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O USO DA HISTÓRIA ORAL NO ENSINO DE HISTÓRIA: UMA EXPERIÊNCIA NA ESCOLA ESTADUAL DESEMBARGADOR RÉGULO TINOCO Gabriela Fernandes de Siqueira 1 Esse artigo dedica-se a apresentar as minhas análises sobre a aplicação do projeto “O uso da história oral no ensino de História” na turma única, turno matutino, do 9º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Desembargador Régulo Tinoco. Com base nas vinte e uma horas aulas, dedicadas a aplicação desse projeto, foi desenvolvido um ensaio científico, visando avaliar minha própria prática como pesquisadora na docência. A docência e a pesquisa devem estar sempre aliadas na formação do educador, nesse caso do educador em História. Nesse estágio supervisionado tentei aplicar, da melhor forma possível, o projeto que desenvolvi durante o primeiro estágio supervisionado. Os caminhos foram tortuosos, o projeto foi adaptado, tentando tornar mais flexível e adaptar minha prática às realidades da escola e dos discentes. Embora os obstáculos fossem gritantes, a experiência foi gratificante, demonstrando caminhos possíveis para dinamizar, aprofundar e significar o processo de ensino-aprendizagem em História. O ensaio que se segue conta com cinco partes principais: “Introdução”, que se dedica a apresentar os objetivos, problemáticas, referenciais, teorias e metodologias utilizadas ao longo da pesquisa; “Pesquisa e Ensino: um caminho essencial no processo de ensino-aprendizagem”, fazendo um apanhado sobre a importância da pesquisa na formação do futuro professor de História; “Enfrentando desafios: os tortuosos caminhos da aplicação do projeto ‘O uso da história oral no ensino de História’”, que apresenta todas as etapas da aplicação do projeto, analisando as respostas dos alunos nas discussões e nos questionários de sondagem aplicados; “Entre memórias e discursos: análise dos trabalhos com entrevistas e apresentação dos alunos”, analisando os trabalhos e questionários finais dos alunos; e as “Considerações finais”, que procuram responder os problemas pensados ao longo da pesquisa e analisar a contribuição dessa pesquisa para a autonomia do futuro docente em História. 5.1 - Introdução Esse ensaio foi fruto da experiência do Estágio Supervisionado de Formação de Professores para o Ensino Fundamental (História), que culminou com a aplicação do 1 Licencianda em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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O USO DA HISTÓRIA ORAL NO ENSINO DE HISTÓRIA: UMA E XPERIÊNCIA NA ESCOLA ESTADUAL DESEMBARGADOR RÉGULO TINOCO

Gabriela Fernandes de Siqueira1

Esse artigo dedica-se a apresentar as minhas análises sobre a aplicação do projeto

“O uso da história oral no ensino de História” na turma única, turno matutino, do 9º ano do

Ensino Fundamental da Escola Estadual Desembargador Régulo Tinoco. Com base nas

vinte e uma horas aulas, dedicadas a aplicação desse projeto, foi desenvolvido um ensaio

científico, visando avaliar minha própria prática como pesquisadora na docência.

A docência e a pesquisa devem estar sempre aliadas na formação do educador,

nesse caso do educador em História. Nesse estágio supervisionado tentei aplicar, da melhor

forma possível, o projeto que desenvolvi durante o primeiro estágio supervisionado. Os

caminhos foram tortuosos, o projeto foi adaptado, tentando tornar mais flexível e adaptar

minha prática às realidades da escola e dos discentes. Embora os obstáculos fossem

gritantes, a experiência foi gratificante, demonstrando caminhos possíveis para dinamizar,

aprofundar e significar o processo de ensino-aprendizagem em História.

O ensaio que se segue conta com cinco partes principais: “Introdução”, que se

dedica a apresentar os objetivos, problemáticas, referenciais, teorias e metodologias

utilizadas ao longo da pesquisa; “Pesquisa e Ensino: um caminho essencial no processo de

ensino-aprendizagem”, fazendo um apanhado sobre a importância da pesquisa na formação

do futuro professor de História; “Enfrentando desafios: os tortuosos caminhos da aplicação

do projeto ‘O uso da história oral no ensino de História’”, que apresenta todas as etapas da

aplicação do projeto, analisando as respostas dos alunos nas discussões e nos questionários

de sondagem aplicados; “Entre memórias e discursos: análise dos trabalhos com

entrevistas e apresentação dos alunos”, analisando os trabalhos e questionários finais dos

alunos; e as “Considerações finais”, que procuram responder os problemas pensados ao

longo da pesquisa e analisar a contribuição dessa pesquisa para a autonomia do futuro

docente em História.

5.1 - Introdução

Esse ensaio foi fruto da experiência do Estágio Supervisionado de Formação de

Professores para o Ensino Fundamental (História), que culminou com a aplicação do

1 Licencianda em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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projeto de pesquisa intitulado “O uso da história oral no Ensino de História”. O projeto

teve como objetivo trabalhar os conteúdos de História do Ensino Fundamental por meio da

história oral, concebendo-a como uma metodologia. Esse projeto foi aplicado na turma do

9º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Desembargador Régulo Tinoco, durante

o período de 21 horas aulas, aproximadamente dois meses.

A Escola Estadual Desembargador Régulo Tinoco, integrante da rede estadual de

ensino, está localizada na Rua Lima e Silva s/n no bairro de Lagoa Nova, no município de

Natal-RN. Tal escola teve sua criação datada de 07/12/1976 e autorização n.2976 de

16/12/1976. O seu funcionamento se dá em dois turnos, matutino e noturno,

disponibilizando as modalidades de Ensino Fundamental (do 6ª ao 9º ano), educação de

jovens e adultos (EJA) e o Ensino Médio (da 1ª a 3ª série). A escola está situada em região

urbana, em um bairro parte comercial, parte residencial, próximo ao estádio “Machadão” e,

por estar localizada em área central da cidade, constitui-se de uma clientela oriunda de

vários bairros da cidade e municípios circunvizinhos (Parnamirim, Macaíba, Extremoz e

Nísia Floresta).

A história oral pode ser uma ferramenta usada para facilitar a aprendizagem dos

alunos, uma vez que na sociedade atual o oral tem muito espaço. Os jornais, programas de

auditório, rádios, entre outras formas de comunicação em massa utilizam o oral, mesmo

que combinado com o visual, para passar informações, discutir problemas e atingir os

indivíduos. Dessa maneira, o projeto visou aliar uma forma interativa de aprender história

com a idéia de aproximar ensino e pesquisa.

Durante a realização da pesquisa buscou-se respostas para alguns problemas, tais

quais: Como aproximar o ensino de História da realidade dos alunos por meio da

metodologia de História Oral? Como trabalhar a História Oral partindo dos conteúdos do

Ensino Fundamental? Esses problemas nortearam a pesquisa, que teve como objetivos

fundamentais analisar se a história oral realmente poderia auxiliar no processo de ensino-

aprendizagem, investigar como a metodologia de história oral poderia contribuir na

aprendizagem dos conceitos de documento e memória e como a análise das entrevistas

ajudaria os alunos a refletirem sobre as noções de continuidades e rupturas.

A pesquisa afirma-se pedagogicamente por pretender aproximar o conteúdo a ser

ministrado em sala de aula com a realidade do aluno, além de pretender que os alunos

adquiram autonomia gradativa no processo de conhecimento do passado. Por meio da

realização de entrevistas temáticas, os alunos podem aprender mais sobre pessoas que

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fazem parte do seu dia-dia. Podem realizar entrevistas com seus pais, tios, avós, irmãos e

perceber que estão atuando na produção de uma fonte histórica. Além disso, ao elaborar as

perguntas que comporão os roteiros das entrevistas, o aluno pensará sobre os conteúdos

abordados, desenvolvendo a capacidade de reflexão e síntese; uma vez que terão de

produzir algumas perguntas sobre assuntos que podem ser muito extensos; eles também

terão de perceber quais os questionamentos que serão pertinentes ao entrevistado, levando

em conta vários aspectos como: idade, momento em que o depoente viveu, condições

socioeconômicas, espaço, e uma série de conjunturas que poderão influenciar as respostas

dos entrevistados.

Esse aluno, ao fazer o exercício de reflexão e seleção de conteúdos, estará

desenvolvendo autonomia gradativa em seu processo de conhecimento. Assim, o aluno

poderá sentir-se como atuante no processo histórico, verá a disciplina mais próxima de sua

realidade, de seu cotidiano, de sua prática, além de desenvolver capacidades de reflexão,

análise e síntese, podendo, após a realização de atividades com a metodologia da história

oral, voltar maior interesse e participação para as aulas de História.

A metodologia empregada no desenvolvimento da pesquisa seguiu a perspectiva

qualitativa em educação, com atenção ao uso de técnicas de coleta de dados variadas, tais

como: questionários, observação direta com anotações em diário de campo e entrevistas

realizadas pelos alunos. Os alunos foram fomentados a realizarem entrevistas,

individualmente, sobre o período estudado, bem como analisá-las em grupo, culminando

em um produto final a ser apresentado. O exame dos resultados do projeto teve como base

os registros presentes no diário de campo da estagiária que aplicou o referido projeto e a

análise dos resultados dos questionários, comparando-os com os questionários iniciais.

Durante o desenvolvimento das aulas procurou-se sempre investigar se os objetivos

pensados para o projeto estavam sendo alcançados.

O uso da história oral como metodologia é fundamental por revelar, como afirma

Sônia Maria de Freitas, sistema de símbolos e convenções sociais:

Pois é como discurso que a memória evidencia todo um sistema de símbolos e convenções produzidos e utilizados socialmente. Além disso, a voz é um elemento em si mesmo. Suas variações dão sentido ao texto transmitido, transforma-o, dando-lhe, muitas vezes, um significado além do que foi meramente dito. Porém, é pela oportunidade de recuperar testemunhos relegados pela História que o registro de reminiscências orais se destaca, pois permite a documentação de pontos de vista diferentes ou opostos sobre o mesmo fato, os quais, omitidos ou

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desprezados pelo discurso do poder, estariam condenados ao esquecimento.2

A história oral não deve ser comparada a entrevistas jornalísticas. É importante

frisar que se trata da produção de fontes primárias para uma posterior análise. Além disso,

o tratamento dado às entrevistas é totalmente diferenciado daquele que o jornalista realiza.

O sujeito que trabalha com história oral está sempre preocupado em informar ao

entrevistado os objetivos e produtos do projeto de pesquisa, essenciais para encaminhar-se

na aplicação metodológica. Além disso, o historiador está comprometido com as normas

éticas e sempre preocupado em receber autorização do depoente para publicação em áudio,

transcrição e edição da entrevista produzida. Dessa maneira, os alunos foram fomentados a

apresentarem o objetivo do trabalho para seus depoentes, bem como a respeitarem as

normas éticas que envolviam o processo da entrevista. Em outras palavras:

(...) A história oral tem como pressuposto um cuidado de uso da entrevista. Isso diferencia o trabalho de história oral do jornalístico. Enquanto este se apropria da palavra como propriedade sua e faz dela aplicação imediata, para a história oral, as mediações são discutíveis e passíveis de juízo. Ademais, há necessidade de sensibilização do papel das entrevistas tanto para o entrevistado como para o entrevistador. Isso implica um acordo sobre as formas de uso do produto conseguido.3

Do ponto de vista do ensino de História, o texto da autora Maria Schmidt4 foi

fundamental para a escolha da atitude pedagógica adotada no desenrolar dessa pesquisa.

Em seu texto, Schmidt aborda trajetórias e perspectivas do ensino de História no Brasil.

Um ponto interessante trabalhado no texto é a concepção da autora Elza Nadai. Nadai

reforça a importância de uma aprendizagem da História voltada para o temático,

importando-se com o método, com a pesquisa histórica, com a compreensão de que os

documentos não são apenas recursos, mas sim sujeitos e objetos do conhecimento

histórico, uma abordagem que trata alunos e professores como sujeitos e produtores da

história.

O texto de Schmidt também aborda a importância dos Parâmetros Curriculares

Nacionais para os trabalhos de didática da história na década de 1990. Os PCNs trabalham

2FREITAS, Sônia Maria de. História oral : possibilidades e procedimentos. São Paulo: Humanitas, 2002,p.27. 3 MEIHY, José Carlos Sebe. Manual de História Oral. São Paulo: Loyola, 1996, p.35-36. 4SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. O Aprender da História no Brasil: trajetórias e perspectivas. In: OLIVEIRA, Margarida; CAINELLI, Marlene; OLIVEIRA, Almir. Ensino de História: múltiplos ensinos em múltiplos espaços. Natal: EDFURN, 2008, p.9-20.

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a aprendizagem como condição de formar o aluno para uma cidadania concreta, para que

esses alunos possam pensar historicamente, participar do processo de construção histórica

e compreender a noção do tempo histórico bem como ir além do material didático,

utilizando as fontes orais, as visitas aos locais históricos, a memória histórica entre outros

recursos.

(...) aprender por meio do desenvolvimento de projetos e práticas interdisciplinares, levando em conta as expectativas de aprendizagem apresentadas por alunos e professores; aprender pela construção de conceitos históricos, sejam conceitos substantivos ou relacionados aos conteúdos e temas históricos, como Renascimento, Revolução Industrial, Ditadura Militar; sejam os de segunda ordem, próprios da natureza epistemológica da história, como explicação histórica,narrativa, consciência histórica, na perspectiva da aquisição social dos conceitos, superando a concepção de aprendizagem fundamentada no desenvolvimento destes a partir apenas da maturidade biológica.5

Partindo dessa importância dos PCNs enfatizada no texto de Maria Schmidt,

também foram consideradas nesta investigação as concepções dos Parâmetros Curriculares

Nacionais na parte em que se referem aos objetivos do ensino de História para o Ensino

Fundamental. Os PCNs abordam que os alunos devem desenvolver determinadas

capacidades e habilidades cognitivas:

Propõe-se, assim, que os alunos conheçam e debatam as contradições, os conflitos, as mudanças, as permanências, as diferenças e as semelhanças existentes no interior das coletividades e entre elas, considerando que estão organizadas a partir de uma multiplicidade de sujeitos, grupos e classes (com alguns interesses comuns e outros diferentes), de uma multiplicidade de acontecimentos (econômicos, sociais, políticos, culturais, científicos, filosóficos) e de uma multiplicidade de legados históricos (contínuos e descontínuos no tempo). Para que os alunos dimensionem a sua realidade historicamente é importante que o professor crie situações de aprendizagem escolares para instigá-los a estabelecer relações entre o presente e o passado, o específico e o geral, as ações individuais e as coletivas, os interesses específicos de grupos e os acordos coletivos, as particularidades e os contextos, etc. Considerando a formação mais ampla dos alunos e a importância de desenvolverem atitudes de autonomia em relação aos seus estudos e pesquisas, é necessário que o professor, por meio de rotinas, atividades e práticas, os ensine como dominar procedimentos que envolvam questionamentos, reflexões, análises, pesquisas, interpretações, comparações, confrontamentos e organização de conteúdos históricos (...).6

5 SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. O Aprender da História no Brasil: trajetórias e perspectivas. In: OLIVEIRA, Margarida; CAIMELLI, Marlene; OLIVEIRA, Almir. Ensino de História: múltiplos ensinos em múltiplos espaços. Natal: EDFURN, 2008, p.19. 6 BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: História. Brasília: MEC/SEF, 1998, p.52-53.

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Dessa maneira, a pesquisa “O uso da história oral no ensino de história” é capaz de

demonstrar a viabilidade de o docente suprir algumas dessas habilidades que os parâmetros

curriculares estabelecem para os alunos do Ensino Fundamental; já que as entrevistas

temáticas vão possibilitar que os alunos no tempo presente possam colher informações

sobre um tempo passado, favorecendo ao professor esse trabalho com as relações históricas

entre o passado e o tempo presente. Além disso, a comparação das diferentes versões

evidenciadas nos depoimentos orais é capaz de fomentar discussões sobre semelhanças,

diferenças, conflitos e contradições sociais, habilidades que os parâmetros defendem como

crucial. O trabalho com a história oral permite ainda que os alunos tenham acesso a novas

fontes e possam exercitar o modo de lidar com esses diferentes documentos, outra

habilidade que os parâmetros preconizam.

Assim, com esta pesquisa pretendeu-se alcançar aquilo que Maria Schmidt propõe

em seu texto, ou seja, tentar superar as noções tradicionais de Ensino de História e trazer

para o campo das pesquisas uma perspectiva de ensino que fizesse com que professores e

alunos não se limitassem a mera exposição e memorização dos fatos, e sim lançassem-se a

compreender que são sujeitos e objetos da história, podendo, portanto, também produzi-la.

Ao longo das atividades em sala de aula relativas ao tema da pesquisa, foram

trabalhados os conceitos de memória e documento. O conceito de memória é fundamental,

uma vez que o trabalho com a história oral envolve as diferentes memórias dos

entrevistados que versam sobre uma determinada temática. Seguiu-se o conceito de

memória de Jacques Le Goff7, presente em seu livro “História e memória”. Para Le Goff,

memória significa presença do passado, assim como pode ser tida como uma construção

psíquica e intelectual que acarreta de fato uma representação seletiva do passado. Essa

representação nunca é somente aquela do indivíduo, mas sim a de um indivíduo inserido

em um contexto familiar, social, nacional.

Dessa maneira, o conceito de memória trabalhado por Le Goff foi crucial ao longo

das atividades de ensino e pesquisa na Escola Estadual Régulo Tinoco, uma vez que se

concebeu as entrevistas não apenas como portadoras da memória de uma única pessoa, um

único indivíduo, mas como contendo muito mais que isso. Em cada entrevista há uma

representação do contexto em que o sujeito está inserido, e isso é a base para o

entendimento das diferentes versões dos depoentes, e do que levou cada entrevistado a

7 LE GOFF, Jacques. História e memória. Trad. Bernardo Leitão. 3 ed. Campinas, SP: UNICAMP, 1996.

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chegar até aquele determinado posicionamento. A capacidade de análise, interpretação e

comparação é bastante evidenciada nesse exercício de percepção das diversas memórias

presentes nos depoimentos. A partir desse conceito de memória o estudo com base na

história oral ganha embasamento, uma vez que o foco não é em apenas um indivíduo e sim

a análise do contexto, da conjuntura em que este indivíduo insere-se, e como tal contexto

interfere na sua versão.

Para trabalhar o conceito de documento, foram utilizadas as concepções de Marc

Bloch. Para tal autor um documento histórico é “tudo quanto o homem diz ou escreve, tudo

quanto fabrica, tudo em que toca, pode e deve informar a seu respeito”. 8 Bloch amplia,

pois, a noção de documento, considerando que o conhecimento histórico é um

conhecimento por vestígios:

Quer se trate de ossos emparedados na muralhas da Síria, quer de uma palavra cuja forma ou cujo emprego revelem um costume, quer da revelação escrita por uma testemunha de uma cena antiga ou recente, que entender por documentos senão «vestígios», isto é, a marca perceptível pelos sentidos, deixada por um fenômeno impossível de captar em si mesmo.9

Esse conceito faz com que o depoimento oral também seja considerado um

documento e como tal, objeto de estudo da história, uma vez que fornece informações

sobre o homem, vestígios e elementos para análise de um determinado período.

5.2 - Pesquisas e ensino: um caminho essencial no processo de ensino-aprendizagem

A pesquisa desenvolvida com base na aplicação do projeto “O uso da história oral

no Ensino de História” foi do tipo qualitativa, que não divide o sujeito em várias unidades

para serem analisadas isoladamente, ao contrário, a abordagem qualitativa analisa todos os

componentes de uma situação, percebendo as interações e influências de todos os sujeitos.

Essa abordagem foi originada dessas discussões fenomenológicas, isto é, que enfatizavam

as questões subjetivas do comportamento humano, defendendo a necessidade de analisar o

universo conceitual dos sujeitos para entender os sentidos que eles elaboram para suas

interações cotidianas, construindo, pois, a realidade. Conforme Berger e Luckamann:

8 BLOCH, Marc. Introdução à História. São Paulo: Coleção Saber- Publicações Europa-América, 1976.p.61. 9 Ibid, p.52.

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O mundo do sujeito, as suas experiências cotidianas, os significados atribuídos às mesmas são, portanto, os núcleos de atenção na fenomenologia. Na visão dos fenomenólogos é o sentido dado a essas experiências que constitui a realidade, ou seja, a realidade é “socialmente construída”. 10

Para a abordagem qualitativa, a interpretação dos fenômenos necessita que o

indivíduo interaja com o outro, para, por meio de interações sociais, interpretar os

significados que os sujeitos fornecem nessa realidade em que vivem. Essa abordagem foi

influenciada por outras correntes como: o interacionismo simbólico, que destaca a

importância das interações para a interpretação das ações dos sujeitos; a etnometodologia,

que enfatiza a necessidade de se compreender como os indivíduos entendem e estruturam a

sua realidade; e a etnografia, que defende ser fundamental entender os significados que as

ações e eventos possuem para o objeto estudado.

Ao longo da aplicação desse projeto de ensino e pesquisa, a estagiária buscou a

todo o momento interagir socialmente com os sujeitos objetos de sua pesquisa, mas sempre

tentando interpretar os significados que esses sujeitos atribuíam a sua própria realidade,

como indicam a bibliografia que serviu como embasamento para a aplicação e análise da

pesquisa. Essa interpretação teve como subsídio as análises dos questionários de sondagens

aplicados, as observações em campo, as anotações em caderno de campo e exame das auto-

avaliações desses sujeitos, sempre ressaltando a preocupação com a coleta de materiais.

A pesquisa aplicada também teve como base a investigação do tipo etnográfico.

Esse tipo de pesquisa está associada à abordagem qualitativa e foi desenvolvida por

antropólogos visando estudar a sociedade e a cultura. No caso dos profissionais de

educação que realizam esse tipo de pesquisa, o foco é estudar o processo educativo. Dessa

maneira, diferentemente dos antropólogos, o profissional de educação que desenvolve a

pesquisa de tipo etnográfico não necessita permanecer por um longo período no local

pesquisado, ocorrendo, pois, uma adaptação. Nesse tipo de pesquisa é necessário aplicação

de técnicas específicas: observação participante, entrevista e análise de documentos.

O pesquisador deve interagir com a situação observada, bem como com o objeto de

pesquisa, tendo um papel fundamental na análise do material coletado. Nessa pesquisa o

destaque ocorre no processo, na interação, e não nos resultados finais, sempre tendo a

preocupação em analisar como as pessoas compreendem a si mesmas e as interações que

desenvolvem. Para tanto é essencial a descrição e indução, bem como “a formulação de 10 BERGER e LUCKAMANN apud ANDRÉ, Marli. Etnografia da prática escolar. São Paulo: Papirus, 1995. P.18.

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hipóteses, conceitos, abstrações, teorias e não sua testagem”11. Durante a aplicação de todo

o projeto, a estagiária sempre teve a preocupação de coletar dados, observar a situação, o

contexto da turma, sempre buscando analisar esses materiais buscando o significado que os

alunos atribuíam para aquela prática, cumprindo, pois, os requisitos de uma pesquisa do

tipo etnográfico.

A pesquisa da prática docente desenvolvida por um licenciando é fundamental para

auxiliar a formação desse futuro profissional. A autora Crislane Azevedo em seu texto

“Estágio supervisionado como lugar de pesquisa e suas implicações na formação do

professor de história”, discute a necessidade da pesquisa no ensino de História, que

possibilita a construção de profissionais capazes de articular teoria historiográfica e prática

pedagógica. Para autora, pesquisar sobre a própria prática docente é essencial ao professor,

sobretudo para aquele que está em formação. Observando, analisando, discutindo sobre a

prática docente, o licenciando entra em contato com os diversos atores que permeiam o

contexto escolar12.

A pesquisa não consiste apenas na observação e análise, exige construção de

projeto e aplicação do mesmo, propondo medidas que auxiliem a aprendizagem do aluno,

analisando também esse processo de aplicação do projeto. Esse não deve ser fechado, e

sim, segundo aponta Azevedo, deve consistir em um “planejamento de intervenção

construído a partir do que o futuro docente apropria acerca do cotidiano escolar e por meio

deste cotidiano com o exercício de iniciação a uma prática de investigação”13. Dessa

maneira, o projeto é construído com base em problemáticas que o licenciando identificou e

analisou durante a observação, e depois esse docente em formação aplicará o projeto

construído sobre a forma de uma pesquisa (aplicando, avaliando e recolhendo material). A

elaboração do projeto de pesquisa aqui discutido (“O uso da história oral no Ensino de

História”) teve como base tais etapas, foi produzido após observação, sendo sua aplicação

também permeada por avaliação constante (tanto da própria prática do

pesquisador/professor em formação, quanto dos alunos sujeitos/atores da pesquisa) bem

como pelo recolhimento de materiais que possibilitassem essa avaliação.

Azevedo ainda destaca que a formação do professor-pesquisador no Brasil é

recente, só foi iniciada em meados da década de 1980. Com essa constatação a autora

11 ANDRÉ, Marli. Etnografia da prática escolar. São Paulo: Papirus, 1995.p.30. 12 AZEVEDO, Crislane B. Estágio supervisionado como lugar de pesquisa e suas implicações na formação do professor de história. Apostila de texto (Aula de Estágio Supervisionado). Natal: UFRN, 2010.2. 13 Ibid. p.4.

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enfatiza, pois, a importância da realização da pesquisa no ensino, para que o professor se

torne consciente da sua própria profissão, adquirindo a postura de um profissional

intelectual, que age e reflete sobre a própria ação, no sentido de aperfeiçoá-la. O

profissional da docência que realiza a pesquisa adquire autonomia da sua prática, refletindo

não só sobre sua ação e seus alunos, mas sobre todo o contexto que permeia sua profissão

(escola, comunidade, município etc.).

Por meio da pesquisa, o licenciando rompe com o que a autora denomina de “rotina

docente descontextualizada”14, ao passo que desenvolve a capacidade de observar a

realidade escolar em seus mais variados aspectos; de construir um relato de tipo

etnográfico com base nas observações e análises dessa realidade; de elaborar problemáticas

de pesquisa sobre essa realidade analisada; de definir objetivos para o trabalho de

investigação a partir de leitura e discussão de bibliografia da temática a ser pesquisada; de

aplicar a problemática de pesquisa desenvolvida; de analisar e sistematizar os dados dessa

pesquisa, propondo novas metodologias para o ensino de História. Dessa maneira, o

docente estará refletindo sobre sua ação de forma contínua e contextualizada, eis a

importância de ensinar História pelo caminho da pesquisa.

5.3 - Enfrentando desafios: os tortuosos caminhos da aplicação do projeto “O uso da

história oral no ensino de História”

Para o desenvolvimento da pesquisa, buscou-se realizar uma intervenção na turma

única do 9º ano do Ensino Fundamental, turno matutino, da Escola Estadual

Desembargador Régulo Tinoco. Inicialmente, foi realizada uma observação primária,

visando identificar as principais características da turma para modificar o plano de unidade

em função das peculiaridades observadas e perceber os melhores caminhos para a

aplicação do projeto elaborado. Foi verificado que a turma era bastante problemática,

contendo problemas de indisciplina, interesse e atenção. A configuração da turma era

bastante heterogênea, tendo 45 alunos com faixas etárias entre os 15/18 anos. A sala de

aula era um espaço relativamente pequeno, quando comparado com o elevado número de

alunos, o que agravava o problema de concentração desses. Foi notado que muitos alunos

tinham o hábito de chegar atrasados, não realizar as atividades propostas e desenvolver

conversas paralelas contínuas.

14 Ibid. p.9.

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A professora de História da turma do 9º ano do Ensino Fundamental determinou

que a estagiária poderia escolher os conteúdos a serem trabalhados durante a aplicação do

projeto. A estagiária, como determinam suas anotações no diário de campo, optou por

trabalhar a conjuntura do período de arbítrio conhecido como “Ditadura Militar” (1964-

1985), por ser um dos conteúdos da grade curricular da turma a ser trabalhada, e por ser

uma história do tempo presente, o que possibilitaria a realização, por parte dos alunos, de

entrevistas com indivíduos que viveram o período.

Desde o primeiro dia da intervenção da estagiária, o projeto “O uso da História Oral

no Ensino de História” foi apresentado aos alunos, que foram convidados a fazerem parte

desse projeto que pretendia aliar a pesquisa e o ensino, sempre buscando formas que

facilitassem a aprendizagem do aluno por intermédio da metodologia da História Oral. Os

alunos foram informados dos objetivos e da metodologia do projeto, a fim de que

pudessem entender o que iriam fazer ao longo do bimestre e qual a importância de cada

etapa do projeto para seu aprendizado. Logo na primeira aula, realizada no dia 13/09, a

estagiária trabalhou com os alunos, entre outros conceitos, os conceitos de memória e

documento, que permeariam todo o desenrolar das ações de ensino e pesquisa.

Inicialmente, após a apresentação do projeto de pesquisa, foi aplicado um

questionário de sondagem 1, buscando apreender o que os alunos entendiam por História, o

que entendiam por documento, se acreditavam que podiam aprender História por meio da

realização de entrevistas, e o que acreditavam que a disciplina História poderia ter para

despertar maior interesse. Dessa forma, o primeiro questionário de sondagem contou com

os seguintes questionamentos: O que você entende por História? O que você entende por

documento? Na sua opinião, podemos aprender História por meio de entrevistas? Explique.

Como você acredita que as aulas de História poderiam ser realizadas para despertar seu

interesse? Cite sugestões.

Após a aplicação dos questionários a estagiária forneceu recortes de entrevistas

para os alunos, explicando que se tratava de entrevistas realizadas com indivíduos que

viveram o período da Ditadura Militar (1964-1985), tanto de membros de esquerda, quanto

entrevistas com militares. A estratégia estava voltada a fomentar a leitura desses alunos,

para que esses pudessem identificar temas que seriam abordados sobre a Ditadura Militar

ao longo da unidade, passando a ter uma idéia desses temas, que seriam listados no quadro,

mostrando uma visão geral do período a ser estudado. Além disso, os fragmentos já

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anunciavam a importância do trabalho com entrevistas, demonstrando como essas

entrevistas poderiam auxiliar no aprendizado dos conteúdos trabalhados.

Após a leitura e listagem dos temas, a estratégia central da estagiária, como pode

ser notado nos registros do diário de campo, foi fomentar a discussão dos conceitos de

documento, memória, democracia, direitos humanos e cidadania, por meio de uma aula

expositiva dialogada. Para isso, a todo o momento os alunos foram questionados, partindo

de seus conceitos prévios, para tentar construir os conceitos almejados. Assim, antes de

apresentar esses conceitos prontos foram realizadas perguntas do tipo: “Como vocês

consideram que podemos estudar o passado”; “O que é documento para vocês?”; “Uma

cadeira pode ser um documento?”; “Uma entrevista é documento?”; “O que é memória

para vocês?”; “A minha memória é igual a sua? A memória tem alguma interferência?”;

“Se eu tiver diante de duas versões diferentes, o que eu faço?”; “Existe uma verdade

única?”; “Como eu vou saber como o passado realmente aconteceu, se eu não posso recriá-

lo por meio de experiências em laboratório?”; “Alguém vota nessa sala?”; “Você se lembra

em quem votou na eleição passada?”; “Se eu voto e não lembro em quem votei, estou

sendo cidadã? Estou exercendo a democracia?”; “Exercer a cidadania é só votar?”; “Se eu

jogo lixo na rua, estou sendo cidadão?”; “Vocês sabem o que são direitos humanos?”; “Por

que é importante estudar o período da Ditadura Militar?”; “Esse período tem alguma

relação com o período atual?”; “Durante a Ditadura Militar, os direitos humanos eram

respeitados?”; “E hoje, esses direitos são respeitados?”, entre outras perguntas que foram

desenvolvidas com base nas respostas dos alunos.

Nesse sentido, foi fomentada uma discussão com os alunos sobre o que seria um

documento, buscando partir da realidade desse aluno e formar com ele um conceito sobre o

objeto de estudo, assim como determina a autora Circe Maria Fernandes Bittencourt15. Para

Bittencourt, existe a necessidade do domínio conceitual em História, uma vez que

conceitos e noções organizam os fatos, tornando-os inteligíveis. Essa necessidade de

domínio conceitual tem levado a algumas noções de que a História só seria possível ser

ensinada para alunos do Ensino Médio, já que antes disso o aluno não teria abstração

necessária para o domínio de conceitos. Entretanto, essa noção é errônea e a autora destaca

como os alunos em diferentes idades aprendem, e sobre a possibilidade do ensino de

História em cada uma dessas idades. Para seu embasamento, Bittencourt utiliza Piaget e

15 BITTENCOURT. Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 3. ed. São Paulo: Cortez,2009.

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Vygotsy para discorrer sobre como a aprendizagem desenvolve-se em determinadas etapas,

enfatizando a pertinência do trabalho conceitual em todos os níveis de ensino.

Bittencourt também reforça a necessidade de considerar o conhecimento prévio do

aluno como condição necessária para a construção de novos significados e esquemas,

embasando esse trabalho inicial da estagiária, que se realizou por meio de uma discussão

com os alunos em torno de seus conhecimentos prévios, através de uma aula expositiva

dialogada. A respeito da utilização de aulas expositivas dialogadas, as considerações de

Antonia Osima Lopes16 foram fundamentais para dar suporte ao trabalho da estagiária.

Lopes destaca que apesar da aula expositiva ser considera tradicional, verbalista e

autoritária, ela pode ser transformada em uma atividade dinâmica, participativa e

estimuladora do pensamento crítico do aluno. Mesmo com o surgimento de diversas teorias

pedagógicas, verifica-se que as diferentes tendências continuam sempre presentes no fazer

docente dos educadores. Assim, um mesmo professor pode apresentar, em diferentes

momentos de seu trabalho, características de todas as tendências, por isso a aula expositiva

sempre esteve presente na metodologia adotada pelos professores em qualquer grau de

ensino, passando a margem das teorizações acerca do processo pedagógico.

Osima Lopes enfatiza que dar uma dimensão dialógica à aula expositiva pode

transformá-la em uma técnica de ensino capaz de estimular o pensamento crítico do aluno,

o que foi o objetivo da estagiária ao longo da aplicação do projeto. Trata-se de estimular o

diálogo entre professores e alunos para estabelecer uma relação de intercâmbio de

experiências e conhecimentos, fazendo com que a sala de aula seja um ambiente propício à

reelaboração e produção de conhecimentos. Nesse tipo de aula, o docente toma como base

a experiência do aluno relacionada com o assunto de estudo. Além disso, os conhecimentos

apresentados pelo educador são questionados e redescobertos pelos alunos a partir do

confronto com a realidade conhecida. Um elemento fundamental para a execução da aula

expositiva dialógica, segundo Lopes, é a problematização, que significa questionar

determinadas situações, fatos, fenômenos e idéias, a partir de alternativas que levem à

compreensão do problema, de suas implicações e de caminhos para sua solução.

A maior parte das respostas dos alunos durante essa discussão fomentada pela

estagiária, como apontam as anotações do diário de campo, esteve relacionada com o

significado de documentos ligados à identificação pessoal, como a carteira de identidade e

o registro de nascimento. A análise das respostas dos questionários de sondagem 1 também 16 LOPES apud BITTENCOURT. Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 3. ed. São Paulo: Cortez,2009.

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demonstrou a limitada noção de documentos por parte dos alunos. Entre os 23 alunos que

responderam esses questionários, a maioria informou que documento tinha relação com a

identificação pessoal dos indivíduos, sendo capaz de levar esse indivíduo para onde

pretendesse ir. Foram encontradas respostas como:

“São coisas que pode lhe identificar” 17; “é um meio de identificação pessoal”; “algo que oficializa algum fato importante”; “algo muito importante para as pessoas entenderem como somos”; “documento é uma coisa importante que foi passada para o papel”; “qualquer papel escrito com alguma coisa importante”; “a única coisa que eu sei sobre documento é a minha identidade”; “coisa para se identificar; coisa muito importante; um que faz você ser cidadão e outro é pessoal”; “documento a gente guarda para a vida toda; ficha que diz qual o dia que você nasceu, seu nome completo e dos pais”; “algo que precisa ser escrito de caneta”.

As respostas dos alunos apresentadas acima, entre outras, ressaltaram a concepção

limitada desses discentes sobre o conceito de documento. Nenhum aluno mencionou que

fotos, imagens, móveis, roupas, músicas, jornais, entre outros, eram documentos. A noção

de documento desses alunos parece estar ligada a algo oficial, escrito, que tem validade,

por isso deve ser “escrito de caneta”. Esses documentos estariam restritos às fichas de

identificação, como carteira de identidade, CPF, Certidão de Nascimento, entre outros. A

primeira aula visou quebrar essa noção estática e limitada de documentos, mostrando para

os alunos que eles iriam produzir um documento, as entrevistas frutos do emprego da

metodologia de História Oral seriam documentos, já que trariam informações sobre o

passado.

No questionário inicial os alunos também foram questionados se consideravam que

poderiam aprender História por meio de entrevistas. Os seguintes comentários foram

observados:

“não, mas por meio de filmes e de teatros”; “sim, você poderia aprender mais participando de uma entrevista”; “sim, porque quando entrevistam políticos eles falam o que aconteceu, ai fica para história”; “não sei”; “sim, porque assim conhecemos mais sobre determinados assuntos”; “as entrevistas contam a história que aconteceu, como nos livros didáticos, a diferença é que nos livros as histórias são antigas e nas entrevistas não”; “um pouco, porque as vezes o repórter pergunta alguma coisa que eu quero saber”; “sim, pois assim nós voltamos ao passado e sabemos ‘mais ou menos’ como era”; “sim,porque entrevista é muito legal, porque você se sente uma entrevistadora”.

17 Para a elaboração deste ensaio foram realizadas algumas correções ortográficas nas respostas fornecidas pelos alunos, visando torná-las inteligíveis.

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Nestas respostas, entre outras, a maioria dos alunos considerou que a realização de

entrevistas é um meio de aprender História, embora as justificativas desses alunos fossem

simplórias e frágeis. Alguns alunos, como pode ser visto nas respostas, consideraram que

entrevistas são interessantes porque refletem o que aconteceu, apresentando, pois, uma

visão limitada. Uma entrevista jamais apresentará o que aconteceu realmente, mas sim uma

versão sobre determinados acontecimentos, visão essa que vai ser permeada por

representações, o que justifica a necessidade do trabalho com o conceito de memória, já

que é por meio do “discurso que a memória evidencia todo um sistema de símbolos e

convenções produzidos e utilizados socialmente” 18. Assim, o questionário demonstrou que

esses alunos não tinham uma noção adequada de documento, nem de que as entrevistas

também são fontes para estudar os acontecimentos, sendo, pois, documentos.

O conceito de História desses alunos também se revelou limitado. A maior parte

das respostas considerou que a História dedicava-se ao estudo do passado, passado esse

antigo, carregado de “heróis”. Dessa maneira, quando questionados sobre o que entendiam

por História, os alunos afirmaram, entre outras respostas:

“É uma matéria muito marcante por falar de histórias antigas e de outros países”; “algo marcado no tempo por alguém ou por algum fato importante”; “coisas que passaram e agora são comentadas, fatos da antiguidade”; “estudo de algo que passou algum tempo atrás”; “fato que ocorreu no passado que marcou a história”; “qualquer coisa que aconteceu no passado”; “disciplina que fala dos tempos antigos”; “coisas que falam sobre antepassado, coisa que aconteceu há muitos anos atrás”; “serve para os alunos aprenderem e conhecerem mais os séculos atrás, pessoas que foram e são importantes para os países”; “é uma disciplina que fala sobre a antiguidade, fala sobre os presidentes, países, religiões, guerras, etc.”; “matéria complicada, porque só aprende história se você ler”; “é coisa de antigamente”; “matéria que fala sobre passado”.

Observa-se que o conceito de História dos alunos estava vinculado com um

afastamento no tempo, História, para esses alunos, seria uma disciplina que estuda o

“antepassado”, “os povos antigos”, “sobre coisas que aconteceram há muitos anos”. Os

alunos não têm noção da importância da história do tempo presente, e revelaram não terem

a concepção de que também são sujeitos históricos, capazes de atuarem e produzirem

documentos.

18 FREITAS, Sônia Maria de. História oral : possibilidades e procedimentos. São Paulo: Humanitas, 2002,p.27.

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16

A limitada noção dos conceitos de documento e de História, bem como o

desconhecimento sobre os caminhos para aprender História por meio de entrevistas,

impulsionou a realização dessa aula para o estudo dos conceitos de memória e documento,

e o contato inicial com fragmentos de entrevistas realizadas com pessoas que viveram o

período estudado (“Ditadura Militar”-1964-1985).

Ficou evidente, assim, que o ensino de História não deve limitar-se ao mero ensino

de conteúdos curriculares. O aluno do Ensino Fundamental deve aprender os conteúdos

próprios de sua grade, mas também deve entrar em contato com a ciência histórica,

aprendendo noções como: documento, tempo histórico, memória e uma série de conceitos.

Partindo do pressuposto de que muitas vezes o professor não trabalha noções próprias da

ciência histórica e visando distanciar do ensino do tipo “decoreba”, narrativo e factual, que

faz com que qualquer profissional ministre a disciplina de História, o projeto “O uso da

história oral no Ensino de História” pode contribuir para aproximar pesquisa e ensino,

trabalhar conceitos próprios da ciência histórica, fomentar a análise crítica dos documentos

por parte dos alunos, ampliar a própria noção de documento deles, bem como ainda

contribuir para que o aluno sinta-se sujeito da história e possa ser estimulado a aprender tal

disciplina.

As anotações do diário de campo da estagiária demonstraram os principais desafios

desse trabalho inicial. Segundo as anotações, os alunos permaneceram agitados durante a

realização das atividades propostas, e a maioria não se interessou pela leitura dos

fragmentos de entrevistas com indivíduos que viveram o período ditatorial.

Quando questionado sobre o assunto que seu fragmento de texto tratava, um aluno

começou a narrar a função da câmara frigorífica, de guardar alimentos, conservá-los etc. A

estagiária perguntou se ele realmente pensava isso, e ele disse que sim. Nesse momento,

como apontam os relatos do diário de campo, a estagiária pegou o fragmento e,

praticamente “berrando”, tal era o barulho na sala, leu o fragmento para toda a turma. Após

a leitura do fragmento a turma foi questionada se realmente o texto falava apenas de

câmara frigorífica, e a turma respondeu que não, ressaltando que se tratava de castigos,

torturas para obter alguma confissão. A partir da resposta dos alunos, a estagiária explicou

melhor o período estudado e ressaltou que aquele fragmento possuía uma visão de um

membro de esquerda, explicando ainda o que era ser “de esquerda”, que não existia uma

homogeneidade nesse pensamento de esquerda, e que aquele fragmento representava uma

das técnicas de tortura utilizadas durante o período que iria ser abordado ao longo da

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unidade. A estagiária aproveitou essas discussões para relacionar o conceito de documento

e memória, sempre ressaltando que aqueles fragmentos de entrevistas eram documentos,

fornecendo informações para o estudo de determinado período.

Durante a discussão oral sobre o conceito de memória e documento também foram

observadas respostas semelhantes às verificadas no questionário de sondagem 1. A noção

de documento desses alunos estava bastante vinculada ao que estava escrito. Ainda durante

essa aula, a estagiária tentou ampliar a noção de documentos dos alunos por meio de

exemplos, afirmando, como apontam as anotações do diário de campo, que a cadeira, por

exemplo, poderia ser um documento, pois fornecia informações sobre o passado, e se daqui

a 30 anos alguém fosse estudar como era a cadeira em 2010, e como é na atualidade,

aquela cadeira poderia fornecer informações sobre o passado que estaria sendo estudado. A

estagiária continuou fomentando questionamentos, citando vários tipos de fontes, e

mostrando que documento era tudo aquilo que fornecesse informações sobre o passado,

sobre uma época, que não era só o que estava escrito. Nessa discussão, que continuava

permeada por conversas paralelas, gritos, alunos jogando papel, aviãozinho, discussão que

era sempre interrompida para chamar atenção diversas vezes, para demonstrar a

importância do estudo na vida deles.

As anotações do diário de campo da estagiária demonstraram que essa aproveitou a

discussão das entrevistas e das diferentes versões para introduzir as discussões sobre

memória, sobre o que era memória, e se a memória de cada um era a mesma. Os alunos

responderam que a memória de cada um era diferente e representava uma forma de

lembrança. A maior parte das respostas foi solta, mas a estagiária tentou unir as

explicações e mostrar a importância do contexto, citando que se um entrevistado fosse

comunista, tivesse nascido em São Paulo- SP, e o outro fosse um militar que vivia em

Natal-RN, a memória desses dois indivíduos, ao serem entrevistados, representaria o

mesmo período de maneiras diferenciadas, mostrando, pois, que memória não é só a

representação de um indivíduo, mas sim a representação desse indivíduo inserido em um

contexto, e esse contexto interfere nos depoimentos. A estagiária frisou a necessidade de,

ao fazerem entrevistas, esses alunos perguntarem aos entrevistados onde eles tinham

nascido, a época, entre outras informações importantes na construção das representações

desses indivíduos.

Durante as discussões, uma determinada aluna perguntou à estagiária se um brinco

poderia ser um documento; a estagiária respondeu que dependendo da forma que o brinco

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fosse utilizado ele poderia sim ser um documento, desde que fornecesse informações sobre

o período estudado. A estagiária citou que pesquisadores poderiam investigar como era o

formato do brinco na década de 1960 e compará-lo com a atualidade, percebendo as

manutenções e modificações no formato daquela peça, o que levaria a indagar sobre como

aquela peça poderia fornecer informações daquela época. Essa e outras perguntas dos

alunos já começavam a demonstrar que, por meio da aula expositiva dialogada e do

trabalho com as entrevistas, os alunos começaram a ampliar as noções outrora limitadas

que possuíam sobre documento.

Na aula do dia 27/09 o projeto de pesquisa voltou a ser trabalhado pela estagiária,

conforme apontam as anotações do diário de campo. Nesse dia, fragmentos de entrevistas

voltaram a ser analisados, dessa vez tentando mostrar aos alunos diferentes versões sobre o

“Golpe de 1964”. A estagiária pretendia que os alunos entendessem que existiam setores

da população que apoiavam aquele novo governo, que se legitimava não só pela força, mas

por um jogo de relações que perpassavam o simbólico, o imaterial. Pretendia também

evidenciar a importância do trabalho de realização de entrevistas e da entrevista enquanto

uma fonte rica para o estudo do passado.

Nessa referida aula, foram apresentados três fragmentos de entrevistas, que foram

lidos e analisados. Existiam representações de membros de esquerda e de direita,

demonstrando que não existia apenas uma posição, nem mesmo em grupos que se intitulam

como homogêneos. A estagiária mais uma vez tentou demonstrar como as entrevistas

apresentavam formas diferenciadas de interpretações e representações, tentado analisar os

termos, palavras, linguagens utilizadas pelos depoentes que justificam aquela determinada

visão expressa na entrevista.

Nesse dia, apesar dos imprevistos ocorridos na escola (falta de energia e

indisciplina dos alunos) a estagiária fomentou a discussão sobre os termos “revolução” e

“golpe” que apareceram nos fragmentos de entrevistas trabalhados. A estagiária tentou

enfatizar para os alunos que alguns militares que participaram do regime tentavam

justificar seus atos por meio do ideal de “Revolução”, para eles, o que aconteceu em 1964

não foi um Golpe e sim uma Revolução, veio transformar para melhor a realidade

existente, fomentando o desenvolvimento e progresso. Já para alguns membros de

esquerda em 1964 instalou-se um governo de arbítrio, destruindo os alicerces democráticos

e instaurando a violência antidemocrática; outros representantes de esquerda consideravam

que o Golpe foi algo positivo, demonstrando que o engajamento político não era algo

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recorrente em toda a sociedade, que muitos indivíduos nem mesmo conheciam o momento

político pelo qual passava o seu país. Essa aula tentou, mais uma vez, apresentar a

importância do trabalho com fragmentos de entrevistas para o estudo da História.

Nesse encontro com os alunos, estes demonstraram passividade, não responderam

aos questionamentos da estagiária. Os alunos fizeram muitas brincadeiras e conversaram

bastante, não prestando atenção às discussões elaboradas, demonstrando que o projeto não

estava obtendo o êxito almejado.

No dia 18/10, como relatado no diário de campo da estagiária, foi realizada uma

aula para explicar a metodologia de história oral, definir as etapas do trabalho de realização

de entrevista, e para a construção dos roteiros dos alunos. Para essa aula foi elaborado uma

apostila explicando todos os passos que os alunos deveriam fazer ao longo do trabalho e a

importância dos mesmos para o aprendizado dos conteúdos referentes ao período estudado.

Assim, almejava-se despertar maior interesse desses alunos na participação do projeto

apresentado. Explicando cada passo e a importância do trabalho, a estagiária acreditava

que o projeto poderia ser mais significativo para os alunos. A apostila ressaltou os

objetivos do projeto: aproximar os conteúdos trabalhados com a realidade do aluno,

promover a autonomia gradativa dos alunos no processo de conhecimento sobre o passado,

fomentar a capacidade de reflexão e síntese desses alunos, auxiliar na percepção do aluno

enquanto sujeito histórico, bem como na aprendizagem dos conceitos de memória e

documento.

A apostila também explicava as etapas do trabalho a ser desenvolvido, ressaltando a

importância de elaboração de um roteiro com as possíveis perguntas a serem realizadas

com os entrevistados. O texto da apostila ressaltou que os roteiros não eram fixos e que

deveriam levar em consideração o contexto do depoente, podendo ser adaptados de acordo

com esse contexto. Assim, se os alunos percebessem que seu entrevistado não era capaz de

responder a uma determinada pergunta do roteiro, o aluno estaria livre para elaborar outro

questionamento mais adequado aquela realidade da pessoa entrevistada.

Como o questionário de sondagem 1 demonstrou que os alunos não conseguiam

fazer uma separação clara entre a entrevista realizada por um pesquisador oral e uma

entrevista elaborada por um jornalista, a apostila também tentou esclarecer essa diferença,

ressaltando as peculiaridades daquele trabalho de história oral. Também estavam expressas

na apostila as etapas que os alunos deveriam seguir durante a realização e análise dos

relatos. As entrevistas seriam realizadas individualmente, mas o trabalho final deveria ser

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apresentado em grupo, a partir da comparação das entrevistas realizadas por todos os

integrantes do grupo, relacionando aquele trabalho com o conceito de memória e de

documento.

Após a leitura e explicação da apostila fotocopiada, a estagiária esclareceu as

dúvidas dos alunos e ressaltou que além das justificativas já citadas, o trabalho de

realização das entrevistas auxiliaria os alunos na aprendizagem dos conteúdos, uma vez

que eles teriam acesso a várias fontes, podendo comparar, analisar e refletir sobre o

período estudado com maior propriedade. A estagiária, como esclarecem as anotações do

diário de campo, ainda comentou um pouco sobre o histórico da história oral, sobre

memória, produção de fontes, análise de documentos e outras temáticas que envolvem o

trabalho da metodologia de história oral. Também foi explicado aos alunos que a

metodologia utilizada por pesquisadores seria adaptada para o ensino de História, e, por

meio da realização de entrevistas, os alunos iriam aprender mais sobre a temática

trabalhada ao longo da unidade, Ditadura Militar (1964-1985), e iriam atuar como sujeitos

históricos, produzindo um documento que não ficaria escanteado, mas iria ser analisado,

discutido, e permeado pelo trabalho de análise de continuidades e rupturas.

Após a explicação da apostila fotocopiada, os alunos dividiram-se em grupos de 5

componentes para tentar elaborar, com a orientação da estagiária, os roteiros das

entrevistas. A elaboração dos roteiros foi em grupo para que os alunos elegessem algumas

perguntas em comum em seus roteiros, facilitando o trabalho posterior de análise dos

relatos. Como consta nas anotações da estagiária, alguns alunos reuniram-se em grupos de

5 componentes, mas outros preferiram fazer os roteiros sozinhos.

A estagiária notou que muitos alunos não estavam tentando elaborar os roteiros,

como consta no diário de campo, a estagiária chamou a atenção dos alunos para que esses

não se “escorassem” nos colegas, haja vista que cada um deveria produzir um roteiro

específico, com apenas algumas questões semelhantes. Foi solicitado que esses alunos

abrissem o caderno e começassem a trabalhar, sem “colar” do colega. Ao passar pelos

grupos a estagiária sempre repetia o objetivo da atividade e sugeria perguntas, lembrando

que eles tentassem colher materiais dos entrevistados, como fotos e recortes de jornais. A

estagiária também perguntava aos alunos se eles tinham noção de quem iriam entrevistar e

da idade desses futuros depoentes. A maioria dos alunos falou que iria entrevistar seus

avós, a maior parte com mais de 70 anos. Assim, foi sugerido que fizessem perguntas

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específicas, bem delimitadas no tempo, já que essas pessoas seriam fontes riquíssimas de

informações de todo o período ditatorial.

As perguntas dos alunos eram bem genéricas, notou-se que a maioria estava

interessada em perguntar sobre educação, sobre como, durante o que eles chamavam de

“ditadura militar”, tinha sido a educação do futuro depoente. A estagiária chamou, mais

uma vez, a atenção dos alunos para que compreendessem que o período ditatorial foi

longo, perpassado por diversas relações, e não compreendia um todo homogêneo, sendo

essencial que o aluno delimitasse na pergunta qual o momento da ditadura que estava

sendo referenciado. Dessa maneira, as perguntas tinham que ser relacionadas de acordo

com recortes temporais determinados, respeitando a vivência dos depoentes, uma vez que

uma pessoa com 4 anos durante o Golpe de 1964 não poderia informar, por exemplo, como

foi o Golpe de 1964 em sua cidade, já que era uma criança e não percebeu as nuances

daquele período. Essa pessoa poderia informar com maior propriedade sobre o período de

abertura do regime, sobre as “Diretas Já”, entre outros processos ocorridos já no período de

abertura do regime.

Em geral, constatou-se que os alunos tinham grandes dificuldades em relação à

escrita. Muitos roteiros eram permeados por erros ortográficos grosseiros, como os de um

determinado aluno que escreveu a seguinte frase: “a cenho inha”, quando queria dizer: “a

senhora ia”. A dificuldade de interpretação desses alunos também era considerável, muitos

não compreenderam como a atividade deveria ser feita, perguntando mais de duas vezes a

mesma coisa. A estagiária continuou, pacientemente, explicando, diversas vezes as

mesmas coisas, sempre citando exemplos de perguntas que os alunos poderiam fazer em

seus roteiros. O barulho, as brincadeiras e a indisciplina dos alunos também foi recorrente

nessa aula, conforme expresso nas anotações da estagiária.

Ao passar pelos grupos, ler as perguntas de quem já tinha esboçado um roteiro,

chamar a atenção dos alunos que estavam colando dos outros, conversando, ou fazendo

outra coisa sem realizar a atividade proposta, a estagiária finalmente entregou modelos de

roteiros de entrevistas que tinha realizado durante uma bolsa de pesquisa na Universidade

Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) com a temática Ditadura Militar. A estagiária fez

algumas ressalvas aos alunos a respeito dos modelos de roteiros entregues, afirmando que

não adiantava copiar aquelas perguntas, uma vez que os entrevistados daqueles roteiros

foram bem específicos, a maioria era representante da militância esquerda, participantes de

milícias, de Ligas Camponesas, sendo o roteiro apenas uma base para melhorar as

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perguntas do grupo. A estagiária, como apontam as anotações do diário de campo, sempre

que lia os roteiros dos alunos chamava atenção para os erros ortográficos, corrigindo-os, e

acrescentava novas possibilidades de perguntas, mais específicas, voltadas para

acontecimentos concretos, uma vez que a maioria dos roteiros era genérico, contendo

perguntas como: “Como era a educação na ditadura militar?”. A estagiária frisou para os

alunos que antes de entrar na temática Ditadura Militar, era necessário uma introdução

sobre a vida do depoente, uma vez que a memória do individuo é influenciada pelo seu

contexto, família, vivência em geral. Também foi solicitado que os alunos anotassem o

nome, endereço e telefone de contato dos depoentes, para posterior verificação (uma

tentativa de impedir trabalhos forjados ou retirados da internet).

Por se tratar de uma pesquisa do tipo etnográfico, permeada pela abordagem

qualitativa, a estagiária aplicou um segundo questionário de sondagem, visando verificar o

sentido que os alunos estavam atribuindo àquela prática. Nesse questionário ainda buscou-

se perceber se os alunos estavam aprendendo com maior facilidade os conteúdos

ministrados por meio da realização de trabalhos com fragmentos de entrevistas, e com a

própria realização de entrevista.

O questionário de sondagem 2 foi passado no dia 25/10, mas poucos alunos

responderam nesse dia, pois não tinham realizado o trabalho proposto. Esse mesmo

questionário foi repassado no dia 05/11 e 08/11. Tal questionário visava averiguar se os

alunos gostaram da experiência de realização de entrevistas, quais foram as principais

dificuldades dos mesmos e como aquela experiência contribuiu para o aprendizado desses

alunos. Assim, o segundo questionário contou com perguntas como: Você gostou da

experiência de produzir roteiros e realizar entrevista? Explique. Você acredita que é

possível aprender História por meio da entrevista que você realizou? Como? Quais as

principais dificuldades que você encontrou durante a realização das entrevistas?

Apenas 18 alunos responderam o segundo questionário de sondagem. Vale ressaltar

que entre esses 18 alunos, 12 tinham realmente realizado a entrevista, pois entregaram o

material escrito para a professora. Quando questionados se gostaram da experiência de

realização de roteiros e entrevistas os alunos apresentaram, entre outras, as seguintes

respostas:

“Sim. Eu me senti como se fosse uma repórter, foi muito divertido”; “Sim, porque eu consegui entender coisas novas com pessoas que vivenciaram a ditadura militar”; “Gostei. Foi legal a experiência de produzir e fazer perguntas”; “Gostei sim, foi muito bom. Além de aprender mais sobre a ditadura militar, eu me aprofundei mais no assunto

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e fiquei curiosa para aprender mais”; “Gostei um pouco, porque aprendi um pouco sobre aquele tempo, coisas que eu não sabia”; “Gostei, apesar de ter sido um pouco complicado, mas no final gostei”; “Eu não gostei de fazer a entrevista porque ninguém conseguia responder as perguntas”; Sim, para mim é melhor. Aprendo mais.”; “ Sim, sair e realizar entrevistas foi uma experiência nova. Aprendi bastante.”; “Mais ou menos, porque aprendi sobre o assunto abordado, mas é muito cansativo.”; “ Gostei, foi interessante ouvir alguém que viveu durante uma época que estou estudando, até porque geralmente o assunto de estudo ocorreu há muito tempo e só sabemos informações por pesquisas”; “ Não, porque não encontrei ninguém para entrevistar”; “Sim, pois essa é uma forma que nós podemos aprender também em casa”.

Como verificado, a maior parte dos alunos que responderam o questionário de

sondagem 2 gostaram da experiência de produção de roteiros e de realização de entrevistas,

embora suas justificativas fossem um pouco simples. Muitos alunos consideraram que

ampliaram seus conhecimentos por meio dessa pesquisa, despertando, muitas vezes, maior

interesse na disciplina e curiosidade para pesquisar mais sobre o assunto.

Entre os alunos que não gostaram da experiência, nota-se que esses alunos não

realizaram o trabalho. Dois alunos afirmaram que não gostaram da experiência porque não

encontraram pessoas para realizar a entrevista. Como apontam as anotações do diário de

campo da estagiária, essa justificativa é insuficiente, haja vista que o prazo para realização

das entrevistas foi longo, sendo adiado por duas vezes. Os alunos tinham uma opção vasta

de entrevistados, até mesmo entre os próprios membros da escola (funcionários,

professores etc.). Assim, a justificativa dos alunos que não gostaram da experiência é

passível de contestação, uma vez que esses alunos nem tentaram realizar o trabalho

proposto, não tendo subsídios para emitir juízo de valor sobre uma coisa que nem ao

menos tentaram realizar.

Quando questionados se acreditavam ser possível aprender História por meio da

entrevista realizada, foram verificados, entre outras respostas, os seguintes comentários:

“Sim, com dificuldade, pois a História fala muito das coisas que aconteceu antigamente”; “Sim, acredito que sim. Eu não fiz o trabalho, mas por meio das apresentações dos meus colegas percebi que eles aprenderam alguma coisa sobre o assunto”; “Sim, comparando as diversas respostas para ter a base de como tudo ocorreu”; “Sim, porque a pessoa se interessa mais pelo assunto”; “Sim, entrevistando se aprende, ouvindo opiniões e estudando-as”; “Sim, porque tenho uma prova real, uma pessoa que já vivenciou isso. Podemos imaginar como foi viver nessa época tão cruel”; “Não, acho que atividades em grupo sejam melhores”; “Depende, se a entrevista foi bem elaborada tem como aprender alguma coisa”; “Eu acredito que sim, a gente aprende mais por entrevistar, porque você está falando com a pessoa bem perto”; “É sim.

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Você vai entrevistar e cada vez mais aprendendo, o modo de cada um responder é ótimo, e cada vez que uma pergunta é respondida você fica mais entusiasmada para fazer outra”; “Sim. Eu acho que é bom, fixa o conteúdo e ajuda a aprender”; “Mais ou menos, porque tem algumas coisas que o entrevistado não sabe”; “Sim, pois a gente ver as opiniões do povo e nota as diferenças”.

As respostas dos alunos demonstram que ao menos três deles entenderam o objetivo

do trabalho. Não se estava em busca de uma “verdade”, da história como “realmente

aconteceu”, afinal, as entrevistas, como a estagiária frisou em vários momentos,

apresentam versões de acontecimentos, daí a importância de realização do trabalho

analítico, para que os alunos comparassem as diferentes respostas dos entrevistados. Três

respostas demonstraram o entendimento de que as entrevistas são importantes para esse

trabalho analítico e que não são a verdade, mas sim “verdades”, versões; o aluno que

respondeu que as entrevistas eram importantes, por expressar opiniões do povo com

diferenças notáveis, o aluno que considerou que deveria comparar as diferentes respostas e

o que afirmou que as entrevistas revelavam opiniões que deveriam ser estudadas,

demonstraram que entenderam os objetivos do trabalho e ampliaram a sua noção de

História, memória e documento.

Entretanto, a maior parte dos alunos ainda demonstrou nesse questionário uma

visão muito limitada sobre os conceitos trabalhados. Os alunos que afirmaram que a

experiência de realização de entrevista foi positiva porque ajudava a fixar o conteúdo, ou

que, por meio dessa entrevista, se tinha uma prova real do que aconteceu, demonstraram

não terem entendido os objetivos do trabalho. As entrevistas jamais apresentariam o que

realmente aconteceu, assim como nenhum outro tipo de documento. As entrevistas

apontam representações, versões de determinados acontecimentos. Apesar das limitações

das respostas dos alunos, nota-se que dois alunos frisaram que o trabalho foi interessante, a

medida que despertaram mais interesse para a disciplina, como demonstram as respostas.

Assim, apesar dos insucessos, da limitada noção de História e documento ainda presente

nessas respostas do segundo questionário, observa-se que um dos objetivos do projeto está

sendo atingindo: despertar maior interesse dos alunos na disciplina História.

O aluno que respondeu que não aprendeu com a experiência de realização de

entrevista porque acreditava que trabalhos em grupo seriam mais interessantes, também

não entendeu o objetivo do trabalho proposto. Inicialmente a realização das entrevistas

seria um trabalho individual, posteriormente, o trabalho analítico seria em grupo, para

possibilitar contato com outras entrevistas e fomentar o trabalho de comparação. O aluno

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que afirmou acreditar “mais ou menos” ser possível aprender História por meio da

realização de entrevistas, também não forneceu subsídios para justificar seu

posicionamento, uma vez que destacou não ter encontrado entrevistados capazes de

responder todas as perguntas do roteiro. Como apontam as anotações do diário de campo, a

estagiária sempre frisou a necessidade de adaptação dos roteiros de acordo com o contexto

dos entrevistados. Esse aluno, possivelmente, não prestou atenção nos momentos de

orientação, revelando equívocos no momento de realização do trabalho.

Em relação à pergunta sobre as principais dificuldades encontradas durante a

realização das entrevistas, entre outras respostas e comentários, os alunos responderam:

“Nenhuma, foi ‘moleza’. Me senti uma estagiária de reportagem”; “Produção de perguntas”; “O entrevistado não queria falar muito sobre esse assunto. Eu estava com um pouco de vergonha, porque era a minha primeira entrevista”; “Nenhuma”; “Achar uma pessoa que se encaixasse com o roteiro e produzir o roteiro de acordo com a ditadura”; “Como o pessoal dessa época é muito antigo, foi difícil se comunicar, porque são muito ignorantes, mas ocorreu tudo bem.”; “As principais dificuldades foram as perguntas,e, principalmente, encontrar uma pessoa para entrevista”; “Conseguir escrever de forma que todos entendam”; “Nenhuma. Só precisou de criatividade para elaborar as perguntas e informações sobre o assunto”; “Juntar as informações e chegar a uma conclusão”; “Nada”; “Achar uma pessoa que viveu a Ditadura Militar”; “Copiar numa velocidade que pudesse acompanhar a fala do entrevistado e elaborar algumas perguntas”.

Os comentários dos alunos revelaram que, apesar de alguns alunos não encontrarem

dificuldades durante o processo de realização de entrevistas, a maioria teve alguma forma

de limitação durante o processo. Algumas respostas continuaram demonstrando a visão

limitada desses alunos sobre o período estudado. Muitos, como demonstraram os relatos do

diário de campo da estagiária, só concebem o período ditatorial como o acontecido em

1964, por isso afirmam não ter encontrado depoentes, haja vista a dificuldade de encontrar

alguém que, em 1964, tivesse mais de 16 anos de idade. Entretanto, foi explicado em

vários momentos que o período da ditadura foi extenso, de 1964 a 1985, abrindo o leque de

entrevistas. Além disso, a questão de adaptar o roteiro também foi frisada várias vezes, não

sendo uma desculpa aceitável para não realização do trabalho.

Apesar das respostas limitadas, observa-se que um aluno compreendeu o objetivo

do trabalho: analisar as diferentes versões. Esse aluno apontou como principal dificuldade

“juntar as informações e chegar a uma conclusão”, indicando que realmente tentou fazer o

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trabalho proposto, comparando as entrevistas e chegando a uma versão, a um trabalho final

comparativo, indo além da mera reprodução do texto dos entrevistados.

5.4 - Entre memórias e discursos: análises dos trabalhos com entrevistas e apresentação dos

alunos

O dia 08/11 representou o fechamento dos trabalhos de realização e análise das

entrevistas. Infelizmente, nenhum grupo apresentou o trabalho como esperado, como

demonstram as anotações do diário de campo da estagiária. No referido dia, os alunos

estavam agitados, e a estagiária informou mais uma vez o objetivo do trabalho e a

necessidade de apresentação naquela aula. Em virtude dos feriados e do cronograma de

ações, aquela seria a última oportunidade para os fechamentos das atividades. O aluno

começou a narrar seu trabalho como se fosse uma brincadeira. A estagiária novamente

afirmou a necessidade do trabalho, que era muito mais do que uma simples leitura. A

atividade tinha sido realizada em grupo justamente para possibilitar a comparação das

entrevistas. Na hora da apresentação não era almejado apenas a leitura da entrevista, mas

sim que o grupo destacasse as principais semelhanças e diferenças das entrevistas

realizadas por cada componente.

O aluno Francisco apenas leu sua entrevista, analisando a relação entre a entrevista

e o filme “Zuzu Angel” (discutido na aula anterior, conforme diário de campo), e entre a

entrevista e os conceitos de memória e documentos, apenas quando fomentado pela

estagiária. Todos os alunos que apresentaram seus trabalhos foram indagados sobre esses

aspectos pela estagiária (relação com o filme e relação com os conceitos de memória e

documento). As respostas foram frágeis, superficiais, mesmo quando a estagiária

conversava oralmente com cada grupo. Nenhum grupo soube relacionar a realização das

entrevistas com o conceito de memória. Nenhum aluno conseguiu afirmar,

espontaneamente, e mesmo quando fomentado, que as entrevistas representavam o

conceito de memória e cada entrevistado tinha uma memória específica, pois a memória

não seria apenas a representação de um indivíduo, mas de um indivíduo inserido em um

contexto, que tem a ver com o local em que vive, a época, pessoas e valores que os cercam,

conforme referencial utilizado no projeto de pesquisa que estava sendo aplicado. A

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representação de cada entrevistado nunca é, pois, somente aquela do indivíduo, mas sim a

de um indivíduo inserido em um contexto familiar, social, nacional.

As anotações da estagiária apontaram que todos os alunos e grupos souberam

relacionar, mesmo que usando palavras simples e gírias, o conceito de documento com a

realização das entrevistas. Os alunos realmente consideraram que elaboraram um

documento, pois aquele trabalho, aquele papel colhido, aquela entrevista, continham

informações sobre o passado, que podiam auxiliar no estudo da temática “Ditadura

Militar”. Essa constatação pôde ser observada por meio das anotações do diário de campo

da estagiária e do diálogo da mesma com a turma.

Durante o trabalho, imperou o descaso da maior parte dos alunos. De 45 alunos,

apenas 12 entregaram as entrevistas. Somente dois grupos completos apresentaram o

trabalho, os demais foram apresentações individuais de alunos que não quiseram perder a

pontuação da apresentação. Assim, o trabalho em grupo perdeu o sentido, pois até mesmo

os grupos que apresentaram não tinham se reunido, não apresentaram um trabalho

realmente analítico, fruto de uma comparação das entrevistas realizadas, conforme exposto

nas anotações da estagiária. Apenas o grupo da aluna Daniela apresentou um texto que

tecia uma comparação, embora humilde. Na verdade não se tratava de um texto, tanto é

que o grupo não o entregou. Eram esboços, parágrafos, que foram lidos pelos quatro

integrantes que compunham o grupo. Entretanto, na aula passada a estagiária escutou

quando a aluna Daniela afirmou que faria a apresentação por todos. Durante a apresentação

também foi verificado que os demais integrantes do grupo estranhavam a letra que estavam

lendo, como foi exposto nas anotações da estagiária, o que comprovava que apenas um dos

integrantes se deu ao trabalho de realizar a análise das entrevistas.

O outro grupo que apresentou limitou-se apenas a narrar o conteúdo de suas

entrevistas, demonstrando um frágil conceito de memória e uma falta de reunião e

integração do grupo. Os alunos que apresentaram individualmente também se limitaram a

narrar o conteúdo de suas entrevistas, somente comparando os conteúdos das entrevistas

com o filme quando a estagiária indagava e ajudava na relação.

Analisando o trabalho dos alunos, pode-se notar que foram trabalhos bastante

simplificados. Os alunos elaboraram roteiros fixos e não se preocuparam em modificá-los

quando necessário, como foi o caso do aluno Francisco. Como pode ser visto no seu

trabalho, Francisco entrevistou uma pessoa que nunca foi à escola, e mesmo assim não

mudou seu roteiro, continuou fazendo perguntas voltadas às formas de educação na época.

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Muitos alunos também não se interessaram em ir mais a fundo, em fazer mais perguntas.

Como pode ser notado no trabalho de realização de entrevistas entregue pelos alunos, um

determinado depoente afirmou que foi preso e torturado, e mesmo assim o aluno não

tentou investigar os motivos, como se estivesse apenas interessado em concluir o trabalho,

em livrar-se daquela obrigação.

Alguns alunos não prestaram atenção na temática do trabalho. No trabalho da aluna

Fernanda, foi encontrada uma pergunta totalmente fora do contexto indagando sobre a

volta do presidente Getúlio Vargas ao poder em 1950, período anterior ao abordado na

entrevista. Faltou mais atenção para com os trabalhos. A pergunta apareceu solta no

trabalho e sem resposta. O depoente da aluna só nasceu em 1963, não podendo discorrer

sobre a pergunta em questão. A entrevista de Bruno, integrante do grupo de Fernanda,

também possuiu a mesma pergunta relacionada ao retorno de Vargas, pergunta essa que

também apareceu solta e sem resposta, provavelmente foi copiada da colega. Na entrevista

desse aluno a data de nascimento do depoente apareceu rasurada.

Foi observado que os alunos ficaram com uma visão limitada do período ditatorial.

A estagiária afirmou várias vezes que a Ditadura Militar não foi um período único, com

características semelhantes, mas foi um período longo, carregado por peculiaridades e

transformações. Cada período tem características diferenciadas, relações materiais e

simbólicas heterogêneas, não se podendo resumir a ditadura ao Golpe de 1964, por

exemplo. É possível notar nos trabalhos entregues que os alunos só percebem a ditadura

como o Golpe ocorrido em 1964, tal é a recorrência dessa pergunta nas entrevistas. Das 12

entrevistas realizadas, 9 apresentam perguntas relacionadas ao Golpe de 1964, variando de

questionamentos como: “Como o senhor percebeu o Golpe de 1964?”, “Qual a sua idade

na época do Golpe de 1964”, entre outras perguntas. Os alunos nem se deram ao trabalho

de fazer o cálculo com a idade dada pelo depoente, para saber se ele tinha ou não

condições de responder essa pergunta. Um indivíduo que tinha 3 anos em 1964 não pode

apresentar uma representação sobre como percebeu o Golpe de 1964 naquele momento,

haja vista que era uma criança. Isso aconteceu na maior parte das entrevistas. Indivíduos

que eram praticamente bebês foram questionados sobre o Golpe de 1964, os alunos mais

uma vez não adaptaram seus roteiros, conforme orientado diversas vezes em sala de aula.

A falta de interesse dos alunos foi visível nas entrevistas simples, resumidas, com

poucas páginas e frases, permeadas por erros ortográficos. Apesar da aplicação da

metodologia de história oral ser complicada, tal metodologia foi adaptada pela estagiária

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para o ensino de História. Os alunos foram estimulados a realizarem uma atividade de

entrevista, tendo atenção às peculiaridades dos entrevistados e de suas respostas. O

trabalho apresentou várias limitações, a estagiária poderia ter fomentado o retorno dos

alunos aos entrevistados para refazerem as entrevistas; entretanto, em virtude dos feriados

e do cronograma de ações, esse retorno não foi possível. A turma, apesar das dificuldades

da aplicação da história oral como metodologia, foi bem orientada, faltando um empenho

maior por parte dos alunos.

A aluna Telma deixou passar uma informação que poderia ter enriquecido o seu

trabalho. Quando questionou sua depoente sobre como ela tinha percebido que o Golpe de

1964 (ela se referia a Ditadura Militar, comprovando que a noção de ditadura desses alunos

está voltada para o que ocorreu em 1964) estava chegando ao fim, a depoente afirmou:

“Quando os comunistas estavam assumindo o poder”. A aluna não perguntou mais nada,

seguiu para outra indagação, mesmo a estagiária tendo explicado na sala de aula o conceito

de comunismo, socialismo e capitalismo, e como esses conceitos estiveram presentes no

contexto da denominada “Guerra Fria”, também perpassando o jogo simbólico e ideológico

no período da “Ditadura Militar”. Essa frase, apesar de curta, é simbólica. A aluna poderia

ter perguntado quem eram, para a depoente, os comunistas, ou mesmo pedir que a

depoente citasse exemplos desses “comunistas” que estavam assumindo o poder. Por meio

dessas respostas, a aluna poderia tentar entender melhor qual era a representação de sua

entrevistada sobre o período ditatorial, essa frase poderia, dependendo das explicações

complementares da depoente, até mesmo revelar que ela apoiava o período de arbítrio.

Diante da falta de interesse da aluna Telma, não é possível afirmar que a depoente

apoiava ou não o regime, pois se carece de subsídios. A aluna não entendeu o objetivo das

entrevistas, que era compreender o período ditatorial como carregado de nuances, de

visões, de versões, bem como produzir um documento histórico, carregado pela memória

dos depoentes; memória essa que refletiria o contexto do entrevistado, possibilitando o

estudo dos alunos de diversos discursos, fornecendo uma pluralidade de versões para

estudar o período ditatorial, indo além da mera dualidade (visão de esquerda/visão de

direita), compreendendo como o período foi pensando por pessoas comuns, fornecendo

diversos pontos de vista sobre um mesmo acontecimento histórico a partir da pluralidade

dos discursos:

Pois é como discurso que a memória evidencia todo um sistema de símbolos e convenções produzidos e utilizados socialmente. Além disso, a voz é um elemento em si mesmo. Suas variações dão sentido ao texto

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transmitido, transforma-o, dando-lhe, muitas vezes, um significado além do que foi meramente dito. Porém, é pela oportunidade de recuperar testemunhos relegados pela História que o registro de reminiscências orais se destaca, pois permite a documentação de pontos de vista diferentes ou opostos sobre o mesmo fato, os quais, omitidos ou desprezados pelo discurso do poder, estariam condenados ao esquecimento.19

Pode parecer uma atividade complexa para alunos do 9º ano do Ensino

Fundamental que são dispersos, indisciplinados e passivos. A pesquisa visava quebrar com

esse comportamento estático da turma, partir para outra metodologia capaz de despertar o

interesse dos alunos, tornar o conhecimento mais dinâmico e significativo. Tratava-se de

uma tentativa, que, embora permeada de obstáculos, também apresentou bons frutos, que

serão apresentados ao longo do ensaio. Os problemas também devem ser listados e

analisados para que, na próxima experiência, a pesquisa se desenvolva tentando suprir suas

carências, fornecendo significações e resultados mais positivos.

Outra entrevista que também demonstrou a falta de interesse dos alunos na

realização do trabalho foi a realizada pela aluna Daiane. Quando essa aluna indagou seu

entrevistado, que possuía 65 anos (ou seja, uma fonte riquíssima de informações sobre o

período), a respeito das perseguições, o depoente afirmou que ele e os irmãos foram presos

e humilhados, e que não desejaria isso para seus filhos. Diante dessa pergunta abriam-se

várias possibilidades para aprofundar a entrevista dessa aluna e, conseqüentemente, seu

aprendizado. A aluna poderia ter questionado o motivo das prisões, como essa prisão foi

feita, quem entregou esses indivíduos, como se deu a humilhação, o que fez com que

fossem liberados da prisão, e uma série de outras possibilidades que também

enriqueceriam o aprendizado da aluna. A estagiária fomentou, em sala de aula, que os

alunos tivessem essa percepção de ampliar seus roteiros, não ficando fixos nas perguntas

previamente elaboradas, prestando sempre atenção nas respostas dos depoentes.

A maioria das entrevistas também apresentou indagações a respeito de como era o

sistema educacional durante o período ditatorial (1964-1985). Das 12 entrevistas, 5

possuíam perguntas diretamente voltadas para entender o sistema educacional da época,

embora fossem perguntas genéricas que foram mal conduzidas pelos alunos que exerciam

os papéis de entrevistadores, demonstraram a curiosidade dos alunos a respeito da temática

19 FREITAS, Sônia Maria de. História oral : possibilidades e procedimentos. São Paulo: Humanitas, 2002,p.27.

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educação, revelando que as representações dos entrevistadores estão contidas nas

perguntas das entrevistas.

Durante o trabalho ao longo das aulas, como pode ser verificado após a leitura do

diário de campo da estagiária, sempre foi ressaltado a importância da reflexão dos alunos

durante a elaboração do roteiro de entrevistas. Os roteiros são a base para uma entrevista,

mas os entrevistadores devem ser atentos, curiosos, pois eles são o fio condutor do

processo de entrevista. Os alunos estavam mal preparados, talvez porque poucos realmente

utilizaram o tempo em sala de aula para tirar dúvidas e realmente elaborar e adaptar seu

roteiro ao seu entrevistado. Muitos alunos não se interessaram pela temática, acharam

trabalhosa e sempre indagavam a impossibilidade de encontrar pessoas para entrevistar.

Eram desculpas esfarrapadas, pois o período estudado era extenso, e foi explicado desde o

início que não era necessário entrevistar uma pessoa que viveu todas as fases da ditadura

militar, mas sim pessoas que viveram algum período, por isso a necessidade de adaptação

dos roteiros.

A maioria dos depoentes escolhidos pelos alunos não participou de movimentos de

esquerda nem do governo ditatorial, tratava-se, na maior parte, de pessoas comuns, que

habitavam, sobretudo, o interior, e os alunos ficaram limitados a perguntas gerais, que não

levavam em conta a realidade dos seus entrevistados, mesmo com as orientações a respeito

da flexibilidade que os roteiros deveriam ter e da necessidade de saber previamente quem

era o entrevistado. Notou-se que o trabalho analítico não se desenvolveu porque os alunos

não se esforçaram. Como afirmado, apenas dois grupos apresentaram, as outras quatro

apresentações foram individuais. De 45 alunos, apenas 11 pessoas apresentaram, e os que

apresentaram sozinhos não tiveram acesso a outras entrevistas para poderem realizar as

conexões propostas. O descaso dos alunos imperou, como demonstra a estagiária em seu

diário de campo, mesmo entre os que precisavam de nota.

Além do descaso verificado pela ausência de apresentações e de entrega de material

escrito, muitos alunos não prestaram atenção às apresentações dos colegas. Ficaram

brincando, fazendo piada ou conversando, como descrito pela estagiária em seu diário de

campo. A estagiária chamou atenção da turma inúmeras vezes, bem como desencadeou

algumas lições de moral, mas o barulho imperou a todo momento.

Após as frustradas apresentações a estagiária promoveu uma discussão com os

alunos sobre as principais questões abordadas ao longo das apresentações do trabalho. Essa

discussão foi resumida, como aponta o diário de campo, à fala da estagiária, uma vez que

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os alunos não se interessaram em participar. Após essas atividades, a estagiária distribuiu o

questionário de sondagem 3, visando avaliar os sucessos e problemas desse trabalho

analítico realizado em grupo, bem como buscando averiguar se o trabalho aprofundou os

conhecimentos dos alunos sobre a temática abordada. O terceiro questionário contou com

as seguintes perguntas: Você gostou da experiência de analisar entrevistas em grupo?

Explique. Você considera que após essa experiência de análise das entrevistas, seu

conhecimento sobre o período ditatorial (1964-1985) foi mais aprofundado? Explique.

Quais foram as principais dificuldades encontradas durante a realização e apresentação do

trabalho em grupo?

Quando questionados se tinham gostado da experiência de analisar as entrevistas

em grupo, os alunos responderam, entre outras respostas:

“Sim, gostei, porque foi muito diferente apesar de ter dois alunos desinteressados no meu grupo. Foi muito bom, aprendi com meus colegas, não posso dizer que aprendi tudo, só o necessário”; “Não, porque quase ninguém faz, por isso achei ruim”; “Não, acho que devia ser mais individual”; “Sim, porque em grupo as pessoas trabalham melhor”; “Não, porque só eu e outro integrante do meu grupo fizemos o trabalho. É ruim, pois dependemos do outro para concluir o trabalho”; “Não, porque todo mundo só quer que eu faça o resumo para copiar. Ninguém fazia o seu direito”; “Sim, aprendi bastante”; “Não, prefiro fazer sozinho”; “Sim, porque ajuda o outro com a sua entrevista”; “Sim, porque aprendi mais com cada entrevista”; “Sim, porém foi um pouco complicado trabalhar com algumas pessoas do grupo”; “Não, porque nem todos fizeram e não colaboraram para a realização do trabalho”; “Não consegui achar um grupo”; “Sim, só não tentei fazer”; “‘Mais ou menos’, porque a turma não ajudou. Fiz tudo sozinha, mas foi legal, pois aprendi muita coisa”.

Para analisar o significado das respostas dos alunos é essencial frisar que dos 24

alunos que responderam o questionário de sondagem 3 somente 11 alunos apresentaram o

trabalho, e desses somente existiam 2 grupos, o restante foram apresentações individuais.

As respostas apontaram que a maior parte dos alunos não gostou da experiência de analisar

entrevistas em grupo, porque os demais integrantes não colaboraram, não se interessaram

pelo trabalho, nem ao menos tentaram realizar as entrevistas. Vê-se que os próprios alunos

reconhecem o problema da turma, a passividade que impera e o descompromisso da maior

parte dos alunos, o que prejudica intensamente qualquer trabalho em grupo, prejudicando

também a vivência dos alunos, que, no futuro, certamente serão cobrados, terão que

realizar trabalhos em grupo, e não estarão preparados; uma vez que não sabem atuar em

grupo, cumprir com os compromissos e se dedicar ao que foi proposto.

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Nesse questionário de sondagem 3 os alunos também foram questionados se

consideravam que a experiência de análise das entrevistas tinha aprofundado o

conhecimento desses sobre o período ditatorial. Sobre essa questão, foram observados

comentários como:

“Me aprofundar não, mas conheci melhor sobre o período da ditadura. Eu não conhecia, não sabia nem o que era essa época. Com a professora e meus colegas aprendi muita coisa que não conhecia”; “Sim, porque não sabia nem o que era isso”; “No meu caso não, mas no caso dos meus colegas sim. Muitos comentaram que aprenderam bastantes após a realização de entrevistas”; “Sim, porque pude aprender e conhecer mais sobre a ditadura”; “Sim, porque analisei a opinião de outras pessoas”; “Não, porque poucos alunos fizeram”; “Sim, porque pude chegar mais perto de quem viveu a Ditadura”; “Sim, porque escutei histórias que nunca tinha aprendido”; “Sim, porque é uma boa forma de aprender história. Você “mandou bem” com esse trabalho”; “Sim, pois eu pude entender o assunto”; “Ficou muito mais claro para mim a época da Ditadura”; “Foi interessante pelo fato de ser colocada à frente de uma pessoa que viveu nesse período, mas acho que as informações que eu consegui da entrevista, posso encontrar nos livros”; “Sim, pois pude conhecer o ponto de vista de quem viveu a época estudada”.

Nota-se que a maior parte dos alunos considerou que o trabalho de análise de

entrevistas aprofundou seus conhecimentos sobre o período estudado, pois muitos deles

nunca tinham escutado falar sobre o período, o que foi mais aprofundado após entrar em

contato com alguém que realmente vivenciou o momento (Ditadura Militar -1964-1985).

Alguns alunos afirmaram que o trabalho não possibilitou maior aprofundamento na

temática, ou por não terem realizado o trabalho, ou por acharem que esse conhecimento

possibilitado pelo trabalho poderia ser encontrado nos livros didáticos. Observa-se que o

aluno que considerou que o conhecimento possibilitado pelo trabalho poderia ser

conquistado pela leitura dos livros didáticos não entendeu o objetivo do trabalho de análise

de entrevistas. Os livros didáticos sem dúvidas são documentos, capazes de fornecer uma

versão sobre acontecimentos. Entretanto, o trabalho proposto visava a análise de outros

tipos de fontes, as entrevistas orais, que deveriam ser comparadas, criticadas. Apesar de

algumas justificativas limitadas, nota-se que a maior parte das respostas considerou o

trabalho positivo, até mesmo alguns alunos que não se deram ao trabalho de realizar a

análise, perceberam que a experiência contribuiu para o aprofundamento do aprendizado

dos colegas que participaram do trabalho.

Os questionários forneceram pistas para avaliar mais que os sucessos e insucessos

da aplicação do projeto, pois também permitiram entrar em contato com as significações

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dos alunos, com os sentidos que estes atribuíram àquela prática proposta. Nesse terceiro

questionário, notou-se que muitos alunos que responderam não realizaram o trabalho de

produção de entrevistas, quanto mais o de análise em grupo, mas mesmo assim

responderam as perguntas propostas. Assim, esse questionário não apontou um perfil da

turma sobre o trabalho, mas sugeriu que a maior parte gostou da experiência, aprendendo

mais com a mesma. Entretanto, quando as respostas dos questionários são cruzadas com o

que aconteceu no dia da apresentação dos trabalhos e com o trabalho escrito entregue pelos

alunos, notou-se que o aprofundamento do conteúdo não veio. Os alunos foram

questionados sobre os conceitos que deveriam ter sido mais bem explorados nos trabalhos.

Oralmente a maioria dos alunos (dos 11 que apresentaram) soube relacionar o conceito de

documento com o trabalho proposto, demonstrando que realmente ampliaram a noção de

documento, como sendo tudo que fornece informações sobre uma época. Já sobre o

conceito de memória, mesmo quando questionados oralmente pela estagiária, os alunos

não conseguiram expressar esse conceito, nem relacioná-lo com o trabalho realizado.

Os 12 alunos entregaram trabalhos simples, com perguntas resumidas, apresentando

conflitos temporais. A apresentação não revelou aspectos de análises, apenas resumindo-se

a narrar os conteúdos específicos de cada entrevista. Assim, as respostas dos questionários

de sondagem 3 não condizem com o que foi verificado na prática, conforme demonstram

as anotações de campo da estagiária.

Além do questionário de sondagem 3, no dia 08/11 programado para as

apresentações dos alunos, também foi passado uma avaliação pessoal, mais uma vez

buscando compreender, já que se tratava de uma pesquisa etnográfica, como os alunos

atribuíram significado para aquele processo de produção, análise e apresentação das

entrevistas realizadas. Essa avaliação contou com as seguintes perguntas: Como foi seu

comportamento ao longo das aulas? Prestou atenção na matéria ou conversou bastante?

Explique. Você estudou a matéria em casa, realizou as atividades propostas na disciplina,

compareceu a todas as aulas e esclareceu suas dúvidas em sala de aula? Explique. Você

considera que o seu comportamento e o comportamento da sua turma ajudaram o trabalho

da professora e o seu aprendizado? Explique. Você considera que sua nota foi compatível

com o seu desempenho ao longo da disciplina? Você realizou suas tarefas e contribuiu com

a apresentação do trabalho? Qual a nota que você acha que merece? (de 0 a 10).

Para compreender os motivos que fizeram com que a apresentação dos trabalhos

fosse superficial e o projeto de pesquisa não apresentasse os resultados almejados, a análise

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de algumas respostas dos alunos a essa avaliação pessoal tornou-se crucial. Vale ressaltar

que 25 alunos responderam essa avaliação. Quando questionados sobre o comportamento

que desempenhavam na sala de aula, os alunos apresentaram respostas como:

“Para ser sincera, eu chegava no segundo horário e pegava as explicações nas últimas, mas eu me comportei, apesar de conversar”; “Presto atenção, mas as vezes converso muito”; “Às vezes prestava atenção, às vezes ficava conversando”; “Bom, prestei atenção na matéria. Afinal, temos que ser comportados e concentrados para armazenarmos mais informações sobre o assunto”; “Conversei, mas consegui trocar idéias e entender melhor”; “Prestei atenção, mas ainda não sei de nada”; “Que comportamento? Se nem aula eu assisti”; “Prestei atenção, mas as vezes conversava”; “Eu prestava atenção, mas conversava muito também”; “Não foi bom, não conversei, mas também não prestei muita atenção à matéria”; “Regular, não prestei atenção nas aulas, mas também não bagunçava nem tentava tirar a atenção dos outros”; “Prestei atenção nas aulas, mas não estudei em casa, sempre me distraio com jogos e etc”; “Bom, fui um pouco brincalhona, mas fui bem estudiosa. Essa foi a matéria que eu mais gostei”.

Nota-se que a maior parte dos alunos, mesmos os que informaram ter prestado

atenção às aulas, revelou que conversou durante o andamento da aplicação do projeto. Essa

conversa, muito provavelmente, pode ter sido a causa do descaso dos alunos, da falta de

atenção durante a realização dos trabalhos, das entrevistas mal produzidas, não analisadas e

das notas baixas que predominaram na turma. É interessante destacar que a estagiária,

como revelam as anotações do diário de campo, pediu para que os alunos se identificassem

nessas avaliações pessoais. Após analisar as respostas dos alunos, a estagiária concluiu que

muitos alunos foram sinceros, reconheceram a falta de compromisso que tiveram para com

as aulas e o trabalho fomentado, entretanto, uma minoria forneceu respostas que não

condiziam com o comportamento em sala de aula. Esse foi o caso do aluno Joaquim, que

afirmou ter prestado atenção às aulas, mas que continuava sem entender nada. Tal aluno

faltou diversas aulas e quando estava presente conversava bastante, não fazia as atividades

propostas e nem se deu ao trabalho de realizar as entrevistas.

Em relação ao questionamento sobre a realização do trabalho em grupo e

participação na apresentação das análises das entrevistas, os alunos teceram, entre outras

respostas, os seguintes comentários:

“Realizei, contribui no que pude”; “Eu realizei a minha tarefa individual”; “Sim, trabalhei. Fiz minha parte”; “Eu fiz a minha parte, mas cheguei atrasado e não ajudei o meu grupo”; “Não, não apresentei a entrevista e não gosto de apresentar trabalho”; “Não, não realizei”; “Sim,

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fiz todas as etapas junto com o grupo”; “Não”; “Sim”; “Não, porque eu não fiz”; “Sim, fui a única que terminou o trabalho no meu grupo e fiz bem feito”; “Realizei a tarefa, mas não contribui para a apresentação, pois não cheguei a tempo de me apresentar junto ao meu grupo”.

A análise das respostas dos alunos às questões da avaliação pessoal, demonstrou

que a maior parte dos alunos não realizou a atividade em grupo de análise das entrevistas e

muitos nem ao menos fizeram a atividade individualmente. O aluno que destacou ter feito

a atividade em grupo, mas não ter apresentado por ter chegado atrasado não apresentou

uma justificativa plausível. Como consta nas anotações da estagiária, todos os alunos

foram fomentados a apresentar, mesmo os que chegaram atrasados. É interessante notar

que, apesar dos 25 alunos terem respondido a avaliação pessoal, apenas 12 alunos

entregaram as entrevistas e somente 11 apresentaram. Esse número é relativamente

pequeno, quando comparamos com o numero total de alunos na sala de aula, 45.

As outras perguntas da avaliação pessoal não estavam voltadas diretamente para a

aplicação do projeto de pesquisa, mas, em geral, os alunos reconheceram que foram

desleixados com a disciplina, conversaram, bagunçaram, não contribuíram para o

andamento das discussões e não se propuseram a realizar o trabalho proposto. Até os

alunos que realizaram as entrevistas e tentaram apresentar, também demonstraram

limitações, discussões frágeis, empobrecidas e não conseguiram compreender e relacionar

o conceito de memória com o trabalho. Entretanto, é notável, como já descrito

anteriormente, que o conceito de documento foi ampliado. Todos os alunos que

apresentaram o trabalho souberam relacionar de forma adequada o conceito com o trabalho

proposto.

Faz-se necessário considerar as variáveis presentes na utilização da história oral

como metodologia no ensino de História, para melhor compreensão dos resultados e

significados da pesquisa. A experiência, apesar dos diversos empecilhos, apresentou

resultados positivos. Com essa metodologia, os alunos ampliaram o conceito que tinham

sobre documento, passando a entender que o documento é mais do que a identidade ou um

papel escrito, vai muito além, fornece informações sobre uma época, podendo ser gravura,

música, entrevista, entre diversas possibilidades. É necessário destacar as dificuldades de

aplicação dessa metodologia, uma vez que se trata de uma metodologia que exige

dedicação e atenção, e que os alunos desconheciam. A turma sentiu dificuldades, o tempo

destinado para a realização do trabalho também poderia ter sido maior. A estagiária teve

que limitar o tempo devido aos diversos feriados que permearam seu estágio, mas, em

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outras oportunidades, a estagiária poderá melhorar essa aplicação do projeto, considerando

outras variáveis e possibilidades. Na próxima experiência, por exemplo, poderá ser pedido

aos alunos que retornem a campo, voltem aos entrevistados e complexifiquem as suas

entrevistas, tentando obter mais informações sobre as perguntas que foram mal exploradas.

A estagiária não fomentou esse retorno devido às limitações do tempo, mas, em outra

oportunidade, poderá melhorar sua prática e a aplicação do projeto, fazendo determinados

ajustes, flexibilizando sua pesquisa.

5.5. - Considerações finais

A iniciação à pesquisa em educação na docência em História é fundamental no

processo de formação do futuro profissional educador. Os estágios supervisionados são,

nesse sentido, essenciais na formação do futuro professor, visando quebrar a visão dos

estudantes aspirantes a docentes sobre a escola básica, visões muitas vezes superficiais,

carregadas de preconceitos, estereótipos, ou visões extremamente romantizadas.

Ao longo dos estágios o licenciando pode desmistificar um pouco a idéia de que os

alunos de escola pública não “querem nada com a vida”. O futuro docente percebe que

existem alunos interessados, dedicados, mas que muitas vezes não são estimulados. O ser

professor é uma árdua tarefa, e muitas vezes as coisas não acontecem como planejando,

devido aos diversos obstáculos que permeiam o processo de ensino-aprendizagem.

Muitos professores da educação básica demonstram cansaço, apesar de fazerem

propostas, almejarem que os alunos vão além do livro didático, pesquisem, anotem,

construam uma autonomia, os esforços não são reconhecidos e muitas vezes os alunos não

são tão receptivos. Ao longo do seu estágio supervisionado, a estagiária que se dedicou a

aplicar o projeto aqui proposto (“O uso da história oral no ensino de História”) observou na

docente efetiva da escola uma professora que não sabe bem como fazer para que suas

estratégias frutifiquem. A estagiária também constatou que os alunos a desrespeitam,

gritam, zombam, e até mesmo agridem verbalmente essa professora. Trata-se de uma

professora que sorri, que está cansada, mas sorri, que só precisa de um impulso para

também impulsionar seus alunos. Uma professora que, talvez, esteja cansada de tanto

tentar e tenha resolvido “fechar os olhos” para aquele verdadeiro “caos” que às vezes se

instaura em sua sala de aula.

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A iniciação à pesquisa em educação na docência em História é fundamental para

ajudar o licenciando a entender a realidade que será objeto de seu trabalho. Mais que isso,

o futuro docente tem a chance de compreender o significado que os alunos, professores e

todo o corpo escolar atribuem às suas práticas. Por meio de uma pesquisa de cunho

etnográfico o futuro professor pode ir além das bibliografias, atuar na prática e analisar os

resultados e contribuições dessa aplicação ativa. Pesquisa, reflexão, análise e intervenção

são fundamentais para que o estagiário (licenciando) possa testar uma metodologia que

contribua para o processo de ensino-aprendizado e possa também analisar se aquela

realidade foi modificada, se aqueles alunos aprenderam, e como eles aprenderam, para que

os erros da sua profissão sejam menores no futuro, para que esse estagiário compreenda os

desafios e significados de sua própria prática, adquirindo autonomia e conhecimento sobre

o tipo de profissional que deseja ser e a concepção de História que permeia sua prática.

Erros existem em todas as profissões, mas na profissão de educador os erros são

muito perigosos. Não se tem a idéia de que a pesquisa na docência possa acabar com as

inseguranças dos futuros docentes, construindo “professores sem erros”. Isso não existe. A

pesquisa na docência auxilia o futuro professor a tentar ser diferente, tentar ser

empolgante, “tentar” os alunos, levá-los à tentação de aprender História a partir de sua

realidade, relacionando conceitos com o seu cotidiano, fazendo do seu ensino algo mais

significativo, que contribua para o aprendizado desses alunos. Se o professor apenas

ensina, ministra aulas, não está fazendo nada para modificar a realidade dos alunos. A

pesquisa na docência tem esse papel, de possibilitar o professor contextualizar sua prática

docente, sempre revendo-a, analisando-a, testando-a, contribuindo para a melhoria do

aprendizado dos alunos e da própria prática docente do professor, o que ainda é mais

importante na fase de formação desse professor, o caso da estagiária que foi narrado ao

longo deste ensaio.

Assim, a pesquisa em educação na docência em História significa mais que uma

possibilidade, é um desafio pessoal. Essa pesquisa desafia o licenciando a romper com suas

próprias dificuldades, a por em prática o tipo de profissional que sempre quis ser na teoria,

mas que muitas vezes na prática, por medo, por insegurança, ou mesmo por não saber fazê-

lo, esse profissional continua a repetir os erros que sempre critica. A pesquisa dá ao

estagiário o conforto de saber que é uma tentativa, tentativa responsável, lógico. Os

licenciandos vão à escola com planejamento feito, devem estudar para tentar ensinar! Mas,

na prática, não sabem os desafios concretos que vão encontrar, sobretudo em uma turma

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difícil, numerosa e indisciplinada. Mesmo assim, mesmo possuindo ainda estereótipos e

inseguranças os futuros docentes são instigados a tentar, tentar modificar a forma de

ministrar aulas, torná-las interativas, mas, sobretudo, significativas.

Não se trata de uma tarefa fácil, mas a pesquisa na docência incentiva o licenciando

a assumir aquele desafio com responsabilidade, um estagiário que vai para a docência com

uma metodologia que ajudará a concretizar seus planos e, caso esse futuro professor não

obtenha os resultados esperados, poderá ter subsídios para analisar a sua prática e melhorá-

la, aperfeiçoando suas técnicas, tendo clareza de suas teorias, do tipo de professor que quer

ser e da sua concepção de História.

O professor precisa pensar e repensar em suas próprias concepções, tanto as

relacionadas com a matéria que ministra (no caso História), tanto as que se relacionam com

as práticas pedagógicas (que tipo de professor eu quero ser?). É um trabalho difícil,

existem os mais variados obstáculos, entretanto ser educador exige compromisso. Percebe-

se que a sala de aula é um espaço interativo, heterogêneo, e que os recursos disponíveis, se

forem utilizados de modo correto, contextualizado e coerente, muito auxiliam na

construção e reelaboração dos conhecimentos na relação professor-aluno.

O projeto “O uso da história oral no Ensino de História” foi aplicado objetivando

ampliar além do conceito de documento e memória, o próprio conceito de História dos

alunos, conceito esse que não seria apenas relacionado à ciência dedicada ao estudo das

civilizações antigas, mas que também interpreta e reconstrói a contemporaneidade, que

também tem relações íntimas com o presente, com o atual, com a realidade desses alunos.

Como já foi exposto ao longo do ensaio, o projeto contou com diversos obstáculos.

A maior parte dos alunos não realizou o trabalho de produção e análise das entrevistas, não

sendo possível avaliar se esses alunos realmente compreenderam os conceitos e relações

propostas. Entre os alunos que participaram realmente do projeto e fizeram as entrevistas

(12 alunos), a maior parte não analisou essas produções em grupo, limitando-se apenas a

mera narração dos conteúdos expressos naquele documento que foi produzido. Assim, uma

das problemáticas levantadas com o projeto não foi respondida de forma positiva. Com a

aplicação do projeto, não foi perceptível uma aproximação do Ensino de História com a

realidade dos alunos, ao contrário, como as respostas dos questionários de sondagem

anunciaram, muitos alunos reclamaram que não conseguiram pessoas para entrevistar, o

que demonstrou que esses alunos não conheceram mais pessoas que moravam perto de

suas casas, parentes, ou outras pessoas que fazem parte de suas realidades. Mesmo entre os

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alunos que fizeram o trabalho, as perguntas das entrevistas foram tão superficiais e

carentes de análise que não foi possível perceber essa aproximação.

Em relação à problemática sobre como trabalhar a História Oral partindo dos

conteúdos do Ensino Fundamental, a aplicação do projeto foi satisfatória. A metodologia

aplicada conseguiu relacionar o conteúdo a ser trabalhado, período ditatorial (1964-1985),

com a realização de entrevistas. Os conteúdos foram trabalhados na produção de perguntas

para os roteiros e estiveram presentes na apresentação dos trabalhos. Apesar da fragilidade

dos trabalhos e das apresentações, os alunos que realizaram a atividade consideraram que

foi uma experiência gratificante, interessante e que contribuiu para o aprofundamento do

aprendizado. Os questionários e as anotações do diário de campo da estagiária também

apontaram que os conceitos de memória e História foram ampliados, os alunos realmente

compreenderam que documento não é só identidade nem só o escrito. Em relação ao

conceito de memória, não foi observado por parte dos alunos um entendimento desse

conceito, nem nas apresentações nem nos questionários de sondagem.

Dessa forma, mesmo com as limitações e obstáculos enfrentados, nota-se que a

história oral pode ser uma metodologia no auxílio do processo de ensino-aprendizagem. Os

alunos podem realizar entrevistas, sentirem-se como sujeitos históricos produzindo um

documento. Na turma do 9º ano do Ensino Fundamental, a maior parte dos alunos não se

propôs a participar do projeto, não realizando a produção e análise das entrevistas.

Entretanto, os alunos que fizeram o trabalho acharam a experiência interessante e

ampliaram o conceito que tinham sobre documento, bem como voltaram da experiência

com mais curiosidade e interesse para a disciplina História.

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REFERÊNCIAS

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Como citar o artigo: SIQUEIRA, Gabriela Fernandes de. O uso da história oral no ensino de história: uma

experiência na Escola Estadual Desembargador Régulo Tinoco. In: SEMINÁRIO

DIDÁTICA E ENSINO DE HISTÓRIA. 20 a 22 de junho de 2011. Anais. Natal,

Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Disponível em:

<http://sedeh.webnode.com.br/artigos >. Acesso em: DIA mês ANO.