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FUNDAÇÃO INSTITUTO CAPIXABA DE PESQUISAS EM CONTABILIDADE, ECONOMIA E FINANÇAS JOSÉ CARLOS CORRÊA GOVERNANÇA CORPORATIVA NA EMPRESA FAMILIAR: o estudo de caso da Rede Gazeta VITÓRIA-ES 2007

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FUNDAÇÃO INSTITUTO CAPIXABA DE PESQUISAS EM CONTABILIDADE, ECONOMIA E FINANÇAS

JOSÉ CARLOS CORRÊA

GOVERNANÇA CORPORATIVA NA EMPRESA FAMILIAR: o estudo de caso da Rede Gazeta

VITÓRIA-ES2007

JOSÉ CARLOS CORRÊA

GOVERNANÇA CORPORATIVA NA EMPRESA FAMILIAR: o estudo de caso da Rede Gazeta

Dissertação apresentada no Mestrado de Ciências Contábeis da Fundação Instituto Capixaba de Pesquisas em Contabilidade, Economia e Finanças (FUCAPE), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Contábeis – nível Profissionalizante.

Orientador: Annor da Silva Junior

VITÓRIA-ES2007

2

Dedico este trabalho a Dodora,

que ilumina a minha vida

3

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador Annor Silva Junior, por me ajudar a abrir os caminhos, e à

equipe da Rede Gazeta, por me dar acesso às informações que tornaram possível a

realização deste trabalho.

A todos os colegas da turma de Mestrado 2005/1, especialmente a Newton

Valadão Junior e Tatiana Ferrari Heringer que, ao compartilharem comigo

aprendizado, conhecimento e estudo, me ajudaram a concluir o curso e este trabalho.

4

““De tudo ficaram três coisas: s certeza

de estar sempre começando, a certeza de

que é preciso continuar e a certeza de ser

interrompido antes de terminar. Fazer da

interrupção um caminho novo, da queda um

passo de dança, do medo uma escada, do

sonho uma ponte, da procura um encontro”

(Fernando Sabino)

5

RESUMO

Descreve e analisa o relacionamento entre a estrutura de propriedade e a estrutura de direção e as conseqüências desse relacionamento na dinâmica gerencial de um grupo empresarial familiar, no caso a Rede Gazeta de Vitória, Estado do Espírito Santo. A Rede Gazeta é um grupo empresarial formado por oito empresas ligadas à área de comunicação social, concentrando a sua atuação no Estado do Espírito Santo. A mais antiga das empresas do grupo, a S/A A Gazeta, foi fundada em 11/9/1928 quando passou a editar o jornal A Gazeta. Em 1948 S/A A Gazeta passou ao controle da família Lindenberg que continua no comando do grupo até os dias de hoje. O grupo empresarial se consolidou na década de 1970 com a criação de uma segunda empresa – A Gazeta do Espírito Santo Rádio e TV Ltda – que passou a operar uma emissora de televisão e, posteriormente, duas emissoras de rádio. O grupo passou por uma reorganização na década de 1990, quando realizou o seu primeiro ciclo de Planejamento Estratégico adotando, a partir daí, a estrutura de Unidades Estratégicas de Negócio e a gestão de executivos profissionais. Em 2000 passou por um processo de sucessão em que o seu principal executivo transferiu a direção geral para o seu filho. Este trabalho estuda essas mudanças e as conseqüências na gestão com base na teoria de modelo de governança e empresa familiar. Metodologicamente este trabalho pode ser caracterizado como uma pesquisa qualitativa, de natureza descritiva e analítica, que utiliza o método de estudo de caso, com os dados sendo colhidos através de entrevistas semi-estruturadas, observação participante e análise documental. A análise dos dados destaca que o grupo estudado percorre uma trajetória de profissionalização em que é cada vez maior a definição de papéis e responsabilidades entre a estrutura de propriedade e de direção, com reflexos em seus resultados, vivendo uma fase de aperfeiçoamento da configuração adotada de governança corporativa.

Palavras-chave: Governança Corporativa, Empresa Familiar, Estratégia e Estrutura Organizacional.

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ABSTRACT

Describes and analyses the relationship between the structures of property and of management, and the consequences of those relationships in the administration dynamics in a family business group, Gazeta Network in Vitória, state of Espírito Santo. Gazeta Network is a business group formed by nine corporations in the communication business, concentrating its business in the state cited above. The oldest corporation, a common law called “A Gazeta”, was started in 9/11/1928, when it started editing the A Gazeta newspaper. In 1948 this corporation went on to be controlled by the Lindenberg family, who still in command up to 2006. the group consolidated in the 1970’s by going to the radio and tv businesses and went thru a reorganization in the 1990’s, when it underwent its first cicle of strategic planning, adopting, from then on, the strategic business units structure, and a professional management team. In 2000 the company went thru a succession process in which its CEO transferred the general management to his son. This work studies the changes and the consequence in the management based on theory of governance, agency conflict and family business. Methodologically it can be classified as a qualitative research, descriptive and analytical, which uses the case study method. Data were collected in semi-structured interviews, participant observation and document analysis. The data analysis highlights that the group that was studied is under a profissionalizing path, in which the definition of roles and reponsibility between the structures of property and administration is rising, undergoing a phase of perfecting the configuration adopted as it´s corporate governance.

Key words: Corporative Governance, Family Business, Strategy and Organization Structure.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................ 9

2 REFERENCIAL TEÓRICO...................................................................... 12

2.1 EMPRESAS FAMILIARES......................................................................... 12

2.2 GOVERNANÇA CORPORATIVA................................................................. 17

2.3 A GOVERNANÇA CORPORATIVA NAS EMPRESAS FAMILIARES...................... 41

2.4 DINÂMICA ORGANIZACIONAL (COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL)........... 43

3 PROPOSTA METODOLÓGICA............................................................... 51

3.1 ESTRATÉGIA DE PESQUISA..................................................................... 51

3.2 MÉTODO............................................................................................... 52 3.3 UNIDADE DE ANÁLISE E DE OBSERVAÇÃO................................................. 54 3.4 COLETA E ANÁLISE DE DADOS................................................................. 54 4 O ESTUDO DE CASO DA REDE GAZETA............................................. 57

4.1 HISTÓRICO............................................................................................ 57

4.2 A REDE GAZETA NA ATUALIDADE............................................................. 70

4.3 CONSIDERAÇÕES ANALÍTICAS.................................................................. 81

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................... 100

REFERÊNCIAS ........................................................................................... 104

ANEXOS ................................................................................................. 108

APÊNDICES................................................................................................. 114

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Capítulo 1

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho é uma pesquisa que objetiva descrever e analisar o

relacionamento entre a estrutura de propriedade e a estrutura de direção e verificar

quais são as suas conseqüências na dinâmica gerencial de uma rede de

comunicação familiar brasileira, a Rede Gazeta, da cidade de Vitória, Estado do

Espírito Santo.

A pesquisa se ampara em duas correntes teóricas que tratam de Governança

Corporativa e Empresa Familiar, utilizadas para fundamentar a análise do caso de um

grupo empresarial controlado pela mesma família há 59 anos, que passa por um

processo de profissionalização e definição de papéis das estruturas de propriedade e

de direção desde que promoveu a reorganização de sua estrutura no início dos anos

1970 e, de forma mais acentuada, após a realização do Planejamento Estratégico de

1992.

Governança Corporativa é uma expressão que surgiu e conquistou espaço nas

organizações a partir da década de 1960 e aborda a relação entre a propriedade e a

direção. Segundo Andrade e Rossetti (2006, p. 71), “a maior competitividade obriga

as organizações a estar permanentemente buscando formas de dar maior eficácia à

sua atuação” e uma dessas formas é a da contratação de executivos para gerir a

empresa o que pode gerar o divórcio entre a propriedade e a direção ocasionando

mudanças na “estrutura de poder nas companhias” que, por sua vez, podem culminar

em conflitos que possam ser o objeto de atenção da Governança Corporativa.

9

A relevância da presente pesquisa decorre da constatação de que a

constituição e a atuação de órgãos de governança em empresas familiares

apresentam problemática diferente e mais complexa do que em empresas não

familiares (WARD, 1991), considerando as conseqüências decorrentes da

sobreposição da atuação de agentes nos subsistemas família, propriedade e direção.

O estudo da trajetória da Rede Gazeta revela uma experiência única que, sem

a pretensão de generalizações, poderá servir de referência para a construção de

modelos de governança em empresas familiares, organizações que correspondem a

80% das empresas do mundo (GERSIK et al., 1997) e 90% dos trezentos maiores

grupos privados brasileiros (HARTMANN, 1997).

O presente trabalho pretende, assim, abordar a seguinte questão-problema: De

que forma o relacionamento entre a propriedade e a direção se processa e quais

são as conseqüências desse relacionamento para a dinâmica gerencial de uma

rede de comunicação familiar?

O objetivo geral desta pesquisa é o de descrever e analisar como o

relacionamento entre a estrutura de propriedade e a estrutura de direção se processa

e verificar quais são as conseqüências desse relacionamento para a dinâmica

gerencial de uma rede de comunicação familiar.

Os objetivos específicos são: (1) Levantar e descrever o histórico da Rede

Gazeta; (2) Identificar e analisar o arranjo estrutural da Rede Gazeta; (3) Descrever e

analisar como se configura a estrutura de propriedade da Rede Gazeta; (4)

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Descrever e analisar como se configura a estrutura de direção da Rede Gazeta; (5)

Descrever e analisar o relacionamento entre as estruturas de propriedade e de

direção; (6) Descrever e analisar a configuração de governança corporativa na Rede

Gazeta; e (7) Identificar as conseqüências da configuração de governança corporativa

na dinâmica gerencial da Rede Gazeta.

A pesquisa realizada é qualitativa com base em estudo de caso que tem como

unidade de análise a Rede Gazeta, daí porque tem limitações na medida em que não

comporta generalizações. Ela se fez através de análise documental, realização de

entrevistas semi-estruturadas e observação participante, considerando que o

pesquisador teve participação direta no ambiente onde ocorreu o fenômeno.

Este estudo está estruturado em cinco capítulos. O primeiro se dedica à

introdução, com definição do problema a ser estudado e a explicitação dos objetivos e

justificativa. O segundo capítulo traz o referencial teórico de governança corporativa,

empresas familiares e a governança corporativa, a profissionalização em empresas

familiares e a dinâmica organizacional. O terceiro detalha a metodologia utilizada. O

quarto é dedicado ao estudo de caso da Rede Gazeta com o histórico, os episódios e

características mais relevantes e as considerações analíticas. O quinto faz as

Considerações Finais do trabalho.

11

Capítulo 2

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Este capítulo aborda a teoria de empresas familiares, governança corporativa,

e a governança corporativa nas empresas familiares.

2.1 EMPRESAS FAMILIARES

As empresas familiares, entendidas como aquelas em que os membros de uma

ou várias famílias detêm a maioria da propriedade, são as mais numerosas em todo o

mundo. Gersik et al. (1997) registram que as empresas familiares correspondem a

80% das empresas do mundo e Hartmann (1997) que são familiares

aproximadamente 90% dos trezentos maiores grupos privados brasileiros.

Church (1993) define empresa familiar como a que se origina de relações de

parentesco e vínculos pessoais. Para Bernhoeft (1989, apud SILVA; FISCHER;

DAVEL, 1999) empresa familiar é a que possui sua origem e sua história vinculadas a

uma família ou que mantém membros da família na administração dos negócios.

Tagiuri e Danis (1996, apud SILVA; FISCHER; DAVEL, 1999), por sua vez,

consideram familiares as organizações em que dois ou mais membros da família

influenciam a direção dos negócios utilizando-se dos laços de parentesco, papéis de

gerenciamento ou direito de propriedade. Chandler (apud CHURCH, 1993) é mais

direto quando afirma que firma familiar é aquela em que a propriedade é controlada e

gerenciada por uma família.

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2.1.1 O modelo de Três Círculos (M3C)

Gersik et al. (1997, p. 6) retrataram a empresa familiar em um modelo formado

por três subsistemas, a saber: família, propriedade e direção/gestão.

Fonte: GERSIK et al, 1997, p. 6Figura 1 – Modelo de Três Círculos

Os três subsistemas são definidos como independentes mas, ao mesmo

tempo, superpostos, de tal forma que qualquer integrante de uma empresa familiar

pode ser enquadrado em um dos sete setores formados pela superposição. Tais

setores são: (1) familiares sem participação nos outros subsistemas; (2) sócios-

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proprietários não gestores e não familiares; (3) gestores não proprietários e não

familiares; (4) familiares proprietários sem participação na gestão; (5) proprietários

gestores não familiares; (6) gestores familiares não proprietários; e (7) familiares

gestores e proprietários.

Observa Silva Junior (2006, p. 26) que cada subsistema envolve personagens

com interesses específicos que, quando convergentes, geram situações de

estabilidade e cooperação, “porém, quando divergentes e contraditórios entre si, tem-

se uma fonte inesgotável de conflitos”.

2.1.2 Ciclos de vida

Gersik et al. (1997), a partir do Modelo de Três Círculos, M3C, descrevem

quatro tipos clássicos de empresa familiar: (1) empresa do proprietário fundador; (2)

empresa familiar crescendo e evoluindo – sociedade de irmãos; (3) empresa familiar

complexa - consórcio de primos; e (4) empresa familiar à beira da transição.

• Empresa do proprietário fundador – O empreendedor é uma figura complexa, com

característica contraditórias: parte aventureiro, parte desajustado; ora benfeitor, ora

explorador; parte gênio, parte louco. Pode ter profunda influência sobre a cultura

organizacional. O empreendedor sofre influência de dois tipos de forças: as que

empurram e as que puxam. As que empurram representam as disposições

psicológicas e eventos da vida que despertam nele o interesse em iniciar uma

empresa; as que puxam referem-se às condições econômicas e ambientais que

tornam atraentes os novos empreendimentos. As influências do fundador de uma

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empresa familiar podem permanecer presentes por gerações que vão além do seu

próprio tempo de vida.

• Empresa Crescendo e Evoluindo – Sociedade de Irmãos – É o ciclo de vida em que

a empresa familiar tem como desafios consolidar o controle acionário na segunda

geração, desenvolver um processo de entrada para a próxima geração e reestruturar

a empresa e seus sistemas para iniciar e sustentar o crescimento. Os irmãos,

proprietários-gerentes, precisam desenvolver habilidades e competências para dirigir

em conjunto a empresa familiar, bem como estabelecer relacionamentos construtivos,

cooperativos e de confiança entre si e com os funcionários não pertencentes à família.

A atitude empreendedora dos proprietários familiares e dos gestores profissionais é

fundamental para que a empresa inove e seja criativa para melhor se posicionar no

mercado em que atua.

• Empresa Familiar Complexa – Consórcio de Primos – É o tipo que possui mais alto

grau de complexidade, o que dificulta o gerenciamento. Há necessidade de um líder

forte, da família ou não, capaz de conseguir a lealdade de clientes, funcionários e

proprietários. Precisa investir no próprio negócio, principalmente em tecnologia,

desenvolvimento de pessoas e marketing, para garantir a sua sobrevivência e

continuidade.

• Empresa à Beira da Transição – É o tipo em que o grupo de proprietários, a família e

a empresa estão na iminência de mudar de líder, ou deixar de existir como empresa

familiar. É aquela em que o processo sucessório ocorre nos três círculos (família,

propriedade e gestão).

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2.1.3 Sucessão

Para Leone (1999, apud CAPELÃO, 2000, p. 142) a sucessão em empresas

familiares é “o rito de transferência de poder e de capital entre a geração que

atualmente dirige e a que virá a dirigir”.

Essa perspectiva de sucessão pressupõe que o rito (de passagem) de transferência de poder e de capital entre uma geração e outra envolve um processo relativamente longo, que, via de regra, se inicia quando quem está no comando toma consciência de que sua atuação não será eterna e de que terá que se afastar da direção da empresa (SILVA JUNIOR, 2006, p. 34).

A sucessão é considerada como um processo que pode definir o sucesso ou o

fracasso de uma empresa familiar. Para Oliveira (1999), a sucessão pode ser familiar

ou profissional. Para Lodi (1989) é essencial que a empresa familiar planeje o seu

processo sucessório.

A sucessão foi tema de pesquisa realizada em 89 empresas familiares, cujos

resultados foram assim abordados por Lodi (1999) citando Lansberg e Astrachan: (1)

a coesão familiar prediz a qualidade da relação do sucessor com os donos-gestores,

mas não entre os sucessores; (2) a adaptabilidade familiar tem efeito positivo sobre a

qualidade da relação entre o dono-gestor e o sucessor; (3) a coesão familiar afeta

positivamente o comprometimento da família com a firma; (4) o comprometimento da

família com o negócio está associado positivamente à sucessão; (5) o

comprometimento da família afeta o grau de treinamento do sucessor; e (6) a

qualidade da relação entre o dono-gestor e o sucessor afeta a extensão do

treinamento do sucessor.

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Diante dos resultados da pesquisa, Silva Junior (2006) conclui que “a qualidade

das relações bem como o comprometimento da família com a empresa são fatores

determinantes de uma boa sucessão, seja ela profissional seja familiar”.

2.2 GOVERNANÇA CORPORATIVA

A governança corporativa, entendida como o relacionamento entre os agentes

que atuam em uma empresa, mereceu atenção dos pesquisadores dos países anglo-

saxônicos nas décadas de 1960 e 1970. Nas décadas de 1980 e 1990 ela passou a

ocupar maior espaço nos estudos organizacionais em função dos escândalos

financeiros que envolveram grandes corporações como a Worldcom/MCI, a Enrow e a

Parmalat (SILVA JUNIOR, 2006). Inicialmente adotadas em grandes corporações, as

melhores práticas de governança corporativa foram, aos poucos, se disseminando

também entre as empresas de médio porte.

O conceito de governança corporativa, segundo Silva Junior (2006) ainda está

em construção, mas é possível perceber que ele ultrapassa os limites do papel do

conselho de administração para abordar, de forma mais ampla, o papel da

organização na sociedade.

Visto que o conceito ainda está em construção, torna-se necessário identificar

o significado de três termos amplamente utilizados na abordagem da governança

corporativa: propriedade, direção1 e controle. Neste estudo, esses termos assumem

os seguintes significados: a propriedade é o direito de usar, gozar e dispor de bens; e

1 Neste trabalho, com o objetivo de facilitar o entendimento das questões abordadas, as expressões “direção” e “gestão” foram consideradas com o mesmo significado.

17

direção é a ação de planejar, organizar, liderar e controlar os meios para alcançar os

objetivos organizacionais fixados, sendo que o controle se refere à relação de domínio

que alguém exerce sobre alguma coisa ou sobre outrem (SILVA JUNIOR, 2006).

Blair (1995) define a governança corporativa como todo conjunto legal, cultural

e institucional, todos os arranjos que determinam publicamente o que a corporação

deve fazer, quem os controla, como o controle é exercido e como o risco e o retorno

das atividades são colocados.

No início do século XX, os fundadores-proprietários, tradicionalmente,

“assumiam três papéis: o de ter interesses como acionistas e controladores, o de

exercer a gestão e o de ter poder efetivo sobre os rumos da companhia” (ANDRADE;

ROSSETTI, 2006, p. 71). Com a expansão das empresas, os executivos passaram a

assumir o papel de gestores. Considerando que, conforme Andrade e Rossetti (2006,

p. 71) “o poder é exercido pela gestão, não pela propriedade”, tal fato pode ocasionar

conflitos já que os interesses dos executivos “podem não ser os mesmos dos

proprietários”. “Os gestores podem estar interessados em outros objetivos, que vão

da segurança das operações, sob aversão a riscos, até a elevação de seus próprios

ganhos, em detrimento da renda dos acionistas” (ANDRADE; ROSSETTI, 2006, p.

71).

Tedlow e John Jr (1986) e Rajan e Zingales (2000) vêem outra vantagem

significativa na governança. Para eles, a administração empresarial, principalmente

nas grandes organizações, se tornou um trabalho extremamente complexo que exige

a participação de especialistas em diferentes áreas funcionais. A separação da

propriedade e da gestão pode, então, se tornar um arranjo institucional que daria

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imensas oportunidades para o desenvolvimento do patrimônio das empresas, já que a

organização passa a ser dirigida por profissionais com qualificações muito maiores

que os proprietários poderiam ter.

Na abordagem conceitual da governança corporativa, três aspectos merecem

destaque: (1) os interesses da propriedade, ou seja, dos acionistas (shareholders ou

stockholders); (2) o papel da direção; e (3) o papel dos stakeholders, ou seja, de

outras partes interessadas. A propriedade tem como principal interesse transformar a

corporação em um instrumento em que o capital seja aplicado de tal forma a

maximizar o lucro e o ganho dos proprietários com um risco satisfatório. O papel da

direção é o de determinar os elementos fundamentais no comportamento corporativo

e a composição do corpo diretivo e dos líderes corporativos (SCOTT, 1997). Os

stakeholders são definidos por Freeman (1984) como qualquer grupo ou pessoa que

possa afetar ou ser afetado pelos objetivos organizacionais. Atkinson e Waterhouse

(1997) classificam os stakeholders como primários (sem os quais a corporação não

sobreviverá, como acionistas, controladores, empregados, fornecedores e

consumidores) e secundários (que possuem algum grau de importância, porém sem

comprometer a sobrevivência da corporação como a comunidade, o Governo e os

sindicatos). A relação entre os stakeholders e a corporação envolve questões

relativas a perda ou risco que, no entendimento de Clarkson (1994) podem ser

voluntários (afetando aqueles que investiram alguma forma de capital humano ou

financeiro na firma) ou involuntário (os que estão sujeitos a riscos resultantes da ação

da firma).

19

2.2.1 Bases conceituais

Os textos que se seguem abordam os principais fundamentos conceituais da

governança corporativa a partir da abordagem de Berle e Means, de Galbraith, e de

Cadbury, e dos Princípios da OECD, Organização Econômica de Cooperação e

Desenvolvimento.

2.2.1.1 A abordagem de Berle e Means

O clássico de Berle e Means, lançado em 1932, “The modern corporation and

private property”, é reconhecido como uma das bases conceituais da governança

corporativa. A obra trata de três aspectos do mundo corporativo: (1) o afastamento

entre a propriedade e a direção das grandes corporações; (2) as mudanças no

comando das companhias – dos proprietários para os diretores – e as divergências de

interesses entre eles; e (3) a inadequação das concepções tradicionais sobre o

controle das sociedades abertas e sobre o objetivo clássico de maximização do lucro.

Esses aspectos foram assim definidos (ANDRADE; ROSSETTI, 2006):

• O afastamento entre a propriedade e a direção das grandes corporações – O

controle das grandes companhias, organizadas na forma de sociedades anônimas,

não está nas mãos dos proprietários do capital acionário; a direção executiva é que

passa a ser, efetivamente, a “proprietária” das companhias. Nas empresas de capital

fechado ou nas abertas em que ainda há a predominância de um grupo de acionistas

efetivamente presentes, a propriedade e a direção estão nas mesmas mãos.

20

• As mudanças no comando das companhias – dos proprietários para os gestores – e

as divergências de interesses entre eles – Os interesses dos detentores da riqueza

acionária são: (1) o usufruto de uma parcela do lucro da companhia, líquido de

impostos, destinada ao pagamento de dividendos; (2) o aumento do valor de mercado

da companhia, traduzido em valorização das ações no mercado de capitais; (3) no

caso de liquidação ou de venda da companhia, receber por suas ações a parte

correspondente aos valores praticados. Havendo discordância quanto à condução da

empresa ou ao modelo de gestão, a alternativa dos acionistas é a venda das ações o

que exige que as ações tenham liquidez e implica na despersonalização da

propriedade e no aumento da independência da companhia em relação aos seus

proprietários, independência que se transfere para a direção executiva. Ficam, em

conseqüência, estabelecidos dois grupos com interesses distintos: o dos proprietários

que não dispõem da direção e o dos que estão na direção e que não dispõem da

propriedade.

• A inadequação das concepções tradicionais sobre o controle das sociedades

abertas e sobre o objetivo clássico de maximização do lucro – Surgiram novos

conceitos que tratam (1) da distinção da propriedade privada passiva da ativa; (2) dos

que vêem na sociedade anônima uma variante dominante de propriedade coletiva

embora privada; e (3) da desvinculação da propriedade, legalmente reconhecida, do

domínio efetivo dos ativos reais e ela associados. Segundo Andrade e Rossetti (2006)

esses novos conceitos levaram a cinco tipos de controles da riqueza privada: (1) o

controle pleno pelos próprios proprietários da riqueza; (2) o controle por grupos

majoritários; (3) o controle por mecanismos legais; (4) o controle minoritário; e (5) o

controle administrativo. A crescente dispersão da propriedade das ações, por outro

lado, e a conseqüente separação entre a propriedade e a gestão, abriram espaço

21

para que o objetivo central das empresas pudesse passar a ser o interesse dos

gestores ao invés da maximização do lucro.

Reconhecendo, porém, que a ortodoxia econômica já havia percebido estas

possibilidades, Berle e Means transcreveram passagens da obra de Smith2: “Não se

pode esperar que os diretores das companhias que administram o dinheiro de outras

pessoas zelem por ele e o façam com a mesma vigilância cuidadosa dos sócios de

uma empresa privada”.

Para Andrade e Rossetti (2006, p. 78), “a abordagem pioneira de Berle e

Means fertilizou um novo campo de conhecimento que nos últimos 20 anos traduziu-

se pela expressão governança corporativa”.

2.2.1.2 A abordagem de Galbraith

Outro clássico – “The new industrial state” -, de 1967, de autoria de J.K.

Galbraith, adicionou mais dois pontos à abordagem de Berle e Means, ambos

relacionados à tecnoestrutura da organização: (1) sua importância como suporte do

desenvolvimento da moderna sociedade industrial, e (2) as condições de sua

ascensão e de sua sustentação como fator econômico dotado de poder.

2 Adam Smith (1723-1790), economista e filósofo escocês, autor de “Wealth of Nations” (1776), é considerado o mais importante teórico do liberalismo econômico.

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Três aspectos podem ser ressaltados da abordagem de Galbraith, segundo

Andrade e Rossetti (2006):

1) As novas realidades corporativas – Analisando a realidade corporativa dos

Estados Unidos nos anos 1960, Galbraith constatava (1) a constituição de

conselhos pro forma, cooptados pela direção executiva das companhias; e (2)

o divórcio pré-anunciado por Berle e Means entre a propriedade acionária e a

administração corporativa.

2) A tecnoestrutura da organização – Nos anos 1950 e 1960 houve provas do

deslocamento do poder dos proprietários para os administradores dentro das

grandes companhias, tornando o poder dos acionistas cada vez mais tênue.

3) Lucros: a segurança da tecnoestrutura – A hipótese da maximização do lucro

foi retomada, mas não para ser questionada como objetivo corporativo

predominante. O primeiro requisito para a sobrevivência da tecnoestrutura e

para a manutenção de seu poder é que ela preserve a sua autonomia –

considerada como condição inseparável de quem exerce o poder. O poder

permanecerá firme nas mãos da tecnoestrutura enquanto a inteligência da

organização for capaz de realizar lucros que satisfaçam as expectativas dos

acionistas.

2.2.1.3 O relatório Cadbury

Influenciado pelo ativismo pessoal de Sir Adrian Cadbury, o Relatório Cadbury,

publicado em 1992, pode ser considerado, segundo Silva Junior (2006), como um

marco histórico de constituição da moderna governança corporativa. Cadbury foi

escolhido pelo Banco da Inglaterra como chairman da comissão formada para estudar

23

e analisar a composição, o papel, a forma de atuação e a responsabilidade dos

conselhos de administração das corporações inglesas no momento seguinte à

ocorrência de uma série de escândalos envolvendo o mundo corporativo na

Inglaterra. A Comissão Cadbury, como resultado dos seus trabalhos, publicou

relatório concluindo pela separação de responsabilidades entre conselhos de

administração e de direção e pela constituição de um conselho de administração onde

ficasse assegurado o direcionamento e o controle da corporação nas mãos da

estrutura de propriedade.

Foram quatro as recomendações principais do Relatório Cadbury:

1) Conselho de Administração – deve reunir-se regularmente, manter controle sobre a

companhia e monitorar sua direção executiva no que se refere à clareza da divisão de

responsabilidade do conselho e da direção, no equilíbrio do poder e da autoridade, do

não-acúmulo de funções entre o presidente do conselho e o diretor executivo, no

pleno acesso ao aconselhamento do principal executivo e no consenso na

contratação de assessorias profissionais independentes.

2) Conselheiros Não Executivos – os conselheiros devem exercer julgamentos

independentes sobre estratégia, desempenho, destinação dos recursos e padrões de

conduta da companhia.

3) Conselheiros Executivos – admite-se a existência de conselheiros na direção,

desde que não excedam três anos no cargo sem aprovação dos acionistas e sejam

explicitadas as bases de avaliação de desempenho.

4) Relatórios e Controles – é dever do conselho apresentar avaliação equilibrada e

compreensível da situação da companhia, com o propósito de assegurar uma relação

objetiva e profissional com os auditores, implantar um comitê de auditoria constituído

por pelo menos três conselheiros não executivos, com clara definição de autoridade e

24

de responsabilidade, registrar sua responsabilidade na preparação do texto que

acompanha os relatórios dos auditores e reportar sobre a eficácia do sistema interno

de controle.

2.2.1.4 Os Princípios da OECD

Outro marco histórico “e pilar da moderna governança corporativa”, segundo

Silva Junior (2006, p. 61), foi estabelecido pela OECD, Organização Econômica de

Cooperação e Desenvolvimento, uma organização multilateral que congrega os trinta

países industrializados mais desenvolvidos do mundo.

São os seguintes os aspectos principais considerados pela OECD:

• Não há modelo único de governança corporativa, embora possam ser identificados

elementos comuns que dão suporte às melhores práticas.

• Os princípios de governança são de natureza evolutiva e devem ser revistos sempre

que ocorrerem mudanças significativas dentro das corporações e em seu entorno;

• Para se manterem competitivas em um mundo em transformação, as corporações

precisam inovar e adaptar suas práticas de governança, a fim de atender a novas

exigências e alavancar novas oportunidades;

• Os governos têm grande responsabilidade na criação de uma estrutura reguladora

que proporcione flexibilidade suficiente para que os mercados funcionem de maneira

eficaz e atendam aos interesses dos acionistas e de outros stakeholders;

• São os governos, os órgãos reguladores do mercado de capitais, as corporações e

seus acionistas que devem decidir os princípios de governança, levando em conta os

custos e benefícios de sua regulamentação.

25

Os princípios da OECD, publicados em 1999, podem ser assim resumidos:

• Direitos dos Acionistas – a governança corporativa deve proteger os direitos dos

acionistas no que se refere ao registro seguro, à alienação e à transferência da

participação acionária, à obtenção de informações relevantes, à participação e voto

em assembléias gerais ordinárias, à eleição de conselheiros e às informações sobre

direitos de voto.

• Tratamento Equânime dos Acionistas – a estrutura de governança deve assegurar

tratamento equânime a todos os acionistas, majoritários e minoritários, nacionais e

estrangeiros, garantindo dentro de uma mesma categoria os mesmos direitos de voto,

a igualdade quanto a processos e procedimentos para participação em assembléias

gerais, a proibição de práticas baseadas em informações privilegiadas e ao acesso

igual a fatos relevantes divulgados por conselheiros e diretores.

• Papel das Partes Interessadas – a estrutura de governança deve reconhecer direitos

de outras partes interessadas na criação de riqueza e na sustentação de corporações

economicamente sólidas, reparação, no caso de violação de direitos, à adoção de

mecanismos para maior participação e melhor desempenho e ao acesso de

informações pertinentes a seus interesses.

• Divulgação e Transparência – a governança corporativa deve assegurar a

divulgação oportuna e precisa de todos os fatos relevantes relativos à empresa, no

que se refere à estrutura e à política de governança, aos objetivos e estratégias, aos

fatores previsíveis de riscos e vulnerabilidades e às informações preparadas e

auditadas segundo os mais altos critérios contábeis.

• Responsabilidade do Conselho de Administração – a governança deve definir as

responsabilidades dos conselhos, envolvendo orientação, fiscalização e prestação de

contas das corporações quanto à orientação e à homologação da estratégia

26

corporativa, ao estabelecimento de objetivos de desempenho, à fiscalização e à

administração de conflitos potenciais de interesses, à garantia da integridade dos

sistemas contábil e financeiro e à assunção de posicionamento independente sobre

assuntos de interesse corporativo.

2.2.2 Os modelos de governança

TurnBull (1997), com base no estudo de Hawley e Williams (1996) elaborado

para a OCDE, destaca quatro modelos de governança: (1) Modelo Financeiro

Simples, com ênfase em assegurar o retorno do capital investido; (2) Modelo de

Administração ou de Representação, em que o corpo diretivo é o representante dos

interesses organizacionais; (3) Modelo de Stakeholder, em que os elementos de inter-

relação da organização têm maior relevância que os acionistas; e (4) Modelo Político,

em que os interesses do investidor convergem para um processo de articulação

política interna que visa aumentar o seu direito de voto.

• Modelo Financeiro Simples – Tem como base estudos realizados nas corporações

que atuam nas economias americana, canadense, britânica e australiana, onde a

maior parcela das ações pertence a investidores institucionais, como os fundos de

pensões. Os gerentes dos fundos têm grande poder atuando, em alguns casos, em

benefício próprio, relegando a um segundo plano os interesses dos investidores. Para

minimizar o problema devem ser instituídos controles rigorosos para alinhar o

comportamento dos administradores aos interesses dos proprietários.

27

• Modelo de Administração ou Representação (Stwardship) – Os gerentes são

reconhecidos como bons administradores e são motivados por metas e

responsabilidades. O modelo sugere que os gerentes são mais eficientes para gerir a

corporação do que os conselhos de administração.

• Modelo de Stakeholder – A corporação é tida como um sistema de stakeholders

operando em uma sociedade que provê a infra-estrutura legal e de mercado.

Contempla um conjunto mais amplo de interesses além dos interesses dos acionistas.

Tendem a ganhar destaque, nesse modelo, os acionistas e empregados e também os

credores, fornecedores, clientes, consumidores, comunidade, sociedade, Governo e

meio-ambiente.

• Modelo Político – Reconhece que a alocação de poder corporativo, privilégios e

lucros entre proprietários, gerentes e outros stakeholders é determinada pela atuação

política no sistema de governança. Os interesses de um grupo podem, por meio de

articulações políticas, aumentar o direito de voto no conselho de administração para

reverter a política corporativa dominante.

2.2.3 Teoria de agência

Segundo a Teoria da Nova Economia Institucional (NEI), também denominada

Economia dos Custos de Transação (ECT), em uma organização há dois

pressupostos presentes no comportamento dos agentes: (1) a racionalidade limitada,

e (2) o oportunismo. A racionalidade limitada se refere ao fato de que por mais que

uma pessoa procure fazer o ótimo ela não conseguirá alcançar tal comportamento por

28

causa de suas limitações (WILLIAMSON, 1993). O oportunismo representa o auto-

interesse da pessoa. Segundo Zylberstajn (1995), o auto-interesse nem sempre está

vinculado ao comportamento oportunista, mas o oportunismo tem um princípio não-

cooperativo em que a informação que um agente possui pode significar um benefício

para si caso ela não esteja disponível para o outro agente, pois se trata de uma

informação privilegiada.

A Teoria da Agência incorpora esses dois pressupostos ao considerar que as

transações ocorrem em ambiente de incerteza e de assimetria informacional, em um

relacionamento entre a agência (ou contratos) em que uma ou mais pessoas (o

principal) contratam uma outra (o agente) para executar algum serviço que envolva a

delegação de tomada de decisão e autoridade para o agente (JENSEN; MECKLING,

1976).

A relação entre o principal e o agente, segundo a Teoria de Agência, comporta

duas dimensões: (1) a inter-organizacional (entre empresas, organizações não

governamentais e estado), e (2) a intra-organizacional (internamente nas

organizações).

Sendo a organização um complexo de contratos que se caracterizam pela

incompletude, assimetria informacional e risco moral3, os acordos contratuais estão

sempre sujeitos a riscos que estão presentes nas relações entre a propriedade e a

direção. “Se ambas as partes da relação são maximadoras da utilidade existente, há

uma boa razão para acreditar que o agente não atuará sempre no melhor interesse do

principal” (JENSEN; MECKLING, 1976, p. 308). A Teoria da Agência se apóia nos 3 O Risco Moral corresponde ao comportamento de agente econômico que, ao receber um tipo de cobertura para suas ações, diminui os cuidados correspondentes a essas ações.

29

fundamentos de que é a divergência de interesses do principal (acionista) e do agente

(diretor executivo) que gera os conflitos de agência.

Para Andrade e Rossetti (2006), as várias hipóteses de conflitos potenciais nas

organizações têm sua origem na dispersão do capital das corporações e na

conseqüente separação entre a propriedade e a direção. A teoria da governança

corporativa denomina esses conflitos de conflitos de agência, associando-os aos

axiomas fundamentais, sintetizados por Klein e Jensen-Meckling, da inexistência do

contrato completo e da inexistência do agente perfeito.

2.2.3.1 A origem dos conflitos de agência

Duas forças empreendedoras (financiamento externo e financiamento interno)

alavancaram o desenvolvimento das grandes corporações e pulverizaram o seu

controle acionário. Como “foram pouco comuns as ocorrências de sucessores que

tivessem interesse e aptidão para o exercício de funções gerenciais e para o

desenvolvimento dos negócios, a conseqüência inevitável foi a separação entre a

propriedade e a gestão” (ANDRADE; ROSSETTI, 2006, p. 84). Foi assim que os

acionistas se tornaram outorgantes e os gestores contratados para a direção

executiva se tornaram outorgados.

No modelo de gestão das grandes corporações do moderno capitalismo,

segundo Andrade e Rossetti (2006), os acionistas, como agentes principais e

outorgantes, estão focados em decisões financeiras, em alocação eficaz de recursos,

em carteiras de máximo retorno, em riscos e em diversificação de aplicações. E,

30

como outorgados e agentes executores, os detentores de cargos de direção estão

focados em decisões empresariais, no domínio do negócio, em conhecimentos de

gestão, em estratégias e em operações. Aos diretores os acionistas fornecem os

recursos para a capitalização dos empreendimentos e as remunerações pelos

serviços de direção; em contrapartida, os diretores fornecem serviços que maximizam

o retorno dos acionistas, com o compromisso de prestarem informações precisas,

oportunas, confiáveis e abrangentes sobre a condução dos negócios, sobre os riscos

e vulnerabilidade da empresa e sobre suas perspectivas futuras. Estabelece-se,

assim, entre os dois agentes, o outorgante (principal) e o outorgado (agente), uma

relação de agência, fundamentada na contratação de decisões que maximizem o

valor do empreendimento, a riqueza dos acionistas e o retorno de seus investimentos.

Os diretores profissionais, porém, também têm seus próprios interesses. Em

torno desta relação de agência, poderão estar em oposição algumas decisões que

maximizam o retorno total dos acionistas em contraposição às que maximizam o

interesse dos diretores.

2.2.3.2 As razões dos conflitos de agência

Os conflitos de agência no mundo dos negócios ocorrem por duas razões

principais: (1) Sintetizada no axioma de Klein, segundo o qual não existe contrato

completo; (2) Sintetizada no axioma de Jensen-Meckling, que justifica a inexistência

do agente perfeito.

31

Segundo o axioma de Klein, os contratos perfeitos e completos, abrangendo

todas as contingências e as respostas às mudanças e aos desafios do ambiente de

negócios, não existem por três razões essenciais: (1) O grande número de

contingências possíveis; (2) A multiplicidade de reações às contingências; e (3) a

crescente freqüência com que as contingências imprevisíveis passaram a ocorrer.

Isso sem contar, como Alchian e Demsetz já haviam destacado, que as corporações de negócios são um nexo de contratos que envolvem, além de acionistas e gestores, fornecedores, trabalhadores e clientes, o que multiplica a probabilidade de ocorrência de condições contratuais de difícil definição ex-ante (ANDRADE; ROSSETTI, 2006, p. 86).

Já o axioma de Jensen e Meckling trata da inexistência do agente perfeito.

Para Andrade e Rossetti (2006, p. 87),

Desde a abordagem pioneira de Ross, ficou evidenciada uma das razões das dificuldades de alinhamento dos interesses dos gestores com os dos acionistas: a força do interesse próprio, que se sobrepõe aos interesses de terceiros, mesmo à presença de condições hierárquicas para a tomada de decisões. A suposição é de que a cooperação desinteressada dificilmente prevalece em relação ao jogo de interesses. Conseqüentemente, o agente executor está propenso à tomada de decisões que fortaleçam a sua posição e que beneficiem os seus propósitos.

Em “The nature of man”, Jensen e Meckling exploram a hipótese de que a

natureza humana, utilitarista e racional, “conduz os indivíduos a maximizarem uma

‘função utilidade’ voltada muito mais para as suas próprias preferências e os seus

próprios objetivos” (ANDRADE; ROSSETTI, 2006, p. 87).

Carvalho (2002) define a boa governança como a adoção de mecanismos que

forçassem os administradores não acionistas a proteger os interesses dos acionistas.

Para Andrade e Rossetti (2006, p. 87), uma das questões cruciais da governança

32

corporativa é “evitar o comportamento oportunista dos gestores, descrito como

“moral, harzard” (risco moral).

Os conflitos de agência são as razões principais que levaram as empresas a

adotarem práticas de governança, “mas não são as únicas”, segundo Andrade e

Rossetti (2006, p. 89). Devem ser considerados, também, os fatores internos e

externos que levaram as empresas à necessidade de mudar a sua gestão para

enfrentar os desafios de um ambiente externo cada vez mais complexo e competitivo.

Para eles há três conjuntos de razões para a adoção da governança corporativa: (1) o

relacionamento acionistas-corporações; (2) a atuação da direção executiva; e (3) a

constituição de conselhos de administração.

Com relação ao relacionamento acionistas-corporações, Andrade e Rossetti

(2006) consideram que os processos que levaram à separação entre a propriedade e

a gestão conduziram também a inadequações nas relações entre detentores de

cargos de direção e acionistas. Como as relações formais e regulares foram pouco a

pouco destruídas, passaram a prevalecer a opacidade ou o acesso privilegiado a

informações.

Os modos de atuação da direção executiva das corporações também

contribuíram para a adoção de práticas de governança em conseqüência do

desagrado demonstrado pelos acionistas com esses modos.

Para Dalton et al. (1998), a maior parte dos conselhos de administração passou

a ser colegiados pro forma, pouco dedicados a agir no interesse dos proprietários, e,

em geral, não questionavam as ações oportunistas dos gestores, aprovando

33

facilmente iniciativas que eles propunham em proveito próprio sem cumprir a função

de proteger os direitos dos acionistas. O Relatório Cadbury menciona essa prática, o

sistema dos Old Boys Club, ou Clube dos Conselheiros, em que conselheiros

participavam de conselhos de companhias uns dos outros, cruzando interesses e

favores (SILVA JUNIOR, 2006). Com a adoção das práticas de boa governança, os

conselhos passaram a ser objeto de mudanças.

Sob a denominação de conflitos de agência, observaram-se pelo menos quatro

aspectos da gestão em que o agenciamento mostrava-se ineficaz, quando não

frontalmente prejudicial aos interesses dos proprietários:

• Autobenefícios em escala exagerada;

• Gestão mais focada no curto prazo: estratégias defensivas;

• Diretrizes impactantes não consensadas;

• Manipulação de resultados.

Pratt e Zeckauser (1984), Jensen e Meckling (1999) e Vives (2000) consideram

que a diretriz fundamental é a de que os recursos empresariais devem sempre ser

empregados no interesse dos acionistas/proprietários. É para assegurar que essa

diretriz seja cumprida é que é criado, na empresa, o conselho de administração,

constituído para representar os acionistas/proprietários e agir como um intermediário

entre os investidores participantes da empresa e os gestores da organização. O

conselho tem poderes de governança sobre os gestores da empresa para (1) orientar

a sua ação através da fixação da missão, objetivos e metas da companhia que devem

nortear as estratégias e as operações empresariais; e (2) fiscalizar se as aplicações

dos recursos da empresa estão em sintonia com o interesses dos

acionistas/proprietários.

34

Harris e Towsend (1981, apud MARTIN; SANTOS; DIAS FILHO, 2004) alertam

para o fato de que na maior parte das empresas os administradores, além de

decidirem e fazerem, têm, também, o poder de informar sobre o que fazem. Como

são eles que aplicam os recursos, o fato de produzirem as informações sobre suas

decisões pode resultar em assimetrias de informação, risco que é conhecido como o

risco de agenciamento.

Com o objetivo de equacionar e conter o risco de agenciamento a governança

tem, para Harris e Towsend (1981, apud MARTIN; SANTOS; DIAS FILHO, 2004) três

atribuições fundamentais voltadas para o controle da gestão dos recursos mobilizados

pela empresa:

• Assegurar que todas as obrigações legais e contratuais da empresa sejam atendidas

e seus recursos sejam adequadamente empregados na missão empresarial, sem que

ocorram carências de proteção, fraudes, abusos de poder ou desvios dos objetivos.

Esse é o chamado problema do controle da custódia dos recursos.

• Garantir que os recursos mobilizados pela empresa sejam destinados à geração de

resultados para os acionistas/proprietários e que esses resultados estejam em

conformidade com suas expectativas e sua percepção dos riscos do negócio. Esse é

o chamado problema do controle do desempenho dos recursos.

• Assegurar que os administradores não irão praticar a omissão, a ocultação, a

distorção ou o atraso na comunicação das informações sobre a custódia e o

desempenho dos recursos investidos. Esse é o problema do controle da veracidade e

da qualidade da informação.

35

2.2.3.3 A Teoria de agência e a Governança Corporativa

Não existe um único modelo de Governança Corporativa. Segundo Silva Junior

(2006, p. 89) os vários modelos existentes estão relacionados “aos valores moldados

sob a influência dos traços culturais e institucionais dos estados nacionais, de sua

formação econômica e de seu estágio de desenvolvimento empresarial e corporativo”.

Todos os modelos, entretanto, estão relacionados à Teoria de Agência, ou seja, à

situação em que os interesses e as motivações das partes envolvidas no

relacionamento podem ser convergentes ou divergentes. Havendo convergência de

interesses e motivações, os agentes estão alinhados em objetivos comuns; havendo

divergência, surgem os conflitos “que precisam ser regulados e/ou controlados de

alguma forma” pelo agente principal (SILVA JUNIOR, 2006, p. 90).

É a divergência entre os interesses do principal (acionista) e do agente (diretor executivo) que gera o conflito de agência. Historicamente, desde as observações de Berle e Means de que nas grandes corporações americanas a propriedade acionária estava dispersa e dissociada da direção executiva da companhia, muitos dos estudos sobre governança corporativa basearam-se no princípio de que as empresas pertencem aos acionistas e que, em razão disso, sua administração deve ser feita em benefício deles (SILVA JUNIOR, 2006, p. 90).

A governança corporativa trata exatamente do conflito de agência, do

oportunismo de decisões dos diretores executivos que não visem à maximização do

valor das ações. Para Silva Junior (2006, p. 90), “a boa prática da governança

corporativa significaria a adoção de mecanismos que forçassem os diretores

executivos (não acionistas) a proteger os interesses dos acionistas”.

Para Andrade e Rossetti (2006, p. 117), “o máximo retorno total dos

proprietários é um objetivo que pressupõe o controle dos conflitos e dos custos de

36

agência – raízes histórias da governança corporativa”. Desta forma, segundo os

mesmos autores, as decisões dos administradores devem estar voltadas para

formular e implementar políticas que maximizem o retorno dos investimentos.

Com base nesses pressupostos, Andrade e Rossetti (2006) sintetizam o que

entendem como a boa governança corporativa: (1) é estar voltada para a geração de

valor e para a perenidade das empresas; (2) é buscar a harmonização da geração do

máximo retorno total dos proprietários com outros interesses internos e externos; e (3)

é ser vista como fundamental para a criação de um ambiente de negócios saudável e

confiável, importante para o desenvolvimento do mercado de capitais, a capitalização

das empresas e o crescimento econômico das nações.

2.2.4 A configuração de governança corporativa

Ao identificar e analisar os diversos modelos de governança corporativa no

mundo, Andrade e Rossetti (2006) enfatizam as diferenças entre os modelos

internacionais. Entre os modelos internacionais citados estão os praticados nos

Estados Unidos e no Reino Unido (anglo-saxão); na Alemanha; no Japão; na Itália,

França, Espanha e Portugal (latino-europeu) e em seis países da América Latina,

Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru (latino-americano).

Andrade e Rossetti (2006) definem dez fatores de diferenciação que

configuram a governança corporativa, fundamentados em quatro abordagens: (1) A

abordagem de Prowse (focada nas constituições dos conselhos de administração e

em outros mecanismos internos de governança), (2) A abordagem de La Porta,

37

Lopez-de-Silanes e Shleider (que enfatiza a concentração da propriedade acionária e

a proteção dos minoritários), (3) A abordagem de Berglöf (que destaca a fonte de

financiamento predominante) e (4) A abordagem de Franks e Mayer (que analisa as

diferenças atribuídas às forças de controle internas e externas).

São os seguintes os dez fatores de diferenciação adotados por Andrade e

Rossetti (2006):

1) Fonte predominante de financiamento das empresas – o capital pode

pertencer aos acionistas ou originar-se do mercado, podendo ser do tipo

concentrado ou pulverizado.

2) Relação entre a propriedade e o controle – esta relação define a natureza

do controle, se concentrado na propriedade ou pulverizado.

3) Relação entre a propriedade e a gestão – determina a existência da

dissociação ou sobreposição entre a estrutura de propriedade e a estrutura

de direção.

4) Tipologia dos conflitos de agência – se os conflitos ocorrem entre acionistas

majoritários e minoritários e/ou entre acionistas e gestores.

5) Proteção legal dos minoritários – se há instrumentos normativos que

determinam o tipo de proteção que é dado aos acionistas minoritários.

6) Dimensões atuais, composição e forma de atuação dos conselhos de

administração – esses aspectos identificam a estrutura, a composição e a

atuação do conselho de administração como representante dos interesses

da estrutura de propriedade.

7) Liquidez de participação acionária – que pode ser alta, baixa, especulativa

e/ou oscilante, sofrendo impactos pela predominância da concentração de

ações.

38

8) Forças de controle mais atuantes – podem ser externas (de mercado) ou

internas (de controle e estrutura de poder).

9) Estágio em que se encontra a adoção das práticas de boa governança –

avaliação do quanto a empresa utilizou as práticas sugeridas, dependendo

do modelo de governança adotado.

10) Abrangência dos modelos de governança praticados – os modelos podem

privilegiar os interesses apenas dos shareholders ou de um grupo mais

ampliado de stakeholders.

2.2.5 A governança corporativa no Brasil

Segundo Andrade e Rossetti (2006), as empresas latino-americanas

caracterizam-se por elevado grau de concentração patrimonial e, em decorrência,

mesmo nas maiores sociedades de capital aberto, a participação controladora está

nas mãos de grupos familiares. A existência de acionistas majoritários plenamente

engajados na gestão constitui uma grande força interna de controle, assegurando

supervisão ativa e suporte financeiro em situações de crise.

No Brasil, as condições internas nas corporações, de acordo com Andrade e

Rossetti (2006, p. 463) são: (1) alta sobreposição entre a propriedade e a diretoria

executiva; (2) estilo de gestão predominante do tipo command-and-control; e (3) em

empresas familiares, não se observa segregação e clareza na divisão dos papéis dos

acionistas, do conselho de administração e da diretoria executiva, do que decorre um

alto potencial de geração de conflitos.

39

Para Andrade e Rossetti (2006), de todas as condições influenciadoras do

ambiente interno da governança corporativa que definem o modelo brasileiro de

governança, as reunidas no cenário corporativo são as de maior influência. Entre

essas condições está a alta concentração da propriedade acionária e,

conseqüentemente, o poder exercido pelo bloco de controle.

A combinação desta condição com a cultura empresarial e com o estilo de gestão predominante, que se observa principalmente nos grupos familiares tradicionais, conduz a práticas internas ainda bem distantes das recomendadas pelos códigos de boa governança (ANDRADE; ROSSETTI, 2006, p. 463).

No Brasil, é pequeno o grupo de empresas em que há clara separação entre a

propriedade e a direção executiva e, embora distintos, os papéis do conselho de

administração e dos gestores não estão claramente separados em todas as

empresas.

Segundo Silva Junior (2006) a governança corporativa começou a ser discutida

no Brasil de forma mais sistemática a partir de 1955 com a criação do Instituto

Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) que se dedica à disseminação das

práticas de governança e a qualificação de proprietários, acionistas, profissionais e

gestores com relação ao tema. Coube ao IBGC elaborar o Código das Melhores

Práticas de Governança Corporativa com base na Lei das Sociedades Anônimas (Lei

nº 6.404/76, alterada e ampliada pela Lei nº 10.303/01) que regulamenta as práticas e

ações das S/A.

Costa (2003, apud SILVA JUNIOR, 2006) considera que a Lei das Sociedades

Anônimas é um divisor de águas em termos da atuação dos conselhos de

administração no Brasil pois tornou obrigatória a presença desses conselhos. Após

40

alguns anos em que muitas empresas preenchiam os cargos no conselho com

“amigos da casa”, algo assemelhado ao que ocorria com o Old Boys Club

mencionado no Relatório Cadbury, a legislação passou a contemplar questões como

a representação de acionistas minoritários no conselho e equiparação entre as ações

ordinárias e preferenciais, entre outras alterações.

A Lei das S/A determina que o conselho deve ser composto por, no mínimo,

três membros, eleitos pela assembléia geral, com a atribuição de fixar a orientação

geral da companhia e eleger, destituir, fixar as atribuições e fiscalizar a gestão dos

diretores. A lei regula, ainda, a atuação dos diretores fixando o seu mandato por um

período nunca superior a três anos, permitida a reeleição. É permitida a participação

de, no máximo, um terço dos membros do conselho de administração em cargos da

diretoria.

O modelo brasileiro de governança corporativa caracteriza-se por uma forte

concentração da propriedade em apenas alguns acionistas majoritários, o que resulta

em sobreposição entre a propriedade e a direção, pequena representatividade dos

acionistas minoritários e procedimentos de governança informais (SILVA JUNIOR,

2006).

2.3 A GOVERNANÇA CORPORATIVA NAS EMPRESAS FAMILIARES

Para Ward (1991), nas empresas familiares a constituição e a atuação de

órgãos de governança apresentam uma problemática diferente e mais complexa do

que em empresas não familiares.

41

Gallo (1993) identifica dois grupos de trabalho que atuam na governança das

empresas: (1) o comitê de direção ou de gestão, que busca integrar os diretores na

formulação e na implementação da estratégia empresarial; e (2) o conselho de

administração, que supervisiona os que têm o poder de dirigir a empresa.

A questão central a ser definida na implantação da governança corporativa em

uma empresa familiar são as funções de cada um desses grupos de trabalho. Entre

essas funções, segundo Lawrence e Lorsch (1967), estão as de integração (deve-se

integrar o que previamente está dissociado) e de controle (deve-se controlar aquilo

que foi delegado).

Gersik et al. (1997) lembram que a empresa familiar se articula em torno dos

subsistemas da família, da propriedade e da gestão. E que ela, ao longo de sua

trajetória de ciclos de vida, passa por fases de estrutura mais simples (dirigida pelo

seu fundador) até assumir uma forma organizacional mais complexa (com o ingresso

de uma quantidade maior de sócios) para atender às novas demandas.

Nesse contexto, ressalta Silva Junior (2006, p. 96) que é até possível que a

empresa familiar passe por longos períodos sem um órgão qualquer de governança.

E quando o adota a maioria dos membros é ligada pelos laços de propriedade e de

gestão, o que reduz a sua capacidade de resolver conflitos “principalmente pelo fato

de esse tipo de órgão de governo representar um espaço para familiares e

proprietários exercitarem mais seus interesses pessoais do que os interesses da

empresa”.

42

Para evitar que essa característica comprometa a gestão do empreendimento,

é cada vez maior o número de empresas familiares que buscam na governança

corporativa a forma adequada de tratar as questões relativas à relação entre a família,

a propriedade e a direção.

2.4 A DINÂMICA ORGANIZACIONAL (COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL)

Comportamento organizacional, neste trabalho identificado como dinâmica

organizacional, é um campo de estudo ligado à escola comportamental que “investiga

o impacto que indivíduos, grupos e a estrutura têm sobre o comportamento dentro das

organizações com o propósito de aplicar este conhecimento em prol do

aprimoramento da eficácia de uma organização” (ROBBINS, 1998, p. 6). Para Wagner

III e Hollenbeck (2003, p. 6) o comportamento organizacional “é um campo de estudo

voltado a prever, explicar, compreender e modificar o comportamento humano no

contexto das empresas”.

Para o contexto desta pesquisa foram adotadas três variáveis do

comportamento organizacional, ou dinâmica organizacional, que são os aspectos

ligados à estratégia e à estrutura organizacionais e à profissionalização da gestão.

2.4.1 Estratégia organizacional

A estratégia, segundo Wright, Kroll e Parnell (2000, p. 24) “refere-se aos planos

da alta administração para alcançar resultados consistentes com a missão e os

objetivos gerais da organização”. Ela pode ser vista através de três ângulos: (1) a

43

formulação da estratégia (desenvolvimento da estratégia); (2) a implementação da

estratégia (colocar a estratégia em ação); e (3) o controle estratégico (modificar ou a

estratégia, ou sua implementação, para assegurar que os resultados desejados sejam

alcançados).

A formulação da estratégia se inicia com a análise ambiental de oportunidades

e ameaças para, em seguida, ligar o ambiente interno da organização (recursos,

missão e objetivos da organização) ao ambiente externo “por uma seta de duplo

sentido” que significa que a missão e os objetivos gerais “são determinados no

contexto das oportunidades e ameaças ambientais, bem como de pontos fortes e

fracos da empresa (seus recursos)” (WRIGHT; KROLL; PARNELL, 2000, p. 25).

As decisões estratégicas, para Wright, Kroll e Parnell (2000, p. 34) “envolvem

um longo período de tempo, algo entre alguns anos até uma década. Em

conseqüência, [...] são orientadas para o futuro, com ramificações a longo prazo”.

Uma vez que a estratégia planejada seja implementada, freqüentemente irá requerer modificações à medida que as condições ambientais ou organizacionais modificam-se. Essas mudanças são sempre difíceis, ou mesmo impossíveis de prever. Na verdade, é rara a situação em que a alta administração é capaz de desenvolver um plano estratégico de longo prazo e implementá-lo por vários anos sem qualquer necessidade de modificação. Conseqüentemente, uma estratégia pretendida (o que a administração originalmente planejou) pode ser realizada em sua forma original, em uma forma modificada ou até mesmo em uma forma completamente diferente. [...] Normalmente a estratégia pretendida e a estratégia realizada (o que a administração implementa na realidade) diferem (WRIGHT; KROLL; PARNELL, 2000, p. 37).

O controle estratégico, de acordo com Wright, Kroll e Parnell (2000, p. 42)

“consiste em determinar até que ponto os objetivos da organização estão sendo

atingidos”. Se os objetivos gerais e específicos não estão sendo atingidos como o

44

planejado, “a função do controle é modificar as estratégias da empresa ou sua

implementação” (WRIGHT; KROLL; PARNELL, 2000, p. 339).

A maioria das empresas, segundo Wright, Kroll e Parnell (2000), começa a

existir como organizações com apenas um único negócio. Ao competir em um único

setor, uma empresa beneficia-se do conhecimento especializado que obtém

concentrando-se em uma área limitada de negócio. No entanto, isso pode aumentar a

vulnerabilidade da empresa aos ciclos de negócio. Para superar isso, as organizações

podem optar pela operação em diferentes setores, ou seja, pela diversificação.

As empresas podem fazer a diversificação em negócios relacionados ou não-relacionados. A diversificação não relacionada é movida pelo desejo de capitalizar as oportunidades de lucro em qualquer setor. [...] a diversificação relacionada implica em atuar em outros negócios que têm semelhanças ou complementaridades em importantes dimensões estratégicas (WRIGHT; KROLL; PARNELL, 2000, p. 131).

Para Wright, Kroll e Parnell (2000), as empresas têm três estratégias de nível

empresarial para escolher: a de crescimento, a de estabilidade ou a de redução. Na

estratégia de crescimento, elas podem optar:

• Pelo crescimento interno (por meio do aumento das vendas, da capacidade de

produção e da força de trabalho) que pode ser horizontal (envolvendo a criação de

novas empresas) ou vertical (criando negócios dentro do canal vertical de distribuição

da empresa);

• Pela integração horizontal (adquirindo outras empresas na mesma linha de

negócios);

• Pela diversificação horizontal relacionada (quando uma empresa adquire outra de

um setor externo a seu campo de operações atual, mas que está relacionada a suas

competências essenciais);

45

• Pela diversificação horizontal não relacionada (quando adquire outra empresa de

um setor não relacionado);

• Pela integração vertical de empresas relacionadas (pela aquisição de uma empresa

com competências essenciais semelhantes ou complementares no canal de

distribuição vertical);

• Pela integração de empresas não relacionadas (com transferência ou partilha de

competências essenciais);

• Por fusões (quando duas ou mais empresas combinam-se em uma empresa por

uma permuta de ações); e

• Por aliança estratégicas (parcerias em que duas ou mais empresas realizam um

projeto específico ou cooperam em determinada área de negócio).

A unidade de negócio, segundo Wright, Kroll e Parnell (2000, p.185), “é um

subsistema organizacional que tem um mercado, um conjunto de concorrentes e uma

missão diferentes dos de outros subsistemas organizacionais da empresa”. Os

administradores das unidades de negócio podem escolher entre várias estratégias

genéricas para orientar suas organizações.

Para as pequenas unidades de negócio, essas estratégias, de acordo com

Wright, Kroll e Parnell (2000), são:

• Estratégia de nicho-custos baixos – Enfatiza a manutenção de custos gerais em um

nível baixo e o atendimento de um pequeno segmento do mercado.

• Estratégia de nicho-diferenciação – É adequada para unidades de negócio que

produzem bens ou serviços altamente diferenciados que suprem as necessidades

especializadas de uma estreita faixa de clientes ou um nicho de mercado.

46

• Estratégia de nicho-custos baixos/diferenciação – Nessa estratégia, a unidade

produz bens ou serviços altamente diferenciados, que suprem as necessidades

especializadas de um grupo seleto de clientes ou um nicho de mercado, ao mesmo

tempo mantendo custos baixos.

Para grandes unidades de negócio as estratégias genéricas são, segundo

Wright, Kroll e Parnell (2000):

• Estratégia de custos baixos – Produzir bens e serviços sem sofisticação que

atendem todo um setor.

• Estratégia de diferenciação – Oferecer produtos ou serviços diferenciados para todo

um setor.

• Estratégia de custos baixos-diferenciação – Atender ao mesmo mercado grande,

relativamente não sensível a preços e em busca de produtos diferenciados.

• Estratégias múltiplas – Utilizar mais de uma das estratégias identificadas

anteriormente.

2.4.2 Estrutura organizacional

A estrutura organizacional, para Wright, Kroll e Parnell (2000, p. 267), “refere-

se aos modos pelos quais as tarefas e responsabilidades são alocadas aos indivíduos

e também à maneira como os indivíduos são agrupados em escritórios,

departamentos e divisões”.

Segundo Wright, Kroll e Parnell (2000), há sete tipos de estrutura que estão

disponíveis para as organizações:

47

• Estrutura funcional – Caracteriza-se pela combinação simultânea de atividades

semelhantes pela separação de atividades diferentes em termos de função.

• Estrutura divisional por produto – É adequada para empresas com várias linhas de

produtos; enfoca as categorias de produtos da empresa.

• Estrutura divisional geográfica – As atividades e os funcionários são agrupados por

localidades geográficas. específicas.

• Estrutura mutidivisional – É aquela em que a empresa se separa em várias divisões,

cada divisão ficando responsável por uma ou mais linhas de produtos.

• Estrutura de unidade estratégica de negócio – É particularmente adequada para

empresas grandes e diversificadas; a principal vantagem é que ela reduz a amplitude

de controle da sede da organização.

• Estrutura matricial – É aquela em que tanto o administrador funcional quanto o de

projetos exercem autoridade sobre as atividades da organização.

• Estrutura horizontal – Com menos níveis hierárquicos, tem o propósito de reduzir a

burocracia.

2.4.3 Profissionalização

Berle e Means (1984) e Chandler (1962, 1977) registram que até o século XIX

a propriedade privada e o sistema econômico estavam ligados às famílias. Para

Chandler (1962, 1977) a origem da profissionalização situa-se no período 1850-1920

considerado por ele como os anos formativos do capitalismo moderno. Foi nesse

período que surgiu um novo tipo de instituição econômica, a empresa multidivisional

(multi-unit firm) controlada por uma nova classe de dirigentes que desenvolveram

estratégias diferentes das adotadas por seus antecessores, para atender às novas

48

demandas que surgiram com os mercados de massa e as inovações tecnológicas.

Como no conceito de Chandler (1962, 1977) a estrutura de uma organização segue a

estratégia, coube à nova classe de dirigentes assalariados desenvolver uma nova

estrutura multidivisional e descentralizada para as organizações. Essa nova estrutura

marcou a transição do capitalismo baseado na família ou nas finanças para um

capitalismo gerencial.

Essa transformação, para Silva Junior (2006, p. 31), pode ser comparada com

a trajetória das organizações familiares que iniciam suas atividades com uma

abordagem gerencial não profissional e, com o êxito de suas operações, “passam por

um processo de profissionalização de sua estrutura administrativa”.

As empresas familiares, segundo Silva Junior (2006), iniciam as suas

atividades com uma estrutura administrativa muito simples, com concentração total de

poder e tomada de decisões no fundador e, após alguns anos, amadurece, cresce e

se reestrutura, buscando a profissionalização e a descentralização. Mintzberg e

Walters (1990) consideram esse processo uma exigência natural do mercado.

A profissionalização, para Lodi (1993), é definida em seus vários aspectos: (1)

o processo pelo qual uma organização, familiar ou não, assume práticas

administrativas mais racionais, modernas e menos personalizadas; (2) o processo de

integração de gerentes contratados e assalariados no meio de administradores

familiares; (3) a adoção de determinado código de formação ou de conduta num

grupo de trabalhadores; (4) a substituição de métodos intuitivos por métodos

impessoais e racionais; (5) a substituição de formas de contratação de trabalho

arcaicas ou patriarcais por formas assalariadas.

49

Lodi (1993) considera que cada vez mais as empresas procurarão a

profissionalização total. Daí porque Silva Junior (2006, p. 32) conclui que a

profissionalização na empresa familiar “é um processo que se relaciona com o ciclo

de vida e o processo evolutivo de crescimento e de expansão” pois na medida em que

a empresa familiar cresce há necessidade de substituir as práticas mais amadoras de

gestão “por outras mais racionais e menos intuitivas”.

50

Capítulo 3

3 PROPOSTA METODOLÓGICA

Com base no referencial teórico, no problema de pesquisa e nos objetivos, a

pesquisa aqui proposta se caracteriza conforme descrito a seguir.

3.1 ESTRATÉGIA DE PESQUISA

Giddens (1989) considera que não faz sentido estabelecer uma oposição ou

distinção nítidas entre os métodos de pesquisa quantitativo e qualitativo. Segundo ele,

qualquer opção metodológica implica uma relação de limitações e benefícios, além de

algum reducionismo. Os métodos e as técnicas qualitativas permitem uma abordagem

mais profunda sobre os aspectos do objeto de pesquisa e uma descrição mais densa.

Já as técnicas quantitativas são adequadas para proporcionar um conhecimento mais

superficial sobre um espectro mais amplo do objeto que se pretende explorar.

A presente pesquisa adotou a estratégia qualitativa. Considerando as

características de pesquisa qualitativa, o presente estudo possui natureza descritiva e

analítica, visto que pretende descrever o contexto organizacional de um grupo

empresarial familiar, a Rede Gazeta, de Vitória, Estado do Espírito Santo, e analisar

esse contexto tendo como fundamento o referencial teórico que aborda questões

ligadas a governança corporativa, conflito de agência e empresas familiares.

51

A pesquisa busca descrever e analisar como se deu a evolução do

relacionamento entre a estrutura de propriedade e a estrutura de direção e as

conseqüências na dinâmica gerencial da Rede Gazeta. Com isso se pretende

estabelecer uma ligação entre a teoria e a prática, ou seja, verificar em um caso

concreto como pode se dar essa evolução em uma empresa familiar brasileira.

A pesquisa qualitativa demonstra ser a mais adequada no presente estudo de

caso considerando as características enumeradas por Bogdam e Birten (1982),

citados por Triviños (1987): (1) ter o ambiente natural como fonte direta dos dados e o

pesquisador como instrumento-chave; (2) ser descritiva; (3) conduzir o pesquisador a

enfocar o processo, e não simplesmente os resultados e o produto; (4) levar o

pesquisador a analisar os dados intuitivamente, ou seja, partir de fatos particulares,

constatados, para inferir uma verdade geral ou universal não contida nas partes

examinadas; e (5) considerar o significado como preocupação essencial, uma vez que

uma das grandes postulações da pesquisa qualitativa é a sua atenção preferencial

pelos pressupostos que servem de fundamento à vida das pessoas, tendo em vista o

significado que os sujeitos dão aos fenômenos.

3.2 MÉTODO

A pesquisa foi desenvolvida como um estudo de caso, considerando que

busca descrever a trajetória de um grupo empresarial específico, a Rede Gazeta, que

é a unidade analisada no estudo. Triviños (1987) considera que o estudo de caso é

um dos métodos mais adequados a uma pesquisa qualitativa de natureza descritivo-

analítica. Para Bruyne et al. (1991, apud SILVA JUNIOR, 2006), o estudo de caso é

52

um dos métodos de pesquisa qualitativa mais utilizados por pesquisadores por reunir

informações numerosas e detalhadas com o propósito de apreender a totalidade de

uma situação.

O estudo de caso pode ser definido como uma categoria de pesquisa cujo

objeto é uma unidade que se analisa profundamente (TRIVIÑOS, 1987). Yin (2001)

define o estudo de caso como uma investigação empírica de um fenômeno

contemporâneo dentro de seu contexto de vida real, especialmente quando os limites

entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos. Trata-se de uma

situação tecnicamente única em que há muito mais variáveis de interesse do que

fonte de dados, baseando-se em várias fontes de evidência (YIN, 2001).

O estudo de caso realizado no presente trabalho se enquadra em dois dos

tipos caracterizados por Bogdan e Birten (1982), a saber: (1) é um estudo de caso

histórico-organizacional, considerando que o interesse do pesquisador recai sobre a

vida de uma instituição; e (2) é um estudo de caso observacional, já que a técnica de

coleta de informações mais importante é a observação participante. Pode-se,

portanto, concluir que o método adotado nesta pesquisa contempla os dois tipos de

estudo citados.

Como o estudo se dá em torno de uma única unidade, não há a preocupação

de promover generalizações científicas para além do caso estudado. Mas ele pode

ser considerado um experimento a ser confrontado com as proposições teóricas,

conforme admite Yin (2001).

53

3.3 UNIDADE DE ANÁLISE E DE OBSERVAÇÃO

A unidade de análise da pesquisa é o grupo empresarial Rede Gazeta, que

pode ser caraterizado como um grupo empresarial privado do tipo familiar e de porte

médio.

Nesta unidade, foi utilizada a metodologia do diagnóstico institucional,

desenvolvida por Marques (1993) e adaptada por Silva Junior (2006), exposta no

Apêndice A, onde foram enfocados o histórico, as atividades desenvolvidas, o meio-

ambiente, a tecnologia, o mercado, a estrutura organizacional, a estratégia

institucional, o estilo gerencial e as políticas adotadas.

Por solicitação das fontes de informações, foram omitidos os nomes de alguns

dos atores envolvidos, preservando a sua privacidade, o que não prejudica o trabalho

considerando que mais importante do que os nomes são as situações analisadas.

Como unidades de observação da pesquisa foram focalizados acionistas-

proprietários, familiares, diretores executivos e gerentes.

3.4 COLETA E ANÁLISE DE DADOS

A coleta de dados se deu através da análise documental, realização de

entrevistas semi-estruturadas com os principais acionistas, executivos e gerentes da

Rede Gazeta que tiveram participação ativa nas mudanças estruturais implementadas

a partir de 1971, e observação participante. A observação participante é a feita pelo

54

pesquisador que teve participação direta no ambiente onde ocorreu o fenômeno e,

como tal, contribui para uma melhor compreensão dos fatos e do contexto onde eles

se situam, desde que seja tomado o cuidado de isolar qualquer tipo de parcialidade

que possa deformar o resultado do trabalho. Mesmo assim, há que se considerar a

possibilidade de que, mesmo tendo tomado todos os cuidados, o pesquisador possa,

de alguma forma, deixar de observar a distância entre ele e o objeto do estudo de

pesquisa no resguardo da objetividade científica (COSTA, 1987).

Na análise documental foram pesquisados registros em arquivos tais como

estatutos, atas de alteração acionária, regimentos internos, regulamentos e normas,

conclusões dos ciclos de planejamento estratégico, organogramas, resultados de

trabalhos de consultoria e pesquisas de clima realizadas.

As entrevistas semi-estruturadas, treze no total, buscaram informações de

atores que participaram diretamente das análises e decisões que marcaram a vida da

Rede Gazeta. Foram entrevistados, seguindo-se o roteiro que consta do Apêndice B,

o secretário-executivo do Conselho de Administração, o diretor geral, o diretor

administrativo-financeiro, o diretor de recursos humanos, o diretor de tecnologia,

quatro gerentes operacionais e quatro integrantes da equipe que participou do

planejamento estratégico de 1992. Segundo Triviños (1987), as entrevistas semi-

estruturadas fornecem valioso material de pesquisa pois permitem que, com a

evolução do diálogo entre o entrevistador e o entrevistado, o informante, seguindo

espontaneamente a sua linha de pensamento e suas experiências, participa

diretamente na elaboração do conteúdo da pesquisa.

55

Os dados coletados em um estudo de caso para utilização em uma pesquisa

qualitativa, em sua maioria documentos e textos das entrevistas feitas e da

documentação manuseada, devem ser organizados e, em seguida, analisados. No

presente estudo de caso, foi adotada a livre análise das entrevistas realizadas,

observada a preocupação de atingir os objetivos da pesquisa.

56

Capítulo 4

4 O ESTUDO DE CASO REDE GAZETA

O estudo de caso da Rede Gazeta é composto pelo histórico da organização e

as considerações analíticas. O histórico divide a trajetória da empresa em quatro

fases (a primeira até 1936 quando a propriedade era da família de Thiers Vellozo, a

segunda em que a empresa passou a ser uma S/A cujo maior acionista era Oswald

Guimarães, a terceira de transição, e a quarta, a partir de 1948, em que a família

Lindenberg assumiu o controle acionário). As considerações analíticas tratam das

relações de poder na organização, as práticas de governança corporativa e suas

conseqüências na dinâmica gerencial.

4.1 HISTÓRICO

Quando o jornal A Gazeta foi fundado, em 11 de setembro de 1928, a cidade

de Vitória vivia um período de grande transformação que criava expectativas otimistas

de que a Capital iria se transformar no maior pólo de desenvolvimento do Estado,

posição até então desfrutada pela região em torno de Cachoeiro de Itapemirim. Vitória

havia vivido uma época de crescimento com o Governo Florentino Avidos (1924-1928)

e era previsível que, com a ampliação da exportação de café e madeira pelo porto, a

Capital do Espírito Santo iria ganhar maior atividade econômica. Esse contexto levou

o comerciante Hostílio Ximenes a decidir pela venda de lotes no bairro Camburi e,

para divulgar o empreendimento, propôs ao advogado, professor e jornalista Luiz

57

Adolpho Thiers Vellozo fundar um jornal. O empreendimento imobiliário Camburi, à

época, não foi adiante, mas o jornal, A Gazeta, se tornou uma iniciativa vitoriosa.

Com relação ao controle acionário, a história da Rede Gazeta pode ser vista

em quatro fases:

(1) O período em que foi propriedade de Thiers Vellozo, de 1928 a 1936, com o jornal

adotando a linha política favorável à Aliança Liberal, contrária ao Governo do

presidente da República Washington Luiz;

(2) Quando foi propriedade de uma S/A fundada pelo empresário do comércio

exportador Oswald Guimarães, de 1936 a 1945, período em que o jornal passou a

se intitular “Órgão do Partido Social Democrático” e a apoiar o governador João

Punaro Bley;

(3) Entre 1945 e 1948 ocasião em que a propriedade ficou nas mãos do fazendeiro

Eleosipo Cunha, passando a apoiar a UDN, União Democrática Nacional; e

(4) A partir de 1948 quando o controle passou para a família Lindenberg.

A transferência do controle acionário de A Gazeta para a família Lindenberg

ocorreu quando, Eleosipo Cunha, o proprietário, desgostoso com a sua derrota como

candidato a vice-governador pela UDN, decidiu vender o jornal. Diante da posição de

Eleosipo de não vender o jornal para seus adversários políticos do PSD, Partido

Social Democrático, Carlos Lindenberg4, que havia vencido as eleições e já estava

empossado como governador, preferiu encarregar um empresário amigo, Alfredo

Alcure, de fazer as negociações.

4 Carlos Fernando Monteiro Lindenberg (1889-1991) foi deputado, senador (1951-1955 e 1967-1972) e governador do Estado do Espírito Santo (1947-1955 e 1959-1962). Nesta trabalho será chamado também de Carlos Lindenberg.

58

Alcure adquiriu as ações de Eleosipo em 1948, repassando-as, em seguida,

para o nome de Carlos Lindenberg. O jornal continuava, então, a cumprir o papel que

exercia desde a sua fundação, ou seja, o de ser um instrumento de poder.

Sob o controle de Carlos Lindenberg, o jornal A Gazeta manteve, até 1966,

apoio explícito aos projetos políticos do seu acionista majoritário. De 1951 a 1966 a

empresa teve como principal executivo Eugênio Pacheco de Queiroz (1904-1990),

cunhado do acionista majoritário. Em 1963 assumiu a direção comercial da empresa

Carlos Lindenberg Filho5, filho de Carlos Lindenberg, e que, a partir daí,

gradativamente, passou a assumir maiores responsabilidades na administração da

empresa. A partir de 1966, até deixar a direção geral em 2000, Carlos Lindenberg

Filho exerceu o papel de principal gestor dos negócios.

Coube a Carlos Lindenberg Filho, durante o segundo mandato do pai como

senador, desatrelar o jornal dos interesses políticos do PSD, Partido Social

Democrático, que tinha entre os seus principais líderes o acionista majoritário de S/A

A Gazeta. O final desse processo de desatrelamento dos interesses político-

partidários do pai, se deu, segundo Lindenberg Filho (1996), em 1970, abrindo

caminho para a profissionalização da gestão da empresa.

4.1.1 A reorganização (1971)

O primeiro passo no sentido da reorganização da empresa foi dotar o jornal de

instalações e equipamentos adequados ao salto que seria dado a seguir. Por isso foi

5 Carlos Fernando Monteiro Lindenberg Filho (1935) é advogado, filho de Carlos Fernando Monteiro Lindenberg e Maria Antonieta Queiroz Lindenberg. Neste trabalho poderá ser chamado também de Carlos Lindenberg Filho ou Lindenberg Filho.

59

projetado e construído o Edifício A Gazeta no nº 127 da Rua General Osório, com 13

andares, a poucos metros da sede do jornal. O térreo e o primeiro pavimento do

prédio foram reservados para o jornal, enquanto a cobertura ficou preservada para

uma emissora de rádio. Os demais andares foram vendidos a terceiros.

Enquanto o prédio era construído, entre 1963 e 1966, A Gazeta adquiriu uma

máquina impressora off-set Goss Community, capaz de imprimir 16 mil exemplares

por hora, passando a ser o primeiro jornal do Espírito Santo a ser impresso pelo

sistema off-set. Em 7 de dezembro de 1969 o jornal inaugurou a nova sede e a

impressora.

A reestruturação de A Gazeta chegou, em seguida, à área de gestão, com a

contratação de dois profissionais que haviam trabalhado no Jornal do Brasil, jornal

carioca que tinha passado por um processo semelhante. Carlos Lindenberg Filho, em

entrevista, relembra essa fase:

Foi aí que nós vimos o que estava sendo feito no Jornal do Brasil e em outros jornais. Foram criados o orçamento anual, o controle orçamentário, os relatórios mensais de acompanhamento das receitas e das despesas, o novo organograma, as gerências, os cargos e a definição de competências.

A nova estrutura organizacional e os instrumentos de gestão começaram a ser

implantados em A Gazeta em 1971. Eugênio Pacheco de Queiroz foi designado

presidente, Carlos Lindenberg Filho assumiu a Diretoria Executiva e o General Darcy

Pacheco de Queiroz, irmão de Eugênio e tio de Lindenberg Filho, confirmado como

Diretor responsável do jornal, ganhou a companhia de um Diretor de Redação além

do Editor-chefe. Foram, então, contratados um Gerente Comercial, um Gerente

Industrial e um Gerente para a área de Planejamento e Controle, todos profissionais

não pertencentes à família proprietária.

60

4.1.2 Surge a Rede Gazeta

Os resultados obtidos com a reestruturação do jornal ampliaram os planos da

empresa que até então estavam restritos, além de consolidar a posição do jornal, a

inaugurar uma emissora de rádio. Essa ampliação começou a tomar forma quando a

empresa decidiu disputar a concessão de um canal de televisão. Os acionistas

formaram uma outra empresa, em sociedade com a RBS (Rede Brasil Sul, de Porto

Alegre - RS), A Gazeta do Espírito Santo Rádio e Televisão, que venceu a licitação e

se afiliou à Rede Globo de Televisão. A TV Gazeta foi inaugurada em 11 de setembro

de 1976.

Pouco tempo depois, em 1979, entrou no ar a emissora de rádio FM, sendo

então lançada a denominação Rede Gazeta de Comunicações, simplificada em 1997

para Rede Gazeta. Em seguida, agregaram-se ao grupo empresarial três outras

emissoras de televisão, com sedes em Cachoeiro de Itapemirim (em 1988, com a

gestão compartilhada com um sócio e, a partir de agosto de 1999 com 100% do

controle da família Lindenberg), Linhares (1997), e Colatina (2006), mais três

emissoras de rádio sendo duas AM (1983 e 1996) e uma FM (1995), um portal na

Internet (1996) e a operação de um canal da Net (TV a cabo, por assinatura), a GTV,

com programação totalmente regional desde março de 2002. Em 2003 a família

Lindenberg adquiriu os 30% das cotas de A Gazeta do Espírito Santo Rádio e TV Ltda

que até então pertenciam ao grupo RBS (Rede Brasil Sul). Em 2006 uma nova

empresa, Premium, que atua nas áreas de marketing e eventos, foi adquirida.

61

Em fevereiro de 1983 a Rede Gazeta inaugurou uma nova sede, na Rua Chafic

Murad, 902, no bairro Ilha de Monte Belo, em Vitória, onde se encontra instalada até

hoje. No mesmo local instalou, meses antes, em 1982, uma impressora Harris, com

capacidade para imprimir 50 mil exemplares por hora. Um novo parque gráfico foi

inaugurado em 1999, na Rua Carlos Moreira Lima, nº 1.000, próximo à sede

administrativa. No novo parque gráfico foi instalada uma nova impressora, Newsliner,

fabricada pela Goss Corporation, com capacidade para imprimir em uma só rodada 48

páginas coloridas ou um caderno de 64 páginas sendo 32 em cores em um

investimento de US$ 12 milhões. O novo parque gráfico, além de permitir a acolhida

de uma maior quantidade de anúncios em policromia, viabilizou o lançamento, em

2000, de um novo jornal diário, o Notícia Agora, na linha de jornal popular, e em 2003

do jornal semanal Oportunidades Cursos & Concursos, especializado na divulgação

de vagas de trabalho, e, mais recentemente, em 2006, do jornal semanal de

classificados Primeira Mão. Os serviços prestados pela Internet foram ampliados em

2006 com a associação da empresa aos portais Vrom, de veiculação de anúncios de

veículos, e Lugar Certo, de imóveis.

4.1.3 O planejamento estratégico de 1992

A gestão do grupo empresarial Rede Gazeta passou por outras reformulações

após o primeiro ciclo de mudanças de 1971. A mais importante dessas mudanças

ocorreu em 1992 quando foi realizado o primeiro Planejamento Estratégico da

empresa, orientado pela consultoria Boucinhas & Campos. Foi a partir daí que o

grupo adotou um novo modelo de gestão, passando a abrigar, em sua estrutura, as

Unidades Estratégicas de Negócio, uma para cada negócio (na época, jornal, rádio,

62

TV e produtora de comerciais), além da Unidade Corporativa (com as diretorias de

Finanças, Marketing, Recursos Humanos, Tecnologia e Planejamento). Em 1992 os

resultados operacionais declinavam ameaçadoramente e a nova reorganização

resultou em um novo período de crescimento.

Carlos Lindenberg Filho, em entrevista, ressalta a importância do Planejamento

Estratégico de 1992: “Houve várias outras reestruturações, mas as duas – a do

pessoal do Jornal do Brasil e a do Boucinhas & Campos, não me saem da cabeça

pela grandeza do acerto”.

Em texto escrito para o Caderno 3, jornal interno da Rede Gazeta, Carlos

Lindenberg Filho (1997, p. 2) reafirma a importância que o Planejamento Estratégico

teve para a gestão da Rede Gazeta:

Em curto espaço de tempo a crise estava superada graças ao processo de Planejamento Estratégico adotado na ocasião. Ao adotar o processo de Planejamento Estratégico para traçar os rumos da organização, a Rede Gazeta iniciou uma nova etapa na sua história.

O processo de Planejamento Estratégico contou com a participação ativa de

Carlos Lindenberg Neto, filho de Carlos Lindenberg Filho e economista formado na

PUC-RJ que, em 1992, com 26 anos, era assessor da Diretoria da Rede, como é

narrado por ele em entrevista:

O que mais me influenciou foi uma percepção que eu adquiri na faculdade e ver outras empresas com grau de organização maior do que o nosso e que não seguiam aquele modelo que A Gazeta seguia até então de planejar olhando o ano seguinte a partir do resultado atingido neste ano. [...] O Planejamento Estratégico foi um divisor de águas, não só pela lógica desse planejamento, como pelo modelo de unidades de negócio.

4.1.4 A sucessão

63

Carlos Lindenberg Neto foi cuidadosamente preparado pelo pai para ser o seu

sucessor na direção da Rede Gazeta. Ainda estudante de Economia, acompanhou a

instalação dos equipamentos da TV Gazeta em todo o interior do Estado. Tão logo se

formou, atuou, em vários períodos, em diferentes áreas da empresa, como gerente

das rádios e assessor da diretoria, até assumir a direção da UEN TV (Unidade

Estratégica de Negócio TV) em 1995. Em 1998, Lindenberg Neto passou a Diretor de

Operações. Em 28 de abril de 2000, Carlos Lindenberg Filho abriu mão da reeleição

para a Diretoria Geral para dar lugar ao filho.

Um dos diretores da empresa assim recorda o período em que Lindenberg

Filho preparou o seu sucessor: “Carlos Lindenberg Filho preparou o sucesso sucessor

durante trinta anos. Trinta anos atrás ele já tinha essa percepção que Carlos

Lindenberg Neto seria o seu sucessor”.

A decisão de Lindenberg Filho de deixar Direção Geral e passar para o

Conselho de Administração foi noticiada no jornal Gazeta Mercantil em 23 de março

de 2000, antes de ser anunciada oficialmente. A notícia, assinada pelo jornalista

Marien Calixte, mereceu carta de esclarecimento de Lindenberg Filho:

Fui surpreendido com a publicação de uma matéria a meu respeito na Gazeta Mercantil, de autoria do jornalista Marien Calixte, informando que eu deixarei A Gazeta proximamente. [...] Tínhamos um cronograma nessa troca de funções que foi incomodamente atropelado. Em primeiro lugar, não vou deixar A Gazeta. Isso seria relegar 37 frutíferos e alegres anos em que participei da direção desta empresa. Vou, sim, mudar de funções, indo da Direção Geral para o Conselho de Acionistas, o que me permitirá reduzir a carga de trabalho e me dedicar mais às questões estratégicas da empresa. [...] Como meu mandato se encerra dia 28 de abril, achei oportuno não me candidatar a mais uma reeleição, dando por encerrada a minha tarefa operacional e assumindo as funções de conselheiro (GAZETA MERCANTIL, 2000).

64

Depoimentos colhidos nas entrevistas indicam que, mesmo os mais íntimos

colaboradores de Lindenberg Filho não esperavam que ele deixasse a Direção Geral

na data em que isso ocorreu. Carlos Lindenberg Neto assim definiu esse momento:

Quando ele manifestou a vontade de se desligar da gestão executiva da empresa, em um primeiro momento, nós não levamos isso muito a sério. Pensamos que fosse uma vontade mas sem muito interesse por parte dele. Mas quando chegou próximo da data que ele estabeleceu, ele deu sinais que realmente ele iria sair. [...] Foi uma coisa meio precipitada, não foi uma sucessão planejada. [...] Há empresas que planejam a sucessão durante anos, antes dela acontecer. No nosso caso, a sucessão foi mais rápida do que se esperava.

Outro diretor, em entrevista, manifesta percepção semelhante: “Carlos

Lindenberg Filho saiu da direção antes do que devia”.

O que motivou Carlos Lindenberg Filho a se afastar da Direção Geral do grupo

teria sido o seu desconforto com alguns pontos das mudanças que estavam sendo

implementadas. Sobre essas razões assim se manifestou um diretor:

Durante um período, houve coisas que aconteceram na empresa que não agradaram muito a Lindenberg Filho quando ele era Diretor Geral em um modelo criado pela Price. Nessa ocasião Lindenberg Filho achava que as coisas estavam indo no caminho certo mas que não era um caminho em que ele se sentia confortável. [...] Eu acho que os papéis, as funções, as responsabilidades, estavam claramente definidos no trabalho feito pela Price, trabalho que foi aprovado por Lindenberg Filho. [...] Eu acho que ele não se adaptou às novas funções que foram passadas para ele.

Outro diretor assim se manifestou em entrevista:

Carlos Lindenberg Filho preparou o seu sucessor até que chegou uma hora e disse: “Agora eu vou entregar”. Enquanto isso as consultorias estavam detalhando o novo modelo, distribuindo as funções e Lindenberg Filho não percebeu isso. E se percebeu, achou que as coisas não ficariam como ficaram. Então, chegou um momento em que ele indagou: “O que eu vou fazer aqui?”. É nesse ponto que surgem as dificuldades da sucessão nas

65

empresas familiares. [...] A gente tira muitas lições desse episódio e a principal delas é: quem é executivo nunca está preparado para deixar de ser executivo.

O processo sucessório, entretanto, é considerado por todos como concluído,

como manifesta um diretor:

O processo de sucessão foi bem conduzido, apesar de não ter sido planejado. O que talvez faltou foi discutir um pouco mais a fundo a mudança na área de operação. O processo de sucessão, a definição dos cargos e funções, tudo foi perfeito. O que não foi perfeito é que, de uma hora para outra, Lindenberg Filho perdeu a função de gestor da operação. Esse processo talvez poderia ter sido mais suave, com uma mudança gradativa. [...] Isso poderia ter sido feito com um pouco mais de tempo.

4.1.5 Os modelos organizacionais

O modelo organizacional que vigorou na Rede Gazeta entre 1966 e 1992 foi

assim definido por um diretor: “Carlos Lindenberg Filho decidia praticamente sozinho

as coisas. Ele era cobrado por ele mesmo porque ele era administrador e acionista.

Então, ele cobrava dele mesmo”.

Lindenberg Neto descreve a Rede Gazeta antes do Planejamento Estratégico:

“A Gazeta era gerida como um negócio só. Um diretor e vários outros diretores abaixo

dele. Era assim que funcionava”.

O primeiro passo rumo à profissionalização da empresa foi dado em 1971

como conta Lindenberg Filho:

Naquela época, vários jornais perceberam que precisavam se profissionalizar para sobreviver. Até então como A Gazeta era administrada? Era ir no caixa e ver quanto entrou e quanto saiu. Aí toda tarde era aquela expectativa. Não havia previsão de nada, de caixa, de gastos, não havia nada disso. Realizado

66

o primeiro ciclo da reorganização, em 1971, todos nós chegamos à conclusão que ganhamos muito mais tranqüilidade para trabalhar. Sabíamos o que iríamos ganhar, e sabíamos quando estávamos perdendo e o quanto estávamos perdendo, e o quanto podíamos perder.

O Planejamento Estratégico realizado em 1992 definiu com clareza, pela

primeira vez na vida da Rede Gazeta, a missão, os valores e a visão da empresa

como relata Carlos Lindenberg Neto em entrevista:

Em um primeiro momento, o resultado imediato do trabalho da Boucinhas foi estabelecer uma visão de futuro, para resultados inclusive, e a primeira definição de missão, visão e valores da empresa, que foi uma coisa muito importante. Não que isso não existisse, mas isso era uma coisa que estava muito implícito nas figuras que tocaram A Gazeta, no seu Eugênio, e depois papai. Eu acho que quando esses conceitos saíram da cabeça dessas pessoas e foram para o papel, eles passaram a ser mais difundidos entre os diretores e depois na empresa toda. Então, o primeiro trabalho foi realizar essas definições e a primeira revisão do modelo organizacional com a criação do conceito de Unidades Estratégicas de Negócio.

Um dos primeiros frutos do Planejamento Estratégico de 1992 foi a montagem

de um sistema de informações que permitiu a apuração de custos de cada um dos

negócios da Rede. Em um segundo momento foram criadas as Unidades Estratégicas

de Negócio, como conta em em entrevista Carlos Lindenberg Neto:

A profissionalização da estrutura não foi adotada no primeiro momento, pois eu mesmo assumi a diretoria de uma das Unidades de Negócio (a TV), e papai assumiu uma outra (o jornal). Em seguida foi criada a Diretoria de Rádio e a Diretoria de Marketing. Depois, houve um segundo trabalho de Planejamento Estratégico [...]. Foi quando o modelo de UEN foi aperfeiçoado. Depois fizemos um outro trabalho muito importante, que foi complementado no ano passado, com a Hay na área de RH, que foi super importante na profissionalização. Foram vários os momentos também importantes na trajetória de implantação do Planejamento Estratégico, mas o passo inicial foi lá em 1992 com a Boucinhas, quando o sistema de gerenciamento começou a funcionar. Até então não existia uma estrutura de governança montada na empresa. Era menos profissionalizada, muito mais dependente dos estilos individuais do que de um modelo conceitual”.

67

O planejamento estratégico de 1992, atualizado periodicamente, possibilitou ao

grupo viver uma fase de expansão como pode se ver no quadro a seguir:

Tabela 1: Resultados alcançados

ANOS 1992 1997Nº de empresas no grupo 3 9Faturamento(US$) 22 milhões 64 milhõesResultado Operacional(US$) 0,887 mil 13 milhõesNº de empregados 852 956Salário médio(US$) 588 1.005Participação dos empregados nos resultados(R$) 0 973,6 milFuncionários treinados 50 423Fonte: Rede Gazeta

As mudanças na gestão decorrentes do planejamento foram cada vez mais

percebidas pelos funcionários. Pesquisas de clima realizadas em 1995, 1996 e 1997

pela Futura - Instituto de Pesquisas, demonstram essa evolução no quadro a seguir:

Tabela 2: Pesquisa de Clima Organizacional

Pergunta: Você acha que nos últimos tempos a Rede Gazeta tem mudado gerencialmente?

RESPOSTAS 1995 1996 1997Sim 65% 93% 93%

Pergunta: Destas características, qual a que vocêacha mais perto do relacionamenrto do empregado

da Rede Gazeta?RESPOSTAS 1995 1996 1997

Profissional 64% 67% 80%Fonte: Rede Gazeta

Em 1997 e 1998 foi realizado, na Rede Gazeta, o projeto de revisão da

estrutura e modelo de gestão, dos processos e da base de tecnologia de informação,

implantado com orientação da consultoria da Price Waterhouse, com a finalidade de

agilizar o processo produtivo em todas as áreas da empresa. A nova estrutura

organizacional, implantada em 1998, trouxe como maiores novidades a criação da

68

Direção Geral, que passou a ser ocupada por Carlos Lindenberg Filho, a Direção de

Operações, onde ficou Carlos Lindenberg Neto, e a Direção de Serviços e Finanças,

ocupada por Adinalte João Beltrame.

A partir de 1999 novos desafios se colocaram diante da Rede Gazeta. A

mudança da política cambial, em janeiro de 1999, elevou drasticamente o nível de

endividamento do grupo que havia contratado financiamento externo para viabilizar a

implantação do novo parque gráfico do jornal, além de ampliar os custos das matérias

primas utilizadas na produção, notadamente o papel. Esse quadro demandou a

adoção de novas reorganizações no grupo empresarial, com o objetivo de conter

custos e reverter a redução da lucratividade do grupo. Entre outras medidas foi

reduzida a quantidade de empresas (com a dissolução de uma sociedade que

mantinha no grupo duas emissoras de rádio e uma empresa de pager) e de

funcionários, com a terceirização de várias atividades. O quadro a seguir mostra a

evolução dos resultados do grupo nesse período.

Tabela 3: Resultados alcançados

ANOS 1998 1999 2000 2001 2002 2003Nº de empresas no grupo 9 6 6 6 6 6Faturamento (R$ milhões) 64,6 67,8 67,5 64,2 70,5 73,1Resultado Operacional (R$ milhões) 6,3 3,6 5,1 7,6 8,9 8,1Nº de empregados 932 922 902 859 820 775Salário médio (R$ mil) 2,8 2,7 3,4 3,3 3,5 3,8Participação dos empregados nos resultados (R$ mil) 663 142 667 0 163 312Funcionários treinados 932 922 902 859 820 775Fonte: Rede Gazeta

Os ajustes possibilitaram a retomada de investimentos importantes para a

empresa, como a implantação do call center de atendimento aos clientes, a

digitalização dos processos de produção de notícias (edição não-linear de matérias do

69

telejornalismo, fotografia digital no jornal, e recuperação de matérias na pesquisa) e a

revisão do modelo organizacional, privilegiando a sinergia entre as várias áreas do

grupo (todos os diretores passaram compartilhar um único ambiente no trabalho) e a

recriação da Diretoria de Marketing e Entretenimento.

O mais recente ciclo de Planejamento Estratégico foi realizado em 2006

fixando as metas da empresa para os próximos cinco anos, em um trabalho que

recebeu o nome de “Eco 2000”.

4.2 A REDE GAZETA NA ATUALIDADE

A Rede Gazeta é, atualmente, um grupo empresarial que reúne oito empresas,

todas controladas pela Família Lindenberg, a saber:

• S/A A Gazeta, que edita os jornais A Gazeta, Notícia Agora, Oportunidades

Cursos&Concursos e Primeira Mão, todos em Vitória/ES.

• A Gazeta do Espírito Santo Rádio e TV Ltda, que opera a TV Gazeta, a Rádio

Gazeta AM, a Rádio Litoral, o canal de TV por assinatura GTV e o portal da Internet

Gazeta Online, todos em Vitória/ES.

• Televisão Cachoeiro Ltda, que opera a TV Gazeta Sul (Cachoeiro de

Itapemirim/ES).

• Sistema Norte de Rádio e Televisão Ltda, que opera a TV Gazeta Norte

(Linhares/ES).

• Vídeo Express Ltda, que opera a TV Gazeta Noroeste (Colatina/ES).

• Sistema Norte de Rádio Ltda, que opera a Rádio CBN Vitória (Vitória/ES).

• Rádio FM 102 Ltda, que opera a Rádio Antena 1 (Vitória/ES).

70

• Premium Comunicação e Marketing S/A, empresa especializada em marketing e

eventos (Vitória/ES).

Segundo balanço fechado em 31/12/2006, o grupo empresarial realiza um

faturamento anual R$ 114,6 milhões, um resultado operacional de R$ 18 milhões – o

que resulta em uma margem de 15,8% -, um resultado líquido de R$ 17,7 milhões e

um EBITDA (resultado operacional excluídos os impostos sobre lucro, depreciação e

despesas com juros e financiamentos) de R$ 21,9 milhões.

4.2.1 Meio ambiente

Segundo a revista Maiores Empresas do Espírito Santo 2006, editada pela

Federação das Indústrias do Espírito Santo, S/A A Gazeta é a maior empresa do

Espírito Santo na área editorial e gráfica, considerando a classificação por volume de

faturamento (R$ 52,1 milhões em 2005). No ranking das maiores empresas do

Estado, S/A A Gazeta ficou classificada em 99º lugar e A Gazeta do Espírito Santo

Rádio e TV Ltda em 120º lugar.

A Gazeta do Espírito Santo Rádio e TV Ltda ficou classificada em 9º lugar entre

as empresas mais rentáveis (com 29,52% na divisão do lucro líquido do exercício

sobre a receita operacional líquida), em 17º lugar entre as empresas de maior

solvência (com 4,98 na divisão do ativo real sobre o passivo real) e menos

endividadas (com 20,9% na divisão do passivo real pelo ativo real) e em 18º lugar

entre as mais capitalizadas (com 80,06 na divisão do patrimônio líquido sobre o ativo

real). A Gazeta do Espírito Santo ficou em 1º lugar no setor de serviços de

71

radiodifusão e TV, e em 35º lugar no setor de serviços, considerando a sua receita

bruta, em 2005, de R$ 40,8 milhões.

Entre os jornais brasileiros, A Gazeta situa-se em 34º lugar com uma circulação

média diária de 30.808 exemplares, segundo números de novembro de 2006 do IVC,

Instituto Verificador de Circulação. O jornal Notícia Agora, com 17.105 exemplares de

venda média diária em novembro de 2006 situa-se em 45º lugar. O crescimento da

venda de exemplares entre janeiro e novembro de 2006 comparada com a do mesmo

período de 2005 foi de 35,2% para o jornal Notícia Agora e de 8,0% de A Gazeta. O

crescimento da venda dos jornais brasileiros no mesmo período foi de 25,23%. Os

dois jornais (A Gazeta e Notícia Agora) juntos detêm 45% de participação do mercado

de venda de jornais no Espírito Santo, com A Gazeta situando-se em 2º lugar e o

Notícia Agora em 3º lugar. Em venda de publicidade no mercado do Espírito Santo, A

Gazeta situa-se em 1º lugar com 55% de participação no mercado segundo

levantamento feito pela empresa com base no espaço dedicado à publicidade em

cada um dos jornais.

A TV Gazeta, afiliada da Rede Globo de Televisão, é líder de audiência em

todos os horários no Espírito Santo. São delas os 30 programas de maior audiência,

chegando a ser assistida por 500 mil pessoas na região Metropolitana da Grande

Vitória no horário nobre, segundo pesquisa realizada pelo Ibope em outubro de 2006.

As emissoras de rádio da Rede Gazeta detêm a liderança no público-alvo a

que cada uma delas se propõe a atingir. A Rádio Litoral, com programação popular,

tem 23,8% de participação na audiência entre as emissoras FM, segundo o Ibope de

outubro de 2006. A Rádio Gazeta possui 53,4% de participação no segmento AM. As

72

rádios CBN Vitória e Antena 1 são afiliadas a redes nacionais que têm o mesmo

nome.

Todas as empresas do grupo têm atividades do Estado do Espírito Santo

4.2.2 Tecnologia

A análise da trajetória da Rede Gazeta mostra uma organização que, ao longo

da sua história, investiu permanentemente em tecnologia.

Os processos gerenciais da organização são apoiados por um sistema de

informações gerenciais considerado adequado às necessidades. Há na organização

uma rede de 800 computadores, número pouco inferior à quantidade de funcionários.

O parque industrial que imprime os jornais do grupo possui equipamentos

assemelhados aos maiores jornais do país. As emissoras de TV estão desenvolvendo

a implementação do programa de digitalização de equipamentos e de preparação

para as transmissões em alta-definição. Todos os arquivos dos jornais e programação

de TV passaram, recentemente, por um processo de digitalização que permite a

aquisição das matérias por parte do público em geral.

4.2.3 Mercado

A Rede Gazeta opera, no Estado do Espírito Santo, um elenco de veículos de

comunicação que atuam no mercado de mídia impressa e eletrônica atendendo a

73

uma gama diversificada de públicos. Mais recentemente se incorporou ao grupo

também uma empresa de realização de eventos.

Na mídia impressa, o jornal A Gazeta, segundo pesquisa do Instituto Marplan,

de 2006, possui 261 mil leitores diários, 66% deles pertencentes às classes A e B.

Setenta e um por cento desses leitores completaram o ensino médio, superior ou pós-

graduação e 64% são assinantes, ou seja, recebem o exemplar do jornal em casa ou

no local de trabalho. O jornal Notícia Agora, que não possui assinantes e tem todos os

seus exemplares oferecidos em pontos de venda, possui 203 mil leitores sendo 71%

deles das classes B e C. O Oportunidades Cursos&Concursos, jornal especializado

em oportunidades de trabalho, possui 26 mil leitores por edição, sendo que 80% deles

são das classes B, C e D. Recentemente o grupo lançou um quarto jornal, o Primeira

Mão, especializado em anúncios classificados, com venda exclusiva em bancas.

O jornal A Gazeta publica 55% da publicidade veiculada nos principais jornais

diários do Espírito Santo, enquanto seu principal concorrente (jornal A Tribuna, do

grupo Nassau,) detém 35% de participação. Em quantidade de exemplares, A Gazeta

vende uma média diária de 30.534 exemplares (dados do IVC, Instituto Verificador de

Circulação, de dezembro de 2006), enquanto seu principal concorrente (A Tribuna)

vende 57.352. Considerando que o público-alvo de A Tribuna situa-se principalmente

na classe C, a Rede Gazeta lançou em 2000 o jornal Notícia Agora para disputar esta

fatia de mercado. Em dezembro de 2006, o jornal Notícia Agora detinha 8% do bolo

publicitário e vendia 17.059 exemplares (média diária de dezembro de 2006, segundo

o IVC). Os jornais da Rede Gazeta, desta forma, com uma venda de 47.593, detêm

45% do mercado-leitor dos maiores jornais diários do Estado enquanto A Tribuna

detém 55%.

74

A quantidade de domicílios cobertos pelas emissoras de televisão da Rede

Gazeta são: 501 mil domicílios pela TV Gazeta (Vitória), 131 mil domicílios pela TV

Gazeta Norte (Linhares), 127 mil domicílios pela TV Gazeta Noroeste (Colatina) e 180

mil domicílios pela TV Gazeta Sul (Cachoeiro de Itapemirim). As emissoras de

televisão são afiliadas da Rede Globo e mantêm ampla liderança de audiência em

todos os horários.

A GTV, TV por assinatura que é captada no canal 14 da Net, possui uma

programação totalmente produzida no Espírito Santo.

O portal da Internet Gazeta Online registra 2,2 milhões de visitas/mês, 50.037

visitas dos internautas chamados únicos diários (que visitam o portal uma vez por dia)

e 10 milhões de pager-views/mês, sendo o de maior audiência dos portais do Espírito

Santo. Além do Gazeta Online, o grupo participa de portais de venda de imóveis

(Lugar Certo) e veículos (Vrum), em associação com empresas jornalísticas de outros

estados da federação.

As quatro emissoras de rádio do grupo buscam atingir vários públicos.

Enquanto as Rádios Litoral FM e Gazeta AM são emissoras populares, a Antena 1

disputa o mercado das classes A e B, assim como a CBN Vitória cuja programação é

exclusivamente a transmissão de notícias. As Rádios Litoral FM e Gazeta AM são

líderes de audiência em cada uma de suas freqüências, segundo o Ibope, Instituto

Brasileiro de Pesquisa e Estatística.

75

Diagnóstico realizado em 2006 por ocasião do mais recente ciclo de

planejamento estratégico revela o contexto que cerca cada um dos principais

negócios da organização, a saber:

• Televisão – Como afiliada da Rede Globo, a organização detém a melhor

franquia do Brasil. São remotas as oportunidades de aquisições de afiliadas de outras

regiões geográficas.

• Rádio – O meio rádio tem pequena participação no bolo publicitário, é

fragmentado e novas licenças (em caso de expansão e/ou aquisição) são super-

valorizadas. As emissoras da organização, contudo, são importantes por completarem

o portfólio de veículos da rede à disposição dos anunciantes.

• Jornal – Embora viva fase vulnerável em razão do aparecimento das mídias

on-line, o meio jornal tem apresentado crescimento tanto na venda de exemplares

quanto na receita de publicidade no Brasil e também no Espírito Santo.

As oportunidades de crescimento identificadas no ciclo de planejamento

estratégico de 2006 estão situadas no contínuo aperfeiçoamento das eficácias

comercial e de custos e de maior presença da organização no interior do Estado.

4.2.4 Estrutura organizacional

A Rede Gazeta adota como modelo organizacional uma estrutura

multidivisional (WRIGHT; KROLL; PARNELL, 2000) baseada em três Unidades

Estratégicas de Negócio (TV, Jornal e Rádio/Internet) que são apoiadas pelas

diretorias (que compõem a Unidade Corporativa) de Tecnologia/Infra-estrutura,

Desenvolvimento, Marketing e Entretenimento, Administração e Finanças,

76

Planejamento e Controladoria, Recursos Humanos e as Regionais Norte (Linhares) e

Sul (Cachoeiro de Itapemirim). Essa estrutura operacional é dirigida por um Diretor

Geral que se liga diretamente ao Conselho de Administração. A representação gráfica

do modelo pode ser vista no Anexo nº 1. A estrutura mutidivisional, segundo Wright,

Kroll e Parnell (2000, p. 279) é aquela que “se separa em várias divisões, cada

divisão ficando responsável por uma ou mais linhas de produtos”.

Há, na empresa, 7 comitês, grupos multidisciplinares dedicados à execução de

uma missão, atividade ou um processo de trabalho, que se reúnem periodicamente

para, de forma colegiada, monitorar indicadores e acompanhar resultados, trabalhos e

projetos em curso. São eles:

1) Comitê de Estratégia e Planejamento Financeiro

2) Comitê de Novos Negócios

3) Comitê de Mercado

4) Comitê Editorial

5) Comitê de Tecnologia

6) Comitê de Recursos Humanos e Comunicação Interna

7) Comitê de Tiragem

Os objetivos dos comitês estão explicitados no Anexo nº 2.

Embora as atividades do grupo empresarial estejam, presentemente, voltadas

unicamente para o Estado do Espírito Santo, o mais recente ciclo de planejamento

estratégico apontou, como meta a ser atingida a médio prazo, a participação de

negócios em outros estados da federação.

77

4.2.5 Estratégia organizacional

A estratégia organizacional preponderante na Rede Gazeta pode ser

classificada como corporativa diversificativa concêntrica, pois adota a diversificação

em negócios relacionados (WRIGHT; KROLL; PARNELL, 2000). O grupo, ao longo da

sua trajetória, sempre praticou também a estratégia da reestruturação organizacional

(WRIGHT; KROLL; PARNELL, 2000, p. 128), considerando que à medida em que a

estratégia empresarial se modifica, a organização da entidade empresarial tende a

modificar-se também “para que o trabalho seja feito com eficiência”.

O grupo busca a liderança em todos os segmentos que atua. Na maior parte

dos produtos que fazem parte do seu portfólio, a organização adota a estratégia de

crescimento “que resulte em aumento de vendas ou participação de mercado”

(WRIGHT; KROLL; PARNELL, 2000, p. 132).

Em nível de unidade de negócio o grupo atua com várias estratégias genéricas,

ou estratégias múltiplas, chegando, em alguns casos, como o do jornal Notícia Agora,

a adotar a lógica de mercado com a estratégia de liderança de custo, denominada por

Wright, Kroll e Parnell (2000, p. 186) como estratégia de nicho-custos baixos, ou seja,

aquela adotada na produção de “mercadorias e serviços sem sofisticação para

clientes que são sensíveis aos preços em um nicho de mercado”. Na classificação de

Wright, Kroll e Parnell (2000, p. 190) a estratégia do grupo para o jornal A Gazeta

pode ser enquadrada como a estratégia de nicho-custos baixos/diferenciação, ou

seja, a produção de bens e serviços que “suprem as necessidades de um grupo

78

seleto de clientes ou um nicho de mercado, ao mesmo tempo mantendo custos

baixos”.

A empresa procura criar valores para seus clientes investindo em pessoas,

instalações físicas e equipamentos, baseando o seu planejamento em pesquisas

periodicamente feitas com os clientes.

A estratégia é permanentemente discutida nos vários fóruns da organização,

principalmente por ocasião dos ciclos de Planejamento Estratégicos que têm sido

feitos a cada dois anos.

Movimentos mais recentes, como o lançamento do jornal semanal de

classificados Primeira Mão e a associação aos portais Vrom, de veiculação de

anúncios de veículos, e Lugar Certo, de imóveis, indicam que a organização passou a

adotar também a estratégia de firmar parcerias com outras empresas como forma de

ampliar a sua participação no mercado, sinalizando uma disposição de atuação na

linha da estratégia de consolidar alianças estratégicas (WRIGHT; KROLL; PARNELL,

2000).

.

4.2.6 Estilos gerenciais

Na Rede Gazeta o estilo gerencial preponderante é o de uma empresa familiar

já com considerável grau de profissionalização. Até a realização do planejamento

estratégico de 1992 a gestão era centralizada nas mãos do principal executivo; após o

79

planejamento, com a criação das Unidades Estratégicas de Negócio, a gestão passou

a experimentar um gradativo processo de descentralização.

O processo gradativo de profissionalização (CHANDLER, 1962) pode ser

observado no elevado grau de sistematização das informações gerenciais e na

descentralização das decisões que passam, cada vez mais, para os diretores de

Unidades Estratégicas de Negócio e gerentes.

A atuação da direção é democrática, em decorrência da preservação do estilo

pessoal instituído pelo principal executivo do período 1963-2000 Carlos Lindenberg

Filho, e profissional, marca principal do sucessor, Carlos Lindenberg Neto. Os

processos de trabalho estão mapeados e formalizados e, como conseqüência da

padronização, há considerável grau de burocracia.

4.2.7 Políticas de recursos humanos

As políticas de Recursos Humanos da organização foram implantadas a partir

da criação da Diretoria de Recursos Humanos, um dos primeiros frutos do

Planejamento Estratégico de 1992. A partir daí foram criados o Programa de

Avaliação de Desempenho (em 1995), o Programa de Participação dos Empregados

nos Resultados (1996), a política de Seleção e Recrutamento (em 1996), e o Projeto

Remuneração e Competências (1998), este último com o objetivo alinhar as políticas

e práticas de Recursos Humanos ao novo modelo de gestão da empresa, e implantar

o Sistema de Avaliação de Desempenho de todos os funcionários, SGD (1999).

80

A Rede Gazeta possui 865 funcionários diretos, segundo dados de 5/3/2007.

Novos colaboradores são admitidos em processo de seleção e recrutamento

estruturado que inclui testes psicológicos e práticos de acordo com as competências

requeridas para a vaga a ser preenchida. O grupo organizacional pratica, desde 1996,

política de remuneração variável atrelada a metas da empresa, das unidades de

negócio e das equipes de trabalho, em condições anualmente negociadas com

representantes dos funcionários. Anualmente é também realizada a avaliação formal

de desempenho dentro do SGD, Sistema de Gestão de Desempenho, com

participação direta chefes e subordinados. A remuneração e as promoções são

fixadas com base no projeto Remuneração e Competências.

O programa de desenvolvimento e treinamento é montado com a participação

direta dos gestores das equipes de trabalho. Há reuniões formais trimestrais de

avaliação de resultados com a participação do primeiro e segundo escalões de

gestores. Os veículos de comunicação interna (jornal impresso, mural, intranet) têm a

sua qualidade aferida periodicamente por pesquisas realizadas junto aos funcionários.

4.3 CONSIDERAÇÕES ANALÍTICAS

4.3.1 Uma empresa familiar

O estudo de caso da Rede Gazeta demonstra ser ela um grupo empresarial

familiar que percorreu quatro fases distintas: (1) Da fundação do jornal A Gazeta

(1928) até a venda do jornal, pela família de Thiers Vellozo à Sociedade Anônima de

Oswald Guimarães (1936); (2) A fase em que a propriedade foi da S/A que tinha

81

Oswald Guimarães como acionista majoritário (1936-1945); (3) A fase em que

Eleosipo Cunha se tornou o acionista majoritário de S/A A Gazeta (1945-1948); e (4)

A em que a família Lindenberg se tornou a acionista majoritária (de 1948 até a

atualidade).

Em todas as fases, o grupo pode ser considerado como uma empresa familiar

já que sempre foi controlado por uma única família em cada uma dessas fases.

Considerando ser a propriedade controlada pela família Lindenberg há 58

anos, e que antes dessa época, embora já gerida por uma S/A, a empresa tinha uma

estrutura modesta, este trabalho optou por dedicar maior atenção à trajetória da

empresa a partir de 1948. E, dentro desse período, foi adotado um segundo corte

para analisar o período posterior a 1971 quando, pelo estudo realizado, foram

tomadas as primeiras providências para que a organização ganhasse uma estrutura

organizacional mais definida. Trata-se do período em que, após um período de

afastamento, reassumiu a Direção Comercial da empresa o Sr. Carlos Lindenberg

Filho, filho do acionista majoritário Carlos Lindenberg. Mais adiante foi feito um

terceiro corte para analisar a empresa a partir do Planejamento Estratégico de 1992,

considerado um divisor de águas na gestão do grupo, já que o Planejamento

Estratégico representou, de forma mais concreta, o início do período de

profissionalização da gestão e a adoção de práticas de governança corporativa.

Nesse último período também foi objeto de análise, pela sua importância na trajetória

da organização, o processo de sucessão em que Carlos Lindenberg Filho passou o

controle da direção para o seu filho, Carlos Lindenberg Neto, transferência essa

formalizada em 2000 mas que tem desdobramentos até a atualidade.

82

A participação de Carlos Lindenberg Filho na gestão da Rede Gazeta é tão

marcante, como pode se constatar em todos os depoimentos colhidos, que, embora

durante algum tempo ocupasse o cargo de Diretor Comercial, sua função, de fato, era

a de principal executivo da empresa, cargo que, no entanto, era formalmente ocupado

pelo seu tio Eugênio Pacheco de Queiroz. É possível perceber, pelo poder de decisão

de Carlos Lindenberg Filho e pela forma como conduziu o processo de sucessão para

o seu filho, Carlos Lindenberg Neto, que na história da Rede Gazeta o Sr. Carlos

Lindenberg Filho pode ser considerado como sendo a figura principal da empresa no

período estudado, e seu pai, Carlos Lindenberg, pode ser considerado o fundador tal

como definido por Gersik et al. (1997). A figura de Carlos Lindenberg como fundador

se caracteriza por ter sido ele que sofreu, como descrito por Gersik et al. (1997) a

ação das forças que empurram (disposições psicológicas e eventos da vida, no caso

os seus interesses políticos, que despertam o seu desejo de adquirir a empresa) e

que puxam (as condições econômicas da transação que lhe eram convenientes).

Desta forma, o presente estudo considera o sr. Carlos Lindenberg Filho como o

personagem principal da empresa, mais influente do que o da figura do fundador pois

foi ele que concebeu a primeira estrutura organizacional e iniciou o processo de

profissionalização nos anos 1970, processo que se consolidou mais adiante, nos anos

1990. Foi a iniciativa de Carlos Lindenberg Filho que levou a empresa, antes restrita à

edição e produção de um jornal, A Gazeta, à condição de grupo empresarial com a

constituição de outras empresas e lançamento de outros veículos, o que resultou no

seu ingresso na mídia eletrônica e na ampliação da sua atuação na área de mídia

impressa.

83

Nessa perspectiva, a Rede Gazeta pode ser considerada uma empresa familiar

típica brasileira (ANDRADE; ROSSETTI, 2006, p. 463; CHANDLER, apud CHURCH,

1993). Ao ser analisada dentro do modelo de Três Círculos, M3C (GERSIK et al.,

1997), a organização pode ser vista em duas situações distintas, considerando a

participação dos dois principais agentes envolvidos no processo sucessório de

transferência da direção ocorrida em 2000: (1) Antes da transferência da direção

(antes de 28/4/2000) de Carlos Lindenberg Filho para Carlos Lindenberg Neto; e (2)

Após a transferência da direção.

4.3.2 A sucessão e a profissionalização

Antes da transferência da direção, que ocorreu em 28/4/2000, a participação

dos dois agentes pode ser assim visualizada, com base na figura da página 13: é

possível situar Carlos Lindenberg Filho no nº 7 (da família, da propriedade e da

direção) e Carlos Lindenberg Neto no nº 6 (da família e da direção já que, à época,

ele não detinha qualquer participação acionária). Após a transferência, Carlos

Lindenberg Neto passou a ocupar a posição que era do pai (nº 7) com Carlos

Lindenberg Filho passando para a posição de nº 4 (da família e da propriedade). Em

ambas as situações, é clara a sobreposição entre a propriedade e a direção.

Da pesquisa realizada é possível concluir que o processo sucessório está

definitivamente concluído com Carlos Lindenberg Filho posicionado como integrante

do Conselho Administrativo. A busca por uma nova composição e por novos

integrantes do Conselho Administrativo, manifestada nas entrevistas, revela,

entretanto, que o modelo adotado ainda não é considerado satisfatório para a

84

organização que procura definir melhor os papéis de cada órgão para que eles se

ajustem às necessidades do grupo. Esse quadro evidencia que a trajetória rumo à

profissionalização ainda está em curso.

A análise demonstra que, na Rede Gazeta, a sobreposição entre a propriedade

e a direção, tão comum nas empresas familiares, tende a se prolongar. No caso

estudado da Rede Gazeta há agentes que ocupam somente a posição de nº 1

(família), nº 2 (proprietários) ou nº 3 (direção). Quanto à posição nº 5 (propriedade-

direção) nota-se que ela não tem ocupantes nas maiores empresas do grupo (S/A A

Gazeta e A Gazeta do Espírito Santo Rádio e TV) existindo, tão somente, nas

menores empresas na condição de cotistas e/ou acionistas minoritários.

Cada subsistema, no modelo M3C, envolve personagens com interesses

específicos que podem assumir posições convergentes ou divergentes ao longo do

tempo. Quando convergentes os interesses há as situações de estabilidade e

cooperação; quando divergentes e contraditórios, tornam-se fonte de conflitos (SILVA

JUNIOR, 2006). No caso da Rede Gazeta, o processo sucessório representou um

potencial de conflitos que, ao longo do tempo, se amainou, estando, no presente,

reduzido ao seu menor grau desde 2000.

De acordo com a classificação de Gersik et al. (1997), feita para visualizar a

combinação dos estágios de desenvolvimento da propriedade, a Rede Gazeta pode

ser vista como estando em uma fase híbrida entre o tipo “empresa crescendo e

evoluindo – sociedade de irmãos” e o tipo “empresa familiar complexa – consórcio de

primos” já que, além de ter como desafio consolidar o controle acionário em uma

segunda geração, se trata também de empresa que depende de um líder forte capaz

85

de conseguir a lealdade de clientes, funcionários e proprietários e de investir no

próprio negócio, principalmente em tecnologia, desenvolvimento de pessoas e

marketing.

É possível também constatar que a Rede Gazeta ainda não atingiu o estágio

de profissionalização total definido por Lodi (1993) em que há o afastamento total de

parentes da gestão dos cargos de nível tático e operacional, mas é possível constatar

que ela percorre, de forma gradativa, um processo consistente de profissionalização

desde o primeiro movimento nesse sentido realizado em 1971.

A sucessão implementada foi uma típica sucessão familiar, com o filho

substituindo o pai na Direção Geral, principal posto de direção. Embora a sucessão

tivesse sido planejada pelo fundador, o que se percebe é que os integrantes da

organização não esperavam que ela se desse no momento em que se deu, ou seja,

por decisão unilateral do fundador. Como tal decisão teria se dado em razão de

desconforto do fundador com o modelo organizacional adotado, o grupo passou por

períodos de conflitos, superados, principalmente, pela coesão da família proprietária e

pela estrutura de direção quase que totalmente integrada por gestores profissionais

que já havia sido adotada.

No que se refere à propriedade, o falecimento do Sr. Carlos Lindenberg, em

1991, não provocou grandes alterações no controle acionário considerando que a

maior parte de suas ações ficou com a sua esposa, Maria Antonieta Queiroz

Lindenberg, que delega a condução das decisões estratégicas ao seu filho Carlos

Lindenberg Filho. Ou seja, também no que se refere à propriedade, o falecimento do

maior acionista não retirou o controle da família. Ao contrário, a família, exercitando a

86

sua coesão (LANSBERG; ASTRACHAN, apud LODI, 1999) passou a ter um controle

ainda maior com a aquisição de ações de outros sócios minoritários, no que se refere

à S/A, e de cotas da empresa Limitada.

As mudanças da Rede Gazeta e a sua trajetória rumo à profissionalização

representam um processo único na visão de Lindenberg Neto:

O processo tem uma série de itens que tornam cada caso um caso. Não é possível alguém fazer um ‘case’ de uma empresa que se profissionalizou e dizer: ‘Vou fazer a mesma coisa em outra empresa que vai dar certo’. Cada empresa tem determinados personagens que interferem no processo, positiva ou negativamente. Não dá para generalizar. Cada caso é um caso.

O grau de profissionalização pode ser constatado no depoimento de Carlos

Lindenberg Neto:

Em termos de instrumentos de gestão, políticas, gestão de recursos humanos, gestão de planejamento, modelo gerencial, planejamento estratégico, eu acredito que a Rede está muito bem dotada [...] Em que temos ainda que trabalhar? Uma das coisas é o processo de sucessão em nível gerencial. [...] Se tivermos que trocar hoje um diretor, será preciso procurar muito para saber se há recurso interno para colocar no lugar desse diretor.

4.3.3 A Governança Corporativa na Rede Gazeta

Considerando a governança corporativa como as articulações que envolvem o

relacionamento entre a propriedade e a direção, o presente trabalho examinou o caso

da Rede Gazeta adotando como ponto de partida o planejamento estratégico de 1992

e a criação das unidades de negócio, considerando este momento como o marco

inicial das práticas de governança na organização.

87

A prática institucional da Rede Gazeta pode ser considerada como próxima do

modelo brasileiro de governança corporativa (ANDRADE; ROSSETTI, 2004): alta

concentração de propriedade acionária (de natureza familiar), utilização do capital e

do patrimônio próprio da família como principal fonte de financiamento, controle

baseado na propriedade, sobreposição entre a propriedade e a direção e pequeno

grau de conflitos de agência.

O mais recente ciclo de planejamento estratégico da Rede Gazeta, que define

os rumos da organização entre 2005 e 2008 contempla as seguintes ações: (1)

Revisão da estrutura societária das empresas para permitir expansão; (2) Aquisição,

pelos sócios majoritários, das cotas/ações dos minoritários para eliminar possíveis

restrições; (3) Adoção de novo modelo para o conselho de administração; e (4)

Identificação e estabelecimento de programa/processo de troca de melhores práticas

com empresas de referência.

As principais características da governança corporativa da Rede Gazeta,

adotando-se, com adaptações, a configuração de governança de Andrade e Rossetti

(2004) podem ser assim explicitadas:

• Fonte predominante de financiamento – A principal é o capital e o patrimônio da

família proprietária.

• Propriedade e forma de controle – Concentrada nas mãos da família Lindenberg que

exerce total controle das operações do grupo empresarial.

• Relacionamento entre a propriedade e a gestão – É possível verificar a existência de

sobreposição entre a propriedade e a direção.

88

• Tipologia dos conflitos de agência – Em decorrência da grande concentração do

controle no núcleo da família proprietária, não há conflitos significativos entre os

acionistas majoritários e minoritários. Essa situação decorre da coesão entre os

integrantes da família que detém o controle e a submissão dos acionistas minoritários,

o que pode caracterizar uma estabilidade momentânea que pode vir a ser ameaçada

no futuro, o que resulta na intenção dos sócios majoritários de adquirir gradativamente

as cotas/ações dos minoritários. Entre a propriedade e a direção os conflitos são

minimizados pela coesão familiar e a participação no principal cargo de direção do

sucessor escolhido e aceito, de forma natural e sem divergências, pelo núcleo

familiar.

• Proteção legal a acionistas minoritários – A maioria dos acionistas minoritários

pertence à família Lindenberg e não tem direito a voto.

• Relação entre a propriedade e direção – Há sobreposição pela participação de um

integrante da família e da propriedade no cargo de principal diretor.

• Atuação do Conselho de Administração – Existe formalmente, mas não atua como

um colegiado. A atuação do Conselho, na prática, se resume à atuação de uma única

pessoa que recebe delegação tácita dos demais conselheiros para assim agir. Está

prevista para os próximos anos a reestruturação do Conselho agregando novos

integrantes de fora do núcleo familiar.

• Atuação da diretoria – Tem considerável grau de profissionalização, já que todos os

diretores das Unidades Estratégicas de Negócio e os das diretorias corporativas são

profissionais, com exceção do Diretor Geral que é integrante da família controladora e

possui participação acionária.

• Liquidez da participação societária – Existe, em razão do business atrativo, na

hipótese de venda do total das ações, considerando ser a organização de capital

89

fechado. Entretanto, não está nas cogitações dos atuais proprietários se desfazerem

das ações.

• Forças de controle mais atuantes – As principais são internas e ligadas à família

proprietária. Há, também, as forças externas relacionadas ao mercado como a

concorrência e a competição no ambiente dos vários negócios do grupo.

• Governança corporativa como prática – A governança corporativa pode ser

considerada como um modelo de gestão em evolução, que vem sendo implantado de

forma gradativa a partir de 1992, ocasião em que foi realizado o primeiro ciclo de

planejamento estratégico da organização; entretanto é possível perceber que o

processo ainda está em curso já que o Conselho de Administração ainda não atua

como um colegiado.

• Abrangência do modelo de governança praticado – Se aproxima do modelo

brasileiro de governança corporativa.

4.3.3.1 O potencial de conflitos

Não são relevantes os conflitos entre os acionistas majoritários e os

minoritários, considerando a coesão da família detentora do controle acionário da

Rede Gazeta. Sobre esse aspecto, assim se pronuncia Lindenberg Neto:

Entre os acionistas há também os acionistas minoritários da família que não fazem parte do grupo de controle. Mas não há conflitos significativos porque os minoritários não têm voto. O estatuto social da S/A e o contrato social da Ltda não dão muitos direitos aos minoritários.

Da mesma forma, não são relevantes os conflitos entre a propriedade e a

direção. Sobre esses, assim se manifesta um diretor:

90

Não há conflitos significativos entre o Conselho, que representa os acionistas, e a Diretoria Executiva que representa a gestão. Quando eu falo conflitos eu penso nas coisas que são levantadas e não são resolvidas [...] Isto não é relevante na Rede Gazeta.

Esta é também a opinião de Carlos Lindenberg Neto:

Conflitos entre acionistas e executivos, também não há. A minha parcela de ações é muito pequena, apenas para eu ser diretor das empresas, daí porque ainda não sou um acionista relevante no processo. Mas, enfim, eu sou interessado também como acionista e consigo, por conta disso, contrabalançar.

Lindenberg Neto considera que o potencial de conflitos é muito pequeno na

Rede Gazeta:

O potencial de conflitos na Rede é pequeno porque a família é muito harmoniosa, as pessoas se gostam e não há dificuldades de relacionamento entre os familiares. Além disso os nossos sistemas de planejamento são bastante estruturados, têm começo, meio e fim. Em todos os momentos quem define as coisas participa, e os resultados estão aparecendo. Isso mostra que o modelo está funcionando bem.

Com relação aos conflitos entre os ocupantes dos cargos de direção, embora

poucos significativos, eles existem principalmente pela disputa de fatias de um

mesmo mercado, no caso o mercado publicitário, pelos diretores de cada um dos

negócios. Essa situação é assim definida por um dos diretores:

Essa é uma área complicada porque você tem o mesmo produto e duas ou três pessoas com metas a cumprir para tirar resultados de um mesmo mercado. Então, conflitos existem. Mas são administrados na maioria das vezes pelos próprios envolvidos. Hoje todos os diretores estão, até fisicamente, próximos, compartilhando o mesmo ambiente de trabalho. Isso facilitou muito o entendimento.

À medida em que são ouvidos os gerentes das áreas operacionais, esses

conflitos afloram com maior nitidez. Há, por exemplo, citações de que algumas

91

diretorias regionais, que comercializam produtos de vários veículos, dão prioridade a

alguns desses veículos em detrimento de outros, o que causa constrangimentos já

que tal comportamento tem impactos no cumprimento das metas de vendas e, por

conseqüência, na remuneração das equipes.

Há críticas, também, ao modelo adotado para os chamados grandes clientes,

que são atendidos por uma equipe que trata da comercialização de publicidade para

todos os veículos, diferentemente do que é adotado para os clientes médios e

pequenos que são atendidos separadamente pelas equipes de cada um dos veículos.

Nesse caso, vários entrevistados manifestam dúvidas se os resultados para a

empresa não seriam melhores se o atendimento fosse feito por cada uma das equipes

dos vários veículos, como ocorria antes de 2004.

A sinergia entre as várias áreas da empresa, fundamental para a minimização

dos conflitos, está bem contemplada na visão de Carlos Lindenberg Neto:

Eu acho que a sinergia está bem resolvida. No Planejamento Estratégico de 1992 montamos o modelo de Unidades de Negócio. E no começo eram quatro as unidades: Produção de Comerciais, TV, Rádio e Jornal. Tivemos que montar esse modelo para num primeiro momento gerar algum tipo de competição entre os negócios. Algum tipo de competição que deveria, obviamente, ser salutar entre os negócios. Eu acho que isso atingiu o objetivo. Montamos um sistema gerencial para aferir resultados por unidades. Aí chegou o primeiro momento de profissionalização das principais diretorias, quando foi criada a Diretoria de Operações. Nesse primeiro momento [...] caminhamos de um modelo em que não havia discussão a respeito de sinergia porque era uma coisa só (antes do Planejamento Estratégico), para um modelo radical em que cada um olhava para o seu. Como ele foi montado assim, radicalmente, e as pessoas não foram escolhidas com base na sua capacidade de interagir, houve dificuldades em administrar essa situação. Havia competição entre as três principais unidades de maior faturamento, que eram as de mídia impressa, TV e rádio. Então, nós fomos assim de um extremo ao outro e depois tivemos que recuar alguns passos. Agora, o que tem de diferente de lá para cá? Além da estrutura ter mudado um pouco, porque a empresa evoluiu, algumas providências foram tomadas para evitar que isso voltasse a acontecer no grau em que acontecia antigamente. Que aconteça algum tipo de competição é natural, porque todos estão brigando em um mesmo mercado. Alguma competição é até salutar. Mas no nível de direção executiva, é fundamental que os diretores vejam, em primeiro lugar, a

92

Rede e, em, segundo lugar, a Unidade. Então, hoje, quando é definido o perfil de quem irá assumir essas diretorias, uma das coisas a ser considerada é a capacidade do candidato trabalhar em sinergia. É, assim, incomparavelmente mais tranqüilo lidar com isso porque algumas providências foram tomadas à medida em que as coisas foram acontecendo.

Essa opinião, contudo, não é compartilhada pela unanimidade dos gerentes

operacionais. Um deles chegou a dizer que “o que está no papel, planejado, nem

sempre é cumprido” e que “cada um procura fazer a sua parte sem se importar com a

do outro”.

Quanto aos processos de trabalho, é possível observar, nas entrevistas com os

gerentes operacionais, divergências de opinião. Alguns consideram a empresa

burocratizada e defendem maior informalidade e flexibilidade como forma de agilizar

as suas ações e dar respostas mais rápidas às demandas do mercado. Outros, ao

contrário, criticam o que chamam de “ausência de formalismo” que conduz a

improvisações e tomadas de decisões nem sempre precedidas ou seguidas da

formalização de procedimentos contratuais que assegurem a necessária garantia e

proteção jurídica aos atos praticados.

4.3.3.2 As mudanças previstas

Alguns ajustes estão programados para serem implementados nos próximos

anos, com o objetivo de aprimorar a prática da governança corporativa na Rede

Gazeta. Esses ajustes se referem à reestruturação do Conselho de Administração,

como revela Carlos Lindenberg Neto:

O Conselho da Gazeta até hoje não funciona como um conselho padrão de empresas que têm Conselho de Administração. Como os acionistas são praticamente da mesma família e grande parte do capital é representada por uma só pessoa, no caso o meu pai que tem uma parte da empresa e

93

representa a parte da minha avó, as decisões são tomadas praticamente por uma só pessoa e não por um colegiado. Nós estamos agora com um projeto de construir um Conselho de Administração, inclusive com pessoas externas, que funcione de fato. A figura do Conselho já existia há muito tempo. Aliás, nós tínhamos dois conselhos, um da S/A A Gazeta, que publica os jornais, e outro de A Gazeta do Espírito Santo Rádio e TV Ltda, que tem os veículos de mídia eletrônica. Na Limitada, que por um bom período teve a RBS, Rede Brasil Sul, como sócia, nós tínhamos um Conselho de Cotistas. E para os jornais nós tínhamos o conselho estatutário da S/A que, entretanto, nunca se reuniu para definir e ditar os rumos das coisas. As coisas sempre eram definidas muito informalmente. E ainda continuam dessa forma. [...] Nesse novo modelo de Conselho, que está sendo desenhado, [...] a idéia é dar uma dinâmica mais profissionalizada para a forma como a empresa toma as suas decisões mais estratégicas, trazendo uma visão de fora de pessoas que possam agregar essa visão aos acionistas. [...] Essas pessoas externas não serão nem proprietárias nem diretoras. Uma delas provavelmente seria da área financeira, não com uma visão apenas financeira, mas alguém que tivesse um forte conteúdo financeiro. E a outra, alguém que fosse da área de comunicação, que conhecesse a dinâmica do setor, o que está acontecendo.

A contribuição dessas pessoas externas no Conselho Administrativo da Rede

teria caráter consultivo como explica Carlos Lindenberg Neto:

No desenho que nós estamos construindo, a contribuição dessas pessoas externas seria de caráter consultivo porque, no caso, a empresa é de capital fechado. Em uma empresa de capital aberto é um pouco diferente porque, às vezes, é difícil arranjar conselheiros porque eles passam a responder também por algumas coisas. Então, no nosso caso, o fato de ter um caráter consultivo também é positivo pois isso poderá facilitar achar as pessoas disponíveis para exercerem esse papel.

A intenção a ser atingida com a reestruturação do conselho de administração,

segundo Lindenberg Neto, “é também para dar mais respaldo à administração

executiva da empresa”. Segundo ele, “hoje não existe uma crítica muito rígida, ou

mais isenta, a respeito dos rumos que a empresa está tomando. [...] A idéia de trazer

pessoas de fora é dar um pouco mais de qualidade na avaliação da gestão”.

94

4.3.4 As conseqüências do relacionamento entre a estrutura de

propriedade e de direção na dinâmica gerencial

Diversos são os aspectos relacionados à dinâmica gerencial, sendo necessário

eleger alguns deles para se proceder a análise prevista no presente trabalho. Para

tratar das conseqüências do relacionamento entre a estrutura de propriedade e de

direção na dinâmica gerencial, esta pesquisa assume como dinâmica gerencial os

aspectos ligados à estratégia e à estrutura organizacionais e à profissionalização da

unidade de análise da pesquisa, ou seja, da Rede Gazeta.

As conseqüências em relação à dinâmica gerencial foram analisadas com base

em dois períodos: (1) Antes do Planejamento Estratégico de 1992; e (2) Após o

Planejamento Estratégico de 1992. Esse critério leva em conta que foi o Planejamento

Estratégico de 1992 que promoveu a mudança mais significativa na estrutura

organizacional com a criação das Unidades Estratégicas de Negócio que resultou na

criação do sistema de informações gerenciais, na profissionalização da gestão e na

prática de conceitos de governança corporativa.

As principais características da evolução da dinâmica gerencial da Rede

Gazeta antes e após a implantação do Planejamento Estratégico de 1992, podem ser

assim sintetizadas:

Antes de 1992 Depois de 1992Estratégia Sem estratégia sistematizada Diversificação concêntricaEstrutura Unidivisonal MultidivisionalProfissionalização Métodos intuitivos de tomada de decisão Semi-profissionalização

95

Esse movimento pode ser assim descrito com relação aos aspectos escolhidos

neste trabalho:

• Estratégia organizacional – No período anterior ao Planejamento Estratégico de

1992, a Rede Gazeta adotava uma estratégica baseada na visão do seu principal

executivo, ou seja, não tinha uma estratégia sistematizada originada de um trabalho

organizado de análise compartilhada com os demais integrantes da empresa. Era do

principal executivo que emanavam as diretrizes seguidas pelos demais diretores.

Essas diretrizes eram transmitidas ao longo do tempo em reuniões semanais,

ocasiões em que os diretores levavam ao diretor executivo as suas demandas e dele

recebiam as orientações sobre os procedimentos a serem adotados. O processo de

elaboração do orçamento anual contava com a participação dos diretores, mas a

decisão sobre o formato final do documento era do diretor executivo. Esse modelo

definia para os diretores o papel de responsáveis pela execução de decisões tomadas

de forma centralizada, ou seja, a definição da estratégia estava restrita a uma só

pessoa. Após o Planejamento Estratégico de 1992, de forma gradativa, a elaboração

da estratégia organizacional passou a ser cada vez mais compartilhada com os

integrantes da estrutura de direção. A realização dos ciclos de planejamento

estratégico contribuiu para dar à estrutura de direção um papel de maior participação

na formulação da estratégia organizacional. A estratégia pode, nesse período, ser

classificada como focada no crescimento da corporação e com base na divisão do

poder, e como uma estratégia de diversificação em negócios relacionados (WRIGHT;

KROLL; PARNELL, 2000). Atualmente, a estratégia organizacional pode ser descrita

como de diversificação concêntrica, formulada a partir do acompanhamento constante

do ambiente de negócios onde o grupo atua em ciclos periódicos de planejamento

estratégico. O mais recente ciclo de planejamento estratégico foi realizado em 2005 e

96

definiu como metas, entre outras, (1) a ampliação dos atuais negócios de mídia no

Espírito Santo; (2) a atuação em negócios de mídia ainda não explorados; (3) a

atuação no segmento de eventos; (4) a venda de conteúdo para outros grupos ligados

à área de comunicação; (5) a aquisição, através ou não de associações, de

participação em emissoras afiliadas à Rede Globo de fora do Espírito Santo; e (6)

preparar a organização para abertura de capital em 2009.

• Estrutura organizacional – A estrutura organizacional da Rede Gazeta antes do

Planejamento Estratégico de 1992 era unidivisional, representada por um

organograma onde o Diretor Executivo tinha ascendência sobre todos os demais

diretores que se posicionavam em linha, em um nível imediatamente abaixo. A

estrutura adotada era centralizada, com todos os diretores se reportando diretamente

ao Diretor Executivo. Ao criar as Unidades Estratégicas de Negócio e o sistema de

informações gerenciais, o Planejamento Estratégico de 1992 deu uma nova

configuração à estrutura organizacional que se consolidou ao longo do tempo como

multidivisional (WRIGHT; KROLL; PARNELL, 2000) e voltada para atender a um

processo gradativo de profissionalização (SILVA JUNIOR, 2006). Atualmente a

estrutura contempla uma política de alçadas que dá aos executivos uma maior

autonomia e participação nas definições dos rumos da organização, ou seja, é uma

estrutura que consolida a divisão do poder. Os sucessivos reestudos dos processos

de trabalho resultaram na criação dos comitês multidisciplinares que contribuem para

a integração horizontal da estrutura. O planejamento estratégico de 2005 contempla a

adoção de um novo modelo para o conselho de administração, com nova composição

e novos papéis em relação ao atual. Embora haja conflitos decorrentes,

principalmente, da disputa de fatias do mesmo mercado publicitário pelos vários

97

veículos do grupo, é possível identificar que os conflitos decorrem mais da atuação

dos personagens do que da estrutura organizacional adotada.

• Profissionalização – Antes do Planejamento Estratégico de 1992 era mínimo o grau

grau de profissionalização da gestão da empresa, podendo ser considerado incipiente

e fruto do primeiro movimento de reorganização realizado a partir de 1971. Já naquela

época, a presença na gestão de integrantes da família proprietária não era numerosa,

se restringindo aos dois principais executivos. Não existiam, entretanto, regras claras

para a seleção e recrutamento dos profissionais, avaliação de desempenho,

promoções e política salarial. O Planejamento Estratégico de 1992 identificou como

uma das prioridades a ampliação do grau de profissionalização da gestão e dos

recursos humanos resultando, de imediato, na criação da Diretoria de Recursos

Humanos e na elaboração da primeira política de recursos humanos da organização.

A partir daí foram adotados critérios de recrutamento e seleção de funcionários, os

programas de desenvolvimento gerencial, de avaliação de desempenho e de

participação nos resultados e uma nova política de remuneração baseada nas

competências de cada função. A presença de familiares na gestão da empresa não

teve mudança significativa, sendo atualmente restrita, na estrutura de direção, à

presença do Diretor Geral, da Assessoria de Comunicação Empresarial e de uma

chefia na área de Marketing. A forma como se processou a sucessão, com Carlos

Lindenberg Filho abrindo mão da reeleição para passar a Direção Geral a Carlos

Lindenberg Neto, sinaliza um comportamento profissional, embora seja possível

constatar que esta passagem se deu, na percepção dos integrantes da organização,

antes do momento adequado. O planejamento estratégico de 2005 elegeu, como uma

de suas metas, o ajuste da política de remuneração para permitir uma maior retenção

de talentos. A Rede Gazeta pode ser considerada, no seu estágio atual, como uma

98

organização semi-profissional, que percorre uma trajetória de profissionalização

gradativa.

99

Capítulo 5

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho se dispôs a descrever e analisar como o relacionamento

entre a estrutura de propriedade e a estrutura de direção se processa e verificar quais

são as suas conseqüências na dinâmica gerencial de uma rede de comunicação

familiar. A rede de comunicação familiar estudada é a Rede Gazeta, de Vitória,

Estado do Espírito Santo.

A descrição do relacionamento entre a estrutura de propriedade e a estrutura

de direção consta do Capítulo 4 que trata do estudo de caso da Rede Gazeta. A

análise desse relacionamento está exposta nas Considerações Analíticas (item 4.3).

As conseqüências na dinâmica gerencial foram abordadas no texto que consta do

subítem 4.3.4.

Do que foi exposto, é possível considerar que o relacionamento entre a

estrutura de propriedade e a estrutura da direção da Rede Gazeta percorre uma

trajetória de evolução e profissionalização onde podem ser destacadas três fases

distintas, tomando-se como marco zero a reorganização da estrutura iniciada em

1971: (1) Até o Planejamento Estratégico de 1992, período em que a estrutura de

propriedade e a estrutura de direção podem ser consideradas como uma única, já que

tanto a primeira quanto a segunda eram representadas por Carlos Lindenberg Filho (a

estrutura de propriedade por delegação do seu pai, principal acionista, e a estrutura

de direção por ser ele o Diretor Executivo que, na época, centralizava todas as

decisões); (2) Do Planejamento Estratégico de 1992 até o momento em que Carlos

100

Lindenberg Filho passou a Direção Geral para o seu filho, em 2000, quando se

observa uma progressiva ampliação de autonomia da estrutura de direção,

decorrente, principalmente, da estruturação das Unidades Estratégicas de Negócio; e

(3) A partir de 2000 quando Carlos Lindenberg Neto assumiu a Direção Geral do

grupo, o que resultou na passagem de Carlos Lindenberg Filho da estrutura de

direção para a estrutura de propriedade. Entre as três fases é possível identificar que

o grupo caminha para uma definição cada vez maior dos papéis da estrutura de

propriedade e a estrutura de direção, embora a participação do Diretor Geral, Carlos

Lindenberg Neto, como integrante da família, da propriedade e da direção, represente

a continuidade da sobreposição de interesses e papéis entre a propriedade e a

direção.

Sobre as conseqüências desse relacionamento na dinâmica gerencial, o que se

pode observar é que, na medida em que o modelo contemplou uma maior definição

entre a estrutura de propriedade e a estrutura de direção, os aspectos ligados à

estratégia organizacional, à estrutura organizacional e à profissionalização, seguiram

uma trajetória de maior participação, maior autonomia e maior grau de

profissionalização dos integrantes da estrutura de direção, principalmente após a

criação das Unidades Estratégicas de Negócio e implantação do sistema de

informações gerenciais.

Com relação à pesquisa realizada deve ser registrado que a abordagem

qualitativa utilizada, com base documental, em entrevistas semi-estruturadas e

observação participante, permitiu o entendimento dos papéis exercidos por cada um

dos atores atuantes no contexto institucional, o que possibilitou a descrição e a

análise dos fenômenos organizacionais observados, suas origens, relações, evolução

101

ao longo do tempo e inferências sobre suas possíveis conseqüências. Sendo

qualitativa, a pesquisa deu ênfase, em primeiro lugar, ao processo, em relação aos

resultados.

Deve ser registrado, ainda, que a unidade de análise é idiossincrática, daí

porque não é possível fazer generalizações para os demais grupos empresariais

familiares que atuam no país. Também é necessário considerar as dificuldades

naturais de se tratar de questões ligadas às relações e interesses de propriedade, de

família e de direção em uma empresa familiar, relações essas que são, geralmente,

mais complexas de que em empresas não familiares, dificuldades que, acredita-se,

foram superadas de forma satisfatória.

Realizada a pesquisa, é possível verificar que a Rede Gazeta evolui, ao longo

do tempo, com relação à configuração adotada de governança corporativa que

sustenta o processo de crescimento e de aumento da complexidade gerencial da

instituição. É possível observar também que, na medida em que a complexidade

gerencial aumenta, uma nova re-configuração da governança é exigida para sustentar

um novo período de evolução. Esse processo pode ser considerado uma trajetória

saudável de expansão. A fase vivida pela Rede Gazeta é de aperfeiçoamento dessa

configuração retratada pela intenção de reestruturar o Conselho de Administração nos

próximos meses. Percebe-se, ainda, que a coesão familiar é determinante para a

minimização dos conflitos entre os vários interesses dos agentes que atuam na

organização, tendo sido decisiva para superar os momentos mais críticos do processo

de sucessão por que passou a organização. A trajetória da organização tem sido de

crescimento, por vezes momentaneamente interrompido por fatores externos como a

mudança da política cambial de 1999.

102

Espera-se que essa pesquisa contribua para o entendimento do processo de

governança corporativa vivido por um grupo empresarial de comunicação e que, de

alguma forma, mesmo não admitindo generalizações, possa servir como uma

referência a mais na construção de modelos de governança em empresas familiares,

já que aborda o caso de uma empresa familiar típica do universo brasileiro.

103

REFERÊNCIAS

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107

ANEXO Nº 1MODELO ORGANIZACIONAL

108

109

ANEXO Nº 2COMITÊS E REUNIÕES

110

111

112

113

APÊNDICE A

METODOLOGIA DE DIAGNÓSTICO ORGANIZACIONAL

GOVERNANÇA CORPORATIVA NA EMPRESA FAMILIAR: O ESTUDO DE CASO DA REDE GAZETA

Mestrando: José Carlos Corrêa

Orientador: Annor da Silva Junior

1 Histórico2 Atividades

ÿ Produtos (veículos de comunicação que opera)

ÿ Expressão econômico-financeira

3 Meio ambiente

ÿ Contexto econômico-financeiro

ÿ Presença no mercado

ÿ Oportunidades

4 Tecnologia

ÿ Nível de atualização

ÿ Nível de informatização

5 Mercado

ÿ Público-alvo

ÿ Participação

ÿ Cobertura

6 Estrutura organizacional

ÿ Modelo organizacional

ÿ Área de atuação

7 Estratégia organizacional

ÿ Posicionamento estratégico

ÿ Estratégia competitiva

8 Estilos gerenciais

ÿ Autocrático, democrático, paternalista, profissional

114

ÿ Natureza da supervisão

ÿ Centralização x descentralização do planejamento, controle e tomada de decisões

ÿ Profissionalização

9 Políticas de recursos humanos

ÿ Força de trabalho (quantidade de funcionários)

ÿ Principais políticas

115

APÊNDICE B

ROTEIRO DAS ENTREVISTAS

GOVERNANÇA CORPORATIVA NA EMPRESA FAMILIAR: O ESTUDO DE CASO DA REDE GAZETA

Mestrando: José Carlos Corrêa

Orientador: Annor da Silva Junior

1) Caracterização do entrevistado

• Atividades exercidas

• Tempo de casa

• Participação das decisões

• Solicitar informações adicionais do entrevistado sobre sua área de atuação

2) Histórico da empresa

• Momentos mais marcantes

• Participação do entrevistado nesses momentos

3) Planejamento Estratégico de 1992

• Percepção do entrevistado sobre a importância do Planejamento Estratégico de

1992 na história da empresa

• Estrutura organizacional e as práticas gerenciais adotadas antes e depois do

Planejamento Estratégico de 1992

• A importância da criação das Unidades Estratégicas de Negócio

• A implantação do Sistema de Informações Gerenciais

• Procurar reconstituir a trajetória da empresa após o Planejamento Estratégico de

1992 com relação às mudanças organizacionais implementadas

4) Mudanças Organizacionais

• Opinião do entrevistado sobre as mudanças organizacionais implementadas.

Foram corretas? Foram bem conduzidas?

116

• Revisão e o redesenho dos processos de trabalho. Foram bem elaborados e

implementados?

• Levantar a percepção do entrevistado sobre erros e acertos

• O que pode melhorar?

5) Sucessão

• Buscar informações sobre o processo de sucessão que foi formalizado em 2000

com a mudança do diretor geral

• Foi bem conduzido?

• Houve conflitos?

• Restam seqüelas?

6) Profissionalização

• Solicitar a opinião do entrevistado sobre a profissionalização da empresa, sua

evolução, seus obstáculos

7) Governança Corporativa

• Solicitar informações e opiniões do entrevistado sobre as práticas de governança

corporativa

• Suas conseqüências na dinâmica empresarial (estratégia institucional, estrutura

organizacional e profissionalização)

• Suas conseqüências no desempenho organizacional

• Conflitos entre propriedade e direção, entre acionistas majoritários e minoritários,

entre diretores

• Sobreposição de papéis

• Controle acionário

• Sibergia

8) Perspectivas para o futuro

• Levantar as expectativas e informações sobre a estratégia da empresa

Solicitar opinião do entrevistado sobre a estratégia. Está correta?

• O que é possível sugerir como melhoria?

117