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Gabinete PARQUE LAGE Encerramento Aprofundamento 2012 2013

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Registros da instalação apresentada na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, como resultado da participação no Programa Aprofundamento de 2012. Exposição realizada entre 23 de janeiro e 17 de março. Texto de Mayana Redin.

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Gabinete

PARQUE LAGEEncerramento Aprofundamento 2012

2013

A crítica na esteira: pensamento cansado e ruptura.

“As coisas novas nascem da canseira, da encheção.”

Há um ato de ruptura em todo cansaço. Aquele que interrompe uma tarefa ou um fluxo de pensamento por motivo de fadiga, opera verdadeiras revoluções. A primeira: não estar contra, nem a favor: estar cansado. Aquele que cansa abdica da proteção das suas opiniões, está despido, sem bordas. Como um burro que empaca, o cansado pára repentinamente e passa a duvidar daquilo que faz enquanto faz, e sai a procura de um lugar para o exercício de sua nulidade.

O cansado é uma figura interessante. Seu cansaço não é acompanhado de enxadas ou foices – o cansaço é um estado mental e espiritual – mas de uma leve mudança de expressão no rosto, formando diagonais com as sobrancelhas e ampliando o olhar para o horizonte. Por vezes confundido com o melancólico, o cansado, porém, não compartilha da mesma signifi-cação do doente, do triste ou do perturbado. O lugar social do cansado é deslocalizado; ele não possui um motivo legítimo para faltar ao trabalho (para isso é melhor culpar a doença de um familiar ou criar um luto), mas tampouco pode continuar.

O cansado está sentado, balança-se numa rede, ou estica-se em uma esteira, seus membros estão relaxados. Procura pequenas desculpas para suprir momentaneamente as cobranças e as preocupações dos outros: calor, pressão arterial, pausa para o cigarro, dores musculares, tentando protelar tanto quanto possível as conseqüências futuras do seu tédio. Enquanto isso, maquina horizontalmente o pensamento. A cada espre-guiçada, uma rajada de ar oxigena novas idéias que querem nascer.

O mundo espera o cansado se levantar, colocar-se novamente em posição vertical e ereta, e se recuperar da pausa momentânea, como se tudo fosse voltar ao normal. Porém, contra todas as expectativas, amparado pela superficialidade de uma esteira, o cansado se recuperará e estará pronto

para enfrentar a positividade do mundo, a quem ele responderá: “obrigado, prefiro não continuar”.

O exercício da crítica sobre esteiras propõe a seguinte metodologia: deit-ar-se, recostar-se, perder a pose. Incomodar-se com o prosseguir da vida, desistir de coisas. Largar opiniões, fracassar com convicção. Cansar-se. E então, ver que coisas novas querem nascer. Todo cansaço carrega em si uma crise, seja ela intelectual, ética ou climática. Encontrar suportes certos e temperaturas adequadas para sua manifestação é fundamental. Costumam ajudar as redes, as cadeiras de praia, os sofás, mobílias em geral próximas ao chão, sendo este, não por acaso, o último estágio da queda. Algumas regiões do mundo contribuem para tais ambiências, mas o cansaço está presente em todas as culturas. É possível fazer dele um frutífero mecanismo do pensamento crítico? Experimentemos.

Mayana Redin

1 BARTHES, Roland. O Neutro. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

2 MELVILLE, Herman. Bartebly, o escrivão. São Paulo: Cosac&Naify, 2005.

A crítica na esteira: pensamento cansado e ruptura.

“As coisas novas nascem da canseira, da encheção.”

Há um ato de ruptura em todo cansaço. Aquele que interrompe uma tarefa ou um fluxo de pensamento por motivo de fadiga, opera verdadeiras revoluções. A primeira: não estar contra, nem a favor: estar cansado. Aquele que cansa abdica da proteção das suas opiniões, está despido, sem bordas. Como um burro que empaca, o cansado pára repentinamente e passa a duvidar daquilo que faz enquanto faz, e sai a procura de um lugar para o exercício de sua nulidade.

O cansado é uma figura interessante. Seu cansaço não é acompanhado de enxadas ou foices – o cansaço é um estado mental e espiritual – mas de uma leve mudança de expressão no rosto, formando diagonais com as sobrancelhas e ampliando o olhar para o horizonte. Por vezes confundido com o melancólico, o cansado, porém, não compartilha da mesma signifi-cação do doente, do triste ou do perturbado. O lugar social do cansado é deslocalizado; ele não possui um motivo legítimo para faltar ao trabalho (para isso é melhor culpar a doença de um familiar ou criar um luto), mas tampouco pode continuar.

O cansado está sentado, balança-se numa rede, ou estica-se em uma esteira, seus membros estão relaxados. Procura pequenas desculpas para suprir momentaneamente as cobranças e as preocupações dos outros: calor, pressão arterial, pausa para o cigarro, dores musculares, tentando protelar tanto quanto possível as conseqüências futuras do seu tédio. Enquanto isso, maquina horizontalmente o pensamento. A cada espre-guiçada, uma rajada de ar oxigena novas idéias que querem nascer.

O mundo espera o cansado se levantar, colocar-se novamente em posição vertical e ereta, e se recuperar da pausa momentânea, como se tudo fosse voltar ao normal. Porém, contra todas as expectativas, amparado pela superficialidade de uma esteira, o cansado se recuperará e estará pronto

para enfrentar a positividade do mundo, a quem ele responderá: “obrigado, prefiro não continuar”.

O exercício da crítica sobre esteiras propõe a seguinte metodologia: deit-ar-se, recostar-se, perder a pose. Incomodar-se com o prosseguir da vida, desistir de coisas. Largar opiniões, fracassar com convicção. Cansar-se. E então, ver que coisas novas querem nascer. Todo cansaço carrega em si uma crise, seja ela intelectual, ética ou climática. Encontrar suportes certos e temperaturas adequadas para sua manifestação é fundamental. Costumam ajudar as redes, as cadeiras de praia, os sofás, mobílias em geral próximas ao chão, sendo este, não por acaso, o último estágio da queda. Algumas regiões do mundo contribuem para tais ambiências, mas o cansaço está presente em todas as culturas. É possível fazer dele um frutífero mecanismo do pensamento crítico? Experimentemos.

Mayana Redin

1 BARTHES, Roland. O Neutro. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

2 MELVILLE, Herman. Bartebly, o escrivão. São Paulo: Cosac&Naify, 2005.

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