gabriel cohn. sociologia da comunicação.- são paulo, pioneira, 1973

Upload: tathiana-lisboa

Post on 08-Jul-2015

319 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    1/88

    G AB RIE L CO HN

    Socioloqia da Cornunicacao 11 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 OOO~2539C

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    2/88

    SOCIOLOGIA DACOMUNICA

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    3/88

    o AUTOR......,._---GABRIEL COHN e professor de Socio-logia no Departamento de Ciencias S0-

    ciais da Faculdade de Filosofia , Letrase Ciencias Humanas da Universidade deSao Paulo.Atualmente orienta estudantes de p6s-

    -graduacao ern pesquisas sobre Comuni-ca~ao de Massas, area em que vem seespecializando e na qual, alem de diver-sos trabalhos esparsos, organizou. a cole-tanea Comunicaciio e Industria Nacional(1971 ).GABRIEL COHNern exercido imimeras

    ativtdades no campo da Comunicacao,do Jornalisrno e ate 0 cargo de assessorcientffico do Canal 2, TV Cultura, e 6atualmente consultor da EnciclopediaAbril, para 0 setor de Comunicacao.Anteriormente, GABRIEL COHN dedi-cou-se a estudos sobre industrializacjo

    e desenvolvimento do Brasil, tendo es-crito diversos trabalhos e publicado, in-clusive, outro livro: Petroleo e Naciona.-lismo (1968).

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    4/88

    PICHA OATALOGBAPJcA(Pnparada pelo Oentro de oatalopo&o-na-fonte,OAman Braallelra. do Lino, 8P)

    Cohn, Gabriel, 1038-8oc101otrla da comumcaoio: teor1a e 1dlOlo-lia. 810 Paulo, Plonelra. , 11173.178 pp. (B1b11oteca Plonelft, de Arte e co-mumcaoio)Bl'bl1Q1ratia.

    . 1. Oomun1caolo - Aapectoe 1OO101.6lic08 I.1'ftulo.n-G340 17. OOO-3OUI17. -301:14

    1nd1ceepara caWC189 Ilatem'tlco:1. Ani11ae da comumcaolo: 8oo101011a 301.14 301.22. Comun1caolo: ADIJ1Ie 1OC101.6I1ca 301.14 301.23. Oomumcao io: 8oc101 .~ 301.14 301.24. 8oc101otrla da COIDun1caoio 301.14 301.2

    SOCIOLOGIA DA COMUNICA

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    5/88

    BIBLIOTECA PIONElRA DE ARTE E COMUNICAC:AO GABRIEL COHNUn(lIerndCIde de 840 Pllulo

    Conselho Diretor:PROP. ALPREDO A. DE CARVALHO .E SILVA CARMOPROP. DR. DEClO PIGNATARIPROP. DR. GABRIEL COHNPROP. JOSE MARQUES DEMELOPROP. DR. LUCIO GRINOVERPROP. DR. SAMUEL PPROMM NETTO

    SOCIOLOGIA DA COMUNICA

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    6/88

    Pre/deio, 9lntrodu~iio, 13Capitulo 1

    Massa: A N~iio e 0 seu Alcance, 17

    Capo. deMABIO TABARIM

    Capitulo 2Publico, Elite e Massa: A Dimensao Politica, 29

    Capitulo 3Publico~ Elite e Massa: A Dimensao Cultural, 53

    Capitulo 4A Dimensiio Social: A Soc1t! .dadede Massaa, 63

    Capitulo SCultura e Sociedade: 0 Cendrlo Contempordneo, 99

    Capitulo 6Teoria e ldeologia, 129

    1973 Conclusses 161TOMS oe direiws reservu.dos por

    ENIO MATHEUS GUAZZELLI & CIA. LTDA.Rua 15 de Novembro, 228 -. 4.0 andar, sala 412

    Tele fone: 33-5421 - SAo Paulo

    Obras Citadas, 163

    Impreaso no BraallPrinte4 In Bf' lJ lr iZ

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    7/88

    PREFACiO

    - "Seu Filipe, 0 senhor nao acredita que 0 homem foi a Lua?"- "Uail Tem ilusao pra tudo".o tema dessa conversa e um evento presenciado por algumaseentenas de milhoes de pessoas, em dezenas de pafses, atrav6s da t e J . e . .visao. Mas nao foi necessario irprocurar pessoalmente "seu" Fi1ipeno seu remoto vilarejo no interior do. Brasi l, onde jamais. entrou DIllaparelho de TV, para conhecer a sua opiniao, Ela foi trazida ucas..de algumas dezenas de milhares de pessoas, e publicada numa revistamensal de grande circ~io ( Rea/;dade, fevereiro de 1971).Esse epis6dio diz muito aeerca da importlncia da comuni~1o

    no Mundo modemo. Nele fica patente que 0 indivfduo alheio aos meiOide comunicacao basicos na sociedade contemporlnea - imprensa,radio, televisao, cinema - consti tui uma anomalia , algo como amrepresentante de urna especie em vias de extin~ao. Essa especie seriao pequeno grupo hurnano isolado, para 0 qual 0 Mundo se reduz IlOIlimites dados pela sua convivencia direta, nas suas atividades coddia-nas, e 0 resto pertence a esfera do mito. 0 homem que ignora a notlcid.s6 passa a existir para a sociedade maior em que vive, no Mundo per-meado pelos meios de comunicacao, quando essapr6pria condi9iO 0converte em nottcia."Tern ilusao pra tudo", diz 0 homem que encara de fora 0 uni-verso da tecnologia da comunicacao. A seu modo, ele exprime, assini,um dos problemas centrais envolvidos na compreensso mais profundado sentido dos meios de comunicacao em grandeescala. Na realidade,as questOes basicas do estudo da comunicacao na sociedade - OU,mais precisamente, da Sociologia da Comunicacjo - em bo a medidagiram em tomo do esforco para converter isso que, com enganadorasimplicidade, ai e chamado de "ilusao", em um conjunto de conceitosprecisos, de carater cientifico, que permitam formular e responder A squestoes centrais do estudo sociol6gico da comunicacao. Como agemos meios de comunicacso no plano coletivo? Quais os seus efeitos1o que significa falar em "publico", ou em "massa"? Como a organiza-yao.e 0modo de agir desses meios se relacionam com tipos divenos desociedades? Tais sao algumas das questoes que interessam, nessa area.

    9

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    8/88

    o presente livro resulta da minha preocupacao com questoes dessetipo em cursos, publicacoes e outras atividades na area desde 1967,quando, com 0 apoio e 0 incentivo dos professores Florestan Fer-nandes e Octavio Ianni - aos quais devo muito mais do que isso- dei meu primeiro curso nessa area, na entao Faculdade de File-sofia, Ciencias e Letras da USP (naquela ocasiao, com a colabo-r~ao do meu ex-colega, Luiz Weis). Ele reflete uma das facetas dessapreocupacao: aquela que diz respeito ao exame dos proprios funda-mentos da analise sociologica da comunicacjo. As rmiltiplas solicita-~oes 'Para pensar nos problemas concretos da comunicacao em ter-mos de uma analise sociologica me levaram a encarar com inquie-t~ao critica as proprias modalidades dessa analise, e seus pressu-postos. Dai 0 t rabalho aqui apresentado, redigido em 1971/72. Naose trata, portanto, de um estudo especifico sobre esse ou aquelemeio de comunicacao, nem de manual introdutorio, que se~roponhaensinar passo a passo como proceder em estudos desse tipo; mesmoporque sao os procedimentos da analise sociologica e seus pressu-postos que estao em questao, Por outro lado, procurei conduzir aargumentacao de modo a minimizar a necessidade de uma forma~aoprevia especifica na problematica sociologica e de Teoria Politicaenvolvida.

    o livro constitui uma versao, consideravelmente adaptada e modi-ficada, de urn texto que originalmente foi apresentado como tese dedoutoramento em Sociologia, no Departamento de Ciencias Sociais daFaculdade de Filosofia, Letras e Ciencias Humanas da Universidade deSao Paulo, perante banca constituida pelos professores Luiz Pereira,meu orientador, Ruy Galvao de Andrada Coelho, Marialice Mencari-niForacchi, Miriam Limoeiro Cardoso e Michel Debrun. A estes e,sobretudo a todos aqueles amigos, colegas e.funcionarios do Departa-mento de Ciencias Sociais, que, de diversos modos, me deram apoio narealizacao desse trabalho, quero apresentar aqui meus agradecimentos.Amelia Cohn merece uma referencjaespecial, pela fundamental colabo-ra~ao que prestou.durante todas a s fases do trabalho. Minha filha, Cla-rice, tambem ajudou imensamente, a sua maneira, A ambas, querodedicar esse livro.GABRIEL COHN

    Sao Paulo, maio de 1972

    10

    /

    Abre-te sesam o - quero sairls. jerzy lek ( th . w. adorno)

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    9/88

    INTRODU~AO

    A preocupacao basica do presente trabalho e com a fundamen~de uma estrategia de analise sociol6gica das rel~oes entre sis temassimb6licos e sistemas sociais, aplicavel a uma modalidade historica-mente especffica da sua manifest~ao: qual seja, a sociedade contem-porlnea altamente complexa e industrializada, em que a produ~ao e 0consumo em grande escala se estendem ate a sua dimensaocultural ,o problema maior, implicito ao longo de toda a discussio, dizrespeito a s pr6prias condicoes de possibilidade de uma a n dU s e s o c io -16gica do comunicao (e da sua cristalizacao no plano cultural) emsociedades complexas. Interessa-nos, portanto, examinar a questlo deuma analise cientffica - referida, portanto, a uma teorla especffica -que respeite simultaneamente a autonomia da sua dimensio sociol6gi.cae aquela do seu proprio objeto de estudo. Vale dizer: importa-noi diJ-cernir as condi~ de re~ao de uma anal ise sociol6gica da com.ni~Qo que tenha valor de ciencia, Uma impli~ao geral disso m . e r e c eser assinalada desde logo: tomamos pravisoriamente (ou seja. scmsubestimar a importancia do problema) a autonomia teorica da anQiaosociol6giea como dada, sem nos preocuparmos com uma quest io fua-damental, susci tada precisamente pelo tema em exame. Trata-se d aquestao acerea da possibil idade de incorporar-se a Sociologia, junta-mente com outras Cioocias Socials, a uma cieneia geral dos sistemasde signos: a uma Semiologia, ou Semi6tica, portanto. Neste c a s o , dadaaas dimensoes semiologicas basicas (sintatica, sem!ntica e pragmatica),lhe eaberia urn lugar nesta Ultima.

    A questao acerea de se respeitar 0 carater peculiar do objeto deestudo, comwiicOfQo, nao e gratuita. s que 0 exame da bibliografia'corrente sobre 0 tema, naquela area que se poderia chamar de "socia-logia da comunicacao", mostra que ela tende a se l imitar a considerarofenomeno comunicOfiJo como uma "variavel", ao mesmo ti tulo quequaisquer outras; demais, freqiientemente a toma como "variavel depen-dente", incluida num esquema de analise de um outro fenameno. 0prot6tipo disso e dado pela .ampla bibliografia. sobre "comuniea~io edesenvolvimento" (econOmico, politico e social), na qual 0 problem.arealmente relevante e 0 processo-de desenvolvimento, e os sistemas decomunicacao dizem respeito a uma das areas institucionais, entre outras,13

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    10/88

    cuja analise e pertinente ao tema. Isso e particularmente nltido nocasodos estudos sobre "difusao de inovacoes", nos quais a prova de que 0processo de comunicacao nao constitui sua dimensao basica reside emque as hip6teses apresentadas e a sua verifica~ao incidem sobre outradimensao que nao a comunicativa (a racionalidade economica, porexemplo, nos casas de estudos da "Sociologia Rural" do tipo feito porEverett Rogers e seus colaboradores),Essa aparente despreocupacao com a especificidade intrinseca dofenomeno comunicaciio nas analises sociol6gicas convencionais ternimplicaeoes profundas; ela ao mesmo tempo reflete e perpetua a caren-cia de um quadro te6rico adequado, que permita tratar da comunlcacaono myel em que ela se poe e, a partir d es se n iv el (portanto, sem operaruma reducao previae, no mais das vezes, implicita) , propicie a formu-l~ao de inferencias s oc io lo g ic am ent e r el ev an te s.: claro que, enquanto processo fundamental constitutivo de todasociedade, a comunicacao nao e esquecida par nenhuma modalidadede analise sociol6gica, e mesmo assume papel nuclear em algumas delas.Exemplo disso seria a orientacao voltada para 0 estudo da sociedadeem terrnos de "interacao simb6lica" (cuja inspir~ao na obra de GeorgeH. Mead ja denotao seu potencial sociopsicol6gico, mas que, atravesde autores como Herbert Blumer, se revela das mais fecundas) ou entaoas tendencies, afins a essa, porem mais complexas, que entroncam na-quilo que autores como Garfinkel e Cicourel chamam de "etnometodo-logia" (na qual, alem de Mead, uma fonte inspiradora basica das suasanalises das formas cotidianas de comunicacao e a Sociologia de fundo"fenomeno16gico" de Alfred Schutz). Na mesma linha de raciocinio,nao sao diretamente pert inentes ao nosso estudo as tentat ivas no sen-t ido de formular esquemas gerais de analise (na area poli tica, sobre-tudo) com base na teoria formal, ou matematica, da comunicacao, ta lcomo 0 faz, por exemplo, Karl Deutsch. Levar essas orientacoes emconta ampliaria demais 0 campo da nossa analise (assim como a aten-~ao ao desenvolvimento recente de uma disciplina como a Sociolingilis-tica 0 restringiria demasiado). Nao nos interessa diretamente a comuni-c~ao enquanto dimensao generica da sociedade, mas sim a analise deuma manitestacjo historicamente especffica desse processo.Isso nos conduz a urn ponto de fundamental importancia para aadequada compreensao do presente trabalho. : que ele se desenvolveno plano de lima discussao teorica. Discussao prel iminar, alem domais, visto que nao se propoe outra coisa senao contribuir para atarefa de "limpeza sistematica do terrene", atulhado, no domfnio quenos interessa, de pseudoconceitos cientificos, que formam um reper-t6rio rico mas informe de elementos util izaveis em toda sorte de cons-trucoes apenas supostamente cientificas. : por isso mesmo que nos.propomos tratar de t eo ri a e i de ol og ia , no dominic que nos interessa.Isso significa, desde logo, que os problemas ' mais substantivos,referentes a metodos especfficos de analise da comunicacao, nao for-14

    mam 0 cerne do tratamento do tema, a nao ser acessoriamenis, aolongo do seu desenvolvimento. Eles somente aparecem no primeiroplano no final do trabalho, e ainda assim de modo indicativo, Con-cemem, em suma, a uma dimensao basica do ponto de chegada deanalise e nao do de partida. Notar-se-a isso especialmente quando sechegarao ponto nuclear a presente tese, em que se assinala que aanalise sociol6gica da comunicaeao, para ganhar validade cientfficadeve inspirar-se numa teoria que a oriente no sentido do estudo ~mensagens, tomadas criticamente enquanto manifestaeoes no planoideologico, Fica claro ai que escapa ao alcance do presente trabalhoo tratamento especffico de questoes como a concemente a modalidademais adequada de analise da mensagem: se deve ser de conteUdo ouestrutural, por exemplo. Tais questoes sao tipicamenteaq~las queaparecem de modo indiauivo, e remetem a um trabalho posterior, qu etome 0 presente como ponto de referencia,Cabe referir, ainda, que os temas centrais tratados - tbiD eideologia - basicamente 0 sao apenas na medida em que seu exameseja pertinente a adequada formulacao dos problemas que nos inte-ressam no nivel sociologlco. Nao custa lembrar que uma discussio detipo propriamente epistemol6gico escapa de longe aOSlimites do tra-batho e as ambicoes do seu autor. A tendencia - talvez lamentavel;mas inevitavel, no caso - sera de ficar mais pr6ximo do dominic da

    Sociologia do Conhecimento.Tudo isso nos conduz a questao dos conceitos a serem usados naanalise da comunicaeao. Nao que haja carencia deles, pelo menos Aprimeira vista. A sua pr6pria superabundancia ja e suficiente pa radespertar suspeitas acerca da sua validade cientffica. 0 repert6rio con-ceitual disponivel, tal como se encontra na bibliografia pertinente, inclui.em posicoes de honra, n~Oes como: massa, p u b li c o, o p in io o p U b li ca .sociedade de massa, cultura e comunicacao de massa. Em certos casas,encontram-se referencias a s no~oes de comunicacao socia l ou C()ietiva,geralmente apresentadas com a just if icat iva de que se trata de termos"neutros", mas aptos a satisfazerem os requisi tos de objetividade deuma ciencia livre de jufzos de valor.Diante de tal proliferacjo terrninol6gica e das pol&micas acerca

    dos seus respectivos meritos, impoe-se umatarefa previa, de esclareci-mento conceitual. Trata-se de tentar, atraves de um empreendimentocritico, encontrar os fundamentos conceituais mais adequados a c O O s -tru~ao de teoria na area que nos interessa. Vale dizer que a questiose poeem terrnos de ir alem de n~Oes descritivas, pre-cientff icas, embusca de instrumentos teoricos, que transcendem explicativamente 0objeto de analise.

    O s autores que privilegiam termos tais como. comuni~ao"social" ou "colet iva", em contraposicao a comunic~ao "de massa",o fazem para escapar a s conotacoes ideol6gicas que encontriun no15

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    11/88

    termo "massa". (Poderiam faze-Io tambem por motivos puramenteesteticos, para escapar a canhestra traducao direta de mass c ommun i-c at io n, m a ss c ul tu re e mass m ed ia .)B 6bvio, contudo, que nao sera 0 deslocamento do problema paraa area estilfstica que nos livrara das quest6es te6ricas e metodol6gicas,das mais arduas, com que haveremos de nos defrontar. Nessas con-dies, nao ha 0 que fazer senao procedera urn exame de cada umadessas n~oes basicas pert inentes ao tema, na esperanca de delimitaro seu campo de validade teorica e explicitar, quando for 0 caso, 0 seuconteudo ideo16gico e as implicaeoes disso.Isso nos obrigara a irmos alem do puro exame conceitual. Tere-mos que proeurar a articulacao dos temas subjacentes a cada n~Ao,para em. seguida reconstruir 0 quadro de referencia em que eles secompoem como sistema, para, finaImente, discutir 0 significado, parao nosso trabalho, das suas categorias diretrizes que sao teoria e ideolo-gia. Nao nos interessa a reconstrucao hist6rica, no est ilo de uma "his-t6ria das ideias".Nao obstante, 0 caminho que seguiremos talvez seaproxime, em algumas passagens, enganadoramente dela. B que esta-remos interessados em descobrir as modalidades hist6ricas da produ~ioe as condicoes sociais da Incorporacao e redefinicao de concei tos , B 0que passamos a fazer.

    CAPiTULO 1MASSA: A NOCAO E 0 SEU ALCANCE

    Encarado do ponto de vista da Sociologia Sistematica - de -umaperspectiva puramente descritiva, portanto - 0 termo massa designauma coletividade de grande extensio, heterogenea quanto a origemsocial e geografica dos seus membros e desestruturada socialmente. Istoe, trata-se de urn coletivo, contiguo ou a distancia, de individu,os indi-ferenciados quanto a normas de. comportamento, valores e pos~sociais, pelo menos naquilo que diz respeito a uma sit~ao detetmi-nada. Assim entendida, a n~ao se apresenta como util p a r a distinguircertas formas de agrupamento hurnano, e de comportamentos coletivOloorrespondentes, no interior de um continuo analftico qu e vai do ajun..tamento mais ocasionaI e ef&11eropossfvel - a multidAo - at 6 asformas mais altamente estruturadas de grupos socials, Trata-se, 6 bolDlembrar, de uma n~ao apenas aparentemente descrit iva de um fen6-meno real: como todos os conceitos da Soeiologia Sistematica, co~ponde mais a uma oonstrucao relativamente vazia e - ponto impor-tante na nossa argumentacao posterior - que se propoe ser neutra.

    Suponbamos agora que, estimulados pela facilidade de locaIi1Jl91o~da n~ao descri tiva de ''massa '' , passaremos a procurar uma via ig ua l: " .mente comoda para 0 entendimento preliminar da n~ao de "cu1turade massa". Uma boa foote presumfvel para resolver 0 problema ser iao exaustivo inventario de ace~Oes do termo "cultura", organizado pa rKroeber e Kluckhohn.! A primeira dece~ao nAo se faria esperar: nada,ao longo de mais de 400 paginas repletas de conceitos e defin~cuidadosamente catalogadas, permite entender 0 sentido dessa associa-!tao entre "cu1tura" e "massa", t a o c o m . u i n , embora, na bibliografiarecente.Tr8s suposicoes se impOem, desde logo. Aprimeira 6 que aexpressao "cultura de massa" e demasiadamente recentepara ter encon-trado lugar no inventario de Kroeber/Kluckhohn, pubUcadp origiJ1al-mente em 1952. Isto, apesar das discussoes em apendices, acetca de.n~Oes como "cultura delclasse" e "cultura nacional" na Uniio Sovie-

    1 Kroeber. A. L.e C. XluckhohD (orga.). Culture - " CritlcaJ Bmew 01 COIIi-cept. ,,114Definitions. VlntalreBooka. Nova York, . d. ( texto orllinal. lIP).16 17

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    12/88

    t ica e na Alemanha. A segunda suposi~io e a de que, da perspectivaantropol6gica adotada, naquela obra pelo menos, a justaposi~io entre"massa" e "cultura" simplesmente nio faz sentido. Nao haveria , dessaperspectiva, como construir urn conceito hibrido desse t ipo,. em queurn termo se refere a um fenomeno carente de estruturacao mtema eo outro - cultura - tern. sua pr6pria razao de ser no carater organi-zado do seu objeto. De resto, a afinidade entre a n~io original decultura e a de desenvolvimento organico ja foi bem explorada, emvaries contextos .sFinalmente, ter iamos que admitir que a enfase nessa construcjohfbrida nio esta na n~io de "cultura", mas sim na de "massa". Esta-riamos, entao, na contingencia de procurar desvendar os lacos algoenigmaticos que ligam esses dais termos.Nesse ponto, 8 'O lD .OS obrigados a passar em revista, ainda que demodo sumario a problematica sociol6gica das massas, com tanto maiorrazao porque ~ncontramCJis,ao lade do hfbrido "cultura de massa" 0seu correspondente "sociedade de massas", em relacao ao qual se pOemos mesmos problemas. Conforme 0 proposto, essa revisao nilo tera porobjetivo reconstruir historicamente a emergencia dessas n~6es,poisque isso nos desviaria do nosso problema, principal. Nos,s~preocupacaoe outra. Trata-se de submeter essas nocoes a urna analise que talvezpudessemos chamar de tematica: reconstruir as articulacoes da pr6priaproblematica da reflexao social que lhes esta subjacente, tendo emvista deslindar a constelacao de temas e preocupacoes que, associadosa cada termo isoladamente, num contexto hist6rico dado, condioionampor seu tumo 0 significado das associacoes possfveis entre eles.Um traeo que pretendemos ressal tar, no nosso tratamento preli-Minar do problema da massa, consiste em que, ao longo de todo 0desenvolvimento hist6rico da reflexio a seu respeito, esta implicita aatribui~ao a essa categoria social de urna certa responsabilidade pelosurgimento, efetivo ou possfvel, de determinadas caracteristicas do sis-tema social e cultural global. Assim, a presence e ~io da Massa atri-bufa-se, no seculo passado, a ameaca constante de disrupcao social eterror politico revolucionario; posteriormente, a sua presenca, enten-dida como "disponibilidade", e t ida como substrato de movimentospolfticos "totalitarios"; finalmente, ela e encarada como condicionadorade urn avil tamento dos valores estet icos e culturais em geral. Parale-lamente, contudo, a at itude dos observadores e analistas em re~ioa esse mesmo fenemeno social sofre uma transformacao digna de nota;do alarme que caracteriza as reflexOes conservadoras do seculo passado,passa-se a urna atitude de mal-estar e mesmo desprezo no inicio desteseculo, Finalmente, com a definitiva incorporacjo do tema pelas Cien-cias Sociais, adota-se uma postura simplesmente neutra, de aceitaejo

    2. WUl1ama, R., Culture cand Soctiltr/ 11801950, Penguin Booka, 1983, pp. 13-8(ed. bras1leira, C1a. Eci. Nac10nal, Ec1. cia n8P, 81.0 Paulo. 1989); H. Becker, "Anthropology anci Soclology", In: J. GlUln (org.), For G ScWn.ce 01 SoctGl MGn, MacmlUan,Nova York, 1954. pp. 10259. .'

    sem maior exame desse suposto dado do real, apto a ser correlacionadocom outros ao mesmo titulo que eles, : nesse caminho que se p a s s ada ideia de Massa como nociva a pr6pria sobrevivencia da "sociedadecivil" para a n~io, contemporanea, da "sociedade de massas".Como e sabido, a preocupacao com 0fenomeno social massq ,urn legado do pensamento poli tico conservador do seculo XIX, e re-monta a reacao contra a Revolueao Francesa," Neste sentido, 0termo,quando usado no contexto deuma reflexio sistematica, tende desde aorigem a ter urna conota~ao negativa, de tom conservador. Isso derivada dupla tensao que caracteriza 0 campo de a~io do pensamento con-servador. Por urn lado, como aponta Mannheim, esse esti lo de ~mento, oriundo do tradicionalismo, emerge, "em Ultima instAncla, docarater dinamico do Mundo modemo" e, sobretudo, de uma sociedadc'"na qual a mudanca ocorre por meio do conflito de classes - umasociedade de classes"." A n~io de Massa tende a emergir, assim, eiD,contraposicao aquela de classe, na medida mesmo em que esta 6 com-ponente basico do universo de discurso revoluciondrio em f~1ona mesma epoca. : claro que a n~ao de Massa tambem aparece natradi~ao de pensamento oposta a conservadora; mas e como substitutoocasional daquela de classe 00, pelo menos, comosubordinada a esta ,e nio como elemento organizador do discurso. Basta recordar, nestecontexto, a analise do golpe de Estado de Luis Bonaparte, pol' Marx:por exemplo, quando referindo-se a atitude do "6rgio da ar is tocrac iafinanceira", 0 Economist de Londres, que se referira a "~io que umassas proletarias ignorantes, grosseiras, estUpidas, peI'petraramconttaa habilidade, a ciencia, a disciplina, as capacidades intelectuais e asqualidades morais das camadas medias e superiores da sociedade", 'comenta que "essa massa ( . .. ) nio era senao a propr ia mauaburguesa" .Ii .Por outro lado, a conotacaoconservadora do termo ~ 6 da ( J apela circunstancia de que, no pensamento conservador, ela desiPnegativamente aquilo que seria manifesta~ao social de urna dimeDSlodo 'esti lo de pensamento que Mannheim caracteriza como "burguSs--revolucionario", com referencia ao inicio do seculo XIX. l3ssa dim.. .sio seria dada por aquilo que 0 mesmo autor designa po r "&t9 JD~e mecanicismo", segundo 0 qual "unidades coletivas (0 Estado, . .leis, etc) sao construidas a partir de indivlduos 00 fatores iso1ados~.A cristal izacao do termo m a s s a (e seu correlato, "multidio")naquilo que se propOe ser urna analise cientffica, se da no final doseculo XIX, especialmente na Franca, Esta ja havia produzido asinvectivas de Taine contra a Revolucao Francesa e as anallses de

    3 Nlabet, R. A.. Th.e soctoloccll TrGdfttcm, Baalc Boob, NOft YCII' iE .~"'-P1pp. 31-42. . . '_._t'4 Mannbelm. x.. "Conaervatlve 'l'bO\1Bb,t". In: ...". on soctolbn Otld B_P81lcholOfl1l. Routledge &; Kegan Paul, Lonc1re8, 1958, p. 101. , . .....5 Marx, X., Le 18 Brumcnre de Louc. B0fIG1JCIrte.td1tlona 8oc1al- . PUla. . ..-.pp. 243-44.I I Mannbe1Jn. X CP. eft., p. 117.18

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    13/88

    Tocqueville sobre os riscos inerentes ao processo de homogeneizacjoque ele enxergava na sociedade norte-americana de meados do seculopassado, na sua obra sobre La Democ ra ti e e n Am er iq ue . 0 nome queocorre, neste contexto, eo de Gustave Lelson," com sua obra de 1895,sobre a "psicologia das massas". (0 termo usado p o r LeBon e joulesmas, como veremos, a distin~ao entre multidao e massa nilo 6 perti-nentea sua obra.)LeBon parte de urn problema que, na sua formula~ao, soa comourna versao pervertida da doutr ina l iberal acerca da autonomia indi-viduale d o seu papel consti tutivo na sociedade civil . Trata-se, emUltima instancia, de compreender como urn aglomerado de individuosque, isoladamente, sao capazes de discernimento e de comportamentoracional, adquire caracterfsticas diversas daquelas de cada urn dosseus componentes individuais, ou do seu simples agregado. A explica-~ao, para LeBon, e dada pela "lei psicol6gica da unidade das mul-t ic; toes",segundo a qual, em situ~ao de massa, nao impOrtam as dife-reneas entre os individuos componentes, pois todos eles, "pelo fato dese terem transformado em uma multidao ficam de posse de algo comouma men ta li da d e colet iva, que os faz sentir, pensar e agir d e maneiratotalmente diversa da que cada qual sentiria, pensaria e agiria em estadode isolamento"." Toda a analise de LeBon esta construfda no sentidode. demonstrar 0 carater irracional, impulsive e mesmo regressive da~ao das massas. "Pelo mere fato de formar parte de urna multidioorganizada, [isto 6, de urna assoc~ao de individuos CQIll v is ta s e malguma ~ao]um homem desce var ies degraus na escala da ci~ao.Isolado, de podera ser urn individuo cultivado; na multidio, ISurnbarbaro - ou seja, uma criatura que age po r instinto".11Mesmo por-que, "as massas, pouco adaptadas ao raciocinio, sio, contudo, rapidasno agir".l~Os termos multidao e Massa sao in tereambiave is em LeBon.Na real idade, todas as formas de grupamento acabam sendo tratadasna sua obra em termos de joules. Atesta-o a classifi~io por ele pro-posta , Distingue entre mu lt id o e s " h e te r og e ne a s" e "bomogeneas". Asprimeiras - a s quais dedica 0 grosse de seu estudo - podem se r"anenimas" (ajuntamentos de rua, por exemplo) e "nfiD-ananimas"(jUris e assemble ias parlamentares, por exemplo) . As segundas com-preendem as "seitas" (politicas, religiosas, etc.), as "castas" (militar,sacerdotal, "trabalhadora"; etc.) e as "classes" (as "classes medias", as"classescamponesas" , etc.).. . .A sua obra, contudo, tem endereco certo. Procura caractenzar a .nova era hist6rica, de cuja emergencia seria testemunha, .mda no

    7 Para uma anil1Be do embaaamento hl8t6rtco da n09l1.ode maua e uma critlcaa LeBon, veja-ae G. Lefebvre, "Revolutlonary Crowds", in: J. Kaplow (:rg.),. NewPerspeCtives on the French Revolution - Readings in HiBtoricGl SocioiOfn, Willey,Nova York, 1965, pp. 173-90.S Pot WI&da a recente ed10A0 americana: G. LeBon, The Or~d., BallaDt1IleBoob, Nova Kork, 11169,pp. 22-3.9 LeBon, G., op. cit., pp. 27-1k10 LeBon, G., op. cit., p. 10.

    perfodo de "transicao e anarquia" que a precederia: a "Era das Mul-t id6es". Caracter iza-a pela "entrada das classes populares na vidapoHtica".ll : nesse ponto que a identifi~ao multidoes-massas-classespopulares fica clara em LeBon. ": pelaassociacao que as multid6es( ... ) atingem uma consciencia da sua for~a ( ... ). Atualmente asexigencies das massas se tornam cada vez mais claramente definidas( . .. ). 0 direito divino das massas esta em vias desubstituir o direitodivino dos reis" .12. Ainda estamos longe das defmi~es limpidas e pacfficas da Socio-logia Sistematica. Seria erroneo , contudo, deixar Lelson de lado;: comoum resquicio da pre-historia das Ciencias Sociais. Erroneo, em pri-meiro lugar, porque nao somos n6s que, por mero interesse academico ,o ressuscitamos: as suas reedicoes e sua difusio em livros de bolsonos Estados Unidos demonstram que suas ideias a inda encontramadeptos. E nao por acaso: 0 se u tom 6 arcaico apenas na virulenciados seus argumentos, vulneraveis a mais primaria analise ideol6gica.No ma is , m a nt em sua atualidade, na medida em que aspectos baslcosda sua construcao ideo16gica nao foram superados pela ciencia socialcontemporanea, mas simplesmente incorporados ap6s urna depur~aoe neutralizacao sistematica. Entre eles esta a pr6pria n~ao central, demassa, e sua correlata, a "era das massas" , mas sobretudo, a proble-matica posta por ele ainda persis te em grande parte da d isc us sa o c on -

    temporanea acerca do "comportamento coletivo".13Designa-se por compor tamento co let ivo has Ciencias Sociais Con-temporaneas, sobretudo de lingua inglesa, uma forma especlfica de~ao de g ru po s h u ma no s: precisamente aquela susce tfve l de ser enca-.rada como "irracional", ."aberrante" e, sobretudo, nao institucionali-zada. O s motins (riots) sao 0 exemplo classico, Referindo-se a assimi-la~ao da problematica dos tecnicos europeus pelas ciencias sociaisnorte-americanas, um critico liberal do s modelos de comportamentocoletivo.mais em yoga nos Estados Unidos observa: "Transplantadospara a Sociologia e a Psicologia Social americanas, os pressupostos doste6ricos europeus sofreram considerave l modifica~ao. Na ausencia deuma tradi~ao feudal, a sociedade norte-americana nao foi receptiva a stendencias mais e x p li ei tame nt e a n ti demo c ra t ic a s representadas nas teo-rias europeias sobre a multidao, 0 comportamento irracional das mul-t id6es deixava, no mais dos casos, de.ser vinculado a emergencia dap a rt ic ip a c ao d emo cr a ti ca no governo e na cultura. 0 s im p lis ta modelede contagia (disease model) do comportamento coletivo foi, na maiorparte, substituido pot uma nova perspectiva que, enquanto descartava11 LeBon, G., op. cit., p. 9.12 LeBon, G.. op. cit., pp. 9-10.13 Acerca da atuaUdade daII farmula96ee de LeBon, veJa-ee B. Milgram e B.Toch, "Co1ll)Ctlve Behavior: Crowds and Social Movemente", in: Llndaey e E. Mon-

    80D (orp.) , The Han4book 01 Social P81/chOlofl1l, Addlson-Weeley, Reading, Mass., 2."ed., 11188,Vot. 4, pp. 507-610, eap. pp. 542-45. "Blatortcamente - dlzem eles - aqueatll .o mala persLltente no eatudo do comportamentQ coletlvo tem aido: "Par queae cOl!r96es que ortentam 0 comportamento convencional e . decente do homemm6dio ee rompem quando ele eati numa multldll.o"? (op. cit ., p . 517).20 21

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    14/88

    alguns dos temas preter it os, retinha muitas das suas premissas subja-centes. A maior mudanca apresentada pelas analises mais recentes docomportamento coletivo e no sentido de urn maior interesse nas COUStlirda desordem. Ao mesmo tempo, concepcoes antigas acerca da naturezadas desordens (riots) foram mantidas no mais das vezes".A formulacao e cautelosa, masda a entender claramente a per-sistencia dos velhos temas, redefinidos apenas em dois pontos. Emprimeiro lugar, a analise que, na sua origem europeia, procuravaapreender tendencies hist6ricas a longo prazo, e redefinida "operacio-nalmente" naSociologia contemporanea, para procurar responder a squestoes maisimediatas a respeito das causas especificas do compor-tamento nao institucionalizado - ou seja, dos motivos peles quaisfalham, em casas dados, os processos de controle social . Isso, comobem aponta Skolnick, na o e incompativel CO m a retencao daquelasconcepcoes preter itas, sobre a natureza geral do tenemeno estudado.Em segundo lugar, ha uma redefinicao do significado da polaridadebasica que articula esse pensamento: aquela que contrapoe 0 compor-tamento "racional" ao "irracional". No pensamento explicitamente con-servador do seculo XIX 0 comportamento irracional e identificadocom 0 das massas numa si~iio de transi~ hist6rica, e a racionali-dade aeaba sendo identificada com a situa~iio hist6rica em vias dedesaparecer. Nas teorias contemporaneas a identificayaO "comporta-mento de massa-irracionalidade" tende a ser'mantida, mas a raciona l i -dade e identificada com as instituicoes presentes. 0 pensamento con-servador a inda tingido de tradicionalismo do seculo XIX, do que falaMannheim, eonverte-se em conservador tout-court.Isso se aplica mesmo a concepcoes mais matizadas, como as deHerbert Blumer, ou ate aquela de. Roger Brown. Este, embora man-tendo 0 criterio da nao-insti tucional izacao para caracterizar 0 compor-tamento coletivo, formula uma engenhosa interpretacso das suas formasde manifesta~ao, valendo-se do esquema propiciado pela "teoria dosjogos". Com isso, elimina-se a premissa da irracionalidade das diversasformas de comportamento coletivo (desde 0 simples panico ate os maiscomplexos movimentos sociais) para substitui-la pela de uma raciona-lidade entendida em termos estritamente formais. Admitindo-se, comBrown, que 0elemento peculiar das diversas modalidades de compor-tamento coletivo esta dado pela presenca de urn dilema no nfvel docomportamento dos individuos envolvidos (tentar salvar-se antes dosoutros .ou aguardar ate que a situ~iio se esclareca, no caso de panico;seguir ou nao as normas vigentes, nos casos mais complexos), torna-selegit ime operar com urn esquema construido para apreender as alter-nativas de ~ao abertas aos componentes da massa em termos docaIculo dos seus resultados imediatos (payoff) comparativos.

    14 Skolnick. G. B.. The. Politw. 0/ ProteBt, Ballantine Books. Nova York. 1961!,p. 331. Para um Interessante contronto pol6mlco entre as concepo6ea de Skolnlck eas de Nell Smelser . veJam_ 08 Annals of the American Academl 01 PoliUcal and. SOCi4l Science, Vol., 391. Bet.. 1970.

    Em termos do tratamento doproblerna da "multidio", como-pro-t6tipo da "situ~ao de massa", 0 progresso obtidopor esse meio 6contudo, bastante limitado. Brown e explicito a respeito: falar ~emergencia de um "espirito coletivo" (group-mind) em condicoes dessetipo niio lhe parece inaceitavel em princIpio, nao obstante a impressiiodo coneeito envolvido. Parece-lhe, no entanto, "mais esclarecedor admi-t ir que 0 que emerge na multidao 6 uma matriz de ganhos e perdas(payoff matrix) que nao existia para os membros quando n a o com-punham uma multidao"."A razao de tao modesto ganho analf tico e clara: diz respeito 80carater meramente instrumental-formal da racionalidade individual quese toma como base para 0 exame do fenOmeno, em substitui~o ~premissa de urna irracionalidade dada no nfvel grupal. De pouco serve,portanto,substituir a ideia de urna irracionalidade defundo colet ivopela de u m a composicao (matriz) de racionalidades fdrmais e indivi..duals. ~ que, com isso, ainda n a o abandonamos 0 universe de pen -samento que engendrou a (falsa) questao de por que individuosrazoaveis, se tornados urn a urn, sao tomados por formas--de i n s f t . n i acolet iva; em outros termos, nao e valido tratar a questao atrav6s deurna combina~iio ad ho c do myel individual (psico16gico) com 0 plano(social) da a~ao. .Um aspecto grave dessa incorpo~io de n~oes ideol6gicas, numalinhagem que se propoe ser rigorosamente cientffica, e que ela bloqueiaa adequada percepcao de visoes altemativas da problematica em causa,mesmo quando seus fundamentos ja estiio disponlveis de h8 . muito. : so caso do esforco de Neil Smelser, no sentidode dar maior aberturaa sua teoria formal e explicitamente sociol6gica do comportamentocoletivo, na qual este e entendido em termos de urna seqUencia O f d e -nada em que, por analogia com a analise economics, se diz que adapasso representa urn "valor adicionado" ao processo em causa e cons--t itui um pre-requisi te para 0 seguinte.l" Isso ocorre quando, em outrotrabalho, se ap6ia em Freud - que, ao eontrario de LeBon, est'totalmente ausente daquela obra - para consignar os aspectos coos-trutivos, e nao apenas disruptivos, desse fen&meno. "A caracteristicaprincipal desses movimentos de protesto - escreve ele, ja na 6tica doestudo dos movimeotos sociais - e 0 observado por Freud: eles per -mitem aexpressao de impulsos que normalmente estiio reprimidos" ,1'1A parte as criticas que Smelser Thedir ige interessantes, de resto- essa observacao nliO faz justica a oontr ibui~ao de Freud; antes, atransfigura, reduzindo-a ao mesmo nfvel daquela de autores comoLeBon,18 que constituiam mero ponto de partida da sua analise. Armal,a id6ia da expressao de "impulsos inconscientes" e m . si~io de massa

    15 Brown, R.. SOCi4l PBl/cholOflll, Ooll1er-Macm1Uan, Nova York. 1985, cap. 14.~~ . T~l-16 Smelser. N. J., TheOf7l 0/ Collective Behavior, Free Preu, Nova or.,. _.

    17 Smelser, N. J., "Dimensions of Oollectlve Behavior". in: EBBlJIIBin SocWZocalE:&planoticm, Prentlce-Ball. Nova Jenwy. 1968. pp. 92-121. cf. p. 121.18 ct. LeBon. G. op. cit., p. 27.

    2 2 23

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    15/88

    6 parte essencial da explic~ao irracionalista desse fenemeno, e estaper detras da sua eoncepcao como fenomeno psicol6gico e socialmenteregressivo. A interpretacao freudiana vai muito mais longe. Na reali-dade, poder-se-ia dizer que seu grande merito consiste na inversaotematica que opera na analise dos fenomenos de massa.A referenda de Smelser a Freud e, contudo, perfeitamente legi-tima e, ainda que nao os explorando de modo conveniente, ele toeanos dois aspectos essenciais para a compreensao da sua contribui-~ao nessa area. Esses aspectos estao designados pelos termos-chaveexpressiio e impulsos reprimidos. : justamente por nao considerar demaneiraadequada como esses termos se articulam em Freud queSmelser tende a resvalar para 0 nfvel te6rico pre-freudiano ,

    A ideia de que os impulsos que se manifestam em situ~ao demassa s a o reprimidos e nao apenas inconscientes ("substrato mental. criado por influencias hereditarias", segundo LeBon) e basica nessateoria. 0 essencial, contudo, esta dado pela forma como se concebe aexpressiio desses impulsos, A contribuicao de Freud, sobretudo em suaobra sobre Psicologia das Massas e Andl isedo Ego, reside justamente noseu esforco para caracterizar 0 mecanisme pelo qual esses impulsos seexprimem indiretamente em situa~ao de massa.w Nao se trata paraele de pensar uma simples emergencia de tais impulsos tornadosincontrolaveis em situa~ao de massa, mas sim de sua redef;ni~iio. 0mecanismo basico invoeado para dar conta desse fenOmeno e 0deidentifica~iio. Refere-se ele a capacidade da dimensao do psiquismohumane diretamente voltada para 0 mundo exterior - 0 Ego - detomar por modele uma figura idealizada - 0 Ego-ideal, cujo para-digma e 0 pai - e investir nela a sua carga libidinal. Sob esseaspecto, 0 mecanismo de identificacao funciona como urn canalizadorda energia psiquica, que nao vern a tona para dirigir-se ao seu objetoimediato (sexual na origem), mas propicia urn vinculo l ibidinal entrecada sujeito e outros. Na situacao de massa analisada por Freud 0fenomeno basico consiste precisamente na substituicao do Ego-idealde cada urn de seus membros pela figura do lider.

    Desta forma, a Massa nao e entendida como 0 lo c us de umaexplosjo de impulsos associais mas, pelo contrario, e precisamente .uma forma basica de constituicao de vinculos sociais. : por isso mesmoque Freud, usando 0 termo massa num sentido muito amplo, queabrange os de grupo e instituidio, escolhe para a sua analise, ao con-trario de LeBon, aquilo que chama de "massas art if ic iais" . Trata-sede agrupamentos altamente organizados (no caso a Igreja e 0Exercito)suscetfveis de incorporarem a distin~ao basica por ele estabelecida entremassas "com lfder" e "sem lider". As massas ditas arti ficiais sao imi-nentemente aquelas dotadas de Iider, Este, por seu turno, eo elementoaglutinador do conjunto na medida em que e 0 objeto do mecanismo

    19 Freud, S., Jl48BfmPBJlchOlogie und Ich-AnaZlIBe, FIscher Bil.cherel, Frankfurtam Main/Bambura, 1967.

    de identifica~ao para todos os seus membros, ao ser tornado por elescomo 0 Ego-ideal.Configura-se, assim, uma passagem do tema da massa como feno-meno associal para aquele da massa como si tuacao paradigmatica daforma~ao da pr6pria soeiedade e da cultura. O s impulsos reprimidospodem vir a tona de dois.modos: no individuo isolado ou em grupo.o primeiro caso e tendencialmente anormal por estar a margem dasregras de convivencia social; no limite, configura-se a neurose.w : a

    situ~ao de massa que propicia as condieoes para a segunda dessaaformas, e neste sentido e 0 sustentaculo do disciplinamento dessesimpulsos que esta por detras da sociedade e da cultura.Neste ponto, a dist incjo entre Massa com lider e sem lider revelao tema subjacente, que e 0 da domina~ao.21 : verdade que e tam-bern aqui que 0 matiz conservador de Freud vem a tooa, tal como seexplicitaria em obras posteriores. Cultura e entendida per Freud nosentido mais .8lllplo.do termo: "Ela abrange par urn lade 0 conjuntode conh~ritos e tecnicas adquiridas pelos homens para dominaras forcas da natureza e trazer os seus bens para a satisf~ao de neces-sidadeshumanas, e por outro lado, todos os. arranjos necessaries pararegular as relacoes. dos homens entre si, em especial no tocante adistribuicjo dos bens acessfveis"~22Como tal, ela se opiJe ao individuo

    isolado: "A cultura deve ser defendida contra 0individuo, e os arran-jos, instituicoes e normas se poem a service dessa tarefa".28 Isso ocorreporque "cada cultura tem que ser edificada sobre a coer~lioe a renUnciaaos impulsos", sem as quais emergir iam as "tendencies destrut ivas eportanto anti-sociais e anticulturais existentes e}ll todos os seres hu-manos".24 A cultura e , assim, entendida como 0 resultado de umtrabalho de remincia a impulsos (Kultwarbeit). E aqui vern a tona aorigem Ultima da insistencia de Freud na necessidade de tideres da &massas para que os mecanismos de expresslio s o c i a l e cultwal dosimpulses ganhem vigencia: "Tampouco quanto. a coercso para 0 u.balho cultural (Kulturarbeit} pode-se prescindir da domin~ao d e massapor uma minoria, pois as massas sao inertes e obtusas, nao apreciama remmcia aos impulsos, nao sao suscetiveis de serem convencidas dasua inevitabiIidade por argumentos, e seus individuos se refoream 1D.J , l~tuamente na tolerancia ao desenfreamento'V"

    20 Freud formula uma opos1QAoentre formaQ&ode maua e neurou. "A neu-rose toma a.aaoclal, retlra a peasoa atlnglda das formaQ6es de m~ habltuala",escreTe ele (op. cit., p. 81). &_ d __ ...21 Bue tema 1\ apontado na noUvel "reabUltaQ&o" da eontr lbUlQ... , e r........para 0 n088:>problema, fetta pela eQUlpedlr1glda por M. Horkhelmer e Tb. W. Ador-no, DB obra. eoletlva 8oafologfBche Ezkur.e (JIIurop&18beVerlapanatalt. Pranldurt,1956, cap. 5), Que lnaplra as presentes cODllderaQ6H.JU uma ed1Q&oespanhola d...obr a, at rlbuidl ll a Horkhelmer e Adorno: Leccione. de 8ociOogf4, Bel . TaU'lM,Madrl.22 Freud, S., Die Zukunt einer Ill~on, P18cher Bil.cherel, 196'1.23 Freud, S .. op. cit., p. 86.24 Freud, S., op. cit., p. 87.25 Freud, S., op. cit., pp. 87-8.24 25

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    16/88

    T~os aqui u r n . pensamento cujo fundo conservador e dado pelopessurusmo com que se encara a possibil idade (que admite) de levaravante experie.ncias culturais nao-repressivas, O s limites da mudancacultura~ sao vistos como sendo dados por aqueles da capacidade deeduc~ao das pessoas. Complementarmente, 0 pessimismo freudiano esustentado pela invocacao do classico terna de "quem educara oseducadores"." Nao se trata , contudo, da modalidade classica do pen-samento conservador - ou, com mais forte razao, do pensamento rea-cionario - p?rqu~ e ~placavelmente racional. Nao ba nele lugarpara,qual9.uer irracionalismo. : essa abertura do pensamento freudianoque.permite retomat num outro registro a sua enfase no problema dadominacjo, .como 0faz 0grupo de Frankfurt."

    : t~bem a ~sa abertura que se deve a percepcao, por Freud,de questoes que mats tarde seriam apontadas como conquistas basicasdo modemo pensamento socio16gico. Na sua obra sobre a psicologiadas massas, ele .antecipa boa parte daquilo que aparece naliteraturasociologica acerca dos "grupos de referenda" e da importancia dos"gropes primaries" no processo de formacao e transmissao da cultura."Cada individuo - escreve ele - e parte componente de muitas massase multiplamente vinculado atraves da identificacao, e construiu 0 se~Ego-ideal conforme os modelos mais diversos. Cada qual part icipaassim, de rmiltiplas mental idadesde massa, na sua raca, do seu status'da comunidade de crenca, da nacionalidade, etc., epode alcar-se acim~disso no sentido de uma parcela de independencia e originalidade'V"Com isso, rejeita-se a insistencia na importancia das massas efemeras(mult idoes) em favor das organizadas e elimina-se ao mesmo tempoo perigo de conceber a sociedade global como uma unica massa degrandes proporcoes (como tendem a fazer alguns te6ricos da "socie-dade de massas"). Disso resulta a ideia realmente inovadora de queas mass as, tomadas como multiples no interior de um todo maiorpodem ter condicao de individualiz~ao, tanto ou mais do que d~dissolucao da personalidade. Esta ocorre, como vimos no indivfduoisolado. 'A inversao tematica assim imprimida a analise do fenomeno massaao retira-lo da orbita da irracionalidade e da associalidade e entende-l~racion~ente como fenomeno vinculado a processos de associacaoe dominacao, abre caminho para uma visao muito mais rica do proble-ma. : verdade que, no caso de Freud, 0 avanco teorico e conquistadoa ~?sta do carater demasiado vago dos conceitos de fundo sociol6gicouti lizados, Sua nocao de "massa" se confunde com a de associacao em

    26 Freud, 8., op. cit., p. 89.P 27 -= claro que 0 tema da dominaclo/represaAo 6 central 1 anAlise da obra dereud por Herbert Marcuae em Eros and C~vmzat~on (BeacJn Press, Boston, 1955).A obra pouco versa, contudo, 0 problema que aqui nos intereua mala dlretamenteV;~Jam-8e,no entanto, os capltUlos 3 ("The Orig1n ot Repressive Cl,vUlzatlon") e 4( The Dialectics of C1vl11zation"). Para um interessante contronto veJa-se PhUlipRiett, Freu4: The Mind 01 the Moralist (Anchor Book Garden Ci t 1961)cap. 6 ("The Authorl ty of the PlI'8 t" ) e 7 ("Pol lt ics and the IndlVi lUai") , esp .28 Freud, 8., MII88BnPB1/Chole>gieund lch-Analll86, op. cu., p. 68. .

    ger~l, c0!Da_agravante de que se trata de se the a~buir urn alto graude orgaruza~ao.29Isso contrasta com. a concepeao slstetratica de massae comportamento de massa, que ressalta precisamente 0 seu caraternao-organlzado (retoma~do, ai, a tra(li~a? co~servadora). Blumer, porexemplo, reserva 0 atributo da orgaruzacao para os movimentossociais.s? As potencialidades desta 6tica da questao nao se perdem porisso, no entanto, e sao exploradas a fundo pelo grupo de Frankfurtsob a egide de Horkheimer e Adorno. '"A massa - sustentam eles - e produzida socialmente, 080 e?at?r,eza imutavel; nao e uma C?munidade originariamente pr6xima aoindividuo, mas somente se aglutina atraves do aproveitamento racionalde fatores irracionais-psicologicos; ela da aos homens a ilusao de pro-ximidade e vinculacao. Precisamente enquanto tal ilusao, contudo, elapressupoe a atomizacao, alienacao.e impotencia do individuo isolado,A fraqueza objetiva de todos ( ... ) na sociedade moderna predi.sp6ecadaqual tambem a fraqueza subjetiva, a capitulacao como sequazdamassa. A identificacao, seja com 0 coletivo, seja com a superior figurado H?er" propicia ao. individuo 0 sucedaneo psicol6gico para aquilo deque e .pr ivado-aa realidade.'?" Essa formulacao-c- que deve ser tomadapelo querealmente representa: resultado de u r n . seminario de estudose.ni~ a expressao precisa do pensamento dos orientadores do g ru po _ :antecipa aqui questoes a serem discutidas maisadiante, sobretudo e

    quando tentarmos estabelecer a distin~ao entre 0 fenomeno empfrlcodesignado por m a s s a e 0 pr6prio conceito te6rico at usado. 0essen-cial, neste ponto, e que ela sugere uma diretriz de analise que nosparece mais adequada. Ao irracionalismo do pensamento conservador--reacionario se opoe a enfase no aspecto racional do fenomeno; e, emcontraposicaoa "neutralidade" vazia da defini~o sistematica, ressaltao que ele tem de irracional. Apresenta, sobretudo, 0 elo que permitearticular essa polaridade racional/irracional ao destacar a n~ao dedominacao, concebendo a massa como produto social do aproveita-mento racional de elementos irracionais disponfveis.Ha, contudo, um aspecto do texto acima citado que suscita (iuvi-das, da.nossa perspectiva. : que nele se atribui, sem mais, ao fenomenomassa uma realidade empirica apta a sustentar a reflexao e a pesquisaclenrfficas. Retoma-se 0 velho tema da massa como agregado de indivf-duos atomizados, e somente se vai mais alem ao apontar que tal enti-dade e resultante de uma dinamica social especffica, que formaria 0proprio objeto da analise. Essa mudanca, da enfase na massa comodado para 0 seu exame enquanto produto, que remete a s condi~Oessociais da sua producao, representa um real avanco, : s preciso ir mais

    29 Para uma crl ti ca neue 8ent ido , veJa- se Hermann Heller, TeoriG del B,tlJdo,Fondo de CUltura Bcon6mica, M6xico, 3. ed., 1955, p. 94 e sega., esP. p. 95.30 Blumer, H. , "The Mass, the Publ lc and Publ lc Opinion" , ~n: B. Berelson eM. Janowitz (orga.) , Beader in Pub lic Op in ton and Communication, Free Preu,Nova. York, 1968, 2.. ed. , pp. 43-50. Ver tamb6m H. Blumer, "Collective Behavior"~n: J. B. Glttler (org.), Beview 01 SociolC>91/: Anlllllsis Of a Decade, WUley, Nova York,1957, pp. 127-58.31 S~ole>g"che E:UcuTse, 011. cit., p. 77.26 27

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    17/88

    longe, contudo. PQe-.seainda a questao da produeao, niio de um supostofenomeno empirico massa, mas da pr6pria n~ao que 0 designa. Valed:izer, e preciso examinar em que medida a massa e um produtosocial concreto em busca do seu conceito, ou se se trata fundamental-mente de uma represemocso, recoberta por uma n~ao ideol6gica:justamente 0 suposto conceito cientffico m a s s a .CAPfTULO 2

    POBLICO, ELITE E MASSA:A DIMENSAO POLITIC A

    Ao ressaltar a dimensao de dominacao inerente a n~iio de massa,a perspectiva que estamos comentando permite superar 0 plano psicos-social para chegar a s suas raizes politicas, E isso nos propicia umaconstatacao apenas aparentemen.te banal. No pensamento politico mo -demo, a n~ de massa aparece,' difusamente de inlcio para depoiscristalizar-se em conceito, no sentido de designar pura e simplesmentea parcela majoritaria da populacao, Contrapoe-se assim a s n~s deelite e publico. Essas duas polaridades m.erecem melhor exame.Uma formul~ao recente de fonte autorizada leva ao seu extrema16gico a contraposlcso elite/massa. " . . . Os valores disponfveis podemser classificados como deferencia, renda, seguranca, Aqueles que obt&na maior parte sao elite; 0 resto e a mossti'.1 .Na sua concepcao classica, de inspir~ao conservadora, a eli te econcebida essencialmente como uma minoria organizada que, gracasa superioridade intrfnseca dos seus componentes, exerce domin~iolegitima sobre uma maioria nao-crganlzada --- a massa.sEssa concepejo sofreria dois tipos basicos de mudanca no decorrerdeste seculo, Primeiramente, a analise, sem deixar de tamar comaponto de referencia sua formulacao anterior, passa a concentrar-senoestorco para demonstrar que aorga.niza!tao relativa das elites estariadiminuindo, que seus padroes e formas de recrutamento estariam per-dendo rigor; enfim, que elas estar iam se tomando vulneraveis, coingraves riscos para a estabilidade polftica. Exemplo disso seria a analise,por Mannheim, das transformacoes sociopolit icas que observava nadecada de 30.30 segundo passo e dado quando seabandona 0 postu-lado da unidade interna da eli te , mas se retem 0 criterio do monop6lio

    ~LaI--;;;U, ' H. PoUtic.: Who Get. What, Wh81l., How, MericUan BOob. Nova.York, 1958, p. 13 (1. - ediQio: 1938).:I Ver, a reepelto, Melllel, J. H., The M1/ th o f the A' Id tnl 1 Cl4u, The UniveJ'll1tyot Michigan Pr_, Ann Arbor, 1962: T. B. Bottom:lTe, A. Eltt e. e a Soctec1.tJiU,Zahar Ed. , Wo, 11165;R. A. N18bet, cp. ott.; I . Y. Zeitl in, Itl.eo1.Of1J1lM the Deve-l opment 01 soctolocal TheOl"l l, Prentice-Hall, Nova Jersey, 1988.3M:annhelm, It., JIlan cmd soctetJl in 4n Age 01 BecOn.Btructton, Routledp &lCesan PaUl, Londres, 1940 (ediQ&obrullelra, 0 Homem e 4 SoctediuJe, Zahar, Rlo,1962). .28 29

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    18/88

    de influencia por uma minoria, para entende-la como um todo com-p6sito, cuja unidade advem mais do seu exterior, ern fun~ao de umaestrutura economico-social dada. :a "elite do poder" de Wright Mills,"Complementannente, temos 0 esforco para salvar 0 essencial do pen-samento elitista, evitando contudo a adesao estrita a sua n~ao basica,: 0 que faz, por exemplo - segundo sugestoes que remontam a Mosca- Raymond Aron, ao complementar essa n~ao com as de "classedirigente" e "classe polit ica", ao mesmo tempo em que insiste na mul-tiplicidade das elites na "sociedade industrial". ~o conteudo empirico da n~ao de elite diz respeito, obviamente,a uma fo~a especifica de distribuicao e exercicio do poder. "0 go-vem

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    19/88

    l iberal const itui uma expressao mais direta das aspir~Oes de umacamada bern definida da sociedade, ao passo que a "fi~ao politica"se desenvolve , em momentos diferentes ou concomitantemente, emagrupamentos sociais mais diferenciados quanto a posi!;ao e interessessociais basicos.Nesse sentido, a nQ!tao de opiniao publica assume formas muitomais complexas e diferenciadas na sua evolucao, Na Inglaterra , porexemplo, a reivindicacao econ6mica da livre ~ao empresarial no mer-cado se exprime com clareza e for!;a congruentes com 0 seu emba-samento social numa burguesia industrial em ascensao, Mas isso naotem contrapartida direta na esfera polftica, visto que - a parte asinterpretacoes simplistas - nao h3 . como entender a evolucao politicainglesa como expressao direta de uma suposta ascensao direta de umaburguesia ao poder. As instituicoes politicas inglesas ja estavam sufi-cientemente sedimentadas numa estrutura social que lhes concedia fle-xibilidade bastante para permitir uma absorcao dos membros de novosgrupos sociais - representativos das novas formas de organizacaoecon6mica - por um processo de fusao neutralizadora, mais do quede ruptura revolucionaria.PIsso permite explicar boa parte do carater peculiar assumido pelaemergencia e expressao da nQ!taode opiniao publica no processo poli-t ico efetivo, naquele pais . Bastaassinalar que a inst ituicao basica nosistema politico ingles oitocentista (e ate meados do seculo XIX)retirava sua legimidade da fiC!tao da virtual representation, criadapara justificar a soberania parlamentar em face da sociedade civil.Essa concepcao era oposta aquela que vir ia a tona na Revoluc;aoFrancesa, da representacao direta, e e por isso mesmo que a nO!taode opiniao publica como fonte de legitimidade do poder e como res-paldo de reivindicacoes grupais aparece de modo mais conseqiientena Franca pre-revolucionaria,a que, na Inglaterra,I'A composicao do Parlamento permaneceu intocada pelo processode revolucao econ6mica e social que Karl Marx, no capitulo XXIX deo Capital descreveu como 'acumulacao primitiva do capital'. 0 caraterficticio da 'representacao popular' inglesa de entao se deve, em boaparte, a circunstancia de que 0 despovoamento de areas agrarias atra-Yes dos enclosures nao se manifestou na composicao da Camara dosComuns, tampouco quanto a aglomeracao humana nas cidades queconduziu a formacao do exercito de reserva industrial."A ~iio do Parlamento era independente da opiniao publica equase totalmente aut6noma. Significativa para 0 desvinculamento entreParlamento e opiniao publica [no seculo XVIII] e a formulacao deCharles Fox: 'Nada me importa a posicao do povo; a n6s cabe fazero que e direito sem levar em conta se isso e de agrado geral; a ele

    11 Anderson. P. "Origins of t he Pr es en t Cr ls 1s " New Left Bevjew n' 23 1964pp. 26-53. ". , ,

    cabe eleger-nos; nossa tarefa e agir consti tucionalmente e preservar aindependencia do Parlamento'."A independencia do Parlamento em relacao a opiniao publicafoi assegurada, ate as vesperas da Revolucao Francesa, pela manu-tencso em segredo dos debates parlamentares ... "12Ocorre notar, neste contexto, que um remanescente atual dessasitu~ao e dado pela circunstancia de que 0 Parlamento Ingles, emborade acesso a imprensa nos seus debates (ao contrario da estr ita proi-biC;aooitocentista neste sentido) prescinde da forma peculiar de contatocom a opiniao publica propiciada pelas conferencias de imprensa dochefe do governo, usuais na Franca e, sobretudo, nos Estados Unidos.PNaquilo que poderiamos chamar de "modelo ingles" de emergen-cia da opiniao publica como arma na luta politica, portanto, no traceessencial e que esta aparece como expressao direta de confrontos quetern origem no interior do Parlamenio, e nao como palavra de ordemde grupos excluidos da representacao . Assim, quando 0 grande criticoconservador da Revolucao Francesa, Edmund Burke, so ve isolado,junto com uma ala do seu Partido, na disputa de posicoes ministeriais,e para 0 exterior do circulo parlamentar que ele leva o s seus argu-mentos. Cementa urn especialista na hist6ria da epoca: "Os Whigs [dogrupo de Burke], embora aristocraticos em seus principios, e inclinadosa restringir toda discussao politica ao ~bito do proprio Parlamento,contribufram grandemente para 0 despertar da opiniao publica extra-parlamentar. Ndo encontrando ressonancia em nenhuma das Camaras,eles se dirigiram para fora delas, e se ofereceram como os lideres deum povo indignado, na esperanca de que 0 povo compartilhasse asindignacoes dos Whigs". 14 .Examinemos melhor 0 problema do ponto de vista da evolu~aodo pensamento p o li ti co . . ~ importante salientar, desde logo, que a noc;aode opiniao - de base individual - precede a de publico - de basecoletiva. Sua origem Ultima, no mundo modemo, esta dada pelas trans-formacoes provocadas pelo movimento de Reforma Religiosa, comsua enfase na consciencia pessoal e impulso dado ao processo deindividualizacao." Podomos encarar a emergencia da nO!taode opiniaocomo 0 resultado da seculariza~iio daquela de consciencia religiosaindividual. Essa secularizacso necessariamente se vincula a valorisacaodos "bens terrenos"; ou, em termos mais diretos, ela abre caminhopara a construcao do tripl ice pilar sobre 0 qual se edificaria 0 pensa-mento liberal: individualismo, no plano social; propriedade, no econo-mico; e opinido, como correlate de cidodania, no politico. Dada a--12-~n1tel, E . "Parlament und Offentl1.he Melnung", tn: W. Berges e C. Hin-r ichs (orga.) , Zur Guchlchte und ProbZemattk der DIImokratte, Dunker &; Bum-blo t, Be rllm, 1958, pp . 186 -67.13 Of. Cater, D.. The Fourth Branch 01 Government, Vintage Books. NovaYork, 19511,cap. 8.14 Palmer, B. B.. The A ile 01 Democratic Bevolutton, vol. I. The ChaZZ8nlle,Princeton Univeralty Preas. Nova Jersey. 1969, pp. 172-73.15 Lasky, B., EZ LtberaUamo Europeo, Fondo de Cultura Bcon6mlca, M6ltlco.1961, p. 37 e legs.; R. H. Tawney. Bellmon and the Bue 01 CapjtaZUm, Penguln .Books, 11186, p. 33 e sega., e 179 e Begs.

    32 33

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    20/88

    fntima interdependencia desses tres aspectos, tem-se as bases para aformulacao - e efetivacao - do projeto de urna sociedade civil detipo burgues capitalista.Nessas condicoes, a opiniao e sua cristalizacao coletiva ficamidentificadas com a condicao de cidadiio, Esta, por sua vez, implicaa posse de propriedade; e, na medida em que se vao delineando ostraces do capitalismo emergente, sobretudo na Inglaterra, essa proprie-dade diz respeito a disponibilidade no mercado tanto de bens quantode trabalho. Constitui-se, em suma, aquilo que corresponderia ao mo-delo da "sociedade possessiva de mercado" .16 Os traces essenciais dessemodelo sao:

    Ausencia de alocacao autoritaria de trabalho;Ausencia de provimento autoritario de recompensas pelo tra-balho;Ausencia de defini~ao e exigencia de contratos;Todos os individuos procuram maximizar suas vantagens;A capacidade de trabalho de cada qual e propriedade sua,alienavel;Terras e ~'Qcursossao possuidos pelos individuos e sao alie-navels;Alguns indivfduos almejam um nivel de vantagens ou. depoder maior do que tem; eAlguns individuos tern maisenergia, habilidade ou possesdo que outros.

    Configura-se.iassim, 0 contexto em que se desenvolve 0 que Mac-Pherson chama de "teoria politica do individualismo possessive". Noplano que nos interessa isso e ilustrado pela redefinicao da concepcjohobbesiana de opiniao, de fundo absolutista, operada por Locke. EmHobbes temos a cisao entre a "consciencia publica" - a lei - queinteressa polit icamente, e uma "consciencia privada", que nao passade "opiniao privada" cuja caracterfstica e ser "livre. em segredo". EmLocke a opiniao permanece na esfera privada, mas ja adquire foros deinstancia significativa na esfera politica ae ser libertada das pe iasque the atribuia Hobbes e se converter em meio de julgamento moraldas coisas publicas. : verdade que, em mais de uma passagem, asformulacoes de Locke ficam enfraquecidas por estarem ainda presasao uso corrente do termo, que designava a expressae da repuJ(Jfiiodas pessoas.P 0 essencial e que "as opinioes dos cidadaos sobre a

    a)b)

    virtude e 0 vfcio ja nao permanecem para Locke dentro do campodas crencas e pareceres privados; pelo contrario, os juizos morais doscidadaos possuem de per si urn carater de lei. Deste modo, a moral dasconviccoes, eliminada do Estado por Hobbes, se ve ampliada numduplo sentido" .18Por essa via se opera a ampliacao do campo privado para aesfera publica, que abre 0 caminho para a enfase do pensamento ilu-minista na questao da opiniao e dos seus portadores legitimos. Estes,como ja vimos, sao os cidadaos, ou seja, a parcela proprietarla debens da populacao. A maioria nao-proprjetarta de hens (ainda que decapacidade de trabalho) fica excluida, A contrapartida dessa exclusaooriunda "de cima" e dada, de resto, pela ausencia das nocoes de opiniaoe de publico no mieleo do pensamento democratico radical ingles doseculo XVII. As obras do porta-voz dos diggers, Gerrard Wistanley,falam diretamente de povo, sem incorporar a linguagem politica deseus adversaries (nem tampouco a sua secularizacao do problema daconsciencia.individual que, como se revela nesse caso, retinha poten-cialidades utopico-revolucionarias na sua expressao original, de fundoreligioso) .19A restricao do exercicio de opiniao aos cidadaos/proprietariosocupa lugar tao proeminente no pensamento dos autores representa-tivos deste segmento da sociedade, que Locke e levado a ser contra-dit6rio nos seus escritos politicos: ao mesmo tempo admite e nega auniversalidade do usa do atributo humane basico para a forma~iode opini6es com peso normativo, que e 0exercicio da razao , : que,para ele, os membros das classes trabalhadoras ("os pobres", ocupadosou nio) nao tern nem podem ter acesso a uma vida plenamente racio-nal, pois seus pensamentos estao presos a s preocupacoes imediatas coma sua mera subsistencia.wA form~ao e expressao da opiniao e tida, dessa perspectiva, comoacessivel apenas aqueles que, no dizer dos fisiocratas franceses, for-mam 0"publico esclarecido": os detentores de condicoes de lazer queos capacitam a se reunirem nos c1ubes e sociedades nos quais elaseforma. Durante 0 seculo XVIII, de resto, 0 centro de desenvolvimentoda reflexao politica naquilo que nos interessa se desloca para a Europacontinental, enquanto que na Inglaterra a preocupacao se concentramais sobre a a r e a . em que este pa is esta mais avancado, ou seja, a eco-nomia. : verdade que 0tema reaparecera com tanto maior for~a nopensamento Ingles do fim do seculo, agora ja redefinido sob 0 impactoda Revolucao Francesa, como veremos.

    18 Xoselleck. B. Oritica 11CriBiB del Mundo Burguu, Edlc lone s B la lp , Madrl ,1965, p . 197 . ( Pa ra t im . c omentirlo c ritico .das obras de Hab ermas e Xoselle ck aquic1 ta das, veja-se J. F re und. "L e Conc ept d e Publlc et l'Oplnlon", Arohtves Eur~en-11.118e Sociologie, tomo IX, 1964, n. 2,pp. 255-71, esp. 255-87.)19 Ver Sablne, O. H., HiBt6rl4 d4B Te0ria8 Polfticas, Fundo de Cultura, Blo.1984. Vol. 2, cap. 24; ver tamb6m C. HUl, The Centu1'l/ of Revolution 1803-1714,Sphere Books, Londres, 1989. esp. cap. 10.20 Ct. MacPhe1'8on, C. B., "The Soclal Bea.rlng of Locke 's Pol it lcal Theon'' ',WllBtem.p()Zitical Quarterlll, maroo, 1954, e em: I. Xramnlck (org.) , Essalls in theHiBt01'l/ of P()litic4l Thought, Prel:1t ice-Hall , Nova Jersey, 1989, PP. 183-201.

    c)d)e)f)g)h)

    18 MacPherson, C. B., The Political The01'l/ of PosBllssive IMividualiBm, TheCla re ndon Press, Ox ford. 1982 , pp . 48 -70, cr, p p. 53-4.17 Habe rm ll8 , J ., StrukturwaMel der OttentZichkeit, Lu chterhand . Neuwied amRheln und Berlln, 1965, p. 104 e seg.

    34 35

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    21/88

    Yale a pena, portanto, deslocar nossa atencjio para a Franca eocuparmo-nos de um autor que - nos limites da nossa analise -se revela simultaneamente atipico e de tom surpreendentemente nossocontemporaneo na area que nos interessa. Trata-se de Rousseau, emquem vamos encontrar nao s6 a primazia da justaposicao dos tern.osopiniao e publico (no prefacio ao Discurso sabre as Letras e as Artes,mas ainda identificando opiniao com reputacao), 21 como a formulacaomais extremada do principio da individualidade essencial da opinieona esfera politica (no Contrato Social, no qual, ja falando explicitamentede opinido publica, leva esse postulado a s suas consequencias aparen-temente mais paradoxais).Em primeira aproximacao, 0 pensamento rousseauniano represen-taria a contrapartida democratica radical as restricoes impostas pelospensadoresprecedentes a participaeao na cidadania. No Contrato, todosaparecem como cidadaos, na medida em que sao chamados para for-marem a volonte generale. Logo se revela, contudo, que essa part ici-pa~ao extensa e vinculada a s condicoes especificas dos pequenos Esta-dos (veja-se 0 seu interesse pela C6rsega) e que, para sociedades maisamplas e complexas, vale a conhecida formulacao no sentido de que"quanto maisaumenta 0 Estado, mais diminui a l iberdade". 0 Estadopequeno e simples e 0 requisito analitico para 0 govemo dem ocr a ti co ,De resto, Rousseau e notoriamente cetico quanto a possibilidade derealizacao estrita dessa forma de governo.P Isso se dli em virtude dadiminuicao relat iva da importancia da vontade de cada qual em facedo grande mimero, e pela necessidade de incluir corpos representativosintermediaries entre os cidadaos e 0 poder publico.A n6s interessa mais particularmente 0 modo como aqui entra,ainda que de maneira indireta, a nocao de opiniao no esquema rous-seauniano. A pista para isso e dada pela celebre distin~ao entre vontadede todos e vontade geral, A primeira nao passa do agregado de von-tades particulares. Mas, "a vontade particular tende, por sua natureza,as preferencias" e "apenas diz respeito ao interesse privado". Faz-semister, portanto, uma consolidacao do conjunto dessas vontades paraseat ingir a unidade organica que e a vontade geral. A vontade par-t icular, urna vez expressa, poderia ser interpretada como se identifi-cando com a opiniiio. No entanto, esta, quando designada explicita-mente por Rousseau nessa obra, e entendida em termos aparentementediversos daqueles que dariam substancia a formacac de urna opiniaopublica atraves do debate racional e inovador. Trata-se rnais de umacristalizacao do "bom senso" inscrito "no coracao dos cidadaos" e que

    I).

    "conserva urn povo no espiri to de sua insti tuicao, e subst itui insensi-velmente a forca da autoridade por aqueIa de habito, FaIo dos moeursdos costumes, e sobretudo da opiniao; parte ignorada par nossos P01i~ticos, mas da qual depende 0 sucesso de todas as outras; parte da qualo grande legislador se ocupa em segredo enquanto parece limitar-sea regulamentacoes particulares, que nao passam do arco da ab6badada qual os moeurs; mais lentos para nascer, formam enfim 0 inabalaveifecho".28Aqui se enfatiza 0 prirnado da opiniao, e se formula, pela nega-t iva, a reivindicacao no sentido de que ela transcenda a provincia pri-vada do "grande legislador", ao se tomar publica; mas essa opiniaoainda e encarada como de base consuetudinaria, Corresponderia aexpressao possivel de um conjunto de interesses privados socialmentearraigados.Para que estes assumam consistencia social, contudo, as opinioesdevem precisamente abandonar a esfera privada. : aqui que se instalaa correspondencia entre a legitimidade da opiniao - enquanto ex-pressao possfvel de interesses - e sua redefinicao, por elimina~ao dasdiferencas, no plano coletivo. : nesse contexte que ganha signifi~aoa insistencia de Rousseau na individualidade das vontades em face dosoberano e sua condenacao da presenca de grupos intermediarios entreambas essas instancias. "lmporta, portanto, para bern ter 0 enunciadoda vontade geral , que nao haja sociedade parcial no Estado, e que cadacidadao nao opine senso por si pr6prio. . . "24 A vontade geral seforma pela neutralizllfiio reciproca das vontades particulares - expri-mfveis enquanto opinioes - e estas ganham legit imidade, e instaurama liberdade no plano polit ico, justamente ao abdicarem da sua indivi-dualidade no plano social.Sao passagens como essas que inspiram interpretes mais censer-vadores de Rousseau a verem nele urn precursor teorico da chamada"democracia totalitaria", 25Do nosso ponto de vista, contudo, interessa apontar um aspectodigno de nota dessa l inha de pensamento. : que, mesmo a custa deconverter em psicologico-empirico 0 que em Rousseau e construcao16gica, a sua concepcao de opiniao prenuncia traces basicos do trata-

    n:ento da questao da opiniao publica pelas cieneias sociais contempo-raneas. Isso, na medida em que estas operam com a manifes~ao deusos, cristaIizados enquanto opinioes e apanhados no nfvel de suasverbalizacoes; ou seja, como atitudes individuais isoladas. (A analogiapoderia ser levada mais longe se fOssemos explorar a not6ria preocupa-! tao de Rousseau com controle de opiniao, Veja-se, por exemplo, seuartigo sobre "Economia Politica", especialmente a primeira parte.)23 Rousseau, J.-J" Op. cit., livro II, cap. 12.24 Rousseau, J.-J., Op, cit., Uvro II. cap. 3.25 Talm6n, J, 1.., LoB Orlgfm6B de Za Democracia TotaZitdria, Aguilar, Kadr1, 1958.esp. pp. 41-54.

    21 Nas paginas finals do Discurso Bobrea Desigualdade entre 08 H'YT1IenBaaproxlmacll.o entre Opini40 e reputa940 se toma expl1clta, para ser usada numcontexto decrftlca ao "homem soclavel", que "sempre fora de sl s6 sabe vtverbaseando-se na cplnll1.o dos demals, e chega ao sentlmento da sua pr6pr ia exist4!n-cia quase que somente pelo julgamento destes", NlI .opareceria dlf icn demonstrarcomo, nessa rormutacao, estll.o contldas algumas Id61as centrais, tanto da repos1cll.o"exlstenclalista" da versll.omarxlsta do pr iblerna da alien~40 (Bartre, Gorz) na suavertente de "esquerda" , quanto as fontes da crit lca libera l, na l inhagem que val deTocquev1lle a Rle&nIan.22 Rousseau, J.-J .. Du. Contrat Social, Gamier, Paris, 1954,livro III, cap, 4.36 37

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    22/88

    aceita por cada qual. Neste contexto, porem, a fi~ao politica da opi-niao publica enquanto reivindicacao grupal nao encontra lugar.Na Franca do ancien regime temos um contraste de interpreta-~oes,por parte dos defensores da n~ao de opiniao publica, que mereceatencao. Em Rousseau, a esfera do publico (entendida como atributo. da sociedade civi l p6s-contratual) importa mais do que a opiniao; nosfisiocratas, enos philosophes em geral, mais integrados nos principiosdo despotismo esclarecido, a enfase recai mais sobre a opini iio _no sentido restr it ivo ja apontado, de atr ibuto do conjunto de cidadaosesclarecidos - a qual estaria reservada a missao de bern orientar 0soberano. Num caso, a universalidade das opinioes individuais se anula- ou, pelo menos, se converte em plebiscitaria - no proprio processode constituicao da sociedade civil ; no outro, a formulacao e manifes-ta~ao de opiniao e privilegio de alguns. Com todas as transformaeoe,que viriam a sofrer, e a segunda concepcao que se imporia naquelemomento, em virtude da sua maior congruencia com os requisi tos dasociedade burguesa emergente.: possivel, de resto, apontar como, no interior da reflexjlo ilumi-nista como urn todo, a relacao meio-social-opinuio publica e expli-citamente formulada, e ocupa posicao importante; e como, sobretudo,ela se manifesta como urn problema insohivel nos marcos desse quadrode pensamento. Referind.o-se em especial a D'Holbach, mas estendendosuas consideracoes aos philosophes em geral, Plekhanov insiste parti-cularmente no modo inerentemente contradit6rio pelo qual essa rela~oe formulada. "Os philosophes nao conseguiram sair desse circulo vi-cioso: por urn lado, 0 homem e 0 produto do meio social no qua]vive ( ... ). Por outro lado, a fonte de toda desordem social resideno desconhecimento dos principios m o o claros da politico. 0 meiosocial e forjado pela "opiniao publica", ou seja, pelo homem. Essacontradicao fundamental reaparece incessantemente e sob as formasmais diversas, nos escritos de D'Holbach.vcomo de resto tambem nostrabalhos dos outros philosophes:" E, para explicitar melhor os termosda contradicao: a) "0 homem e urn produto do meio social. Segue-se,logicamente, que nao e a opiriiao publica que rege 0 mundo ( ... ); b)o meio social e joriodo pela opiniiio publica, ou seia, pelo homem.Dai resulia , em boa logica, que a opiniao publica rege 0mundo e queo genero humane somente se tomou infel iz par ter-se enganado ... "28Ha bons motivos (aos quais pretendemos voltar) para presurnirque esse dilema ainda nao foi adequadamente superado pelo pens~:mento subjacente a "pesquisa de opiniao" contemporanea,A plena expressao da ideia de opiniiio publica, seja enquantoformulacao, seja como bandeira de luta aberta na tarefa de levaravante reivindicacoes politicas, apenas vem a tona nas vesperas daRevolu~ao Francesa, atraves de Necker. Para este, a opinion publique

    28 Plekhanov. G . Essaia sur Z'Hiatotre au Matmwltsme, :td1t1on Soclalil ll , Parls,1957 , pp. 55- 6. Vm: t amb6m G. LukAcs . Hiatotre et Ccmscience de CZasse,Lea :l!:dltlonlde Wnult, ParlI, 1060, pp. 170-71 e 199.

    E claro que essa transformacao da construcao hipoteica rous-seauniana em "conceitos operacionais" para tratar de entidades em-piricas supostamente identificaveis com a "opiniao publica" nao eexplicita em autor contemporaneo algum. Mais evidente ainda e quetal procedimento, ainda que implicito, 6 indefensavel por todos ost itulos. E precisamente isso, no entanto, que pretendemos apontar emtom critico acerca do traramento contemporaneo do problema. Por ora,basta acentuar que a "pesquisa de opiniao" nas Ciencias Sociais mo-dernas tende a operar com algo semelhante a urn esquema rousseau-niano pervertido: e como se, ao abandonar-se a figura teorica docontrato original, 0 resto fosse suscetivel de ganhar estatuto empirico.Neste ponto antecipamos criticas ao moderno tratamento do problemaa serem retomadas mais adiante.Ha precedente historico, contudo, para demonstrar que 0 aban-dono da ideia do contrato original pode conduzir a uma concepcaode organizacao polf tica diretamente fundada nurna n~ao de opiniaoentendida simultaneamente em termos psicologicos, consuetudinarios eutilitaristas. Atesta-o 0 pensamento de David Hwr.e. Dez anos antesda publicacao do Contrato Social, Hume, num ensaio sobre os FirstPrinciples o f Government (1742) 26 se propunha urna questao querepresentava a exata reciproca daquilo que, para Rousseau, seria umaafirmacao de principio. Para este, a democracia, no sentido estri to do

    termo, nao seria possivel , pois "6 contrario a ordem natural que amaioria governe e a minoria seja governada"." Para Hume, que naose preocupava com nenhurna ordem natural originaria, mas com habi-tos e disposicoes hurnanas, a questao se poe em outros termos: comoe possivel que a maioria , detentora da forca, se submeta a minoria?"Quando investigamos por que meios essa maravilha se efetua - dizele - encontraremos que, como a forca sempre esta do lade dosgovemados, os govemantes nada tern em seu apoio senao a opiniao,E, portanto, apenas na opiniao que se funda 0 govemo, do mais t ira-nico ao mais popular. A forca pode ser aplicada aos governados en-quanto seres brutos, mas, como homens, eles tern que ser conduzidospela opiniao."Aqui, neste precursor do utilitarismo em teoria politica e do posi-

    tivismo moderno em filosofia, temos urn premincio mais claro da disso-lu~ao psicologista da nocao de opiniao (ainda que nao se trate de urna.psicologia como ciencia empirica, mas como conjunto de disposicoessubjetivas inerentes a "natureza humana" em geral). Isso esta, signif i-cativamente, associado a ideia implicita de manipulacao dessas opinioes,na medida em que 0 tema subjacente ao ensaio e 0 da obedienciacivil; do ajustamento de todos a uma ordem social convencionaln.ente2 ,~ Reproduz ldo em: Cahiers pour Z'Analyse, n.. 6, "La Pol lt lque des Phl lO 'ro-phes , com ccmentarto de Bernard Pautrat. Para um outro comentarlo ver J. Pla-menatz, Man and soctetu, Longmans, Londres, 1963, Vol. 1, p. 314 e sega.27 Rousseau. J .- J., op . cit., llvro III, cap 4.

    38 39

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    23/88

    era 0 t ribunal diante do qual "todos os homens notaveis tem 0 deverde comparecer", e e apontada como "poder invisivel ( ... ) que for-mula leis seguidas ate mesmo na Corte real". 29Esse tribunal , que convoca os notaveis do reino, e formado pelopublico, que aqui e nitidament~ entendid? co~o uma co,?-tra-el iteemascensao, novamente 0 conjunto de cidadaos esclarecidos, que sepropoe tomar visivel , num circulo restri to , 0 seu "poder invisivel".Quanto ao restante da populacao, aquilo que, do outro lado doCanal Burke chamava de "multidao potcina", nao tem porque ser, . . .incluida. Nao hli lugar aqui para a canaille desprezada por Voltaire,"Tudo esta perdido quando 0 povo se imiscui na discussao", sus-tentava este.30De qualquer forma, 0 publico do qual falava Necker nao signifi-cava algo aberto para todos; antes, contrapunha-se a oculto (isto e,para alem da assessoria direta ao soberano) e secreta (para fora,portanto, dos c1ubes e sociedades secretas - como a maconarla -que antes davam guarida aos representantes dos grupos que viriama reivindicar 0 direito politico da opiniao publica).81

    29. ct. Babermas. J., op. cit., p. 81.30 Cf. Laalty,B. op. cit., p. 184.31 A respelto, ver Koselleck, R., op. eu., esp. p . 108e BegB.

    trutivo dessas entidades para a sociedade civil, passa-se a preocupacaocom a "tirania da opiniao publica", que tanto atormentaria De Toe-queville.Nesse processo, aqueles grupos que, na sua fase de ascensao seidentificavam com 0 publico na esfera politica, passam a conceber asua situacao como representat iva de toda a sociedade civi l burguesa;e nao sem motivos, visto que esta at ingia a sua plenitude no momentoem que 0 antigo "publico" contestador do a nc ie n r eg im e se convertiaem classe dominante, definindo-se de vez com 0 c on iu nt o o rg an ic o d osdetentores de propriedode. Ao mesmo tempo, e pela mesma 16gicaimanente a estrutura social em formacao, tudo aquilo que pudessesignificar a extensao da esfera publica para alem dos grupos detentoresde posses - ou seja, para alem da sociedade civil burguesa - vaisendo definido, com crescente clareza e vigor, como massa.Em termos da sua evolucao, portanto, as nocoes polit icas classi-cas de publico e opiniao publica tendem a perder peso no seculo XIX,na medida mesma em que os grupos sociais que, quando em ascensao,as sustentavam como fi~oes poli ticas positivas, como instrumentosde contestacao dos centros de poder vigente, tendem a substituf-las, aoatingirem. 0 poder, pela fi~ao polit ica negativa de massa, que serviriade defesa de poder ja conquistado. No primeiro caso, teriamos a repre-sentacao ideol6gica condizente com a exigencia da expansiio do poder

    social; no segundo, da restri~iio do acesso a ele no interior da so -ciedade.Significa isso, em suma, que, no seculo XIX, as l inhas de desen-volvimento da reflexao acerca de publico e opiniiio publica se cruzame interpenetram com aquelas referentes a massa e classe. E, ja no finaldo seculo as nascentes Ciencias Sociais sao chamadas a substituir afilosofia polftica na tarefa de fomecer 0 enquadramento analftico pa raesses problemas. "A partir da parte final do seculo XIX, efetivamente,os te6ricos politicos recorreram fortemente a s contribui~es~ da S?Ciol~gia e da Psicologia Social" e ( . .. ) "estudaram os fatores nao-racionais ,emocionais que atuam na formacao e expressao da opiniao publica.82Essa redefini~ao tende, por vezes, a passar despercebida,' f~~docom que a atencao se concentre na n~ao ja . reformulad~ de opulliio

    publica, tal como aparece no pensamento SOCIalnovecentista, na pre-sun~ao implicita de que somente nessa epoca e~a vem. a t~r pl~avigencia, Isso ocorre quando se opera com u n , t t ipo de analise maispropriamente preocupado em rastrear cronologIcamente, ~ pontos. deconcentracao do conceito estudado do que com uma analise t~~ti~,de fundo mais sociologico. 0 resultado e q~e se ~nf';ffide a.frequenclade aparecimento de uma nocao com a ~ua Import~cla e.fet iv~~o pro-cesso a que ela se vincula. Nesse sentido, sao muito discutiveis afir-32 Palmer P A "The concept of Public Oplnlon in Pol lt lcal Theory" , in:B. Berelson e 'M..Ja~owltz (orga.), Public Opinion and Communication, The FreePress of Glencoe, 1953,I." ed19AoampUada, p. 11.

    Publico, Oplnliio MassaAte este ponto, viemos tratando das nocoes de opiniao e depublico no contexto do pensamento politico europeu pre-revolucionario,na medida em que constitufam 0 fundamento ideol6gico para reivin-dicacoes de grupos sociais em ascensao (e e nesse sentido que estsosendo chamadas de "fi~Oes politicas"). A questao nao se punha, nalinha do pensamento estudado, em termos de atribuir a essas entidadesuma insistencia empirica previa no interior da sociedade, para depoisprocurar localiza-las e talvez mensura-las, atraves de quaisquer moda-lidades de pesquisa mas, pelo contrario, de reivindicar tais categoriascomo atr ibutos de gru.pos sociais ja dados e bem definidos.A situacao se modifica no seculo XIX quando, sob os efeitos dasmudancas economicas, poHticas e sociais relacionadas com a "duplarevolucao" anteriormente desencadeada - a Revolucao Industriale a Revolucao Francesa, com seus respectivos desdobramentos - os

    centros de poder, nas sociedades mais avancadas, se deslocam da aris-tocracia para a area burguesa, Com isso, opera-se toda uma mudancana concepcao do problema, que prat icamente inverte 0 seu sentido.Da reivindicacao no sentido de se ampliar, ainda que de modo limitado, acesso aos atributos e aos direitos de publico portador de opiniaopoliticamente significativa, passa-se a preocupacao, cada vez maisexpljcita, com 0risco que essa expansao, Be nao contida em tempo,representaria para a nova ordem social. Da enfase no carater cons-4Q 41

  • 5/10/2018 Gabriel Cohn. Sociologia da comunicao.- So Paulo, Pioneira, 1973.

    24/88

    macoes como a de que "assim, no final do primeiro quartel do seculoXIX, 0 conceito de opiniao publica entrava na corrente principal dateoria politica", 33. ~rre que, .no c'?~te~,tode uma afirmacao desse tipo, a "correnteprincipal da teona polit ica tende a ser identificada precisamente coma expressao mais crua da visao do mundo da nova classe dominante:no caso em tela, 0 exemplo e dado pelo representante maior da correntedita utilitarista, que e Jeremy Bentham. : a significativo assinalar como,em Bentham, se reconhece a enfase na opiniao publica como formade controle social a disposicao dos detentores do poder (ainda quandoisso aparece num discurso ambiguo, que retem algo da concepcao deopiniao publica como instancia de controle sobre os atos do Govemo).Nas suas primeiras obras, em que trata sistemaficamente do tema,Bentham desenvolve sua concepcao de opiniao publica como instru-me!lto de controle soci~ - ou,. em ~eus termos, como "sancao", 0legislador, sustenta ele, nao pode ignora-la. Cabe-lhe "aumentar a forcadesse motivo e regular sua intensidade", sendo que "a sua maior difi-cuIdade .residira em conciliar a opiniao publica, em corrigi-Ia quandofor erronea, e em imprimir-lhe a direcao mais favoravel a obedienciaa~ ~eusmand~tos".~ Em escrit~ J>C?Steri~res,importancia da opiniaopublica - cujo 6rgao por excelencia sena a imprensa - para coibiro arbitrio do poder e salientada por ele.35

    O s representantes por excelencia da visao ambigua da opiniaopublica no pensamento liberal novecentista seriam, ja em meados doseculo, Tocquevil le e John Stuart Mill . Mas a expressao teorica maisacabada do problema, na qual vem a tona todas as suas caracterfsticasfundamentais , tem origem naquele pais europeu em que 0 liberalismoburgues nao era componente da pratica cotidiana de muitos, mas 0o~jeto da especulacao te6rica de alguns poucos,: a Prussia de Hegel .Diante de Hegel , autores como Bentham, Tocqueville ou Stuart Millsao apenas comentaristas de uma experiencia diretamente vivida e deum poder compartilhado, ainda quando s6 no plano das ideias, en-quanto representacao da estrutura poli tica dada. (Especialmente emTocqueville e Stuart Mill , a experiencia parlamentar e direta, comose sabe.) Reciprocamente, a reflexao hegeliana, na medida em que ternpo~ pano de fundo historico uma situacao concretamente problemdtica,Val mexoravelmente ate 0 fundo da questao: urn passo a mais (talcomo e dado na sua critica marxista) e rompe-se 0 esquema concei-tual, para se entrar num universe de discurso diferente. A RevolucaoFran.cesa e seus efeitos, que nos paises politicamente mais avancadosda Europa eram Hist6ria, apresentavam-se para Hegel como problemado presente; nao sendo dada a solucao pratica para eles, e com tanto

    33 Palmer, P. A., op. ett., Zoo. ctt., p. 9.34 Palmer, P. A., op. mt., loc. mt., p. B.35 Sobre as ccncepcees de Bentham e autores afins nessa ' rea veja-se E Hal6yYThe Growth 0/ Philosophic Radicalism, The Beacon Press Boston: 1966 cap' 3 esp 'p. 256. ' ".,.

    maior vigor que ele os esmiuca teoricamente. (Recorde-se a frase deMarx na Introducao a sua Critica a Filosoiia do Diretto de Hegel: "N6s[os alemaes] somos contemporaneos iilosoiicos do presente, sem ser-mos seus contemporaneos historicos't.)Importa, portanto, deter-se urn momento no pensamento hegelianoacerca do nosso tema, tal como se manifesta sobretudo nos seus Fun-damentos da Filosoiia do Direltos"o pensamento poli tico de Hegel retoma os temas basicos da re-flexao classica sobre 0terna, mas os redefine em explicita consonanciacom 0 esquema de analise dia