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Fundo Brasil-
China de
Cooperação para
Expansão da
Capacidade
Produtiva e o
Financiamento
de Longo Prazo
no Brasil
Maio/2018
Artigo: Fundo Brasil-China de Cooperação para Expansão da Capacidade Produtiva e o Financiamento de Longo Prazo no Brasil
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Artigo: Fundo Brasil-China de Cooperação para Expansão da Capacidade
Produtiva e o Financiamento de Longo Prazo no Brasil
Projeto Reconfigurações do BNDES: bancos públicos em cenários incertos
Coordenação Geral: Athayde Motta
Coordenadora de projeto: Francisco Menezes
Texto:
Fernando Amorim (consultor)
Artigo: Fundo Brasil-China de Cooperação para Expansão da Capacidade Produtiva e o Financiamento de Longo Prazo no Brasil
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Fundo Brasil-China de Cooperação para Expansão da Capacidade
Produtiva e o Financiamento de Longo Prazo no Brasil
Fernando Amorim1
A presença de capital chinês na América Latina não é necessariamente uma novidade
mas tem se tornado cada vez mais complexa e abrangente. Na última década houve uma
verdadeira invasão de empresas chinesas na região, empreendendo obras de grande porte,
fornecendo empréstimos e financiamentos, realizando parcerias, adquirindo ativos estatais e
causando reações diversas (às vezes tímidas) na sociedade civil de cada país. Contudo, é
comum que os atores que monitoram esse tipo de investimento tendam a lançar o olhar para
cada investimento/projeto de forma isolada, dando atenção aos impactos, sejam econômicos,
sociais ou ambientais, mas sem correlacioná-los com outras esferas de interesse e com o
pesado jogo por detrás da chegada desses investimentos.
No caso do Brasil, houve uma forte aproximação diplomática entre os dois países nos
últimos anos e, desde 2015, vem se observando um alargamento das formas de chegada de
capital, extrapolando o aprofundamento das relações comerciais - que, não obstante, tiveram
grande incremento2. Nesse sentido, tanto empresas estatais chinesas de grande porte quanto
empréstimos de bancos do país asiático se fizeram mais presentes, para além daquilo
anunciado nos diversos memorandos de intenção3.
O mais recente capítulo dessa relação, no entanto, ainda que previamente costurado
no Governo Dilma Rousseff, foi a criação e ativação de um Fundo bilateral, o Fundo Brasil-
China de Cooperação para Expansão da Capacidade Produtiva, composto por capitais de
diferentes instituições dos dois países e que deve ter seus financiamentos materializados num
futuro próximo. Para entender esse novo instrumento, por sua vez, não se pode perder de
vista as intenções geopolíticas chinesas e a crise político-econômica brasileira. Com o intuito
compreender a essência de um financiador de longo prazo com tais características é
importante um breve resgate histórico dos movimentos de ambos os países, e de como a
“acoplagem” chinesa no Brasil encontrou ambiente propício para tornar o país um dos
principais alvos de sua estratégia no exterior.
1 Economista, Mestre em Economia Política Internacional (PEPI/UFRJ).
2 Desde 1974, Brasil e China tem relações institucionais; em 1978, 1º acordo para o
desenvolvimento do comércio; 1993, parceria estratégica para viabilizar maiores exportações de
minério de ferro brasileiro; 2009, a China é o maior parceiro comercial do Brasil no mundo; em 2015,
em visita oficial o primeiro ministro chinês assinou com a Presidenta Dilma Rousseff os “35 acordos
de cooperação” - Plano de Ação 2015-2021, de US$ 53 bilhões.
3 Em 2015, em visita oficial, o primeiro ministro chinês assinou com a Presidenta Dilma
Rousseff os “35 acordos de cooperação” (Plano de Ação 2015-2021) – US$ 53 bilhões. Em 2016
houve mais assinaturas (http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/noticias/2016/09/china-e-
brasil-assinam-acordos-de-investimento-e-cooperacao).
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Pelo lado brasileiro, para debater a estratégia de aproximação com a China, há de se
levar em consideração que o que estava em jogo até 2015 não era uma perspectiva de
rendição absoluta, ou seja, de simplesmente fazer parte de uma estratégia alheia. Não
obstante, o atual governo abriu mão por completo de uma estratégia nacional, criando um
amplo programa de privatizações (o chamado Programa de Parcerias de Investimento – PPI),
cabendo ao BNDES ser mero estruturador e não mais financiador de projetos de maior porte.
É a partir de tais elementos e na intenção de elucidar o funcionamento do Fundo que
este texto parte de uma breve apresentação sobre esses tipos de mecanismos cada vez mais
comuns na estratégia global chinesa, e seu caráter defensivo-ofensivo. Nas próximas linhas se
buscará trazer questões sobre o modus operandi do Fundo a partir de levantamentos feitos
junto a Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento (SEAIN/MP) e
ao BNDES, assim como os desafios para a sociedade civil para acompanhar esse novo
mecanismo.
A Estratégia do Financiamento Chinês
Desde 26 de junho de 2017 - e sem muito alarde – está ativo no país o Fundo Brasil-
China de Cooperação para Expansão da Capacidade Produtiva (Decreto nº 9.063/2017),
tratado internacionalmente pela sigla FCB. Com previsão de disponibilizar US$ 20 bilhões
para setores tidos como de “suma importância” para o Governo Federal, o Fundo tem
composição específica e provoca uma série de dúvidas sobre seu funcionamento e impactos
para a sociedade.
Empresas brasileiras e chinesas da área de infraestrutura, energia e recursos
minerais, tecnologias e serviços digitais (dentre outros) têm, assim, um novo instrumento
para realizar investimentos, o que envolve tanto aquisição de ativos estatais (no processo de
privatizações) quanto Parcerias Público-Privadas (PPPs) greenfields, ou seja, novos projetos.
A composição dos recursos do Fundo está dividida da seguinte forma: US$ 15 bilhões
oriundos do China-LAC Cooperation Fund (Claifund) e US$ 5 bilhões que podem advir tanto
do BNDES quanto da Caixa Econômica Federal (a depender do tipo do empreendimento).
A iniciativa de tal fundo, no entanto, dialoga com uma série de prerrogativas globais,
como a estrutura do sistema monetário internacional e os interesses geopolíticos dos
próprios chineses. Nas últimas décadas, a bonança das exportações chinesas gerou
recorrentes superávits em conta corrente, o que determinou formas específicas de
administrá-los. Nesse sentido, diversos arranjos foram se viabilizando no intuito de gerir
esses saldos positivos em moeda estrangeira, especialmente em dólar americano.
Dentre eles, a decisão de acumular reservas internacionais em valores nunca dantes
vistos, criar fundos soberanos com alto poder de fogo no - e por dentro do - mercado
financeiro, uma maior atuação de bancos chineses no exterior e a criação de diversos fundos
bilaterais - ou multilaterais como o Fundo da nova Rota da Seda - foram facetas deste
processo. Ademais, das decisões supracitadas, muitas têm caráter defensivo e dialogam com a
própria forma de inserção chinesa na globalização financeira, ou seja, com o intuito imediato
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de impedir que ocorra uma inundação de moeda estrangeira em sua economia, com impactos
nas taxas de câmbio e suas consequências nefastas. Dito de outra forma, a política de garantir
o câmbio competitivo, no caso chinês, de um RMB que atenda a estratégia nacional, passa
também por criar mecanismos de reinvestir no exterior os dólares que poderiam apreciar a
moeda local. Sem a intenção de adentrar demasiado em terreno pantanoso, se buscará aqui
elencar alguns pontos acerca do que foi citado, assim como exemplifica-los.
A China, como se sabe, tem como característica peculiar uma forte interação entre sua
política macroeconômica e suas aspirações geopolíticas e dentro dessa estratégia está sua
política cambial - a qual vai além da atuação de seu banco central no mercado de câmbio
como em outros países. Nesse sentido, para dar sustentação a esse preço essencial para a
economia chinesa, não apenas as vultuosas reservas internacionais chinesas cumprem papel
fundamental de colchão de liquidez4.
As mudanças recentes no ritmo e na direção do crescimento do país asiático têm
impactos diretos em sua relação com o resto do mundo. Seja do ponto de vista de uma maior
necessidade de exportar serviços antes comprometidos com a produção interna, seja no nível
dos financiamentos e nas relações comerciais, esses movimentos guardam algum
componente estratégico, alguns mais outros menos identificáveis.
Importante dizer que boa parte deste arsenal está voltada para a área de energia,
segundo Galagher, Kamal, Wang (2016). De acordo com os autores, do total de investimentos
energéticos chineses no exterior, cerca de 80% estava destinado para geração de energia, 13%
para transmissão e distribuição e 7% para Extração e Refino de petróleo. A estes
investimentos, por sua vez, se juntaram outros bilhões de dólares que compõem os chamados
investimentos externos diretos do país no resto do mundo. Não por acaso, desde 2013
observa-se claramente um salto desses investimentos, de acordo com o Banco Mundial
(Gráfico 1).
4
No que tange às reservas, após mais de uma década de crescimento constante, desde 2014
quase US$ 1 trilhão de dólares foram desmobilizados, baixando-as de cerca de US$ 4 trilhões para
algo em torno de US$ 3,1 trilhões em 2017. Há suspeita, nesse sentido, de que parte delas tenha sido
transferida para mecanismos com menor custo de carregamento como fundos soberanos e fundos
bilaterais e multilaterais. Fica latente neste processo que a capacidade do Estado de atuar no processo
econômico passa não apenas pelo controle dos instrumentos, mas ser capaz de utilizá-lo quando
necessários.
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Gráfico 1 – Investimentos Externos Diretos Chineses no Mundo, 2001-2016
(em bilhões de US$)
Fonte: Banco Mundial – Elaboração Própria.
Ao mesmo tempo, o encontro dessa estratégia chinesa com a (falta de) estratégia de
cada país em particular se dá de forma diferenciada. No caso brasileiro, a crise econômica e
política brasileira abriu margem para o aprofundamento da entrada de capital chinês por
aqui. Se já havia uma relação próxima e uma intenção de estreitar os laços, aparentemente
não havia uma deliberada iniciativa de abrir mão por completo da soberania por parte das
autoridades brasileiras.
A liquidação atual de bens e ativos, públicos e privados, se dá através de dois
principais pontos: ativos estrategicamente interessantes postos à venda sem um estudo mais
aprofundado, e o próprio preço dos ativos, subestimados pelo interesse do atual governo em
privatizá-los o mais rápido possível e por um real que se desvalorizou consideravelmente
desde 2015. O que já era visível no setor energético (especialmente no setor elétrico com
China Three Gorges e State Grid Brazil Holding5) tomou ares de fato preocupantes em 2017
com o grande plano de desestatização lançado pelo Governo Federal.
5
As duas grandes empresas de energia, a China Three Gorges (CTG) e a State Grid Brasil
Holding (SGBH), em conjunto, são líderes do mercado privado de energia, em poucos anos de
operação. O posicionamento de ambas as empresas de capital estatal chinês no país desde 2009, no
caso da State Grid e, desde 2013, no caso da CTG fez com que ambas já tivessem instaladas, com
informações in loco do mercado, o que “facilitou” adquirir ativos públicos e privados com a crise
brasileira.
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200
250
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Encontros e Desencontros: o BNDES sai de cena no Financiamento de
Longo Prazo
Antes de entrar nos pormenores do modus operandi do Fundo, importante salientar
que o BNDES, principal mecanismo de financiamento de longo prazo do Brasil, fechou 2017
com desembolsos na casa dos US$ 20 bilhões, mesmo valor anunciado como capital do
Fundo Brasil-China. O Banco, que teve papel central na estratégia do governo brasileiro nos
últimos anos, vem sofrendo talvez o pior desmonte de sua história. Longe de defender uma
eventual estratégia de internacionalização de empresas a qualquer custo ou toda e qualquer
iniciativa que tenha contado com o BNDES, é importante que se saliente que este é, desde
sua criação, o principal mecanismo de financiamento de longo prazo do país e que esse
instrumento está sendo destruído, assim como todo seu potencial.
Gráfico 2 - Evolução dos desembolsos BNDES em termos nominais –2006-2017
(em bilhões de Reais)
Fonte: Demonstrações Financeiras BNDES – Elaboração própria.
O cenário delineado pelo Gráfico acima, que demonstra uma saída do BNDES de
cena, se deu ainda na vigência da chamada TJLP (a Taxa de Juros de Longo Prazo, que
continha um subsídio determinado pelo Conselho Monetário Nacional). Vale lembrar que o
governo pode subsidiar crédito com propósitos específicos, tendo em vista as características
próprias da economia brasileira como uma taxa de juros básica (Selic) historicamente dentre
as maiores do mundo, impeditiva de qualquer outra iniciativa de financiamento de longo
prazo no país. Esta taxa, dentro do bojo de nossa crise, está sendo substituída pela TLP (Taxa
de Longo Prazo) a partir dos desembolsos aprovados em janeiro de 2018. De forma geral, tal
51,3
64,9
90,9
136,4
168,4
138,9
156,0
190,4 187,8
135,9
88,3
70,8
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
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taxa será referenciada a uma taxa de mercado, o que tende a significar uma perda completa
da capacidade do governo de fazer política creditícia direcionada de longo prazo6.
Com a saída do BNDES do campo de financiamento estratégico e na ânsia de levar a
cabo com a maior velocidade possível seu programa de privatizações, o governo de Michel
Temer lançou ainda na interinidade o chamado Plano de Parcerias de Investimento (PPI) -
Lei Nº 13.334, 2016. A pressa do Governo Federal em privatizar tudo o que for possível no
curto prazo, por sua vez, já vem surtindo efeito e dos 177 projetos anunciados pelo PPI em
quatro diferentes momentos (setembro de 2016, março de 2017, agosto de 2017 e março de
2018), mais de 70 já foram a leilão e/ou estão em processo de “concessão” à iniciativa privada
(ou a empresas estatais estrangeiras). Por sua vez, devido à velocidade com que tal programa
vem sendo implementado, há pouco acompanhamento por parte da sociedade civil.
No PPI, cabe ao BNDES ser “o condutor do processo de concessões e outras formas de
desestatização de ativos do Programa [...] estruturação de projetos que visem atrair a parceria
privada, identificando oportunidades e conduzindo o processo desde a fase de estudos e
modelagem, até a assinatura do contrato de concessão entre os governos estaduais e as
concessionárias [...] no papel de membro do Conselho do PPI, indicar empreendimentos que
se qualifiquem para sua implantação por meio de parcerias privadas” (trechos extraídos do
próprio site do banco).
Fundo Brasil-China e os Investimentos Chineses
No processo acima descrito, a criação do fundo visa criar uma nova alternativa para a
entrada de capital chinês sem, no entanto, ser empecilho às outras formas de entrada dos
investimentos. Um fundo deste montante, com proposito especifico de fornecer
financiamentos no momento de déficit democrático em que estamos inseridos, tem foco
declarado em privatização de ativos e estimulo a parecerias público-privadas.
Coincidentemente (ou não), o BNDES é quem está gerindo o Fundo Nacional de
Desestatização (FND) e a Caixa Econômica Federal também tem linhas próprias de
financiamento para os projetos licitados - os mesmos instrumentos brasileiros que comporão
o funding do Fundo Mútuo.
Em novembro de 2017 o regimento interno do banco foi disponibilizado7 e, segundo
este, a estrutura organizacional está dividida em diferentes níveis: i) Comitê Diretivo; ii)
Grupo de Trabalho Técnico e; iii) Secretaria-Executiva. Os interessados em acessar os
recursos devem se manifestar por meio de Cartas-Consulta à secretaria executiva. A proposta
será analisada pelo grupo de trabalho técnico, de acordo com o Regimento Interno, diretrizes
e procedimentos aprovados pelo Comitê Diretivo e que apresentará uma proposta de
6
Ver mais em: http://ibase.br/pt/noticias/bndes-artigo-analisa-riscos-das-mudancas-propostas-
por-temer/
7 http://www.planejamento.gov.br/assuntos/internacionais/arquivos/regimento-
interno_portugues.pdf/view
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classificação. A partir deste processo as cartas serão submetidas ao Comitê Diretivo através
da Secretaria Executiva para decisão final, que em caso de aprovação serão encaminhados
aos “potenciais financiadores e outros investidores”, que decidirão sobre a concessão de
financiamentos ou investimentos.
Sabe-se que diversos projetos foram submetidos por meio de Cartas-Consulta8 ao
fundo desde julho do ano passado, sendo, em sua maioria, empresas chinesas interessadas
em investir no Brasil. A Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento
(SEAIN/MP) é a Secretaria Executiva do Fundo, onde as propostas são analisadas9 e - se o
projeto for considerado prioritário para o governo brasileiro e de interesse da parte chinesa -
será emitido um Certificado de Classificação de Projeto, atestando que este corresponde às
prioridades das duas partes.
Figura 1 - Etapas do Processo de Acesso ao Fundo
Fonte: SEAIN/MP.
Cabe alertar que, se é o próprio BNDES quem previamente lista, enquadra e estrutura
os projetos elencados no PPI (ou outras inciativas de garantias pró-mercado) e os chineses já
se mostram claramente interessados em adquirir tudo o que for possível10, aparentemente,
demanda e interesse mútuo não faltarão para boa parte dos projetos listados - e outros que
entrarão na barganha.
8
Segundo informações da SEAIN/MP.
9 http://www.planejamento.gov.br/assuntos/internacionais/perguntas-frequentes.
10 http://www.valor.com.br/brasil/4946252/china-lidera-ranking-de-aquisicoes-no-brasil
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Com relação ao Claifund as informações são ainda menos transparentes11. Não há
qualquer menção ao Fundo Brasil-China ou condições de financiamento no site do fundo
chinês, estando disponíveis apenas informações básicas sobre sua criação e a relação com os
países da região. Fica em evidência também que não há obstrução para que empresários
(sejam eles chineses ou brasileiros) busquem recursos no Claifund (explicar do que se trata)
– com suas taxas subsidiadas pelo governo de Pequim. Isso, na prática, significa que as
alterações nas taxas referenciais do BNDES devem abrir caminho para que um país com
planejamento estratégico imponha sua lógica de desenvolvimento a outro – com a anuência
dos governantes desse outro país, nesse caso.
Autoridades brasileiras comemoram o fato de que o fundo não condiciona o apoio à
participação de companhias ou conteúdo chineses nos projetos - como outras iniciativas do
país asiático. No entanto, é verdade que tampouco coloca critérios de conteúdo nacional (do
Brasil, no caso) o que, na prática, já que empresas chinesas devem mostrar maior apetite,
significará que o conteúdo será majoritariamente chinês12. O fato do formato do Fundo ser
uma coisa inteiramente nova impõe a aceitação, por parte de autoridades brasileiras, de que é
prematura qualquer expectativa tanto para o lado brasileiro como para o lado chinês, e de
que há um claro processo de aprendizado prático a partir de sua operação.
De fato, segundo informações recentes, as negociações com os chineses têm se
mostrado mais complexas do que o governo brasileiro imaginava. Estava prevista para o
começo de abril de 2018 uma primeira reunião do Grupo Técnico bilateral, para avaliar o
primeiro lote de projetos que serão considerados para análise detalhada. Com relação aos
projetos da PPI, por definição são prioritários para o Governo Brasileiro, mas para não
incidir sobre o processo de licitação, a SEAIN considera apenas projetos já vencedores do
processo licitatório para acessar aos recursos do fundo.
Aparentemente, o Fundo se materializa como mais uma iniciativa chinesa para entrar
no mercado brasileiro por outras portas. Se grandes empresas transnacionais do país
asiático13 já o fazem de forma direta – com dinheiro próprio ou financiado no mercado chinês
-, outras empresas poderão entrar através do Fundo com ares mais “harmoniosos”. Neste
sentido, o Fundo mútuo pode se configurar como uma porta institucionalmente construída
para que uma série de empresas consiga se posicionar globalmente ou mesmo para que
empresas brasileiras consigam financiamento subsidiado - num momento de ascensão
11
http://www.chinacelacforum.org/eng/ltdt_1/t1269475.htm
12 Mesmo empresas brasileiras podem adquirir insumos chineses mais baratos, não havendo
qualquer restrição a isso.
13 Como State Grid, China Three Gorges, CNOOC, entre outros do setor energético (mas
também de outros setores como as aquisições recentes do fundo HNA).
Artigo: Fundo Brasil-China de Cooperação para Expansão da Capacidade Produtiva e o Financiamento de Longo Prazo no Brasil
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de um idealismo liberal fora de época14 – na ausência de qualquer política de credito
direcionado, no Brasil.
Enquanto o Fundo não se materializa de fato, os chineses continuam investindo
pesado no Brasil principalmente via fusão e aquisição de empresas públicas e privadas. O
próprio Ministério do Planejamento tem disponibilizado bimestralmente15 um boletim desses
investimentos com uma compilação sobre perspectivas e investimentos de fato realizados.
Segundo o último boletim de janeiro/fevereiro de 2018, desde 2003, noventa e sete projetos
foram confirmados num valor total de US$ 54,1 bilhões no Brasil. A maioria desses projetos
ocorre na região sudeste, além de alguns que perpassam mais de um estado ou região.
Figura 2 – Projetos Confirmados por Unidade da Federação entre janeiro de
2003 e fevereiro de 2018
Fonte: Boletim de Investimentos Chineses no Brasil (3º Bimestre - janeiro/fevereiro 2018).
Dentre os setores nos quais os chineses mais têm investido, destaque absoluto para o
setor de energia (46%), seguido por petróleo e gás (30%) e extração mineral (8%). Outros
setores contemplados com os investimentos são o setor automotivo, a agropecuária, os
serviços financeiros, logística e transporte e etc. Coincidente, todos esses setores estão
14
O processo de desmonte do Estado e venda de empresas estatais no país, ao contrário do que
idealizam seus entusiastas, ao que parece, não terá necessariamente como contraparte a iniciativa
privada.
15 http://www.planejamento.gov.br/assuntos/internacionais/boletim-bimestral-de-investimentos
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contemplados tanto no PPI quanto no Fundo Brasil-China de Cooperação para a Expansão da
Capacidade Produtiva. Importante dizer que, dos investimentos já realizados, a imensa
maioria se dá via fusão e aquisição, ou seja, não geram necessariamente novos investimentos
e podem incrementar o processo de remessas de lucros e dividendos ao exterior, sem contar
na perda da soberania no caso de aquisição de empresas estatais brasileiras.
Gráfico 3 - Investimentos chineses no Brasil, por Modalidade e Setor
Fonte: Boletim de Investimentos Chineses no Brasil (3º Bimestre - janeiro/fevereiro 2018).
Do ponto de vista da sociedade civil, pelo menos no Brasil, as perspectivas não são
nada positivas. No que se refere ao estreitamento das relações entre Brasil e China e os
investimentos em áreas estratégicas (energia, mineração, logística, dentre outros), os
processos são nebulosos e, com a destituição da Presidenta eleita Dilma Rousseff, os espaços
de diálogo entre o governo e sociedade civil vêm se fechando ainda mais.
No tocante à política externa brasileira, o governo vem utilizando-se da retórica da
reversão da diretriz anterior (considerada por eles como ideologizada), ou seja, não se alinhar
com países que buscaram saídas mais soberanas, mas, ao mesmo tempo, verifica-se um tom
pragmático na relação com os outros membros dos BRICS, principalmente com a China. Por
essas e por outras razões, e sabendo que a reciproca tende a ser verdadeira, é plausível que se
espere que os governos de outros países não se incomodem nem um pouco com esta falta de
diálogo social, o que, sem dúvida, coloca nuvens carregadas no horizonte.