrou depoiso debate em torno do grande desafiodeste século que é a educação - em par-ticular no básico -, lugar não só para ainiciação à educação científica, mas tam-bém cívica, de preparação para a cidadania.Manuel Paiva fez uma analogia entre adecadência do ensino experimental daFísica nos finais do século XVIII e o quese passa actualmente em Portugal com oprograma "Ciência Viva", que foi con-siderado por responsáveis políticoscomo "despesista e elitista". Nesta linha,o orador quis saber o que sugeria MárioSoares para que a "Ciência Viva" não setransformasse em "letra morta". Emresposta, o ex-presidente português foicategórico: "Não se devem fazereconomias nem na cultura nem naciência".

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PORTUGUESES TRADUZIDOS NACHINA

A revista "Physics Teaching" da Socie-dade Chinesa de Física formulou umconvite para a publicação de um artigosobre forças de atrito em objectos ro-lantes a Afonso Pinto e Manuel Fiolhais,docentes nas Universidades de Trás-os-Montes e Alto Douro e de Coimbra. Oartigo teve edição bilingue (chinês einglês) e foi publicado em duas partes(Dezembro de 2002 e Janeiro de 2003).O convite para a publicação deste papersurgiu na sequência de um artigopublicado recentemente pelos mesmosautores na revista “Physics Education”.

Em 11 e 13 de Setembro de 2002 realiza-ram-se os voos da 5th Student ParabolicCampaign promovido pela Agência Espa-cial Europeia (ESA), na qual partici-param 32 equipas de 15 países, uma dasquais portuguesa. A experiência do pro-jecto português Space without Smoke foibem sucedida e despertou grande inte-resse dos responsáveis da organização.

O convite dirigido à equipa portuguesapara integrar um grupo de quatro equipasseleccionadas para continuarem as res-pectivas experiências em dois novosvoos da 4th DLR Campaign (ou da 4ª cam-panha de voos parabólicos da AgênciaEspacial Alemã, DLR), em Outubro de2002, constituiu o melhor dos prémiospara a sua dedicação. O projecto “SpaceWithout Smoke” foi premiado no con-curso Physical Science Contest promo-vido pela Agência Espacial Europeia. Oprojecto Space Without Smoke venceu o 1ºprémio no "V Encontro Nacional deEstudantes de Física" realizado em Lisboade 14 a 16 de Março de 2003. A equipaportuguesa apresentará o seu projecto na18º ICPS (International Conference for PhysicsStudents) que se realizará em Odense(Dinamarca) de 7 a 13 de Agosto de 2003.

Vejamos como surgiu e ganhou consis-tência a concepção da experiência Spacewithout Smoke. Em Janeiro de 2001, PedroSouto e Helder Carvalho, docentes doDepartamento de Engenharia Têxtil daUniversidade do Minho, lançaram aosseus alunos o desafio de participarem na5th Student Parabolic Campaign. Formou-se,então, uma equipa de quatro estudantes,Tiago Pires, Rui Gomes (Departamentode Engenharia Têxtil da Universidade doMinho), Hugo Costa e Daniel Cruz (De-partamento de Física da Universidade daBeira Interior-UBI), à qual mais tarde sejuntou João da Providência, também daUBI. Em Janeiro de 2002 debateu-se oprojecto a propor à ESA e optou-se pelarealização de uma experiência permi-tindo o estudo da propagação de fumoem microgravidade. Em Março de 2002a equipa inscreveu-se, e em Abril

submeteu o projecto Space without Smoke,o qual foi seleccionado.

As razões para o estudo da propagaçãode fumo em microgravidade são várias.Existem muitos estudos de combustãoem microgravidade como, por exemplo,o comportamento da chama de uma vela.Numa estação espacial podem ocorrerincêndios, como já aconteceu na MIR.

Um artigo da NASA [1] refere a neces-sidade de as estações espaciais incor-porarem detectores de fumo e faz notarque, em casos extremos, os detectores defumo desenvolvidos para a Terra nãopermitem detectar o fumo em ambientesde gravidade zero, em parte devido à di-ferente natureza das partículas pro-duzidas na combustão. Estes resultadosmostraram que o desenho de um de-tector de fumo para uma estação espa-cial não pode ser baseado em expe-riências realizadas a gravidade normal.

Além das motivações práticas, há o inte-resse puramente científico de investigar apropagação do fumo em microgravidade,numa situação de convecção forçada.

Os quatro estudantes portugueses em-barcaram em Bordéus para viverem, abordo de um avião Airbus A300 espe-cialmente preparado, períodos de micro-gravidade da ordem de 25 s. O avião ajacto efectuou, em cada um dos doisvoos, 30 saltos parabólicos. Um salto para-bólico realiza-se da seguinte forma: encon-trando-se o avião a uma altitude de cercade 6100 metros e voando a uma velo-cidade da ordem dos 825 km/h, iniciaum movimento ascendente até atingiruma altitude de cerca de 7600 metroscom uma velocidade rondando 580 km/he uma inclinação, com a horizontal, deaproximadamente 47 graus, com o topovirado para cima. Nesta fase, denomi-nada de pull up, e que demora uns 20segundos, a situação é de hipergravidadeentre 1,8 g e 1,5 g, onde g é a aceleraçãonormal da gravidade. Segue-se uma fasede transição de cerca de 5 segundos na

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qual os motores são desligados ou a suaactividade é reduzida ao mínimo, procu-rando-se que o avião descreva a tra-jectória que teria um projéctil. Duranteum período de cerca de 20 segundos asituação no interior do avião é de micro-gravidade, ou seja, cerca de 0 g. A umaaltitude de 8500 metros, o avião atinge ovértice da parábola com uma velocidadede 370 km/h e depois inicia o processode queda atingindo novamente a velo-cidade de 580 km/h a uma altitude de7600 metros e com uma inclinação de 42graus com a horizontal (agora com onariz do avião apontando para baixo).Segue-se nova fase de transição de cerca de3 segundos. O avião passa então para afase de 20 segundos de pull out, durante aqual existe hipergravidade (à volta de 1,8g). Os motores são accionados a fim deestabilizar a trajectória atingindo, à alti-tude de 6100 metros, a orientação hori-zontal com a velocidade de 825 km/h.Em cada salto, há um período de 20 se-gundos em que se atingem as condições demicrogravidade que permitem realizarexperiências. Naturalmente, na estaçãoespacial internacional ou no vaivém espa-cial, são obtidos ambientes de microgra-vidades maiores e de melhor qualidade.

Antes de analisarmos os resultados da ex-periência portuguesa vejamos a motiva-ção para a realizar este tipo de experiên-cias em ambientes de microgravidade. Olançamento de satélites, a realização de mis-sões espaciais, a colocação de estaçõesespaciais em órbitas (a MIR e a estaçãoespacial internacional) e as viagens do vai-vém espacial abriram novas possibilidadesà evolução da ciência.

À superfície da Terra encontramo-nossujeitos à força gravítica e a uma outraforça que a equilibra. Em queda livre, onosso organismo encontra-se numa situa-ção de microgravidade. Num foguetãoacelerado, encontramo-nos numa situaçãode hipergravidade (vários g). Em algumassituações experimentais, a gravidadeconstitui um elemento não desejável, quepode ser eliminado se as experiênciasforem realizadas em microgravidade.

Estão a ser desenvolvidos pela NASAestudos em microgravidade em vários

campos como, por exemplo, a cultura detecidos biológicos, a ciência da combus-tão, a produção de melhores cristais, a pro-dução de novos materiais e fenómenos in-terfaciais. Nestas condições, não existemefeitos perturbadores como sedimentação oucorrentes de convecção devidos à gravidade.

Na experiência da equipa portuguesa, ofumo foi produzido por uma máquinacomo as que são usadas nas discotecas(que funcionou bem em condições demicrogravidade). Trata-se de um fumo den-so, não tóxico, constituído por gotículasde um fluido que foi evaporado na re-ferida máquina. O fumo foi observadonuma câmara em forma de caixa, comparedes transparentes, com dimensões de1 m x 0,7 m x 0,7 m. Teve-se o cuidadode impedir que o fumo condensasse eentupisse os tubos que o conduzem àcaixa de observação. Finalmente, o fumofoi conduzido para a caixa através de umtubo perpendicular a uma das faces qua-dradas. Como na ausência de gravidadenão existe uma direcção privilegiada, se-ria de esperar que o fumo continuasse aolongo da direcção do tubo que o condu-ziu para o interior da caixa ou, então, seo fumo não for constituído por um feixecolimado, um cone com o eixo de sime-tria ao longo do referido tubo.

Note-se que, embora não existam corren-tes de convecção devidas à gravidade, aexperiência é construída com a possibi-lidade de forçar essas correntes, o que enri-quecerá as observações. As correntes deconvecção são produzidas por umabomba ligada ao tubo que dá acesso à câ-mara de observação. Visto que a referidabomba é accionada manualmente, o expe-rimentador poderá considerar vários re-gimes. Poderá esvaziar grande parte dabomba enviando para o interior da câ-mara um jacto de fumo, ou apenas umpulsar de fumo (formando um anel de

fumo). Temos, assim, dois regimes distintos.No primeiro observa-se que o jacto defumo se move de forma compacta e emlinha recta na direcção do tubo (poronde entra na câmara) até cerca de meta-de da caixa. Depois de passar metade dacaixa, começa subitamente a dispersar e adesviar-se, indo embater no topo da caixa.Este comportamento, que se repete nasexperiências realizadas nos vários saltos,poderá parecer estranho devido à ausên-cia da simetria referida. Na Terra obser-va-se que o fumo cai. Como o fumo sobea partir de metade da caixa, será que nãose conseguiu uma microgravidade tãoperfeita como se desejava? As experiên-cias programadas para novos voos permi-tirão esclarecer estas e outras questões.

Por outro lado, quando o experimentador,quase no fim de esvaziar a bomba, conse-gue produzir um pequeno pulsar fazendoum anel de fumo, este move-se em linharecta indo bater no meio da face oposta.Aqui temos o comportamento esperadoa 0 g: o anel de fumo move-se ao longoda caixa com velocidade constante, ouseja, o anel continua a mover-se na direcçãoem que foi emitido!

A descrição da experiência assim comolinks para outras experiências encontram--se em http://sws.planetaclix.pt.Helder Carvalho, Hugo Costa, Daniel Cruz,

Rui Gomes, Tiago Pires, João da ProvidênciaJr. e Pedro Souto

Universidade da Beira Interior, Covilhã[email protected]

[1] - Urban, D.L., Mulholland, G., Yuan, Z.G.,Yang, J., Cleary, T., "Smoke: Characterization ofSmoke Particulate for Spacecraft Fire Detection",Sixth International Microgravity CombustionWorkshop, NASA Glenn Research Center,Cleveland, OH, CP-2001-210826, pp. 401-404,

May 22-24, 2001.

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UMA NOVA SECÇÃO NA "GAZETA DEFÍSICA"

A partir deste número a "Gazeta da Física" passa a dispor, coma colaboração da Divisão de Educação da SPF, de uma novasecção, "Ensino da Física". Os seus principais destinatários sãoos professores de Ciências Físico-Químicas do Ensino Básico eSecundário. Como o próprio nome sugere, é muito vasto o âm-bito deste espaço, que só conseguirá atingir os objectivos pro-postos se pudermos contar com a colaboração dos nossos lei-tores, e em particular os referidos docentes. Pela nossa parte,prometemos dar acolhimento a todas as colaborações quevisem:

- Divulgar junto dos professores actividades desenvolvidas nasescolas no âmbito do Ensino das Ciências e que devem ser par-tilhadas para a valorização de todos (é o caso do primeiro mini-artigo que publicamos a seguir).

- Informar os professores das iniciativas da SPF, outras activi-dades, exposições e endereços da Internet úteis ao desempenhoda sua actividade (é o caso da informação que publicamos so-bre a reforma do secundário).

- Incentivar a realização de actividades de carácter experimen-tal na sala de aula, recorrendo sempre que possível a exemplospráticos.

Feito o desafio, mãos à obra. Toda a colaboração e correspon-dência pode ser enviada preferencialmente por e-mail [email protected], ou por carta para: Graça Santos, SociedadePortuguesa de Física, Departamento de Física da Universidadede Coimbra, 3004-516 Coimbra.

ENSINO DA FÍSICAA FÍSICA E A QUÍMICA DO C60

O estudo que levámos a cabo sobre o fullereno C60 (fig. 1),nova forma alotrópica do carbono, teve como objectivo verificarse essa substância elementar podia ser estudada em níveis de es-colaridade não universitários. Ele permitiu aprofundar e consolidaralguns conceitos de Física do Estado Sólido e de Química Orgâ-nica. Proporcionou a realização de trabalhos práticos simples, naárea da Física, envolvendo grafite, diamante sintético, e C60 em pó.

Figura 1. Molécula deC60 (Pierson, 1993)

Concluímos que é possível verificar, no ensino básico e secun-dário, as diferentes características que as substâncias elementa-res de carbono podem assumir, como cristal, nomeadamente asua morfologia e a sua orientação, já que o material necessárioexiste em geral nos laboratórios escolares do 3º ciclo e secun-dário. De facto, recorrendo a uma bomba de vazio, pode subli-mar-se grafite e C60 em pó originando filmes de cada umadeles, que podem ser analisados por espectroscopia óptica e doinfravermelho. Existem no mercado aparelhos didácticos paraobter espectros de difracção de raios X de filmes de carbono.Recorrendo, em formato de visita de estudo, a laboratórios uni-versitários que possuam espectrómetros mais sofisticados, po-derão obter-se espectros de Raman e de microscopia electrónica.

A eficiência energética de alguns compostos supercondutoresde C60 assim como as suas potencialidades ecológicas permi-tem antever um largo campo de utilização desses materiais. Poroutro lado, a capacidade de alguns derivados dos fullerenos ini-birem a enzima responsável pelo desenvolvimento do HIV epoderem, portanto, originar fármacos e vacinas para curar ouimunizar contra a SIDA, aumenta a importância da nova for-ma do carbono. Este problema de saúde pública, que está asso-ciado a comportamentos sociais, não pode ser ignorado na escola,podendo e devendo ser abordado em várias áreas disciplinares.

Na área de projecto do 3º ciclo do ensino básico, vocacionadapara envolver os alunos na concepção e realização de projectosque lhes permitam articular saberes de diversas áreas em tornode certos problemas, pode realizar-se um projecto que tenha ocarbono como tema aglutinador, onde se discutam temas comoa energia, poluição ou a SIDA.

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Ao longo do nosso trabalho confirmámos a complementaridadeentre as áreas da Física e Química, e ensaiámos abordagens deensino inter e multidisciplinar. De facto, a procura do sentidodo todo exige a partilha do conhecimento disciplinar e a cons-trução de ligações entre disciplinas (Mateus, 2000).

Assim e nas disciplinas de Ciências Físico-Químicas e de Físicapode proceder-se à caracterização da grafite, do diamante e doC60 estudando a morfologia e a orientação das estruturas cris-talinas, as suas propriedades eléctricas e térmicas e, ainda, a ca-pacidade de formar materiais supercondutores de alta tempe-ratura. Estes conteúdos podem ser complementados nadisciplina de Química, referindo o tipo de ligações intra e in-termoleculares, o tipo de cristal formado e as suas propriedadesquímicas como a solubilidade e a reactividade.

Na disciplina de Matemática, nomeadamente no estudo da geo-metria, o estudo de poliedros regulares com elevada simetria,como o icosaedro, é facilmente exemplificado com o C60.Constituída por 20 hexágonos e 12 pentágonos, esta moléculaexemplifica estruturas que obedecem ao teorema de Euler. Defacto, como acontece com qualquer outro poliedro com a for-ma de uma gaiola, os fullerenos têm que satisfazer esse teorema,segundo o qual o número de vértices (ou seja, o número de áto-mos de carbono) menos o número de arestas (ou sejam, as li-gações covalentes) mais o número de faces do poliedro é igual a 2.

A forma desses poliedros suscita a curiosidade geral como pu-demos verificar em conversas com alunos e professores. Aliás,o fascínio pelas formas geométricas de alta simetria data dosantigos gregos, que já conheciam os cinco poliedros regularesou sólidos "platónicos": tetraedro, cubo, dodecaedro, octaedroe icosaedro, todos eles sólidos de alta simetria que têm comofaces polígonos regulares idênticos.

A forma do C60 permite uma articulação da Física e Químicacom as Ciências da Terra e da Vida e a Biologia pois ocorre,com abundância, a forma do icosaedro nos seres vivos e nosminerais: o vírus da varíola, da pólio, do herpes e do mosaicoamarelo do nabo têm a forma de um icosaedro, assim comosão numerosos os cristais que cristalizam no sistema cúbicocom forma icosaédrica: por exemplo, a almandite, Fe3Al2(SiO4)3e a glossulária, Ca3Al2(SiO4)3. Parece que o icosaedro é umadas formas preferidas na Natureza. A descoberta do C60 numarocha que se designou de shungite, encontrada perto de Shunga,na Rússia, veio desencadear vários trabalhos de geologia.

No âmbito da disciplina de Educação Visual ou de outras disci-plinas do agrupamento de Artes, e a propósito da represen-tação tridimensional de formas geométricas, de novo o C60 po-de servir como exemplo de um icosaedro truncado (fig.2).

Figura 2. Desenho de umicosaedro truncado por Leo-nardo Da Vinci (Martins,1993)

A Fig. 3 demonstra o modo como se obtém um icosaedrotruncado.

Figura 3. "Truncando" um icosaedro (Andersen Group, Max-Planck-Institut)

A Fig. 4 mostra como esta estrutura tem alimentado aimaginação do homem.

Figura 4. Xilogravura de Escher "Estrelas"

O uso das Tecnologias de Informação e Comunicação podeincrementar a literacia científica dos alunos. De facto, o com-putador é por eles utilizado com facilidade e curiosidade, reve-lando-se um bom instrumento para adquirir conhecimentos. Onúmero de sites relacionados com o C60 é muito elevado. Noentanto, por vezes, a informação disponível está desactualizadae mesmo incorrecta. Importa, assim, referir o imprescindívelcuidado a ter na análise da informação recolhida sendo o apoio

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do professor imprescindível. Neste sentido, actividades desen-volvidas através da Internet tais como fóruns de discussão, páginasinformativas ou mesmo concursos/jogos podem ser óptimasestratégias de estudo sobre o C60. Na Escola Secundária deSanta Comba Dão e no âmbito do programa Nónio Século XXI- “O Cantinho da Ciência” (semanas Netd@ys Europe 2000 e2001)- realizámos um jogo de pesquisa intitulado "Viagem aoInterior da Chaminé".

Neste jogo, procurámos fomentar a participação dos alunos detodos os anos de escolaridade e dar oportunidade aos alunosque não possuíam computador em casa e que por isso nãoestavam familiarizados com ele. Para tanto, usámos os compu-tadores da biblioteca da escola e do "Cantinho da Ciência". Asquestões propostas visavam dar a conhecer o C60. Assim,escolheu-se para tema o local mais familiar aos alunos onde háprobabilidade de formação de C60: a chaminé. O jogo inicia-va-se com questões muito simples:

- Qual é o nome que se dá à reacção química que ocorre entreo combustível e o oxigénio?

- Qual é o tipo de carvão mais rico em carbono?

- Que nome é dado às correntes de ar quente que ocorrem dentro da chaminé e que são responsáveis pela saída do fumo?

- Quantos hexágonos e pentágonos tem a molécula de C60?

- Indica dois dos cientistas galardoados com o prémio Nobelda Química em 1996, por terem estudado o C60.

A formulação das questões relativas ao C60 foi limitada pelofacto dos sites sobre este tema não estarem em português. Dostrinta alunos participantes, tanto do terceiro ciclo como do en-sino secundário, dez responderam a todas as questões. Dos trêsalunos que acertaram a todas as questões, um era do oitavo anode escolaridade, outro do décimo ano e o terceiro era alunouniversitário, ex-aluno da escola. Numa tese de mestrado osresultados estão descritos com mais pormenor (I. Ribeiro, 2002).

Neste tipo de actividade incentiva-se o trabalho cooperativo, ha-vendo confronto de ideias, num ambiente de cooperação, com-preensão e respeito pelos outros, que favorece a aprendizagem.Hoje não é fácil ser professor. A formação inicial revela-se in-suficiente perante os novos desafios que são colocados ao do-cente. Defendemos, por isso, uma formação contínua que per-mita aos professores actualizar os seus conhecimentos e repensaras suas práticas, acompanhando os resultados das investigaçõesmais recentes tanto em ciência como em ensino das ciências.

Ilda Ribeiro Custódio (1) e Lucília Tavares dos Santos (2)

(1) Escola Secundária de Santa Comba Dão, [email protected](2) Departamento de Física, Universidade de Aveiro

BIBLIOGRAFIA:

- Dresselhaus, M. S.; Dresselhaus, G.; Eklund, P. C. (1996). "Science ofFullerenes and Carbon Nanotubes". Academic Press. - Mateus, A. (2000). "A Pertinência da Formação CientíficaInterdisciplinar. Trabalho Prático e Experimental na Educação emCiências". Departamento de Metodologias da Educação. Instituto deEducação e Psicologia. Universidade do Minho, Braga.- Martins, J. L. (1993). "Fullerenos: uma nova família de compostos docarbono"; Gazeta de Física; vol. 16, fasc. 2, p. 2- Pierson, H. O. (1993). "Handbook of Carbon, Graphite, Diamondand Fullerenes". Noyes Publications.- Ribeiro, I. (2002). "A Física e a Química do C60", tese de Mestrado

em Ensino de Física e Química, Universidade de Aveiro.

SPF CONTRA CARÁCTER OPCIONAL DEFÍSICA E QUÍMICA

A proposta de reforma do Ensino Secundário, tornada públicapelo Governo, não é globalmente positiva, sustenta a SociedadePortuguesa de Física (SPF). No entanto, ela pode e deve sersubstancialmente melhorada, pelo que aquela sociedade cien-tífica exprime a sua total disponibilidade para colaborar com oMinistério da Educação no aperfeiçoamento do documento.

É de referir, aliás, que o próprio Ministério já mostrou aberturapara proceder a adaptações e alterações na área de ciências. ASPF acredita que essas modificações não deixarão de ir ao en-contro das principais críticas oportunamente formuladas.

A Sociedade Portuguesa de Física, que já divulgou a sua posi-ção global sobre o documento (ver folha separada da ediçãoanterior da "Gazeta"), cedo tomou a iniciativa de enviar uma cir-cular, através da sua Divisão Técnica da Educação (DTE), àsescolas do Ensino Secundário. Nela se solicitava aos professo-res de Ciências um parecer acerca da proposta de Reforma doEnsino Secundário submetida à discussão pública. Foram rece-bidos pareceres de cerca de 90 escolas secundárias de todo o país.

Foram ainda pedidas opiniões aos sócios e promovido um En-contro no Porto a 11 de Janeiro de 2003, onde estiveram pre-sentes professores do Ensino Secundário e do Ensino Superior.Nesta reunião debateram-se as principais ideias resultantes dospareceres recebidos. Na sequência destas reflexões redigiram-serecomendações consensuais relativamente aos aspectos a seguirabordados.

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Matriz curricular do Curso Geral de Ciências

Os professores discordam frontalmente do carácter opcionaldas disciplinas de Física e Química. Quando todos os paísesestão a fazer um esforço no sentido de aumentar a cultura cien-tífica, Portugal parece querer andar no sentido contrário.

De acordo com a proposta, os alunos deverão no final do 9ºano optar pelo percurso escolar mais adequado de acordo como curso superior no qual pretendem ingressar, uma vez queeste condiciona a disciplina específica do 12º ano, e esta disci-plina está dependente das opções de 10º e 11º ano. É genera-lizada a opinião de que esta decisão é precoce e inadequada nofinal do 9º ano.

A possibilidade de optar pelas disciplinas bienais com início emanos diferentes, 10º ou 11º ano, limita a sequência das disci-plinas, dando origem a um hiato entre o 9º ano e o 11º ano quedificulta a inter-relação conceptual. Neste ponto surgiram igual-mente dúvidas acerca da turma: poderão existir no mesmohorário alunos de 10º e 11º ano?

Pensa-se que é de todo conveniente que exista a possibilidadede interdisciplinaridade entre a Biologia-Geologia e a Físico--Química: de acordo com a matriz proposta, uma das discipli-nas "limita" os conteúdos a leccionar na outra. Assim, sugere--se que as duas disciplinas bienais tenham início no 10º ano eseja reduzido o leque de opções.

Deverá existir mais uma disciplina anual no 12º ano (passandoa existir duas disciplinas opcionais mais a disciplina de Mate-mática) a fim de que os alunos possam seleccionar neste anosimultaneamente Física e Química (disciplinas fundamentaispara os cursos de Engenharia), ou Química e Biologia (disci-plinas fundamentais para os cursos de saúde).

Desta forma, discorda-se das opções curriculares apresentadasna proposta, uma vez que, tratando-se de disciplinas afins, a in-teracção entre os respectivos conteúdos é altamente frutuosanuma perspectiva formativa. Quando actualmente se reconhece

a importância da transdisciplinaridade e interdisciplinaridade,tendo em vista a necessária integração de saberes, estas medidasapontam claramente no sentido da compartimentação do "saber".

Matriz curricular dos Cursos Tecnológicos

É incompreensível a não obrigatoriedade das disciplinas deQuímica e de Física nos Cursos Tecnológicos de Electrónica,Construção Civil e Informática, assim como a não obrigato-riedade da disciplina de Física (ajustada) no 12º ano.

Desta forma, poderia ser criado um sistema modular em que,para cada curso, prevalecessem os módulos de maior interessepara a respectiva área, o qual permitiria a permeabilidade entreos cursos tecnológicos e os cursos gerais através da realizaçãodos módulos em falta.

O Curso Tecnológico de Ordenamento do Território e Am-biente, por seu lado, deverá contemplar a disciplina de Química.É expressa igualmente a discordância quanto ao desapareci-mento dos cursos tecnológicos de Mecânica, Química (controlode qualidade) e Turismo, uma vez que estas são áreas de extre-ma importância, em particular o Curso Tecnológico deQuímica no domínio ambiental e da formação de técnicos delaboratórios industriais e escolares.

Área-Projecto/Tecnologias da Informação e da Comunicação

A disciplina de Tecnologias da Informação e da Comunicação(TIC) deveria ser transversal e integrada na Área-Projecto. Commenor carga horária, ela deveria existir nos 10º, 11º e 12º anos.

A nível do Ensino Secundário, a melhor forma de fomentar oensino das TIC é no próprio contexto do ensino das Ciências eda Matemática. A disciplina de Tecnologias da Informação de-veria apenas existir a nível do Ensino Básico.

Avaliação

De acordo com a indicação dos exames propostos para os cur-sos gerais, os alunos poderão não ser avaliados a nível nacionalnas disciplinas de Física, Química ou Biologia no 12º ano, efacilmente (dependendo dos critérios das Universidades para oingresso no Ensino Superior) poderá não se realizar exame aFísica e Química ou Biologia e Geologia. Esta possibilidadeafigura-se-nos inconcebível!

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Ingresso no Ensino Superior

Existe uma grande indefinição relativamente à ligação entre oscurrículos do ensino secundário e as condições de acesso aoensino superior. Será que se transferem para o ensino superiorcompetências e objectivos até aqui inerentes ao ensino secun-dário? As instituições de ensino superior vão começar a darformação de base (uma espécie de pré-universitário) porque oensino secundário limitou o desenvolvimento dos alunos?

É de referir ainda que não está clara a possibilidade de transi-ção entre os Cursos do Ensino Tecnológico e os Cursos Gerais,que deverá ser uma preocupação para não impossibilitar aosalunos o ingresso no ensino superior. Tal como se refere nodocumento, o curso tecnológico continua a ser preferencialmentepara prosseguimento de estudos.

Sugestões gerais

É opinião dos intervenientes neste processo de reflexão sobrea proposta de reforma do ensino secundário que deveria ser in-centivada a uniformização dos sistemas de ensino na Europa.Tendo em conta as alterações propostas, sugere-se a possibilidadede um aumento da carga horária e, eventualmente, a possibilidadede existirem matrizes diferentes de acordo com os cursos.

Apela-se também à necessidade de um reequipamento adequadodas escolas e à melhoria/incentivo do trabalho experimental.A avaliação e o sistema de ingresso no ensino superior étambém um ponto que deve merecer especial atenção. Salienta--se, por fim, a importância de os exames contemplarem umacomponente laboratorial/experimental.

Graça [email protected]

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ANUNCIE NA

GAZETA DE FÍSICA

InformaçõesSociedade Portuguesa de FísicaMaria José Couceiro

Avenida da República 37-4º 1050-187 Lisboa

Tel 217 993 665 | Fax 217 952 349

E-mail [email protected]

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NOTÍCIAS DA SPF

RELATÓRIO DE ACTIVIDADES ECONTAS DA SPF

Os relatórios de actividades e de contasda Sociedade Portuguesa de Física (SPF)relativos ao ano 2002 foram aprovadosno último conselho directivo, que tevelugar em 30 de Janeiro passado. Na mes-ma reunião foi igualmente aprovado oPlano de Actividades para 2003, ondesobressai a realização de uma confe-rência em Coimbra. Depois de dado oparecer do Conselho Fiscal, os relatóriosforam apresentados à Mesa da Assem-bleia Geral e aprovados na reunião deMarço de 2003. Estes documentos estãodisponíveis na página da SPF na Internet(http://nautilus.fis.uc.pt/spf/).

ALTERAÇÃO DOS ESTATUTOS

A última Assembleia Geral aprovouduas alterações aos Estatutos da Socie-dade Portuguesa de Física (SPF), de-signadamente no que diz respeito à du-ração dos mandatos - por um período detrês anos e que, por lapso, não tinha sidoincluído nos Estatutos vigentes - e àdesignação das "divisões técnicas", quepassam a designar-se simplesmente por"divisões".

REUNIÃO COM PRESIDENTES DOSDEPARTAMENTOS DE FÍSICA

No passado dia 5 de Novembro tevelugar na sede da Sociedade Portuguesa

Relatório de actividades e contas da SPF

Alteração dos estatutos

Reunião com Presidentes dos Departamentos deFísica

Proposta de reforma de ensino secundário

Direcção Regional do Centro

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NOTÍCIAS

de Física (SPF) uma reunião do Presi-dente da Sociedade com os presidentesdos Departamentos de Física das uni-versidades portuguesas.Estiveram presentes os presidentes (ouseus representantes) dos Departamen-tos de Física da Universidade do Minho,da Faculdade de Ciências da Universi-dade do Porto, da Faculdade de Enge-nharia da Universidade do Porto, daUniversidade de Aveiro, da Faculdade deCiências e Tecnologia da Universidade deCoimbra, da Universidade da Beira Inte-rior, do Instituto Superior Técnico daUniversidade Técnica de Lisboa, da Fa-culdade de Ciências da Universidade deLisboa, da Faculdade de Ciências e Tec-nologia da Universidade Nova de Lisboae da Universidade do Algarve. O presi-dente do Departamento de Física da Uni-versidade de Évora informou que nãopodia estar presente, mas que gostaria departicipar em próximas reuniões.Durante a reunião identificaram-seproblemas de interesse comum, entre osquais os seguintes que foram considera-dos como os mais urgentes:- A Física na formação básica doscientistas e dos engenheiros;- O ensino da Física nos ensinos básicoe secundário;- A acreditação pela Ordem dosEngenheiros dos cursos de EngenhariaFísica;- A captação de estudantes de outrasnacionalidades; e- Criação dum prémio para jovenstalentos em Física.Escolheram-se comissões para tratar decada um destes assuntos, ficando agen-dada uma nova reunião para o princípiode 2003.

PROPOSTA DE REFORMA DOENSINO SECUNDÁRIO

A recente proposta de reforma do En-sino Secundário causou alguma estra-nheza motivada não só pela sua opor-tunidade como pelo seu conteúdo (ver,nesta mesma "Gazeta", secção Ensinoda Física). Ao tomar conhecimento daproposta, a Direcção da SPF, sensibilizada

DELEGAÇÃO REGIONAL DOCENTRO

Acções com alunos e cursos paraProfessores do Secundário

Numa iniciativa conjunta com a Facul-dade de Ciências e Tecnologia da Uni-versidade de Coimbra, a Delegação Re-gional do Centro da SPF promove arealização de "Acções de Divulgaçãopara Alunos e Cursos de Formação deProfessores" nas Escolas Secundáriasda Região Centro.As acções de divulgação são pequenaspalestras destinadas à divulgação e a ummelhor esclarecimento de temas de Fí-sica junto dos alunos. Os cursos desti-nam-se a professores e a sua realizaçãoestá condicionada à presença de um mí-nimo de 15 participantes. A lista dasiniciativas promovidas durante o anolectivo 2002/2003 poderá ser con-sultado emhttp://nautilus.fis.uc.pt/spf/.No presente ano lectivo foi realizada aacção "Imagiologia médica: como as ra-diações nos dão a conhecer o corpohumano", pela Drª Maria Isabel Lopes,na Escola Secundária de Emídio Na-varro (Viseu), em 12 de Novembro de2002, e na Escola Secundária de Ana-dia, em 15 do mesmo mês.Na continuação do projecto “Ciência aBrincar", têm sido realizadas, quinze-nalmente, aulas experimentais com alu-nos da Escola EB1 da Solum Coimbra.Foram ainda efectuadas diversas acti-vidades experimentais com as criançasdesta escola durante a Semana daCultura Científica.

Palestras no departamento de Físicada Universidade de Coimbra

A Delegação do Centro da SPF orga-nizou, em colaboração com o Departa-mento de Física da Universidade deCoimbra, um ciclo de palestras destina-das aos alunos da Faculdade de Ciên-cias e Tecnologia da UC e a professoresdo Ensino Básico e Secundário. As pa-lestras decorrem na última semana decada mês, pelas 14h30, na Sala de Con-ferências do Departamento de Física.No primeiro trimestre de 2003 realiza-ram-se as seguintes:- "LHC: um acelerador para o novomilénio", pelo Dr. João Carvalho, 31 deJaneiro;- "Radiação de sincrotão: uma sondapoderosa da matéria", pelo Dr. JoséAntónio Paixão, 26 de Fevereiro;- "Estudo das obras de arte portécnicas físico-químicas", pelo Dr.Francisco Gil, 28 de Março.

Protocolo com Coimbra 2003 -Capital da Cultura Foi assinado o protocolo de coope-ração com Coimbra - Capital Nacionalda Cultura 2003 para a realização doProjecto "Patrimónios". Em particular,foram realizadas as "Fichas de Des-coberta" da edição "Mo(nu)mentos",elaborada sob a coordenação de AdíliaAlarcão. No âmbito deste protocolo aSPF estará representada na Feira do Pa-trimónio, a realizar em Coimbra no fi-nal de Junho.

para as graves consequências que talproposta poderia ter, marcou umConselho Directivo para discutir unica-mente esse assunto e pediu uma au-diência ao ministro da Educação comquem se avistou para lhe dar conta dassuas preocupações. Com vista à ela-boração do parecer (divulgado na última"Gazeta e também disponível na páginada SPF na Internet), a SPF contactou os

grupos disciplinares de Física de todas asescolas secundárias bem como todos osdepartamentos universitários de Física.Promoveu ainda uma reunião no passa-do mês de Janeiro, que decorreu emCoimbra, com representantes dos De-partamentos de Física a fim de lhesapresentar e discutir a sua proposta deparecer. Regista-se, com satisfação, acolaboração de todos.

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FÍSICA E POESIA

"Reflexões e Interferências"Regina GouveiaPalavra e Mutação & Autor, Braga,2002.

"Instituto de Felicidade Teórica"Orfeu B.Alma Azul, Coimbra, 2002.

Para muita e boa gente a física está nosantípodas da poesia. São evidentementeactividades culturais diferentes: a físicaprovém do mundo exterior e a poesia domundo interior. Mas, por outro lado,têm várias coisas em comum: ambas sãoexpressões da criatividade humana e am-bas perseguem um ideal estético.

LIVROS NOVOS

Registam-se os seguintes títulos novos sobre temas de Física,

de ciência em geral ou de educação, publicados nos últimos

meses:

"Ensino Superior : uma visão para a próxima década", José

Veiga Simão, Sérgio Machado dos Santos e António de

Almeida Costa, Gradiva, 2002.

"Assinaturas do invisível", Fundação Calouste Gulbenkian,

2003. (Catálogo da exposição de arte do CERN)

"Ciência e religião. A modernidade do pensamento

epistemológico do cardeal Cerejeira", Sebastião J.

Formosinho, Principia, 2002.

"Electromagnetismo e relatividade restrita", Joaquim A. Moura

Relvas, Porto Editora, 2002.

"Cada vez mais rápido", James Gleick,Temas e Debates, 1999.

"A energia nuclear em Portugal. Uma esquina da história",

Jaime da Costa Oliveira, Editora O Mirante, 2002.

"A descoberta de Einstein. A relatividade relativamente fácil",

Barry Parker, Edições 70, 2000.

"Os portugueses e a ciência", Maria Eduarda Gonçalves,

Dom Quixote, 2002.

"Públicos da ciência em Portugal", António Firmino da Costa,

Patrícia Ávila e Sandra Mateus, Gradiva, 2002.

Agradece-se aos leitores o envio à “Gazeta de Física” de livros nesta

área a fim de serem divulgados, incluíndo nalguns casos recensões

críticas.

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LIVROS E MULTIMÉDIA

Não é muito comum, mas por vezesocorre, haver pessoas que são ao mesmotempo físicas e poetas. O caso mais co-nhecido é o do professor de Ciências Fí-sico-Químicas Rómulo de Carvalho queadoptou o pseudónimo literário deAntónio Gedeão. Sob o seu patronatofoi instituído o Dia Nacional da CulturaCientífica, que se realiza todos os anosem finais de Novembro. Mas Rómulo deCarvalho/António Gedeão não estásozinho... Outros autores mostram co-mo a física e a poesia podem coexistir.Por exemplo, é conhecido que a poetisacontemporânea Adília Lopes cursou Fí-sica na Faculdade de Ciências da Univer-sidade de Lisboa, embora sem ter termi-nado o curso. Nos seus poemas, irónicose por vezes iconoclásticos, é frequente ainvocação da entropia e de outros con-ceitos da termodinâmica.

Dois exemplos recentes vieram confir-mar a possibilidade de co-existência nummesmo autor da física e da poesia. Fala-mos de dois pequenos mas interessanteslivros de poesia saídos em 2002 daautoria de uma professora de CiênciasFísico-Químicas do ensino secundário noPorto, Regina Gouveia, e de um profes-sor e investigador de Física Teórica doInstituto Superior Técnico de Lisboa,especializado em Astrofísica e Cosmologia,Orfeu Bertolami (o apelido Bertolamiaparece abreviado no pseudónimo lite-rário, B. está para Bertolami um poucocomo Gedeão está para Carvalho). Inti-tulam-se respectivamente "Reflexões eInterferências" e "Instituto de FelicidadeTeórica".

Os dois títulos remetem para a lingua-gem da física, o primeiro a invocar a óp-tica e o segundo a fazer um trocadilhocom instituto de física teórica (tanto feli-cidade como física começam com a letraf, pelo que os dois admitem a sigla IFT).Ambos os autores reincidem pela segundavez na sua incursão pela poesia: ReginaGouveia tinha escrito alguns poemas pa-ra a colectânea "Tempera (Mental)", naEditorial Minerva de Lisboa (alguns des-ses poemas encontram-se no endereçoda Internethttp://gold.br.inter.net/cfontes/popoeira

poesia/galeria/galeriareginagouveia.htm)e Orfeu B. tinha escrito "Reminiscênciasde Viagem", saído em 2002 também naeditora Minerva (ver na Internethttp://www.terravista.pt/Guincho/2482/orpheubertolami.htm).

Ambos os livros são prefaciados de for-ma elogiosa, Regina Gouveia por Fer-nando Gouveia e Orfeu B. por Rui Zink.Ambos são, de forma visível, inspirados,por temas de ciência, em particular a fí-sica. Mas acabam aí as semelhanças:como os poetas são uns individualistas,os dois têm estilos muito diferentes. Re-gina Gouveia com um estilo mais tra-dicional, preocupa-se com a rima e como ritmo. Orfeu B. tem um estilo menostradicional, ignorando a rima e trocandovárias vezes a cadência da poesia pelafluência da prosa. A presença da ciênciaé, no seu caso, mais discreta.

Como pode não ser fácil obter os livros(são edições muito restritas, que obrigamo leitor interessado a procurar bem numaboa livraria), vale a pena dar dois exem-plos representativos da escrita poéticados dois autores.

Comecemos então com Regina Gouveia(56 anos, nascida no nordeste transmon-tano, autora de artigos pedagógicos e dolivro sobre didáctica da física "Se eu nãofosse professora de Física... Algumas re-flexões sobre práticas lectivas, publicadapela Areal Editores). Escolhemos o poe-ma "Impulsão", onde parece clara a in-fluência de Gedeão:

IMPULSÃO

Arquimedesnão descobriu Ganimedes,que é uma lua.Diz a lenda que saiu nu para a rua,Gritando Eureka, Eureka,Com enorme satisfação.Acabara de descobrir a impulsão.E é essa a principal razãoPor que, volvidos mais de dois mil anos, Navios continuam a cruzar os oceanos.

Finalizemos com Orfeu B. (44 anos, bra-sileiro mas residente em Portugal há maisde 13 anos, autor de dezenas de artigosde física em revistas internacionais da espe-cialidade). Escolhemos o poema "TeoremaFernando Pessoa", também curto, de clarainspiração físico-matemática:

TEOREMA FERNANDO PESSOA

Na variedade curva diferenciável FPas funções poéticasB de Beleza,D1 de Deleite.D2 de Desassossego,E de Empatia, etc.,com argumento pessoano,são todas contínuas e infinitamentediferenciáveis, C00 (FP),isto é, são suaves,quando a plenitude e as relações deortonormalidadeassociadas aos diversos estados do poetasão satisfeitas.

Quem insistirá, depois de ler os doispoemas, que física e poesia estão nosantípodas um do outro?

Carlos [email protected]

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Orfeu Bertolami, autor de "Instituto de Felicidade Teórica", éprofessor e investigador de Física Teórica no Instituto SuperiorTécnico de Lisboa, especializado em Astrofísica e Cosmologia.Ouvimo-lo a propósito desse livro.

P. - O que há de comum entre a Física e a Poesia? Essassemelhanças notam-se neste livro?

R. - Estamos claramente a falar de discursos e visões de mundocompletamente distintos. Contudo, seria simplista afirmar quenão existem pontos de contacto. É bem conhecida, desde osromânticos, os realistas e naturalistas. Penso que há exemplosanteriores da infiltração de termos e conceitos científicos napoesia e no texto literário. Não sendo frequentes no discursoquotidiano, estes termos causam impacto e emprestam ao textoaquilo que eu considero fundamental, na poesia sobretudo:frescura, choque, estranheza, perplexidade.

A um nível mais construtivo e técnico há também semelhanças.A Física é, para além de um corpo de ideias e conceitos extraí-dos da multiplicidade de dados esparsos fornecidos pela Natu-reza, um exercício de, por meio destes, criar novas categoriasde pensamento e teorias, e assim encontrar novas harmonias.Sob este prisma, a Física é um processo contínuo e incessantede reinterpretação e investigação. Analogamente, eu concebo aPoesia - e digo-o sem qualquer pretensão de passar por críticoliterário ou de exibir qualquer conhecimento profundo na ma-téria, pois claramente não o tenho - como um exercício contí-nuo de releitura (reinterpretação) e investigação de novas for-mas de exprimir ideias, estados emocionais, situações, etc.Enfim, uma investigação da linguagem. Este ponto que me é par-ticularmente caro, pois considero-me acima de tudo um leitor.Finalmente, há semelhanças ao nível da motivação estética.

Falamos da beleza das leis e teorias científicas com base naprofundidade e abrangência de conceitos, na presença de simetriasque permitem generalizações e até mesmo na elegância pictóricadas equações. Há subjacente a isto a crença numa harmonia docosmos, um certo panteísmo frequentemente não declarado,embora Einstein, por exemplo, nunca se coibisse de fazer de-clarações neste sentido: "Deus não joga dados", "O Sr. Deus érefinado, mas não é malicioso"... Claro que o objectivo da ciên-cia é desvendar os mecanismos da natureza, mas penso quemuitos de nós crêem que estes estão intrinsecamente associa-dos aos critérios de beleza estética acima enumerados. Por seuturno, o objectivo último da Poesia e do texto literário é abeleza. Não há verdade por desvendar, pois esta é inerente-mente particular, cultural e antropológica.

Eu penso que no meu livro estão concretamente presentestodas estas semelhanças - e por que não dizê-lo? - confusões!Estas podem ser encontradas nos textos que têm como pontode partida factos científicos, mais claramente nos contos "Shamba,o mosteiro dos bonzos com cancro" e "O Holograma", e emcerta medida no texto de síntese "Paisagens Sintéticas". E hátambém confusões deliberadas, sendo o melhor exemplo destaso poema (?) "Teorema Fernando Pessoa", no qual se descreveum espaço matemático novo, o espaço pessoano, com um es-pectro de estados estranhamente finito! Há também um poema,bastante antigo, que versa sobre a "miscibilidade" das duas ma-neiras (científica e poética) de se interpretar o mundo.

P. - O que é que a Física e a poesia não têm em comum?

R. - O texto científico, quando bem conseguido, deve ser neu-tro e objectivo ao ponto de conduzir, sem ambiguidades, o in-terlocutor às conclusões pretendidas. Esta objectividade éfundamental quando se pretende refutar as "verdades" do mo-mento - e na ciência todas as verdades são provisórias - esubstituí-las por novos factos científicos. O texto poético, porsua vez, deve gerar leituras múltiplas e inerentemente subjecti-vas. Não há neste discurso qualquer critério de refutação, poisShakespeare não refuta Homero, Kafka não refuta Stendhal, eassim sucessivamente.

"FÍSICA E POESIA TÊM PONTOS DE CONTACTO"

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LIVROS E MULTIMÉDIA

UM TÍTULO PROVOCADOR

"Faster than the Speed of Light"João MagueijoPerseus, 2003

Saiu finalmente nos Estados Unidos, e naInglaterra, o livro do astrofísico portuguêsJoão Magueijo, professor no ImperialCollege de Londres (a edição inglesaconheceu algum atraso devido à contro-vérsia gerada por algumas afirmações naedição original a respeito de um editor da"Nature"). O livro trata as questões darelatividade e do "Big Bang", expõe ateoria da velocidade da luz variável doautor e trata também as dificuldades quea disseminação desta teoria tem conhe-cido. Enquanto se aguarda a ediçãoportuguesa, anunciada pela Gradiva paraa Primavera, podem-se consultar naInternet interessantes recensões sobre olivro. Ele mereceu críticas no suplementode livros do "New York Times"(http://www.nytimes.com/2003/02/09/books/review/09JOHNSOT.html) e, aindamais interessante, no "Chronicle ofHigher Education" (http://chronicle.com/free/v49/ i23/23a01401.htm), para nãofalar já no "The Economist" (http://www.economist.com/books/displayStory.cfm?story_id=1559599).A revista de cultura científica "Seed", se-diada no Canadá, publica no seu últimonúmero uma extensa reportagem-entre-vista com João Magueijo (curiosamentehá também uma entrevista com outrocientista português, António Damásio).

OUTRO TÍTULO PROVOCADOR

"Como Construir uma Máquina doTempo"Paul Davies Gradiva, 2003

O físico britânico Paul Davies, professornuma universidade australiana e autor denumerosas obras de divulgação científica(27), algumas das quais traduzidas emportuguês, como "O Átomo Assom-brado" (com J. Brown) e "Superforça",tenta, nesta obra de título provocador,especular sobre as possibilidades deviajar no tempo. O livro é pequeno e lê-secom bastante interesse. A tradução éboa. Só não se entendem bem algumasliberdades tomadas quanto à escrita dealguns termos científicos, como "buraconegro", que aparece grafado "buraconegro"(isso mesmo, sem espaço nem hífen).

AS PSEUDOCIÊNCIASESCALPELIZADAS

"Feiticeiros e Cientistas. O ocultodesmascarado pela ciência"Georges Charpak e Henri BrochGradiva, 2002

Foi um enorme êxito de vendas no paísde origem, a França. Georges Charpak foigalardoado com o Nobel da Física pelosseus trabalhos no domínio dos de-tectores de partículas (e Doutor HonorisCausa pela Universidade de Coimbra).Com o seu colega Henri Broch, pro-fessor da Universidade de Nice (França),dedica-se neste livro a atacar um dosmales do nosso tempo: as pseudo-ciências ou ciências ocultas (como aastrologia ou a telepatia), a superstição, ademagogia e a estupidez. Todos osesforços no sentido em que aponta estemuito interessante livro serão poucos,dada a força espantosa do oculto. Mas oêxito do livro em França (que oxalá serepita em Portugal) leva-nos a teresperança.

C. F.

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"Explora a Ciência em Acção"Dorling Kindersley - Civilização, 2002

Embora sem ter o exclusivo, a editoraCivilização do Porto tem publicado al-guns dos melhores livros da editora bri-tânica Dorling Kindersley, uma empresado grupo Penguin. Neste magnífico livro,as duas editoras aparecem associadas,estando na capa os dois logotipos.A Dorling trouxe-nos um estilo incon-fundível de livros, principalmente parajovens mas também para adultos. Asimagens abundam, entrecruzando-secom pequenos textos, fazendo do livroquase que um produto multimédia (sófalta o som e o vídeo). Para fazer estaespécie de enciclopédias ilustradas, éóbvio que não chega um autor, sendonecessária toda uma enorme equipaeditorial - é por isso que este livro nãotem autor. Por outro lado, a produção grá-fica de um produto deste tipo tem de seresmerada, não admirando por isso queeste livro tenha sido feito em Barcelos, Sin-gapura e Verona, num exemplo do que éhoje a globalização no sector livreiro.Mas falando do conteúdo: o originalintitula-se "The Way Science Works",concentrando-se o livro nas ciências fí-sicas. Discute-se a matéria, os átomos eos elementos, forças e energia, calor esom, luz e calor e electricidade e mag-netismo. As ilustrações são magníficas,constituindo um forte elemento apelativo.O método das ciências físicas é exem-plificado com numerosas experiênciasque se podem fazer em casa. É dada (ebem) atenção aos aspectos de segurança.Em resumo, um livro que convida àciência num país que tanto precisa dela...

"História da Ciência e da Tecnologia.A Revolução Científica"Marta StefaniAsa, 2001 (reedição em 2003 para oJornal de Notícias)

Este é o volume 21 de uma colecção - a"Enciclopédia Pedagógica Universal",dirigida por Giovanni Carrada (e edi-tada no original pela DoGi, uma editorasediada em Florença), que depois deuma edição pela Asa, que ainda se podeencontrar nas livrarias (a SPF dispõe deuma colecção, que pode ser consultadana sede), surge num formato maior enum preço melhor, numa edição do"Jornal de Notícias". Esta enciclopédia,de 24 volumes é um conjunto daquilo aque o editor chama "hiperlivros", isto é,livros que fazem a concatenação dosassuntos através de uma sinalizaçãoespecial, podendo passar-se facilmentede uns temas para os outros. Os conteú-dos estão em geral actualizados e a rela-ção preço-qualidade na edição do "Jornalde Notícias" é bastante boa. O único se-não é que a edição do livro é limitada,nem sempre se encontrando nos quios-ques. Mas pode sempre fazer-se a res-pectiva encomenda...

"Os Gatos do Laboratório Vêem a Luz,Um olhar sobre a Luz e o Som"Russel StannardCírculo de Leitores, 2001

É uma colecção para os mais novos sóacessível no circuito do Círculo de Lei-tores. O original ("The Lab Cats See theLight") é da editora Marschall, do ReinoUnido, estando já quatro volumes tra-duzidos em português. Um simpáticoconjunto de sete gatos ensina às crian-ças, neste livro, como funciona a luz e osom. Há perguntas para serem res-pondidas pelos petizes e um glossário nofim para os ajudar nalguns termos maisdifíceis. O design, incluindo as cores, estábem escolhido para a faixa etária a quemse destina (serve para a pré-primária seforem os pais a ler). Sobre o autor fala--se na referência seguinte.

LIVROS PARA OS MAIS NOVOS

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"AAcademia do Dr. Dyer" Russel StannardEdições 70, 2002.

Russel Stannard é professor de Física naOpen University na Inglaterra. Os seuslivros juvenis sobre "O Tio Alberto"(inspirados em Albert Einstein) foramum grande sucesso de vendas em váriossítios do mundo. Em Portugal foram to-dos editados pelas Edições 70.Stannard tem-se interessado pelas rela-ções entre ciência e religião, tendo ga-nho distinções nessa área. Fruto desseinteresse, encontram-se traduzidos aindanas Edições 70 títulos como "A CuriosaHistória de Deus" e "Ciência e Religião".O presente volume destina-se a adoles-centes. O que se pode ler na contracapaé bastante sugestivo: "O mundo está àbeira do caos científico; os aparelhos jánão funcionam, a Internet falhou; e,num pequeno colégio, o nosso herói,Jaime, vê-se enredado num plano malé-volo". Como se lê, a ficção pode cruzar-secom a ciência de um modo profícuopara as duas!

C. F.

BOLETIM "EM ÓRBITA"

Onde é que pode ser encontrada toda a informação - ou quase toda - em línguaportuguesa sobre Astronáutica e os lançamentos espaciais mais recentes? A res-posta está no "Boletim Em Órbita", uma publicação mensal de Rui C. Barbosa,membro da Sociedade Planetária - Portugal. A versão electrónica desta publi-cação pode ser consultada, em exclusivo, na secção de Astronomia e Voo Espa-cial do "site" brasileiro Zênite (http://www.zenite.nu), que se dedica à divulgaçãocientífica, com especial ênfase na Astronomia.

Na última edição do "Em Órbita" posta em linha (número 23, ano 2, referente aFevereiro de 2003) está disponível a terceira parte de uma nova secção,"Cronologia Astronáutica", da autoria de Manuel Montes, cujo objectivo é listaros acontecimentos que compõem a história da exploração espacial. Inclui ainda ocalendário dos próximos lançamentos não tripulados e sub-orbitais do correnteano, assim como quadros de lançamentos. São de referir ainda os voos espaciaistripulados - novas tripulações para a ISS e Soyuz TMA-1 (ISS-5S) Odissea.Para quem estiver interessado numa informação sempre actualizada sobre estestemas, a consulta do site http://groups.yahoo.com/group/em-orbita écomplementar.

Rui C. Barbosa, pode ser contactado através de [email protected] ou escrevendopara R. Júlio Lima, 12 - 2º, 4700-393 Braga. Estes endereços servem tambémpara solicitar o envio regular do "Em Órbita".

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OPINIÃO

A paz no Médio Oriente é muito frágil: por que não uti-lizar a física para levar as pessoas a encontrarem-se e co-nhecerem-se melhor? As dificuldades são evidentes. Háduas que é preciso contornar com cuidado. A primeira éque os israelitas estão muito avançados em relação aosEstados árabes neste domínio. Eles têm inúmeros físicosde reputação mundial e prestigiados centros de investigação.Os israelitas não podem ensinar a física aos egípcios ouaos jordanos, pois estes últimos não aceitam ser colocadosem situação de inferioridade. Estamos muito longe da si-tuação que prevalecia nas relações Este-Oeste nos anos1960. É preciso, pois, que os americanos e os europeusintervenham também para que, pelo menos em determi-nados cursos, israelitas e árabes se encontrem nos mesmosbancos. A segunda dificuldade vem do facto de a física jánão ter o prestígio que tinha nos anos 1960. Os governosárabes não sentem necessidades particulares em formarmelhor os físicos, a ponto de favorecerem os seus con-tactos com Israel. É preciso partir do interesse dos própriosfísicos esperando que isso possa ser contagiante.

O Comité de Cooperação Científica do Médio Oriente(MESC) criado por Sergio Fubini, um célebre físico ita-liano durante muito tempo membro do CERN, de quefoi um dos directores, conseguiu assim organizar umareunião no Sinai, em Novembro de 1995. Foi uma reuniãode física de uma semana que juntou, cerca de 120 pessoas,com bons contingentes de egípcios, jordanos, israelitas epalestinianos. Havia também alguns europeus e americanos,entre os quais o célebre Edward Witten e tambémRobert Laughlin que viria a obter pouco tempo depois oPrémio Nobel. Tudo se passou o melhor possível; foi for-midável ver todas essas pessoas encontrarem-se, aprende-rem a conhecer-se, a discutir física, mas também muitasoutras coisas. Tínhamos o apoio das autoridades. A reu-nião fora inaugurada pelo Ministro da Investigação doEgipto, o Presidente da Academia das Ciências de Israele o Director Científico da UNESCO, que por acaso erajordano. O Presidente da Sociedade de Física Palestinianaestava lá e, gesto simbólico, os participantes palestinianostinha vindo no mesmo autocarro que a maior parte dosisraelitas. De cada um dos lados, tínhamos sobretudo"pombas", mas também alguns "falcões". O interessepela física, os elos de amizade existentes entre organizadores

e participantes, e o prestígio das conferências tinham reu-nido toda a gente. Contudo, um mês antes, nada dissoteria sido possível após o revoltante assassinato de Rabin.

Esta reunião de Dahab foi uma aventura extraordinária.Tínhamos a impressão de contribuir um pouco para o pro-cesso de paz. Com isso em mente, fora prevista umanova reunião entre Jerusalém e Belém, onde se encontrauma universidade palestiniana, para o ano seguinte. A si-tuação política mudou, como se sabe, e foi preciso aban-donar esse projecto. Um projecto tão simbólico era dema-siado ousado para o tempo presente. A reunião foi deslo-cada para Turim, região neutra e justificada pelo facto degrande parte do financiamento disponível vir da FundaçãoAgnelli/Fiat. Mas os trabalhos arqueológicos sob asgrandes mesquitas de Jerusalém e as manifestações repri-midas que se lhes seguiram revelaram o limiar de partici-pação demasiado elevado. Muitos colegas árabes esperadosrecusaram-se a vir ao encontro dos israelitas, mesmo emTurim. No ano seguinte, a reunião prevista pôde ter lugar,em Turim. Não se deve, pois, perder a esperança e per-severar. Talvez que em breve se possa pôr a hipótese deuma nova reunião no Médio Oriente. Tudo isso poucorepresenta no processo de paz, mas é com um grandenúmero de acções desse tipo que se consegue finalmentequebrar os receios e aproximar os povos. Foi nessa reuniãode Turim que ganhou corpo a possibilidade de transferirpara o Médio Oriente, depois de o ter melhorado, umsincrotrão que a Alemanha estaria pronta a dar. A radiaçãosincrotrónica é um instrumento de trabalho extraordinárioem inúmeros domínios científicos, da ciência dos materiaisà biologia, e também na indústria. É um domínio sonhadopara criar um laboratório internacional onde os cientistasdo Médio Oriente se encontrariam e poderiam mesmo co-laborar. É ainda preciso obter os acordos necessários e ofinanciamento regular imposto pelo seu funcionamento.A UNESCO deu o seu apoio ao projecto e tenta pro-movê-lo o melhor possível sob o nome de SESAME. Ofuturo próximo dirá se a ideia é realizável ou se peca porexcesso de ambição.

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FÍSICA E PROCESSOS DE PAZ

MAURICE JACOB

Físico Teórico de Partículas, ex-director da European Physical Societye ex-chefe da Divisão de Estudos Teóricos do CERN.

Texto retirado do livro "No coração da matéria. A física daspartículas elementares", Instituto Piaget, Lisboa, 2002. Agrade-cemos ao Instituto Piaget a autorização para transcrição.

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NOS PRÓXIMOS NÚMEROS

“CORDAS, CABOS E OUTROS OBJECTOS

DEPENDURADOS"

Diogo Oliveira Silva

"TEORIAS COSMOLÓGICAS ANTIGAS"

Luís Bernardo

"FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO 1º CICLO DO

ENSINO BÁSICO"

Francisco Cid e Maria José Almeida