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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE ECONOMIA DE SÃO PAULO FLÁVIA CARRASCO RUBIO A ORTODOXIA E HETERODOXIA REVISTAS EM SUA BASE: Uma leitura de Economia Política São Paulo 2012

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  • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

    ESCOLA DE ECONOMIA DE SÃO PAULO

    FLÁVIA CARRASCO RUBIO

    A ORTODOXIA E HETERODOXIA REVISTAS EM SUA BASE:

    Uma leitura de Economia Política

    São Paulo

    2012

  • FLÁVIA CARRASCO RUBIO

    A ORTODOXIA E HETERODOXIA REVISTAS EM SUA BASE:

    Uma leitura de Economia Política

    Dissertação apresentada à Escola de Economia de São

    Paulo da Fundação Getulio Vargas, como requisito para

    a obtenção do título de Mestre em Economia.

    Área de concentração: Macroeconomia Financeira

    Orientador: Prof. Dr. Rogério Mori

    São Paulo

    2012

  • Rubio, Flávia Carrasco. A ortodoxia e heterodoxia revistas em sua base: Uma leitura de Economia Política. Flávia Carrasco Rubio – 2013.

    88f.

    Orientador: Rogério Mori. Dissertação (MPFE) - Escola de Economia de São Paulo.

    1. Economia - Metodologia. 2. História econômica. 3. Economia Keynesiana. I. Mori,

    Rogério. II. Dissertação (MPFE) - Escola de Economia de São Paulo. III. Título.

    CDU 33

  • FLÁVIA CARRASCO RUBIO

    A ORTODOXIA E HETERODOXIA REVISTAS EM SUA BASE:

    Uma leitura de Economia Política

    Dissertação apresentada à Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Economia.

    Área de concentração: Macroeconomia Financeira

    Data de Aprovação

    _____/_____/_____

    Banca examinadora:

    ______________________________

    Prof. Dr. Rogério Mori (Orientador)

    ______________________________

    Prof. Dr. Ramón Garcia Fernandes

    ______________________________

    Prof. Dra. Lilian Furquim

  • RESUMO

    O presente trabalho busca avaliar, de uma perspectiva teórica, as bases fundamentais

    argumentativas que colocam a ciência econômica em patamares tão distintos de análise: De um lado,

    o forte aparato matemático e de microfundamentos que sustentam a visão do mainstream

    economics. De outro a avaliação de Keynes (da perspectiva pós-keynesiana) acerca do objeto da

    ciência econômica. Para isso, inicia-se no primeiro capítulo uma reconstrução da Economia

    ortodoxa em sua base. De tal perspectiva, o estudo proposto concentra-se na chamada escola novo

    clássica, sobretudo as contribuições de Robert Lucas, expoente maior, acerca do processo de geração

    de renda e emprego. No segundo capítulo, apresenta-se o constructo heterodoxo, através de uma

    perspectiva pós-keynesiana que ao resgatar Keynes, sobretudo os trabalhos de Davidson, irá propor

    a volta ao olhar de economia política. No terceiro capítulo visa construir o debate acerca da

    metodologia econômica, objetos de estudo e seu posicionamento dentro da ciência.

    Palavras - Chave: Economia – Metodologia, História econômica, Economia Keynesiana.

  • ABSTRACT

    The present study aims to evaluate, from a theoretical perspective, the fundamental basis

    argumentative which put economic science at distinct level of analysis. On one hand, the strong

    mathematical apparatus and microfundamentals that support the mainstream economic view. On

    the other hand, Keynes’s evaluation (post-keynesian perspective) about economic science.

    Therefore, the first chapter starts rebuilding the orthodox economics in its basis. From that

    perspective, the purpose of the study is focused on the new classic economic school, furthermore

    the contributions of Robert Lucas, the best specialist in the wealth and work processes. The second

    chapter presents the heterodox construction through a post-keynesian perspective, that by analyzing

    Keynes, and specially the work of Davidson, will propose to look back to political economics. In the

    third chapter, the objective is to discuss a new methodology of economics, study objects and their

    positioning within science.

    KeyWords: Economic – Methodology – Economic History – Keynesian Economics

  • SUMÁRIO

    1. INTRODUÇÃO 5

    2. AS RAÍZES DO PENSAMENTO TRADICIONAL: A PASSAGEM DO VALOR TRABALHO AO

    VALOR UTILIDADE 9

    2.1 - O questionamento de Adam Smith: da importância do trabalho para a riqueza das

    nações ao cálculo das dores e prazeres em uma economia de trocas 10

    2.2 - A Escola marginalista e o discurso: a exacerbação da racionalidade econômica

    21

    2.3 - Os Neoclássicos e a busca incessante por modelos de equilíbrio 25

    2.4 - Marshall e os princípios da Economia 28

    2.5 - Novos- clássicos e a tentativa de reafirmação do homo oeconomicus 32

    2.6 - A atualidade do mainstream Economics: a Importância de Robert Lucas 34

    3. KEYNES E OS PÓS-KEYNESIANOS 41

    3.1 - Keynes: produto da história e ruptura com o convencionalismo 41

    3.2 - Pós-Keynesianos: Incerteza e papel da moeda 48

    3.3 - Davidson e a questão dos axiomas clássicos 51

    4. A TEORIA ECONÔMICA CINDIDA: MÉTODOS DISTINTOS, CIÊNCIAS IDEM 56

    4.1 - A Questão do Método: Focos distintos, métodos diferenciados 56

    4.2 - Keynes : o tempo econômico e a dinâmica 65

    4.3 - A economia no âmbito da ciência 74

    5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 79

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 82

  • 5

    1. Introdução

    A ciência econômica, como toda ciência humana é relativa. Ou seja, não há valores absolutos

    que organizam as estruturas de pensamento. Claro que todo o conhecimento é relativo. Entretanto,

    quando se fala de fenômenos naturais, como gravidade, peso, velocidade, etc, o relativo não é

    passível de questionamentos porque se aceita (indiscutivelmente) as evidências. Ninguém, senão

    Einstein negará até então a física mecânica de Newton. Ninguém, hoje em dia, questiona o fato de 2

    + 2 totalizar 4 (senão algum matemático pensando novas formas).

    O conceito de ciência é de tal forma controverso que, inclusive, a classificação nos conceitos

    de ciências humanas, ciências naturais já está ultrapassado. Atualmente, uma tipologia mais comum

    refere-se à ciência “aberta” e à ciência “fechada”, respectivamente.

    E a economia, afinal, é uma ciência aberta ou fechada? O que efetivamente significa dizer

    “ciência econômica”?

    A literatura econômica é de tal forma densa (e rica) que se embrenhou por diversas

    perspectivas. Mesmo entendida como uma ciência humana (ou aberta) são muitas as interpretações

    sobre aspectos fundamentais, sobre a capacidade material da sociedade (afinal, o objeto da

    economia, essencialmente é estudar a produção e a distribuição material da riqueza). Do dilema

    surge à pergunta de pesquisa, afinal, o que é a Economia e qual seu objeto?

    O presente trabalho possui como tema a revisão metodológica utilizada por duas linhas de

    pensamento distintas, de um lado a ortodoxia e de outro a heterodoxia, revistas em suas bases.

    Lamentavelmente, em função do tempo e do espaço há a necessidade de “recortar” o assunto de

    forma clara. Outrossim, da perspectiva ortodoxa, o estudo proposto se concentrará na chamada

    escola novo clássica, sobretudo as contribuições de Robert Lucas, seu expoente maior, acerca do

    processo de geração de renda e emprego. A forte base instrumental da escola das expectativas

    racionais é a matematização da economia. Da perspectiva heterodoxa, serão avaliados os método da

    escola pós keynesiana, sobretudo os trabalhos de Paul Davidson. A escola pós keynesiana, ao

    resgatar Keynes, vai propor a volta ao olha de economia política, a economia como um jogo de

    interesses de grupos de poder.

    Para iniciar a discussão proposta torna-se necessária uma breve delimitação e definição das

    escolas de pensamento econômica presentes no trabalho. Dequech (2007) em “Neoclassical,

    mainstream, orthodox and heterodox economics”, discute, identifica e classifica o conceito das

  • 6

    escolas de pensamento econômicas: neoclássica, mainstream, ortodoxa e heterodoxa. Ressalta que

    há diferentes escolas de pensamento econômico, e que suas distinções se dão pela utilização de

    prefixos neo, ex, post, ricardo, keynes, e conclui que a utilização de tais títulos podem ser confusos e

    propõe uma divisão entre delimitações mais gerais: ortodoxo, heterodoxia e mainstream, e mais

    específicas: neoclássica.

    Os autores Colander, Holt e Rosser (2004) ressaltam que o termo mainstream é fácil de fácil

    definição na teoria, porém difícil identificação na prática, definem mainstream como sendo as ideias

    defendidas pela elite intelectual, formada nas melhores escolas e instituições e publicações em

    journals em qualquer tempo. Já Dequech (2007), acrescenta que o mainstream para ele é uma

    variação sociológica do conceito, que o mainstream é o que é pensado nas escolas de maior

    prestígio, com maiores publicações, que trabalhando nos maiores fundos de pesquisa e ganham os

    maiores prêmios.

    O mainstream não corresponde a uma única escola de pensamento (Colander et al. 2004,

    p.490), porém Dequech (2007) ressalta, que é possível sim a definição de mainstream como uma

    única escola de pensamento econômico, a partir do momento em que se define o tempo, por um

    período particular. O autor coloca a matematização como uma forma de formalizar a economia,

    sendo mais aceita pelo mainstream, conforme explicitada na citação: “Perhaps the least

    controversial feature the one can identify as being common to all approaches belonging to current

    mainstream economics is a stong emphasis on mathematical formalization […]” (DEQUECH, 2007, p.

    288).

    Como ortodoxos, Dequech (2007, p. 292) define: “In our view orthodox is primarily an

    intellectual category [as distinct from a sociological one]”. Já Colander, Holt e Rosser (2004, p. 491)

    ressaltam que:

    In our view, the term ‘orthodox’ is primarily an intellectual category. It is a backward looking term that is best thought of as a static representation of a dynamic, constantly changing profession, and thus is never appropriately descriptive of the field of economics in its present state. Orthodoxy generally refers to what historians of economic thought have classified as the most recently dominant ‘school of thought’. (COLANDER; HOLT; ROSSER, 2004, p. 491).

    Os autores citam que fica clara a diferença entre mainstream e ortodoxos por duas questões.

    A primeira diz respeito á classificação, denominação que foi dada de forma backward looking, em um

    momento em que os ortodoxos foram classificados depois e até então não possuíam classificação em

    sua existência, sendo classificadas décadas depois. O segundo fato é a denominação de escola

  • 7

    ortodoxa, advém não de um defensor das ideias ortodoxas, mas alguém que se opôs. (COLANDER;

    HOLT; ROSSER, 2004, p. 492). Os autores afirmam que tratando-se de economia estática, a

    classificação heterodoxo/ortodoxo é suficiente. Dessa forma, Bresser-Pereira em seus diversos

    trabalhos definiu mainstream como ortoxodos e heterodoxos como uma contraposição a ambos.

    Dequech (2007), também tenta definir a heterodoxia como um período particular. Porém partirei da

    definição de Colander et al. (2004) que se apresenta de forma mais nítida. Partindo do ponto de vista

    de que a heterodoxia apresenta aspecto sociológico e intelectual, possuindo um papel principal em

    criticar os ortodoxos, principalmente criticando a questão do formalismo matemático. Os autores

    ressaltam que embora os heterodoxos discordem dos ortodoxos não há uma discordância que

    unifica, havendo uma heterogeneidade dentro dos heterodoxos. Já Dow (2000), defini heterodoxo

    como uma coleção de não ortodoxos.

    Dessa forma, como Colander et al. (2004, p. 491) retrata: “In each case, the classification was

    made by an economist to create a better target for his criticism”. Pode-se dizer que a questão de

    classificação das escolas econômicas é extremamente complexa, uma vez que existem diversas

    definições e contraposições, sendo tal debate colocado apenas com o intuito de guiar o objetivo que

    norteia o presente trabalho.

    Sendo assim, de um lado a ortodoxia e de outro a heterodoxia, a questão metodológica

    possui grande importância, uma vez que, definindo um objeto de estudo, a metodologia a ser

    utilizada, se não for a forma correta, pode invalidar as conclusões de pesquisa, tornando-se de suma

    importância uma vez a complexidade da economia, que trata da condição material da Vida, da

    geração de renda e emprego, do desenvolvimento ou subdesenvolvimento das nações. Dessa forma,

    há a necessidade de compreensão do tema para uma aplicação correta dentro do objeto de estudo.

    O primeiro capítulo visa reconstruir a teoria economia do valor, base da Economia Política,

    que se iniciou como valor-trabalho, e foi afastando-se de suas bases e passando a ser valor-utilidade.

    Torna-se evidente que a escolha dos autores para a reconstituição de seus trabalhos intelectuais

    deu-se de forma parcial, buscando destacar os autores mais relevantes sobre as “transições da

    economia”, uma vez que seria completamente impraticável abranger todos os autores que

    colaboraram para a construção da Economia. Dessa forma, foram selecionados os autores e suas

    contribuições necessárias para guiar o objetivo do presente trabalho.

    O segundo capítulo faz uma reconstrução dos argumentos de Keynes, justamente pela

    mudança que propõe em tratar a Economia de forma Geral, fundando assim a macroeconomia.

    Porém, como a obra de Keynes apresenta-se de forma controversa, existindo diversas visões da

    mesma obra, baseou-se na perspectiva dos pós-keynesianos, principalmente de Davidson.

  • 8

    O terceiro capítulo realiza uma discussão sobre a metodologia das duas escolas e seus

    principais autores, recuperando argumentos acerca da concepção de como deve ser tratada a

    Economia e realizando o debate do posicionamento da economia no âmbito da ciência.

  • 9

    Capítulo I

    2. As raízes do pensamento tradicional: a passagem do valor trabalho ao valor utilidade

    Introdução

    Afinal, porque a ciência econômica é objeto de tantas controvérsias? Um mesmo

    assunto é fonte de inúmeras interpretações e não raras são as visões antagônicas. O que separa

    analistas que tratam do mesmo objeto de estudo e, não obstante, parecem discutir questões muito

    distintas?

    Todas essas questões podem ser resumidas em uma única: afinal, o que é a ciência

    econômica?

    A tradição do que hoje se convencionou denominar economia comumente é descrita

    como iniciada a partir da Riqueza das Nações de Adam Smith. Esse autor abre uma tradição

    denominada de economia política e que será, desde então, matéria de muitas discussões, seja para

    afirmar as proposições propostas pelo autor, seja para refutá-las. Todos os autores alinhados com os

    argumentos desenvolvidos (em maior ou menor grau, registre-se) foram comumente descritos como

    pensadores do que se convencionou denominar mainstream economics ou economics.

    Sendo assim, este capítulo tem como propósito recuperar a base do pensamento

    convencional - mainstream economics – que domina o discurso econômico. A escola que hoje

    representa esta tradição e que tem nos trabalhos de Smith sua gênese vai paulatinamente se

    afastando dos fundamentos do valor trabalho defendido por aquele autor e ampara-se no preceito

    de valor utilidade que legitima o olhar da economia a partir do pressuposto de escassez e otimização.

  • 10

    2.1 – O questionamento de Adam Smith: da importância do trabalho para a riqueza das

    nações ao cálculo das dores e prazeres em uma economia de trocas

    A economia, entendida como uma ciência, com método e escopo de pesquisa próprios,

    nasce com Smith, seguido por David Ricardo. Smith era um filosofo escocês e publicou dois principais

    livros: A Teoria dos Sentimentos Morais (1759) e a Riqueza das Nações (1776). Vale ressaltar que

    Smith apresentava-se como um filósofo moral, conforme afirma Hunt (2005).

    Smith se distingue de todos os economistas que o antecederam, não só por sua formação acadêmica e pela vastidão de seus conhecimentos, como também porque foi o primeiro a elaborar um modelo abstrato completo e relativamente coerente da natureza, da estrutura e do funcionamento do sistema capitalista. (HUNT, 2005, p.37).

    Esse modelo abstrato a que Hunt (2005) refere-se foi formulado em A Riqueza das

    nações, porém, Cerqueira1 (2006) afirma que muitos intérpretes buscam analisar a Teoria dos

    Sentimentos Morais e a Riqueza das Nações de forma a interligar os argumentos de Smith. Dessa

    forma, iremos iniciar por um a breve exposição da primeira obra publicada de Smith.

    Em a “Teoria dos Sentimentos Morais”, no contexto iluminista escocês, Smith buscou

    responder a questão de como agir de forma moralmente correta. Cerqueira (2006) ressalta que a

    Teoria dos Sentimentos Morais é um grande tratado de ética. Partindo de evidências empíricas,

    Smith busca responder em que consiste a virtude ou em que consiste um caráter louvável.

    A obra “Riqueza das Nações” apresenta a origem do que mais tarde convencionou-se

    chamar de economia política. Blaug (1999) ressalta a Riqueza das Nações como um marco da

    economia como disciplina autônoma. Bresser-Pereira ressalta que:

    A teoria de como os sistemas econômicos crescem no tempo foi desenvolvida pelos economistas clássicos, particularmente Smith e Marx2. Ambos entendiam que o objeto da economia – ou da “economia política”, como eles denominavam a disciplina em sua época – era o sistema capitalista. Eles estavam interessados em compreender a lógica subjacente à maneira pela qual as economias capitalistas alocavam recursos, que ambos identificavam como a teoria do valor-trabalho e dos preços, e em compreender como elas se desenvolviam: Smith atribuía à divisão do trabalho e à acumulação de capital, e Marx à mesma acumulação de capital e ao progresso tecnológico. (BRESSER-PEREIRA, 2009, p.173).

    ¹ Para mais detalhes ver: Cerqueira 2005 2 Para mais detalhes ver: Cerqueira 2005

  • 11

    Ressalte-se o pioneirismo de Smith na formulação de um trabalho como uma tentativa

    para explicar em termos de circunstâncias históricas e institucionais o sistema capitalista de sua

    época. Vale pontuar que Smith escreve a Riqueza das Nações, no início da revolução industrial3.

    Nesse momento, os operários eram empregados assalariados que utilizavam técnicas artesanais, a

    chamada produção de manufatura, para produzir para o capitalista, detentor dos equipamentos de

    produção, da matéria prima e das estruturas físicas. “Smith ficou muitíssimo impressionado com o

    grau de divisão do trabalho nas manufaturas e com os resultantes aumentos de produtividade do

    trabalho” (HUNT, 2005, p. 40).

    Dessa forma, Smith foi capaz de distinguir as três classes sociais mais importantes,

    pertencentes ao sistema capitalista: os capitalistas, os proprietários de terra e os operários, bem

    como a remuneração destinada a tais classes: lucros, aluguéis e salários4. Smith ressalta a

    importância o trabalho:

    O trabalho foi o primeiro preço, o dinheiro da compra inicial que era pago por todas as coisas. Não foi com ouro nem com prata, mas com o trabalho, que toda riqueza do mundo foi inicialmente comprada. (SMITH, 1776, tradução brasileira, 1988, p. 34).

    Ao evidenciar que o processo de produção poderia ser reduzido a uma série de esforços

    humanos, Smith, formulou a teoria do valor-trabalho. Nas economias pré-capitalistas, ressaltava que

    o valor de troca das mercadorias deveria ser medido em relação ao trabalho empregado para sua

    produção, sendo completamente relativo ao trabalho empregado. Já para as economias capitalistas,

    o valor de troca deveria resultar da soma dos salários, lucros e aluguéis.

    Ao discorrer sobre a teoria do valor trabalho, Smith, afirma que a divisão do trabalho

    proporciona o aumento na produtividade, ilustrando seus argumentos com uma fábrica de alfinetes.

    Porém, Smith afirmava que a divisão do trabalho era não intencional, em suas palavras “Essa divisão

    do trabalho, da qual derivam tantas vantagens, não é, em sua origem, o efeito de uma sabedoria

    humana qualquer” sendo, segundo Smith, uma consequência “a propensão a intercambiar, permutar

    ou trocar uma coisa pela outra” (SMITH, 1776, tradução brasileira, 1988, p. 23). Ou seja, apesar de

    não ser de forma intencional, essa divisão do trabalho está associada às relações de troca, dado que

    3 Vale pontuar que Meek (1971) reafirma a percepção de Smith: “O que percebeu também foi a ascensão da forma capitalista de organização ao status de norma produziria, e estava de fato produzindo, uma safra tão abundante de fatos econômicos regulares que seria possível, pela primeira vez, elaborar uma ciência de Economia política análoga ás Ciências Físicas.” (MEEK, 1971, p. 48) 4 Meek, ressalta a importância da distinção entre as 3 classes da sociedade: “Não obstante, parece ter sido Adam Smith o primeiro, se não a discernir a existência dessa estrutura na sociedade de seu tempo, pelo menos a compreender-lhe a enorme significação. [...] Os antecessores de Smith certamente contribuíram com vários elementos, para o quadro, mas parece ter sido êle o primeiro a compreendê-lo em todos os seus promenores e a tentar, conscientemente, analisar-lhes as complexas relações internas. ” (MEEK, 1971, p. 30-31)

  • 12

    o autor acredita que a divisão possibilite um aumento de produtividade e decorrente do interesse

    próprio, cada individuo se especializará, uma vez que irá trocar seu excedente. Smith realiza a

    distinção entre valor de troca e valor de uso, o que ficou conhecido como o paradoxo da água e do

    diamante5, que mais tarde, será explicado pela teoria valor-utilidade.

    De acordo com Smith existiam dois tipos de preços distintos, o preço natural e o preço

    de mercado. O preço natural é o preço ao qual a receita corresponde à média dos níveis de tais

    fatores da sociedade, referente aos salários, aluguéis e lucros. Já o preço de mercado é o preço

    referente era o verdadeiro preço, regulado pela demanda e oferta. A relação entre o preço de

    mercado e o preço natural funciona como um preço de equilíbrio, em que se o preço de mercado

    estava acima do preço natural, os lucros seriam maiores do que as médias do mercado, atraindo mais

    capitalistas até que as pressões cessem, e os lucros se tornem iguais aos lucros médios do mercado,

    em que o preço natural se torne igual ao preço de mercado.

    Pela teoria dos preços de Smith, a quantidade demandada alocaria o capital da sociedade pelas várias indústrias, determinando, assim, a composição ou as quantidades relativas das diferentes mercadorias produzidas. Entretanto, o custo da produção determinaria, por si só, o preço de equilíbrio ou preço natural que tenderia a prevalecer em qualquer mercado. (HUNT, 2005, p. 49).

    Dessa forma, o próprio mercado se regularia. Partindo do pressuposto de que embora

    os indivíduos fossem egoístas e agissem por interesses próprios6 ou de sua classe, existia uma “mão

    invisível” que agiria de forma natural e por si só regularia o mercado7, mesmo que esse indivíduo

    está

    [...] sendo levado por uma ‘mão invisível’ a promover um fim que não fazia parte de suas intenções. Do mesmo modo, nem sempre é pior para a sociedade que não tenha sido essa sua intenção. Cuidando do seu próprio interesse, o indivíduo, quase sempre, promove o interesse da sociedade mais eficientemente do que quando realmente deseja promovê-lo. (SMITH, 1776, tradução brasileira, 1988 , p. 423).

    5 “A palavra valor -deve-se observar – tem dois significados diferentes e, às vezes expressa a utilidade de determinado

    objeto e, outras vezes, o poder de comprar outros bens, conferido pela posse desse objeto. Um deles pode ser chamado de “valor de uso” e do outro, de ‘valor de troca’. As coisas que têm mais valor de uso têm, quase sempre, pouco ou nenhum valor de troca; ao contrário, as coisas que têm mais valor de troca têm, freqüentemente, pouco ou nenhum valor de uso. Nada mais útil do que a água; no entanto, ela compra muito pouca coisa; quase nada pode ser obtido em troca de água. Um diamante, pelo contrário, tem pouco valor de uso, mas pode ser, quase sempre, trocado por uma grande quantidade de outros bens.” (SMITH, 1988, p. 33, grifo nosso) 6 Nas palavras do próprio Smith em “A riqueza das Nações”: “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse.” (SMITH, 1988, p. 24) 7 Conforme Dobb (1978) afirma: “A Economia Política tinha criado o conceito de sociedade econômica como um sistema autônomo, dirigido por suas próprias leis. Funcionando estas leis, o sistema “caminhava por si mesmo” independentemente do cuidado do governo e do capricho de soberanos estadistas. A regulação pelo Estado, previamente considerada como essencial para suprir o caos e estabelecer a ordem, mostrava-se desnecessária.” (DOBB, 1978, p. 41)

  • 13

    Outrossim, para um bem estar da sociedade, Smith defendia a não intervenção do

    Estado para a maximização do bem estar econômico.

    Portanto, tendo sido completamente afastados todos os sistemas de preferência ou de restrição, o sistema óbvio e simples de liberdade natural se estabelece por si mesmo. Todo homem [...] fica perfeitamente livre para buscar seus próprios interesses, à sua própria maneira, e para concorrer, com seu esforço e com seu capital, com o esforço e o capital de outros homens ou tipos de homem. O soberano fica completamente livre do [...] dever de supervisionar o esforço particular das pessoas e de dirigi-lo para as finalidades mais adaptadas ao interesse da sociedade. (SMITH, 1776, tradução brasileira, 1988, p. 651).

    Quarenta e um anos após a publicação de A Riqueza das Nações de Smith, David

    Ricardo, em 1817, publica os Princípios de Economia Política e Tributação, sua obra mais importante.

    Ricardo iniciou sua teoria com base na produção de apenas um produto: cereal.

    Ao partir do pressuposto de que a terra apresenta produtividade diferente e pode ser

    ranqueada de acordo com a sua produtividade, formulou uma teoria em que mais tarde, sua teoria

    do valor-trabalho chegaria à mesma conclusão. Partindo da distinção entre valor e utilidade, Ricardo

    afirmou, “Possuindo utilidade, as mercadoria recebem seu valor de troca de duas fontes: de escassez

    e da quantidade de trabalho necessária para sua obtenção” (RICARDO, 1817, tradução brasileira,

    1996, p. 24).

    Dessa forma, o preço dos bens seria baseado ou em sua escassez ou proporcionalmente

    à quantidade de trabalho necessária para a produção de tal bem, porém, como exceção estariam os

    bens de luxo, tal como moedas raras, estátuas, entre outros, em que possuíam valor “totalmente

    independente da quantidade de trabalho originalmente necessária para produzi-los, e oscila com a

    modificação da riqueza e das preferências daqueles que desejam possuí-los” (RICARDO, 1817,

    tradução brasileira, 1996, p. 24). Tais bens, como exceção, não teriam importância fundamental na

    formulação da teoria de Ricardo.

    ‘Se a quantidade de trabalho incorporada às mercadorias estabelecer seu valor de troca’ – escreveu Ricardo – ‘todo aumento da quantidade de trabalho era de aumentar o valor da mercadoria em que ele for empregado, e toda diminuição terá de baixar esse valor’ Ele não tinha dúvida alguma da importância disso: ‘O fato de ser realmente esse o fundamento do valor de troca de todas as coisas, exceto as que não podem ser aumentadas pelo trabalho humano, é uma doutrina da máxima importância em Economia Política’. (HUNT, 2005, p.7).

    Ricardo também afirmava que os recursos naturais, tais como ar ou água não existiam

    de forma gratuita, sendo o valor de troca do bem, apenas a soma agregada da contribuição dos

    trabalhos passados, tal como descreve neste trecho:

  • 14

    ao estimar o valor de troca das meias, por exemplo, descobriremos que o seu valor, comparado com o de outras coisas, depende da quantidade total de trabalho necessária para fabricá-las e lançá-las no mercado. Primeiro, há o trabalho necessário para cultivar a terra na qual cresce o algodão; segundo, o trabalho de levar o algodão ao lugar em que as meias são fabricadas — no que se inclui o trabalho de construção do barco no qual se faz o transporte e que é incluído no frete dos bens —; terceiro, o trabalho do fiandeiro e do tecelão; quarto, uma parte do trabalho do engenheiro, do ferreiro e do carpinteiro que construíram os prédios e a maquinaria usados na produção; quinto, o trabalho do varejista e de muitos outros que não vem ao caso mencionar. A soma de todas essas várias espécies de trabalho determina a quantidade de outras coisas pelas quais as meias serão trocadas, enquanto a mesma consideração das várias quantidades de trabalho utilizado nesses outros bens determinará igualmente a porção deles que se dará em troca das meias(RICARDO, 1817, tradução brasileira, 1996, p.32).

    Sendo assim, fica clara a importância do trabalho, conforme DOBB (1978, p. 17) ressalta,

    “O trabalho, concebido objetivamente como o dispêndio da energia humana, foi a medida e a

    essência da ‘dificuldade ou facilidade de produção’ na teoria de Ricardo” (DOBB, 1978, p. 22).

    É possível então afirmar que Ricardo foi mais além, chegando a decompor o capital,

    dessa forma, com base na composição do capital em capital durável e capital circulante, impactando

    segundo sua composição nos preços, rejeitando a afirmativa de Smith de que sempre um aumento

    dos salários resultaria em um aumento dos preços, uma vez que para Ricardo, tal fato seria

    extremamente dependente da composição do capital e como essa composição impacta no lucro.

    Hunt (2005) destaca tal fato e sua importância na construção da argumentação de Ricardo:

    Quando a técnica de produção permanece inalterada e a quantidade produzida se mantém constante, um aumento dos salários só pode ser conseguido com um decréscimo da taxa de lucro. Esse fato era central no argumento de Ricardo. Se os salários aumentarem, a queda consequente da taxa de lucro diminuirá os preços das mercadorias nas quais o componente de lucro dos custos for grande. (HUNT, 2005, p. 104).

    As mercadorias produzidas com mais capital do que a média social teriam seus preços ‘diminuídos com o aumento dos salários e aumentados com a queda dos salários’, ao passo que as que fossem produzidas com menos capital do que a média social ‘aumentariam com o aumento dos salários e aumentados com a queda dos salários’, ao passo que as que fossem produzidas com menos capital do que a média social ‘aumentariam com o aumento dos salários e diminuiriam com a queda dos salários’ (HUNT, 2005, p. 27).

    Ricardo acreditava em um lucro médio, em que variações positivas e negativas, anular-

    se-iam, uma vez que as mercadorias produzidas seriam compostas pelo mesmo tipo de capital,

    acreditando também que a concorrência equilibraria tais lucros. Dessa forma, a mercadoria cuja

    produção encaixaria em tais condições, condições médias de produção, tornou-se se suma

    importância para a teoria de Ricardo que acabou por utilizar o ouro, mesmo consciente de que não o

    era. Chegou à conclusão dos lucros decrescente, decorrente dos conflitos de classe entre

    trabalhadores e capitalistas, tal como explicita abaixo:

  • 15

    A tendência natural dos lucros é, então, o declínio; isso porque com o progresso da sociedade e com o aumento da riqueza, a quantidade adicional de alimentos necessários é obtida com o sacrifício de cada vez mais trabalho. (RICARDO, 1817, tradução brasileira, 1996, p. 86-87).

    Mas, embora o preço do trigo aumente quando mais trabalho for necessário para produzi-lo, essa causa não elevará o preço dos artigos manufaturados cuja produção não exigiu maior quantidade de trabalho. Se, portanto, os salários permanecerem os mesmos, os lucros dos fabricantes também não se alterarão. Se, no entanto, como é absolutamente certo, os salários aumentarem com o aumento do trigo, então os lucros necessariamente diminuirão. (RICARDO, 1817, tradução brasileira, 1996, p. 79-80).

    Ricardo formulou sua teoria com base na teoria de valor-trabalho de Smith, continuando

    com suas ideias base e incluindo alguns pontos.

    Em suma, a chamada Economia política, que nasce com Adam Smith e tem em David

    Ricardo uma continuidade importante assume um papel seminal na teoria econômica. Todo o

    constructo teórico dos autores se ampara na importância do trabalho para o processo de geração de

    valor. Por este motivo é comum definir a economia clássica como a economia do valor trabalho .

    A teoria do valor-trabalho, não obstante, cederá lugar ao que se convencionou chamar

    teoria do valor-utilidade e que encontrou nos critérios propostos por Bentham (1780) sua

    justificativa filosófica. A chamada teoria de filosofia utilitarista viria a se tornar a base para o

    pensamento neoclássico. Bentham parte do pressuposto de que todas as ações humanas são

    resultados ou da dor ou do prazer:

    A natureza colocou a humanidade sob o domínio de dois mestres soberanos, a dor e o prazer. Só eles podem mostrar o que devemos fazer, bem como determinar o que faremos [...] Eles nos governam em tudo o que fazemos, em tudo o que dizemos e em tudo o que pensamos [...] O princípio da utilidade reconhece essa sujeição como o fundamento (de sua teoria social). (BENTHAM, 1780, tradução brasileira, 1969, p. 85).

    Decorrente de tal motivação, sempre em busca do prazer, “toda atividade humana é

    derivada do desejo de maximizar o prazer” ou seja de maximizar sua utilidade.

    Utilidade quer dizer a propriedade de qualquer objeto que tenda a produzir algum benefício, vantagem, prazer, bem ou felicidades (tudo isso, no caso, equivale à mesma coisa) ou (o que de novo equivale à mesma coisa) a impedir danos, dor, mal ou infelicidade à parte cujo interesse está sendo considerado. (BENTHAM, 1780, tradução brasileira, 1969, p. 86).

    Bentham propõe um sistema de classificação de prazer de forma quantitativa, sendo

    assim, podendo expressar tal classificação de forma matemática, em que Bentham afirma que o

    indivíduo irá maximizar sua utilidade de maneira egoísta: “em todo coração humano o interesse

    próprio predomina sobre todos os outros interesses em conjunto [...] A preferência por si mesmo

  • 16

    tem lugar em toda parte.” (Bentham, 1780, tradução brasileira, 1969, p. 85). Segundo seu ponto de

    vista Bentham considerava o trabalho como algo árduo e com o objetivo de um prazer futuro maior.

    O autor ressalta que o valor de uma mercadoria é medida de acordo com o seu valor de

    utilidade não em seu valor de uso, propondo uma argumentação distinta de da Smith para o seu

    valor de uso e da de Ricardo e o seu valor correspondente à produção.

    O valor de uso é a base do valor de troca [...] Essa distinção vem de Adam Smith, mas ele não associou a ela concepções claras [...]

    A água foi o exemplo por ele escolhido do tipo bem que tem grande valor de uso, mas que não tem qualquer valor de troca. Para perceber como é errada essa afirmativa, bastaria que ele consultasse, em Londres, a Nova Comissão dos Rios e que se lembrasse de que, em Paris, ele viria água sendo vendida a varejo pelos que a levavam para as casas.

    Ele deu os diamantes como exemplo do tipo de bem que tem um grande valor de troca e nenhum valor de uso. Esse exemplo foi tão mal escolhido quanto o outro [...]

    O valor (de uso) dos diamantes [...] não é essencial ou invariável como o da água; mas isso não é razão para se duvidar de sua utilidade para dar prazer.

    A razão pela qual não se acha que a água tenha qualquer valor de troca é que ela também não tem qualquer valor de uso. Se puder ter toda a quantidade de água que se precisa, o excesso não tem valor algum. Seria a mesma coisa no caso do vinho, dos cereais e de tudo o mais. A água por ser fornecida pela natureza sem qualquer esforço humano,tem mais probabilidades de ser encontrada em abundância, tornando-se, assim supérflua; mas existem muitas circunstâncias em que ela tem valor de troca superior ao do vinho. (BENTHAM, 1780, tradução brasileira, 1969, p. 87-88).

    Ao realizar uma crítica a distinção entre valor de uso e valor de troca de Smith, Bentham

    posiciona-se á favor da utilidade, que segundo Hunt (2005), “chegou muito perto da elaboração

    explícita do princípio da utilidade marginal, que mais tarde, deveria tornar-se o pilar da economia

    neoclássica” (HUNT, 2005, p. 125).

    Dessa forma, a visão valor-trabalho até então defendida por Smith e Ricardo, mesmo

    que distintas em partes, é rompida por Bentham e a formulação da teoria de valor-utilidade que

    servirá como base aos neoclássicos.

    Entre os clássicos destaca-se Jean-Baptiste Say, que em 1803 publicou o Tratado de

    Economia Política, cujas ideias baseavam-se em Smith, como Hunt (2005) retrata:

    dizia estar simplesmente sistematizando as idéias de Smith e corrigindo alguns pequenos erros por ele cometidos. A correção desses pequenos erros, porém, acabou levando ao abandono de algumas das idéias mais importantes de Smith e ao estabelecimento de uma base para uma tradição bastante diferente da teoria econômica. (HUNT, 2005, p. 128).

  • 17

    Say realiza uma crítica a Smith pelo fato de “atribui a capacidade de produzir valores

    apenas ao trabalho do homem. Isso é um erro.” (Say, 1803, tradução brasileira, 1983, p. 10). Para o

    autor, somente a utilidade cria valor, e não o trabalho, como proposto por Smith e Ricardo.

    O valor que a humanidade atribui aos objetos se origina do uso que deles possa fazer [...] Tomarei a liberdade de associar o termo utilidade à capacidade de certas coisas satisfazerem os vários desejos da humanidade ... A utilidade das coisas é a base do seu valor e seu valor constitui riqueza... Embora o preço seja a medida do valor das coisas e o valor delas seja a medida de sua utilidade, seria um absurdo inferir, que, aumentando-se à força seu preço, sua utilidade possa ser aumentada. O valor de troca, ou preço, é um índice da utilidade reconhecida de certa mercadoria. (SAY, 1803, tradução brasileira, 1983, p. 62).

    Dessa forma, para Say, o valor de troca ou o preço de uma mercadoria é definido por

    sua utilidade. Sendo assim o resultado da produção era a utilidade, independente de sua fonte, se

    procedia do trabalho ou do capital, ou de qualquer outra alternativa, uma vez que argumentava que

    o capital era resultado do ato de desistência do consumo, em que eram realizados sacrifícios, tanto

    quanto os que os trabalhadores realizavam, nesse caso o de poupar. Vale ressaltar, que para os

    clássicos, a moeda seria apenas meio de troca e não seria entesourada, segundo Bresser-Pereira

    (1976, p. 11) explica: “Isto porque, conforme já vimos, quando analisamos os pressupostos de

    conservar moeda disponível implicaria em uma desutilidade, em deixar de receber a taxa de juros

    correspondente àquele dinheiro. Ora, uma desutilidade não remunerada seria incompatível com a

    teoria do valor baseada na utilidade marginal.”

    Say defendia ser possível a harmonia social, uma vez que é a capacidade de criar

    utilidade “que confere valor a um agente de produção, valor este que é proporcional à importância

    de sua cooperação na produção” (SAY, 1803, tradução brasileira, 1983, p. 293). Dessa forma, cada

    participante recebia aquilo que contribuía para a criação da utilidade, independente de ser

    trabalhador ou detentor de capital, de acordo com Say, para o bem estar da sociedade, ressaltando

    que não havia divergência entre as classes, uma vez que “os interesses do rico e do pobre [...] não

    são antagônicos, e todas as rivalidades são meras tolices” (SAY, 1803, tradução brasileira, 1983, p.

    293).

    Reza a lei que toda oferta cria sua própria demanda, de mesma magnitude. Partindo do

    pressuposto que a moeda era apenas meio de troca, um mercado livre em concorrência perfeita, se

    auto ajustaria para o pleno emprego, em que os fatores estariam plenamente utilizados.

    A (mercadoria) vendida por um preço acima de seu custo de produção induzirá uma parte dos produtores da outra mercadoria à produção da[...] (mercadoria de maior preço), até os serviços produtivos receberem a mesma remuneração por ambas. (SAY, 1803, tradução brasileira, 1983, p. 24).

  • 18

    Ou seja, o livre mercado e em concorrência perfeita é capaz de eliminar

    automaticamente superprodução ou escassez, momentâneas, uma vez que a quantidade ofertada e

    demandada são iguais, estando em equilíbrio em pleno emprego dos fatores produtivos. Nas

    palavras de Bresser-Pereira (1976, p. 11) a superprodução ou subconsumo não seriam possíveis em

    um sentido permanente, apenas em um sentido transitório, “Isto porque toda produção implica em

    uma remuneração que vai se transformar imediatamente em procura”, o autor ainda afirma que: “na

    medida em que todo o dinheiro recebido fosse imediatamente gasto, ficava assegurado o

    funcionamento da lei de Say” (BRESSER-PEREIRA, 1976, p.11).

    Hunt (2005), ressalta a importância de Say na questão metodológica e suas

    contribuições para as bases da escola neoclássica, “ inseriu a orientação da utilidade no contexto de

    uma abordagem metodológica e de uma filosofia social, que mostram ser ele, juntamente com

    Nassau Senior, os mais importantes precursores da tradição neoclássica que veio a dominar a

    economia em fins do século XIX e no século XX.” (HUNT, 2005, p. 128).

    Nassau Senior cujas ideias também são precursoras da economia neoclássica, publicou

    diversas obras, entre elas destacam-se: – Introductory Lecture on Political Economy (1827), que

    segundo Blaug (1999) foi uma primeira discussão consciente sobre os problemas da metodologia

    econômica e Outline of the science of Political Economy (1836) em que Blaug (1999) ressalta que o

    autor elaborou e ampliou a discussão sobre metodologia. Esta última segundo Hunt (2005):

    [...] é importante por três razões: em primeiro lugar, é a primeira definição explícita de uma abordagem metodológica, que veio, depois exercer grande influência entre os economistas e outros cientistas sociais de tendência conservadora até hoje; em segundo lugar, é uma metodologia que, em nossa opinião ,[...], procura ocultar e obscurecer os fundamentos normativos conservadores da teoria econômica de Senior (e dos economistas conservadores posteriores); em terceiro lugar, parece conferir às ideias de Senior (e dos economistas conservadores posteriores) a autoridade de uma base dissociada, neutra e científica, despida do suposto estigma da defesa dos interesses de qualquer pessoa ou classe. (HUNT, 2005, p. 135).

    Hunt (2005, p. 135) ressalta que Senior propõe o uso a lógica dedutiva “Para que a

    Economia Política se tornasse uma ciência, era preciso, primeiro, dela eliminar todas as premissas

    não-científicas e éticas.” De acordo com Senior, para que a Economia Política se torne uma ciência,

    realiza a seguinte afirmativa:

    Já dissemos que os fatos gerais em que se baseia a economia Política compreendem umas poucas proposições gerais, que são o resultado da observação ou da consciência. As proposições a que aludimos são estas:

    1. Todo homem deseja conseguir mais riqueza com o mínimo sacrifício possível.

  • 19

    2. A população do mundo [...] é limitada apenas pelo mal moral ou físico ou pelo medo de uma falta dos produtos que os hábitos dos indivíduos de cada classe de seus habitantes os levam a querer.

    3. Os poderes do trabalho e dos outros instrumentos que produzem riqueza podem ser indefinidamente aumentados se seus produtos forem usados como meios de produzir mais.

    4. Mantendo-se a capacidade agrícola, um trabalho adicional na terra em determinado distrito produz, em geral, um retorno menos do que proporcional; em outras palavras, embora a cada aumento de trabalho o retorno agregado aumente, e este aumento não é proporcional ao aumento do trabalho. (SENIOR, 1938, p. 26).

    Portanto, fica claro que Senior concordava em parte com os pensamento de Bentham

    em relação a maximização da utilidade, afirmando que “qualidades que tornam qualquer coisa um

    artigo de riqueza ou, em outras palavras, que lhe dão valor, a mais importante é o poder, direto ou

    indireto, de dar prazer [...] A utilidade [...]” (SENIOR, 1938, p. 6). Quanto Senior realiza sua

    proposição um, dá a entender que maximizar a utilidade ou minimizar a desutilidade apresenta o

    mesmo efeito. Senior opôs-se a teoria de David Ricardo, uma vez que não é o trabalho incorporado a

    mercadoria que resulta em seu preço e sim de sua utilidade para cada indivíduo.

    Vale ressaltar que quando Senior afirma que “a natureza e a urgência das necessidades

    de cada indivíduo são tão variadas quanto as diferenças de caráter” (SENIOR, 1938, p. 27), ele acaba

    por discordar de Bentham, no sentido em que não seria possível a comparação de dois indivíduos,

    pois como são indivíduos diferentes a maximização da utilidade seria distinta, não podendo de forma

    alguma existir só uma função de maximização para diversos indivíduos. Outro ponto em que Senior

    diverge de Bentham é em relação ao grau de satisfação da riqueza, uma vez que segundo Senior “

    todo o mundo tem alguns desejos insatisfeitos, que julga poder satisfazer com mais riqueza”

    (SENIOR, 1938, p. 27), distintamente da crença de Bentham em que a utilidade marginal apresentar-

    se-ia como uma função decrescente da riqueza, em que em um dado ponto, o acumulo de riqueza a

    mais impactaria de forma extremamente pequena, bem como a retirada de riqueza, uma vez que tal

    indivíduo já possuiria todos os seus desejos satisfeitos, dessa forma, Bentham pregava que a retirada

    de riqueza de indivíduos ricos para indivíduos pobres impactaria de forma positiva no bem estar

    social, uma vez que a utilidade total da sociedade aumentaria.

    Em sua proposição dois, o que segundo Senior é o medo por uma falta de produtos,

    pode ser entendido como o medo pela escassez de produtos e que justamente esse medo levaria a

    um controle da população. Senior destacou os problemas sociais da classe trabalhadora e da

    pobreza.

  • 20

    Sua terceira proposição segundo Hunt (2005, p. 139) “era uma negação de que haveria

    retornos decrescentes na indústria”. Tal conclusão é realizada, uma vez que para Senior, quanto

    mais aumentassem os instrumentos empregados na produção, mais a produção aumentaria. No que

    diz respeito aos outros instrumentos utilizados na produção, Senior destaca que:

    De acordo com a linguagem comum dos economistas políticos, o trabalho, o capital e a terra são os três instrumentos de produção; os trabalhadores, os capitalistas e os proprietários de terras são as três classes de produtores; toda a produção é dividida entre salários, lucros e renda da terra... Aprovamos, de modo geral, os princípios em que se baseia essa classificação, mas fomos obrigados – em grande parte contra nossa vontade – a fazer consideráveis alterações na linguagem em que eles foram geralmente expressos. [...]

    Estes termos expressam o instrumento, a pessoa que o emprega ou usa e sua remuneração; mas não existe termo familiar para expressar o ato, a conduta cuja recompensa é o lucro, e que tem com este a mesma relação que o trabalho tem com o salário. Essa conduta já foi por nós chamada de abstinência ... A abstinência expressa tanto o ato de se abster do uso improdutivo do capital como também a conduta semelhante de quem dedica seu trabalho à produção de resultantes distantes e não imediatos. (SENIOR, 1938, p. 88-89).

    Senior busca alterar a linguagem proposta por Adam Smith em relação aos três

    instrumentos: o trabalho, o capital e a terra, realizando uma crítica quanto ao fato de tal linguagem

    referente ao instrumento – capital, a pessoa que o emprega – capitalista e sua remuneração – lucro.

    Justamente é essa abstinência do uso do capital que garantirá ao capitalista a recompensa do ganho

    do lucro, uma vez que Senior equiparava tal abstinência com a realização de um trabalho cuja

    produção estaria distante. Assim, Senior propôs uma justificativa moral para o lucro.

    Decorrente ainda da terceira proposição, Hunt (2005) chega a uma forte afirmação:

    A última e mais importante conclusão da terceira proposição de Senior era que só a acumulação de capital poderia assegurar a um país que sua capacidade industrial cresceria pelo menos mais rapidamente do que sua população. Assim, a fonte mais importante de prosperidade de uma nação era, afinal a abstinência de seus capitalistas. (HUNT, 2005, p. 140).

    Já resultante da quarta proposição Hunt (2005) ressalta que:

    A parte mais importante, porém, da discussão da renda da terra, de Senior, foi sua afirmativa de que grande parte do que era normalmente chamado de salário e lucro incluía um importante componente de renda da terra. Se qualquer trabalhador ou capitalista pudesse contar com uma vantagem que não pudesse ser reproduzida por seus rivais, parte de seus salários ou lucros seria realmente a renda. (HUNT, 2005, p. 141).

    Dessa forma, Senior destaca-se não só por suas ideias precursoras da economia

    neoclássica, como a ideia de que com o mínimo de sacrifícios os agentes buscam maximizar riqueza,

    mas por promover a discussão da economia em termos metodológicos.

  • 21

    Sendo assim, Senior destaca-se não só por suas ideias precursoras da economia

    neoclássica, como a ideia de que com o mínimo de sacrifícios os agentes buscam maximizar riqueza,

    mas por promover a discussão da economia em termos metodológicos.

    Dessa forma, com Bentham com a questão do prazer e da dor, que será a base da teoria

    neoclássica, com a maximização do prazer, ou utilidade; Say e sua afirmação de que só a utilidade

    cria valor, e não o trabalho e Senior, com suas proposições sobre Economia Política para uma ciência

    mais pura, ressalta que o indivíduo deseja obter riqueza com o menor sacrifício possível, foram

    determinantes para alterar o foco do discurso econômico: do valor trabalho à uma lógica de escassez

    e de cálculo de prazeres e dores, de utilidades..

    2.2 – A Escola marginalista e o discurso: a exacerbação da racionalidade econômica

    No início dos anos 1870, a publicação de três livros, iria modificar a visão de economia

    com a abordagem de forma semelhante do mesmo assunto, porém com algumas diferenças. Jevons,

    Menger e Walras, introduziram ideia de marginalismo à teoria do valor utilidade, resolvendo o

    paradoxo da água e do diamante proposto por Smith, edificando essa nova visão de economia, que

    será a base a economia neoclássica.

    Jevons, economista inglês, em 1871 publicou “Teoria de Economia Política” em que

    propõe “o grau final de utilidade” (posteriormente conhecido como utilidade marginal) ao invés da

    utilidade total. Com base em Bentham, Jevons irá propor uma matematização, de forma

    extremamente clara em suas palavras: “É claro que, se a Economia deve ser, em absoluto, uma

    ciência, deve ser uma ciência matemática.” (JEVONS, 1871, tradução brasileira, 1996, p. 52).

    Apesar de afirmar as limitações do seu modelo de forma consciente:

    O leitor descobrirá, além do mais, que nunca há, em nenhum momento sequer, uma tentativa de comparar o montante de sentimento de uma mente com o de outra. Não vejo meios pelos quais tal comparação possa ser realizada. A suscetibilidade de uma mente pode, daquilo que conhecemos, ser milhares de vezes superior à de outra. Mas, dado que a suscetibilidade seja diferente a tal proporção em todas as direções, nunca seríamos capazes de descobrir a diferença. Assim, toda mente é inescrutável para toda outra mente, e nenhum denominador comum de sentimento parece ser possível. (JEVONS, 1871, tradução brasileira, 1996, p. 54).

  • 22

    Porém, acreditava em características comuns do indivíduo como agentes econômicos,

    tal como a maximização do prazer, no caso, Jevons define como objeto de desejo, algo que possui

    utilidade, em suas palavras:

    O prazer e o sofrimento são indiscutivelmente o objeto último do cálculo da Economia. Satisfazer ao máximo as nossas necessidades com o mínimo de esforço — obter o máximo do desejável à custa do mínimo indesejável —, ou, em outras palavras, maximizar o prazer, é o problema da Economia. (JEVONS, 1996, p. 69).

    A comida que evita os tormentos da fome, as roupas que rechaçam o frio do inverno, possuem utilidade incontestável. Devemos, porém, nos guardar de restringir o significado da palavra por qualquer consideração moral. Deve-se considerar que tudo aquilo que um indivíduo deseja e trabalha para obter tem utilidade para ele. Na ciência econômica tratamos os homens não como deveriam ser, mas como são. ((JEVONS, 1871, tradução brasileira, 1996, p. 70).

    Torna-se claro través do uso de palavras como: maximizar o prazer e o mínimo de coisas

    indesejáveis, a influência dos preceitos de Bentham na formulação da teoria de Jevons, porém, irá

    propor uma nova formulação decorrente da distinção entre a utilidade total e o “grau final de

    utilidade”, afirmando que “o grau de utilidade do último acréscimo, ou a próxima possível adição de

    uma quantidade muito pequena, ou infinitamente pequena, ao montante existente.” (JEVONS,1871,

    tradução brasileira, 1996, p. 77), ou seja, através do aumento do consumo, a utilidade total estaria

    aumentando, porém “o grau de utilidade varia com a quantidade de um bem e finalmente diminui na

    medida em que a quantidade aumenta” (JEVONS, 1871, tradução brasileira, 1996, p.78). Dessa

    forma, Jevons introduziu o que mais tarde seria chamado de conceito de utilidade marginal.

    Segundo Hunt (2005, p. 240), “Introduzindo a noção do marginalismo na economia

    utilitarista, Jevons descobrira uma nova maneira pela qual a visão utilitarista dos seres humanos

    como maximizadores racionais e calculistas pode ser expressa em termos matemáticos.” Pelas

    palavras de Hunt (2005), torna-se clara que através da visão dos indivíduos como racionais, irá tornar

    possível à maximização através da forma matemática, uma vez que pelas características definidas por

    Jevons, todos os agentes irão maximizar sua utilidade.

    Jevons irá propor uma expressão matemática em que utilidade total é uma função da

    quantidade, em que a primeira derivada tem-se a utilidade marginal de um bem e a maximização da

    utilidade é justamente dada no ponto em que a utilidade marginal, ou primeira derivada é igualada a

    zero, ou seja, consumir tal mercadoria até o ponto em que seu consumo não acrescentasse mais

    nenhuma utilidade.

  • 23

    Jevons foi além, uma vez que em seu ponto de vista, as trocas são decorrentes do preço,

    e a utilidade marginal era o que determinava seu preço, através da relação entre o preço de um bem

    e sua utilidade marginal, era possível comparar a utilidade obtida de bens, de forma que o indivíduo

    pudesse realizar trocas entre os bens para atingir uma maior utilidade, dessa forma, através da razão

    entre as utilidades marginais obtidas com as mercadorias, e a razão de seus preços, o indivíduo

    poderia realizar trocas para elevar seu ganho de utilidade, chegando a um ponto em que se

    igualassem as utilidades e cessassem as trocas, uma vez que qualquer troca não proporcionaria

    nenhum aumento mínimo em termos de utilidade. Dessa forma, Jevons observava os indivíduos

    como agentes de troca, explicitando em suas palavras:

    Quem paga alto preço deve ter grande necessidade daquilo que compra, ou muito pouca necessidade daquilo que paga em troca; em ambas as suposições há proveito na troca. Em questões desse tipo só se pode estabelecer seguramente uma única regra, que ninguém comprará algo a menos que espere vantagem da aquisição, e portanto a perfeita liberdade de troca tende à maximização da utilidade. (JEVONS, 1871, tradução brasileira, 1996, p. 131).

    Com a citação acima, fica claro que Jevons tratava de valor de troca com o significado de

    preço, definindo como : “ A palavra valor, para ser corretamente usada, deve expressar, apenas, a

    circunstância de sua troca por alguma outra substância, em determinadas proporções.” (JEVONS,

    1871, tradução brasileira, 1996, p. 92, grifos do autor), além de no indivíduo como agente de troca e

    em uma harmonia natural do sistema capitalista dada pela crença de que “ devemos considerar

    todos os homens como irmãos”.

    Menger, economista austríaco, escreveu Princípios de Economia em 1871, em que

    através de uma tabela ilustrou como o indivíduo maximizava sua utilidade segundo o tipo de

    mercadoria e o número de unidades consumidas. Menger enunciou sua proposição da utilidade

    marginal decrescente, utilizando-se de um possível trade off ente alimentos e fumo:

    Suponhamos que a escala da coluna I expresse a importância, para um indivíduo, da satisfação de sua necessidade de alimento, e que essa importância diminua de acordo com o grau de satisfação de sua necessidade de alimento, e que essa importância diminua de acordo com o grau de satisfação já atingido, e que a escala do volume V expresse, da mesma forma, a importância de sua necessidade de fumo. É evidente que a satisfação de sua necessidade de alimento, até um certo grau de saciedade, tem, sem dúvida, uma importância maior para esse indivíduo do que a satisfação de sua necessidade de fumo. Mas, se sua necessidade de fumo já estiver satisfeita até um determinante do grau de saciedade (se, por exemplo, uma satisfação maior ainda de sua necessidade de alimento só tiver, para ele, a importância cujo valor numérico é 6), o consumo de fumo começa a ter, para ele, a mesma importância que a maior satisfação de sua necessidade de alimento. O indivíduo, portanto, se esforçará, a partir deste ponto, para equilibrar a satisfação de suas necessidades de fumo e a satisfação de sua necessidade de alimento. (MENGER, 1871, tradução brasileira, 1983, p. 291).

  • 24

    Ou seja, o que Menger irá propor é uma tabela, que o tipo de bem irá apresentar uma

    utilidade decrescente, ou seja, quanto maior a unidade adicional consumida do bem, menor seu grau

    de satisfação, ou seja, menor sua utilidade marginal, apresentado uma utilidade marginal

    decrescente. Dados dois bens, no caso alimento e fumo, Menger argumenta, que o alimento teria

    uma importância maior até certo momento, uma vez que apresenta uma utilidade marginal maior e

    a partir de certo ponto, se a importância em consumir uma unidade a mais alimento resultasse na

    mesma satisfação em consumir uma unidade de fumo, o fumo passará a ter a mesma importância

    que sua satisfação de alimento naquele dado momento, ou seja, se, dada certa quantidade

    consumida, consumir mais uma unidade de alimento apresentar uma utilidade marginal igual à de

    consumir uma unidade de fumo, consumir mais alimento ou consumir o fumo, trará o mesmo grau

    de satisfação, buscando equilibrar tal consumo. Dessa forma, o equilíbrio encontrar-se-ia quanto

    maximizando sua utilidade, as utilidades marginais de qualquer mercadoria iguala-se a utilidade

    marginal de cada uma das outras mercadorias consumidas. Com base na utilidade dos bem é que se

    determinava o preço, como Hunt (2005) explicitou:

    Menger explicou a demanda por bens de consumo mostrando que, quando um determinado bem tinha um preço alto em relação à utilidade marginal que a maioria dos consumidores podia obter com ele, a maioria dos consumidores conseguia mais utilidade ficando com o seu dinheiro do que gastando na compra daquele bem. Entretanto, á medida que o preço daquele bem fosse baixando, mais consumidores achariam que a utilidade marginal obtida através do consumo do bem seria maior do que a utilidade por eles perdida com o gasto de menos dinheiro. Além disso, á medida que o preço fosse baixando, os consumidores que já estivessem consumindo o bem verificariam que a maximização da utilidade exigiria que comprassem uma maior quantidade desse bem. (HUNT, 2005, p. 247).

    Se o preço de um bem fosse maior em relação a sua utilidade que o bem proporciona,

    seria preferível não adquirir o bem, obtendo mais utilidade em ficar com o dinheiro, dessa forma,

    como a demanda pelo bem iria caindo, seu preço reduzindo, os indivíduos iriam obter uma maior

    utilidade marginal consumindo ao invés de com o dinheiro. Sendo assim, conforme o preço fosse

    caindo à utilidade em consumir seria maximizada adquirindo uma quantidade maior desse bem,

    resultando assim em uma relação inversa entre preço e quantidade, A Lei da Demanda, como Hunt

    (2005) ressaltou:

    Assim, de seu princípio de utilidade marginal decrescente, Menger deduziu a lei da demanda: a quantidade de uma mercadoria que as pessoas estavam dispostas a comprar dependia do preço da mercadoria, e a quantidade demandada e o preço eram inversamente relacionados. (HUNT, 2005, p. 247).

  • 25

    Portanto, Menger propôs um conceito de utilidade marginal muito semelhante ao de

    Jevons, porém, com uma metodologia completamente distinta, utilizando apenas exemplos

    numéricos e descrições.

    Em 1874, Leon Walras publicou “Elementos de Economia Política Pura”. Utilizando um

    termo criado por seu pai, a rareté, no sentido de utilidade marginal, que em seu ponto de vista

    retratava justamente a última necessidade satisfeita pelo consumo de mais uma utilidade de

    mercadoria. Walras realizou um trabalho semelhante ao de Jevons na questão da utilidade marginal,

    porém acreditava que a curva de utilidade do individuo alterava-se no decorrer do tempo, embora

    essa alteração nada mais seria do que um novo problema semelhante ao anterior.

    Dessa forma, Walras assim como Jevons e Menger acreditava que o indivíduo

    maximizava sua utilidade, podendo realizar a troca de mercadoria a fim de obter tal maximização,

    situação em que os preços pagos seriam equivalentes à utilidade marginal do bem adquirido. Walras

    destaca-se pela formulação da Teoria de Equilíbrio Geral, com sua famosa figura do leiroeiro, que

    seria a base para novas escolas de economia, tais como os neoclássicos e os novos-clássicos.

    2.3 – Os Neoclássicos e a busca incessante por modelos de equilíbrio

    As obras de Jevons, Menger e Walras apresentam extrema importância dentro da

    concepção da economia neoclássica. Embora desenvolvidas individualmente e publicadas quase

    simultaneamente, apresentavam muitas semelhanças em termos de conteúdo, porém com

    abordagens distintas em seus trabalhos, representando uma ruptura nos pensamentos econômicos

    adotados anteriormente . Com as obras: Teoria de Economia Política (1871), Princípios de Economia

    (1871) e Elementos de Economia Política Pura (1874), de Jevons, Menger e Walras, respectivamente,

    e com a adoção da teoria do valor-utilidade, baseada na utilidade marginal decrescente, inciou-se o

    que Bresser-Pereira (1976, p. 3) delimitou ser uma revolução na teoria econômica. O autor ressalta a

    importância dos neoclássicos ao conseguir unificar a econômica da produção e da distribuição da

    renda, feito que ele afirma que os economistas clássicos jamais conseguiram realizar.

    A tentativa de Walras em realizar uma teoria de equilíbrio geral acabou por se tornar o

    modelo base dos economistas neoclássicos, seguido posteriormente por um modelo de equilíbrio

    parcial proposto por Marshall. Bresser-Pereira (1976) destaca a importância de Marshall, em

    Principles of Economics (1890), como um sintetizador das ideias neoclássicas.

  • 26

    De forma mais delimitada, Dequech (2007) baseando-se na definição de Colander, Holt e

    Rosser (2004) realiza a demarcação das características referentes aos neoclássicos:

    What is called here neoclassical economics is characterized by the combination of the following features:

    1. the emphasis on rationality and the use of utility maximization as the criterion of rationality,

    2. the emphasis on equilibrium or equilibria, and

    3. the neglect of strong kinds of uncertainty and particularly of fundamental uncertainty” (DEQUECH, 2007, p. 280)

    Na realidade, o pressuposto inicial de que os agentes são racionais é fundamental para a

    maximização da utilidade e embasamento da teoria neoclássica. Vale ressaltar que a economia

    neoclássica trata do comportamento do indivíduo. Sendo assim, enquanto as empresas maximizam o

    lucro, o agente irá maximizar utilidade, estando ciente de suas escalas de preferências, podendo

    conforme descrito por Menger (1871), postergar seu consumo em função da utilidade proporcionada

    pelo consumo das quantidades e do preço do bem, já que o indivíduo possui conhecimento pleno

    das alternativas. Tal afirmação torna-se possível uma vez que o pressuposto básico da teoria

    neoclássica é o mercado em concorrência perfeita. Justamente tais pressupostos irão resultar na

    otimização dos fatores de produção de forma eficiente e no pleno emprego. Dessa forma, Bresser-

    Pereira ressalta que “As economias de mercado estariam permanentemente em pleno emprego, ou,

    mais precisamente, ostentando a ‘taxa natural de desemprego’” (BRESSER-PEREIRA, 2003, p. 7).

    Dado tal contexto, justamente os economistas neoclássicos irão defender o laissez-faire,

    ou seja, a não intervenção do Estado na economia. Seguindo os pensamentos neoclássicos, tal

    conclusão parece ser óbvia, uma vez que o próprio mercado estaria sempre na taxa natural de

    desemprego. Ou seja, sempre em equilíbrio, como ressalta Hunt (2005, p. 262). Os neoclássicos

    acreditam que em qualquer desequilíbrio, as forças de mercado da oferta e da demanda corrigirão

    automaticamente, e tais ajustes seriam corrigidos rapidamente e de forma eficaz. Tal argumento é

    sistematizado de forma brilhante por Bresser-Pereira:

    Toda essa análise é realizada partindo-se do pressuposto da existência de uma hipotética concorrência perfeita. Chega-se ao equilíbrio geral de toda a economia genialmente formulado por Walras. Consumidores maximizam sua satisfação, produtores maximizam seus lucros, o pleno emprego está garantido, os fatores de produção são alocados entre as diversas possíveis empresas de forma ótima, e dentro de cada empresa, são eles usados com a máxima eficiência. (BRESSER-PEREIRA, 1976, p. 4).

  • 27

    E ganha forças com os argumentos de Hunt:

    [...] porque os três pilares da defesa ideológica neoclássica do capitalismo de livre-mercado eram teoria da distribuição baseada na produtividade marginal [...], o argumento da ‘mão-invisível’ e a crença, baseada puramente na fé, de que as forças da oferta e da demanda no livre-mercado levariam, automática e eficazmente, a economia ao equilíbrio com pleno emprego [...]. Nenhuma dessas três defesas ideológicas do capitalismo poderia ser mantida, se o mercado não criasse automaticamente preços de equilíbrio. (HUNT, 2005, p. 357).

    Vale ressaltar que Hunt (2005) não é o único autor a destacar a relação dos neoclássicos

    com a mão-invisível, conforme Samuelson afirma: “Nas palavras de Simonsen, o trabalho de Walras

    (1834 - 1910) é uma tentativa de formalizar o princípio da Mão Invisível de Adam Smith.”

    (SAMUELSON, 1986, p. 12).

    A questão da incerteza, destacada por Dequech (2007) como negligência dos

    neoclássicos em relação a incerteza, se dá um vez que tal questão estará presente na teoria

    keynesiana, sendo abordada por tal teoria.

    A definição das características neoclássicas também se torna possível através da

    metodologia, como Bresser-Pereira (2003) o faz, em seu trabalho “Um Grande Modelo?”, em que

    realiza a distinção entre o modelo clássico e o modelo neoclássico ressaltando a diferença de

    metodologia empregada. Nas palavras de Bresser- Pereira:

    Enquanto o método hipotético dedutivo ou apriorístico produziu principalmente a teórica econômica neoclássica, o método do fato histórico novo levou à teoria clássica do desenvolvimento econômico e à teoria keynesiana. O método apriorístico opera em um alto nível de abstração. O modelo neoclássico do equilíbrio geral é o melhor exemplo do uso desse método, [...]Em contraste, a teoria clássica do desenvolvimento econômico e a teoria macroeconômica keynesiana adotaram o método histórico e tendem por isso a serem menos abstrata: elas generalizam a partir de pressupostos mais restritivos e realistas. (BRESSER- PEREIRA, 2003, p. 5).

    Bresser Pereira (2003, p. 5) define de forma muito clara a metodologia dos neoclássicos

    como um método hipotético dedutivo e ressalta que a teoria de equilíbrio geral é um método

    apriorístico e altamente abstrato e extremamente distinto da metodologia das outras escolas de

    economia, como por exemplo, a teoria clássica e a teoria keynesiana, que empregam a metodologia

    histórica, e que na visão do autor tendem a ser mais realistas e menos abstratas. De acordo com

    Samuelson : “É na obra de Walras que vamos encontrar a maior inspiração de Samuelson: o uso da

    matemática, o conceito de equilíbrio, a problemática dos preços dos fatores de produção e a

    interdependência dos preços” (SAMUELSON, 1986, p. 12-13).

  • 28

    O uso de modelos matemáticos, assim como feito por Jevons (1871) e Walras (1874),

    será uma característica dos modelos neoclássicos, que através da abstração retratada por Bresser-

    Pereira (2003), possibilitará a redução de modelos a equações matemáticas, uma vez que se

    pressupõe que os indivíduos são racionais e calculistas. De todo essa já fundamentada tradição, abre-

    se espaço para o surgimento de um autor determinante para o que denomina-se Economics: Alfred

    Marshall.

    2.4 – Marshall e os princípios da Economia

    Marshall possui um papel de extremamente importante na Economia, já que

    transformou as ideias de sua época, sendo considerado um marco na transição da economia antiga

    para a moderna, propondo inovações metodológicas para a economia (FEIJÓ, 2007, p. 312). Em 1890,

    Marshall publicou “Principles of Economics”, rompendo assim com os economistas anteriores que

    utilizavam nos títulos de suas obras Economia Política, colocando apenas Economia, Hoover ressalta

    o intuito de Marshall com tal modificação:

    Although Alfred Marshall managed to kill the ‘political’ that had long modified ‘economy’ in the name of our discipline, his object was more to refocus attention on the analytics of the subject rather than on the applications. (The term ‘political economy’ has been reborn in the past twenty years, though it conveys a very different sense now than it did in Smith’stime. (HOOVER, 2007a, p. 317).

    Em seu prefácio da primeira edição, Marshall ressalta o intuito de sua obra:

    As condições econômicas estão em constante mudança, e cada geração encara os problemas de seu tempo de uma forma que lhe é peculiar [...] A presente obra é uma tentativa de apresentar numa versão moderna as velhas doutrinas, com a ajuda dos novos trabalhos e com referência aos novos problemas de nossa época. (MARSHALL, 1996, p. 55).

    No prefácio de sua oitava edição (1920), Marshall explicita “A principal preocupação

    da economia é, assim, com seres humanos que, para o bem ou para o mal, são impelidos a mudar e

    progredir.” (MARSHALL, 1996, p. 63). Em seu primeiro capítulo, Marshall caracteriza o conceito da

    economia: “Economia Política ou Economia, é um estudo da Humanidade nas atividades correntes da

    vida; examina a ação individual e social em seus aspectos mais estreitamente ligados à obtenção e ao

    uso dos elementos materiais do bem-estar.” (MARSHALL, 1996, p. 77).

  • 29

    Marshall propôs construir a curva de demanda a partir da curva de utilidade marginal

    decrescente. Primeiramente, por utilidade marginal, Marshall enuncia “A utilidade marginal de uma

    coisa para um indivíduo diminui a cada aumento da quantidade que ele já possui dessa coisa.”

    (MARSHALL, 1996, p. 160). Segundo Marshall há um pressuposto, em suas palavras: “Há, porém, uma

    condição implícita nessa lei, que deve ser esclarecida: é preciso dar por admitido que o tempo não há

    de produzir nenhuma alteração no caráter ou gosto da pessoa” (MARSHALL, 1996, p. 160). Dessa

    forma, a utilidade marginal dos agentes apresenta-se constante. A seguir Marshall chega a hipótese

    que “a utilidade marginal do dinheiro para ela [pessoa] é uma quantidade fixa” (MARSHALL, 1996, p.

    162), dessa forma, a utilidade marginal do dinheiro também é constante, e portanto, há a relação

    entre a curva da utilidade e a curva do preço. Sendo assim, Marshall chega a curva de demanda com

    inclinação negativa, decorrente da seguinte relação:

    Quanto maior for a quantidade de uma coisa que uma pessoa possui, tanto menor será, não se alterando as outras condições (isto é, o poder aquisitivo do dinheiro e a quantidade disponível do mesmo), o preço que ela pagará por um pouco mais da coisa; ou, em outras palavras, seu preço de procura marginal para a coisa decresce. (MARSHALL, 1996, p. 162)

    Ao partir da chamada curva de demanda de um indivíduo, Marshall define a curva de

    demanda total como uma soma das curvas de demanda individuais, dado que “as peculiaridades nas

    necessidades individuais se compensam umas às outras, resultando numa variação

    comparativamente regular da procura total.” (MARSHALL, 1996, p. 164). Enunciando a sua lei geral

    da demanda: “Quanto maior a quantidade a ser vendida, menor deve ser o preço pelo qual ela é

    oferecida, a fim de que possa achar compradores; ou, em outras palavras, a quantidade procurada

    aumenta com a baixa, e diminui com a alta do preço” (MARSHALL, 1996, p. 165), ressaltando assim a

    relação inversa entre preço e quantidade e desenvolvendo a seguir a relação elasticidade-preço da

    demanda.

    Assim, tem-se a curva da demanda, “baseada no desejo de obter mercadorias a curva da

    oferta baseia sobretudo na superação da relutância em suportar ‘incomodidades’” (MARSHALL,

    1996, p. 204), por tais incomodidades, tem-se o trabalho e o sacrifício de adiar o consumo. Marshall

    afirma que mesmo o indivíduo sentindo prazer no trabalho e recebendo um salário, alegra-se

    quando para de trabalhar, e define assim a desutilidade marginal do trabalho. (MARSHALL, 1996, p.

    205).

    Partindo da hipótese de que há a possibilidade de substituição dos fatores e da lei dos

    rendimentos decrescentes, Marshall propõe que as firmas também maximizam, e buscam

    justamente maximizar a diferença entre custos e receitas. Dessa forma, a curva de oferta do mercado

  • 30

    é dada pela curva das firmas, firmas representativas, firmas médias em um mercado em

    concorrência. Dessa forma, o preço é determinado pela intersecção das curvas de oferta e de

    demanda.

    Vale ressaltar que Marshall propõe curvas de ofertas distintas no curto e no logo prazo,

    pela inclusão do fator tempo, segundo Ottolmy Strauch retrata na introdução da coleção Os

    Pensadores:

    Justamente numa época em que a controvertida teoria do valor dividia os economistas em posições irreconciliáveis, Marshall conseguiu, graças principalmente à introdução do elemento tempo como fator na análise, reconciliar o princípio clássico do custo de produção com o princípio da utilidade marginal, atribuído à escola austríaca (Menger), Walras e Jevons mas que, diz Marshall, lhe foi inspirado por Von Thünen. (OTTOLMY STRAUCH, introdução, 1996, p. 27).

    Tal distinção das curvas ocorre dada a distinção dos fatores de produção no curto e no

    longo prazo. A firma maximiza os lucros no ponto em que o preço é igual ao custo marginal

    crescente. No curto prazo, alguns dos fatores são fixos, e a curva da oferta será positivamente

    inclinada, dada a lei dos rendimentos decrescentes. Surge ai o que Marshall chama de quase-renda,

    conforme Feijó (2007, p. 317) a caracteriza; a quase renda seria utilizada para descrever o retorno

    líquido os insumos fixos no curto prazo, tais como os rendimentos de máquinas ou outros

    equipamentos, que no curto prazo apresentam-se inelásticos, porém, no longo prazo podem ser

    ajustados. Sendo assim, no longo prazo, todos os fatores de produção seriam flexíveis, os custos

    variáveis e não existiria a ideia de quase-renda. Marshall constrói uma curva de oferta horizontal à

    partir da curva de custo médio de longo prazo. Feijó caracteriza as curvas de oferta do curto e do

    longo prazo:

    No curto prazo, a oferta é inelástica e a demanda determina os preços; no longo prazo, a oferta é horizontal e é ela que determina os preços. [...] Então, clássicos e subjetivistas não estavam totalmente errados, mas suas teorias eram enfoques parciais do fenômeno do valor. A teoria clássica do valor prevalece no longo período e a teoria do valor subjetivo é uma análise de curtíssimo prazo. (FEIJÓ, 2007, p. 313).

    Dessa forma, a demanda determinaria os preços no curto prazo, ou seja, a concepção de

    valor é dada pela demanda, enquanto no longo prazo, a oferta, os custos de produção que

    determinariam os preços. Hunt ressalta que:

  • 31

    A solução de equilíbrio, dada por Marshall, mostrou o que os defensores da ‘mão invisível’ tinham mostrado, desde Smith: a concorrência não só igualava as taxas de lucro de todas as firmas como também minimizava os custos de produção (isto é, maximizava a eficiência produtiva) e permitia que o consumidor comprasse todas as mercadorias pelo menor preço possível” (HUNT, 2005, p. 283).

    Vale ressaltar a existência do conceito de economia de escalas, em que os custos

    unitários médios de longo prazo caem à medida que aumentaria a dimensão e o nível de produção

    da firma. Hunt (2005, p. 284) destaca que Marshall não acreditava que todas as firmas sempre

    chegariam aos rendimentos constantes de escala, Marshall ressaltava que existiriam deseconomias

    de escala, devido a custos médios crescentes no longo prazo dado pelo papel da natureza na

    produção. A economia de escala pode ocorrer de duas formas: interna e externa. No caso das

    economias de escala interna, o tamanho das firmas geraria benefícios produtivos capazes de

    beneficiar a redução dos custos, enquanto que no caso de economias de escala externa a firma,

    seriam benefícios decorrentes do tamanho da indústria, não importando o porte das firmas, mas sim

    a indústria como um todo. Conforme Hunt ressalta: “A principal diferença entre o equilíbrio [de curto

    prazo] e o equilíbrio de longo prazo era que, neste, o tamanho da fábrica ou a capacidade instalada

    geral da firma tinha sido ajustada de modo a refletir uma eficiência produtiva ótima.” (HUNT, 2005,

    279).

    Outra grande contribuição de Marshall, foi a expressão ceteris paribus, “tudo o mais

    constante”, sendo esta ideia decorrente do equilíbrio parcial, em que era analisado os mercados de

    uma ou duas mercadorias, mantendo as relações com os demais mercados e demais mercadorias

    constantes, ou seja, tais relações mantinham-se inalteradas. Marshall ressalta que “a função da

    análise e da dedução em Economia não é forjar longas cadeias de raciocínio, mas forjar seguramente

    muitas pequenas cadeias e simples elos de ligação” (MARSHALL, 1996, p. 27), dessa forma, no

    capítulo cinco de seu quinto livro, irá propor decompor questões complexas em soluções parciais.

    Conforme Bresser-Pereira ressalta:

    No entanto, saliento que a microeconomia marshalliana, desconsiderados seus objetivos comportamentais de caráter substantivo, tornou-se uma ferramenta metodológica que é hoje essencial para analisar os mercados e para se tomarem decisões – e pode ser assim considerada uma ciência metodológica auxiliar da teoria econômica. (BRESSER-PEREIRA, 2009, p. 165 - 166).

    Marshall realizou grandes contribuições para a economia, sendo reconhecido como líder

    da escola neoclássica de Cambridge, e suas teorias e conceitos servem de base para a

    Microeconomia até hoje.

  • 32

    Um dos grandes alunos de Marshall viria a ser o percursor de uma mudança radical no

    pensamento econômico. John Maynard Keynes irá não somente romper com a tradição mainstream

    economics, como será capaz de fundar um novo olhar para o mesmo objeto. Costuma-se falar que

    depois de Keynes, todos os economistas irão refutar ou reafirmar as suas posições, mas nenhum será

    capaz de ignorar sua importância. A ruptura proposta por Keynes, na tradição economics será

    questionada por uma escola responsável por recuperar os fundamentos de todo o convencionalismo:

    os novos clássicos serão responsáveis por tentar reafirmar os pressupostos ortodoxos após Keynes8.

    2.5 – Novos- clássicos e a tentativa de reafirmação do homo oeconomicus

    Na década de 1970, em um cenário econômico em que a Teoria Keynesiana estava com

    dificuldade em justificar a realidade que ocorria, surge a teoria novo-clássica como uma busca pela

    retomada dos economistas clássicos, reforçando as ideias tradicionais, porém ajustando ao novo

    “status quo”.

    Com base na hipótese das expectativas racionais de Muth (1960) em “Rational

    Expectations and the Theory of Price Movements”, os novos clássicos irão fomentar sua teoria.

    Contrapondo a hipótese das expectativas adaptativas, adotada anteriormente, a hipótese das

    expectativas racionais, parte do princípio que os indivíduos aprendem com os erros passados e que

    os agentes formassem suas expectativas com base em todas as informações que possuem, não só

    nas informações passadas da variável, como pregava a hipótese das expectativas adaptativas.

    A economia novo-clássica irá supor que todas as variáveis apresentam um

    comportamento aleatório, ruído branco ou random walk, para que na média, as expectativas

    correspondam à esperança matemática da variável. Porém, o cenário de distribuição das

    probabilidades proposto, não poderia ser de total incerteza, como destaca Dow (1985): “Uma vez

    que a análise se refere a uma posição de equilíbrio geral, não há lugar em um modelo estável para

    expectativas que não sejam corretas (ou, ao menos, tendentes a se tornar ‘mais corretas’) ou

    formadas em condição de incerteza.” (DOW, 1985, p.41).

    8 Vale pontuar a importância da escola Monetarista e sua oposição ao keynesianismo, cujos principais

    expoentes foram os economistas da Escola de Chicago, liderados por George Stigler e Milton Friedman, ganhadores do premio Nobel. Friedman acreditava que as variações da atividade econômica possuíam raízes nas variações monetárias, sendo defensor do livre mercado, afirmando que a política Keynesiana era ineficiente e meramente inflacionária, não gerando riqueza, apenas alterações de preços. Tal escola não foi abordada no presente trabalho devido à necessidade de delimitação do tema para que se possa responder a pergunta que norteia o trabalho.

  • 33

    Para que os agentes possuam um comportamento racional, maximizador, o futuro não

    deve ser completamente incerto, uma vez que os agentes não agiriam racionalmente e acabaria por

    invalidar a teoria, conforme Lucas (1980, p. 15) ressalta que o raciocínio econômico não terá valor

    em caso de incerteza.

    A distrib