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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS - UFT CÂMPUS UNIVERSITÁRIO DE PALMAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS MÍRIAM LUCAS DA SILVA PARENTE O DESCORTINAR DAS MANIFESTAÇÕES DA CULTURA ORGANIZACIONAL: A PERCEPÇÃO DOS TÉCNICOS- ADMINISTRATIVOS E GESTORES DA REITORIA DA UFT PALMAS-TO 2016

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  • FUNDAO UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS - UFT

    CMPUS UNIVERSITRIO DE PALMAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GESTO DE POLTICAS

    PBLICAS

    MRIAM LUCAS DA SILVA PARENTE

    O DESCORTINAR DAS MANIFESTAES DA CULTURA

    ORGANIZACIONAL: A PERCEPO DOS TCNICOS-

    ADMINISTRATIVOS E GESTORES DA REITORIA DA UFT

    PALMAS-TO

    2016

  • MRIAM LUCAS DA SILVA PARENTE

    O DESCORTINAR DAS MANIFESTAES DA CULTURA

    ORGANIZACIONAL: A PERCEPO DOS TCNICOS-

    ADMINISTRATIVOS E GESTORES DA REITORIA DA UFT

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Gesto de Polticas Pblicas

    da Universidade Federal do Tocantins como

    requisito parcial para obteno do ttulo de

    mestre em Gesto de Polticas Pblicas.

    Orientador: Prof. Dr. Francisco Gilson

    Rebouas Prto Jnior.

    PALMAS-TO

    2016

  • s minhas filhas, Letcia e Alice, motivo do meu

    viver e da continuidade dos meus estudos. A elas

    devo ser exemplo de vida antes de ser pesquisadora.

    minha me, Maria Jos, que sempre lutou por

    mim e pela minha educao.

  • AGRADECIMENTOS

    chegado o momento em que se materializa todo o esforo e dedicao desses dois anos de

    mestrado. Mesmo com todas as dificuldades, a concluso deste trabalho merece ser celebrada

    com as pessoas que me apoiaram e colaboraram com a pesquisa. Melhor o fim das coisas

    do que o princpio delas (Ecl., 7,8). Assim, agradeo especialmente:

    Deus, que guia meus passos e me permite atravessar obstculos. Sem Ele me auxiliando e

    concedendo f, nada disso teria acontecido.

    Ao meu orientador, Professor Gilson, que me aceitou como sua orientanda, acreditou na

    minha capacidade, e sempre me apoiou e incentivou nesta caminhada.

    minha famlia, que nesta trajetria foi esteio para meus anseios, aconchego para minhas

    angstias e tranquilidade para minha inquietao. minha me, Maria Jos, pelo cuidado e

    amor incondicionais, pelo estmulo ao meu crescimento pessoal e profissional desde sempre.

    Ao meu marido, Alusio, por seu amor, cuidado, parceria e incentivo em todos os momentos.

    s minhas pequenas Letcia e Alice, alegrias da minha vida, pelo carinho e compreenso nos

    momentos de ausncia, de falta de tempo, de ansiedade e nervosismo.

    Aos meus amigos que ao longo destes dois anos acompanharam minha jornada, me apoiando

    e incentivando. Especialmente, s colegas de trabalho, Denise e Virgnia, pelo conforto e pela

    torcida.

    Universidade Federal do Tocantins pelo investimento em minha qualificao.

    Aos colegas de mestrado que compartilharam comigo reflexes, angstias, almoos e risadas.

    Em especial Ana Lcia e Joselma, pela amizade e apoio dispensado nos momentos

    difceis.

    todos os servidores tcnico-administrativos e gestores da Universidade Federal do

    Tocantins que gentilmente disponibilizaram tempo e suas vozes para a realizao deste

    trabalho.

  • RESUMO

    No presente trabalho buscou-se compreender de que forma a relao indivduo-organizao,

    envolvendo valores, aspectos comportamentais e simblicos pode orientar a cultura

    organizacional na Universidade Federal do Tocantins-UFT. A anlise tem como pretenso

    captar aspectos da complexidade e da dinmica da organizao, pelo recorte da cultura

    organizacional. Para tanto, foram estabelecidos trs objetivos especficos: identificar a

    percepo do que os gestores e tcnicos-administrativos compreendem como cultura

    organizacional; conhecer os pontos crticos dessa cultura; e verificar se as prticas de gesto

    (no) contribuem para imprimir nos indivduos o sentimento de pertencimento. A cultura da

    UFT neste contexto entendida como um conjunto de ideias, valores, vises de mundo e

    conhecimentos construdos e compartilhados de forma efmera por indivduos de uma

    organizao, influenciados constantemente pelo contexto social e histrico, estando

    continuamente em modificao e sobreposio. O estudo de caso est fundamentado numa

    abordagem tanto quantitativa como qualitativa e a coleta de dados ocorreu por meio das

    seguintes estratgias metodolgicas: pesquisa bibliogrfica e documental, aplicao de

    questionrios aos servidores tcnico-administrativos e realizao de entrevistas

    semiestruturadas com gestores, ambos lotados na Reitoria da UFT, localizada no Cmpus de

    Palmas. Para anlise dos dados, utilizou-se estatstica descritiva, anlise de contedo e

    triangulao dos dados. Os resultados apontam que tanto os tcnicos-administrativos como os

    gestores tem conscincia da importncia da cultura organizacional no desenvolvimento

    humano, profissional e institucional. Entretanto, essas percepes divergem em vrios

    aspectos. Segundo os atores pesquisados, alguns pontos crticos (questes relativas

    meritocracia, avaliao, planejamento, comunicao, valorizao, carreira, burocracia, etc.)

    impactam negativamente na cultura organizacional, limitando a relao indivduo-

    organizao. Alm disso, verificou-se que a instituio no dispe de uma poltica,

    especificamente orientada pela cultura organizacional, capaz de fundamentar prticas que

    minimizem os conflitos de interesse que permeiam a organizao. Ao que foi averiguado, as

    aes existentes no correspondem s necessidades e aos anseios do pblico pesquisado.

    Infere-se, portanto, que a UFT, por meio de seus gestores, deve repensar e aprimorar suas

    prticas de gesto, proporcionando subsdios que propiciem um ambiente de trabalho

    equilibrado e sustentvel, e influenciem positivamente no comprometimento organizacional.

    Palavras-chave: Cultura, Cultura Organizacional, Organizao, Universidade.

  • ABSTRACT

    In the present study we sought to understand how the individual-organization relationship,

    involving values, behavioral and symbolic aspects may influence the organizational culture at

    the Federal University of Tocantins, UFT. The analysis has the intention to capture aspects of

    the complexity and dynamics of the organization, by clipping of the organizational culture.

    For this, three specific objectives were established: identify the perception of understanding of

    administrative managers and technicians on organizational culture; know the critical points of

    this culture; and verify the contribution of management practices in the printing sense of

    belonging. The culture of UFT in this context is understood as a set of ideas, values,

    worldviews and knowledge built and shared ephemerally by individuals in an organization.

    The case study is based on an approach both quantitative and qualitative and data were

    collected through the following methodological strategies: bibliographical and documentary

    research, questionnaires to technical and administrative staff and carrying out semi-structured

    interviews with managers, both established at the Rectory of UFT, located in the Palmas

    Campus. For data analysis, it was used descriptive statistics, content analysis and

    triangulation of data. The results show that both the technical-administrative and managers are

    aware of the importance of organizational culture in professional and institutional human

    development. However, these perceptions differ in several respects. According to the authors

    surveyed, some critical points (issues related to meritocracy, assessment, planning,

    communication, appreciation, career, bureaucracy, etc.) negatively impact on organizational

    culture, limiting the individual-organization relationship. Moreover, it was found that the

    institution does not have a policy specifically driven organizational culture, able to support

    practices that minimize conflicts of interest that permeate the organization. When it was

    examined, existing actions do not correspond to the needs and desires of the public searched.

    Therefore it can be inferred that the UFT, through its managers, must rethink and improve

    their management practices by providing subsidies that provide a balanced and sustainable

    work environment and a positive influence on organizational commitment.

    Keywords: Culture, Organizational Culture, Organization, University.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Principais dimenses do conceito de organizao .................................................. 44

    Figura 2 Perfil geral da amostra ............................................................................................ 80

    Figura 3 Eixo Orientao para Competncias e Cooperao ................................................ 81

    Figura 4 Eixo Motivao e Satisfao ................................................................................... 84

    Figura 5 Eixo Planejamento e Flexibilidade.......................................................................... 87

    Figura 6 Eixo Estrutura Hierrquica de Poder ...................................................................... 88

    Figura 7 Eixo Comunicao .................................................................................................. 89

    Figura 8 Eixo Sistema Organizativo ...................................................................................... 90

    Figura 9 Eixo Prticas de Integrao ..................................................................................... 91

    Figura 10 Eixo Prticas de Recompensa e Treinamento ....................................................... 93

    Figura 11 Eixo Relacionamento Interpessoal ........................................................................ 95

    Figura 12 Eixo Orientao para Mudana ............................................................................. 97

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Aspectos Epistemolgicos dos Estudos sobre Cultura Organizacional................. 20

    Quadro 2 Competncias e orientaes voltadas subjetividade ........................................... 22

    Quadro 3 Categoria de anlise Impacto da cultura organizacional ...................................... 98

    Quadro 4 Categoria de anlise Influncias na construo da cultura organizacional ........ 100

    Quadro 5 Quantidade de gestores (populao) .................................................................... 101

    Quadro 6 Categoria de anlise Influncias na construo da cultura organizacional ........ 103

    Quadro 7 Categoria de anlise Processos de Mudana e Tomada de Deciso .................... 103

    Quadro 8 Categoria de anlise Impacto da cultura organizacional .................................... 105

    Quadro 9 Categoria de anlise Homogeneidade X Heterogeneidade.................................. 106

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    CEP Comit de tica em Pesquisa

    Consepe Conselho de Ensino, Pesquisa e Extenso

    Consuni Conselho Universitrio

    Copese Comisso Permanente de Seleo

    CNO Cultura nas organizaes

    CO Cultura organizacional

    CPA Comisso Prpria de Avaliao

    DAI Diretoria de Assuntos Internacionais

    DCF Diretoria de Contabilidade e Finanas

    DDH Diretoria de Desenvolvimento Humano

    DDRG Diretoria de Desenvolvimento e Regulao da Graduao

    Deinfra Diretoria de Engenharia e Infraestrutura

    Dicom Diretoria de Comunicao

    Dirad Diretoria Administrativa

    Dirca Diretoria de Registro e Controle Acadmico

    Dirpesq Diretoria de Pesquisa

    Dirps Diretoria de Ps-Graduao

    Diurb Diretoria de Arquitetura, Urbanismo e Meio Ambiente

    DPEE Diretoria de Programas Especiais em Educao

    DSE Diretoria de Servios Essenciais

    DTE Diretoria de Tecnologias Educacionais

    DTI Diretoria de Tecnologia da Informao

  • MEC Ministrio da Educao e Cultura

    PDI Plano de Desenvolvimento Institucional

    Proad Pr-Reitoria de Administrao e Finanas

    Proap Pr-Reitoria de Avaliao e Planejamento

    Proest Pr-Reitoria de Assuntos Estudantis

    Proex Pr-Reitoria de Extenso

    Progedep Pr-Reitoria de Gesto e Desenvolvimento de Pessoas

    Prograd Pr-Reitoria de Graduao

    Propesq Pr-Reitoria de Pesquisa e Ps-Graduao

    Sinaes Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior

    TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

    UFT Universidade Federal do Tocantins

    Unitins Fundao Universidade do Tocantins

  • SUMRIO

    1 INTRODUO..................................................................................................................... 13

    2 METODOLOGIA ................................................................................................................. 18

    2.1 Bases metodolgicas ....................................................................................................... 19

    2.2 Percurso Metodolgico ................................................................................................... 24

    3 A UNIVERSIDADE E A CULTURA ORGANIZACIONAL ............................................ 32

    3.1 Organizaes e Universidade .......................................................................................... 33

    3.2 Cultura: Distintas abordagens ......................................................................................... 47

    3.2.1 Elementos da Cultura Organizacional ...................................................................... 63

    4 PANORAMA INSTITUCIONAL DA UFT ........................................................................ 71

    5 CULTURA ORGANIZACIONAL O CASO DA REITORIA DA UFT .......................... 75

    5.1 Apresentao dos resultados ........................................................................................... 75

    5.1.1 O que dizem os documentos institucionais? ............................................................ 75

    5.1.2 A voz dos tcnicos-administrativos pesquisa de opinio ...................................... 79

    5.1.3 A voz dos gestores entrevista semiestruturada .................................................... 101

    5.2 Discusso dos resultados .............................................................................................. 107

    6 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................. 127

    REFERNCIAS .................................................................................................................... 131

    ANEXO 1 Aprovao de projeto no Comit de tica em Pesquisa com Seres Humanos

    ................................................................................................................................................ 143

    APNDICE A Questionrio sobre Cultura Organizacional na UFT na viso dos tcnicos-

    administrativos ....................................................................................................................... 145

    APNDICE B Roteiro Semiestruturado de Entrevista ....................................................... 150

    APNDICE C Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - Questionrio .................. 153

    APNDICE D Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - Entrevista ....................... 155

    APNDICE E Compilao de Dados para um Diagnstico da Cultura Organizacional na

    UFT ........................................................................................................................................ 158

  • 13

    1 INTRODUO

    A humanidade caminha a passos largos. Essa afirmao, um tanto clich, permite

    vislumbrar o contexto em que vivemos, marcado por constantes e rpidas transformaes que

    vo desde o campo da cincia, tecnologia, artes, religio e poltica at os novos modelos de

    relaes sociais existentes.

    Descortina-se um novo mundo onde no existem respostas ou frmulas acabadas: h

    uma desordem mundial. Quer dizer ento que tudo est fora de ordem? No! Significa dizer

    que h novas formas de se apresentar as demandas.

    As coisas so ordenadas se elas se comportam conforme planejamos, com o mnimo

    de esforo. No h surpresas. No h obstculos. Tudo ocorre como previsto. Contudo, na

    atualidade derreteu-se tudo que era slido e profanado, tudo que era sagrado (BAUMAN,

    2008, p. 79). O mundo agora instvel, imprevisvel, com mudanas sem direo,

    experimentaes contnuas e resultados incertos; em resumo, o prprio oposto da imagem da

    ordem (BAUMAN, 2008, p. 48). a chamada ps-modernidade que questiona as noes

    clssicas de verdade, razo, identidade e objetividade, a ideia de progresso ou emancipao

    universal, os sistemas nicos, as grandes narrativas ou os fundamentos definitivos de

    explicao (EAGLETON, 1998, p. 7).

    No contexto organizacional as mudanas nunca deixaram de existir. Mesmo nas

    organizaes mais conservadoras sempre se fizeram presentes, influenciando o ambiente e

    demandando ajustes e adaptaes para sua manuteno e sobrevivncia. O que se verifica

    atualmente o aumento da velocidade das mudanas, tornando-se necessria uma nova forma

    de pensar por parte das organizaes, frente as vicissitudes ocasionadas pelo progresso da

    humanidade.

    Nessa conjuntura, as pesquisas chamadas de Estudos Organizacionais surgiram como

    um horizonte a proporcionar melhor entendimento das organizaes formadas por pessoas em

    constante interao entre si e com o meio no qual esto inseridas; acredita-se que as

    organizaes so influenciadas pelas questes culturais em praticamente todas as suas

    dimenses, e, por isso, a cultura desponta como um importante aspecto da anlise

    organizacional, capaz de fornecer elementos teis para uma compreenso detalhada do

    comportamento organizacional. O entendimento destes aspectos tem significativa

    importncia, agregada necessidade de refletir e debater sobre as formas que a nova realidade

  • 14

    conduzem as organizaes um processo de readequao de variveis, visando uma maior

    integrao entre ambientes interno e externo.

    Temas de estudo que se baseiam na cultura organizacional tm sido muito debatidos

    por diversos autores (GONNET, 2012; MUZZIO; COSTA, 2012; ROCHA, 2014) nos ltimos

    anos, trazendo inmeras contribuies s organizaes; inclusive no mbito das Instituies

    de Ensino Superior (BATISTA, 2012; BEPPLER, 2012; FERRAZ, 2012; ROSA, 2011;

    TEIXEIRA, 2012; SCHWINGEL, 2012), tal como esta proposta de pesquisa. Todavia, nem

    sempre o tema cultura empregado da mesma forma. Apesar do crescente interesse pelo

    assunto, os pesquisadores que estudam cultura se opem, criando uma profuso de conceitos e

    objetos de estudo. Entre essa infinidade de definies, ainda existem diversas abordagens para

    os estudos em cultura organizacional: abordagens funcionalistas (cultura da organizao: a

    cultura tem uma funo dentro da organizao, entendida como algo coeso e que pode ser

    gerenciado), e abordagens interpretativistas, (culturas na organizao: a organizao uma

    cultura, complexa, mltipla e que no pode ser gerenciada).

    Logo, compreender as subjetividades e encontrar abordagens capazes de entender os

    aspectos da cultura organizacional e suas diversas subdimenses e manifestaes um desafio

    almejado neste estudo. Pela situao vivenciada e pela inquietao em querer investigar sobre

    a efetividade do tema em questo, este trabalho despertou o interesse em observar e refletir

    sobre as percepes dos gestores e tcnicos administrativos da Universidade Federal do

    Tocantins-UFT, do que vem a ser cultura organizacional, de tal modo que o resultado dessa

    investigao contribua para unir esforos em prol do aprimoramento das prticas de gesto,

    proporcionando subsdios para a melhoria da relao indivduo-organizao.

    Com esse intuito, o presente estudo vislumbra fomentar estudos sobre experincias

    vivenciadas no mbito destas instituies (UFT, 2014, p. 3), numa perspectiva

    interdisciplinar entre os conhecimentos provenientes das cincias da Administrao,

    Sociologia, Psicologia e Antropologia, que contribuam, sobremaneira, para a construo de

    uma cultura favorvel tanto para os interesses das organizaes, como para os das pessoas que

    dela fazem parte.

    Considerando as universidades como organizaes complexas e dinmicas, tanto no

    que tange as suas estruturas quanto nas suas funes; os esforos terico-metodolgicos que

    permitem abordagens mais aprimoradas e abrangentes para dar conta desta complexidade, e,

    por consequncia, o avano nas preocupaes com a cultura, a grande questo levantada nesse

    estudo : Como se manifesta a relao indivduo-organizao, envolvendo valores, aspectos

  • 15

    comportamentais e simblicos? Uma vez que a essncia de valores, smbolos e crenas

    fundamentam as prticas organizacionais e contribuem com as universidades em sua atuao,

    na realizao de sua misso institucional, no aperfeioamento humano e no desenvolvimento

    da organizao em sua misso social junto sociedade.

    Quando se fala em cultura sabemos que ainda existem lacunas a serem preenchidas,

    que no h consenso nem certezas, tampouco sero encontradas respostas definitivas ao final

    deste trabalho. Contudo, as nuances das relaes sociais, a complexidade da mente humana e

    a evoluo natural da sociedade reforam a importncia de se repensar os processos de gesto

    das organizaes que voltam-se para a demonstrao de valor. Portanto, compreender a

    realidade interna da organizao, como so tomadas as decises pelos gestores e como estas

    so assimiladas, analisar os mecanismos organizacionais, verificar como se instauram os

    processos de mudana e como so recebidos pela organizao, analisar os conflitos de

    interesse existentes nas diferentes subculturas torna-se relevante forma de preencher as

    lacunas do sistema organizacional.

    Alm da necessidade, de certo modo determinada pelo contexto, a definio do tema

    desta dissertao, no repertrio de alternativas, deu-se em funo da experincia profissional

    da autora, enquanto administradora na UFT h 10 anos , que permitiu vivenciar de perto

    muitos dos problemas enfrentados com relao cultura organizacional. A partir dessa

    situao com a qual nos deparamos, imprescindvel e urgente que se discuta sobre o tema

    cultura organizacional e a responsabilidade da gesto de pessoas para com os indivduos,

    dado que a sociedade vive um perodo de transio, em que as prticas organizacionais

    encontram novo eco. Assim, considerando-se a relevncia social deste estudo, ter uma

    universidade que se preocupa com as pessoas, traduz-se em benefcios vitais para a sociedade.

    Destarte, nosso objetivo geral compreender de que forma a relao indivduo-

    organizao, concebida como sistema cultural, simblico e imaginrio, onde se entrecruzam

    desejos e valores distintos, pode orientar a cultura organizacional na UFT1. A compreenso

    da cultura possibilita uma organizao do trabalho mais humana, mais propcia ao convvio e

    mais bem-sucedida, com relaes melhores e maior qualidade. Como diversos estudiosos

    citados ao longo do trabalho, acredita-se que a cultura complexa, que no h um

    compartilhamento absoluto de crenas e valores, visto que as pessoas tm individualidade e

    subjetividade prprias, que levam e trazem consigo caractersticas intrnsecas relativas sua

    1 No decorrer deste trabalho pode-se verificar que o itlico bastante utilizado. Isso ocorre para destacar alguma

    palavra ou frase. O uso de aspas foi reservado para as citaes diretas de outros autores.

  • 16

    crena, religio, etnia, gnero, etc., impossibilitando, dessa maneira, tratar a organizao de

    forma homognea, e falar de uma cultura de uma organizao; assim, a compreenso dessa

    relao permite desvendar como a realidade organizacional socialmente construda dando

    voz aos indivduos e grupos muitas vezes ignorados. Ao aproximarmos das representaes

    sociais dos indivduos, aproximamo-nos tambm dos conhecimentos provenientes da maneira

    singular de cada um comportar-se e agir cotidianamente. Podemos, assim, [] captar os

    saberes do Outro dentro dessa noo de contemporaneidade, onde tudo se dilui, se mistura,

    se fragmenta (CAVEDON, 2005, p.11).

    A partir da problematizao e do objetivo geral, delineou-se trs objetivos especficos.

    Primeiro, identificar as percepes dos gestores e tcnicos administrativos que representam o

    esboo do que pode ser compreendido como aspectos da cultura organizacional da UFT,

    isto , pretende-se identificar quais fatores/elementos contribuem na formao da cultura

    organizacional e como eles interagem na constituio do imaginrio (vis gestores e

    servidores tcnico-administrativos). Segundo, conhecer os pontos crticos da cultura

    organizacional na UFT a serem priorizados pela gesto. E, terceiro, verificar, caso existam,

    como as prticas de gesto tem impresso nos indivduos o sentimento de pertencimento, por

    meio do compartilhamento e integrao entre valores pessoais e organizacionais.

    Com esses objetivos em foco, foram estabelecidas trs hipteses para o estudo:

    H1: As diferenas de percepo do que vem a ser cultura podem levar a disparidades entre o

    discurso da organizao (dos gestores) e os valores e prticas percebidas pelos indivduos.

    Como consequncia, cria-se um distanciamento entre as pessoas, onde cada um cumpre sua

    funo de forma cada vez menos integrada, desfavorecendo o cumprimento da misso

    institucional, a consolidao da universidade no ambiente externo, o desenvolvimento

    humano e a prestao de servios de qualidade.

    H2: H uma dissonncia entre objetivos individuais e organizacionais. A partir desta

    constatao verifica-se a necessidade de enfocar a satisfao dos indivduos como mola

    propulsora para um bom desempenho organizacional. Se a relao de colaborao e troca

    entre a organizao e os indivduos, do tipo ganhar-perder, precisa-se avanar para um

    patamar estratgico que identifique fatores limitadores e principalmente potencializadores

    desta relao, buscando o alinhamento de objetivos.

  • 17

    H3: As polticas e prticas de gesto so orientadas pela cultura organizacional. Com base

    nisso, as tomadas de deciso so efetivadas em decorrncia da percepo das necessidades e

    demandas dos colaboradores, buscando equilbrio entre objetivos pessoais e organizacionais.

    Nessa perspectiva a gesto influencia positivamente o comprometimento organizacional.

    Consciente dos desafios de se pesquisar cultura e universidade, visto serem elementos

    abstratos, que se reinventam dia aps dia, e sem a pretenso de desvendar com preciso toda a

    complexidade que envolve a organizao, procurou-se realizar um trabalho abrangente e til

    para a tomada de decises na organizao. Espera-se, ainda, que os objetivos atingidos sejam

    uma luz no fim do tnel que possibilite a reflexo sobre cultura no interior da UFT; que as

    teorias apresentadas e o mtodo aqui adotado contribuam, de algum modo, para a resoluo

    de problemas e a busca de respostas para as questes que se apresentam no exerccio dirio

    das atividades dentro da Universidade.

    Apesar de parecer repetitivo, cabe ressaltar, que mesmo no encontrando

    homogeneidade na Universidade, e tampouco entre universidades, pois estas so diferentes

    entre si, inclusive quando suas misses e vises so parecidas, acredita-se que a UFT tem uma

    caracterstica prpria, um jeito de ser s dela e uma forma exclusiva de fazer as coisas,

    sendo, portanto, oportuno e estratgico compreend-la em suas diversas instncias para

    avanar em diferentes aspectos organizacionais, em busca do constante aperfeioamento

    institucional.

    Na busca por respostas, esta dissertao est organizada em seis captulos. Alm desta

    parte introdutria onde apresenta-se o problema de pesquisa e os objetivos do estudo, o leitor

    encontrar no segundo captulo, o percurso metodolgico da pesquisa, ou seja, a forma em

    que o trabalho foi construdo. O terceiro captulo, por sua vez, dedica-se s contribuies

    tericas sobre os temas que pautam esta dissertao: universidade e cultura organizacional.

    Para tanto, o captulo se subdivide em duas grandes sees: a primeira, que destaca a

    universidade enquanto organizao pblica, ressaltando as consideraes histricas, e a

    segunda que trata dos conceitos de cultura, sua relevncia e as discusses contemporneas

    sobre o assunto. O quarto captulo trata da caracterizao da UFT, sua histria, o processo de

    formao e os preceitos que movem a Universidade. O quinto captulo destina-se aos

    resultados e a discusso da pesquisa. E, por fim, nas consideraes finais faz-se um apanhado

    geral do trabalho, onde destacam-se algumas reflexes suscitadas no processo de

    desenvolvimento desta dissertao.

  • 18

    2 METODOLOGIA

    Para que todos os aspectos e incertezas que permearam o desenvolvimento da presente

    pesquisa sejam entendidos, algumas explanaes so fundamentais.

    O primeiro contato com o tema em questo foi com a obra Organizaes em Anlise,

    de Eugne Enriquez (1997), o qual concebe as organizaes como sistema cultural, simblico

    e imaginrio2. A partir da leitura, vislumbrou-se que esta perspectiva de anlise que busca

    questionar, na vida organizacional, o desejo de um ambiente sem conflitos e de uma imagem

    monoltica da organizao, poderia ser aplicada UFT. Enriquez acredita piamente na

    contribuio da psicanlise3 de Freud para a anlise das organizaes, visto que, tanto as

    cincias sociais como a psicanlise tm como objeto de estudo a criao e evoluo do

    vnculo social.

    Contudo, de imediato surgiram vrias indagaes sobre como realizar esta pesquisa,

    que apesar de tratar-se de demandas prticas e oportunas para a qualificao profissional

    proposta no Mestrado Profissional de Gesto de Polticas Pblicas, um tema complexo,

    abrangente, exigindo tempo e aprofundamento nas questes culturais, do que realmente se

    carece, considerando as demandas envolvidas na pesquisa, tamanho e complexidade da UFT.

    Aos poucos, e sob orientao, compreende-se que possvel, sim, estudar cultura.

    Mesmo porque, em dez anos de experincia profissional na Universidade, o caminho

    percorrido levou certezas de que, determinadas questes so essenciais no trato cultural.

    Neste aspecto, a inteno converter a aproximao entre pesquisador e objeto pesquisado, a

    priori considerada inconveniente, em aspecto positivo que permite a observao mais de perto

    da organizao, por uma lgica talvez inatingvel por um consultor externo. No significa

    dizer que, no papel de investigador, as opinies e resultados sejam influenciados, mas que,

    2 O termo Imaginrio, a partir da acepo proposta por Eugne Enriquez (1997), est sendo usado como mundo

    de significaes compartilhadas. O imaginrio o elemento que orienta cada sistema institucional, que cria e

    determina as conexes simblicas; a maneira singular de ver, viver e fazer a sua prpria histria; sua percepo

    de mundo e suas relaes com ele; o significado central das coisas, no discutido e no passvel de discusso; o

    conjunto de ideias do que importa e do que no importa (CASTORIADIS, 1995, apud FREITAS, 1999). O

    sistema imaginrio possibilita uma melhor compreenso da natureza dos vnculos psicolgicos e afetivos, que se

    desenvolvem na relao indivduo-organizao. 3 No devemos confundir esta perspectiva de anlise das organizaes com um processo de psicanlise de grupo

    nem, tampouco, com anlises individuais no ambiente organizacional. Os aportes da psicanlise, nesse caso, tm

    o propsito somente de compreender como se d o enfrentamento dos problemas da organizao, atravs da

    anlise das relaes que os indivduos e os grupos estabelecem com a organizao. Consideramos que ela pode

    ser muito til para entendermos esses aspectos da vida nas organizaes, uma vez que a descoberta do

    Inconsciente oportuniza um maior domnio do conhecimento.

  • 19

    fazendo parte do meio organizacional, intrinsecamente ligados a ele, mostre competncia para

    elucidar questes que, pela convivncia, sejam identificadas como obscuras e problemticas

    na organizao.

    2.1 Bases metodolgicas

    Aps definio do tema, foram estudadas vrias teorias em busca de abordagens

    epistmicas e propostas metodolgicas para melhor compreender a cultura organizacional na

    UFT. Os estudos organizacionais4, especialmente os relativos cultura, tm se caracterizado

    pelo esforo de entrever a complexidade das organizaes, e da se explica a multiplicidade de

    perspectivas epistemolgicas e metodolgicas existentes (FLEURY; FISCHER, 2009).

    Como citado na introduo, duas abordagens epistmicas so amplamente difundidas

    nos estudos sobre cultura organizacional, a saber: funcionalista e interpretativista. Tomando

    como base as cincias sociais, Burrell e Morgan (1982) conceituam tais abordagens como um

    conjunto de formulaes metatericas, que define uma viso de mundo partilhada por uma

    comunidade de cientistas. Essas diversas correntes de pensamento, ou paradigmas5, referem-

    se categoria da cincia (objetiva ou subjetiva); existncia da sociedade (nfase na

    regulao ou na mudana social) e essncia humana (determinista ou no determinista).

    Dessa maneira, imprescindvel a definio da linha filosfica para orientar os desafios

    propostos nesta dissertao, na medida em que o paradigma escolhido, por si s j define uma

    srie de opes metodolgicas.

    4

    Os Estudos Organizacionais, conforme citado na Introduo, foram instaurados a partir de mudanas

    econmicas, polticas e socioculturais que determinaram distintos olhares e ideologias no intuito de analisar as

    organizaes, vez que estas influenciavam (e influenciam) sobremaneira, o comportamento dos indivduos e, por

    conseguinte, o alcance de objetivos e metas. Surgem da variadas escolas de pensamento, numa confluncia de

    disciplinas (Sociologia, Cincia Poltica, Administrao, Antropologia, Psicologia, Histria e Economia), que

    criaram diferentes teorias que direcionam os estudos e as intervenes organizacionais (FISCHER, 2003). 5 A palavra paradigma empregada de diversas formas, mas ao longo desta pesquisa [paradigma o] conjunto

    de ilustraes recorrentes e quase padronizadas de diferentes teorias nas suas aplicaes conceituais,

    instrumentais e na observao (KUHN, 2006, p. 67). Ou ainda, como conclui Burrell (1999, p. 447), os

    paradigmas definem: [...] uma forma de ver o mundo e como este deveria ser estudado, e que este ponto de vista

    compartilhado por um grupo de cientistas que vivem em uma comunidade marcada por uma linguagem

    conceitual comum, que buscam fundar um edifcio conceitual comum, e que so possudos por uma postura

    poltica muito defensiva em relao aos de fora.

  • 20

    A abordagem funcionalista pressupe que a sociedade tem existncia concreta e real,

    sistmica e orientada para a consecuo de objetivos. As conjecturas ontolgicas creem em

    uma cincia social objetiva e isenta de acepes de valor, com um maior rigor cientfico. A

    perspectiva funcionalista fundamentalmente reguladora e prtica, em sua base, e est

    interessada em explicar o mundo social (concreto e tangvel), focando o entendimento do

    papel das pessoas, de maneira que produza conhecimento emprico til. A literatura

    funcionalista privilegia a busca de um consenso e harmonia difceis de serem atingidos,

    relegando aspectos imprescindveis, tais como o conflito e a diversidade de interesses

    ocasionados pelas relaes de poder estabelecidas nas organizaes. (BURRELL; MORGAN,

    1982; ROSA; TURETA; BRITO, 2006; FRIEDBERG, 1995).

    Na contramo, a abordagem interpretativista acredita que a realidade social no existe

    em sentido concreto e busca entend-la a partir da subjetividade dos indivduos. Da mesma

    forma que a abordagem funcionalista, a interpretativista pressupe que h uma ordem e um

    padro implcito no mundo social; no entanto, inviabiliza a tentativa funcionalista de

    estabelecer uma cincia social objetiva. A cincia considerada uma rede de jogos de

    linguagem, baseada em grupos de conceitos e regras subjetivamente determinados pelos

    tericos (MORGAN, 2005; VERGARA; CALDAS, 2005).

    Com o intuito de contribuir com o entendimento a respeito dos aspectos

    epistemolgicos relacionados s pesquisa em Cultura Organizacional, apresenta-se o quadro

    abaixo:

    Quadro 1 Aspectos Epistemolgicos dos Estudos sobre Cultura Organizacional

    VIESES FUNCIONALISTA INTERPRETATIVISTA

    Cultura Organizacional Como algo que a organizao tem

    (varivel)

    Como algo que a organizao

    (metfora)

    Razes Antropolgicas Funcionalismo, Funcionalismo-

    Estrutural

    Etnocincia, Antropologia Simblica,

    Estruturalismo

    Tpicos na Pesquisa Administrao Crs-Cultural ou

    Comparativa e Cultura Corporativa

    Cognio Organizacional, Simbolismo

    Organizacional e Processos

    Inconscientes e Organizao

    Paradigma da Integrao da Diferenciao e da Ambiguidade

    Fundamentao Sociolgica Antropolgica

    Abordagem Funcional Semitica

    Escolas/Autores mais

    importantes do paradigma

    Comte, Spencer, Durkheim, Pareto,

    Malinowski , Radcliffe Brown,

    Parsons, Simmel, G. H. Mead, Herbert

    Blumer, Weber, Rex, Eldridge,

    Goldthorpe, Silverman, Blau, Merton,

    Coser, Gouldner, Buckley e Skinner

    Dilthey, Husserl, Weber, Gadamer,

    Schutz, Scheller, Heidegger, Sartre,

    Merleau -Ponty Garfinkel, Cicourel,

    Schegloff, Sacks, McHugh, Denzin,

    Zimmerman e L. Wieder.

    Mtodos Quantitativos Qualitativos

    Fonte: Elaborado pela autora com base nas pesquisas de Rocha e Pelogio (2011); Carrieri e Luz (1998).

  • 21

    Estas duas correntes que buscam entendimentos sobre o conceito de cultura,

    fundamentadas em formulaes antropolgicas, tm reflexos no campo da administrao, e

    geram debates constantes, na medida em que uma corrente (funcionalista) aborda que a

    cultura organizacional tem elementos universais e/ou generalizveis, com relaes

    consensuais, coesas e sistmicas; enquanto a outra (interpretativista), despreza o consenso a

    partir das diferentes vises percebidas nos grupos, no segue um caminho instrumental ou

    intervencionista e busca desenvolver estudos para a compreenso e interpretao de sistemas

    simblicos, ou seja, aborda as culturas nas organizaes (SILVA; MEDEIROS; ENDERS,

    2011).

    A partir da anlise dessas correntes, verificamos o predomnio do paradigma

    funcionalista no campo da administrao. O enfoque dado ao tema nos trabalhos e autores

    dessa corrente o chamado mainstream6 prope estudos comparativos e metodologias de

    interveno e mudana, buscando uma instrumentalizao do conhecimento, onde a cultura

    elemento essencial para que a gesto tenha resultados organizacionais eficientes. Nesta

    concepo os sistemas sociais so concebidos de forma harmnica, sincrnica, onde todas as

    coisas esto reguladas e ordenadas (SGUIN; CHANLAT, 1992 apud ANDION, 2012).

    Ante os pontos apresentados, convm frisar, que nesta dissertao, numa postura

    antropolgica, adotado o conceito de cultura nas organizaes7, que considera o mundo

    social organizacional permeado de significados, incertezas e ambiguidades, e que trata a

    cultura como uma construo e desconstruo das pessoas que fazem parte das organizaes

    (CARRIERI; CAVEDON; LEITE-DA-SILVA, 2008). Assim, de forma semelhante ao

    6 Alguns autores (ROSA, TURETA; BRITO, 2006; CALDAS, 2005; VIEIRA; CALDAS, 2006; AKTOUF,

    1994) tm apontado a existncia de uma teoria hegemnica, corrente principal ou dominante (mainstream),

    que tece uma viso estreitamente funcionalista e instrumental da cultura, considerando que esta pode ser

    diagnosticvel, reconhecvel, transformada, manipulada e mudada. A partir desse ponto de vista, toda

    organizao pode ter ou ser uma cultura; criada por lderes, campees e heris, que lhe imprimem valores e

    smbolos. Contudo, embora os gestores tenham um papel importante na construo da realidade organizacional,

    no so capazes de fabricar mitos, smbolos e sistemas de representao. Muitas destas definies utilizam o

    termo cultura de forma restritiva e abusiva, vinculado aos elementos sociais, administrativos e tcnicos, prprios

    de uma dada organizao ou de um setor especfico. Esta corrente tenta incutir nos membros da organizao as

    ideias dos gestores. Em suma, este enfoque denominado gerencialista, limita qualquer tipo de "construo

    terica voltada ao desenvolvimento de formas de gesto que visem o incremento da eficcia ou do desempenho

    das organizaes. 7 No presente estudo h uma diferena entre os termos Cultura Organizacional (CO) e Cultura nas Organizaes

    (CNO). A utilizao dos termos varia de acordo com as dimenses e formas de se enxergar o mundo social, tais

    como: se a organizao considerada nica produtora de padres culturais, ou seja, homognea; se h ou no

    uma dependncia e influncia dos fatores culturais do ambiente externo; e quais os nveis apropriados para a

    compreenso do fenmeno cultural indivduo, grupo, organizao, sociedade. A CO foi sempre desenvolvida

    numa abordagem funcionalista, normativa e instrumentalista, enquanto a CNO parte do pressuposto que a cultura

    organizacional no capaz de criar-se por si s, mas fruto de um ambiente macrossocial e das pessoas que dele

    fazem parte (CARRIERI, 2002).

  • 22

    antroplogo que pesquisa as sociedades primitivas, h que se aprofundar na vida

    organizacional com o objetivo de compreend-la (FLEURY; FISCHER, 2009). No entanto,

    apesar de acolher o paradigma interpretativista, sem desprezar ou tentar eliminar a

    subjetividade inerente ao exerccio crtico de interpretao, no tem como ignorar, neste

    estudo, a vertente epistemolgica funcionalista de anlise da cultura organizacional. Pois, a

    cultura um atributo essencial nos resultados organizacionais, podendo os pesquisadores e

    gestores identificar e compreender seus elementos, a fim de manej-la para o bem comum.

    De nada adianta discutir a ideia de cultura sem coloc-la em prtica. Comunga-se com o

    entendimento de que as duas abordagens so necessrias e complementares para a pesquisa

    em questo, vez que, sem incorporar alguma medida ou direo de relevncia, o estudo se

    torna esotrico (WOOD JR., 1999, p. 270; BURRELL; MORGAN, 1979 apud CALDAS,

    2005; VERGARA; CALDAS, 2005; VIEIRA; CALDAS, 2006).

    Corroborando com tal ideia, Santos (1988) profere que os estudos interdisciplinares

    exigem um novo enfoque epistemolgico que ultrapasse as divises clssicas da cincia

    (sujeito x objeto, quantitativo x qualitativo, indivduo x sociedade, subjetividade x

    objetividade), para uma nova perspectiva integradora e no dualista da realidade social.

    Admitir que a objetividade impossvel, no significa render-se ao subjetivismo, intuio e

    alquimia mas, desenvolver mtodos interpretativos apropriados, promovendo a aproximao

    da realidade (MIGUELES, 2003). Essa abordagem envolve uma epistemologia sistmico-

    complexa, que tem como prioridade elucidar as relaes de interdependncia que permeiam o

    meio social. Para esses autores, a complexidade deve ser acolhida como um propsito a ser

    seguido, um desafio a ser ultrapassado, buscando unir o que antes estava separado e no como

    uma soluo, a resoluo de todas as questes (MORIN; LE MOIGNE, 1999 apud ANDION,

    2012).

    O fato que parece no existir um caminho nico (ou melhor) para seguir. Diante

    disso, concebe-se a necessidade de traar caminhos e desenvolver competncias, capazes de

    lidar com as pessoas e suas percepes. Vergara e Davel (2001) contribuem nesse sentido:

    Quadro 2 Competncias e orientaes voltadas subjetividade

    Competncias e Sensibilidades para:

    - utilizar de estratgias de interveno para verificar a existncia de tenses ou estabilidade;

    - verificar as formas de expresso de pensamentos das pessoas, no plano individual, coletivo ou organizacional;

    - identificar as estruturas, processos e estilos cognitivos de comunicao entre as pessoas quando lideram,

    provocam a motivao, avaliam, negociam e decidem;

    - observar como se constituem as relaes de poder;

  • 23

    - observar como as pessoas se identificam, idealizam e projetam desejos e sentimentos na concepo e

    desempenho de atividades;

    - expressar se, e como, as pessoas expressam emoes, atitudes de prazer e divertimento no dia-a-dia de

    trabalho;

    - avaliar a atuao profissional das pessoas;

    - verificar a existncia de prticas e discursos que superficializam, amedrontam e excluem processos, atividades

    e pessoas. Fonte: Adaptado pela autora (VERGARA; DAVEL, 2001).

    Importa esclarecer que, aps as explanaes, apesar das possveis crticas adoo de

    uma metodologia mais flexvel e da possibilidade de sermos julgados como diletantes, nosso

    papel nessa pesquisa no contribuir para uma mudana radical, mesmo porque no temos

    um vis ativista, mas poder colaborar com a organizao dando voz aos indivduos que dela

    fazem parte. Nosso objetivo no se restringe a levantar parmetros para uma melhor gesto

    da cultura, pois, o que melhor para uns no para outros. A preocupao no desenvolver

    teorias ou mtodos a serem replicados em outras organizaes, posto que essa perspectiva

    contrria ao propsito da pesquisa. Mas, partindo do princpio de que a realidade

    socialmente construda, faz-se necessrio estabelecer um processo de compreenso,

    procurando entender o mundo a partir do ponto de vista daqueles que nele vivem.

    Por esse motivo, considerando-se a complexidade e a interdisciplinaridade do tema em

    questo, justifica-se a utilizao das abordagens no estudo, visto que possibilitam explorar

    no somente as ambiguidades e contradies, mas tambm os vrios modos de

    representaes, os mltiplos valores e a construo das significaes da vida organizacional

    pelos atores envolvidos.

    Num esforo de alcanar os objetivos propostos, tomou-se com ponto de partida que:

    a) as interaes sociais no so determinsticas, pelo contrrio, variam conforme o

    conhecimento, o entendimento e as explicaes que os indivduos levam em conta; b) as

    situaes sociais devem ser pesquisadas de maneira que revelem a natureza interior dos

    indivduos; c) os resultados obtidos por meio do estudo no sejam generalizados, pois so

    especficos e relativos a um contexto prprio.

    Primeiramente, h que se considerar que os grupos, organizaes e sociedade como

    um todo, resultam de um desejo inconsciente compartilhado pelos indivduos, ou seja, uma

    imagem inconsciente foi compartilhada e construda resultando numa ao. Assim sendo, as

    interaes sociais devem levar em conta o modo pelo qual as pessoas elaboram a ordem

  • 24

    social, suas percepes individuais, incgnitas, emoes, como enxergam e entendem o

    contexto.

    Somente a partir do entendimento de que as pessoas exibem caractersticas

    psicolgicas distintas quando vistas isoladamente, podemos pesquisar e entender os meandros

    da vida social, resultados da ao e da interao humana.

    A partir dos resultados obtidos, poder-se- visualizar a singularidade nas

    interpretaes de cada participante da vida social. Esta caracterstica demonstra a

    complexidade das organizaes e da sociedade de maneira geral. Por conta desse mosaico de

    interaes e percepes, cada grupo nico. Isso implica afirmar que as pesquisas sobre

    cultura organizacional no podem ser generalizadas, em virtude das particularidades de seu

    contexto.

    2.2 Percurso Metodolgico

    Diante dos desafios para proceder a realizao desta pesquisa, vez que o tema

    complexo, difcil de ser compreendido e que envolve uma pluralidade de conceitos, valores e

    dimenses, pertinente esclarecer os procedimentos metodolgicos necessrios para a

    construo do trabalho, destacando-se o tipo de pesquisa, a populao, os instrumentos de

    coleta de dados, os procedimentos de coleta de dados e os procedimentos para a anlise dos

    dados coletados.

    A pesquisa configura-se como um estudo de caso na Reitoria da Universidade Federal

    do Tocantins, cuja escolha foi motivada pelo fato de ser especialmente apropriado quando se

    busca compreender, examinar, descrever ou explorar acontecimentos e contextos intrincados,

    que envolvem simultaneamente diversos fatores (YIN, 2005). Tambm bastante adequado

    na anlise de fenmenos sociais e organizacionais em um contexto onde os limites no esto

    claramente definidos, e para situaes complexas em que no possvel ter controle sobre as

    variveis causais de determinados fenmenos. Alm disso, permite uma investigao para se

    preservar as caractersticas holsticas e significativas dos acontecimentos da vida real (YIN,

    2005, p.20). O estudo de caso proporciona um retrato vlido da realidade social, que permite

    as pessoas entenderem o que est acontecendo na organizao.

  • 25

    Haja vista os objetivos propostos, esta pesquisa pode ser caracterizada como

    exploratria e descritiva. Exploratria no sentido de que existe um gap na viso de cultura

    organizacional na UFT, sendo necessrio identificar os problemas, as capacidades de ao e

    de interveno na organizao, e descritiva por buscar compreender percepes, valores e

    aspectos culturais dos servidores da referida instituio, a partir de uma anlise cientfica. As

    pesquisas exploratrias, juntamente com as descritivas, so as mais utilizadas pelos

    pesquisadores sociais preocupados com a atuao prtica. So tambm as mais solicitadas

    por organizaes como instituies educacionais (GIL, 2009, p. 28).

    Com foco mais amplo e aberto, a pesquisa exploratria objetiva aprofundar conceitos

    preliminares, buscando a gerao de ideias ou insights. Este tipo de pesquisa constitui uma

    estratgia para investigar fenmenos e processos complexos, ou pouco conhecidos, ou difceis

    de ser sistematizados, ou ainda passveis de diferentes perspectivas interpretativas; como o

    caso das relaes sociais estabelecidas por seres humanos que possuem uma historicidade,

    crenas e valores (VASCONCELOS, 2002). J a pesquisa descritiva foca a compreenso do

    fenmeno sob investigao, evidenciando as caractersticas de determinada populao por

    meio da identificao de conceitos e constructos. Estas pesquisas objetivam levantar opinies,

    atitudes e crenas dos indivduos (GIL, 2009).

    Conforme j exposto, o tema cultura nas organizaes amplo, complexo e

    profundo. Amplo na medida em que a cultura pode ser vista como uma varivel, capaz de ser

    criada e controlada, ou como uma metfora da prpria organizao ou do contexto social em

    que esto inseridas, com seus aspectos simblicos e ideolgicos. Complexo, pois a cultura

    pode ser apreendida como nica e consensual, ou como vrias, ambguas e contraditrias,

    provenientes de um processo histrico. E profundo, em razo da impossibilidade de

    dominao da cultura; pode-se apenas realizar inferncias a fim de compreender melhor as

    organizaes e seus indivduos (CARRIERI, 2002). Assim, a presente dissertao delineia-se

    como uma investigao de natureza qualitativa-quantitativa.

    Os estudos sobre cultura organizacional, em sua maioria, tm utilizado a metodologia

    qualitativa, onde os pesquisadores a descrevem com base nas percepes dos indivduos. Para

    Gonzlez Rey (2005, p. 105), a pesquisa qualitativa um processo aberto submetido a

    infinitos e imprevisveis desdobramentos, cujo centro organizador o modelo que o

    pesquisador desenvolve e em relao ao qual as diferentes informaes empricas adquirem

    significados. Segundo Fleury (2009), nesta concepo a investigao pode assumir trs tipos

    de postura:

  • 26

    - A postura Empiricista, vista como a postura de um fotgrafo da realidade social, que

    pesquisa a realidade sem um referencial terico, considerando-a como a somatria de

    indivduos e a cultura como a somatria de comportamentos e opinies destes.

    - A postura do Antroplogo, que adentra na vida organizacional e a investiga com base

    em conceitos tericos previamente formulados, constantemente revistos e reformulados.

    - A postura do Clnico ou Terapeuta, que investiga a organizao a partir de um

    modelo terico prvio, o qual orienta a coleta, anlise e interpretao das informaes,

    buscando resolver problemas apontados por ela mesma.

    Por outro lado, os pesquisadores que abordam a pesquisa quantitativa defendem a

    utilizao de tipologias classificatrias e quadros conceituais, afirmando que estas

    proporcionam uma melhor compreenso da cultura organizacional, alm de levar menos

    tempo para a coleta e interpretao de dados. Sustentam tambm, que existem elementos

    culturais universais e, portanto, passveis de comparao entre as organizaes e/ou entre as

    subculturas existentes. Nesta perspectiva, a adoo de tcnicas estatsticas confere um maior

    grau de credibilidade, uma maior preciso e objetividade nos resultados (SILVA;

    MEDEIROS; ENDERS, 2011).

    Optou-se por combinar mtodos qualitativos e quantitativos, uma vez que as duas

    abordagens apresentam possibilidades e limitaes especficas. A abordagem qualitativa

    aproxima-se mais da subjetividade e complexidade caractersticas da cultura, por outro lado,

    no permite comparaes e generalizaes. Ao passo que a abordagem quantitativa compensa

    os aspectos que a qualitativa deixa a desejar, entretanto, falha na generalizao e

    superficialidade de seus mtodos.

    Essa disputa sobre qual mtodo deve ser utilizado nos estudos sobre cultura

    organizacional, vai alm de uma falta de consenso em termos metodolgicos, reflete tambm

    uma divergncia de paradigmas e metodologias. A abordagem quantitativa considera a

    universalidade dos elementos culturais, permitindo comparaes entre culturas de diversas

    organizaes. A abordagem qualitativa, por sua vez, entende que esses elementos da cultura

    so singulares dentro do contexto cultural e, portanto, no possibilitam fazer generalizaes.

    (LIMA, 2013).

    Deste modo, ainda que sejam questionadas tentativas de compreender a cultura por

    uma ou outra abordagem, com base nos objetivos estabelecidos, utilizou-se a tcnica de

  • 27

    triangulao8, a qual consiste na associao dos mtodos qualitativos e quantitativos, a fim de

    compensar as deficincias de cada abordagem (SILVA; MEDEIROS; ENDERS, 2011). A

    combinao dos mtodos permite uma descrio mais holstica9 da cultura, favorecendo sua

    compreenso, vez que pode clarear algo que no poderia ser entendido com a utilizao de um

    nico mtodo.

    Tomando por base os objetivos, inicialmente, realizou-se uma pesquisa bibliogrfica,

    buscando embasamento terico que subsidiasse a compreenso de ncleos ou eixos que

    contribuem na formao da cultura organizacional e como eles interagem na constituio do

    imaginrio.

    Para a constituio do imaginrio derivamos do entendimento de que os indivduos ou

    grupos definem seus ideais e os interiorizam. Antes de um grupo existir de fato, ele se

    imaginou e vislumbrou o que poderia ser e fazer, ou seja, criou uma imagem desejvel de si.

    O imaginrio justamente isso, a capacidade de um indivduo, grupo, organizao ou

    sociedade dar significao aos seus desejos: como se v, o que pensa, o que deseja, aonde se

    quer chegar? Desta conscincia o imaginrio o elemento fundador da sociedade, que

    engendra a vida social e todas as representaes originadas a partir da, inclusive a cultura

    organizacional (FREITAS, 1999). um conjunto de significaes constitudas e

    compartilhadas pelos membros de uma organizao ou grupo social. As organizaes no

    criam as estruturas psquicas dos indivduos, mas ajudam a moldar o imaginrio e dele podem

    se utilizar como maneira de compreender os grupos e a forma como sua cultura construda,

    o que eles definem como sendo os seus problemas e o meio de lidar com esses problemas, a

    relao que estabelece com o mundo e o seu lugar nesse mundo.

    valido ressaltar, que a reviso de literatura, nesse estudo, no buscou a definio de

    categorias a priori para ajustar os dados a posteriori. Ao contrrio, os ncleos ou eixos de

    sentido no so categorias com ttulo, mas mecanismos que permitem a construo de novas

    zonas de sentido que tornam a situao estudada compreensvel para o leitor (PALASSI;

    8 A triangulao a combinao de metodologias no estudo de um dado fenmeno. O termo uma metfora

    advinda da navegao e da estratgia militar que localiza a posio de determinado objeto atravs de vrios

    pontos de referncia. No estudo em questo utilizaremos a triangulao de teoria (que consiste na utilizao de

    vrias perspectivas ao invs de uma nica) e a triangulao metodolgica (na qual utilizamos diferentes mtodos

    e tcnicas para coletar e interpretar dados, como exemplo, a combinao de tcnicas qualitativas e quantitativas).

    A triangulao baseia-se no argumento de que a fraqueza de um nico mtodo pode ser compensada pela fora

    de outro (FLEURY; SHINYASHIKI; STEVANATO, 2009). 9

    A cultura organizacional considerada holstica permite uma maior integrao, valorizao da intuio,

    desenvolvimento pessoal e interao. A partir dessa viso as pessoas tm conscincia da sua importncia na

    organizao, buscando resgatar valores, estabelecer o dilogo, questionar e refletir sobre as aes e decises

    tomadas, fazendo surgir assim, a criatividade e um agradvel convvio entre si.

  • 28

    PAULA, 2014, p. 173). Nenhuma tipologia especfica foi utilizada, e no houve inteno de

    confirmar ou rejeitar as informaes obtidas a partir dos autores citados no referencial terico.

    Tambm no se teve uma preocupao com a descoberta da verdade, mas sim em reunir peas

    no contexto que componham um panorama o mais representativo possvel da realidade

    estudada, na qual estamos inseridos.

    Uma vez estabelecido o tema e os mtodos, a vez de nos aproximarmos para ver de

    perto a realidade estudada. Nesse intento, utilizou-se trs formas para obteno dos dados:

    pesquisa documental, pesquisa de opinio ou survey e entrevistas.

    Com a pesquisa documental, buscou-se dentro dos documentos institucionais

    Planejamento Estratgico, Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), Relatrios de

    Gesto e Relatrios de Avaliao Institucional, informaes sobre a histria da UFT, os

    diferentes momentos de gesto, suas metas, prioridades, polticas de desenvolvimento

    humano, enfim, tudo que pde nos ajudar a caracterizar o contexto estudado.

    Apesar da primordialidade em se realizar uma pesquisa que possibilitasse

    compreender a lgica que rege o dia-a-dia da Universidade, dada a natureza do objeto

    estudado, a complexidade da cultura, e o universo de aproximadamente 21 mil pessoas, entre

    alunos, professores e tcnicos-administrativos, a pesquisa abrangeu apenas a Reitoria.

    Exercida pelo Reitor, a Reitoria o rgo de poder executivo, de coordenao, de

    fiscalizao e de superintendncia das atividades universitrias, e composta da seguinte

    forma: 1) Gabinete do Reitor, 2) Gabinete do Vice-Reitor, 3) Pr-Reitorias (Graduao,

    Pesquisa e Ps-Graduao; Extenso e Assuntos Comunitrios, Administrao e Finanas,

    Avaliao e Planejamento, Assuntos Estudantis, Gesto e Desenvolvimento de Pessoas), 4)

    Procuradoria Jurdica10

    e 5) Prefeitura Universitria. Figuram tambm como rgos

    diretamente vinculados ao Gabinete do Reitor, as Diretorias de Tecnologia da Informao

    (DTI), de Comunicao (Dicom), de Assuntos Internacionais (DAI), de Tecnologias

    Educacionais (DTE) e a Comisso Permanente de Seleo (Copese), todas alvo da pesquisa.

    Participam deste estudo, portanto, dois tipos de populao. Uma, composta pelos

    tcnicos- administrativos, lotados na Reitoria da UFT, localizada no Cmpus de Palmas, aos

    quais aplicou-se um questionrio. A outra, constitui-se dos gestores da Reitoria que em

    10

    A Procuradoria Jurdica por ser um rgo consultivo, independente dentro da instituio, onde os procuradores

    so lotados na Advocacia Geral da Unio (AGU), a quem respondem diretamente, no foi pesquisada.

  • 29

    alguns casos so tcnicos-administrativos, e em outros professores , com os quais foram

    realizadas entrevistas.

    A opo por utilizar o survey se deu, tendo em vista a possibilidade de levantar um

    nmero maior de dados pela interrogao direta das pessoas envolvidas com o objeto cujo

    comportamento se deseja conhecer do que seria possvel com o uso de outras tcnicas.

    Conforme afirmao anterior, diferentes autores tm procurado desenvolver modelos

    tericos destinados a explicitar os diferentes traos ou elementos atravs dos quais a cultura

    organizacional pode se manifestar, entretanto, no foi encontrado instrumento que atendesse

    aos objetivos em tela, razo pela qual nenhuma tipologia ou modelo em especfico foi

    utilizado para a coleta e anlise dos dados. Na elaborao do questionrio, optou-se pela

    adaptao de ferramentas j existentes, com a insero e eliminao de questes, ao invs da

    concepo pela raiz. Foi considerado para este fim: a investigao de Maull et al. (2001, apud

    SOUSA, 2011), que parte da abordagem de cultura organizacional de Hofstede et al. (1990,

    apud SOUSA, 2011) que compreende as manifestaes culturais sob a forma de valores e

    prticas (agregando a estas: smbolos, heris e rituais); a Escala de Valores Organizacionais,

    elaborada por Tamayo e Gondim (1996); o Questionrio de Comprometimento

    Organizacional (Organizational Commitment Questionnaire - OCQ), elaborado por Mowday,

    Poter e Steers (1982, apud COSTA, 2005); o Inventrio de Cultura Organizacional

    (Organizational Culture Inventory - OCI), proposto por Cooke e Lafferty (1989, apud

    OLIVEIRA; GOMIDE JR., 2009) e adaptado e validado para o contexto brasileiro por

    Oliveira e Gomide Jr. (2009), e o roteiro de entrevista desenvolvido por Rodrigues (2013) em

    sua pesquisa sobre Cultura Organizacional e Mudanas na Gesto roteiro este que foi

    utilizado tambm com os gestores da UFT.

    Reunindo influncias dos modelos aqui mencionados, o questionrio (Apndice A)

    com perguntas abertas e fechadas foi desenvolvido com base no referencial terico, sendo

    composto por trs partes: a primeira parte com seis questes de identificao do perfil dos

    respondentes; a segunda com 56 afirmativas de mltipla escolha, a respeito da percepo dos

    tcnicos-administrativos em relao s questes culturais que permeiam a relao indivduo-

    organizao na UFT, analisadas em uma escala Likert11

    ; e, por ltimo, duas questes abertas

    11

    A escala de Likert baseada em uma ordem numrica, onde se demonstra a concordncia ou discordncia em

    relao s questes relacionadas ao objeto de estudo. A escala indica que quanto maior o resultado, maior ser a

    intensidade de ocorrncia do valor ou prtica organizacional na organizao.

  • 30

    de preenchimento facultativo (no obrigatrio), que tambm fizeram parte do roteiro de

    entrevista aplicada aos gestores.

    Considerando que na Reitoria trabalham 271 tcnicos-administrativos, foi estimado

    um quantitativo de, aproximadamente, 161 respondentes, com um nvel de confiana de 95%

    e margem de erro de at 5% (BARBETTA, 2008). O link do formulrio eletrnico12

    com o

    Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE (Apndice C) e as perguntas foram

    enviados para o e-mail institucional de todos os servidores tcnico-administrativos lotados na

    Reitoria, e ficou disponvel para respostas durante o perodo de trs meses (25 de setembro

    25 de dezembro de 2015), de modo que a amostra foi definida por acessibilidade e

    convenincia. Para o cruzamento e anlise dos dados quantitativos utilizou-se da estatstica

    descritiva a partir do processamento dos dados pelo software Statistical Package for Social

    Science for Windows-SPSS.

    Concomitantemente a aplicao dos questionrios, foram realizadas entrevistas com os

    gestores para se ter ideia dos dois lados da moeda: a percepo da cultura pelos tcnicos e

    gestores, cujo roteiro de entrevista (Apndice B) foi adaptado do estudo desenvolvido por

    Rodrigues (2013). Ao discutir tcnicas para uma possvel investigao dos fenmenos

    culturais em uma organizao, Schein (2009) atribui grande relevncia s entrevistas com os

    gestores, por estes serem elementos-chave da organizao. Um informante-chave tem

    conhecimento dos meandros da cultura, contudo pode levar o pesquisador a uma compreenso

    errnea se as falas dessa pessoa forem consideradas em separado. Por isso, durante as

    entrevistas procura-se ir alm do nvel mais evidente do universo simblico das organizaes,

    buscando adentrar no domnio dos pressupostos inconscientes (SCHEIN, 2009).

    importante ponderar que a pesquisa no buscou somente encontrar respostas para as

    perguntas, mas tambm descobrir questes, surpreendentes sob alguns aspectos, mas

    geralmente, mais pertinentes e adequadas do que aquelas que se colocava no incio

    (DESLAURIERS; KRISIT, 2010, p. 148). Desta forma, foi necessrio flexibilidade na

    seleo das questes e no comando das entrevistas, o que possibilitou a alterao ou

    modificao na conduo destas, a partir das respostas apresentadas.

    As entrevistas seguiram um modelo semi-estruturado e foram autorizadas, via TCLE

    (Apndice D). Alm disso, foram preparadas, gravadas em forma de udio e transcritas pela

    prpria pesquisadora.

    12

    Google Docs.

  • 31

    A anlise dos documentos, tanto das entrevistas como das questes abertas do

    questionrio, teve como objetivo levantar os elementos que pudessem ser teis discusso

    proposta no problema de pesquisa. Dentre o leque de possibilidades, foi utilizada a tcnica de

    anlise de contedo, desenvolvida por Bardin (2011), que visa interpretao de

    conhecimentos relativos ao objeto da pesquisa, por meio de procedimentos sistemticos e

    objetivos. A construo da anlise seguiu os seguintes passos: pr-anlise; explorao do

    material e tratamento dos resultados; inferncia e interpretao (BARDIN, 2011);

    representados neste estudo pelas categorias descritas no captulo referente discusso e

    anlise dos dados.

    Sobre a tcnica, oportuno ressaltar que, apesar de ser um ponto polmico e causar

    conflito entre qualitativistas e quantitativistas (CAMPOS, 2004), recorreu-se ao

    agrupamento de temas frequentemente repetidos pela maioria dos respondentes e aos assuntos

    que no se repetem, mas que tem valor e relevncia ao estudo.

    Por fim, aps a interpretao dos resultados observados qualiquantitativamente, por

    meio da triangulao entre o referencial terico, a anlise documental e a anlise dos dados

    provenientes dos questionrios e entrevistas, a devoluo dos dados para a populao

    pesquisada ocorrer atravs de um compilado dos elementos deste estudo de caso (Apndice

    E), com informaes detalhadas, na forma de tabelas, que ilustram os principais tpicos

    verificados, dos aspectos e percepes do que os tcnicos-administrativos compreendem da

    cultura organizacional na UFT. Espera-se, que esse conjunto de dados (produto da

    dissertao), possa ser aproveitado em uma eventual reaplicao desta pesquisa, servindo de

    parmetro para comparar o desenvolvimento de cada Eixo analisado.

  • 32

    3 A UNIVERSIDADE E A CULTURA ORGANIZACIONAL

    Um primeiro olhar sobre este trabalho, poderia causar a ideia de que trata-se de

    cultura, gesto pblica, organizaes, organizaes pblicas, instituies e universidades.

    medida que se avana, percebe-se a inteno de levar adiante no apenas o objetivo puro e

    simples de compreender a relao indivduo-organizao. H, por trs das propostas dos

    estudos sobre cultura organizacional, uma finalidade mais abrangente, que envolve

    transformao e aprimoramento das organizaes, por meio destas relaes, e, acima disto,

    fazer com que as organizaes sirvam, de forma satisfatria, aos anseios da sociedade, o que

    possvel pelo equilbrio entre objetivos individuais e organizacionais. Tal encadeamento faz

    desta dissertao um trabalho sobre as organizaes pblicas, mais propriamente as

    universidades, sob a perspectiva das manifestaes da cultura organizacional, num momento

    em que, cada vez mais, os estudos organizacionais reconhecem a importncia do simblico na

    dinmica das organizaes.

    Apesar de, historicamente, as pesquisas sobre o tema cultura organizacional estarem

    direcionadas mais para organizaes voltadas ao mercado, sua aplicao tambm

    sustentvel em organizaes pblicas, o que viabiliza a proposta aqui apresentada. Como

    veremos, porm, um estudo sobre cultura nas organizaes bastante amplo e seus conceitos

    se confundem, se interseccionam por qualquer via que tomemos.

    Os referenciais aqui apresentados foram trazidos com o intuito de possibilitar uma

    reflexo interdisciplinar e mais dilatada sobre o fenmeno em estudo. Destacam-se autores

    que apresentam discusses sobre cultura organizacional, num contexto geral, amplo e

    especfico, sem ater-se somente aos autores de uma nica vertente, buscando referenciais

    crticos sobre a temtica e suas diversas abordagens e aplicaes em contextos distintos.

    Referenciais da rea da Administrao, Antropologia, Sociologia e Psicologia foram

    abordados com o objetivo de apresentar melhor entendimento das nuances que permeiam o

    termo cultura organizacional. Comecemos, pois, a falar das organizaes.

  • 33

    3.1 Organizaes e Universidade

    Em todos os tempos a humanidade tem se preocupado em organizar sua estrutura

    social, poltica, econmica e cultural. Nesse af, o conhecimento13

    foi (e ainda continua

    sendo) o melhor meio de estruturar as sociedades, sempre divididas e conflitantes. Em vista

    disso, com o intuito de disseminar o conhecimento e promover o desenvolvimento, sobretudo

    aps a Revoluo Francesa, a universidade foi concebida como uma instituio social

    (republicana, pblica e laica), comprometida com a vida da sociedade em que est inserida.

    Essa relao ntima entre universidade e sociedade explica seu carter social, consolidado a

    partir do reconhecimento pblico de sua legitimidade fundada na ideia da universidade, que

    como um organismo vivo, elabora, desenvolve e transmite conhecimento para alm da

    satisfao das necessidades urgentes, mas principalmente para conduzir a evoluo social em

    todos os aspectos (CHAU, 2003; LIMA; CASTRO; CARVALHO, 2000; SILVA, 1999).

    Em sua essncia, a universidade possui uma autonomia sobre a universalidade do

    saber, que passa a ser sua atribuio a partir das revolues sociais desencadeadas no sculo

    XX, pelas quais a educao torna-se direito dos cidados, desvencilhando-se da religio e do

    Estado, com a democratizao do saber (CHAU, 2003).

    No que concerne especificidade institucional da universidade, necessrio salientar

    ainda, que suas estruturas caracterizadas por ordenamentos, regras, normas e valores de

    reconhecimento e legitimidade associam-se, tanto natureza particular de suas atividades,

    quanto ao seu carter social historicamente enraizado. Assim, a universidade pode ser descrita

    como uma instituio diferenciada e definida por sua autonomia intelectual determinada pela

    estrutura da sociedade e do Estado, e tal como estes, exprime pontos de vista, entendimentos e

    posicionamentos muitas vezes conflitantes. Embora no tenhamos a pretenso de discutir, em

    profundidade, a questo da autonomia, cabe ressaltar que esta relativa quando observada no

    contexto ideolgico das articulaes polticas, econmicas e sociais, as quais se refletem nas

    atividades acadmicas, cientficas e culturais, que dependem de financiamento

    governamental. De fato, a universidade distingue-se por incorporar objetivos variados e

    inclusive divergentes entre si, em momentos servindo manuteno do sistema poltico

    13

    Segundo Lima, Castro e Carvalho (2000, p. 2), o conhecimento aqui tido no somente como acumulao

    linear ou circular de saberes emergentes, mas, tambm, como processo de construo de saberes que podem ser

    postulados e flexibilizados de acordo com as modificaes que se fizerem necessrias a um determinado

    momento histrico ou at mesmo ao momento histrico desejado, com vistas ao desenvolvimento social.

  • 34

    dominante, e em outros servindo como fator de transformao social (GARCIA;

    CARLOTTO, 2013; SILVA, 1999).

    Ocorre que o ensino superior vem experimentando significativas mudanas em sua

    morfologia e funcionamento, o que tm dificultado o acompanhamento das universidades por

    todo o mundo. Fenmenos como a globalizao e os sucessivos avanos tecnolgicos tm

    influenciado no s a educao, mas todas as reas da vida, a maneira de se fazer poltica, a

    economia, a cultura, o relacionamento com o meio ambiente e o meio social.

    De acordo com Bauman (2008), o conceito de globalizao vem substituir o conceito

    de universalizao, a partir do momento em que percebeu-se que os vnculos e redes globais

    no tinham os traos caractersticos do antigo conceito. O novo termo resultado da natureza

    desordenada dos processos, das mudanas rpidas e constantes e da imprevisibilidade que

    tomou conta do mundo.

    Nesta tica, compreender a natureza das transformaes que incidem atualmente sobre

    as universidades, bem como conhecer e entender sua dinmica interna, essencial para um

    diagnstico aprofundado dos problemas que se apresentam e para levantar proposta de

    solues plausveis, visando projetar uma redefinio de seu papel e funcionamento

    institucional. Em outras palavras, de extrema relevncia discutir universidade e sociedade

    como um todo, vez que os problemas da universidade vo alm da sua constituio e

    desenvolvimento, pois englobam os movimentos e conflitos de um cenrio mais amplo que

    envolve toda a Educao Superior e a sociedade.

    Com a internacionalizao da Educao Superior, novas demandas socioeconmicas,

    polticas e culturais surgem, trazendo consigo a chamada Sociedade do Conhecimento, que

    acompanha a transformao do capital e da cincia14

    (a partir dessa nova configurao

    modifica-se o financiamento das pesquisas, que passam a se submeter s exigncias do

    prprio capital), e a transformao da universidade em organizao ou em entidade

    operacional (CHAU, 2003; MOROSINI; FERNANDES, 2011).

    De uma forma clssica, Bernoux (s.d.) caracteriza as organizaes pelos seguintes

    traos:

    14

    As mudanas geradas pelo modo de produo capitalista e pela tecnologia, a partir de 1940, transformaram a

    cincia, que deixa de ser a investigao de um objeto alheio realidade do pesquisador (investigao terica com

    aplicaes prticas) para se tornar uma fora produtiva (CHAU, 2003).

  • 35

    - Diviso das tarefas: um princpio da organizao e pressupe que o grupo

    estruturado e tem as suas atividades definidas e formalizadas (por escrito ou no);

    - Distribuio dos papis: a cada membro da organizao so atribudas tarefas

    definidas, ou seja, todo indivduo deve agir de acordo com sua funo. Numa analogia ao

    teatro, cada ator tem seu papel, e consequentemente, cada interpretao singular, assim

    como tambm no ambiente organizacional;

    - Sistema de autoridade: tem a finalidade de zelar pela adequao do comportamento

    dos indivduos aos objetivos organizacionais;

    - Sistema de comunicaes: tem como objetivo contribuir com o relacionamento entre

    os sujeitos. Permite aos membros do grupo contato rpido e a troca de informaes;

    - Sistema de contribuio-retribuio: o que as pessoas devem dar e o que devem

    receber. Estabelece-se na relao de trabalho uma troca, que nem sempre compreende

    somente a vantagens pecnias.

    Nesta lgica, o advento da Sociedade do Conhecimento expandiu o conceito de

    universidade e sociedade, na medida em que um grande nmero de informaes passou a

    circular com o intermdio das novas tecnologias, aproximando espao e tempo virtuais,

    exigindo que as organizaes tornem-se flexveis, criem estratgicas e se adequem a

    ambientes fluidos e instveis. Naturalmente, a continuidade de uma organizao depende no

    apenas de sua estrutura interna, mas tambm de sua capacidade de adaptao ao ambiente

    externo com suas mudanas contnuas e inesperadas. Segundo Chau:

    Ao se tornarem foras produtivas, o conhecimento e a informao passaram a

    compor o prprio capital, que passa a depender disso para sua acumulao e

    reproduo. Na medida em que, na forma atual do capitalismo, a hegemonia

    econmica pertence ao capital financeiro e no ao capital produtivo, a informao

    prevalece sobre o prprio conhecimento, uma vez que o capital financeiro opera com

    riquezas puramente virtuais, cuja existncia se reduz prpria informao (CHAU,

    2003, p. 8).

    Sob o status de organizao (regida por contratos de gesto e com sistemas contnuos

    de planejamento e avaliao de produtividade), a universidade deixa a formao intelectual e

    a pesquisa15

    e rende-se a estratgias competitivas, o que faz "as fronteiras entre a universidade

    15

    A universidade se relaciona com a sociedade e o setor produtivo buscando a soluo de seus problemas. Essa

    relao uma viso da universidade-empresa, que se aproxima da ideia de fbrica de conhecimentos em

    detrimento da imagem universitria de formadora de seres humanos. Da ento, a heteronomia da universidade

    autnoma (quando a universidade busca produzir conhecimentos com o intuito de aumentar as informaes para

  • 36

    e o setor produtivo se fluidificarem na gerao da fbrica do conhecimento" (VELHO, 1999

    apud PEREIRA, 2009, p. 48). Estruturada por normas e planos de eficcia organizacional

    torna-se indiferente ao conhecimento e formao, ocupando-se de abastecer a um mercado

    de trabalho vido por profissionais, que por sua vez, logo se tornam descartveis, caso no se

    reciclem ao longo da vida. No que se refere pesquisa, a universidade passa a ser uma

    fbrica de conhecimentos destinados apropriao privada.

    Nesta perspectiva, em que a lgica utilitarista da universidade tende a reduzir a

    construo do conhecimento mera produo de conhecimento mercadolgico baseado nas

    questes econmico-financeiras, Dias Sobrinho (2005, p. 122) analisa:

    No passado, a universidade foi pensada por intelectuais do peso dos Humboldt,

    Kant, Fichte, Karl Jasper, Heidegger, s para citar alguns alemes. Hoje, quem diz

    para os pases subdesenvolvidos e em desenvolvimento o que deve ser uma

    universidade so os economistas e funcionrios do Banco Mundial, do BID, do FMI,

    da OCDE, da COM e, nos mbitos nacionais, tcnicos dos Ministrios da Fazenda e

    do Planejamento.

    A partir de ento, em meio ao que alguns autores chamam de crise, o sentido de

    universidade se alterou no mundo todo. De fato, firmado num novo modelo poltico-

    econmico global, orientado pelos princpios neoliberais empregados por grande nmero de

    pases do mundo ocidental, inclusive o Brasil, o Estado acaba investindo cada vez menos nos

    servios pblicos de educao, transferindo para os setores privados, suas responsabilidades.

    De um modo geral, h uma progressiva dissociao entre Estado e universidade: a educao

    deixa de ser concebida como um direito passando a ser considerada um servio que pode tanto

    ser privado como privatizado (CHAU, 2003; LIMA; CASTRO; CARVALHO, 2011).

    Este cenrio que vivenciamos indica que todas as formas institucionalizadas da

    atividade humana incluindo as universidades so melhor entendidas e administradas

    quando concebidas como organizaes (GARCIA; CARLOTTO, 2013). E como uma

    sociedade organizacional, multiconectada em redes, se reinventando a cada dia na era da

    informao, as universidades necessitam de uma reorientao, pois, ainda que haja uma clara

    suprir as necessidades do mercado) e a progressiva irrelevncia de suas atividades (quando suas pesquisas so

    determinadas pelas exigncias de mercado, normalmente impostas pelos financiadores). Nesta perspectiva, a

    universidade abstm-se de sua caracterstica principal, a formao, e se utiliza de estratgias como aumento de

    horas/aula, avaliao de docentes pela quantidade de publicaes, diminuio do prazo para mestrados e

    doutorados e mais outra infinidade de relatrios e avaliaes, visando a otimizao na gerao de conhecimento.

    Por sua vez, as pesquisa passa a ser uma ttica de interveno e controle de instrumentos capaz de transpor

    obstculos para o alcance de determinado objetivo.

  • 37

    distino entre organizao e instituio16

    , e que usualmente alguns estudiosos no vejam com

    bons olhos o discurso da universidade como organizao, a crise do sistema de natureza

    estrutural e exige reformas profundas, devendo a universidade, portanto, evoluir para a forma

    da organizao moderna, que promove eficincia tcnica e social da instituio, superando a

    forma da comunidade corporativa e ineficiente que se autogoverna visando atingir objetivos

    autodefinidos (GARCIA; CARLOTTO, 2013, p. 660).

    Fundamentado a partir de uma perspectiva crtica dessa teoria organizacional, o

    conceito de organizao moderna, aplicado s universidades, amplia a viso e compreenso

    destas, para alm de questes institucionais operacionais e abstratas. Para Garcia e Carlotto

    (2013), tal conceito pode ser definido por quatro caractersticas bsicas. A primeira que ele

    refere-se independncia relativa dos elementos, isto , uma mudana engendra outras, que

    emergem como consequncias naturais das decises tomadas anteriormente. Neste sentido,

    caractersticas histricas apontam problemas para os quais as mudanas organizacionais so a

    soluo. A segunda caracterstica da organizao moderna baseia-se no fortalecimento das

    fronteiras institucionais que ampliam o controle das relaes entre universidade e ambiente

    externo. Esse formato possibilita a criao de uma identidade institucional. O terceiro

    componente organizacional a responsabilidade institucional. Neste caso, as universidades

    devem definir uma misso clara inclusive misso social e desenvolver estruturas formais,

    com tcnicas e procedimentos para alcan-la. A quarta caracterstica organizacional a ideia

    de gesto centralizada e hierarquizada com o controle das decises e das aes dos indivduos

    na organizao.

    possvel afirmar, segundo os autores (GARCIA; CARLOTTO, 2013), que as

    mudanas que perpassam a universidade s podem ser entendidas ao analisarmos seus

    diferentes contextos (interno e externo) e dimenses (histrica e cultural). Isto expressa

    claramente que as organizaes so um fenmeno bem mais complexo que uma mera

    associao formal e hierrquica de pessoas, que, de modo estruturado, trabalham

    cooperativamente para o cumprimento de determinados fins (FRIEDBERG, 1995; SROUR,

    1998).

    16

    Embora saibamos que o termo organizao difere de instituio, visto que o ltimo ultrapassa o carter

    instrumental e operacional conferido s organizaes, conseguindo articular interesses internos e externos, em

    uma filosofia organizacional que tem como seus princpios e valores a sociedade, para fins de conceituao neste

    trabalho, compreendemos organizaes e instituies como sinnimos, enquanto coletividades sociais

    formalmente institudas, pblicas ou privadas, determinadas a cumprir objetivos legitimados, e com obrigao de

    prestar contas sociedade.

  • 38

    Morgan (2010), diante da diversidade e complexidade com que as organizaes so

    definidas e estudadas, relaciona algumas metforas17

    que possibilitam a anlise dos

    fenmenos organizacionais, a saber:

    - Mecanicismo: organizaes percebidas como mquinas adotam formas burocrticas

    visando a um processo racional e tcnico, exigindo um rgido padro de comportamento e

    interao entre as pessoas.

    - Organicidade: organizaes vistas como uma rede de relacionamentos entre

    indivduos, grupos e ambiente. Sofre grande influncia da teoria da motivao, a fim de

    integrar as necessidades individuais e organizacionais.

    - Ciberntica: organizaes vistas como crebro, caracterizam-se pela flexibilidade,

    criatividade e inteligncia.

    - Cultura: organizaes consideradas realidades socialmente construdas, baseadas em

    valores, ideias, ritos, normas e crenas.

    - Sistema poltico: organizaes baseadas nos princpios de poder e autoridade e nas

    relaes superior-subordinado.

    - Priso Psquica: organizaes que tendem a aprisionar as pessoas numa teia psquica

    dos seus prprios pensamentos, crenas ou preocupaes que surgem no inconsciente

    humano.

    - Fluxo e transformao: organizaes que se consideram parte de um macroambiente

    e por isso mudam e evoluem com este.

    - Instrumento de dominao: organizaes que exploram; certas pessoas criam

    instrumentos de dominao sobre outras.

    De acordo com o autor, toda organizao encontra-se incorporada em um espao

    cultural e social; toda organizao ao processar matria-prima e proporcionar sociedade

    produtos e servios correspondentes sua funo social, est constantemente sujeita a

    transformaes do ambiente no qual esto inseridas, e deve, portanto ser examinada enquanto

    parte de um todo, com faces e implicaes econmicas, polticas, cu