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94 14 FEVEREIRO 2013 95 SÁBADO Desporto Sempre que têm uma música nova, os Superdragões ensaiam na sede. No Spor- ting, a Juve Leo pratica nas viagens de auto- carro, mas o Directivo Ultras XXI aproveita os jogos de outras modalidades, como futsal e hóquei, para as testar. MUITO ANTES DISTO, em 1943, os adeptos do Vitória de Setúbal chegaram a ensaiar na praça de touros da cidade. “Foi a nossa primeira canção. Foi feita por um jornalis- ta do jornal A Bola chamado João Lúcio. Era um tema inspirado na banda sonora do filme Cantiga da Rua”, recorda António Serra, actual líder da claque VIII Exército. Em 1943, alguns dias antes de um jogo no estádio da Luz, que foi jogado em Julho, um grupo de adeptos do Setúbal distribuiu 10 mil panfletos pela cidade com a letra da música. “Quan- do o Vitória entrou em campo, parecia que Setúbal estava a invadir Lisboa. Apesar da derrota por 5-1, um jornalista do Mundo Desportivo escreveu que o VIII Exército ti- nha invadido a capital. Na altura, em plena II Guerra Mundial, o VIII Exército era um ba- talhão inglês que acabava de derrotar os alemães no Norte de África. E, numa com- paração ao batalhão, a claque ficou com o nome de VIII Exército”, explica Serra. FUTEBOL. COMO NASCEM AS CANÇÕES MAIS GRITADAS NOS ESTÁDIOS Os Superdragões fazem todos os anos 40 canções novas A maioria das claques gravou as canções em CD QUEM FAZ AS MÚS ICAS DAS CLAQUES Apesar de terem canções dedicadas aos jogadores, uma das tradições dos No Name Boys (Benfica) é recuperar músicas antigas. “Vamos buscá-las a cassetes velhas. Os No Name sempre tiveram na cabeça que são di- ferentes”, conta à SÁBADO um dos elemen- tos do grupo, que não se quis identificar. Apesar disso, têm temas mais recentes. “O último é o Dicen que Estamos Locos de la Ca- beza, da claque argentina San Lorenzo.” Nor- malmente, aos 30 minutos de cada jogo o grupo canta o hino do clube. Ao contrário do que acontece no Benfi- ca, no Directivo Ultras XXI e na Juve Leo (do Sporting) parte das músicas resulta da tro- ca de ideias entre adeptos. “Às vezes, é pre- ciso pesquisar bastante na Internet. Troca- mos emails com propostas de letras até fi- carmos satisfeitos”, explica Nuno Nunes, que forma com João Nascimento o “núcleo de criativos” do Directivo. “As canções são, na maioria, adaptações de claques estran- geiras, sobretudo italianas e sul-america- nas, ou então letras que fazemos a partir de músicas populares.” Em 10 anos, o Directivo fez mais de 300 canções para o Sporting. “Temos músicas para o início e para o fim dos jogos, para os momentos em que a equipa está a perder e para as alturas em que está ganhar.” O últi- mo tema, apresentado em meados de Janei- ro, “puxa ao coração”, diz João Nascimento. “Baseia-se numa canção marroquina que encontrei no YouTube. A letra diz: “Fiel à minha crença/Ao meu amor/À minha fé/Sporting, nunca te vou deixar/Tu fazes parte de mim.” Devido à inspiração para esta nova canção, afirma: “As claques de clubes do Norte de África já começam a ter influên- cia em Portugal”. Algumas das músicas do Directivo es- tão gravadas em CD. Aliás, o hábito de re- gistar as canções é frequente na maioria das claques, da Juve Leo aos Bracara Legion (Sporting de Braga) ou White Angels (Vi- tória de Guimarães). Também há cânticos que “surgem” en- quanto os jogos decorrem, como é o caso de um dos mais conhecidos dos Superdragões, do FC Porto. “O SLB, filhos da p... apareceu num jogo no estádio da Luz há seis anos. Os adeptos do Benfica cantavam ‘SLB, SLB, SLB, glorioso, SLB’ e nós alterámos ali a letra”, explica à SÁBADO Fernando Madureira, líder da claque portista. Durante os jogos, é ele o responsável por comandar os adeptos, com a ajuda de um megafone. “É o próprio jogo que dita o que se canta. Se estivermos a per- der por 1-0 não cantamos para os jogado- res, porque se desconcentram”, afirma. Por jogo, os Superdragões cantam 20 a 30 temas acompanhados por dois bombos. “Fico mui- tas vezes rouco”, confessa Madureira. Antes de um jogo com o Benfica, os adeptos do Setúbal ensaiaram as canções na Praça de Touros J oão Nascimento ia a caminho de Bil- bau com a claque do Sporting para ver a equipa jogar as meias-finais da Liga Europa, em Abril de 2012. Ouvia a mú- sica que passava no rádio do autocar- ro quando, de repente, levou as mãos à cabe- ça e gritou: “Pára tudo! Pára tudo!” Os outros elementos da claque Directivo Ultras XXI olharam para ele, espantados. “Pensaram que me estava a sentir mal, mas tinha acabado de criar uma letra para uma canção”, conta à SÁ- BADO João, de 26 anos, hoje desempregado, que está no Directivo desde os 18. “Inspirei- me naquela canção muito famosa nos meios estudantis, A Mulher Gorda...”. Logo depois daquele jogo, que o Sporting perdeu por 3-1, falhando o acesso à final, os membros da claque criada em 2002 adopta- ram a música de João Nascimento e come- çaram a entoá-la: “Ó grande Sporting/Por ti eu vou cantar/Juntos na curva/um só nome eu vou gritar!” Todas as claques dos clubes da I Liga têm músicas de apoio às respectivas equipas. Muitas tornaram-se verdadeiros hits. Entre os adeptos do Sporting, Só Eu Sei porque não Fico em Casa, da Juve Leo, tornou-se um hino. No FC Porto, Allez, Porto! Allez! Nós Somos a Tua Voz é das canções mais ouvidas no es- tádio do Dragão. Na Luz, é comum ouvir a bancada torcer por Oscar Cardozo, repetin- do a letra: “Tenham cuidado, ele é perigo- so, ele é o Oscar Tacuara Cardozo!” Ou o es- tádio levantar-se a gritar: “Oh! Sport Lisboa e Benfica, o campeão!” Copiam temas estrangeiros, adaptam músicas populares e recuperam hits antigos. Mas os adeptos nacionais também inventam os cânticos que ouvimos. Veja como. Por Ana Catarina André www.sabado.pt Multimédia Veja no site alguns vídeos das canções das claques RICARDO MEIRELES GETTYIMAGES

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94 14 FEVEREIRO 2013 95SÁBADO

Desporto

Sempre que têm uma música nova, osSuperdragões ensaiam na sede. No Spor-ting, a Juve Leo pratica nas viagens de auto-carro, mas o Directivo Ultras XXI aproveitaos jogos de outras modalidades, como futsale hóquei, para as testar.

MUITO ANTES DISTO, em 1943, os adeptosdo Vitória de Setúbal chegaram a ensaiarna praça de touros da cidade. “Foi a nossaprimeira canção. Foi feita por um jornalis-ta do jornal A Bola chamado João Lúcio.Era um tema inspirado na banda sonorado filme Cantiga da Rua”, recorda António

Serra, actual líder da claqueVIII Exército.

Em 1943, alguns dias antesde um jogo no estádio da Luz,que foi jogado em Julho, umgrupo de adeptos do Setúbaldistribuiu 10 mil panfletos

pela cidade com a letra da música. “Quan-do o Vitória entrou em campo, parecia queSetúbal estava a invadir Lisboa. Apesar daderrota por 5-1, um jornalista do MundoDesportivo escreveu que o VIII Exército ti-nha invadido a capital. Na altura, em plenaII Guerra Mundial, o VIII Exército era um ba-talhão inglês que acabava de derrotar osalemães no Norte de África. E, numa com-paração ao batalhão, a claque ficou com onome de VIII Exército”, explica Serra. l

FUTEBOL. COMO NASCEM AS CANÇÕES MAIS GRITADAS NOS ESTÁDIOS

Os Superdragões fazem todos

os anos 40canções novas

A maioria dasclaques gravouas canções em CD

QUEM FAZ AS MÚS ICAS DAS CLAQUES

Apesar de terem canções dedicadas aosjogadores, uma das tradições dos No NameBoys (Benfica) é recuperar músicas antigas.“Vamos buscá-las a cassetes velhas. Os NoName sempre tiveram na cabeça que são di-ferentes”, conta à SÁBADO um dos elemen-tos do grupo, que não se quis identificar.Apesar disso, têm temas mais recentes. “Oúltimo é o Dicen que Estamos Locos de la Ca-beza, da claque argentina San Lorenzo.” Nor-malmente, aos 30 minutos de cada jogo ogrupo canta o hino do clube.

Ao contrário do que acontece no Benfi-ca, no Directivo Ultras XXI e na Juve Leo (doSporting) parte das músicas resulta da tro-ca de ideias entre adeptos. “Às vezes, é pre-ciso pesquisar bastante na Internet. Troca-mos emails com propostas de letras até fi-carmos satisfeitos”, explica Nuno Nunes,que forma com João Nascimento o “núcleode criativos” do Directivo. “As canções são,na maioria, adaptações de claques estran-geiras, sobretudo italianas e sul-america-nas, ou então letras que fazemos a partir demúsicas populares.”

Em 10 anos, o Directivo fez mais de 300canções para o Sporting. “Temos músicaspara o início e para o fim dos jogos, para osmomentos em que a equipa está a perder epara as alturas em que está ganhar.” O últi-mo tema, apresentado em meados de Janei-ro, “puxa ao coração”, diz João Nascimento.“Baseia-se numa canção marroquina queencontrei no YouTube. A letra diz: “Fiel àminha crença/Ao meu amor/À minha

fé/Sporting, nunca te vou deixar/Tu fazesparte de mim.” Devido à inspiração para estanova canção, afirma: “As claques de clubesdo Norte de África já começam a ter influên-cia em Portugal”.

Algumas das músicas do Directivo es-tão gravadas em CD. Aliás, o hábito de re-gistar as canções é frequente na maioriadas claques, da Juve Leo aos Bracara Legion(Sporting de Braga) ou White Angels (Vi-tória de Guimarães).

Também há cânticos que “surgem” en-quanto os jogos decorrem, como é o caso deum dos mais conhecidos dos Superdragões,

do FC Porto. “O SLB, filhos da p... apareceunum jogo no estádio da Luz há seis anos. Osadeptos do Benfica cantavam ‘SLB, SLB, SLB,glorioso, SLB’ e nós alterámos ali a letra”,explica à SÁBADO Fernando Madureira, líderda claque portista. Durante os jogos, é ele oresponsável por comandar os adeptos, coma ajuda de um megafone. “É o próprio jogoque dita o que se canta. Se estivermos a per-der por 1-0 não cantamos para os jogado-res, porque se desconcentram”, afirma. Porjogo, os Superdragões cantam 20 a 30 temasacompanhados por dois bombos. “Fico mui-tas vezes rouco”, confessa Madureira.

Antes de um jogo com o Benfica,os adeptos do Setúbal ensaiaramas canções na Praça de Touros

João Nascimento ia a caminho de Bil-bau com a claque do Sporting para vera equipa jogar as meias-finais da LigaEuropa, em Abril de 2012. Ouvia a mú-sica que passava no rádio do autocar-

ro quando, de repente, levou as mãos à cabe-ça e gritou: “Pára tudo! Pára tudo!” Os outroselementos da claque Directivo Ultras XXIolharam para ele, espantados. “Pensaram queme estava a sentir mal, mas tinha acabado decriar uma letra para uma canção”, conta à SÁ-BADO João, de 26 anos, hoje desempregado,que está no Directivo desde os 18. “Inspirei-me naquela canção muito famosa nos meiosestudantis, A Mulher Gorda...”.

Logo depois daquele jogo, que o Sportingperdeu por 3-1, falhando o acesso à final, osmembros da claque criada em 2002 adopta-ram a música de João Nascimento e come-çaram a entoá-la: “Ó grande Sporting/Por tieu vou cantar/Juntos na curva/um só nomeeu vou gritar!”

Todas as claques dos clubes da I Liga têmmúsicas de apoio às respectivas equipas.Muitas tornaram-se verdadeiros hits. Entreos adeptos do Sporting, Só Eu Sei porque nãoFico em Casa, da Juve Leo, tornou-se um hino.No FC Porto, Allez, Porto! Allez! Nós Somos aTua Voz é das canções mais ouvidas no es-tádio do Dragão. Na Luz, é comum ouvir abancada torcer por Oscar Cardozo, repetin-do a letra: “Tenham cuidado, ele é perigo-so, ele é o Oscar Tacuara Cardozo!” Ou o es-tádio levantar-se a gritar: “Oh! Sport Lisboae Benfica, o campeão!”

Copiam temas estrangeiros, adaptam músicas populares e recuperam hitsantigos. Mas os adeptos nacionais também inventam os cânticos que ouvimos. Veja como. Por Ana Catarina André

www.sabado.pt MultimédiaVeja no site alguns vídeos das canções das claques

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