galego e português no discurso sobre a língua de manuel ... · importância do substrato céltico...

25
José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 133 Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel Murguía José Ángel García López – [email protected] Universitat d’Alacant Resumo O debate sobre a relação do galego com as outras línguas peninsulares centrou a atenção de muitos intelectuais durante o século XIX. Dentro do movimento conhecido como Rexurdimento, ocupa um lugar fundamental Manuel Murguía, impulsor e primeiro presidente da Real Academia Galega. A incorporação da língua como elemento coesivo e definidor da identidade diferencial da Galiza, junto com a reivindicação expressa do seu uso oficial, difusão social e cultivo literário, faz parte do discurso galeguista com as teorias de Murguía. Aliás, Murguía exprime a unidade do galego e do português, a qual ultrapassa as fronteiras geográficas e políticas. Abstract This essay deals with the relations of the Galician language with other languages during the 19th century. Inside the movement known like Rexurdimento, Galician writer Manuel Murguía occupies a fundamental place as leader and first president of the Real Academia Galega. The incorporation of the language like an element of the differential identity of Galicia and its significance, as well as the claim expresses of his official use, social diffusion and literary works, are part of Galician political speech from the theories of Murguía. In addition, Murguía expresses the union of Galician and Portuguese languages, which exceeds the geographic and Actas del II Congreso Internacional SEEPLU - Difundir l/a Lusofonia Cáceres: SEEPLU / CILEM / LEPOLL, 2012.

Upload: phamhanh

Post on 06-Nov-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 133

Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel Murguía

José Ángel García López – [email protected] Universitat d’Alacant

Resumo O debate sobre a relação do galego com as outras línguas peninsulares centrou a atenção de muitos intelectuais durante o século XIX. Dentro do movimento conhecido como Rexurdimento, ocupa um lugar fundamental Manuel Murguía, impulsor e primeiro presidente da Real Academia Galega. A incorporação da língua como elemento coesivo e definidor da identidade diferencial da Galiza, junto com a reivindicação expressa do seu uso oficial, difusão social e cultivo literário, faz parte do discurso galeguista com as teorias de Murguía. Aliás, Murguía exprime a unidade do galego e do português, a qual ultrapassa as fronteiras geográficas e políticas.

Abstract This essay deals with the relations of the Galician language with other languages during the 19th century. Inside the movement known like Rexurdimento, Galician writer Manuel Murguía occupies a fundamental place as leader and first president of the Real Academia Galega. The incorporation of the language like an element of the differential identity of Galicia and its significance, as well as the claim expresses of his official use, social diffusion and literary works, are part of Galician political speech from the theories of Murguía. In addition, Murguía expresses the union of Galician and Portuguese languages, which exceeds the geographic and

Actas del II Congreso Internacional SEEPLU - Difundir l/a Lusofonia Cáceres: SEEPLU / CILEM / LEPOLL, 2012.

Page 2: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 134

Introdução

Neste ensaio apresentamos um estudo sobre as línguas galega e portuguesa na obra de Manuel Murguía (Froxel-Oseiro, Arteixo, 1833-A Coruña, 1923) mediante a aproximação às teorias que este intelectual exibe nos seus textos. Quanto à estrutura do nosso trabalho, oferecemos primeiramente uma breve referência à língua como traço de coesão no facto diferencial galego. A seguir, visamos a importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a configuração do idioma. Além disso, julgamos salientável a análise que Murguía faz em torno da situação social da língua na Galiza e a procura de um modelo de língua na altura. No que respeita a este assunto, cremos apropriado comentarmos as concomitâncias intrínsecas das línguas galega e portuguesa do ponto de vista do intelectual galego desde duas vertentes: a sincrónica, pois Murguía reúne nos seus razoamentos elementos muito diversos, e a diacrónica, em atenção à evolução que as suas formulações experimentam com o passar do tempo. Por último, o ensaio fechar-se-á com as conclusões que extraiamos do nosso estudo das ideias linguísticas de Murguía.

A língua, elemento central do facto diferencial galego

Ideologicamente, Murguía foi sempre um defensor do seu idioma materno: “Puedo decirlo, porque de ello soy por mis años testigo irrefutable. Cuando yo era niño, todos a mi alrededor hablaban gallego” (Murguía 1906: 127). A sua preocupação pela língua própria da Galiza vemo-la refletida nos seus trabalhos em prosa, onde aparece como elemento coesivo e definidor da nacionalidade galega. Convém salientarmos que a ideia murguiana

Page 3: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 135

de nação remete para uma conceção de tipo orgánico-historicista con raiz germânica adotada pela intelectualidade galega de finais do século XIX e do primeiro terço do século XX (González Beramendi 1986: 381-394). Perante o raciocínio mecânico e um universalismo abstrato que atuariam como critérios de legitimidade da nação, pensadores alemães como Herder (1744-1803) opõem um universalismo baseado na história peculiar de cada povo (Volk), definido como entidade suprapopular que se manifesta numa cultura particular, uma tradição, uma língua, uma religião e uns costumes que dotam a nação de um caráter nacional único e irrepetível, o espírito do povo (Volkgeist). Para além de possuir consciência de si mesma e umas características étnicas, históricas e territoriais específicas, a nação para Murguía é uma comunidade que tem uma língua própria. Assim, o idioma adquire a consideração de elemento central da afirmação nacional em Murguía, sabedor de que o povo que deixa morrer a sua língua perde a sua condição de entidade diferenciada (Murguía 1889c: 271). Esta premissa fica exposta no livro La primera luz, onde Murguía atesta a identificação existente entre a coletividade e a língua por ela criada:

(...) que en él hablaron nuestros padres, y que nosotros no debemos, no digo ya olvidarlo, sino amarlo, venerarlo, como la preciosa herencia que nos han legado nuestros antepasados. Amad el lenguaje en que hablamos todavía; ¡el pueblo que olvida y escarnece su idioma, ese pueblo dice al resto del mundo que ha perdido su dignidad! (Murguía 1868: 13).

Obviamente, esta argumentação procura uma atitude positiva dos falantes cara à língua, ao pular a sua valia como signo de identidade coletiva. As formulações que expõe Murguía inserem-se na tradição da ideolinguística romântica alemã (Humboldt 1991: 61-

Page 4: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 136

66), como conferimos na radical negação da mera instrumentalidade da linguagem e na reivindicação das suas dimensões expressiva e pragmática:

No sabe castellano y habla en el dulce lenguaje de su tierra nativa, en el lenguaje en que hablaron sus abuelos! (...); es un dialecto en que pueden expresarse con más dulzura, con más suavidad, con más cariño que en ningún otro, todos los pensamientos y todas las ideas (Murguía 1868: 12-13).

O galego, em qualidade de elemento constitutivo da etnicidade diferencial do país e com as reivindicações expressas do seu uso oficial, difusão social e cultivo literário, faz a sua aparição como postulado do discurso político galeguista a partir das teorizações murguianas. Murguía refere-se à necessidade de restituir a língua própria da Galiza à condição de língua literária como contributo para a normalização do seu uso na sociedade:

La reacción contra la funesta tendencia a aniquilar las lenguas particulares, sacrificándolas en el altar de la dominante en el estado, empezó pronto; por cuanto vive y tiene raíz en el corazón y en el amor del hombre, se niega a perecer. En Cataluña, el triunfo fué rápido y completo, pues tenía toda una importante y numerosa literatura anterior, manteniendo viva la tradición de su lengua (...). Esperemos que en Galicia se obtenga pronto el mismo resultado que en Cataluña, pues siendo tan intenso el dominio del gallego, y tan de nuestra predilección, puede hacerse fácilmente que afirme su poder en el corazón y en el labio de sus hijos (Murguía 1907: 106-107).

Contudo, a reivindicação da língua galega como idioma exclusivo da Galiza não figura nos escritos dos intelectuais do regionalismo galego. A meta explícita das suas demandas centra-se na co-oficialidade, que seria solicitada cronologicamente pela primeira vez por Murguía em 1889: “Desea que su lengua sea tan

Page 5: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 137

oficial como la del Estado: Que los que hayan de administrar justicia y de dirigir la conciencia del hombre en nuestro país, sean escogidos de entre sus hijos” (Murguía 1889c: 269).

A questão do substrato celta

Para finais do século XVIII, com o descobrimento da família linguística indo-europeia e a conversão da linguística em ciência humanística com métodos e resultados firmes, aquilo que era uma única família linguística transforma-se para os ocidentais numa raça indo-europeia ou ária, que foi dividida pela sua vez em sub-raças que se fizeram coincidir com os antigos povos europeus. Em virtude das ideias comummente aceitadas no século XIX, Manuel Murguía, apoiado por outros intelectuais galegos como Verea e Aguiar ou Martínez Padín, elabora uma teoria céltica em matéria de língua onde o idioma e a raça aparecem indissoluvelmente unidos. Portanto, Murguía defende, como Granier de Cassagnac em relação ao francês ou João Pedro Ribeiro relativamente ao português, que o galego existia com anterioridade à dominação romana. Mas contrastar a premissa dos românticos alemães de que a língua própria é a conformadora do pensamento e o jeito de ser de um povo com a tese de que a mudança de língua implica a degeneração dos povos provoca uma objeção muito séria ao discurso de Murguía: como explicar a preeminência do caráter céltico do galego sem que sofresse uma deturpação radical após da latinização linguística? Esta questão é exprimida por Murguía sem renunciar ao prestígio que outorga ao galego a sua proximidade a respeito do latim, facto francamente contraditório: “El dialecto gallego es uno de los que en España conserva más puro su origen latino, y en el cual se advierte a cada

Page 6: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 138

paso las huellas poderosas de los antiguos idiomas célticos, que se hablaban en Galicia antes y durante la dominación romana” (Murguía 1868: 14-15).

Posteriormente, embora admita a origem neolatina do galego, Murguía relativiza-a sublinhando a quantia e importância dos elementos célticos que confere através do estudo etimológico (Renales Cortés 1996: 181-196): “(...) la lengua que nos es propia, hija del celta, modificada por el latín, sobre todo el eclesiástico, enriquecida por el habla y sentimientos suevos, y ajena a toda influencia árabe, es la corriente en Galicia y gran parte de Portugal...” (Murguía 1901: 306).

Murguía não dispunha dos extraordinários conhecimentos atuais da ciência filológica, mas talvez não ignorasse as teorias do estudioso italiano Ascoli (1829-1907), sobretudo o conceito de substrato linguístico que influiria em linguistas como Menéndez Pidal ou Tovar. Para Ascoli, a fonética autóctone influiria decisivamente na configuração não só da língua nacional, de modo a subsistirem certos traços de substrato noutra língua adquirida (Vàrvaro 1988: 127-129). Assim, Murguía minimiza o ascendente do latim na língua galega, porquanto a fala celta teria influído modificando-a naquilo que para Murguía é a essência da língua: a fonética. O nosso autor acreditava este fenómeno nas páginas de La primera luz: “El hombre -dice un sabio moderno- lo último que pierde es el acento natal. No os avergoncéis, pues, de ser como los hombres, ni os cause risa oír hablar como hablaron vuestros abuelos” (Murguía 1868: 14). Murguía define o sotaque galego como elemento diferencial perante a fonética castelhana, integrando-o desta maneira na sua particular enunciação étnica, biológica e fisicista da Raça. Em resumo,

Page 7: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 139

a língua constitui um elemento de interesse pelo seu caráter histórico, hereditário, pois a sua condição de cadeia garante a continuidade histórica de uma especificidade nacional diferencial.

A situação sociolinguística e a procura de um modelo de língua

A posição de Murguía diante da situação social do galego é fruto de uma determinada postura ideológica e social, coisa que visamos quando ele comenta com aflição o retrocesso experimentado pela língua ao não ser promovido o seu estudo e ensino nos programas académicos da época (Murguía 1880: 116) e ficar deslocada dos lábios das classes elevadas: “En mi niñez oí hablar el gallego en mi casa y fuera de ella a personas tan sabias y discretas como las que lo sean más en otros países. Lo hablaban preferentemente las clases nobiliarias” (Risco 1976: 181). Quando apontar o monolinguismo maioritário do médio rural em contraposição com a realidade das cidades, os agentes sociais que para Murguía colaboram na marginação da língua são as classes médias e a nobreza, que contribuiriam para o espalhamento de um complexo de inferioridade entre os galegofalantes. Por outro lado, ficam os galegos cultos que abandonam o cultivo da sua língua materna: “Cincuenta años bastaron para que las clases elevadas que antes no entendían cometer faltas usando el lenguaje que todos entendían, hayan cambiado” (Murguía 1906: 127).

Na hora de analisar o imaginário sociolinguístico, Murguía destaca a renúncia que ele julga consequência de uma imposição dos Reis Católicos, facto que implicaria o desleixo da língua na escrita:

Éio tanto, meus señores, que naqueles tempos en que a hexemonía castelán imperaba sobre as diversas nacións do

Page 8: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 140

Estado español, a poesía gallega tan poderosa e extensiva nos sigros XIII e XIV, enmudeceu do todo. Non se oía outro acento aquí que o da musa chabacana: única mostra do esprito literario permitido ós pobos escravos. Escravos éramos, ende mal, e da peor casta (...). Cadeiras de Universidades, cadeiras de obispados e mosteiros, compríanlles a eles: nós non tíñamos nada que ver co esas cousas de señores, nin servíamos pra máis que dar e manter soldados e mariñeiros (Murguía 1891: 2).

Porém, devemos interpretar que, de considerar Murguía que as classes nobres, pelo acesso à cultura literária, poderiam conservar uma língua mais pura, não se deve sobreentender que o escritor galego desdenhe a fala do povo. Pelo contrário, é um meio de dignificar o galego ao ultrapassar o seu âmbito de utilização o mundo rural e o contorno coloquial:

Y aquí ha de advertirse -pues hay muchos que juzgan el pasado por el presente- que la lengua gallega hablada en el país hasta hace sesenta años, no es en verdad la que hoy conocemos y hablamos en las ciudades. Llegó pura hasta principios del siglo, y bien se deja comprender que, para que perseverase culta y perfecta, necesitaba, a falta de su cultivo literario, que fuese común a todas las clases sociales. Lo fué. La hablaban todas, pero en especial las clases nobiliarias. Aun hoy son éstas las que mejor la hablan y la hablan con predilección (Murguía 1889b: 254).

(...) á dos pasos de La Coruña, en campos donde se oye el rumor del mar de la ciudad vecina (...) surge pujante y florece varia, rica, profusa casi, en giros y en vocablos, la lengua que hablaron nuestros trovadores, la que hoy hablamos ciudadanos y campesinos, la que ensalzan nuestros poetas, la que aman los hijos del país y á la cual rendimos todos, sí, todos, el holocausto de nuestra abnegación y filial cariño (Murguía 1915: X-XI).

Em 1865, Murguía declarava que seria necessário “un gran poeta, al mismo tiempo que un gran conocedor de nuestro dialecto, costumbres y sentimientos, para que nos diese no sólo el modelo de

Page 9: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 141

nuestra poesía, sino también de nuestra lengua literaria. Galicia espera, todavía, ese gran poeta” (Murguía 1901: 290). De facto, Murguía parece inclinar-se por um estilo de língua popular, o que não constitui um obstáculo relativamente ao seu marcado elitismo político-cultural. Assim julgava Murguía os escritores em galego anteriores a Rosalía de Castro:

Hombres más amantes de las cosas de su país que verdaderos poetas, intentaron levantar la poesía provincial, sucediendo de este modo lo que no podía menos de suceder, que atrajeron sobre sí, y conjuntamente sobre el idioma que escribían, el ridículo que alcanza a todo mal poeta. Cabalmente para lo que se necesita más genio, es para hacer pasar una lengua vulgar al uso y dominio de la poesía, y carecían algunos de nuestros poetas, no sólo del ingenio de los Jasmin, Roumanilles, Mistral, etc., sino hasta del gusto; eran malos poetas y por lo mismo malos hablistas (Murguía 1901: 293).

Torna-se evidente que Murguía não estimava que a praxe linguística destes autores tendesse para à formação de um galego literário. Esta aspiração estaria implícita até certo ponto no pensamento de Rosalía, de acordo com o exposto pelo seu marido:

Pero lo que más ponderaba era ver escrito el libro en aquel dulcísimo dialecto que había hablado en su niñez. Ponderaba sobre manera hallarle despojado de las voces bárbaras y giros prosaicos con que tantos mancharon la lengua y la poesía gallega (...). Hasta entonces nadie había hablado nuestra lengua con más pureza ni mejor acierto (Murguía 1886: 189).

Murguía acredita no galego de Rosalía como modelo de língua literária, apesar de que a escritora de Padrón declare explicitamente no prólogo de Cantares gallegos a filiação oral e coloquial do seu galego: “Sin gramática nin regras de ningunha cras, o lector topará moitas veces faltas de ortografía, xiros que disoarán ós oídos dun

Page 10: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 142

purista” (Castro 1863; 1989: 43). Isto não empece os elogios de Murguía, quem acha impecável a lírica rosaliana das perspetivas da forma e do conteúdo. Assim o corroboram as suas palavras: “Mi inolvidable esposa escribió en idioma gallego su primer tomo de poesía, no por ansia de gloria o lo que sea, sino porque perteneciendo a una familia nobiliaria, que como todas las de su tiempo hablaban gallego, le molestó leer algunas composiciones que amén de las faltas de inspiración las tenían de gramática y hasta de sentido” (Naya 1950: 102).

Em puridade, desconhecemos a identidade dos escritores que mereciam tal menosprezo pela parte de Murguía. Na sua Historia de Galicia, o Patriarca unicamente salva Alberto Camino e Francisco Añón dos autores anteriores a Rosalía, quer dizer, aqueles que figuram no Álbum de la Caridad (Vicente Turnes, Xosé María Posada, Antonio de la Iglesia...). Em qualquer caso, Murguía parece ser consciente de que o cultivo de uma língua em prosa supõe um labor de caráter mais complexo e uma focagem sociocultural mais ampla do que o simples cultivo poético, parcela em que o galego se vê confinado pelos seus detratores (González Seoane 1991: 275-287). Nos últimos anos da sua vida, Murguía pulou como presidente da Real Academia Galega a elaboração de uma gramática e de um dicionário para sistematizar a língua (Murguía 1905a: 1-2). Se os historiadores demonstrarem a história própria da Galiza, os gramáticos tinham vontade de provar que o galego podia ser submetido a regras igual que o resto das línguas do seu contorno. Muitos anos antes, Xoán Manuel Pintos editara A gaita gallega, obra em que pedia a criação de uma academia da língua e de uma gramática prescritiva (Pintos 1853: 69). Devemos fazer notar que as bases gramaticais que existiam eran

Page 11: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 143

muito fracas, apenas o Compendio de gramática gallega-castellana de Mirás e a Gramática gallega de Saco e Arce, pois o trabalho de Valladares ficaria inédito até 1970. Todas elas são gramáticas miscelâneas, em que o emprego de ortografias diferentes, a assistematicidade dalguns critérios e a pluralidade dialetal são elementos comuns. As descrições gramaticais ficavam subordinadas ao castelhano porquanto traduziam paradigmas ou adaptavam patrões de correção prosódicos e sintáticos do castelhano até ultrapassar a realidade linguística galega ou bem ressaltavam só aquilo que resultava diferencial, dependência à que se deve em boa parte a falha de conteúdo teórico (Henríquez Salido 1986: 464-465).

Além disso, existia um problema fundamental: a seleção de uma variedade de língua comum. Ainda que nenhum autor do XIX exprime-se preferência por uma variedade, todos eles outorgavam uma certa primazia à fala que melhor conheciam, é dizer, a fala da sua área de procedência (González Seoane 1994: 75-88). Pelo contrário, Murguía acredita que a existência de variantes lexicais no galego, “que debería ser su muerte, se torna en fecundo venero del que el gallego extrae la gran riqueza de su diccionario” (Murguía 1901: 290). Tanto Ramón Máiz (1984: 248) como Fernández Belho (1986: 379) apontam um excesso de idealismo na consciência linguística de Murguía, cujo projeto consiste na depuração do léxico próprio através do rejeitamento de neologismos e empréstimos desnecessários. Sabedor da magnitude da empresa correspondente à fixação de um modelo linguístico, o Patriarca inclina-se por acudir ao português “antes de formar una lengua artificial, en cuyas celdas haya luego de encerrarse toda producción literaria” (Murguía 1907: 104-105).

Page 12: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 144

Considerações gerais sobre as línguas galega e portuguesa nos textos de Murguía

No que concerne às origens das línguas galega e portuguesa, Murguia reitera a conceção unitária do galego-português, particular sobre o qual se pronunciam em termos parecidos Carolina Michaëlis de Vasconcelos, José Joaquim Nunes ou Lang em contraposição a autores como Francisco Adolfo Coelho, Fidelino de Figueiredo ou o Padre Arlindo, entre outros. As ideias de Murguía ficam claras num dos capítulos do livro La primera luz, onde o afã por dignificar a língua própria da Galiza leva Murguía a julgá-la mais antiga do que a castelhana e inclusive a afirmar que esta deriva daquela, o qual implicaria a distinção de sê-lo primeiro idioma romance formalmente constituído na Península:

Formóse el gallego antes que el castellano, y llegó también a su perfección antes que éste. Es su padre, como lo es del portugués; ejemplo vivo de lo que podía llegar a ser el gallego, si en vez de corromperse y viciarse con voces y giros castellanos, hubiese aspirado a su perfección y sido un idioma nacional (Murguía 1868: 15-16).

Nestes parágrafos fica exposta a Gallaecia romana como núcleo germinal da língua, que historicamente veio de norte para sul. Tal opinião coincide com os argumentos enunciados por Sarmiento, Feijoo ou Teóphilo Braga, quem sustém que, com anterioridade à independência política alentada pelo conde dom Henrique, a língua falada nas duas beiras do Minho era comum, a qual teria de experimentar posteriormente determinadas evoluções no espaço português que explicariam a rutura da primitiva homogeneidade em que o galego tem o papel de língua primogénita, arcaizante e

Page 13: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 145

conservadora (Braga 1896: 149-151). Igualmente, Marcelino Menéndez y Pelayo opina que a origem do português foi a língua que passou da Galiza a Portugal e mesmo acredita que o primitivo instrumento do lirismo peninsular não foi o castelhano, mas “la lengua que indiferentemente, para el caso, podemos llamar gallega o portuguesa” (Menéndez y Pelayo 1923: IX-XIII).

À margem do referido, a relacão de ambas as línguas era um facto para os intelectuais galegos, que viam neste extremo um laço que dignificava o galego (Hermida 1996: 107-119). Assim o reconhece explicitamente Murguía: “La verdadera lengua, gallega o portuguesa -para el caso es igual-...” (Risco 1976: 180). “Tanto en las primeras fronterizas, como en la misma Beira, considerada como el corazón de Portugal, siempre creí hallarme en mi país y entre los míos. Todo era para mí igual, la tierra, las producciones, el hombre. La misma lengua, las mismas costumbres” (Murguía 1889c: 266). Aliás, o Patriarca adita que essa era uma questão demonstrada por Friedrich Diez na sua Gramática das línguas românicas. Na descrição que o filólogo alemão faz dos domínios das línguas românicas, Diez adscreve os dialetos no âmbito geográfico da correspondente língua literária, de modo a ficar patente o vínculo linguístico entre o galego e o português (Diez 1874: 91-92). Para além do autorizado parecer de Diez, Murguía apoia as suas teorias em autores como Sarmiento, quem, com base na Origem da lingua portuguesa de Duarte Nunes de Leão e no cancioneiro de Afonso X, julga que os trovadores dos quais fala o marqués de Santillana compuseram as suas poesias em língua galega (Mariño Paz 1991: 125-133). Este argumento seria posteriormente um dos pilares em que Murguía apoiaria a sua resposta a Juan Valera, recorrendo à literatura para reivindicar o

Page 14: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 146

galego como língua de cultura (Risco 1976: 182-183). O escritor andaluz publicara nas páginas da Revista Crítica em 1896 uma recensão ao tomo terceiro da obra de Francisco Pablo García “La literatura española en el siglo XIX”, recensão onde aduzia que só existiam três línguas de cultura na Península e, por conseguinte, três literaturas: a castelhana, a catalã e a portuguesa. Valera julgava necessária a união da literatura feita em Catalunha com as realizadas em Valência e Maiorca e, analogamente, subordinava a expressão literária galega à escrita em língua portuguesa por razões de parentesco e primazia histórica. A forma originária do português seria aquela em que está composta a lírica trovadoresca dos cancioneiros medievais, enquanto a língua galega teria a categoria de dialeto moderno do português na Galiza (Valera 1968: 890-901). Coincidimos com Henrique Monteagudo ao assinalar que Murguía, na sua resposta a Juan Valera, não contradiz o argumento central daquele: a possibilidade de adotar o padrão português na expressão escrita (Monteagudo 2001: 234-235). Porém, Murguía argumenta em prol da legitimidade do processo de constituição de uma literatura autónoma:

Así y todo, se da el caso, que la lengua gallega, una con la portuguesa, fue tan cultivada literariamente como cualquiera otra de las de Europa, hasta mediados del siglo XVI (…). A la literatura catalana no la manda unirse con la provenzal, como a la gallega, la cual endosa a la portuguesa. En buena lógica, las razones que pueden aconsejar esto último, militan respecto de catalanes y provenzales (Risco 1976: 181-182).

Os autores do movimento cultural e político da Galiza conhecido com o nome de Rexurdimento eram conscientes de que só a medida em que uma comunidade possuidora de uma língua e cultura próprias defendesse a sua identidade poderia favorecê-lo seu

Page 15: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 147

mantimento e consideração. Daí que o seu labor se orientasse cara à subministração de argumentos que contribuíssem para a valorização da utilização do galego como língua habitual em todos os âmbitos (Hermida 1992: 90-142). Cabe sublinharmos que a reivindicação da autonomia do galego nesta etapa histórica se insere dentro de uma estratégia geral de dignificação do povo galego que tinha como objetivo na altura a construção de uma identidade galega diferenciada da espanhola. Para os galeguistas decimonónicos, uma premissa dessa construção nacional é a criação de um discurso sociolinguístico que negue a subordinação do galego perante o castelhano (Mariño Paz 1995: 81-87). Portanto, a inegável identidade histórica entre galego e português não representa nenhuma arrelia, como proclama abertamente Murguía nos seus textos:

Una y otra lengua son totalmente lo mismo, en sus orígenes, en su desenvolvimiento, en sus condiciones (…), excepción hecha del acento, que tanto diferencia un vocablo pronunciado con ésta o con la otra entonación, apenas si hemos hallado gran diferencia entre el gallego que dejábamos acá del Miño y el portugués que se habla desde la orilla de nuestro río bienamado, hasta las márgenes del Duero (Murguía 1907: 104-105).

A situação social na Galiza do século XIX não pulava o emprego do galego como veículo de comunicação culto, circunstância que temos de ligar às condições sociopolíticas próprias do século, com um desinteresse total dos governantes por legislar em favor do galego nem por o incorporar à documentação oficial (Lorenzo 1986: 7-22). Como consequência do processo diglóssico que existia na altura, o termo ‘dialeto’ aplicado pelos hispanistas à língua galega relacionava-se com o conceito sincrónico que denota uma língua não oficial. Indiretamente, acrescentava-se um preconceito, que associa a existência de variantes dialetais ou dialetos à corrupção de línguas ou

Page 16: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 148

a falas de povos sem cultura ou com uma cultura inferior (Rodríguez 1988: 340-350). Além disso, eram formulados critérios de supremacia baseados em pressupostos políticos, que são o que determinaria em última instância a existência de um idioma para intelectuais daquela época como Pardo Bazán: “Lengua nacional es tan sólo en el sentido político la que logra prevalecer e imponerse a una nación, y las demás que en ella se hablan dialectos” (Pardo Bazán 1888; 1984: 39).

Murguía não assume as críticas de Valera cara à língua galega devido à ausência de produção literária na Galiza durante os denominados “Séculos escuros”, mesmo quando evidenciar a carência na altura de um padrão: “(...) basta con recordar al autor de Mireya para saber con que estos dialectos agonizantes se pueden escribir obras maestras y las obras maestras son las que salvan las lenguas en que se escriben” (Murguía 1879: 252). Por outro lado, o facto de engendrar o galego o idioma oficial de uma nação como Portugal legitimaria a aspiração do galego a ser considerado língua de cultura: “En gallego escribió sus Cántigas el inmortal monarca castellano, Don Alfonso X, llamado el Sabio, y muchos otros poetas de aquellos tiempos en que el gallego era un idioma formado, mientras que el castellano estaba todavía en su infancia” (Murguía 1868: 16). Murguia elege partilhar com o português a consideração de língua poética na etapa trovadoresca, o que confere à língua própria da Galiza maior relevância histórica e afoiteza pelo que atinge ao caráter nacional:

(...) lo cierto es que la producción poética de nuestra gente, fué, y aún hoy es, esencialmente lírica. A esto se debió, no sólo la gran producción que atestiguan los Cancioneros de la Vaticana y Colocci-Brancuti -equivocadamente dados como portugueses, por los editores italianos-... (Murguía 1905b: 30).

Page 17: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 149

A rica tradição da literatura medieval galego-portuguesa não esteve até 1878 a disposição de Murguía. Em 1875, Monaci edita en Halle o Cancioneiro da Vaticana, que na edição feita por Theófilo Braga três anos mais tarde constitui a primeira referência de consulta para os escritores galegos (Carballo Calero 1981: 385). Cinco anos depois, Molteni publicou a sua edição do Cancioneiro Colocci-Brancuti e em 1889 a Real Academia Española as Cantigas de Afonso X. Por último, a edição de Carolina Michaëlis de Vasconcelos do Cancioneiro da Ajuda sairia a público em 1904. Semelha plausível que Murguía não ignorava o caudal morfossintático, léxico e ortográfico das cantigas medievais (López 1991: 42), e podemos acreditar que não o conheceu de jeito serôdio se levarmos em conta as datas em que os autores citados deram à luz as suas edições dos Cancioneiros e as primeiras manifestações ao respeito do Patriarca, feitas em 1858: "Llenos están nuestros antigos cancioneros, de versos hechos en dialecto gallego, lo mismo los españoles que los portugueses" (Murguía 1998: 101).

Em consonância com o já visto no tocante a um ilustre passado literário comum, Murguía sublinha a identificação do galego com o português moderno. Eis um trecho extraído do discurso pronunciado polo nosso autor nos Jogos Florais de Tui:

¡O noso idioma!, o que falaron nosos pais e vamos esquecendo, o que falan os aldeans e nos hachamos á ponto de n'entendelo; aquel en que cantaron reys e trovadores (...); o hermoso, o nobre idioma que d'o outro lado de ese río é léngoa oficial que serve á mais de vinte millons d'homes e ten unha literatura representada pelos nomes gloriosos de Camoens e Vieira, de Garret e de Herculano; o gallego, en fin, que é o que nos da dereito â enteira posesión da terra en que fomos nados... (Murguía 1891: 2).

É de notar que Murguía não fala habitualmente de galego ou português atendendo às fronteiras geográficas, mas de uma

Page 18: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 150

supraestrutura linguística à qual o nosso autor dá o nome de galego. Só assim é possível compreender que Murguía declare que “el gallego es idioma nacional em Portugal” (1889a: 162). Tudo indica que o escritor percebe entre as duas línguas um continuum, e mesmo acrescenta que, caso de não ser reconhecido o status de idioma para o galego, este tem de ser considerado dialeto do português (Murguía 1886: 190). Embora o devir histórico não propiciasse finalmente a união de Portugal com a Galiza, o sentimento de parentesco idiomático e cultural entre ambos os povos é evidente, como indica Murguía quando cita a Oliveira Martins: “(…) la opinión general entre los escritores lusitanos es que, fuera de los Algarbes, las demás provincias portuguesas constituyen una entidad nacional que solo estará completa cuando se les una Galicia formando ‘una nación étnicamente homogénea desde Finisterre a Mondego’” (Murguía 1889d: 45).

De estabelecermos alguns confrontos sobre esta questão, Montero Santalha (1982: 52) fala de Murguía como reintegracionista convencido, mesmo que outros estudiosos como Carballo Calero (1977: 105) ou García Pereiro (1978: 365) discordem ao respeito. Do ponto de vista de Freixeiro Mato, os argumentos que Murguía emprega na sua resposta a Juan Valera legitimam ter uma literatura autónoma ao lado da portuguesa, facto que acreditaria escrever à margem do sistema ortográfico empregado em Portugal. É necessário aditar que outros intelectuais galegos coetâneos (Martínez Padín, Antonio de la Iglesia) também se declararam na altura partidários de uma identificação entre galego e português sem fusão no plano ortográfico (Freixeiro Mato 2001: 260-264). No entanto, no prólogo da obra inédita Rimas populares de Galicia, datado entre 1895 e 1906

Page 19: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 151

(Seoane 2000: 141), Murguía aposta pelo emprego da ortografia portuguesa enquanto não fosse elaborada uma normativa oficial para o galego. Esta atitude de Murguía evidencia uma manifestação de lusismo na praxe escrita, embora não reflita uma unificação definitiva a nível lingüístico. Com certeza, Murguía estimava em 1907 que o propósito da Real Academia Galega era fixar o léxico e a gramática da língua galega, que identifica com o idioma falado em Portugal, no Brasil e também na Galiza (Murguía 1906: 128). Por conseguinte, Murguía exprime a conveniência de acudir ao portugués com a finalidade de uniformizar com caráter definitivo parte do léxico galego, facto que poderíamos relacionar com as suposições de Carballo Calero em redor das lagoas de léxico específico que empeciam o seu cultivo de uma prosa didática (Carballo Calero 1981: 417):

El gallego se halla hoy, por su dicha, en las condiciones de un idioma en su formación, -yo creo que unas más que otras, todas las lenguas se hallan en el mismo caso- pues en definitiva lo son por esencia aquellas a las cuales la cultura literaria no ha fijado. Por fortuna el portugués llegó ya a ese punto y puede servirnos para contrastar las formas usadas nuevamente por los que ya la usaron en un principio (Murguía 1907: 105).

Conclusões

Uma vez analisadas as ideias linguísticas de Murguía, convém sublinharmos as numerosas referências à língua como alicerce da identidade galega nos escritos do nosso autor. Seguidor das teses de Herder quanto à conformação e à coesão de um povo pela ação da língua, o Patriarca sustém que na relação língua-coletivo o traço diferencial básico é a língua. Aliás, o discurso de Murguía sobre a

Page 20: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 152

língua incide, como a maioria dos autores do Rexurdimento, na importância das dimensões expressiva, estética e identificadora.

Por outro lado, Murguía refere-se ao galego desde a vertente sociológica quantificando a situação social do galego relativamente à extensão da língua castelhana entre os falantes e apontando que por trás do retrocesso do galego há fatores endógenos. Daí que Murguía postule uma recuperação do emprego social, normalizado e prestigiado, da língua galega. Neste sentido, o nosso autor opta por dotar os seus razoamentos de elementos que reforçam a ideia do galego como língua de cultura, bem acudindo ao rico passado lírico dos trovadores, bem através da comparação com o desenvolvimento conseguido pelo português. Cumpre salientarmos que Murguía se apoie muitas vezes no português para defender argumentalmente o galego e mesmo exiba um claro interesse no modelo português como possível recurso para a elaboração linguística e inclusive como meio de expressão.

Em definitiva, Murguía cria nas possibilidades da sua língua materna e tratou de dignificá-la e elevar a sua categoria, o qual teve como resultado a criação de uma Academia Galega para sistematizá-la e unificá-la. Para além da conceção do galego como elemento identificador dos membros da comunidade assentada na Galiza, a língua própria da Galiza é para Murguia a expressão de uma tradição cultural que irmana as terras galega e portuguesa.

Referências bibliográficas

Braga, T. (1896). Theoria da Historia da litteratura portugueza. Porto: Livraria Chardron.

Page 21: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 153

Carballo Calero, R. (1977). “Murguía contra Valera” in Grial. Revista galega de cultura, 55, pp. 102-105. Vigo: Galaxia.

Carballo Calero, R. (1981). Historia da literatura galega contemporánea. 3ª ed. Vigo: Galaxia.

Castro, R. (1863; 1989). Cantares gallegos. Vigo: Juan Compañel; 8ª ed. Madrid: Cátedra.

Diez, F. (1874). Introduction à la grammaire des langues romanes. Paris: Librairie A. Franck.

Fernández Belho, P. (1986). “Conceito de língua en Manuel Murguía e praxe idiomática en Rosalía de Castro” in García Sabell et al. Actas do Congreso Internacional de Estudios sobre Rosalía de Castro e o seu tempo. T. II. Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega-Universidade de Santiago de Compostela, pp. 373-381.

Freixeiro Mato, X. R. (2001). “Murguía, testemuña do declive do galego e adaíl da súa dignificación” in Barreiro Fernández et al. Congreso sobre Manuel Murguía. Arteixo, 2000. Santiago de Compostela: Xunta de Galicia, pp. 247-277.

García Pereiro, M. C. (1978). “Teoría da lingua galega en Murguía” in Grial. Revista galega de cultura, 61. Vigo: Galaxia, pp. 365-369.

González Beramendi, X. (1986). “Os referentes nacionais en Rosalía e no provincialismo galego” in García Sabell et al. Actas do Congreso Internacional de Estudios sobre Rosalía de Castro e o seu tempo. T. III. Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega-Universidade de Santiago de Compostela, pp. 381-394.

González Seoane, E. X. (1991). “O debate sobre o galego na prensa do XIX. Algúns datos para unha historia do antigaleguismo” in Grial. Revista galega de cultura, 110. Vigo: Galaxia, pp. 275-287.

Page 22: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 154

González Seoane, E. X. (1994). “Concepcións do galego estándar nos gramáticos galegos do século XIX” in Lorenzo (ed.), Actas do XIX Congreso Internacional de Lingüística e Filoloxía Románicas. Vol. VI: Galego. Romania Nova. Santiago de Compostela, 1989. A Coruña: Fundación Pedro Barrié de la Maza, pp. 75-88.

Henríquez Salido, M. C. (1986). “As gramáticas galegas do século XIX” in Fernández Belho et al. Actas do I Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza. Ourense, 1984. A Corunha: AGAL, pp. 443-467.

Hermida, C. (1992). Os precursores da normalización. Vigo: Xerais.

Hermida, C. (1996). “Galego e portugués durante o século XIX (1840-1891)” in Lorenzo e Álvarez (coords.). Homenaxe á profesora Pilar Vázquez Cuesta. Santiago de Compostela: Servicio de Publicacións da USC, pp. 107-119.

Humboldt, W. (1991). Escritos sobre el lenguaje. Madrid: Península.

López, T. (1991). Névoas de antano. Ecos dos cancioneiros galego-portugueses no século XIX. Santiago de Compostela: Laiovento.

Lorenzo, R. (1986). “A lingua literaria na época de Rosalía” in García Sabell et al. Actas do Congreso Internacional de Estudios sobre Rosalía de Castro e o seu tempo. T. III. Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega-Universidade de Santiago de Compostela, pp. 7-32.

Máiz, R. (1984). O rexionalismo galego: organización e ideoloxía (1886-1907). Sada-A Coruña: Ediciós do Castro.

Mariño Paz, R. (1991). “Estudios, informacións e ideas sobre o galego entre os séculos XVI, XVII e XVIII” in Fernández Rei e Brea

Page 23: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 155

(coords.). Homenaxe ó profesor Constantino García. T. II. Santiago de Compostela: Servicio de Publicacións da USC, pp. 112-139.

Mariño Paz, R. (1995). “Notas para unha caracterización sociolingüística da Galicia dos séculos XVIII e XIX” in A Trabe de Ouro, 24, pp. 81-87. Santiago de Compostela: Sotelo Blanco.

Menéndez y Pelayo, M. (1923). Antología de poetas líricos castellanos. Desde la formación del idioma hasta nuestros días. T. III. Madrid: Librería de la Viuda de Hernando y Cª.

Mirás, M. (1864). Compendio de gramática castellana-gallega... Santiago de Compostela: Establecimiento tipográfico de Manuel Mirás.

Monteagudo, H. (2001). “As ideas lingüísticas de Manuel Murguía” in Barreiro Fernández et al. Congreso sobre Manuel Murguía. Arteixo, 2000. Santiago de Compostela: Xunta de Galicia, pp. 219-245.

Montero Santalha, J. M. (1982). “O reintegracionismo nos ideólogos do nacionalismo galego” in O tempo e o modo, 0, pp. 51-61. Ourense: Galiza Editora.

Murguía, M. (1868). La primera luz. 2ª ed. Lugo: Soto Freire.

Murguía, M. (1879). “¿Desaparecerán los dialectos?” in La Ilustración Gallega y Asturiana, t. II, 21, p. 251. Madrid.

Murguía, M. (1880). “Estudio sobre el origen y formación de la lengua gallega, inédito del Padre Fr. Martín Sarmiento” in La Ilustración Gallega y Asturiana, t. II, 9, p. 116. Madrid.

Murguía, M. (1886). Los Precursores. La Coruña, Latorre y Martínez Editores.

Murguía, M. (1889a). “El regionalismo gallego” in Galicia. Revista regional, 3, pp. 151-164. La Coruña.

Page 24: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 156

Murguía, M. (1889b). “El regionalismo gallego” in Galicia. Revista regional, 4, pp. 232-254. La Coruña.

Murguía, M. (1889c). “El regionalismo gallego” in Galicia. Revista regional, 5, pp. 257-272. La Coruña.

Murguía, M. (1889d). El regionalismo gallego. La Habana: Imp. y Papelería La Universal de Ruiz y Hno.

Murguía, M. (1891). “Juegos Florales de Galicia. Discurso d'o Presidente, Manuel Murguía” in La Patria Gallega, 7-8, pp. 1-6. Santiago de Compostela: Imp. de Diéguez y Otero.

Murguía, M. (1896). “A don Juan Valera” in La Voz de Galicia, 15-VIII. La Coruña.

Murguía, M. (1901). Historia de Galicia. T. I. 2ª ed. La Coruña: Librería de Eugenio Carré.

Murguía, M. (1905a). “Diccionario de la lengua gallega. Necesidad de su formación y publicación” in Galicia, 14, pp. 1-2. La Habana.

Murguía, M. (1905b). Los trovadores gallegos. La Coruña: Imp. y Fotograbado de Ferrer.

Murguía, M. (1906). “Discurso del Sr. Académico Presidente D. Manuel Murguía” in Boletín de la Real Academia Gallega, 6-7, pp. 125-129. La Coruña: Real Academia Gallega.

Murguía, M. (1907). “Discurso-contestación al de D. José Antonio Parga Sanjurjo” in Boletín de la Real Academia Gallega, 16 / 17, pp. 96-110. La Coruña: Real Academia Gallega.

Murguía, M. (1915). “Unas cuantas palabras” in Herrero Garrido. Almas de muller... ¡Volallas n'a luz!. La Coruña: Lit. e Imp. de Roel, pp. V-XI.

Page 25: Galego e português no discurso sobre a língua de Manuel ... · importância do substrato céltico no discurso de Murguía sobre a ... sacrificándolas en el altar de la dominante

 

José Ángel García López. “Galego e portugués no discurso sobre a lingua...” Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 133-157 157

Murguía, M. (1998). Prosas recuperadas: o periodismo de Manuel Murguía. Antoloxía básica: 1853-1923. A Coruña: Fundación Caixa Galicia-Real Academia Galega.

Naya, J. (1950). “Murguía y su obra poética” in Boletín de la Real Academia Gallega, 289-293, pp. 91-111. La Coruña: Real Academia Gallega.

Pardo Bazán, E. (1888; 1984). De mi tierra. La Coruña: Tip. de la Casa de la Misericordia; Vigo: Xerais.

Pintos Villar, X. M. (1853). A gaita gallega. Pontevedra: Imp. de José y Primitivo Vilas.

Renales Cortés, J. (1996). Celtismo y literatura gallega. La obra de Benito Vicetto y su entorno literario. Vol. II. Santiago de Compostela: Xunta de Galicia.

Risco, V. (1976). Manuel Murguía. 2ª ed. Vigo: Galaxia.

Rodríguez, F. (1988). Análise sociolóxica da obra de Rosalía de Castro. Vigo: AS-PG.

Saco y Arce, J. A. (1868). Gramática gallega. Lugo: Imp. de Soto Freire.

Seoane, I. (2000). “Un escrito de Murguía en galego. O recoñecemento de Valentín Lamas Carvajal” in Boletín Galego de Literatura, 24. Santiago: Servicio de Publicacións da Universidade de Santiago de Compostela, pp. 133-143.

Valera, J. (1968). Obras Completas. T. II. 5ª ed. Madrid: Aguilar.

Valladares Núñez, M. (1970). Elementos de gramática gallega. Vigo: Galaxia.

Vàrvaro, A. (1998). Historia, problemas y métodos de la lingüística románica. Barcelona: Sirmio.