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FUNDAÇÃO CASA GRANDE: PRÁTICA DE ENSINO NAS DIVERSIDADES EDUCACIONAIS. A CRIANÇA E O JOVEM COMO PROTAGONISTAS DE APRENDIZAGENS O presente painel de comunicação oral tem como escopo apresentar o resultado de uma pesquisa de campo realizada junto à Fundação Casa Grande - Memorial do Homem Kariri FCG, localizada na cidade de Nova Olinda-CE, que teve como resultado a produção de três artigos científicos com enfoques diferenciados em relação aos processos educativos que acontecem na FCG. Esta pesquisa foi desenvolvida no decorrer da oferta do componente curricular ―Fundamentos da Educação para a Convivência com o Semiárido‖ do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Analisar os processos educativos desenvolvidos na Fundação e observar quais as relações que as crianças e os jovens mantêm nesse ambiente a partir das práticas que vivenciam no seu cotidiano, evidenciando dessa forma, o protagonismo juvenil e infantil, sua relação com a formação crítica, reflexiva e política dos atores sociais envolvidos foram os objetivos propostos. Ancorados na pesquisa com abordagem qualitativa, utilizamos como instrumentos e técnicas de coleta de dados, a observação direta, entrevistas semiestruturadas, a roda de conversa, o registro fotográfico, e o diário de campo por meio dos quais foi possível perceber a dinâmica de vivência da Fundação. As reflexões desses trabalhos nos permitiu compreender que os processos educativos desenvolvidos na FCG são os pilares construtores de novos contextos culturais, econômicos e político-social visto que se apresenta como instituição construtora de uma educação não formal que contribui para o pleno desenvolvimento das crianças e dos jovens a partir do alargamento de habilidades e competências que lhes serão úteis por toda a vida, além de semear a igualdade, a democracia, a comunicação, a liberdade e a interculturalidade, ações que tinham como pressuposto a ludicidade levando-nos a compreender que a educação contextualizada neste espaço, tem como princípio o envolvimento integral das crianças e dos jovens. Palavras-Chave: Fundação Casa Grande, Educação Não Formal, Educação Contextualizada XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 11435 ISSN 2177-336X

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FUNDAÇÃO CASA GRANDE: PRÁTICA DE ENSINO NAS DIVERSIDADES

EDUCACIONAIS. A CRIANÇA E O JOVEM COMO PROTAGONISTAS DE

APRENDIZAGENS

O presente painel de comunicação oral tem como escopo apresentar o resultado de uma

pesquisa de campo realizada junto à Fundação Casa Grande - Memorial do Homem

Kariri – FCG, localizada na cidade de Nova Olinda-CE, que teve como resultado a

produção de três artigos científicos com enfoques diferenciados em relação aos

processos educativos que acontecem na FCG. Esta pesquisa foi desenvolvida no

decorrer da oferta do componente curricular ―Fundamentos da Educação para a

Convivência com o Semiárido‖ do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação,

Cultura e Territórios Semiáridos, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).

Analisar os processos educativos desenvolvidos na Fundação e observar quais as

relações que as crianças e os jovens mantêm nesse ambiente a partir das práticas que

vivenciam no seu cotidiano, evidenciando dessa forma, o protagonismo juvenil e

infantil, sua relação com a formação crítica, reflexiva e política dos atores sociais

envolvidos foram os objetivos propostos. Ancorados na pesquisa com abordagem

qualitativa, utilizamos como instrumentos e técnicas de coleta de dados, a observação

direta, entrevistas semiestruturadas, a roda de conversa, o registro fotográfico, e o diário

de campo por meio dos quais foi possível perceber a dinâmica de vivência da Fundação.

As reflexões desses trabalhos nos permitiu compreender que os processos educativos

desenvolvidos na FCG são os pilares construtores de novos contextos culturais,

econômicos e político-social visto que se apresenta como instituição construtora de uma

educação não formal que contribui para o pleno desenvolvimento das crianças e dos

jovens a partir do alargamento de habilidades e competências que lhes serão úteis por

toda a vida, além de semear a igualdade, a democracia, a comunicação, a liberdade e a

interculturalidade, ações que tinham como pressuposto a ludicidade levando-nos a

compreender que a educação contextualizada neste espaço, tem como princípio o

envolvimento integral das crianças e dos jovens.

Palavras-Chave: Fundação Casa Grande, Educação Não Formal, Educação

Contextualizada

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11435ISSN 2177-336X

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FUNDAÇÃO CASA GRANDE: ESPAÇO EM QUE A BRINCADEIRA É

LEVADA À SÉRIO

Ana Cecília dos Reis Dias

Universidade do Estado da Bahia – UNEB

Programa de Pós-graduação – Mestrado em Educação,

Cultura e Territórios Semiáridos - PPGESA

Willany da Cunha Reis

Universidade do Estado da Bahia – UNEB

Programa de Pós-graduação – Mestrado em Educação,

Cultura e Territórios Semiáridos - PPGESA

RESUMO

O trabalho em tela tem como escopo apresentar o resultado de uma pesquisa de campo

realizada junto à Fundação Casa Grande - Memorial do Homem Kariri – FCG,

localizada na cidade de Nova Olinda, no Estado do Ceará, na Região do Cariri, ao sopé

da Chapada do Araripe na fronteira com os estados de Pernambuco, Paraíba e Piauí.

Este trabalho foi promovido pelo componente curricular ―Fundamentos da Educação

para a Convivência com o Semiárido‖ do Programa de Pós-Graduação Mestrado em

Educação, Cultura e Territórios Semiáridos, no Campus III da Universidade do Estado

da Bahia (UNEB). Nessa perspectiva objetiva-se compreender como os processos

formativos, que acontecem na FCG dialogam com os princípios da educação

contextualizada para convivência com o semiárido e como a brincadeira realizada pelas

crianças cotidianamente se estabelece enquanto fronteira dos mundos infantocêntrico e

adultocêntrico. Por meio de uma proposta subsidiada no paradigma da pesquisa

qualitativa e auxiliada pelos instrumentos metodológicos das observações diretas,

entrevistas semiestruturadas, vivências em diversos espaços da rede formativa da

Fundação Casa Grande, conversas e visitações coletamos os dados necessários para

nossas análises e inferências. A proposição desse trabalho nos permitiu imergir em um

ambiente onde educação não é sinônimo de escola. E por que seria? O trabalho pretende

demonstrar como é possível estabelecer outras relações formativas com as crianças,

onde autonomia é diferente de disciplinamento e a heterarquia é o pilar construtivo das

relações. Um dos elementos fundamentais que conseguimos identificar na rotina diárias

da FCG foi o desenvolvimento contínuo e dinâmico de ações que tinham como

pressuposto a ludicidade levando-nos a compreender que a educação contextualizada

neste espaço, tem como princípio o envolvimento integral das crianças que não se

restringe aos métodos tradicionais do ensino.

Palavras-chave: Infância. Espaços Formativos. Educação Contextualizada.

Discussões Iniciais O filho implume, no calor do ninho!...

Deves amar, criança, a tua casa!

Ama o calor do maternal carinho!

Dentro da casa em que nasceste és tudo...

Como tudo é feliz, no fim do dia,

Quando voltas das aulas e do estudo!

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11436ISSN 2177-336X

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Volta, quando tu voltas, a alegria!

Aqui deves entrar como num templo,

Com a alma pura, e o coração sem susto:

Aqui recebes da Virtude o exemplo,

Aqui aprendes a ser meigo e justo.

Ama esta casa! Pede a deus que a guarde,

Pede a Deus que a proteja eternamente!

Porque talvez, em lágrimas, mais tarde,

Te vejas, triste, d‘esta casa ausente...

E, já homem, já velho e fatigado,

Te lembrarás da casa que perdeste,

E hás de chorar, lembrando o teu passado...

— Ama, criança, a casa em que nasceste!

(Olavo Bilac, 1919, P.116-117)

Assim é a Fundação Casa Grande: uma casa para os que nela moram. A

Fundação é uma organização não governamental (ONG), fundada em 1992 pelo casal

Alemberg Quindins e Rosiane Limaverde, ambos músicos e arte-educadores. Fica a 560

km de Fortaleza, capital do Ceará e têm como missão a formação educacional de

crianças e jovens, protagonistas em gestão cultural, por meio de seus programas:

Memória, Comunicação, Artes e Turismo. O objetivo é a formação interdisciplinar das

crianças e jovens, a sensibilização do ver, do ouvir, do fazer e conviver através do

acesso a qualidade do conteúdo e ampliação do repertório. Essa casa (Fundação Casa

Grande), como diz poeticamente Moreira (1982, p. 1): ―tão bonita como o povo que

habita nela‖, é uma vivência de processos educativos que ratifica as palavras de

Brandão (2004, p.07) quando nos diz que: ―ninguém escapa da educação‖. Na verdade

essa denominação e/ou conceito (educação) sequer é discutido na casa, mas se reafirma

em suas práticas cotidianas.

Nessa casa mora brincadeiras, histórias, música, arte, cultura, criança, adulto e

toda gente que quiser chegar. Mas, apesar da presença dos adultos que plantaram as

sementes da casa grande, são as crianças os jardineiros que cuidam da terra para que as

flores floresçam todos os dias. Ao conhecer a Casa Grande nos damos conta que tudo

por lá é muito maior do que a missão escrita no papel, apesar de Alemberg Quindins

(Presidente da Fundação Casa Grande) ratificar que a missão da casa ―é nunca deixar

fechar as portas‖. Isso nos diz muito, pois parte-se do entendimento de que sempre

deverá existir uma criança para que o trabalho nunca morra, ou seja, para que as portas

nunca se fechem.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11437ISSN 2177-336X

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Quando dizemos que são as crianças que fazem florescer aquele espaço, não é

apenas um jeito de dizer, elas realmente são as protagonistas daquele lugar. Na FCG,

não existe o nivelamento de conhecimento e/ou competências/capacidades, ou ainda

padronização de rotinas e processos, tão comum na escola regular onde tudo é igual

para todos.

A necessidade em atuar em um ambiente composto pela diversidade e pela

singularidade dos alunos, tem muita ligação com a maneira como as escolas reproduzem

o mundo de forma deturpada. Pudemos identificar que diferentemente de muitas

instituições escolares, a Fundação Casa Grande faz uso de várias atividades e recursos,

com o propósito de atender as especificidades das crianças, afinal, o desrespeito à

diversidade nos seus vários seguimentos implica graves consequências, as quais podem

causar um regresso na vida particular dos infantes na escola e sociedade, pois somos

pessoas distintas no mundo. Segundo Kramer (2006, p.18), precisamos estar sempre:

―[...] levando em consideração as diferenças de classe social de origem das crianças bem

como a diversidade de etnia, sexo, e cultura. Reconhecer as crianças como seres sociais

que são implica não ignorar as diferenças‖.

Igual para todos é a responsabilidade do cuidado com espaço que é de todos,

mas que permite o plural, a escolha, o direito de opinar e, sobretudo de por em prática

aquilo que cada um e cada uma trazem como ideia ou sugestão. O fantástico é que tudo

isso acontece sem deixar as brincadeiras e os jeitos próprios da infância, inclusive as

peraltices e brigas de criança, que são resolvidas entre elas mesmas.

Discussão e resultados: a brincadeira levada a sério na Fundação Casa Grande

Durante a visita, fomos acompanhados por Alicia, uma das muitas crianças da

Casa Grande. Alicia falava da Casa Grande como se falasse da sua casa, o que não deixa

de ser... Lá ela e tantas outras crianças se sentem em casa. ―Eu venho pra cá todas as

tarde de segunda a sexta, no sábado e domingo fico aqui o dia todo. Sou coordenadora

da semana, sou gerente da biblioteca e sou produtora de teatro e faço também o

programa de rádio‖. Perguntado a ela que horas ela brincava, ela diz: ―Brinco aqui, faço

tudo isso brincando‖. Mais uma vez perguntaram: que horas você estuda? Estudo um

pouco em casa, mais estudo muito aqui, todas as minhas pesquisas faço aqui na FCG.

Quando tenho trabalho em grupo meus colegas vêm pra cá e a gente pesquisa e estuda.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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Falas como essa, nos faz perceber como esse espaço de educação, chamado por

muitos de espaço não formal, é capaz de contribuir com/na formação dessa meninada

que vai além dos conhecimentos formais trabalhados pela escola. Se pensarmos nos

espaços educativos, enxergamos meninos e meninas responsáveis pelo funcionamento e

organização desse espaço, revelando o protagonismo infantil, já que estes assumem

responsabilidades que na maioria dos espaços são de responsabilidade dos adultos.

Na Fundação Casa Grande todas as crianças têm atribuições, que não são

construídas para elas, são construídas com elas, afirmando as crianças como sujeitos

protagonistas e ativos de todo processo. As crianças tem clareza dos seus papéis e os

fazem com maestria e leveza. Para Galeano (1999, p.11):

Dia após dia nega-se às crianças o direito de ser crianças. Os fatos, que

zombam desse direito, ostentam seus ensinamentos na vida cotidiana. O

mundo trata os meninos ricos como se fosse dinheiro, para que se acostumem

a atuar como o dinheiro atua. O mundo trata os meninos pobres como se

fossem lixo, para que se transformem em lixo. E os do meio, os que não são

ricos nem pobres, conserva-os atados à mesa do televisor, para que aceitem

desde cedo, como destino, a vida prisioneira. Muita magia e muita sorte têm

as crianças que conseguem ser crianças.

A fala de Galeano nos faz refletir de que modo percebemos, ou melhor, como

não percebemos esses sujeitos nos espaços da sociedade. Na FCG, parece estar visível

como as crianças precisam ser percebidas. Elas são tão aparentes, tão parte daquele

lugar, que os adultos não subestimam as suas capacidades de dar sentido às suas ações e

seus contextos.

Nesse espaço, o jeito de lidar com a infância vai de encontro ao que é

preconizado pela escola e ratificado na crítica de Vasconcellos (2007) sobre os espaços

que lidam com crianças quando alerta que é preciso entender a criança a partir do seu

mundo, dos seus sonhos, dos seus desejos A perspectiva adultocêntrica não se faz na

Casa Grande, visto que é pensada pelas crianças e para as crianças, sem desconsiderar

que os adultos estão por lá, mas o protagonismo é delas.

É muito intensa a percepção de que a Casa para elas é muito mais que um espaço

físico. É abrigo, aconchego, cultura, arte conexão com o mundo. A FCG é conhecida no

Brasil e no mundo pela visualização dos diversos visitantes que lá chegam bem como de

suas premiações. Ela abriu portas para que crianças descobrissem que são capazes de

produzir arte, cultura e conhecimento a partir de suas contribuições aos que lá visitam. É

simplesmente encantador, observar a desenvoltura, autonomia e o sentimento de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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pertença que as crianças têm com esse lugar e com a sua história. Esse talvez seja o

exemplo de processo formativo que Alves (2006) sonhou, sem jamais julgar que

pudesse existir.

Para Vasconcellos (2007, p.7): ―algumas vezes, as sociedades esquecem que

precisam de suas crianças e que para tê-las há de se respeitar o direito de viver a

infância, mas infelizmente são raros os exemplos de respeito à infância‖. Fala-se muito,

―as crianças são o futuro de uma nação‖1, entretanto, pouco se vê essa materialização

nas políticas de atendimento a essas crianças, e sobretudo a garantia do ato de viver a

infância. A escola que deveria ser o espaço das crianças terem vez e voz, continua na

maioria das vezes a ser o lugar da opressão. A retirada do recreio, em algumas escolas,

em algumas cidades é um exemplo concreto de que esse respeito não é acatado. Se

existisse a voz da perspectiva infantocêntrica, ela nos diria que o recreio é a melhor

coisa da escola e que a criança não existiria sem a brincadeira.

E nós (adultos), o que dizemos? Wallon (1989, p.9) afirma que: ―A criança não

sabe senão viver a sua infância. Conhecê-la pertence ao adulto. Mas o que vai

prevalecer neste conhecimento: o ponto de vista do adulto ou da criança?‖. Infelizmente

o olhar do adulto ainda prevalece sobre o da criança. Algumas frases clássicas são

comumente repetidas entre os adultos ―criança não sabe de nada‖. Estas atitudes

reforçam estereótipos que foram construídas historicamente sobre a infância. A FCG, no

entanto, tem rompido com essa construção, onde os adultos decidem o que fazem as

crianças, a proposta é que se o espaço é delas é bom que seja pensado e construído com

elas até porque a missão da casa ―é nunca deixar fechar as portas‖.

É de fato uma desconstrução histórica que se faz do que é ser criança na FCG.

Lá criança é criança. Só isso basta! É de fato um rompimento de um paradigma

adultocêntrico que foi construído historicamente e que Ariès (1981) aponta o fato de

que as crianças são formadas para serem adultos em miniatura, pois deviam se vestir e

se comportar como tal, para adquirirem desde a infância, a concepção de que são os

adultos que comandam a sociedade e delegam o que é certo e errado a ser seguido.

Por isso as crianças precisam desconsiderar suas vontades de criança e tornarem-

se adultos cada vez mais rápido. Airès (1981, p.10) sustenta que:

1 Jargão sempre utilizado quando se projeta a criança como mola propulsora de desenvolvimento de um

país.

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Contudo, um sentimento superficial da criança – a que chamei de

―paparicação‖ – era reservado à criancinha em seus primeiros anos de vida,

enquanto ela ainda era uma coisinha engraçadinha. As pessoas se divertiam

com a criança pequena como um animalzinho, um macaquinho impudico. Se

ela morresse então, como muitas vezes acontecia, alguns podiam ficar

desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso, pois outra criança logo

a substituiria. A criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato.

A ideia de infância denota um período formativo complexo com predominância

da imaginação na descoberta do mundo. Para um trabalho diferenciado dessa fase, é

imprescindível que a escola esteja preparada física e pedagogicamente. Nesse sentido, a

experiência lúdica realizada em espaços não formais de educação proporcionam

experiências significativas que muitas vezes a escola não desenvolve. Sendo assim,

experimentam as emoções que as atividades interativas permitem, pois a criança

envolve-se completamente com os fatos vividos em seu cotidiano. De acordo com

Barros (2009, p.45):

O reconhecimento do brincar como atividade relevante para o

desenvolvimento infantil, ao longo dos tempos, mostra que, embora tenha

havido avanços em relação à concepção de criança e seu desenvolvimento, a

contextualização do brincar no campo educacional ainda não tomou as

proporções necessárias que materializassem uma textura significativa da

relevância dessa atividade, na atualidade.

Essa experiência fortalece o âmago das pesquisadoras envolvidas neste trabalho,

visto que são pistas que começam a aparecer neste caminho do reconhecimento da

criança como esse sujeito de direitos e provedor de ações. Essa conquista faz-nos crer

que é possível sim empoderar a criança através de processos formativos que consideram

a gênese da infância.

Fundação Casa Grande e Educação Contextualizada: princípios que dialogam?

Quando trazemos os princípios da educação contextualizada preconizados pela

Rede de Educação do Semiárido Brasileiro - RESAB2 (2006, p. 07) para relacionar-se

2 Surge durante a realização do I Seminário de Educação para o Semiárido, realizado na cidade baiana de

Juazeiro. Esse evento reúne entidades da Sociedade Civil e Órgãos Públicos, sobretudo ligados às áreas

do ensino e da pesquisa, que encaminham propostas de uma educação oficial adequada às peculiaridades

ambientais e socioculturais da região. O caminho apontado pelo seminário de Juazeiro é de constituição

de uma Rede que, não se configurando como uma instituição oficial consiga agregar entidades da

Sociedade Civil e instituições públicas enfeixadas em torno da proposta de uma educação contextualizada

para o semiárido. A RESAB passa a ser gerida por um ―grupo gestor‖, integrado por representantes de

entidades e instituições que vem articulando e participando das discussões e debates sobre a rede. Os

primeiros debates da Resab apontam para a discussão de temas que pululam e ocupam as preocupações

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com os princípios vivenciados pela Fundação Casa Grande é porque acreditamos que

estes fortalecem a ideia de pertencimento com o local. Pertencer significa vivenciar,

sentir e ser sentido. Neste caso a afirmação destas instituições não se dá pela explicação,

mas pelo entendimento de sua existência e dos sentidos a ela produzidos. A afirmação

se faz no fazer e não na explicação... É esse o entendimento que as faz não se

explicarem para se tornarem o que são.

No princípio que defende ―Integridade dos direitos dos atores e atrizes do

processo educacional e o respeito e promoção dos direitos das crianças, adolescentes e

jovens‖, podemos observar que esses princípios dialogam com a FCG, visto que a

infância/juventude é a gênese de todo processo de criação e de manutenção da casa.

Noronha (2008, p. 6) afirma que:

A primeira grande impressão do visitante é deparar-se com crianças e jovens

no comando de ações que, convencionalmente, seriam próprias de adultos,

tais como apresentar programas de rádio ou organizar pessoas no teatro,

filmar e editar vídeos, escrever e editar revistas em quadrinhos...

E muito mais do que participar de atividades promovidas pela FCG, as crianças

brincam, simplesmente brincam... Aí está a diferença entre FCG e a escola, na primeira

as crianças, opinam, decidem e executam as atividades que é melhor para elas; na

segunda, elas recebem as decisões de uma minoria adulta que sequer ouviu os seus

desejos de crianças.

Outro princípio é o de equidade na distribuição de renda e no acesso do

conhecimento cultural, científico, moral, ético e tecnológico em todos os níveis da

educação. Nesse princípio, diversas contexturas dialogam, pois ao mesmo tempo em

que as crianças estão na FCG, constitui-se uma rede para que ela permaneça ali, através

da economia solidária e do empreendedorismo, a partir do incentivo ao turismo com

criação das pousadas domiciliares3, restaurantes, Museu Expedito Seleiro e artesanatos

dos seus integrantes, como a produção de materiais didáticos contextualizados, a formação dos

professores, e, de maneira abrangente quais pressupostos culturais dão sustentação e sustança a proposta

de uma convivência harmoniosa entre homem e natureza no semiárido brasileiro. (MOREIRA NETO,

2013, P.140).

3 As pousadas domiciliares são suítes que ficam localizadas nos quintais da casas dos pais das crianças da

Casa Grande. Cada pousada tem dois beliches, jogos de cama e banho, frigobar, TV, vídeo e aparelho de

som. Uma diária custa R$ 50,00 reais por pessoa, inclusos dormida, café da manhã, almoço e jantar. Hoje,

a Cooperativa Mista dos Pais e Amigos da Casa Grande – Coopagran. Dispõem de 10 pousadas na área

urbana com capacidade para 40 leitos e duas pousadas opcionais em área rural de floresta e sertão com

dois leitos cada.

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retratando a Casa e o que se vive nela. Essas ações também culminaram com a criação

da Cooperativa Mista dos Pais e Amigos da Casa Grande (COOPAGRAN4).

No que se refere ao Nordeste Semiárido, espaço em que está localizada a

Fundação, o discurso hegemônico preconizado pelas elites dominantes através das

mídias que trabalharam a seu favor, colocou a seca como fator de calamidade pública e

essa região como inviável, porém essa perspectiva homogeneizante não teve força

suficiente para diminuir o princípio formativo adotado pela FCG que faz exatamente ao

contrário, mostrar a viabilidade de se viver no semiárido tendo a educação e a cultura

como elementos possibilitadores da garantia de uma nova mentalidade de se pensar o

local, a geração de renda e a sustentabilidade e tornar-se assim o que é.

Nas palavras de Reis (2010) são essas problematizações realizadas nos espaços

de discussão e nas publicações da RESAB, que fortalecem a construção de uma

epistemologia que revele esses sujeitos (homens, mulheres e crianças) que aqui estão e

não como uma caricatura do que criaram da gente.

A imprensa nacional e os que escreveram sobre esta região, tendo como

parâmetros apenas uma época do ano, ou apenas um ângulo da região,

criaram uma caricatura do Semiárido. Os livros didáticos que circularam e

circulam na nossa região afirmaram essa caricatura da região, onde o sujeito

que vive no Semiárido é visto como o ―matuto‖, é um ―sujeito sem saber‖. É

essa a imagem caricaturada que se criou do Semiárido e que ainda está

presente entre nós e que nós também que aqui vivemos, terminamos por

assumi-la e proliferá-la. (REIS 2010, P. 112).

Estas imagens vão dando lugar a outras paisagens na Fundação visto que se

formata uma rede que dialoga de forma sistêmica a partir da tríade escola-família-

comunidade e com isso possibilita um desenvolvimento sustentável local e sobretudo

um outro pensamento epistêmico sobre o estar e ser naquele lugar, naquela região,

naquela comunidade e sobretudo da sua responsabilidade com tudo aquilo que ali está

construído. Segundo NIETZSCHE,

Conhecer com orgulho o extraordinário privilégio da responsabilidade, ter

consciência dessa liberdade rara, desse poder sobre si e sobre seu destino, aí

está quem penetrou até as profundezas últimas de sua pessoa e que se tornou

instinto, instinto dominante – que nome lhe dará a esse instinto dominante,

supondo que sinta a necessidade de conferir-lhe um nome? Isso não oferece

dúvida alguma: o homem soberano o chamará de sua consciência...

(NIETZSCHE, 1887, p.58).

4 Cooperativa Mista dos Pais e Amigos da Casa Grande constituída pelos pais das crianças atendidas pela

Fundação Casa Grande. Esta cooperativa possui o direito de uso de imagem da marca ―Casa Grande‖,

confeccionando e comercializando suvenires e artesanatos, também gerencia o receptivo turístico

dispondo aos visitantes lojinha de brindes, cantina, pousadas domiciliares e serviço de transporte.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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Mas essa prática só é possível mediante um conhecimento dos sujeitos do seu

contexto, sua história, da história, da história de seu povo. Isso fica muito claro na obra

de BOFF (1999, p.135),

[...] Cada pessoa precisa descobrir-se como parte do ecossistema local e da

comunidade natureza, biótica, seja em seu aspecto a natureza, seja em sua

dimensão de cultura. Precisa conhecer os irmãos e irmãs que comportem da

mesma atmosfera, da mesma paisagem, dos mesmos solos, das mesmas

fontes de nutrientes... Precisa conhecer a história daquelas paisagens, visitar

aqueles rios e montanhas, frequentar aquelas cascatas e cavernas; precisa

conhecer a história das populações que aí viveram sua saga e construíram seu

habitat, como trabalharam a natureza, como a conservaram ou a depredaram;

quem são seus poetas e sábios, heróis e heroínas... os/as pais/mães

fundadores da civilização local. O cuidado salva a vida e garante o futuro da

terra.

Outros princípios que também dialogam com Educação Contextualizada e a

FCG são:

Gestão democrática garantindo a plena participação dos vários setores, atores

e atrizes na sua execução [...] Intersetorialidade nas definições das políticas

públicas educacionais; Interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na

construção do conhecimento; Sustentabilidade ambiental, social, econômica e

cultural como pilares dos processos e projetos educacionais; Formação

abrangendo os aspectos socioculturais, político e ambientais do semiárido;

Diálogo permanente dos saberes locais com o universal; Descentralização,

transparência e gestão compartilhada; Respeito e promoção dos direitos

humanos, do meio ambiente e dos princípios e direitos constitucionais.

(RESAB, 2006, P. 07).

No entanto, se perguntarmos a Alemberg Quindins se há algum fundamento

teórico epistemológico para construção de tudo aquilo que acontece na FCG, ele nos

dirá que não há ali nenhum conceito imbricado, mas sim uma vivência. ―A Casa é o que

estamos vendo5‖, e ao ver, percebemos ali claramente os princípios da educação

contextualizada protagonizados pelas crianças, bem como a presença de diversas teorias

que ali se fazem presentes. Noronha (2008, p. 26), alega, por exemplo, que na FCG a

―construção de saberes significativos não pode se dá no vazio de teorias e de práticas,

mas na relação teórico-prática em que os atores sociais se movem‖.

Esse movimento é exatamente o que nas palavras de Alemberg gera a

convivência e para academia se afirma como campo de conhecimento. A convivência,

sobretudo na perspectiva da educação contextualizada ―não se faz se o elemento

motivador não for a educação a favor da vida, potencializando a diversidade cultural,

que reconheça e conviva com os diferentes, e que ajude as pessoas a serem mais

humanas‖ (MENEZES E ARAÚJO, 2007, P.45).

5 Fala de Alemberg durante a visita à Fundação Casa Grande, em 15 de novembro de 2015.

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11444ISSN 2177-336X

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Nas palavras de REIS (110, p.128) ―a Educação Contextualizada [...] não pode

ser entendida como o espaço do aprisionamento do conhecimento e do saber, ou ainda

na perspectiva de uma educação localista, mas como aquela que se constrói no

cruzamento cultura – escola – sociedade – mundo‖. E é assim que a Casa Grande se faz

e refaz nesse grande movimento que é grande como o mundo da infância. Para isso a

brincadeira é só mais uma estratégia, tão importante quanto outras, mas que define a

criança como provedora dessa forma de pensar e de atuar no lugar que se faz e refaz a

cada dia, pois essa criança também irá crescer e será ela enquanto adulto que dará essa

mesma oportunidade a tantas outras crianças que virão e que se farão parte. E então esse

ciclo da missão da FCG ―nunca deixar fechar as portas‖ estará sempre fortalecido o que

também compreendemos como princípio da educação contextualizada.

Considerações finais

A proposição desse trabalho nos permitiu imergir em um ambiente onde

educação não é sinônimo de escola além de demonstrar como é possível estabelecer

outras relações formativas com as crianças em processos não formais de educação, onde

autonomia é diferente de disciplinamento e a heterarquia é o pilar construtivo das

relações.

Os instrumentos metodológicos da abordagem qualitativa possibilitaram-nos,

através de observações, vivências em diversos espaços da rede formativa da Fundação

Casa Grande, conversas e visitações, compreender como os processos formativos que

acontecem na FCG dialogam com os princípios da educação contextualizada para

convivência com o semiárido e, como a brincadeira realizada pelas crianças

cotidianamente se estabelece enquanto fronteira dos mundos infantocêntrico e

adultocêntrico.

Os processos formativos, que acontecem na FCG dialogam com os princípios da

educação contextualizada por fazer entender que a educação precisa nascer no lugar que

os sujeitos se fazem, se constroem e que se tornam potencializadoras desse ambiente a

partir do seu pertencimento com o mesmo. Os princípios da FCG e da Educação

Contextualizadas se cruzam e entrecruzam por suas histórias estarem cravadas no

semiárido brasileiro onde ainda pululam histórias de fracasso e desesperança.

Essa pesquisa é, portanto, um redesenho das possibilidades de vivências nesse

espaço com aprendizagem, educação e cultura que transcende o escopo de escola formal

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11445ISSN 2177-336X

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que ainda prevalece no nosso país, que não consegue enxergar o entorno onde está

inserida e as potencialidades de aprendizagem que ali estão.

A criança da FCG é a protagonista que trouxemos como provedora da

visualização do que é ser e fazer-se criança a cada dia. E a brincadeira como estratégia

de definição de espaços, de vivências e de aprendizagem. Brincar para elas nada mais é

do que fazer parte daquele espaço que é delas e que se faz por elas. Brincar é

simplesmente brincar e compreender que aquele lugar precisa dar espaço para outras

crianças que desejarem chegar, portanto há uma missão implícita, subjetividade de

sentidos e de valores que a fazem amar aquele lugar cada vez mais.

O que fica é a compreensão de que muito ainda há por trilhar em perspectivas

formativas de educação em didática e prática de ensino no contexto político

contemporâneo. Porém essas cenas da educação brasileira possibilitadas pela

experiência da Fundação Casa Grande faz-nos acreditar que distintos caminhos estão

sendo trilhados, caminhos estes que nos levarão a um outro entendimento de educação

que transcende até mesmo as categorias (formal, não-formal e informal) que fomos

criando para hierarquizar a importância de onde esse conhecimento ocorre.

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PROTAGONISMO JUVENIL NA FUNDAÇÃO CASA GRANDE: REFLEXÕES

SOBRE UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL

Viviane Brás dos Santos

Universidade do Estado da Bahia –UNEB Programa de

Pós-graduação – Mestrado em Educação, Cultura e

Territórios Semiáridos - PPGESA

Cleidinalva dos Santos Martins

Universidade do Estado da Bahia –UNEB Programa de

Pós-graduação – Mestrado em Educação, Cultura e

Territórios Semiáridos - PPGESA

Ana Paula Rocha dos Santos

Universidade do Estado da Bahia –UNEB Programa de Pós-

graduação – Mestrado em Educação,

Cultura e Territórios Semiáridos – PPGESA

RESUMO

O presente trabalho tem como finalidade apresentar o resultado de uma pesquisa de campo

realizada na Fundação Casa Grande, no Município de Nova Olinda/CE. Levando-se em

consideração que os processos educativos vivenciados na Casa representam ações de uma

educação não-formal que busca a formação plena dos sujeitos a partir de capacitações e ações

que possibilitam o desenvolvimento de indivíduos preocupados com as questões de

desigualdades sociais existentes, dentre outras, propõe-se os seguintes objetivos: investigar se a

proposta de educação da instituição visitada, alinha-se aos pressupostos teórico-práticos da

educação contextualizada apresentados nas discussões promovidas pelo componente curricular

Fundamentos da Educação para a Convivência com o Semiárido do Programa de Pós-

Graduação Mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos, no Campus III da

Universidade do Estado da Bahia (UNEB); analisar os processos educativos desenvolvidos na

Fundação e observar quais as relações que as crianças e os jovens mantêm nesse ambiente a

partir das práticas que vivenciam no seu cotidiano e na mesma, evidenciando dessa forma, o

protagonismo juvenil e sua relação com a formação crítica, reflexiva e política dos atores sociais

envolvidos. Ancorados em na pesquisa com abordagem qualitativa, utilizamos como

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11448ISSN 2177-336X

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instrumentos e técnicas de coleta de dados, a observação direta, por meio da qual foi possível

perceber a dinâmica de vivência da Fundação; a roda de conversa, realizada com os jovens, as

crianças e o fundador da instituição; o registro fotográfico, que oportunizou capturar momentos

relevantes das atividades desenvolvidas na Casa e o diário de campo, que nos favoreceu

registros importantes no decorrer de toda a visita. Com esses procedimentos metodológicos

identificamos que a Fundação possui uma proposta educacional alinhada os pressupostos da

educação contextualizada de forma que o protagonismo juvenil constitui-se um elemento

norteador das ações desenvolvidas na formação dos jovens.

Palavras-chave: Protagonismo juvenil. Casa Grande. Educação não-formal.

A educação não-formal na Fundação Casa Grande

Quando se discute educação, emerge a concepção de educação escolar, a qual é

denominada como formal, institucionalizada, seguidora de parâmetros curriculares e conteúdos

previamente sistematizados. Nesse contexto os professores tornam-se os únicos profissionais

responsáveis pelo processo de ensino/aprendizagem. Contudo precisa-se levar em consideração

que outras modalidades de educação existem, são vivenciadas em outros espaços fora do

ambiente escolar e precisam também ser conhecidas, respeitadas e valorizadas.

Nesse sentido, destaca-se a educação não formal, desenvolvida em diversos espaços que

vivenciam os processos educativos de forma diferente dos que são estabelecidos na escola. A

educação não formal busca trabalhar com questões educativas voltadas para o mundo social e

estimula os indivíduos a saberem quais são seus direitos e a cumprirem seus deveres enquanto

cidadãos. De acordo com Gohn (2006) esta educação:

Não é organizada por séries/ idade/ conteúdos; atua sobre aspectos subjetivos

do grupo. Desenvolve laços de pertencimento. Ajuda na construção da

identidade coletiva do grupo [...]; ela pode colaborar para o desenvolvimento

da auto-estima e do empowerment do grupo, criando o que alguns analistas

denominam, o capital social do grupo. Fundamenta-se no critério da

solidariedade e identificação de interesses comuns e é parte do processo de

construção da cidadania coletiva e pública do grupo. (p.30).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11449ISSN 2177-336X

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Mediante esta questão, tal modalidade de educação, procura discutir como o sujeito

pode se tornar um cidadão mais preocupado com a sociedade e seus conflitos, bem como, que

este se sinta responsável pela melhoria da qualidade de vida do coletivo, pois passa por

experiências que contribuem para a construção de um processo de aprendizagem baseado na

organização e na capacitação crítica, política e social. Nessa perspectiva acredita-se que as

pessoas aprendam a conviver e respeitar as diferenças étnicas, culturais, religiosas, econômicas,

sociais e ambientais. Gohn (2006) esclarece ainda que:

A educação não-formal [...] dá condições aos indivíduos para desenvolverem

sentimentos de auto-valorização, de rejeição dos preconceitos que lhes são

dirigidos, o desejo de lutarem para ser reconhecidos como iguais (enquanto

seres humanos), dentro de suas diferenças. (p. 30).

A partir dessa compreensão, percebe-se que na educação não formal existe um

compartilhamento de experiências que colaboram para o desenvolvimento de uma

aprendizagem significativa dentro de um coletivo. Com isso, destacamos as ações da Fundação

Casa Grande, localizada em Nova Olinda/CE6, que possui características de uma educação não

formal, pois suas práticas educativas são constituídas através das vivências dos sujeitos em meio

as ações e trabalhos pensados e desenvolvidos por crianças, jovens e adultos da própria

comunidade, com o propósito de ensiná-los a produzir e desenvolver projetos que os tornam

mais ricos em conhecimento e mais experientes na prática construída coletivamente.

Os processos formativos da Casa são conduzidos de uma forma horizontal, ou seja, não

há uma hierarquização de quem pode mais e de quem pode menos, o que existe é o

compromisso com o bom andamento da instituição de forma solidária e responsável, assim

6 A Fundação Casa Grande - Memorial do Homem Kariri é uma organização não- governamental, cultural

e filantrópica criada em 1992, com sede em Nova Olinda, Ceará, Brasil. Sua criação se deu a partir da

restauração da primeira Casa da Fazenda Tapera, hoje cidade de Nova Olinda, ponto de passagem da

estrada das boiadas que ligava o Cariri ao sertão dos Inhamuns, no período da civilização do couro, final

do século XVII. Hoje a Fundação Casa Grande-Memorial do Homem Kariri é uma escola de referência

em educação e tem a visão de levar "o mundo ao sertão". Mas não qualquer mundo, e sim um mundo que

proporcione as crianças e jovens o empoderamento da cultura e da cidadania. Para proporcionar o acesso

de outras comunidades a nossa tecnologia social, foi criado o ―Turismo de Conteúdo‖, abrindo à pesquisa

os laboratórios de conteúdo da Fundação para um público que em 2006 chegou a 28 mil pessoas. A

Fundação Casa Grande - Memorial do Homem Kariri tem como missão a formação educacional de

crianças e jovens protagonistas em gestão cultural por meio de seus programas: Memória, Comunicação,

Artes e Turismo. Os programas de formação da Fundação Casa Grande desenvolvem atividades de

complementação escolar através dos laboratórios de Conteúdo e Produção. O objetivo é a formação

interdisciplinar das crianças e jovens, a sensibilização do ver, do ouvir, do fazer e conviver através do

acesso a qualidade do conteúdo e ampliação do repertório. Disponível em:

http://www.fundacaocasagrande.org.br/principal.php

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11450ISSN 2177-336X

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como a liberdade de criação que é favorecida para todos que desejam aprender a ser, fazer,

conhecer e compreender novas artes.

A Fundação, assim como outros espaços que desenvolvem ações educativas não

formais, preocupa-se em formar o sujeito para a vida, onde esse esteja capacitado para interagir

na sociedade conhecendo e respeitando o coletivo. A mesma pretende estimular o sentimento de

solidariedade e companheirismo. O processo de socialização de conhecimentos e informações

são fundamentais para a formação sóciocultural das crianças e dos jovens que frequentam a

Fundação.

No espaço da Casa Grande observamos a preocupação em desenvolver a partir de suas

ações, sujeitos conscientes de seu papel enquanto construtores de história e de capital cultural.

Para isso, tanto as crianças como jovens são instigados a serem criativos, agentes e produtores

de saberes que buscam cidadania, igualdade, justiça social, e o desenvolvimento de melhores

condições de vida para sua família e comunidade. Diante dessa reflexão problematizamos a

proposta de educação da Fundação Casa Grande, alinha-se aos pressupostos teórico-práticos da

educação contextualizada?

Destarte propomos como objetivos investigar se a proposta de educação da instituição

visitada, alinha-se aos pressupostos teórico-práticos da educação contextualizada, analisar os

processos educativos desenvolvidos na Fundação e observar quais as relações que as crianças e

os jovens mantêm nesse ambiente a partir das práticas que vivenciam no seu cotidiano e na

mesma, evidenciando dessa forma, o protagonismo juvenil e sua relação com a formação crítica,

reflexiva e política dos atores sociais envolvidos.

Reflexões teóricas: o protagonismo juvenil

A realidade histórica educacional do Brasil mostra-nos que nossas escolas não tiveram

uma base sólida que proporcionasse educação de qualidade que vise à heterogeneidade e

proporcionasse o desenvolvimento humano atendendo de forma inclusiva a todos os indivíduos,

focalizando sua identidade. Sabe-se que historicamente a criança desde o nascimento, tem uma

educação domesticada, ou seja, a mesma cresce e já é conduzida de modo que, quando se tornar

adulta, saiba se comportar e obedecer às regras estabelecidas nas sociedades civis, para manter

uma moralidade hipócrita e contraditória, que marginaliza quem não a segue de forma alienante,

sem questionamentos e rupturas.

Vale ressaltar que conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei

8.069/90, o período da adolescência é compreendido para aqueles com faixa etária de 12 a 18

anos de idade. Neste sentido, a constituição de 1988 garante ao adolescente o voto facultativo

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11451ISSN 2177-336X

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como cidadão e eleitor a partir dos 16 anos, o que se configura como um marco na sua vida

política e ratifica a responsabilidade outorgada aos adolescentes nas decisões eleitorais do país.

O que desejamos evidenciar nesse momento é a formação estabelecida para nós desde

nossa infância, que não contribui para o desenvolvimento do protagonismo juvenil, mas sim,

para a produção de um protagonismo adulto condicionado e carregado de intencionalidades para

atender as demandas de uma sociedade preconceituosa e excludente. Entendemos juventude

como um período rico de mudanças não somente físicas e comportamentais, mas principalmente

ideológicas. A pesquisadora Eisenstein (2005) estabelece a seguinte conceituação:

Adolescência é o período de transição entre a infância e a vida adulta,

caracterizado pelos impulsos do desenvolvimento físico, mental, emocional,

sexual e social e pelos esforços do indivíduo em alcançar os objetivos

relacionados às expectativas culturais da sociedade em que vive. A

adolescência se inicia com as mudanças corporais da puberdade e termina

quando o indivíduo consolida seu crescimento e sua personalidade, obtendo

progressivamente sua independência econômica, além da integração em seu

grupo social (p.01).

Mediante essa discussão, observa-se que o protagonismo juvenil não é um tema muito

discutido nos espaços formais de ensino/aprendizagem (escolas) e também deixa a desejar em

alguns espaços informais, pois na atualidade as preocupações circulam em torno do futuro

profissional que precisamos adquirir na fase adulta de nossas vidas. Ademais, faz-se necessário

refletirmos sobre a questão: jovens e adolescentes têm acesso e participação ativa em práticas

sociais e educativas que favoreçam e estimulem os seus protagonismos? Se atuarem de forma

dinâmica terão maiores possibilidades de ser cidadão/ã mais crítico, reflexivo e com autonomia

em diversas circunstâncias que requerem posicionamentos firmes e concisos. Dessa maneira,

obter sucesso profissional seria apenas uma boa consequência de suas ações. Souza (2007)

colabora com nossa reflexão quando diz:

O jovem protagonista é inevitavelmente lembrado como ―o ator principal‖ no

cenário público, posição de destaque que supõe algum tipo de ação política.

Contudo uma ação política despida da luta e transformada em atuação

social... o discurso atual prescreve à juventude uma ―nova forma‖ de política

que ocorre mediante a atividade/atuação individual e que contribui para a

integração dos jovens. O apelo ao protagonismo ou à posição principal,

presta-se sobretudo, para motivar os jovens à integração. (p.10).

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11452ISSN 2177-336X

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Temos no Brasil um índice alarmente de famílias que sofrem as mazelas da exclusão

social. Em virtude dessa problemática, presenciamos diariamente nos meios de comunicação

impresso e midiático notícias alarmantes sobre o número significativo de jovens em situações de

risco seja em virtude das drogas ou práticas relacionadas à violência física, psicológica entre

outras. Neste contexto muitas Organizações não governamentais (ONGs) e entidades sociais

têm desenvolvido ações educativas, culturais, religiosas, para propor aos adolescentes e jovens

meios que lhes garantam maiores e melhores condições de vida. Considera-se, pois nesta

perspectiva que a participação dos jovens é um meio eficaz de exercitar a cidadania,

desenvolver habilidades, potencializar as relações interpessoais e intrapessoais, bem como,

prevenir o envolvimento na criminalidade.

Muitas ONGs, Movimentos Sociais e outros espaços que dialogam sobre o

protagonismo juvenil lutam diariamente para arrecadar fundos, recursos que possam custear as

despesas de seus projetos de ação/intervenção. E na Fundação Casa Grande não ocorre de forma

diferente, todos que participam da mesma, mobilizam-se para buscar parcerias que subsidiem

seus projetos. Podemos perceber assim, que o protagonismo juvenil faz-se presente nessa

mobilização, pois os jovens são os responsáveis por recepcionar os visitantes que vêm de

diversas partes do Brasil e do mundo e explicar todo o processo de construção da Fundação,

tendo como foco o Memorial do Homem Kariri, seus projetos, atividades, sua manutenção e

funcionamento.

Na Fundação o protagonismo juvenil acontece naturalmente, de forma espontânea,

podemos perceber o todo momento o envolvimento, a participação e o comprometimento dos

adolescentes e jovens nos diversos espaços lá existentes (gibiteca, teatro, biblioteca, museu,

dvdteca, parquinho, laboratório de arqueologia, Casa Grande FM, TV Casa Grande), são nesses

espaços em que os jovens constroem, descobrem e produzem vivências singulares em termos de

cultura, conteúdos sociocríticos que viabilizam o desenvolvimento do protagonismo juvenil e

imprimem um significado salutar ao desenvolvimento de uma educação autônoma. Para Costa

(1996):

Protagonismo juvenil é a participação do adolescente em atividades que

extrapolam os âmbitos de seus interesses individuais e familiares e que

podem ter como espaço a escola, os diversos âmbitos da vida comunitária;

igrejas, clubes, associações e até mesmo a sociedade em sentido mais amplo,

através de campanhas, movimentos e outras formas de mobilização que

transcendem os limites de seu entorno sócio-comunitário (p.90).

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11453ISSN 2177-336X

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Ao fazermos um paralelo com algumas abordagens teóricas, a fim de melhor

compreender o delineamento proposto pela fundação, buscamos fundamento na teoria da

Pedagogia da Autonomia proposta por Freire (1996) a qual instiga-nos a pensar sobre saberes

necessários à prática educativa que em nossa compreensão não se restringe à escola. A atuação

dos jovens e responsabilidades atribuídas a estes nas atividades rotineiras da Fundação

demonstra a concepção diferenciada em relação ao processo de formação contínua enquanto

seres inacabados que somos.

Muitos jovens já fazem parte da Casa desde o seu nascimento, como é o caso da

adolescente Yasmim, que nos recepcionou e hoje tem 12 anos de idade e há 12 anos faz parte da

Fundação. Os processos educativos desencadeados na Casa alimentam e nutrem os jovens de

boa música, bons filmes, leituras ricas, peças teatrais que motivam e estimulam a permanência

delas em seus espaços. A diversidade de conhecimentos adquiridos permite ao jovem a

elaboração de um pensamento mais crítico e articulado sobre seu contexto, conforme ratifica

Reis (2011):

Etimologicamente, a palavra educação origina-se do latim educere, que

significa conduzir, levar, puxar para fora, tirar do lugar. Com esse

entendimento, a educação passa a ser compreendida como o processo pelo

qual uma ou várias capacidades se desenvolvem gradativamente e pelo

exercício se aperfeiçoam. Essa compreensão não nos esclarece quem são os

sujeitos desse processo e qual a razão desse deslocamento, já que buscando

aplicá-lo aos processos educativos o que teríamos aí seria uma condução das

pessoas para fora dos contextos nos quais estão inseridos, pois entendemos o

lugar na perspectiva cultural, antropológica, social, política, econômica etc.,

onde os sujeitos humanos tecem e entretecem suas histórias, tingidas de

significados, sentidos e saberes. Ou seja, a educação passa assim a se tornar

um processo de negação dos fundamentos ontológicos e culturais

determinantes daqueles que a escola tem acesso. (p.102).

A noção de infância e juventude denota um período formativo complexo com

predominância da imaginação na descoberta do mundo. Para um trabalho diferenciado dessa

fase, é imprescindível que a escola esteja preparada física e pedagogicamente. Nesse sentido, a

experiência lúdica realizada em espaços não formais de educação proporcionam experiências

significativas que muitas vezes a escola não desenvolve. Sendo assim, experimentam as

emoções que as atividades interativas permitem, pois os jovens envolvem-se completamente

com os fatos vividos em seu cotidiano.

A adolescência e juventude são períodos de grande importância na vida do homem e da

mulher. Nestas fases surgem os contatos sociais e as primeiras construções de um ser em

formação que ao decorrer de sua vida estará contribuindo para a mudança ou permanência dos

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11454ISSN 2177-336X

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processos existentes na sociedade. Nesta fase é comum que as brincadeiras sejam desejadas e

priorizadas em relação às demais atividades consideradas ―atividades adultas‖. De acordo com

Luckesi (2005):

Uma educação lúdica tem na sua base uma compreensão de que o ser

humano é um ser em movimento, permanentemente construtivo de si mesmo.

Ela foge ao entendimento de que o ser humano é um ser dado pronto e que

deve, no decorrer da existência, ―salvar a sua alma‖, visão sobre a qual está

assentada a pedagogia tradicional. Uma prática educativa lúdica só pode

assentar-se, ao contrário, sobre um entendimento de que o ser humano,

através de sua atividade e conseqüente compreensão da mesma, constrói-se a

cada momento, na perspectiva de tornar-se mais senhor de si mesmo, de

forma flexível e saudável. (p.42)

Os alunos e as alunas precisam ser o alvo principal do processo educativo, portanto,

existe a necessidade de articularmos propostas pedagógicas, a fim de valorizar cada jovem em

sua totalidade respeitando seus aspectos, levando em conta que a educação é o processo que

busca propiciar a construção de conhecimentos especialmente de envolvimento integral do ser

humano; pois quando este ―chega ao mundo‖ é herdeiro da cultura e do meio em que está

inserido. Para que essa construção de fato aconteça, os adultos precisam estar conscientes da

importância da juventude e de seu papel no mundo contribuindo com um novo modelo de

educação que valorize e que dê significado ao protagonismo juvenil. Para tanto, a formação será

imprescindível para que esta construção seja concretizada.

A necessidade em atuar em um ambiente composto pela diversidade e pela

singularidade dos alunos e das alunas tem muita ligação com a maneira como as escolas

reproduzem o mundo de forma deturpada. Pudemos identificar que diferentemente de muitas

instituições escolares, a Fundação Casa Grande faz uso de várias atividades e recursos, com o

propósito de atender as especificidades desses jovens, afinal, o desrespeito à diversidade nos

seus vários seguimentos implica graves consequências, as quais podem causar um regresso na

vida particular da juventude tanto na escola quanto sociedade, pois somos pessoas distintas no

mundo.

Portanto, a subjetividade que nos compõe torna-nos seres únicos neste universo que

habitamos, onde a complexidade e a diferença agridem a lei ―natural‖ do modelo de sociedade a

qual fazemos parte. Os alunos possuem uma relação identitária com a Fundação que encanta

nossos olhares enquanto sujeitos externos àquela proposta. Eles sentem-se sujeitos ativos e

importantes em todos os processos desde a organização física, a apresentação do espaço, a

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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organização das atividades, o envolvimento da comunidade, a limpeza de forma que garantem a

manutenção da ONG. Segundo Souza (2007):

Hoje ONG é a instancia que faz a intermediação entre os indivíduos e o

cenário público, oferecendo-lhes um canal de participação. A realização do

objetivo do cenário de integração da juventude pobre, coube em grande parte,

as ONGs que têm se dedicado à chamada educação-não formal. E no

cumprimento da mais importante finalidade da educação não formal – a

transformação do jovem em ator social – as ONGs tornaram-se as principais

produtoras e reprodutoras do discurso do protagonismo juvenil ( p.17).

Precisamos estar sensíveis para que assim sintamos os cheiros, os gostos, os olhares que

cada ser possui e possamos reafirmar a necessidade de práticas educativas diversificadas,

promovendo rupturas com o sistema massificador que busca homogeneizar os processos

didático-pedagógicos, dando primazia à educação que se tece na Fundação Casa Grande/CE.

A visita de campo, aliada aos estudos e às discussões propostas pela disciplina

Fundamentos da Educação para Convivência com Semiárido, possibilitou a convergência entre

a teoria e prática in loco, promovendo uma formação integral às mestrandas que puderam

constatar práticas educativas contextualizadas com a vida dos sujeitos na individualidade e na

coletividade. Embora a Fundação Casa Grande não faça menção à Educação Contextualizada,

constatamos que os seus princípios convergem para essa educação que tem como escopo partir

do estudo da realidade, conhecer as suas potencialidades de maneira a intervir na vida dos

jovens e, consequentemente, na vida das suas famílias e na vida em comunidade por meio de

itinerários pedagógicos que perpassam pela contextualização, como afirma Martins (2011):

Fazer Educação contextualizada é praticar uma Educação que parta da

realidade dos sujeitos; parta da riqueza, dos limites e da problemática geral

dos contextos de vida das pessoas. Mas, não é para ficar dando voltas nisto. É

para produzir conhecimento sofisticado, baseado em trabalhos de pesquisa,

em estudos, em tematizações, em problematizações fundamentadas e em

ações concretas, amparadas pelos conhecimentos gerados num itinerário

pedagógico, partindo sempre da teoria à prática e vice-versa. Assim sendo,

todo trabalho de Educação Contextualizada supõe um itinerário pedagógico

que: a) parte do conhecimento desta realidade; b) problematiza esta realidade,

excedendo o conhecimento empírico inicial; e, c) organiza um processo de

transformação desta realidade, a partir do novo conhecimento produzido

sobre ela. (p.58).

Coadunamos a fala do autor que respalda a Educação Contextualizada como um

itinerário pedagógico que não é estanque, pois se direciona em percursos formativos dos

sujeitos em todo o seu potencial. Os jovens que frequentam a Casa Grande (con)vivem

autonomamente a educação, com responsabilidade e respeito ao outro e às tradições locais.

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Considerações finais

Como educadoras acreditamos que as práticas educativas voltadas para a

contextualização ganham cada vez mais espaço nas discussões sobre a educação que se faz em

diversos espaços formativos, sejam eles dentro ou fora dos muros da escola. O que se sabe é que

ainda temos muito a construir e lutar para que a educação desperte nos sujeitos o desejo de

transformação da sociedade e mudança de tantas desigualdades existentes em nosso país, seja

qual for o espaço formativo a intencionalidade de melhoria da qualidade de vida das pessoas

deve ser um ponto fundamental de discussão. Os processos formativos precisam ter um caráter

problematizador e consciente das realidades vivenciadas na atualidade.

Enfatizamos que a missão da Casa Grande, nas palavras do seu criador, Alembergue

Quindins, é ―manter as portas abertas, nunca deixá-las fechar‖. Com isso, constatamos que,

mais que uma missão institucional, trata-se de uma missão de vida para essa e para as próximas

gerações que têm na Fundação um referencial de educação para as crianças e jovens da região.

O protagonismo juvenil é um aspecto peculiar no processo de construção de uma

educação autônoma, crítica e cidadã. A participação ativa e dinâmica dos adolescentes e jovens,

a maneira de ser, agir e pensar são estabelecidas pelas relações construídas entre os

organizadores da ONG, as crianças, as famílias e os visitantes desse espaço formativo, são

visíveis de muita importância para a construção e consolidação de uma sociedade mais justa,

solidária, criativa, que não discrimina, e sim respeita e valoriza os diversos contextos.

REFERÊNCIAS

BARROS, Flávia Cristina Oliveira Murbach de. A gente usa massinha, faz cópia, o calendário,

as letras, os números, escreve e a ‗pro‘ faz na lousa e a gente também faz‖ – da educação

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FUNDAÇÃO CASA GRANDE: UM JEITO DIFERENTE E PRAZEROSO DE

APRENDER

Josenilda Martins de Souza

Universidade do Estado da Bahia –UNEB

Programa de Pós-graduação – Mestrado em Educação,

Cultura e Territórios Semiáridos - PPGESA

Rosymarilethe Ribeiro da Silva Amorim

Universidade do Estado da Bahia –UNEB

Programa de Pós-graduação – Mestrado em Educação,

Cultura e Territórios Semiáridos - PPGESA

Resumo

O trabalho tem como escopo apresentar o resultado de uma pesquisa de campo realizada

junto à Fundação Casa Grande - Memorial do Homem Kariri – FCG, considerando a

relevância dos seus processos educativos nos contextos cultural, econômico e político-

social desta instituição na região e representa uma ação científica essencial para que

outros tenham conhecimento de como acontece a formação das crianças e o que elas

vivenciam na Fundação que encontra-se localizada na cidade de Nova Olinda, no

Estado do Ceará, na Região do Cariri, ao sopé da Chapada do Araripe na divisa com os

estados de Pernambuco, Paraíba e Piauí. Esta pesquisa de campo foi promovida pelo

componente curricular ―Fundamentos da Educação para a Convivência com o

Semiárido‖ do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação, Cultura e

Territórios Semiáridos, no Campus III da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e

auxiliada pelos instrumentos metodológicos da abordagem qualitativa, através de

análise descritiva considerando pesquisas em fontes bibliográficas, visita técnica,

observação direta, registros fotográficos, áudios, e diálogos no espaço visitado. Nessa

perspectiva objetiva-se examinar a relevância dos processos educativos no contexto

cultural, econômico e político-social do Sertão do Cariri desenvolvidos na Fundação

Casa Grande. A proposição desse trabalho nos permitiu compreender que os processos

educativos desenvolvidos na Fundação Casa Grande são os pilares construtores de

novos contextos culturais, econômicos e político-social no Sertão do Cariri. A cidade

que abriga essa efervescência educativa torna-se uma prospecção de que podemos sim

nos orgulhar dos saberes que produzimos, mas sobretudo do entrelaçamento desses

saberes que constroem um novo saber.

Palavras-chave: Experiências educomunicativas. Educação não formal. Educação

Contextualizada.

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Problema de pesquisa

Sabemos que na sociedade contemporânea a educação formal, na qual a

aprendizagem é realizada por meio de conteúdos organizados e regida por leis,

prevalece ainda como superior diante das outras formas de educação. Porém, vale

salientar que, dentre os outros processos educativos existentes, a educação não formal

também vem se configurando como um modo de formação dos indivíduos a partir do

empoderamento de suas práticas educativas, sociais e culturais. No Programa de Pós-

graduação Mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos – PPGESA o

objetivo é debater os processos educativos formais e não formais que se estabelecem em

contextos de regiões semiáridas de vários lugares do mundo, focalizando, neste cenário,

o Semiárido Brasileiro. Dessa forma, a disciplina de Fundamentos da Educação para

Convivência com o Semiárido, constituiu-se como um componente curricular essencial

que nos permitiu evidenciar os diversos modos de educação existentes. Dessa forma tem

nos instigado o problema de pesquisa: como os processos educativos desenvolvidos na

Fundação Casa Grande tem impactado no contexto cultural, econômico e político-social

do Sertão do Cariri.

Objetivo

O presente trabalho objetiva examinar a relevância dos processos educativos no

contexto cultural, econômico e político-social do Sertão do Cariri desenvolvidos na

Fundação Casa Grande tendo como parâmetro as leituras de embasamentos teóricos e

instrumentos metodológicos pautados na perspectiva qualitativa, pois considera as

análises dos textos, as subjetividades dos autores, e a visita in loco à ―Fundação Casa

Grande – Memorial Homem do Kariri‖. Foram consideradas as diversas observações e

diálogos no espaço visitado objetivando interrelacioná-los de forma a proporcionar

reflexões que possibilitem compreender como acontece o processo educativo na

instituição visitada e sua relevância nos contextos cultural, econômico e político-social

da cidade de Nova Olinda-CE.

Procedimentos metodológicos: O olhar dos pesquisadores sobre a Fundação Casa

Grande.

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O nosso olhar de pesquisadora teve como parâmetro as leituras de

embasamentos teóricos e instrumentos metodológicos que perpassaram uma perspectiva

qualitativa, uma vez que considera as análises dos textos, as subjetividades dos autores,

e a visita in loco à Fundação Casa Grande – Memorial Homem do Kariri. Tal definição

deu-se pela necessidade de conhecer e entender as atividades que são realizadas pelas

crianças em seus processos educativos nos espaços da instituição. Caracterizou-se por

uma análise descritiva considerando pesquisas em fontes bibliográficas, visita técnica,

observação direta, registros fotográficos, áudios, e diálogos no espaço visitado e pela

relevância do trabalho desenvolvido nos contextos cultural, econômico e político-social

das crianças e como se repercute na Cidade de Nova Olinda-CE.

Ainda, segundo Angers (1992, apud Jaccoud e Mayer, 2010, p.255), os

principais traços da ―observação direta, observação participante ou observação in situ

são: a)Técnica direta – que corresponde ao contato com os informantes; b) Observação

não-dirigida – a observação da realidade é o objetivo final do observador.‖ Portanto, o

pesquisador deve estar atento para o movimento das pessoas, os gestos, ―pois um

aspecto supostamente trivial pode ser essencial para a melhor compreensão do problema

que está sendo estudado‖, (LUDKE e ANDRÉ, 1986, p.12).

Discussões Iniciais

Cinco horas da manhã. Os raios solares já despertavam para a vida cotidiana,

abraçavam os corpos e encantavam os olhos dos que estavam com suas mochilas

prontas com destino a Cidade de Nova Olinda - CE, localizada a 364 Km da

Universidade do Estado da Bahia - UNEB – Departamento de Ciências Humanas,

Campus III em Juazeiro – BA, para uma visita a Fundação Casa Grande.

Foram 05 horas de deslumbramento e inserção, através das janelas do

transporte que rompida a distância entre o ponto de saída (Juazeiro -BA) e o de chegada

(Nova Olinda - CE), mostrava-nos a vegetação xerófita e exótica da Caatinga, formada

principalmente por árvores e pequenos arbustos tortuosos que perdem suas folhas nos

períodos de seca. Outros olhares foram os diversos cactos como mandacaru, xique-

xique, facheiro e as coroas de frade além de plantinhas rasteiras que nas primeiras

chuvas são as que rapidamente deixam seu estado de dormência e se revigoram e

servem de alimento farto para os pequenos animais que tem hábitos noturnos para se

protegerem do sol causticante. Segundo Carvalho (2006, p.45): ―o bioma Caatinga é o

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principal ecossistema existente no Nordeste, estendendo-se pelo domínio de climas

semi-árido, numa área de aproximadamente 11% do território nacional‖ rico em

espécies animais e vegetais, sendo muitas delas endêmicas. Ainda no percurso,

visualizam-se em diversos pontos, residências simples, distantes e também próximas

uma das outras com cisternas instaladas, as quais contribuem para a permanência do

homem nas terras de suas origens, reduzindo a sua migração para os grandes centros

urbanos na perspectiva de um padrão de vida que dificilmente ou nunca alcança.

E o transporte segue seu percurso... Parafraseando o poeta Olavo Bilac (2016)

os raios solares que despertaram para a vida cotidiana, abraçaram os corpos e

encantaram os olhos ao amanhecer, agora já se encontram ao pino do meio dia.

Meio-dia. Sol a pino.

Corre de manso o regato.

Na igreja repica o sino;

Cheiram as ervas do mato.

Meio-dia! O sol escalda,

E brilha, em toda a pureza,

Nos campos cor de esmeralda,

E no céu cor de turquesa...

Meio dia.

E chega-se a região do Cariri, rica em aquíferos, um oásis no semiárido, e logo

à cidade de Nova Olinda- CE, distante 560 Km da capital Fortaleza-CE, e que se

encontra inserida no semiárido brasileiro, uma das maiores áreas do planeta em

extensão, correspondente aos estados do ―Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba,

Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e norte de Minas Gerais‖ (CARVALHO, 2006,

p.17). Lá, a vida passa mansamente, a sensação é que o vento é mais tranquilo e faz a

curva com suavidade nas suas ―ruazinhas.‖ Os habitantes desta pacífica cidade veem as

horas passarem sentados nas calçadas, na tranquilidade das suas cadeiras de balanço.

No interior das casas, os ponteiros do relógio marcam o tic-tac manso de uma cidade

interiorana e serena, banhada pelo Rio Cariús que é afluente do Jaguaribe.

A cidade de Nova Olinda, com estimativa de 15.181 habitantes para o ano de

2015 (IBGE, 2012) tem sua origem nos primórdios do ciclo do couro no século XVIII,

quando a região possuía uma casinha de taipa e bom pasto para os animais. Esta casa

serviu por muitas vezes de rancho para comboeiros, que são pessoas que trabalhavam

com ―comércio de cana de açúcar e carne seca‖ (TV CASA GRANDE, 2014) e

vaqueiros que com suas manadas faziam o percurso ―Crato-Oeiras, que ligava a Paraíba

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ao Piauí, Crato - Inhamuns e Inhamuns – Pernambuco‖ (ACIOLI, 2002, P) e

desbravavam outras regiões.

O ponto de apoio logo se transformou em Fazenda Tapera, na qual foi

construída uma casa grande, uma capela e um cemitério. No entorno, foram sendo

construídas as casas e logo se transformaram no Povoado de Tapera. O tempo passa... E

a construção da casa grande que deu origem a Fazenda Tapera e em seguida ao

município de Nova Olinda deteriora-se e transforma-se em ruínas que logo servem para

a criação de diversas histórias assombradas naquela região.

No ano de 1992, um dos herdeiros daquelas terras, juntamente com, sua esposa,

restauraram a velha casa grande para o funcionamento do Memorial do Homem Cariri

que expõe o acervo arqueológico e mitológico da Chapada do Araripe, com fotografias

e desenhos confeccionados pelas crianças. Também contém as lendas, os mitos, o

material lítico e cerâmico bem como os registros rupestres. ―A casa foi tombada como

patrimônio histórico municipal, pelo Decreto de 03 de novembro de 1992, e criada a

Fundação Casa Grande‖ (FUNDAÇÃO CASA GRANDE, 1992).

No meio das brenhas nordestinas, as expectativas eram as mais diversas. Uma

Fundação... Um espaço de brincar e aprender... Um jeito diferente de interagir e

ensinar... As crianças como protagonistas e autônomas... Biblioteca disponível...

Cinemateca acessível... Parque no pátio, sem horário estabelecido para brincar... Teatro

que funciona semanalmente com espetáculos de músicas, danças, cineclube e

apresentações teatrais... Tudo a disposição das crianças.

Discussão e resultados: conferindo os espaços da Fundação Casa Grande...

No desembarque, na Fundação Casa Grande, somos aguardados por crianças

protagonistas que conduzem os visitantes (estudantes – UNEB/BA) às residências dos

moradores que oferecem as suas dependências como pousadas domiciliares. Por um

valor simbólico, é ofertado ao hospedado a condição de sentir-se em casa, uma vez que

tem contato com toda a família e usufrui das dependências comuns a todos, como sala e

cozinha. Além das dependências comuns, uma suíte com instalações simples, mas bem

higienizadas, composta por cama, travesseiro e roupa de cama, frigobar, televisão,

ventilador disponíveis no quarto, além de alguns livros e revistas.

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Inicia-se à tarde, sol... Muito sol. O calor provoca uma sensação térmica abafada

e agonizante, mas os habitantes de Nova Olinda – CE parecem nem sentir aquela

temperatura. As crianças, sem se dar conta do calor, correm e brincam no parque de

diversão que fica no pátio da instituição. Uma das crianças assume a função de monitora

e tem como incumbência apresentar as dependências do Memorial Homem do Kariri

que faz parte da Fundação Casa Grande. ―O Memorial possui vestígios arqueológicos da

ocupação humana na região, facilitando a compreensão dos aspectos histórico-culturais

do Geopark Araripe‖ (BRITO e PERINOTTO, 2012. P.56).

As crianças foram se envolvendo com a Fundação Casa Grande – Memorial

Homem do Kariri aos poucos e atraídas pela movimentação dos visitantes, deram vida,

cor e alegria a casa. Sentindo-se estimuladas/provocadas foram expressando seus

sonhos que aos poucos se tornaram realidade. A autonomia da criança monitora é

fascinante e além de monitora, ainda assume a ―função de auxiliar na biblioteca infantil

e infanto-juvenil, e faz programa de rádio‖ (TV CASA GRANDE, 2014). Enquanto

monitora o seu papel não foi desviado em momento algum, mesmo quando um dos seus

colegas lhe servira uma fatia de bolo, ela respondeu com muita segurança, que

guardasse o pedaço que ao terminar, comeria. E de fato, ao terminar as suas

responsabilidades enquanto monitora, lá estava ela, sentada no chão, degustando a sua

fatia de bolo. O que nos inquieta nessa visita é como desenvolver tamanha

responsabilidade e compromisso em uma criança? O que tem aqui, que em outro lugar

não tem?

Brincadeiras, histórias, música, arte, cultura, criança, adulto e toda gente que

quiser chegar. Mas, apesar de ter nela, adultos que plantaram as sementes da

casa grande, são as crianças os jardineiros que cuidam da terra para que as

flores floresçam todos os dias. Ao conhecer a Casa Grande nos damos conta

que tudo por lá é muito maior do que a missão escrita no papel (DIAS, REIS

W.C. e REIS E.S., 2015, p.2.).

A Fundação Casa Grande - Memorial Homem do Kariri tem como premissa a

formação educacional de crianças e jovens numa perspectiva cidadã e crítica. Tanto é

que, no cotidiano da instituição, as crianças habitualmente não assistem novelas, mas

assistem programação de documentários, programas de arte e músicas. Esses e outros

aspectos observados caracterizam a FCG como um espaço de educação não formal

conforme cita Gohn (2006):

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A educação não-formal capacita os indivíduos a se tornarem cidadãos do

mundo, no mundo. Sua finalidade é abrir janelas de conhecimento sobre o

mundo que circunda os indivíduos e suas relações sociais. Seus objetivos não

são dados a priori, eles se constroem no processo interativo, gerando um

processo educativo. Um modo de educar surge como resultado do processo

voltado para os interesses e as necessidades. que dele participa. [...] A

transmissão de informação e formação política e sociocultural é uma meta na

educação não formal. Ela prepara os cidadãos, educa o ser humano para a

civilidade, em oposição à barbárie, ao egoísmo, individualismo etc. (p. 29-

30).

Desta forma, o seu compromisso é a formação educacional de crianças e jovens

protagonistas em gestão cultural por intermédio de seus programas: ―Memória,

Comunicação, Artes e Turismo, Meio Ambiente e Esporte‖ (TV CASA GRANDE,

2012). Oferece cursos que tem como objetivo aguçar o protagonismo e iniciativa das

crianças, numa perspectiva que vai além do desenvolvimento de competências e

habilidades, mas, sobretudo incentivar a prática da afetividade e elevar a autoestima

fundamentados nos quatro pilares da educação: ser, aprender, fazer e conviver,

trabalhando primordialmente com as oficinas de quadrinhos, oficina de recuperação de

fachadas, oficinas de rádio, oficinas de música e oficina de gestão cultural.

(FUNDAÇÃO CASA GRANDE, 1992).

Ainda segundo Noronha (2008):

Consideramos que uma criança e/ou jovem que tem oportunidade de viajar,

conhecer espaços, localidades, paisagens diferenciadas, consegue entender

melhor de Geografia e História. Mais uma vez, portanto, salientamos a

importância de integração entre a educação formal e não-formal no

desenvolvimento da criança, jovem e adulto. Acrescentamos, porém, que tais

experiências são restritas, não conseguem abarcar muitas crianças, dentre as

que participam da FCG [...]. Participar da FCG também implica em estar

matriculado na rede, oficial de ensino e nela ter boas referências

(assiduidade, disciplina, boas notas) e dedicar-se muito às atividades da FCG.

Há, ainda, o incentivo à continuidade dos estudos. (p.73)

Outras atividades, como o Programa de Memória, que nada mais é do que a

catalogação do acervo mitológico da pré-história do homem cariri é realizada para

complementarem a educação escolar, e são praticados nos laboratórios de Conteúdo e

Produção com o principal objetivo de fazer com que as crianças e jovens se tornem mais

sensíveis ao ver, ao ouvir, ao fazer e ao conviver, favorecendo dessa forma uma

formação integral. E no Teatro Violeta Arraes - Engenho de Artes Cênicas acontece a

criação dos laboratórios de música, cineclube, gibiteca e biblioteca, tendo como objetivo

a formação de crianças por meio da arte, qualidade de conteúdo e produção artística,

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que acontece de forma totalmente orgânica e integral (FUNDAÇÃO CASA GRANDE

1992).

Com os olhos de quem enxerga longe... Muito longe, o diretor mobilizou os pais

das crianças que participam da Casa Grande para a criação da Cooperativa Mista dos

Pais e Amigos da Casa Grande – COOPAGRAN. A cooperativa produz e comercializa

suvenires e artesanatos, além de gerenciar o receptivo turístico através da lojinha,

cantina, bodeguinha, pousadas domiciliares e serviço de transporte. Segundo Noronha

(2008, p.128) a COOPAGRAN: ―veio a atender a dois desenvolvimentos locais: o

econômico (em termos de ajuda financeira à FCG e geração de renda familiar) e o

turístico (a região do Cariri cearense concentra um potencial turístico que cresceu com a

edificação da Fundação Casa Grande)‖.

Usufruindo da política educacional e cultural posta pela iniciativa dos

governos estadual e federal, a FCG prosperou, [...] No seu percurso,

evidenciam-se o estabelecimento de uma teia de relações e uma

paisagem material (rádio, editora, teatro, aparelhos televisivos, espaço,

museu, biblioteca, gibiteca, DVDteca, parque, laboratório de

informática, pousadas domiciliares e cooperativa) e imaterial

(cultura), cenário que pode vir a se constituir como um universo que

pode denotar práticas educativas não-formais, permeadas por práticas

disciplinares (NORONHA, 2008, p.77-78).

Nessas teias nos emaranhamos, e entre tantos lugares para visitar fomos a um

dos projetos da Fundação que é o Museu Memorial Expedito Celeiro que se configura

como um museu do ciclo de couro realizado pela Associação Expedito Seleiro. Foi

inaugurado no dia 19 de dezembro de 2014, ficando as margens do caminho das boiadas

e foi idealizado em parceria com o Serviço Social do Comércio- SESC. Na ocasião,

pudemos apreciar o conjunto das obras de arte em couro feito por Expedito Seleiro,

incluindo as máquinas utilizadas por ele para confeccionar os produtos em couro. Logo

após visitamos a loja onde são vendidos diversos produtos em couro entre bolsas,

sandálias, cadeiras, bancos, e vários outros produtos.

Após a realização das visitas voltando para a FCG foi sucedida uma roda de

conversa com o presidente da FCG e também:

um contador de "causos e lendas", e foi inspiração de diretores e

atores do cinema brasileiro, ministrando palestras e conferências vem

realizando aulas e espetáculos em congressos, seminários e eventos

ligados a educação, comunicação, artes, turismo e cidadania. Foi

palestrante da caravana do "Rumos" Itaú Cultural, é fellow da

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11466ISSN 2177-336X

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ASHOKA e líder da AVINA. (FUNDAÇÃO CASA GRANDE,

1992).

Durante o encontro vários estudantes contribuíram para o enriquecimento da

pesquisa com questionamentos sobre a FCG. Uma das primeiras indagações era sobre o

monitorando as crianças, uma vez que o ambiente é aberto à comunidade. Prontamente

foi respondido que não tinha nenhuma pessoa responsável por elas e no surgimento de

algum conflito as próprias crianças e jovens, que se relacionam muito bem, resolviam

seus problemas. Na FCG existe uma liberdade com responsabilidade. Outros pontos

também foram enfatizados tais como a liberdade, a nutrição cultural recebida durante as

atividades realizadas assim como o tema autonomia que teve destaque na roda de

conversa por ser uma das características marcantes no processo educativo realizado na

Casa. Destacou também que no contexto social de antigamente as crianças brincavam

mais que as de hoje em dia, e os vizinhos tinham mais contato uns com os outros. Outro

ponto relevante foi com relação à forma como a academia e alguns autores falam sobre

a educação e a vivência infantil, tentando ―ditar‖ como tem que ser a vivência entre as

crianças.

Outro tema evocado foi a pedagogia da liberdade uma vez que as crianças ficam

a vontade nas atividades e que não incentiva o trabalho pedagógico e conceitual, nesse

momento uma das responsáveis, ressaltou que apesar de incentivar essa liberdade a

Fundação Casa Grande também incentiva os alunos a estudarem, inclusive ao ingresso

na academia. Com relação a essa liberdade cognitiva Freire salienta que ―não haveria

criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes

diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos‖ (FREIRE,

1997, p. 31).

Após várias discussões, um dos professores salientou a importância da

organicidade da Fundação e de como as regras às vezes tolhem as ideias e impedem a

criatividade de acontecer, pontuando que as escolas formais precisam aprender com

essas experiências, uma vez que essas escolas geralmente não trabalham com

profundidade as subjetividades e a vivência entre as pessoas. Citou também a

necessidade do currículo ser mais livre, enfatizando que o projeto da Fundação é

inovador. Finalizando a roda de conversa, o responsável pela Fundação frisou que ―o

que é legal é que faz a gente feliz‖!

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E é essa felicidade que é vislumbrada a partir da recepção das crianças aos

visitantes. Como diz o fundador: ―a casa é o que vocês estão vendo‖. A Fundação Casa

Grande vislumbrada como um destino turístico onde as crianças são preparadas para

receber o público externo através de formações que atendam a essa demanda. Para os

turistas o que acontece é o turismo de conteúdo, pois permite que o visitante tenha

acesso ao acervo dos laboratórios de conteúdo e se envolvam com as atividades

desenvolvidas nos laboratórios de produção.

No entanto, o ponto forte da Fundação Casa Grande – Memorial Homem do

Kariri é a perspectiva educomunicativa. As crianças apresentam gosto musical acurado,

diferente das crianças que não frequentam a instituição. Geralmente, escolhem bem o

que querem consumir. As consequências dessas escolhas estão na cuidadosa condução

musical em que os diretores encaminham o processo, mas sem controle proibitivo,

porém existe a preocupação em fazer as crianças compreenderem e cultivarem outro

repertório musical.

Assim, entende-se que a educomunicação que se faz de forma espontânea a

partir dos seus entrelaçados e de forma horizontal permite aos sujeitos nela envolvidos

se imbricarem no processo. Na Fundação Casa Grande as crianças ganham o direito de

optarem por ler um livro, fazer programa de rádio, assistir a um filme, brincar.

Evidentemente que eles escolheram a melhor opção. Ir a Fundação Casa Grande.

Considerações finais

A Casa Grande apresenta-se como uma instituição construtora de uma educação

não formal e que contribui para o pleno desenvolvimento das crianças e dos jovens que

lá se encontram, promovendo o desenvolvimento de habilidades e competências que

lhes serão úteis para toda a vida, além de semear a igualdade, a democracia, a

comunicação, a liberdade e a interculturalidade, tendo como referência os quatro pilares

da educação.

As práticas contextualizadas tem a preocupação de valorizar os saberes locais.

Destaca-se também a relevância do empreendedorismo voltado para o turismo e das

parcerias do setor privado que ao mesmo tempo em que gera renda para o município

permitem que as crianças lidem com questões de planejamento, assuntos econômicos e

culturais dando ênfase principalmente a geração de respeito ao povo e à cidade com sua

cultura local.

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Os arranjos educomunicativos desenvolvidos pela Fundação como rádio,

cinema, teatro, notícias e documentários, também atinge toda a cidade de Nova Olinda e

circunvizinhanças, pois o que acontece na FCG ultrapassa seus muros, movimenta e dá

vida ao local, trazendo novas perspectivas de ação aos seus habitantes, o que reverbera

na projeção da cidade em âmbito nacional e internacional. O envolvimento dos pais

através da COOPAGRAN evidencia um emaranhado de relações que envolvem a

comunidade local e influencia suas vidas, posto que as pousadas domiciliares

encontram-se espalhadas por toda a cidade. A educação patrimonial, presente em seus

saberes e fazeres cotidianos propicia às crianças o desenvolvimento de um sentimento

de pertencimento que se traduzem em práticas de cidadania consciente e atuante na

preservação do patrimônio material e imaterial na região do Cariri cearense.

Dessa forma, os processos educomunicativos desenvolvidos na Fundação Casa

Grande são os pilares construtores de novos contextos culturais, econômicos e político-

social no Sertão do Cariri. A cidade que abriga essa efervescência educativa torna-se

uma prospecção de que podemos sim nos orgulhar dos saberes que produzimos, mas

sobretudo do entrelaçamento desses saberes que constrói um novo saber.

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