funÇÃo extrajudicante e a administraÇÃo pÚblica · em direito submetida à aprovação da...
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
MESTRADO EM DIREITO
FUNÇÃO EXTRAJUDICANTE E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Adelma Cavalcante Ferreira Borges
Orientador: Professor Doutor Marcos Juruena Villela Souto
Rio de Janeiro 2007
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
MESTRADO EM DIREITO
FUNÇÃO EXTRAJUDICANTE E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em
Direito, área de Direito Empresarial e Tributação,
como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Direito, sob a orientação do Professor
Doutor Marcos Juruena Villela Souto.
Rio de Janeiro
2007
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
MESTRADO EM DIREITO
FUNÇÃO EXTRAJUDICANTE E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Adelma Cavalcante Ferreira Borges
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
em Direito submetida à aprovação da Banca
Examinadora composta pelos seguintes membros:
__________________________________________
Orientador: Professor Doutor Marcos Juruena Villela Souto.
__________________________________________
Professora Doutora Carla C. Marshall
__________________________________________
Professor Doutor João Marcelo Assafim
Rio de Janeiro
2007
Borges, Adelma Cavalcante Ferreira Função Extrajudicante e a Administração Pública /Adelma Cavalcante Ferreira Borges. Rio de Janeiro. Universidade Candido Mendes. 179 p. Orientador: Marcos Juruena Villela Souto – UCAM, Mestrado em Direito, 2007. Referências Bibliográficas, f. 171-179. 1.Função judicante. 2.Consensualidade. 3. Arbitragem.
Dedico este trabalho ao meu marido, Walter, meu grande e único amor; Aos meus filhos: Felipe e Monique, doces presentes da vida e razão do meu viver; À minha mãe, Terezinha, exemplo maior de minha formação, o meu amor e minha gratidão.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho é fruto de persistência e dedicação, características que
sempre pautaram minha vida. “Desistir” tornou-se palavra inexistente no meu
dicionário particular, ainda que as barreiras e os obstáculos atravessados
fossem muitos, e por vezes, gerados tão-somente no meu inconsciente pela
insegurança.
Superada esta fase, chega a hora de agradecer aqueles que,
generosamente, me ofereceram apoio, amizade e solidariedade,
imprescindíveis para a conclusão desta jornada. A todos, meu amor e minha
eterna gratidão:
Ao meu orientador, Marcos Juruena Villela Souto, agradeço pela
orientação e, sobretudo, pela amizade, paciência, generosidade e infinita
esperança de que esse trabalho seria realizado.
À professora Carla Marshall, pela honra de fazer parte da banca
examinadora e, especialmente pelo apoio incondicional e amizade fraternal que
jamais serão esquecidas.
Ao Professor João Marcelo Assafim, pelos ensinamentos ministrados
como professor do mestrado e pela satisfação e honra de compor a banca
examinadora.
Ao meu marido, Walter, pelo incansável apoio, companheirismo e
imenso carinho que me dedicou e que sempre pautou suas atitudes.
Aos meus filhos, Felipe e Monique, com os quais tenho a oportunidade
de partilhar, diariamente, o mais imenso e puro amor e, sem dúvida, pela
fundamental colaboração.
À minha mãe, Terezinha e meus irmãos Adriana e Adelmário, que
sempre tiveram palavras de incentivos e de amor nas horas mais difíceis.
Aos meus amigos do Escritório Juruena e Associados, ponto de partida
da minha vida profissional, pelo incentivo, carinho e amizade: Flavio Amaral
Garcia, Paolo Henrique Spilotros Costa, Paulo César Melo da Cunha, Aline
Paola Câmara, Carla Arminda de Oliveira Augusto, André Saddy e Bernardo
Guerra.
Aos professores do curso de mestrado, José Gabriel Assis de Almeida,
Willis Santiago Guerra Filho, Alberto Nogueira, Patrícia Ribeiro Serra, Rosalina
Correa Araújo, Ivair Coelho e Aquiles Guimarães, pelo aprimoramento dos
meus conhecimentos que ofereceram.
Às irmãs de coração, grandes amigas que Deus generosamente colocou
em meu caminho e que não se furtaram nos momento de fraqueza em me
acompanhar, cada uma a sua maneira, oferecendo um gesto especial: Silvia
Helena Facó Amoedo, Lídia Monteiro Cardoso, Maria Lúcia Van Herven,
Viviane Maria Boscoli James, Denise Astral Torres, Janine Mont-mor, Eliane ,
Priscilla Maia Cruz e Sara Jane Leite de Farias, pela solidariedade e incentivo,
meus profundos agradecimentos.
À Imaly Baumflek, “amiga do peito e irmã camarada”, pelo estímulo e
pela sincera e sólida amizade existente dos tempos de estágio na Procuradoria
Geral do Estado do Rio de Janeiro, por sua generosa e especial colaboração,
conduzindo-me à certeza da conclusão desse trabalho.
Ao Renato Eduardo Ventura Freitas, pela amizade e colaboração em
fornecer referências bibliográficas.
Aos colegas do Escritório Abrunhosa Advogados, pela compreensão,
incentivo, amizade e confiança: Jair Fialho Abrunhosa (in memoriam), José
Roberto Waldemburgo Abrunhosa, Ester Klajman Goldberg, Valéria Maria
Carvalho Guimarães, Alexandre Moreira Pereira, Antonio Carlos Gameiro
Salles, Mariana Kadher, Izabel Siciliano, Ana Lúcia Serqueira e Roseane
Kleinpaul do Prado.
E, por fim, pela importância no resultado final desse trabalho, Andréa
Limani Boisson Motta, cuja marca registrada é a mão sempre estendida. Seu
espírito não contempla com indiferença os sentimentos e as dores daqueles
que ama. Amizade recente, mas tão significativa que entrou para sempre no rol
das “Irmãs de Coração”.
RESUMO
Com o advento do Estado Democrático de Direito essa nova concepção passou definitivamente a valorizar o administrado e os direitos fundamentais que evoluíram conforme diminuía o poder estatal. A tônica é buscar instrumentos jurídicos e mecanismos que promovam os objetivos do Estado Democrático. Daí desenvolveu-se na Administração Pública o processo da consensualidade que se baseia, especialmente, na participação do administrado na gestão da coisa pública, como também na busca de relações harmônicas e de colaboração entre a Administração Pública, administrados e parceiros privados, em prol da plena efetivação da democracia e do bem estar da coletividade. Como corolário lógico na busca da consensualidade desenvolveu-se no âmbito da Administração Pública a função judicante, como uma das vertentes da denominada Administração concertada e que tem como intuito fortalecer a interação, parcerias e troca de condutas tendentes à pacificação (art. 4º, VII, da Constituição da República de 1988). Este trabalho tem por objetivo avaliar os efeitos da utilização dos meios de solução consensuais de controvérsias (conciliação, mediação e arbitragem) utilizados pela Administração ressaltando que essas são alternativas céleres na condução harmônicas das relações e, na solução de conflitos no âmbito dessas relações, bem como no âmbito dos contratos administrativos. Tratar-se-á, portanto, esses mecanismos jurídicos, como instrumentos prévios, técnicos e céleres de solução de conflitos e, sobretudo, como alternativa à morosidade da Jurisdição Estatal, e, por fim, da viabilidade jurídica da previsão da arbitragem nos contratos administrativos de PPP’s que se propõe a garantir o direito ao desenvolvimento, disposto no art. 3 e 170, da Constituição Federal, como patrimônio jurídicos dos administrados. O pressuposto é que tais contratos fundamentam-se, principalmente, em um contexto de escassez de recursos públicos para investimentos essenciais na infra-estrutura brasileira (saneamento básico, rodovias, ferrovias, portos, presídios, etc.) a ser compartilhado pelo Estado e o setor privado como efetiva colaboração entre ambos, comprometidos com o desenvolvimento nacional e com a dignidade humana.
ABSTRACT
The advent of the Democratic State of Right raised a new conception based on the valorization of the human beings and its fundamental rights, diminishing the power of the State itself. The target was searching instruments and legal mechanisms capables to promote the objectives of the Democratic State. From this point, the process of the consensuality arised within the participation of the citizens in the management of the Public Administration and in the search of harmonic relations and contribution among them towards the effectiveness of the welfare state. As a logical consequence, the judicante function developed within the Public Administration is considered one of the sources of the called mild Administration and has the intention of fortifying the interaction, partnerships and interchange of tending behaviors of pacification (art. 4, VII, 1988, Brazilian Federal Constitution). Therefore, the objective of this work is to evaluate the effects of the utilization of out-of-court dispute resolution mechanism (reconciliation, mediation and arbitration) used by the Public Administration as an alternative mean in the solution of conflicts also in the scope of administrative contracts. In addiction, these legal mechanisms will be analyzed as previous, techniques and quick instruments capable take advantage over the slowness of the State Jurisdiction. As it will be seen, the judicant function of the State, in the way its related in the present work, rises as a possibility of the maintance of fundamental rights as the Dignity of the human beings and the right of State Development.
ABREVIATURAS
ampl. – ampliado
ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil
ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações
ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica
ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários
ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres
Apud – junto a (de acordo com)
art. – artigo
atual. – atualizado
aum. – aumentada
c/c – combinado com
CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CCEE – Câmara de Comercialização de Energia Elétrica
cf. – conforme
Coord. – Coordenador/Coordenação
CPI´s – Comissões Parlamentares de Inquérito
CRFB/1988 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
DJ – Diário de Justiça
DJU – Diário de Justiça da União
DNIT – Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes
DO – Diário Oficial
DOU – Diário Oficial da União
EC – Emenda Constitucional
ed. – Edição
in – dentro de
int. – introdução
Min. – Ministro
MP – Medida Provisória
MT – Ministério dos Transportes
n° – número
op. cit. – obra citada
Org. – organizado por; organizador;
passim – aqui e ali
PL – Projeto de Lei
PND – Programa Nacional de Desestatização
PPP`s – Parcerias Público-Privadas
publ. – publicado
RE – Recurso Extraordinário
Rel. – Relator
REsp. – Recurso Especial
rev. – revisto
RT – Revista dos Tribunais
RTJ – Revista do Tribunal de Justiça
SEAE – Secretaria de Acompanhamento Econômico
SDE – Secretaria de Direito Econômico
sist. – sistematizada
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
tir. – tiragem
TRF – Tribunal Regional Federal
v. – volume
VF – Vara Federal
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 14
1. A FUNÇÃO JUDICANTE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
1.1. Considerações iniciais................................................................................... 19
1.2. A Administração Pública consensul................................................ 25
1.3. Evolução da consensualidade na Administração
Pública....................................
28
1.4. A legitimidade dos meios de solução consensuais de conflitos...................
1.5. Função administrativa judicante....................................................................
1.6. Os institutos de consensualidade: conciliação, mediação e arbitragem
1.6.1. A conciliação na Administração
Pública................................................
1.6.2. O instituto da mediação e a Administração
Pública..............................
1.6.2. O instituto da arbitragem e a Administração
Pública.............................
1.7. Principiologia atinente à função judicante da Administração Pública.........
1.8. Órgãos e entidades públicas no exercício da função administrativa
judicante................................................................................................................
35 40 45 49 51 63 65
1.5. Conclusões parciais ...................................................................................... 75
2. ARBITRAGEM E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
2.1. Considerações iniciais....................................................................................
2.2. A arbitragem na Administração Pública como mecanismo da
potencialização da justiça.....................................................................................
80
2.3. Os contratos de concessões de serviços públicos e o instituto da
arbitragem.............................................................................................................
83
2.3.1. A legitimidade da arbitragem nos contratos
administrativos...........................................................
......................................
87 90
2.3.2. A capacidade de contratar da Administração Pública.......................
2.3.3. O princípio da legalidade e a arbitragem nos
contratos administrativos
...................................................................................
..........
2.3.4. Aplicação subsidiária da Lei Geral de Arbitragem no âmbito dos
contratos administrativos......................................................................................
2.3.5. A indisponibilidade do interesse público e a arbitragem...................
2.4. As agências reguladoras e o instituto da arbitragem no exercício da função
judicante................................................................................................................
2.5. O instituto da arbitragem nos contratos de Parcerias Público-Privadas........
2.6. Conclusões parciais ......................................................................................
91 96 101 104 105 126
3. AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS E ARBITRAGEM COMO INSTRUMENTOS DE ALCANÇE DO DIREITO AO DESENVOLVIMETO
3.1. Considerações iniciais................................................................................... 128
3.2. O direito ao desenvolvimento - breve evolução............................................. 129
3.3. O direito ao desenvolvimento na Constituição de 1988................................ 137
3.4. Os contratos de Parcerias Público-Privadas como instrumento do
desenvolvimento...................................................................................................
3.5. A arbitragem e o direito ao desenvolvimento................................................
147 152
3.8. Conclusões parciais ...................................................................................... 160
CONCLUSÃO .................................................................................................. 162
REFERÊNCIAS ............................................................................................... 171
INTRODUÇÃO
O fim da Segunda Guerra Mundial foi, não somente o marco inicial da
divisão do mundo contemporâneo em dois sistemas – capitalismo e
socialismo–, período conhecido como “Guerra Fria”, mas também importante
etapa no processo evolutivo do Estado, vista a necessidade de reconstrução e
estruturação das instituições democráticas nas nações envolvidas no conflito e
as transformações sociais e econômicas que se seguiram a partir dos
fenômenos das tecnologias, avanços científicos jamais experimentados, além
da globalização e do processo de constitucionalizações que marcaram o século
XXI.
Tais fatores, cada qual a seu tempo, passaram a exigir do Estado
Democrático de Direito um processo de constitucionalização dos direitos
fundamentais, provocando, também, a reestruturação da Administração
Pública, não somente em suas instituições propriamente ditas, mas também
em seu modo de atuação.
Dentre essas mudanças encontra-se a valorização do processo de
consensualidade e do direito de participação conferido ao administrado a partir
da escolha de seus governantes. Não mais valoriza-se o administrado
somente pelo direito ao voto e sim pela participação na gestão da coisa
pública; daí a importância de se estimular à sociedade civil a exigir da
Administração a implementação das necessidades da coletividade e a
ampliação das relações harmônicas e pacíficas, com o rompimento e
flexibilização de suas normas, condutas e prerrogativas em prol da plena
efetivação da democracia e do desenvolvimento das potencialidades nacionais.
Vislumbra-se uma nova concepção da forma de atuação da
Administração Pública, com a supressão de prerrogativas e imperatividade do
Estado Absoluto, para se transformar em uma Administração consensual e
participativa. Tal tendência de modificação de paradigma alcançou o direito
administrativo, que passou a valorizar os mecanismos de consensualidade.
Assim, considerando que o berço do Direito nada mais é que o fruto da
observância das práticas e costumes de uma sociedade no sentido de melhor
regular a sua efetividade, nada mais lógico que pressupor que a Administração
Pública, no exercício de sua função, também deve aprimorar-se, transformar-se
e adaptar-se em sintonia com as mudanças sociais ocorridas no âmbito
daquela sociedade. A Carta Política de 1988 é exemplo dessa transformação,
visto que se deu a reestruturação da Administração Pública brasileira a partir
da elevação a nível constitucional dos seus princípios norteadores (art. 37,
caput, Constituição da República Federativa do Brasil).
Desta forma, o propósito do presente estudo se baseia na necessidade
da análise e na intensificação de uma cultura do consenso e da participação,
com a minimização do poder de império estatal para que se chegar a uma
sociedade voltada para a realização da dignidade humana, da cidadania, dos
direitos sociais e, sobretudo, da pacificação social. Além disso, se objetiva no
presente ressaltar a importância da consensualidade e a aplicação de seus
mecanismos de solução de conflitos nas relações entre a Administração e os
administrados, em detrimento da autoridade, para concluir que o consenso na
pacificação dos conflitos efetiva a democracia e desenvolvimento da
Administração Pública, bem como o desenvolvimento econômico e social do
País.
Nesse contexto, a consensualidade é relevante meio de alcance dos
interesses da coletividade e deve, de tal modo, ser a motivação para
flexibilização da imperatividade, bem como atitude a ser adotada por uma
Administração Pública que preza a união de esforços entre o setor público, o
setor privado e a sociedade civil, com o intuito de potencializar a harmonia, a
confiança, a plena efetividade da justiça e o desenvolvimento econômico e
social.
No alcance de tal objetivo, revela-se importante o estudo das
mudanças ocorridas no âmbito do Estado, sejam elas oriundas da
transformação das relações entre o Estado e particulares, e entre àquelas
advindas da transferência dos serviços públicos para a iniciativa privada, por
meio de privatizações e delegações da execução desses serviços, ou por fim,
da valorização das relações igualitárias entre a Administração e os
administrados na busca por soluções consensuais de conflitos.
A função judicante da Administração Pública é objeto especifico do
capítulo primeiro, devido ao alargamento da função administrativa,
conseqüência das intensas relações com os administrados, da complexidade
de sua estrutura e de sua forma de atuação, segundo a qual já não é mais
possível cogitar que no exercício de suas funções todos os conflitos surgidos
sejam levados para o Poder Judiciário.
Trata-se de considerar que a ampliação do exercício da função
administrativa judicante se legitima para cumprir com maior eficiência suas
finalidades, principalmente no que diz respeito ao dever de eficiência imposto
pela Carta Magna à Administração Pública.
Por essas razões, em seu âmbito, a função judicante é exercida por
órgãos e entidades estatais e atende as normas constitucionais e os princípios
norteadores da função administrativa sem, contudo, deixar de observar o
princípio da jurisdição una (art. 5º, XXXV, da CRFB), sob pena de usurpar a
competência jurisdicional do Poder Judiciário.
Ou seja, a legitimação da função judicante na Administração Pública
funda-se no dever de eficiência e, quando realizada, seja por meios de
parcerias, acordo, transações, compromissos de conduta ou pelos mecanismos
alternativos de solução de conflitos (mediação, conciliação e arbitragem),
busca como finalidade, a satisfação das necessidades da sociedade.
Tampouco se ouvida de destacar a importância da Administração
Pública absorver as influências e os modos de atuação dos entes privados,
nomeadamente dos meios consensuais de negociação e solução pacífica de
conflitos, sobretudo, nas relações de natureza contratual.
Tal se justifica pelas rápidas mudanças econômicas e tecnológicas do
mundo globalizado, que compelem, não só a iniciativa privada a colocar-se em
conformidade com essas mudanças, mas também a Administração Pública.
E é na busca da satisfação deste interesse coletivo que se encontra a
motivação para a ruptura com um ordenamento que valoriza a imperatividade e
prerrogativas, para originar uma nova visão jurídica da consensualidade, da
necessidade de paridade nas relações entre o setor público e privado, dos
meios eficientes de atração do capital privado para contratos de interesse
coletivo, da análise da pertinência e da viabilidade jurídica da utilização dos
institutos extrajudiciais de solução de conflitos nos contratos administrativos,
objetivando, especialmente, maior eficiência na obtenção dos interesses
coletivos.
Além disso, aqui se fez uma avaliação dos antecedentes históricos da
atuação estatal e atual finalidades e objetivos da Administração Pública que a
levou à utilização dos institutos de solução de conflitos consensuais,
ressalvando, para tanto, que o objetivo da Administração Pública cada vez
mais se volta para uma atuação igualitária com seus administrados.
Neste contexto, no segundo capítulo investigar-se-á a evolução histórica
da arbitragem e sua aplicação nos contratos administrativos (concessões de
serviços públicos), na função judicante das agências reguladoras dos serviços
públicos, nas estatais e, por fim, nos recentemente criados contratos
administrativos de Parcerias Público-Privadas – PPP´s, espécie de contrato
administrativo criado pela Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que
instituiu normas gerais de licitação e contratação de Parcerias Público-Privadas
no âmbito da Administração Pública Federal visando, especialmente,
investimentos em infra-estrutura.
A utilização legal do instituto da arbitragem nesses contratos pauta-se
pela necessidade de, não somente oferecer segurança jurídica aos parceiros
privados, com soluções pacíficas de conflitos que estejam desvinculadas de
decisões políticas à margem de interesses corporativistas, mas também de
oferecer celeridade, haja vista a morosidade da Jurisdição Estatal, causada,
principalmente, pelo acúmulo de litígios, pela possibilidade de inúmeros
recursos que fazem com que as decisões judiciais se arrastarem no tempo,
enfim, sua perda de eficácia e efetividade por falta de agilidade.
Pretender-se-á, assim, no presente, demonstrar que os institutos
jurídicos da arbitragem, conciliação e mediação usados para dirimir conflitos
são além de meios eficientes e harmônicos, protegem a os direitos tutelados e
garantem a segurança jurídica do sistema. Além do que, faz necessário
lembrar que a relevância da ampliação do espírito da consensualidade entre o
setor público e os entes privados se dar pelo fato de que essas ações resultam
em maior incremento das potencialidades da Administração e dos parceiros
privados que, por conseguinte, trará desenvolvimento socioeconômico para o
Brasil.
No terceiro capítulo demonstrar-se-á que dentre os interesses públicos a
serem perseguidos e alcançados pela Administração Pública, conforme
imposto pelo ordenamento constitucional, está a realização do
desenvolvimento sócio-econômico nacional com vista a garantir a dignidade
humana dos indivíduos. E que o Estado está atrelado ao dever de alavancar o
crescimento e o desenvolvimento econômico, utilizando-se, para tanto, de
institutos jurídicos que favoreçam a busca desse objetivo, eis que, o direito ao
desenvolvimento é um direito fundamental e, como tal, deve orientar todas as
funções do Estado.
No passo dessa evolução, também será objeto de estudo a necessidade
da criação de mecanismos jurídicos, inclusive instrumentais, tais como o
instituto da arbitragem como instrumento de consensualidade nos contratos
administrativos de Parcerias Público-Privadas – PPP´s como meio de incentivo
dada ao parceiro privado para que este se motive a investir em projetos de
infraestrutura que resultará no desenvolvimento nacional e, sobretudo, para
garantir a realização da dignidade humana e da cidadania.
1. A FUNÇÃO JUDICANTE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
1.1. Considerações iniciais
As mudanças ocorridas no Estado desde a sua criação e,
principalmente, ao final do século XX e início do século XXI1, intensificaram-se
de tal modo que este teve de passar por reformas estruturais relevantes,
especialmente em virtude da evolução da sociedade, das transformações
tecnológicas, científicas e econômicas e, sobretudo, pela eliminação das
barreiras de mobilidade do capital2 ocorrida com o advento da globalização3 e
da explosão dos meios de comunicação4.
No entender de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o final da Segunda
Guerra Mundial foi determinante para as mudanças que levaram à nova
concepção do Estado tanto por fatores internos como pelos externos, impondo
à Administração Pública, por conseguinte, cogentes mutações no seu papel e
na sua forma de atuação: “Havia chegado o momento da reversão das
1 Para aprofundamento no tema ver: MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. pp.75-123. 2 Vicenzo Li Donni, apud Odete Medauar. op. cit. 2003. p. 94. 3 Na visão de Odete Medauar: “[...] a globalização foi um dos fatores que afetaram a modelagem do Estado na década de 90. [...] Também denominada mundialização, internacionalização, transnacionalização, planetarização, a globalização desencadeia-se a partir da década de 80, acentuando-se a contar de meados da década de 90 do século XX. O vocábulo parece ter sido criado por T. Levitt, professor da Universidade de Havard, em 1983. Embora se invoque um precedente da globalização de Marco Polo, em Colombo, nos armadores de Veneza, nas navegações européias, na doutrina mercantilista, trata-se de realidade típica de fins de século XX e primórdios de século XXI, sem possibilidade de cotejo com restritas práticas de comércio mundial ocorridas em épocas remotas. A revolução tecnológica, sobretudo a da informática, e a formação de conglomerados financeiros mundiais, típicos desta época, propiciaram a globalização.” MEDAUAR, Odete. op. cit. 2003. p. 93.
tendências estatizantes, de recompor a afetada autonomia da sociedade e de
recuperar a desgastada dignidade da pessoa [...]”.5
A tônica atual é a da valorização da democracia, da eliminação de
privilégios e da redução da vontade unilateral do Estado absolutista para a
busca de instrumentos jurídicos e mecanismos que promovam os objetivos do
Estado Democrático de Direito6.
Em outras palavras, valoriza-se o administrado não apenas como eleitor
e jurisdicionado, mas também como parceiro na construção da estrutura
organizacional (consensual7 e participativa)8 e na sua atuação na gestão do
interesse púbico que ora se modela ao ritmo das transformações ocorridas na
sociedade e no Estado contemporâneo.
Assim, o processo evolutivo decorrente desses fatores, mormente, a
globalização,9 culminou na valorização do administrado perante as decisões do
4 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Público. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2006. p. 355. 5 MOREIRA NETO, op. cit. 2006. p. 355. 6 Para Luis Roberto Barroso: “A idéia de Estado democrático de direito, consagrada no art. 1º Constituição brasileira, é a síntese histórica de dois conceitos que são próximos, mas não se confundem: os de constitucionalismo e de democracia. Constitucionalismo significa, em essência, limitação do poder e supremacia da lei (Estado de direito, rule of law, Rechtsstaat). Democracia, por sua vez, em aproximação sumária, traduz-se em soberania popular e governo da maioria.” BARROSO, Luis Roberto. Constitucionalidade e Legitimidade da Criação do Conselho Nacional de Justiça. In Direito administrativo. Estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006a. p.200. 7 “Quanto ao princípio da consensualidade, sua aplicação leva a substituição, sempre que possível, da imperatividade pelo consenso nas relações Estado-sociedade e à criação de atrativos para que os entes da sociedade civil atuem em diversas formas de parceria com o Estado.” In MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. 3 ed. rev. ampl. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2007. p. 26. 8 MOREIRA NETO, op. cit. 2007. p. 12-14. 9 O processo de globalização se intensificou na década de 80 de tal modo que segundo Bresser Pereira impôs mudanças que deram origem a reforma do Estado: [...] o processo de globalização – uma mudança qualitativa gradual que afinal se transformou, neste final de século, em uma mudança qualitativa de maior importância -, impôs uma pressão adicional para a reforma do Estado. Decorrente de uma grande diminuição dos custos dos transportes e comunicações internacionais, a globalização levou a um enorme aumento de do comercio mundial, dos financiamentos internacionais e dos investimentos diretos das empresas multinacionais. Significou, assim, um aumento da competição internacional em níveis jamais pensados e uma reorganização da produção a nível mundial patrocinada pelas empresas multinacionais. O mercado ganhou muito mais espaço a nível mundial, rompeu ou enfraqueceu as barreiras criadas pelos estados nacionais, e transformou a competitividade internacional em condição de sobrevivência para o desenvolvimento econômico de cada país. [...] A globalização impôs, assim, uma dupla pressão sobre o Estado: de um lado representou um desafio novo – o papel do Estado é proteger seus cidadãos, e essa proteção estava agora em cheque: de outro lado, exigiu do Estado, que agora precisava ser mais forte para
Poder Público,10 na criação de novos institutos de consensualidade e na
flexibilização de sua autoridade e prerrogativas.11 Assim, obrigou o Estado a
reduzir sua intervenção na economia por meio da diminuição de sua atuação
na prestação dos serviços públicos para que os mesmos não perdessem em
competitividade frente ao mercado globalizado.
O alto custo de produção, a baixa qualidade na prestação desses
serviços, os escassos recursos para dotá-los de competitividade, unidos às
demais conseqüências advindas dos processos de mudanças operadas em
escala mundiais, influenciaram, sobremaneira, o fenômeno da transferência da
prestação de serviços públicos e atividades econômicas das mãos do Estado
para a iniciativa privada.
Na perspectiva da evolução da consensualidade e na flexibilização das
normas, Marcos Juruena Villela Souto assinala ser esta a era da
consensualidade e da simetria entre a Administração e os administrados,
nomeadamente, em relações jurídicas contratuais.
E, ao tratar a questão das prerrogativas da Administração Pública, o
referido autor entende que estas submetem os particulares a desigualdades
intransponíveis. Para tanto, confira-se sua doutrina:
[...] ao desigualar as relações, a norma reduz os direitos dos administrados em favor de prerrogativas nem sempre indispensáveis ao exercício das funções públicas. Surgem situações desfavoráveis aos administrados sem o correspondente ganho de eficiência na Administração ou no resultado da função. Exemplos disso podem ser vistos em litígios em que a Fazenda Pública tem tratamento
enfrentar o desafio, se tornasse também mais barato, mais eficiente na realização de suas tarefas[...]”. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A Reforma do estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. v 1. Brasília: Cadernos MARE da reforma do estado, 1997. p. 13. 10 “[...] princípio da participação política, também denominado tout court de participação, incluindo, além das modalidades legislativas e judiciais, as administrativas, está diretamente referido à expansão da consciência social e ao natural anseio de influir de algum modo nas decisões de poder que repercutirão sobre as pessoas interessadas [...].” MOREIRA NETO. 2007. p. 21. 11 Em se tratando das prerrogativas da Administração Pública, ensina Diogo de Figueiredo Moreira Neto: “O Direito Administrativo nasce no crepúsculo do absolutismo e sob o signo da imperatividade, daí perpassar-lhe um forte sentido de assimetria – substantiva e adjetiva – entre a Administração Pública, de um lado, e os indivíduos e os entes civis de sua criação, de outro. É essa assimetria que justificou a criação de prerrogativas, institutos que expressam algum tipo de situação privilegial da Administração em certas relações jurídicas, tais como sobressaem no fisco, na polícia e, em menor grau, nos serviços públicos. MOREIRA NETO, op. cit. 2007. p. 406.
processual diferenciado, como o prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer (o que decorre da dificuldade de obtenção dos elementos para a defesa de seus interesses, já que os órgãos públicos são diversos e dispersos), a execução em regime de precatório, o que também impede a penhora de bens (mesmos os dominicais, não afetados a qualquer função pública); cite-se, também, a prerrogativa de contratar em regime de direito público, com prerrogativas que envolvem a possibilidade de extinção ou alteração unilateral de contratos, aplicação unilateral de penalidades e ocupação provisória de bens. Todos são fatores que desequilibram as relações e, em razão disso, muitas vezes podem até mesmo inviabilizar o seu surgimento. Daí porque o uso da autoridade, em tempos de valorização da consensualidade – que busca ampliar a legitimidade e a eficiência da ação administrativa –, deve ser reservado a situações em que seja indispensável o recurso à imperatividade e não caiba negociação.12
No mesmo sentido, leciona Marçal Justen
Filho:
Daí a afirmação de que a manutenção de certas “prerrogativas” tradicionalmente reconhecidas ao Estado não significou sua recepção automática pelo modelo jurídico do estado contemporâneo. Tais “prerrogativas”, após incorporadas no sistema do estado de direito, adquiriram contornos integralmente distintos dos que as caracterizavam em um Estado Totalitário [...].13
Essa tendência de mudanças dos paradigmas adotados atingiu,
irremediavelmente, o direito administrativo.14 Na lição de Caio Tácito:
O Direito Administrativo contemporâneo tende ao abandono da vertente autoritária para valorizar a participação de seus destinatários finais quanto à formação da conduta administrativa. Direito Administrativo caminha para modelos de colaboração, acolhidos em modernos textos constitucionais e legais, mediante a perspectiva popular ou de cooperação privada no desempenho de prestação administrativa.15
12 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Criação e função social da empresa estatal. Direito Administrativo Empresarial. Cood. Geral Marcos Juruena Villela Souto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p.3. Grifo no original. 13 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p.59. 14 “[...] o Direito Administrativo pós-moderno evoluiu na fase atual para conformar-se ao Estado Democrático de Direito, ou seja, passou a atuar não mais apenas sob o império da lei, mas sob o império do direito. Com isso, a marca dominante dessa nova conformação do poder estatal deslocou-se para a supremacia dos direitos fundamentais, não só em razão do sólido argumento moral de sua precedência axiológica e, cada vez mais, do argumento pragmático, de sua transcendência lógica sobre a crescente pluralidade de ordenamentos que multiplicam na sociedade global.” Grifos no original. MOREIRA NETO. 2007. p 420. 15 TÁCITO, Caio. Perspectivas do direito administrativo no próximo milênio. Revista de Direito Administrativo. V. 212. Abr-jun. 1998. p.2.
O equilíbrio entre privilégios e garantias nas relações jurídicas entre a
Administração e os administrados se impõe, haja vista que no panorama atual
algumas dessas prerrogativas tornaram-se de tal modo arcaicas e obsoletas
que passaram a travar o atendimento eficaz das necessidades coletivas.
Partindo desta premissa, tem-se uma necessária renovação do direito,
conforme acentua Joan Prats Catalã:
Precisamos de uma renovação gerencial de nossas Administrações Públicas tanto quanto de uma renovação paralela e coerente de seu Direito. Ambos os processos devem avançar conjuntamente, e mantendo um diálogo permanente, pois respondem à exigências constitucionais igualmente indispensáveis do Estado Democrático e Social de Direito e dos princípios de eficácia e eficiência. Tal diálogo não se produzirá sem tensões e até mesmo contradições, o que não é nada novo na história do Direito Público, que teve que se acomodar, sucessivamente, desde o inicial e irrenunciável princípio do Estado de Direito aos novos princípios constitucionais do Estado Nacional e Democrático, aos princípios da eficácia e eficiência hoje igualmente irrenunciáveis. 16
O Brasil, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 promoveu
verdadeira reforma estatal, na qual redefiniu o papel do Estado, incentivou
desestatizações17 e transferiu ao setor privado os serviços públicos e as
atividades econômicas de relevante interesse coletivo por Ele anteriormente
mantido18.
Tais mudanças permitiram ao Estado brasileiro abdicar de ser prestador
de serviços para assumir a função de Estado Regulador e agente fomentador,
gerenciador e fiscalizador dos serviços transferidos.
Jessé Torres Pereira Junior traça o novo perfil do Estado Regulador:
Quanto à missão do Estado, evolui do prestador de serviços universais (gerador do executivismo ”centrado no mandado pessoal do governante) para o regulador e promotor de políticas públicas (conceito que incorpora o planejamento como ferramenta de gestão
16 CATALÃ, Joan Prats I. Apud. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1998. 2. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2001. p. 63. 17 A Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990, criou o Plano Nacional de Desestatização – PND sendo posteriormente revogada pela Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997, que alterou procedimentos relativos ao Programa. 18 Sobre o novo dimensionamento do Estado ver: SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo da economia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 128.
pública, a exemplo da proibição, expressa na lei de responsabilidade fiscal, da assunção de despesas sem lastro de receita ou ao final de mandato, evidente convocação para o compromisso com o futuro de várias gerações, e, não apenas, com a vitória no próximo pleito eleitoral).19
Quando se avalia todas as causas e efeitos até o momento narradas,
têm-se que não resta ao Estado Democrático de Direito20 outra postura que
não a de se voltar para a intensificação da gestão participativa e consensual,
para a diminuição da imperatividade21 e para a conseqüente maximização da
igualdade nas relações com a sociedade, sobretudo com o incremento da
referida consensualidade. É o chamado aperfeiçoamento do espírito
democrático.
A criação de mecanismos jurídicos que garantam a participação do
cidadão nas decisões políticas e de gestão22, a instituição de meios que
proporcionem a harmonia entre a Administração Pública e seus parceiros
privados e que ensejem maior eficiência nas soluções de conflitos, são
19 PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. A efetividade dos Princípios do Direito Administrativo no Exercício da Tutela Jurisdicional. Direito Administrativo – Estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 443. 20 O nascimento e a configuração de um “Estado de Direito”, ao longo dos últimos duzentos anos, representou um processo de reestruturação do exercício do poder e sua submissão a limites jurídicos. O poder político deixa de ser um fenômeno fático, cujo núcleo residia na “força” (ou “violência”) e transforma-se em um processo organizado de atribuições jurídicas. O Estado, após 1789, passou a ser cada vez menos reconduzível à idéia de “ïmperium” e cada vez mais próximo ao modelo da “competência”. Nesse sentido, confira-se LEÓN DUGUIT, CHARLES EISENMANN e o brilhante estudo de JACQUES CHEVALLIER, tal como as considerações realizadas a propósito do conceito de poder de policia [...]. JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviços públicos. São Paulo: Dialética, 2003. p. 59. 21 “A imperatividade, com raízes no vestuto conceito de jus imperii, é invocada como o fundamento formal das prerrogativas da Administração Pública, tal como foram se estruturando nos Estados absolutistas e alcançaram à Idade Moderna. [...] Foi este conceito de imperatividade recepcionado pela Revolução Francesa [...] tal situação permaneceu doutrinariamente incontrastada até o final do século XVIII e por todo o século XIX [...] Certo é, também, que a postura, velha de mais de dois séculos, erguida sobre a tríade supremacia, imposição e unilateralidade – reputadas como atributos permanentes e inafastáveis da Administração Pública em suas relações com os administrados – vem cedendo paulatinamente espaço à consensualidade e à negociação, pois que se vêm mostrando como qualidades muito mais eficientes para a satisfação dos interesses públicos [...].” Para melhor conhecimento acerca do fundamento histórico da questão, ver: MOREIRA NETO, op. cit. 2007. p. 406-411. 22 Art. 1°, parágrafo único, CRFB/1988: “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos e diretamente.” BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). 35. ed. atual. até EC n° 45. ampl. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto e outros. São Paulo: Saraiva, 2005.
questões que se impõem no direito público contemporâneo,23 tal como
preceitua Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
[...] como consectária da participação, a consensualidade aparece hoje tanto como uma técnica de coordenação de interesse e de ações como uma nova forma de valorização do indivíduo, prestigiando, simultaneamente, a autonomia da vontade, motor da sociedade civil e do progresso, e a parceria entre esses dois principais atores: a sociedade e o Estado.24
E quanto a processualidade participativa o referido autor assim ensina:
É sobre esses fundamentos material e formal – a busca da eficiência das políticas públicas e o rigor do atendimento da processualidade – que se vai erguendo a formidável arquitetura juspolítica governamental das democracias substantivas, capaz de atender aos desafios institucionais de nosso tempo. Parece que o êxito e a robustez dessas teses já estão mais que comprovados pela rigidez e entusiasmo com que o Direito Público dos povos à vanguarda da civilização vêm avançando na consensualidade.25
A consensualidade, no contexto atual do Estado Democrático é, destarte,
instrumento do incremento das parcerias e da colaboração e, deste modo, evidente que a
união entre o poder público e o setor privado traz resultados benéficos à sociedade.
Tal forma de atuação da Administração substituiu àquela de subordinação
imperativa devido à absoluta falta de conformação com os instrumentos democráticos
de valorização da participação do administrado na gestão da coisa pública e da
consensualidade.
1.2. A Administração Pública consensual
23 “A própria natureza dos fins do Estado exige dele uma ação intensa e profunda, continuamente desenvolvida, para que ele possa realizá-los o que produz, inevitavelmente, uma permanente possibilidade de conflitos de interesses, que serão melhor resguardados e adequadamente promovidos só através do direito.” In DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 19. ed. Atual. São Paulo: Saraiva, 1995. p.107. 24 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Apontamentos sobre a reforma Administrativa: Emenda constitucional n.19, de 4 de junho de 1998. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 25. 25 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novas tendências da democracia: consenso e direito público na virada do século – o caso brasileiro. Revista Brasileira de Direito Público. n. 3. Belo Horizonte: Fórum, 2003b. p. 36.
Considerando que o direito evolui e aprimora-se em sintonia com as
mudanças sociais ocorridas no seio de qualquer sociedade, corolário lógico é
que, a partir da instituição da gestão participativa e consensual, o mesmo se dê
com a Administração Pública no exercício de sua função. O marco inicial para
a observação deste considerável processo de mudanças de conduta foi a
promulgação da Carta Política de 1988,26 ocasião em que as normas e
princípios norteadores da Administração Pública foram elevados a princípios
constitucionais, esculpidos no artigo 37, caput.27
Na realidade, a atuação da Administração Pública passou a se reger por
um perfil democrático de direito, de feição participativa e consensual.
Segundo Marçal Justen Filho isso se justifica tendo em vista ser o
Estado Democrático um instrumento de realização dos interesses públicos. Ou
seja, o interesse público existiria antes do Estado.28
Para Maria João Estorninho, a Administração Pública está sempre
vinculada aos fins públicos: “[…] que devem ser sempre tomados em
consideração aos princípios fundamentais do Estado de Direito e também as
próprias regras de competência.”29
Em se tratando de gestão participativa, Adilson de Abreu Dallari entende
que esta vem se desenvolvendo em diversas questões:
[...] Os particulares, os cidadãos, destinatários finais das ações estatais, paulatinamente estão deixando de ser considerados com intrusos nas atividades administrativas, especialmente nos processos de tomadas de decisões. A tendência é no sentido de desenvolvimento da participação popular nas decisões administrativas, como já vem ocorrendo em questões ambientais, nas
26 Sobre a reforma do Estado no Brasil ver: BARROSO, Luis Roberto. Temas de direito constitucional. tomo II. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. pp. 271-278. 27 Art. 37, caput, da CRFB/1988, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/1998: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...].”BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). 35. ed. atual. até EC n° 45. ampl. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto e outros. São Paulo: Saraiva, 2005. 28 In JUSTEN FILHO, op. cit. 2005. p.37. 29ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado. Coimbra: Almedina, 1996. p.131.
concessões de obras e serviços públicos, nas licitações de grande vulto e em matéria de planejamento urbano.30
A tendência da visão evolucionista da consensualidade é a mudança do
valor que alterou para melhor as relações do Estado com os administrados.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto, precursor do estudo da
consensualidade no país,31 leciona que, juntamente com o advento do Estado
Democrático de Direito, surgiram princípios de inspiração libertária e entre
esses, o princípio da consensualidade e da participação, sempre em função da
pacificação das relações jurídicas entre Administração Pública e administrados.
Assim, assevera o referido autor:
[...] um embrionário princípio do consenso, ainda em tímida construção, mas que já pode ser detectado e definido como a afirmação do primado da concertação sobre a imposição nas relações de poder.32
Do mesmo modo é a observação de Odete Medauar, acerca da
importância da colaboração entre a Administração e o particular: “[...] um dos
fatores da atenuação do caráter unilateral e impositivo da atividade
administrativa, o aumento do uso dos módulos convencionais, contratuais ou
consensuais, a chamada Administração concertada.”33
Continua a autora afirmando, lastreada por Massimo Severo Giannini,
que tais práticas consistem em: “técnicas de ação com base em soluções
obtidas mediante concordância entre Administração e interessados, evitando-
se decisões unilateralmente impostas, decisões tomadas solitariamente.”34
O Estado contemporâneo, quando evoluiu no sentido de valorizar o
consenso como meio potencialmente eficaz e promissor na obtenção da
pacificação social e da justiça, alcançou tanto os administrados, como a gestão
de atos internos e as relações jurídicas com seus parceiros privados,
30DALLARI. Adilson Abreu. Os Poderes Administrativos e as Relações Jurídico-Administrativas. Revista Trimestral de Direito Público. n. 24. São Paulo: 2004. p.70. 31 Para melhor reflexão sobre o tema ver: MOREIRA NETO, op. cit. 2007. p. 37. 32 MOREIRA NETO, op. cit. 2003b. p. 40 33 MEDAUAR, Odete, op. cit. p. 209. 34 GIANNINI, Massimo Severo. Apud MEDAUAR, Odete, op. cit. p. 103.
materializadas, principalmente, nos contratos administrativos celebrados entre
aquela e os particulares.
Sendo assim, o direito público, mais precisamente o direito
administrativo,35 evoluiu e criou normas para alcançar as mutações que se
fizeram necessárias para se adaptar aos novos tempos de reavaliação e
relativação do poder de império do Estado e da plena cidadania.36
1.3. Evolução da consensualidade na Administração Pública
As alterações da concepção do Estado levaram, por conseguinte, a um
necessário progresso no direito administrativo diante da nova realidade social e
enfraqueceu condutas de império e de submissão do administrado à
supremacia do interesse público, conferindo participação (voz à sociedade)37 e,
especialmente, flexibilizou prerrogativas38 conferidas à Administração Pública,
35 Registre-se, destarte, que a evolução que ocorreu no direito administrativo brasileiro é fruto, também, das variações da concepção do Estado ao longo do tempo. Segundo Adilson de Abreu Dallari, em exposição do estudo da evolução histórica do direito administrativo e partindo das concepções doutrinárias, ao longo do século passado, este tinha claro conteúdo autoritário: “[...] o Direito Administrativo centrava-se na idéia de poder, de prerrogativas, de privilégios disponíveis pela Administração Pública em uma luta contra abusos eventualmente perpetrados pelos particulares. Mesmo num passado recente, autores da maior respeitabilidade, mestres dos mestres de hoje, ainda se prendiam a essa concepção autoritária do Direito Administrativo, como é o caso do pranteado Helly Lopes Meirelles, que, em seu consagradissimo Direito Administrativo Brasileiro dedicava uma parte aos então genericamente chamados poderes administrativos, estudando cada uma de suas espécies: [...]. No desenvolvimento do estudo de cada um desses poderes eram apontadas suas correspondentes limitações, que, entretanto, não lhes retiravam o caráter original, autoridades públicas e parcimônia ou timidez em seu controle pelo poder Judiciário. Diga-se, a bem da verdade, que tais características não eram exclusivas do Direito Administrativo brasileiro. No passado, essa postura era bastante generalizada, estando presente também na melhor doutrina estrangeira [...]. No Brasil, ao longo do tempo, a doutrina se esforçou para, de diversas maneiras, com fundamentos diferentes, conter os poderes administrativos, ou, melhor dizendo, para tentar evitar sua alegação como pretexto para os diversos abusos cometidos pelas autoridades administrativas. [...] O estudo da história do Direito Administrativo é o exame do caminho percorrido desde a concepção centrada no poder até o equilíbrio entre prerrogativas e sujeições, entre os poderes e os meios e instrumentos de sua contenção, mas sempre, tendo como norte a satisfação do interesse público. DALLARI, op. cit. 2004. pp. 63-65. 36 Vale destacar que a conceituação das “mutações do Direito Público e do Direito Administrativo” foi desenvolvida no Brasil por Diogo de Figueiredo Moreira Neto a partir de 1995. 37 “As transformações do Estado, durante o século XIX e primeira metade do século XX, seriam determinadas pela busca de realização desses preceitos, [...]. A preocupação primordial foi sempre a participação do povo na organização do Estado, na formação e na atuação do governo, por se considerar implícito que o povo, expressando livremente sua vontade soberana, saberá resguardar a liberdade e a igualdade.” DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 19. ed. Atual. São Paulo: Saraiva, 1995. p.128. 38 “[...] O Direito Administrativo concede certas prerrogativas à Administração, a fim de tornar sua atividade mais ágil, rápida e eficiente [...] As prerrogativas de que estão revestidos os atos administrativos constituem um traço muito pronunciado do Direito Administrativo, representando uma importante via de
passando, assim, para um Direito Administrativo de moderação entre
prerrogativas39 e igualidade.
Na busca da consensualidade nas relações com os administrados
desenvolveu-se a função judicante administrativa, que tem o intuito de
fortalecer a interação e troca de condutas tendentes à efetivação da
pacificação.
Em decorrência de tais transformações, Diogo de Figueiredo Moreira
Neto ensina que o conceito de Direito Administrativo no início do século XXI é
uma evolução do anterior:
1º - a de ser mais um direito dos administrados do que um direito de Estado; 2º - a de servir a cidadãos e não mais a súditos; 3º - a de mostrar-se muito mais um direito de proteção e de prestação do que um direito de imposição; 4º - a de atuar preponderantemente como um direito de distribuição, e de prevenção de conflitos do que um direito para solucionar conflitos e 5º a de tornar-se, cada vez mais, um direito da consensualidade em vez de um direito da imperatividade. 40
Para Marçal Justen Filho, o Estado flexibiliza a sua posição de ente
autoritário e assume o papel de moderador no intuito de promover a
aproximação entre a Administração Pública e a sociedade, fundamental para a
consecução do interesse coletivo e superação de suas adversidades e
antagonismos: 41
Portanto, a instauração de Estado Democrático de Direito e a carência de recursos públicos produziram efeitos sensíveis no âmbito da atividade administrativa pública. A supressão do arbítrio e a redução do autoritarismo dão nova relevância ao contrato administrativo, como instrumento de associação entre Estado e a iniciativa privada. Produz-se fenômeno denominado de “contratualização” da atividade administrativa. O Estado substituiu o modelo da “imposição unilateral” pelo do “acordo bilateral.” Ao invés de o Estado impor, passa a compor-se com os particulares. Sob
realização do interesse público.” SUNDFELD, Carlos Ari. O Direito Processual e o Direito Administrativo. Direito processual público. Coords. Carlos Ari Sundfeld e Cássio Scarpinella Bueno. São Paulo: Malheiros, 2000. p.18. 39 Tendo em vista que as prerrogativas são elementos de potencialização da função administrativa, devendo, para tanto, ser considerada. Entretanto, na atualidade deve ser flexibilizada devido às exacerbadas vantagens em relação aos administrados. 40 MOREIRA NETO, op. cit. 2007. p. 410. 41 JUSTEN FILHO, op. cit. 2003. p. 63.
outro ângulo, torna-se evidente que a única alternativa para superar as dificuldades profundas da coletividade e promover o bem-comum é a aproximação entre autoridade pública e os diversos segmentos da sociedade civil.42
Percebe-se, portanto, que, ao enveredar pelo caminho da
consensualidade, da gestão paritária das políticas e da gestão públicas,43 o
Estado se transformou para se adequar a uma nova realidade social, sem
perder, contudo, sua autoridade, seu capitis diminutio,44 ao longo desse
processo.
Vislumbra-se uma onda de adaptação ou de amoldamento do Estado,
para que realize suas funções em consonância com as necessidades da
sociedade e de seus administrados, de modo que a eficiência estatal seja
maximizada na busca desta satisfação. O advento da regulação foi meio efetivo
do Estado se ajustar a tais mudanças, conforme observa Alexandre Santos de
Aragão:
[...] podemos afirmar que a regulação estatal da economia deve, no atual momento histórico, sem perder de vista os valores humanos e sociais do Estado Democrático, ser eficiente, adotando novas técnicas regulatórias – flexíveis e consensuais –, que, sem excluir as anteriores, a elas se somem para serem mais eficazes e menos onerosas (para a sociedade e para o próprio Estado).45
Vale destacar também na lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto
que, a opção pela atuação consensual da Administração Pública fortalece o
Estado quando este se dispõe a relacionar-se democraticamente com seus
administrados, com igualdade e harmonia:
42 JUSTEN FILHO, op. cit. 2003. p. 63. 43 Jessé Torres Pereira refere-se a gestão paritária das políticas e da gestão públicas como o novo perfil do direito público do século XXI : “ [...] quanto à relação com a cidadania, estimula-se a passagem da postura passiva do “administrado e “governado” à pró-atividade do contribuinte, eleitor, usuário, ao qual se reconhecem direitos não apenas de receber serviços, mas, também, de participar da definição de prioridades e da gestão paritária das políticas e da gestão públicas, de que são exemplos as audiências públicas [...].” PEREIRA JUNIOR, Jessé torres. A Efetividade dos Princípios do Direito Administrativo no Exercício da Tutela Jurisdicional. Direito administrativo. Estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Coord. Fábio Medina Osório e Marcos Juruena Villela Souto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. pp. 443-444. 44 Que significa: perda do valor, desprezo do direito da cada um, perda de autoridade. In BUENO. Francisco da Silveira. Dicionário escolar da língua portuguesa. 11. ed. Rio de Janeiro: FENAME, 1982. p.1232.
[...] despida de imperatividade, sempre que essa via de ação seja tida como mais conveniente para atingir, através de meios disponíveis, a finalidade que lhe for legalmente cometida, esta sim, indisponível. A consensualidade não exclui, porém, a imperatividade, senão que com ela coexiste in potentia, restrita ao que a lei estabeleça como indisponível.46
Desse modo, o Estado deve ter como horizonte a utilização do princípio
da consensualidade nas relações entre o setor público e os administrados, não
permitindo que o uso de técnicas obsoletas de gestão e prerrogativas materiais
e processuais sejam motivos de distanciamento deste objetivo.
É importante, portanto, que sejam minimizados e flexibilizados tais
privilégios para que as relações travadas entre os particulares e Poder Público
se ampliem em nível igualitário.
Na visão de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o processo de
intensificação dessas mutações no Brasil é relevante, pois a consensualidade
tornou-se importante meio de implementação do equilíbrio, permitindo ao
Estado promover ajustes e diminuir disputas antológicas entre o setor público,
o administrado e o setor privado:
A participação e a consensualidade tornaram-se decisivas para as democracias contemporâneas, pois contribuem para aprimorar a governabilidade (eficiência); propiciam mais freios contra o abuso (legalidade); garantem a atenção de todos os interesses (justiça); proporcionam decisão mais sábia e prudente (legitimidade); desenvolvem a responsabilidade das pessoas (civismo); e tornam os comandos estatais mais aceitáveis e facilmente obedecidos (ordem).47
Corroboramos com a tese do referido autor, eis que é incoercível que
essa seja uma fase de parcerias, de colaboração e de harmonia para que cada
um desses setores cresça nas suas potencialidades e juntos desenvolvam-se
para o bem-estar de toda a coletividade.
45 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. pp. 29-30. 46 MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.137. 47 MOREIRA NETO, op. cit. 2007. p. 41.
Para Eduardo García de Enterría, o Direito Administrativo coloca junto
aos privilégios, as garantias, que podem ser tanto de caráter econômico como
de caráter jurídico:
[...] Por otra parte, el derecho Administrativo coloca, junto a los privilegios, las garantías. Unas, de carácter económico (el pago del justo precio es requisito previo a la ocupación del bien expropiado, toda lesión en los bienes o derechos de un particular que resulte de la actividad de la Administración debe se indemnizada), otras de carácter jurídico (necesidad de observar un procedimiento, sistema de recursos administrativos contra los actos de la administración, control jurisdiccional de éstos).48
Na hodierna doutrina de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, acentua-se
que o conceito de supremacia indiscriminada do Estado e suas vantagens
perderam o sentido e estão em vias de desaparecer no contexto de economias
de mercado e de alta competividade.49
De tal forma, Egon Bockmann Moreira, ressalva que atualmente: “a
principal preocupação daquele que estuda o direito administrativo não hão de
ser as “prerrogativas da Administração”, mas os “direitos do administrados”.50
Diante das indispensáveis quebras de paradigmas no âmbito do direito
administrativo contemporâneo, observa-se uma certa predisposição à criação
de normas impregnadas de conceitos voltados à convivência harmônica,
48 GARCIA DE ENTERRÍA. Eduardo. Curso de derecho administrativo I. Madrid: Civitas, 1986. p. 43. Livre tradução: “[...] Por outro lado, o Direito Administrativo coloca, junto aos privilégios, as garantias. Umas, de caráter econômico (o pagamento da justa indenização é requisito prévio à ocupação do bem expropriado e toda lesão aos bens ou direitos do particular que resulte da atividade da Administração é passível de reparação), e outras de caráter jurídico (necessidade de observar o devido processo legal, o sistema de recursos administrativos contra os atos da Administração e o controle jurisdicional dos mesmos).” 49 O jurista demonstra as desvantagens decorrentes desse conceito de supremacia do interesse público no contexto econômico atual da seguinte forma: 1º – a imprecisão e insegurança de direitos resultantes do manejo público das prerrogativas da Administração nas transações, pela ambivalência de sua origem e justificativa, ou seja, o fato de decorrerem ou da natureza dos contratos (relativas) ou da natureza da própria administração pública (absolutas); 2º – o agravamento dos custos de transação pelo aumento de risco, enquanto a redução e a abolição dessas cláusulas risco soberano; 3º – o déficit de transparência da transação, pois as prerrogativas são genericamente estabelecidas nas leis, sem evidente relação com as situações fáticas específicas e peculiares de cada contrato e 4º – o sacrifício da confiança legítima do administrado na transação, pois as prerrogativas tanto podem servir de propósitos legítimos como disfarçar intenções ilegítimas, como a difundida e gravosa corrupção pelo temor. MOREIRA NETO, op. cit. 2007. p. 419. 50 MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. Princípios constitucionais e a lei nº 9.784/1999. 2. ed. atual., rev. aum. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 62.
igualitária, baseada na confiança e, principalmente, justa e consensual.
Caminha-se no sentido de uma sociedade mais voltada para a realização da
dignidade humana, da cidadania, para os direitos sociais e, sobretudo, para a
pacificação social.
Destarte, vale sempre o entendimento de Diogo de Figueiredo Moreira Neto que, como já dito alhures, vislumbra a consensualidade como meio de alcance de desenvolvimento das sociedades:
No processo formador de culturas e de civilizações, o dinamismo do poder comporta dois tipos de relações cratológicas: a cooperação e o antagonismo. O antagonismo, gerador de confrontos de poder, aos conflitos e às guerras, tem no viés da competição a mola do progresso, daí ser necessário administrá-lo para que deles se possam retirar os benefícios da competição sadia, minimizando. Mas, por outro lado, está na cooperação o tipo de relacionamento que possibilita a coordenação de diversas expressões de poder para o atingimento de fins comuns, desenvolvendo virtudes sociais como a tolerância e a confiança, possibilitando a concertação de vontades e o surgimento do consenso.51
Na esteira deste entendimento, a crescente interação entre o Estado e
os particulares suscitou o incremento na busca de instrumentos jurídicos
alternativos aptos a regular (1) e equilibrar seus interesses, por vezes
antagônicos, bem como solucionar extrajudicialmente os conflitos (2)
originados da relação jurídica de ambos.
Assim, tem-se que os meios consensuais que se aplicam à primeira
hipótese (1), quer seja, a de regular o equilíbrio de interesses são: os acordos
administrativos (acordo de programas, consórcios, convênios), os acordos de
parcerias, os pactos, as transações, as consultas públicas, as audiências
públicas, a celebração de compromissos de cessação e compromisso de
ajustamento de conduta.52 Em contraponto, tem-se ainda, os mecanismos
alternativos de solução pacífica de controvérsias (2). Entre esses: a
negociação, a conciliação, a mediação e a arbitragem.
51 MOREIRA NETO. Op. cit. 2006. p.132. 52 In MEDAUAR, op. cit. 2003. p. 257.
Tais meios são há muito utilizados no âmbito das relações privadas nos
mais diversos ordenamentos jurídicos.53 Sua utilização pelo Poder Público
constitui não somente importante incentivo para os investimentos privados em
infra-estrutura, alavancando o desenvolvimento econômico do país, mas
também ferramenta de segurança jurídica que seus parceiros necessitam, haja
vista tais institutos estarem livres de interferências políticas.
Assim, a autorização legal para a aplicação de institutos extrajudiciais de
solução de conflitos (conciliação, mediação e arbitragem) constitui um dos
instrumentos de aproximação nas relações entre os administrados e os
parceiros privados com o Poder Público.
É notório que a Administração se beneficia das características desses
mecanismos, principalmente, no que diz respeito aos princípios da eficiência e
da economicidade.
Jessé Torres Pereira Junior, ensina que: “[...] a eficiência, [...] além de
outros princípios implícitos, traduz apelo à gestão apta para produzir resultados
transformadores da qualidade de vida da população.” 54
Assim também é para Luis Roberto Barroso, que vincula a função
administrativa em qualquer dos Poderes ao dever de eficiência:
Assim, tal como qualquer estrutura administrativa, a estrutura judiciária deve ser orientada ao oferecimento de serviço adequado e eficiente. Em um universo de recursos escassos, a eventual ineficiência de qualquer um dos Poderes não é assunto interna corporis, na medida em que esvazia direitos fundamentais. Mais do que um truísmo ético, trata-se também de uma imposição dos princípios constitucionais que regem à Administração Pública em sentido lato, aplicáveis à atividade administrativa dos três Poderes,
53 Ao longo da historia, têm-se notícia de que as mais remotas civilizações já buscavam formas de solução de conflitos que garantissem uma certa celeridade e que
não estivessem impregnados de fórmulas rebuscadas. Para Pedro A. Batista Martins: “Passada a fase primitiva da autotutela, em que imperava a força na solução
dos conflitos, a composição dos interesses divergentes passou a ser assegurada ao ancião da tribo. Indivíduo sábio, com vasta experiência, era ele indicado para
atuar, como terceiro imparcial, na solução da lide, cabendo, às partes acatarem a decisão bona fide. Daí a afirmativa de a arbitragem ser instituto que precede o
legislador e o juiz estatal, pois, sem dúvida, não estava o Estado, nos seus primórdios, devidamente aparelhado para administrar a justiça. Na Grécia antiga, a
unidade de raça, de tradição e de cultura, acentuada pelo comum antagonismo ao mundo bárbaro, favoreceu, sobremaneira, o desenvolvimento da arbitragem.”
MARTINS, Pedro A. Baptista. Arbitragem através dos tempos. Obstáculos e Preconceito à sua implementação no Brasil. A arbitragem na era da Globalização.
Coord. José Maria Rossani Garcez. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p.36.
54 PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres, op. cit. p. 443.
cujo elenco vem positivado no caput do art. 37 da Constituição e desenvolvido em vários dos seus incisos e parágrafos.55
Gustavo Henrique Justino de Oliveira, discorrendo acerca da
necessidade de parcerias entre o setor privado e o setor público, acentua a
necessidade das mudanças no modo de agir estatal:
Eis uma das principais conseqüências da intensificação das relações e do estreitamento dos laços entre Estado, empresas e organizações da sociedade civil no mundo contemporâneo. O caminho da negociação – e não o percurso da imposição – para a composição de eventuais dissensos entre as partes pressupõe o reconhecimento (ainda que relativizado pelo regime jurídico-administrativo) da autonomia das partes envolvidas. Com isso, a verticalização entre a Administração Pública e o particular nas relações contratualizadas é – em algumas hipóteses – fortemente atenuada ou mesmo afastada. É que, em um cenário em que vigora a necessidade da realização de parcerias, não há como sustentar uma relação de total subordinação entre a Administração e as entidades parceiras.56
Como conseqüência lógica da nova concepção de Estado, o direito
administrativo importou do direito privado, os institutos consensuais de solução
de controvérsias.57
1.4. A legitimidade dos meios de solução consensuais de conflitos
A imperatividade (poder extroverso) é uma
das características58 que reveste os atos
administrativos e tem por escopo a proteção dos
interesses da coletividade.
Por vezes, a Administração Pública se vale
desse atributo para impor unilateralmente sua
vontade em detrimento da vontade do administrado,
55 BARROSO, op. cit. 2006a. p. 199. 56 OLIVEIRA. Gustavo Henrique Justino. A arbitragem e as Parcerias Público-Privadas. Fórum Administrativo. Direito Público. ano 5. n. 52. Belo Horizonte: Fórum, 2005. p. 5659. 57 A ampliação dessa tendência permite que o Estado fortaleça a busca pela justiça. O Poder Judiciário hoje está praticamente em ruínas e presta uma justiça demorada. Nesse sentido ensina Adilson Abreu Dallari que: “A prestação jurisdicional tardia é forma de negar a justiça.” DALLARI. Adilson Abreu. Depoimentos Magistrais. Direito do Estado. O Direito Público da Cidadania. nº 45. Novembro, 2006. Disponível em:<http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em 19/11/2006.
sem, contudo, haver impedimento de recorrer-se à
negociação ou à consensualidade.
Sabe-se que atualmente este poder não se
volta unicamente para imposição da vontade estatal
e, sim para uma cultura eficaz e eficiente na
realização dos interesses públicos, em cumprimento
ao dever de eficiência a que está atrelada a
Administração Pública. 59
Nesse caso, justificar-se-á sempre o suprimento da autoridade como um
exercício de democracia em prol da eficiência na busca do interesse público.
O Estado Democrático de Direito reclama uma posição de flexibilidade e
consensualidade entre o Poder Público e a sociedade. Para tanto, o
estabelecimento dos meios de solução de conflitos consensuais ao invés da
imperatividade se apresentam e levam em conta os antecedentes históricos da
atuação estatal e seus atuais anseios, finalidades e objetivos.
A Administração Pública se volta para uma atuação igualitária com seus
administrados, sobretudo, por meio da utilização dos instrumentos de solução
consensuais de controvérsias que são, notoriamente, alternativas mais céleres
na condução harmônica das relações e, na solução de conflitos.
Como lembra Alexandre Santos de Aragão, ao tratar de
consensualização nas relações com os agentes econômicos:
58 Como a imperatividade, à auto-executoriedade e à presunção de legitimidade são outros atributos pertencentes aos atos administrativos. In MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo Brasileiro. 14 ed. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p.134. 59 “A imperatividade consiste em que os atos administrativos se impõem a terceiros, independentemente de sua concordância. Quando o Estado atua investido desta qualidade, diz-se que age em virtude de seu “poder de império”. Para Renato Alessi, a imperatividade é conseqüência do chamado “poder extroverso”, que, segundo as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, configura aquele “que permite ao Poder Público editar provimentos que vão além da esfera jurídica do sujeito emitente, ou seja, que interferem na esfera jurídica de outras pessoas, constituindo-as unilateralmente em obrigações”. O Estado é a única organização que, de forma legítima, detém este poder de constituir unilateralmente obrigações em relação a terceiros.” In BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Poder Extroverso e Consensualismo na Atividade Administrativa. Disponível em <http//www.lexeditora.com.br>. Acesso em 10/11/2006.
[...] esses objetivos podem ser melhor alcançados de forma consensual do que coercitiva, não fazendo sentido que a Administração tenha sempre que necessariamente optar por mecanismos regulatórios verticais, não tão eficientes e mais gravosos para os interesses envolvidos. Noutras palavras, o que deve guiar a Administração Pública é a satisfação dos interesses sob sua tutela através do menos ônus possível aos agentes econômicos.60
Desta forma, a Administração Pública renuncia ao poder de império no
alcance com eficiência e proporcionalidade do interesse público, fazendo uso,
para tanto, do princípio da proporcionalidade,61 eis que pondera os custos e
benefícios do resultado. 62
O Direito Público contemporâneo, especialmente, o direito administrativo
tende a enfocar a negociação, perdendo espaço a questão da autoridade.
Alexandre Santos de Aragão, referindo-se às
agências reguladoras e à Administração Pública em
geral quanto à persecução dos interesses públicos e
privados que a lei lhes comente, assevera que: “[...]
baixa densidade semântica com que a lei coloca
estes interesses e finalidades, em muitas situações
concretas eles entram em contradição [...]”, daí deve
a Administração em um exercício de ponderação
entre os interesses públicos e privados: “[...] realizar
a maior efetividade possível de todos eles
(“mandado de otimização”), alcançando se possível
o consenso [...]”.63
Desse modo, o uso de meio de composição consensual dos conflitos
surgidos no cumprimento dos atos de gestão ou aqueles oriundos da execução
dos contratos administrativos, representaria uma forma mais hábil de solução
das controvérsias, além de objetivar a preservação de interesses públicos e,
naturalmente, a salvaguarda do bem-estar da coletividade.
60 ARAGÃO, op. cit. 2005. p. 110. 61 O princípio da proporcionalidade encontra-se previsto na art. 2º, parágrafo único, inciso VI, da Lei nº 9.784/99: “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”. 62 ARAGÃO, op. cit. 2005. p.110.
Aliás, a utilização da composição amigável de conflitos na Administração
Pública como alternativa ao processo judicial, é faculdade que surgiu no direito
privado que já os utiliza desde tempos remotos para solucionar controvérsias
com mais celeridade e harmonia.
É, destarte, convergência de normas do direito privado (que é mais
abrangente) com o direito público.
O regime jurídico-administrativo absorve as transformações ocorridas na
sociedade e evolui no sentido de não quedar-se estático em um padrão de
comportamento que o impeça de atingir a finalidade pública, ou seja, o
interesse da coletividade. Significa estar em constante observação do seu
dever constitucional de eficiência (art. 37, caput, da CRFB).
Nesse ponto específico, o dever de eficiência64 é entendido como o
dever da função administrativa de se coadunar com as tendências sociais na
promoção de regras normativas, principalmente no regramento jurídico de
direito privado que demonstrem ser mais adequados e eficientes.
Pode-se afirmar, assim, que a previsão de disposição de mecanismos de
consensualidade como alternativa à Jurisdição Estatal é meio de promoção da
eficiência administrativa.
Ensina Jessé Torres Pereira Junior que o princípio da eficiência é um
dos pontos essenciais do direito do século XXI:
[...] quanto à relação com a eficiência, elevada a princípio constitucional, ao lado da legalidade, da moralidade, da publicidade e da impessoalidade, explicitadas na cabeça do art. 37 da CF/88, alem de outros princípios implícitos, traduz apelo à
63 ARAGÃO, op. cit. 2005. p. 434 64 A Lei nº 9.784, de 1999, também impõe o dever de eficiência a Administração pública: “ Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.” BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Disponível em: <htpp//www.planalto.gov.br>. Acesso em 20/11/2006.
gestão para produzir resultados transformadores da qualidade de vida da população.65
Odete Medauar, a seu turno, acredita que Administração Pública passou
a exercer a atividade de composição de conflitos por estar mais próxima ao
cidadão comum, e às aspirações coletivas da sociedade:
A Administração volta-se para a coletividade, passando a conhecer melhor os problemas e aspirações da sociedade. A Administração passa a ter atividade de mediação para dirimir e compor conflitos de interesses entre várias partes ou entre estas e a Administração. Daí decorre um novo modo de agir, não mais centrado sobre o ato como instrumento exclusivo de definição e atendimento do interesse público, mas como atividade aberta à colaboração dos indivíduos. Passa a ter relevo o momento do consenso e a participação.66
Inobstante, em razão das relações de natureza contratuais com os
parceiros privados, nota-se que a influência do direito privado é inevitável: a
facilidade com que ocorrem negociações, acordos, parcerias, ajustes,
transações, enfim, meios que reforçam a união das vontades e que viabilizam a
celebração e execução de contratos entre parceiros privados é patente. São,
sobretudo, técnicas que reúnem maiores possibilidades de celebrar e concluir
contratos que sejam importantes para o desenvolvimento dos negócios e que
haja certo equilíbrio contratual. Assim, cada vez mais a Administração Pública
se utiliza desses mecanismos de direito privado visando também o
desenvolvimento econômico do País.
Logo, diante desses modos de atuação e da crescente aproximação dos
particulares com a Administração, por meio de parcerias, nota-se cada vez
mais a justaposição das normas de direito privado com as de direito público.
Com essa intercessão, ocorre uma redução nas desigualdades, aumento do
consenso, da confiança entre partes contratantes e da segurança jurídica. Ou
seja, aumentam as chances de realização dessas parcerias.
65 PEREIRA JUNIOR, Jessé torres. A Efetividade dos Princípios do Direito Administrativo no Exercício da Tutela Jurisdicional. Direito administrativo. Estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Coord. Fábio Medina Osório e Marcos Juruena Villela Souto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 443. 66 MEDAUAR, op. cit. 2003. p. 202.
Essa busca no direito privado de mecanismos que facilitem a atuação da
Administração é uma constante, como bem aponta Caio Tácito, observando
esse fenômeno quando da criação de sociedades de economia mista:
[...] A lei administrativa, atendendo a esse objetivo, vai buscar no plano do direito privado, os modelos das sociedades mercantis, compondo em termos competitivos, ou excepcionalmente em grau de monopólio, a modalidade de sociedade de economia mista como outra forma integrante da Administração Pública Indireta. Na prática da atividade mercantil a empresa paraestatal se equipara à empresa privada, não obstante a ela se sobreponha, necessariamente, o controle superior do Estado de modo a preservar a destinação política administrativa que é o objetivo final da criação legislativa.67
Nesse contexto, a necessidade da Administração Pública para utilização
de institutos do direito privado com o objetivo de mais eficientemente cumprir
sua função se coaduna com o entendimento de Maria João Estorninho:
A Administração Pública deve sempre prosseguir o interesse público e apenas varia o instrumento jurídico por ela escolhido para esse fim, umas vezes de direito público e, outras, de direito privado. Mais importante do que as eventuais vinculações avulsas parece interessar a idéia geral segundo a qual a esta dupla capacidade não corresponde uma dupla personalidade: a administração, seja quando age com formas e procedimentos de direito público, seja quando age com formas e procedimentos de direito privado, age sempre para o fim ou para o conjunto de fins para os quais foi constituída.68
A busca por mecanismos mais eficientes de solução dos conflitos entre o
Poder Público e os administrados ou seus parceiros privados, se faz numa
valorização da negociação pacifica e eficiente. É o incremento dos princípios
da confiança, da boa-fé e da participação dos parceiros na solução de conflitos
que envolvem interesses recíprocos e que necessitam se desenvolver em
conjunto para o alcance de melhores resultados para ambos.
Nesse sentido, importa ressaltar que a opção pela consensualidade leva
em consideração todos os interesses envolvidos e resultados obtidos69 e,
67 TÁCITO, Caio. Perspectivas do direito administrativo no próximo milênio. Revista de Direito Administrativo. V. 212. Abr-jun. 1998. p.3. 68 ESTORNINHO, op. cit. 1996. p.130. 69 “A respeito, [...] algumas vantagens da consensualidade, encontrando um elenco surpreendentemente rico: 1º vantagem: pelo potencial criativo e operativo dos entes da constelação social (colaboração); 2º vantagem pelo potencial criativo e operativo dos próprios entes da constelação estatal (cooperação); 3º vantagem pela redução de custos para o Estado e sociedade (economicidade); 4º vantagem pela simplificação da máquina gestora do Estado (racionalidade); 5º vantagem pelo reforço da máquina reguladora do Estado (publicização); 6º
segundo o entendimento de Alexandre Santos de Aragão, na decisão pelo
consenso, deve-se levar em conta os objetivos do Estado Democrático de
Direito consignados nas leis e, sobretudo, na Constituição.70
Vale ainda destacar que a alteração de um sistema que valoriza a
imperatividade e as prerrogativas para originar uma nova visão jurídica da
consensualidade não é feito instantaneamente. Os ritos das transformações
são baseados em diversos modos de agir do Estado e da sociedade e, assim
sendo, produto da marcha pela valorização da colaboração e coordenação,
conforme pondera Alexandre Santos de Aragão:
O Estado Democrático de Direito faz com que a regulação estatal desça do pedestal, tornando-se “humana, demasiadamente humana”. A regulação deve ser apta a produzir mudanças efetivas e concretas na realidade. Entre uma medida ideal, mas que só vai concretizar-se satisfatoriamente nas páginas do Diário Oficial, e outra, também legítima, menos gravosa, mas que, produzida em concertação com os interessados, tenha maiores chances de se efetivar, alcançando mais eficientemente as finalidades públicas colimadas, a Administração deverá sem dúvida optar pela última.71
O que se espera cada vez mais do Estado e da sociedade, portanto, são
ações conjuntas impregnadas de intenso anseio de evolução na busca por
resultados que determinem definitivamente a passagem de uma gestão
imperativa para uma administração consensual e que valorize os direitos
fundamentais.
1.5. Função administrativa judicante
A Carta Magna, em seu artigo 2º, estabelece que o Poder Legislativo,
Executivo e Judiciário72 são independentes e harmônicos entre si.73 Os
vantagem pela renovação das modalidades de prestação de serviços a cargo do Estado (modernização); 7º vantagem pelo atendimento às demandas reprimidas após o fracasso dos modelos de Estado monoclasse do Welfare State e do Socialista (eficiência); 8º vantagem pela racionalização da atribuição de competências ao Estado (subsidiariedade); 9º vantagem pela racionalização da distribuição de competências dentro do Estado (subsidiariedade).” MOREIRA NETO, op. cit. 2007. p. 421. 70 In ARAGÃO, op. cit. 2005. p. 110. 71 ARAGÃO, op. cit.p.113. 72 A Constituição Federal dispõe acerca da organização dos poderes no Título IV, capítulos I, II e III (arts. 44 a 126). 73 Art. 2º, da CRFB/1988: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). 35. ed. atual. até EC n° 45. ampl. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto e outros. São Paulo: Saraiva, 2005.
Poderes do Estado são decorrência do Estado Democrático de Direito e têm a
finalidades de garantir-lhes a continuidade.
Desta máxima, se extrai que para cada Poder há a idéia de
especialização funcional independente e que seu exercício não é livre, mas
delimitado pela norma maior que o constitui e o anui a um fim que justifica e
orienta sua atuação.74
Trata-se da clássica divisão de Poderes,75 onde é balizado a cada qual,
funções específicas para o desempenho de suas atividades, sem haver,
contudo, impedimento para o exercício de funções atípicas. Ou seja, não há
uma divisão absoluta.
O princípio da jurisdição una (arts. 5º XXXV, da CRFB, de 1988),
embora confira o monopólio da jurisdição ao Poder Judiciário, traz à tona a
questão sobre a possibilidade do exercício da função judicante pela
Administração Pública.
O Estado contemporâneo não mais comporta
aquela clássica divisão de funções onde cabia à
Administração Pública, diga-se, Poder Executivo,
tão-somente a gestão da coisa pública.
A evolução do direito administrativo nas
últimas décadas, a complexa relação do Estado com
os administrados e a necessidade de expansão do
exercício de suas funcionalidades em decorrências
da celeridade da economia e dos mercados
globalizados e dos avanços tecnológicos
experimentados levaram a Administração Pública ao
alargamento de suas funções que outrora eram
consideradas tão-somente residuais em decorrência
da separação dos Poderes.
74 In MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 9 ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p 121. 75 Sistema de freios e contrapesos (checks and balance).
Constata-se, por exemplo, o exercício da
função judicante nos órgãos públicos, tais como as
autarquias reguladoras, os conselhos administrativos
e de contribuintes (Ex.: Conselho Administrativo de
Defesa Econômica – CADE) ou os tribunais
administrativos (como nos Tribunais de Contas e
Tribunal Marítimo), nos quais há a utilização da
conciliação, mediação e arbitragem e, também, nos
contratos celebrados com particulares pelas
empresas públicas e sociedade de economia mista
ou nos contratos administrativos de Concessões e
de Parcerias Público-Privadas – PPP’s.
A função administrativa, ao contrário da função jurisdicional, não é
dotada da exclusiva especialidade de atender os interesses tutelados pelo
direito,76 ou seja, de efetivar a vontade da lei ao caso concreto. Ao revés,
possui a função judicante, que é meio de obter ou restabelecer o consenso
com o administrado em busca do mesmo objetivo do Poder Judiciário, qual
seja, a pacificação social.
Destarte, os Poderes exercem, além da função determinada pela Lei
Maior, outras diferenciadas por força da necessidade de expansão de suas
funções em melhor cumprimento da sua função típica. Assim, o Executivo tem
certas funções judicantes, como o Judiciário exerce atividade de natureza
administrativa.
A evolução das atividades da Administração se deu ao longo das
mudanças ocorridas com o Estado contemporâneo. Antes, somente lhe era
dado ao cumprimento da vontade do Legislador: ” [...] a Administração aparece
76 Para Theodoro Junior a função jurisdicional do Estado é a de “declarar e realizar, de forma prática, a vontade da lei diante de uma situação jurídica controvertida.” THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 6 ed. V. 1. Rio de janeiro: Forense, 1990. p. 39.
como instrumento de execução da lei, sem vontade própria, subordinada,
agindo de modo neutro; tratava-se de função marginal e subsidiária”.77
Modernamente, a Administração Pública deixa de ter caráter unívoco78
para se ampliar, conforme leciona Odete Medaur: “[...] assumindo novos
papeis, à medida que aumentava as funções do Estado. Depois adquiriu
dimensões gigantescas e tornou-se fundamental à coletividade.” E, continua:
[...] dificilmente se sustentaria, na atualidade, a característica de mera
executora da lei e alheia as decisões que deve aplicar[...].”79
A Administração Pública torna-se, portanto, cada vez mais
plurirrelacionada com o entorno social.80
Diante de tal quadro, a atividade administrativa assume, inclusive, papel
de mediadora e judicante, não em usurpação à atividade jurisdicional, mas para
buscar o consenso81 e, conseqüentemente, evitar que se procure o Judiciário
quando se pode solucionar conflitos com eficiência e celeridade,
restabelecendo e mantendo efetivamente a pacificação e a confiança dos
administrados.
Na concepção de Egon Bockmann Moreira: “[...] o racional
funcionamento do processo administrativo certamente resultará em alívio para
Poder Judiciário.”82
Assim, em alguns casos, a função judicante legitimamente estabelecida
em lei, soluciona controvérsias, encerra conflitos de diversas naturezas e
confere poderes a algumas entidades da Administração Pública, como é o
caso, p. ex., da função judicante instituída por leis criadoras das agências
reguladoras (que além dessas também possui funções normativas, executiva e
77 MEDAUAR, Odete. op. cit. p. 124. 78 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Teoria geral do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 87. 79 MEDAUAR, Odete. op. cit. p. 126. 80 In MORÓN, Sanchez. Apud Medauar, op. cit. 2003. p.128. 81 In MEDAUAR, Odete. op. cit. p.126. 82 MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. Princípios constitucionais e a lei nº 9.784/1999. 2. ed. atual., rev. aum. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 20.
sancionatória), ou ainda, das Juntas Comerciais (Lei nº 8.934/1994),83
formadas por turmas e colegiados com poderes para decidir questões no
exercício de sua função administrativa judicante e os Conselhos de
Contribuintes com a finalidade de controle da legalidade de atos administrativos
em matéria tributária.
Pode-se, inclusive, citar as Comissões Parlamentares de Inquérito
(CPI´s)84 que possuem poderes investigatórios,85 atividade instituído pela Lei
Maior como exercício típico da função de fiscalização do Poder Legislativo,
que, no entanto, é função própria do Poder Judiciário.
Em tais situações percebe-se que a legitimação da função judicante da
Administração Pública se dá pela necessidade de ações que visam cumprir o
principio da eficiência, o princípio da economicidade, a busca pelo interesse
público e, sobretudo, a proteção do cidadão e dos direitos fundamentais.
Dessa forma, as atividades se ampliaram,86 e o que se objetiva com tal
alargamento é não atravancar nenhum dos Poderes no exercício de suas
funções. Trata-se da idéia de unidade a que está ligado o Estado. Assim
sendo, unidos e respeitando-se, os três Poderes instituídos, no exercício de
funções tanto típicas quanto atípicas, promovem o crescimento das próprias
funções e, por conseguinte, o bem-estar da sociedade.
É o caso dos regulamentos expedidos pelo Presidente da República
como Chefe do Poder Executivo, regulado pelo art. 84, inciso IV87 da
83 Lei 8.934/94: “Art. 6º As Juntas Comerciais subordinam-se administrativamente ao governo da unidade federativa de sua jurisdição e, tecnicamente, ao DNRC, nos termos desta Lei.” Brasil. Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994. Dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins e dá outras providências. Disponível em: <htpp//www.planalto.gov.br>. Acesso em 20/11/2006. 84 Lei nº 1.572/1952. 85 Parágrafo 3º, do art. 58, Constituição Federal de 1988: “§ - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos internos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terços de sua membros, para apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.” 86 MEDAUAR, Odete. op. cit. p.137. 87 Art. 84, inciso IV, da CRFB/1988: “sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.”
Constituição Federal88, ou quando o Senado Federal julga os crimes de
responsabilidades do Presidente e Vice-Presidente da República, conforme o
disposto no art. 52, I, da CRFB/198889.
Tal se justifica por ser necessário que os poderes caminhem juntos no
exercício de suas funções, para o bem do Estado Democrático de Direito.
No entanto, importa destacar que, no exercício da legítima função
judicante, a Administração Pública, por meio de seus órgãos, entidades e
delegados (caso dos contratos administrativos de Concessão e dos contratos
de Parceria Público-Privadas), não se confunde com o Poder Judiciário
(conforme o princípio da jurisdição una disciplinado no art. 5º, XXVIII, da CRFB,
de 1998), embora com este tenha verdadeira afinidade quando soluciona e
encerra conflitos. Estar-se-á diante da chamada integração entre os poderes,
nesse caso, com o objetivo de contribuir para a efetivação da justiça.
Outra questão em que se verifica que a função administrativa judicante
difere-se da jurisdicional, diz respeito ao fato de que o Estado, no exercício
desta, não é parte na controvérsia, ao contrário da Administração Pública, que
é parte interessada, juntamente com administrado ou particular colaborador
quando solucionam conflitos, o que pode suscitar a inobservância do princípio
da imparcialidade. Questão que se resolve, na medida em que a Administração
deve sempre observância aos princípios norteadores do caput, do art. 37, da
Constituição Federal, bem como aos princípios e normas constitucionais, entre
os quais encontra-se o princípio da imparcialidade.
Assim, no atendimento e cumprimento dos princípios norteadores da
Administração Pública, devem seus órgãos, entidades e delegados pautarem-
se sempre pelas normas constitucionais e pelos princípios respectivos à função
administrativa.
88 Em caso do Chefe do Executivo exorbitar desse poder cabe ao Congresso Nacional emitir lei para sustar tais atos, conforme o disciplinado no art. 49, V, da Constituição da República Federativa, de 1988. 89 Art. 52, I, da CRFB/1988: “Compete privativamente ao Senado Federal: I. processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exercito e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aquele”.
1.6. Os institutos de consensualidade: conciliação,
mediação e arbitragem
1.6.1. A conciliação na Administração Pública
A conciliação90 se define como mecanismo de consensualidade na qual
as partes se esforçam para dirimirem o conflito mediante o auxílio de terceira
pessoa, cuja função é, não somente conduzir a negociação, com orientações
técnicas e normativas, mas também orientá-las e abastecê-las das diretrizes e
políticas estabelecidas para a matéria discutida, quando, então, avaliarão os
aspectos técnicos de cada caso e ponderarão sobre a melhor para a solução
desse conflito, sempre de maneira justa, transparente e célere.
A conciliação, ao menos no Brasil,91 é
especialmente utilizada nos procedimentos judiciais
como fase preliminar nas ações que envolvem
direitos patrimoniais disponíveis, dentre os quais se
podem citar os procedimentos conciliatórios
obrigatórios, conforme o disposto na Lei nº 9.099, de
26 de setembro, de 1995, no Código de Processo
Civil Brasileiro e na Consolidação da Legislação
Trabalhista.
90 “A Justiça Federal da Região Sul está promovendo, até o final desta semana, audiências de conciliação em várias cidades dos Estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, buscando promover o entendimento entre as partes. O projeto da Semana da Conciliação, que está sendo coordenado pelo Sistema Conciliação (Sistcon) do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, integra o Movimento Nacional pela Conciliação, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em Porto Alegre, foram agendadas 72 audiências, 30 aconteceram nesta tarde e discutiram ações de fundo de garantia por tempo de serviço, auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Cachoeira do Sul (RS) programou 16 tentativas de acordo em ações previdenciárias, 4 relativas a contratos bancários com a Caixa Econômica Federal e 1 transação penal. Ontem (4/12), em Rio Grande (RS), foram realizadas 18 sessões de conciliação com processos que discutiam benefícios por incapacidade, atingindo 100% de concordância entre as partes. Os resultados obtidos em toda a Justiça Federal da 4ª Região serão divulgados em Florianópolis, na próxima sexta-feira (8/12), quando o TRF estará promovendo o “Dia da Divulgação das Atividades de Conciliação”. Em âmbito nacional, o CNJ estará promovendo, na mesma data, o DIA NACIONAL DA CONCILIAÇÃO. In Revista eletrônica Nota dez. Semana da Conciliação: Audiências. Edição 850. 06/12/2006. Disponível em: <http///www. [email protected]>. Acesso em 08/12/2006. 91 Já que em alguns países a expressão conciliação é utilizada para denotar mediação.
Nestes, os juízes togados ou os conciliadores
buscam demonstrar às partes os seus direitos e
conduzi-las a um acordo em face dos respectivos
direitos, bem como os riscos ao qual estão sujeitas,
caso não cheguem a conciliarem-se. Diferentemente
do que se dá na mediação, o procedimento
conciliatório encontra-se previsto em lei.92
Também na Administração Pública,93 tem-se
que a conciliação é instituto utilizado rotineiramente
como meio eficaz de solução de controvérsias com
escopo de evitar que se leve ao Judiciário conflitos
de interesses entre aquela e os particulares, dentre
92 GARCEZ, José Maria Rossani. Técnicas de Negociação. Resolução Alternativa de Conflitos: ADRS, Mediação, Conciliação e Arbitragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. pp.75/83. 93 O número de homologações de sentenças estrangeiras cresceu 300% ao ano desde que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) assumiu a função no início do ano passado - quando a Emenda Constitucional nº 45, que estabeleceu a reforma do Judiciário, transferiu a competência dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) para o STJ. De acordo com estudo feito pela especialista em arbitragem, Selma Lemes, o tempo que se leva para homologar uma sentença arbitral também tem sido menor. A mais rápida foi feita em dois meses e a mais demorada, em 14 meses. O estudo abrangeu o período iniciado em 1996, quando foi criada a Lei de Arbitragem, e mostra que são justamente as sentenças arbitrais as de maior relevância econômica analisadas hoje pelo STJ. [...] No caso da arbitragem, Selma Lemes conta que uma novidade nas análises do STJ tem sido o fato de não se exigir a intimação da parte brasileira por meio de carta rogatória, desde que o contrato com cláusula arbitral tenha sido devidamente suportado pelas duas partes. [...]Os especialistas em arbitragem têm percebido que os estrangeiros estão mais confiantes na Justiça brasileira também em instâncias inferiores. "As partes estrangeiras estão mais confiantes com o Poder Judiciário pelo trato que tem demonstrado com a arbitragem no Brasil", diz o especialista Pedro Martins. Diante disso, os próprios estrangeiros têm preferido as câmaras brasileiras, quando possuem negócios por aqui, para ganhar agilidade. Isso porque uma decisão no exterior obrigatoriamente precisa passar pelo crivo do STJ, que, por mais rápido que seja, sempre leva um tempo maior para dar validade a ela.[...] Pode ser um complicador escolher, por exemplo, as regras da CCI, da Câmara Internacional de Arbitragem de Paris, sem a própria administração pela CCI. Isso porque muitos árbitros inscritos na CCI se recusam a fazer o julgamento sem a administração da própria câmara de Paris e com julgamento também fora do Brasil. O caminho, caso os estrangeiros não aceitem regras de câmaras brasileiras, seria optar pela Uncitral - Comissão da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre leis comerciais internacionais.” Reforma agiliza homologação de sentenças arbitrais no país. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: < http.www. conjur.com.br>. Acesso em 20/11/2006.
seus diferentes órgãos sobre questões que podem
ser objeto de negociação, eis que tais mecanismos
são adequados para a obtenção dos resultados
almejados. Exemplo concreto do narrado é a criação
de câmaras de Conciliação e Arbitragem pela
Advocacia Geral da União94 que tem como objetivo
94As câmaras de conciliação e arbitragem criadas pela AGU, segundo o consultor da AGU Marcelo de Siqueira Freitas, responsável pela montagem das câmaras de conciliação, em dois casos a arbitragem acabou servindo também como regulamentação de leis federais até então deixadas em aberto. Uma dessas regulamentações feitas pela AGU veio em uma disputa entre a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), levada à consultoria ano passado. Uma tribo indígena paranaense teve suas terras inundadas pelo lago de Itaipu e invadiu o Parque Nacional do Iguaçu, gerido pelo Ibama. O órgão pretendia ajuizar uma ação para expulsar os índios, que são representados judicialmente pela Funai. Esta, por sua vez, levou o caso à AGU, que descobriu que o Estatuto do Índio, depois de 30 anos, não tinha uma regulamentação para casos de índios que perderam suas terras originais. A regra foi criada por uma sentença arbitral (o Parecer Normativo AC48), que estipula que, nesses casos, a Funai pode comprar ou desapropriar novas terras, e criou os procedimentos para que a aquisição fosse feita. Até então a Funai tinha regras apenas para a demarcação e desapropriação de territórios de ocupação tradicional. O precedente pode ser útil em casos de reservas que sofrem processos de desertificação ou superpopulação. Outra regulamentação saiu de uma disputa entre o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e Ministério da Saúde para ocupar um prédio herdado do extinto Inamps. A AGU descobriu que depois de quase 20 anos da extinção do órgão, ainda não havia uma regra para a distribuição dos seus imóveis. A saída veio em uma sentença arbitral da AGU: os edifícios com função hospitalar são do Ministério da Saúde e os administrativos ficam com o INSS. O edifício, no Rio de Janeiro, estava registrado em nome do Ministério da Saúde e passou para o INSS. Segundo Marcelo de Siqueira, em outros casos a saída negociada mostrou melhores frutos do que uma eventual sentença da Justiça Federal. Um exemplo disso foi uma disputa entre o Instituto do Patrimônio Artístico e Artístico Nacional (Iphan) e a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). O edifício da estatal no Rio de Janeiro, segundo o Iphan, interferia na visão da Floresta da Tijuca, patrimônio nacional tombado. O pedido judicial do Iphan era a demolição do oitavo andar do edifício. A conciliação obteve uma solução mais produtiva: a CBTU manteve o edifício, mas se comprometeu a gastar R$ 129 milhões na reforma de um prédio histórico no centro do Rio. [...] a AGU baixou uma portaria determinando que todas as disputas entre órgãos federais fossem encaminhados à consultoria. Assim, as tentativas de conciliação que eram feitas de forma dispersa e eventual pelos próprios procuradores ganharam um procedimento e uma solução final para casos em que não há acordo - a arbitragem. Das 51 disputas que chegaram à consultoria, 29 eram pendências tributárias com o INSS ou com a Receita Federal. Nesses casos, o procedimento foi exigir o término do
resolver conflitos internos do governo federal por
meio de conciliação e arbitragem.
A consensualidade evita as demandas judiciais, geralmente sem data para
terminar, e que trazem, em seu escopo, prejuízos a todos. O intuito é resolver as
controvérsias com razoabilidade, economicidade e eficiência. Espera-se, portanto, tanto
do Poder Judiciário95, como da Administração Pública, o uso, cada vez mais constante,
de institutos eficazes de alcance da justiça e do interesse coletivo.
Não há mais espaço para a burocracia e tampouco para o não cumprimento do
dever de eficiência, instrumentalizados pela conciliação, pela negociação, constituindo
base de convencimento para a Administração Pública do seu dever de busca de
agilização de concreção dos interesses públicos.96 Alexandre Santos de Aragão citando
Gaspar Arinõ Ortiz completa:
A função do regulador não é tanto a de impor aos regulados, mas de convencer, persuadir, levar as partes a uma solução convencional, na medida do possível (…) Em muitas das questões que se colocam ao regulador não existe apenas uma única solução “justa”, devendo quase sempre articular uma composição entre interesses contrapostos, uma transição, uma arbitragem.97
processo administrativo e depois partir para a conciliação. Em geral, eram pendências com recolhimento de contribuição previdênciária e Imposto de Renda da folha de pagamento de funcionários de autarquias.” TEIXEIRA, Fernando. AGU resolve disputas internas do governo federal com arbitragem. Valor Econômico. Secção legislação & tributos. 17/11/2006. Disponível em: <http.www.camarb.com.br>. Acesso em 28/12/2006. 95 “A Justiça Federal da Região Sul está promovendo, até o final desta semana, audiências de conciliação em várias cidades dos Estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, buscando promover o entendimento entre as partes. O projeto da Semana da Conciliação, que está sendo coordenado pelo Sistema Conciliação (Sistcon) do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, integra o Movimento Nacional pela Conciliação, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). entre as partes. Os resultados obtidos em toda a Justiça Federal da 4ª Região serão divulgados em Florianópolis, na próxima sexta-feira (8/12), quando o TRF estará promovendo o “Dia da Divulgação das Atividades de Conciliação”. Em âmbito nacional, o CNJ estará promovendo, na mesma data, o "Dia Nacional da Conciliação". Semana da conciliação: audiências. Revista Eletrônica Nota Dez. Ed. 850. disponível em: <http.www.notadez.com.br>. Acesso em 06/12/2006. 96 A Advocacia-Geral da União (AGU) tem os primeiros resultados das câmaras de conciliação e arbitragem que começaram a ser montadas no ano passado para resolver disputas judiciais entre órgãos do governo - União, autarquias e fundações. Foram encontradas 51 disputas internas do governo federal, das quais 17 foram resolvidas internamente em um prazo médio de sete meses. A medida foi tomada para reduzir o número de disputas entre órgãos públicos que chegam à Justiça e evitar enfrentamento dentro da AGU, o que traz a defesa de teses contraditórias dentro da mesma instituição. As soluções arbitrais criaram também uma forma legal inédita: os pareceres normativos da AGU. Eles são uma espécie de sentença arbitral proferida pela AGU, mas servem como uma jurisprudência de aplicação geral. 97 Gaspar Ariño Ortiz apud Alexandre Santos de Aragão. op. cit. p. 113.
As Agências Reguladoras inovaram o ordenamento jurídico administrativo ao,
numa ponderação de custo e benefício, legitimarem o uso da conciliação como método
eficaz de solução de conflitos entre as partes que pertencem ao mercado regulado.
A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL (Lei nº 9.427, de 26 de
dezembro de 1996) no seu artigo 3º, inciso V prevê a utilização de mecanismos de
solução de controvérsias, 98 o mesmo ocorrendo com a Agência Nacional de
Telecomunicações - ANATEL (Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997).99 No caso da
Agência Nacional do Petróleo – ANP, a Lei nº 9.478, de 06 de agosto de 1997, que
disciplina o setor petrolífero, dispõe, em seu art. 20,100 a utilização dos meios pacíficos
de resolução de controvérsias, e elege a conciliação como principal meio a ser utilizado
para tal. O art. 8º, da Lei n.º 11.182, de 27 de setembro de 2005, segue neste sentido ao
regular o uso de tais instrumentos no âmbito da Agência Nacional de Aviação Civil –
ANAC.101
1.6.2. O instituto da mediação e a Administração
Pública
A mediação objetiva a solução de conflitos pelas próprias partes por
meio de intermediário: “[...] ato de intervenção de uma pessoa em negócios ou
contrato que se realiza entre outras.”102
O mediador faz o papel de aproximação, contudo, se mantém neutro,
deixando que as partes, após conhecerem as normas gerais acerca da matéria
objeto de conflito, entrem espontaneamente em consenso.
98 Art. 3º, inciso V, da Lei 9.427/1996: “dirimir, no âmbito administrativo, as divergências entre concessionárias, permissionárias, autorizadas, produtores independentes e autoprodutores, bem como entre esses agentes e seus consumidores.” 99 Art. 19, inciso XVII, da Lei nº 9.472/1997: “compor administrativamente conflitos de interesses entre prestadoras de serviço de telecomunicações.” 100 Art. 20 da Lei nº 9.478/1997: “O regimento interno da ANP disporá sobre os procedimentos a serem adotados para a solução de conflitos entre agentes econômicos, e entre estes e usuários e consumidores, com ênfase na conciliação e no arbitramento.” 101 Art.8º, inciso XX, da Lei nº 11.182/2005: “compor, administrativamente, conflitos de interesses entre prestadoras de serviços aéreos e de infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária.” 102 SILVA. De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Glaúdia Carvalho.23. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003. p.903.
O mediador103 estimula a diminuição do
antagonismo e o aumento da colaboração. Seu
papel é, deste modo, o de favorecimento de trocas
construtivas, estimulando as comunicações e o
enquadramento das negociações, determinando e
explicando as regras procedimentais, colhendo
sugestões, informações relevantes que as partes
possuem por conta de sua especialidade.104
Desta forma, as partes alcançarão e
estabelecerão os termos de eventual acordo –
103 Tramita no Congresso desde 1998, Projeto de Lei nº 4827, de autoria da Deputada Zulaiê Cobra e que ganhou Substitutivo no Senado que: “Institucionaliza e disciplina a mediação, como método de prevenção e solução consensual de conflitos na esfera civil, e dá outras providencias.” Sendo Relator o Senador Pedro Simon. O art. 2º do PL dispõe: “Para fins dessa Lei, mediação é atividade técnica exercida por terceiro imparcial que, escolhidos ou aceito pelas partes interessadas, escuta, orienta e estimula, sem apresentar soluções com o propósito de lhes permitir a prevenção ou solução de conflitos de modo consensual.” O referido PL foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e remetido para promulgação pela Câmara dos Deputados, estando atualmente (08/01/2007) arquivado aguardando a abertura dos trabalhos daquela Casa (conforme Regimento Interno, art. 105). BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei nº 4827/1998, de autoria da Deputada Zulaiê Cobra, que institucionaliza e disciplina a mediação, como método de prevenção e solução consensual de conflitos na esfera civil, e dá outras providencias. Disponível em: <htppp.www.senado.gov.br>. Acesso em 14/01/2007. 104 A Câmara de Mediação e Arbitragem da Advocacia-Geral da União (AGU) com a finalidade de solucionar conflitos entre os próprios órgãos da União e evitar disputas no judiciário que levam anos para se resolver, causando prejuízos aos cofres públicos federal. Nesse procedimento o árbitro é o advogado-geral da União e, caso não se resolva o conflito, este é encaminhado para o Presidente da República que por sua vez decide por arbitramento. “[...]Um deles envolve a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que há cinco anos recebeu uma notificação do INSS onde constava uma dívida de R$ 4 milhões pela suposta falta de recolhimento de contribuições previdenciárias. A procuradora-chefe da UFMG, Simone Bacarini, conta que foi até a câmara de julgamento do Conselho de Recursos da Previdência, mas não obteve êxito em nenhuma instância administrativa. O maior problema era a dificuldade na obtenção da Certidão Negativa de Débito para conseguir verbas para investimentos. "Esse é um documento essencial para a universidade, porque sem ele não se pode nem renovar os cursos de pós-graduação", diz Simone. Em 2004, já sem alternativas e prevendo uma longa disputa judicial, a procuradora enviou um ofício à AGU solicitando uma intervenção do órgão na briga. "Não era lógico dois entes da administração pública serem obrigados a recorrer aos tribunais para solucionar uma pendência", afirma. O caso da UFMG foi um dos primeiros a ser analisado na fase de testes da câmara de conciliação de autarquias da União e em poucos meses foi resolvido. [...] Novos casos chegaram nos últimos dias para serem analisados pela AGU e ainda estão sem solução. A Infraero, administradora dos aeroportos brasileiros, responde a uma ação movida pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), que alega que houve danos a algumas de suas cargas causados nos aeroportos. Outra ação também envolve a Funasa, dessa vez contra o Ministério da Fazenda, que cobra da fundação contribuições ao Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep). Três das ações que estão sob mediação na AGU têm como parte o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Em um deles a instituição reivindica na Justiça imóveis ocupados pela Polícia Rodoviária Federal em Brasília e algumas salas utilizadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social.”JAYME, Thiago Vitale. Órgãos da União se enfrentam na Justiça. Valor Econômico. 29/06.2005. Disponível em: <http//www.valoronline.com.br>. Acesso em 14/11/2006.
equiparado a um efetivo acordo extrajudicial, mas
realizado perante e com o auxílio de um mediador -,
assumindo o mediador papel relevante: ponderação
sobre os benefícios da solução, por meio dos
somatórios de informações técnicas recebidas de
todas as partes envolvidas e informação acerca da
observância das normas de direito objetivo (caráter
geral) e das diretrizes pertencentes à matéria
discutida.
A mediação é meio consensual prévio de
solução de conflitos, considerado um meio eficaz de
evitar procedimento jurisdicional e arbitral e uma
alternativa a tais procedimentos.
1.6.3. O instituto da arbitragem e a Administração
Pública
Como alternativa à submissão dos conflitos à Jurisdição Estatal,
surgiram em diversos ordenamentos jurídicos mundiais os Métodos Não
Adversariais de solução de conflitos (Alternative Dispute Resolution System -
ADRS),105 dentre os quais se destaca a arbitragem, instrumento alternativo de
solução de conflitos previsto no ordenamento jurídico pátrio desde a
Constituição Imperial de 1824,106 no qual o interessado exerce sua vontade e
opta pela jurisdição privada, nomeando árbitros para dirimir seus conflitos. 107
105 Dentre outros ADRS cita-se aqueles previstos pelo sistema da American Arbitration Association – AAA (mini-trial; factfinding; Summary jury trial, etc...); pelo sistema da London Court of International Arbitration – LCIA (tailor made; expert determination; adjudicator; standing dispute-review panel) e pelo sistema da Câmara de Comércio Internacional – CCI (facilitação; avaliação neutra precoce, etc.). 106 Constituição Política do Império do Brasil. Artigo 160: “Nas civeis, e nas penaes civilmente intentadas, poderão as partes nomear Juizes Arbitros. Suas Sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas.” Art. 161: “Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processo algum.” BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil, [Sic], de 25 de março de 1824. Rio de Janeiro: Secretaria de Estado dos Negócios do Império do Brazil [Sic], 1824. Disponível em: <http//www.presidencia.gov.br>. Acesso 19/07/2006. 107 A arbitragem é instituto extrajudicial de solução de conflitos, para o qual a participação das partes por meio da autonomia da vontade (arts. 4º e 8º da Lei nº 9.307/1997), se mostra desde o momento em que decide não levar seus conflitos, que por ventura surjam, em relações que disponham sobre bens e direito patrimoniais disponíveis ao Poder Judiciário. Assim, as partes contratantes consensualmente convencionam no sentido de que: surgindo controvérsias ao
Consiste numa prática extrajudicial de solução de controvérsias fundada
no consenso, ou seja, fundada no princípio da autonomia da vontade.
Como meio alternativo à Jurisdição Estatal,108 a arbitragem desperta
incongruente polêmicas doutrinárias quanto a sua aplicação no âmbito da
Administração Pública.
A questão carece de ações que a expliquem e a desmistifiquem para
que a mesma seja culturalmente aceitável, pois suas características perpassam
pela questão da exclusividade do monopólio estatal na solução de conflitos e
alcança o importante papel de constituir-se mais um meio célere e eficaz de
assegurar o direito à justiça.
Nos contratos administrativos de Concessão e de Parcerias Público-
Privadas, a arbitragem torna-se importante meio de viabilidade empresarial e
de garantia para o investidor privado.
Elena Landau e Patrícia Sampaio ressaltam a importância da
arbitragem, conforme prevista na Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e as
dificuldades por ela suscitadas nos contratos administrativos:
[...] Adicionalmente não se pode negar que o investidor, além da perspectiva de ver garantidos seus direitos contratuais e contrapartida do cumprimento de suas obrigações, está atento às reais possibilidades de recuperação dos recursos investidos em caso de quebra do contrato por ato da Administração. Portanto, importa-lhe não apenas uma indenização que possua liquidez, como também a rapidez na solução dos conflitos. Recorrer ao Judiciário em busca de
longo da execução contratual, árbitro, câmara, corte arbitral ou, ainda, comissão arbitral escolhido, por esses, decidirá tais conflitos por meio de procedimento fora do Judiciário, e que, todavia é processo jurisdicional e ao final emitirá sentença arbitral irrecorrível. O somatório da alta especialidade técnica do árbitro ou corte arbitral, que são pelas partes escolhidos, e principalmente, a quase ausência de formalidades, ponto fraco do Judiciário, são vantagens que sem dúvida pesam na opção por esse mecanismo extrajudicial. Fonte da legislação citada: BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Disponível em: <htpp//www.planalto.gov.br>. Acesso em 20/11/2006. 108 A questão, contudo, da história da arbitragem no Brasil passa pela previsão, em textos constitucionais, do princípio da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário. Apenas nas Constituições anteriores à de 1946 é que o princípio não encontra sede constitucional, possibilitando o exercício dos juízos arbitrais em sua plenitude. Na Constituição Brasileira de 1946, e em todas as demais que lhe sucederam, o referido princípio surge como verdadeiro entrave à efetividade do juízo arbitral no Brasil, posto que a arbitragem era considerada pelos tribunais brasileiros atentatórios ao princípio constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário, quando, na hipótese do caso em concreto, viesse a impedir o pleno acesso à justiça por uma das partes (que assim desejasse).
indenização pelo não cumprimento dos contratos de concessão implica em um processo longo e inadequado para atividades cujas margens de lucro são reguladas e, portanto, geralmente estreitas. Ademais, em caso de sucesso no seu pleito indenizatório, o investidor será ressarcido através de precatórios.109
A aceitação da arbitragem nos contratos administrativos para Jessé
Torres Pereira Junior é um dos pontos essenciais para o direito público
contemporâneo pátrio110
Aliás, é importante frisar que a ampliação dessa tendência, além de
valorizar a liberdade na escolha do mecanismo que melhor se adequa para a
solução de conflitos de natureza patrimonial, sobretudo, é aprimorar o princípio
da autonomia da vontade.
Neste sentido é a lição de Marcos Juruena Villela Souto:
[...] a principal característica da Lei de arbitragem brasileira é o resgate do princípio da autonomia da vontade, desde a decisão de submeter o litígio ao juízo arbitral – seja na cláusula arbitral, seja no compromisso arbitral –, na eleição do árbitro – escolhido livremente por elas –, e mesmo na determinação do critério a ser utilizado pelo árbitro na decisão do conflito.111
A vontade das partes, ou seja, a autonomia da vontade, é um consenso
e deve ser de tal modo respeitado. Quando as partes resolvem, de comum
acordo, que seus conflitos em uma relação contratual será solucionado por
meio de arbitragem, nasce neste momento a consensualidade, não importando
se o processo arbitral seja atividade extrajudicial de solução de controvérsias e,
portanto, entre partes adversas.
109 LANDAU, Elena e SAMPAIO, Patrícia. Conseguirão as PPP’s atrair os Investimentos Pretendidos?. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Vol. XVII. Parcerias Público-Privadas. Coord. Flávio Amaral Garcia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. pp.156-157. 110 In PEREIRA JUNIOR, Jessé torres. op. cit. p. 443. 111 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 456.
A consensualidade não ocorre no processo arbitral propriamente dito,
mas é anterior ao mesmo, quando do direito de escolha, na vontade das
partes.
Segundo Maria João Estorninho: o “[...] princípio do consensualismo,
considerado subjacente a qualquer contrato, foi responsável pela criação da
"teoria da vontade implícita" na execução dos contratos administrativos [...].112
Deste modo, constitui técnica para solução de conflitos por um terceiro,
no decorrer de uma relação jurídica. José Maria Rossani Garcez reafirma tal
posicionamento de que trata-se de técnica exercida por um terceiro que, no
entanto: “[...] têm poderes para assim decidir pelas partes por delegação
expressa destas resultantes de convenção privada, sem estar investidos em
funções pelo Estado.113
Em síntese, tem-se que o Direito acompanha os anseios sociais e,
embora estável, não é inalterável e, portanto, se esmera em encontrar
mecanismos que atinjam essas pretensões.114 Assim, o direito administrativo
trouxe à baila os meios consensuais de solução de controvérsias como
alternativa colocada à disposição da Administração Pública e do particular para
solução de conflitos. É alternativa que se aperfeiçoa na trilha de uma sociedade
que zela por uma convivência igualitária, harmônica e justa.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Marcos
Juruena Villela Souto observam que a previsão de
mecanismos consensuais é meio de aprimoramento
da efetividade da justiça. Segundo os autores:
A solução de conflitos de interesses passou da autotutela à prestação jurisdicional como meio de promover segurança e justiça e de lograr a paz social. Nesse último estágio, o Estado assumiu o monopólio da justiça, uma exclusividade que embora adequada aos modelos de concentração de poder então vigentes, veio a se tornar incompatível diante de novas realidades que, com a evolução tecnológica e cultural e a revolução das comunicações experimentadas no século passado,
112 ESTORNINHO, Maria João. Requiem pelo contrato administrativo. Coimbra: Almedina, 1990, p. 117 113 GARCEZ, José Maria Rossani. Técnicas de Negociação. Resolução Alternativa de Conflitos: ADRS, Mediação, Conciliação e Arbitragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p.84. 114 Acerca da trajetória do instituto da arbitragem no Brasil ver: FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Arbitragem (legislação nacional e estrangeira) e o monopólio jurisdicional. São Paulo: LTR, 2001. p. 33.
apresentam um irreprimível incremento e complexidade de necessidades coletivas e uma explosiva gama de relações sobre elas travadas. Nessa realidade, não há como o Estado pretender assumir, sozinho, a titularidade, a gestão ou a responsabilidade sobre todos os interesses públicos e muito menos, manter o monopólio da justiça, como atitude de tutela da sociedade, a que deve servir e não dirigir.115
Assim, pode-se dizer que a adoção da arbitragem pelo ordenamento
jurídico brasileiro encontra-se em consonância com os interesses públicos
atuais no sentido de buscar o desenvolvimento econômico e social do país e,
sobretudo, em comunhão com o universo trilhado nas últimas décadas pelos
demais sistemas jurisdicionais e o direito internacional dos blocos
regionalizados.
A autorização legal para aplicação dos meios
de soluções extrajudiciais, céleres, transparentes e,
especialmente impregnados de tecnicidade e
imparcialidade, ocorreu diante de indispensável
necessidade de celeridade na solução de conflitos e,
tratando-se, especialmente das entidades públicas e
dos contratos administrativos, se deu para instaurar
relação de confiança em decorrência da
intensificação nas parcerias entre o setor público e o
setor privado.
Patente é, portanto, sua análise no direito e
da doutrina brasileira, para analisar os benefícios e o
sentido do alcance dos resultados advindos da
aplicação desses institutos nos contratos que
envolvem a Administração Pública e, especialmente,
avaliar o grau de importância desse instituto para o
aprimoramento da função administrativa,
investigando se tais resultados aumentam a
115 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Arbitragem em contratos firmados por empresas estatais. Direito administrativo em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 449.
eficiência na gestão e na prestação dos serviços
públicos. 116
A Administração Pública não pode ser
deixada para trás na esteira das mudanças
ocorridas. Portanto, é seu dever buscar técnicas de
gestão eficientes para que possa competir no
mercado globalizado em igualdade de condições,
observando os mecanismos empresariais que se
multiplicam e evoluem numa velocidade
imensurável.
Indispensável, por conseguinte, que a
Administração Pública se modernize e se aprimore
e, sobretudo, que se municie de instrumentos
116 Nota-se que essa evolução se deu em quase todos os sistemas jurídicos vigentes, tendo como principal motivo à intensificação das relações entre empresas, entre Estados no caminho traçado pelo fenômeno da globalização: “A Itália, pela Lei 28/93, procurou adaptar-se à Convenção de Genebra de Arbitragem, de 1961, e à Convenção de Estrasburgo, de 1966. Na França, o Código de Napoleão dispunha sobre a arbitragem, alterado pelo Decreto 354, de 1980. O Nouveau Code de Procédure Civile regulou inteiramente a arbitragem interna e internacional (comércio internacional). A lei francesa contém um dispositivo que lhe confere o caráter jurisdicional, com autoridade de coisa julgada, desde o momento em que a sentença é proferida. O Direito francês autoriza as partes conferirem ao juiz arbitral a prerrogativa de julgar por eqüidade, quando estatuído na cláusula compromissória. A Bélgica, em 1972, regulamentou a arbitragem, no Code Judiciaire Belge e acolheu o princípio universal, consubstanciado na regra de que a nulidade do contrato não se estende à cláusula compromissória. [...] Portugal: A Constituição portuguesa, atualizada, de acordo com a Lei Constitucional 1/97, de 20 de setembro, autoriza a instituição de tribunais arbitrais, cometendo à lei a disciplina sobre os casos e as formas em que estes tribunais se podem constituir. A arbitragem voluntária é regida pela Lei 31, de 29 de agosto de 1986, e a institucional pelo Decreto-lei 425, de 27 de dezembro de 1986. O Direito português admite a arbitragem, nos litígios de consumo. Na Argentina: A Lei Máxima Argentina (Texto de 1853, com as reformas de 1860, 1866, 1898, 1949, 1957 e 1994) garante às entidades realizar convênios coletivos de trabalho, recorrer à conciliação e à arbitragem. A Alemanha não faz distinção entre cláusula compromissória e o compromisso arbitral, segundo o ensinamento de Victor Barbosa Lenza. A arbitragem, a conciliação e a mediação são amplamente utilizadas . A Espanha substituiu, em 1988, o sistema jurídico da arbitragem de direito privado vigente, vez que, embora a Lei de 22 de dezembro de 1953, representasse um grande avanço, não se prestava a resolver, em sua plenitude, conflitos de direito civil, nem de direito comercial e comercial internacional. A Lei 36, de 1988, permite que as pessoas naturais ou jurídicas submetam, a um ou a vários árbitros, os litígios oriundos de direitos de que possam dispor. A Holanda, signatária da Convenção de Nova York, pauta-se por ter um sistema de arbitragem eficiente, fundado na jurisprudência. O Direito holandês faz nítida distinção entre a cláusula compromissória e o compromisso arbitral. A arbitragem, nos Estados Unidos da América, é regulada pelo US ARBITRATION ACT, de 1925, e goza de grande prestígio. Este diploma confere às cláusulas compromissórias caráter de irrevogabilidade, executoriedade e validade, aplicáveis a todo tipo de contrato. A autonomia da cláusula arbitral foi reconhecida pela Corte Maior dos EUA, no caso PRIMA PRINT CO. US. Flood & Conklin MFG.CO, julgado em 1967. Uma das entidades de maior respeitabilidade nos EUA, no campo da arbitragem, é a American Arbitration Association - AAA, com sede em Nova York e ramificações em
jurídicos de ponta para o efetivo cumprimento de sua
função de promover o desenvolvimento econômico e
social, para que este seja um País de oportunidades
e que se coloque em posição equivalente dos
demais países em desenvolvimento. Destarte, se
políticas públicas responsáveis e comprometidas
com o crescimento forem intensamente fomentadas
ainda dar para conjeturar para o País chance de
diminuir a pobreza, o analfabetismo, a falta do pleno
emprego e, principalmente, o bem-estar da
sociedade.
Importante passo na consolidação dessa
evolução ocorreu recentemente com a Emenda
Constitucional nº 45 (Reforma do Judiciário),
exemplo do cumprimento do dever de
aprimoramento pelo Estado. Nessa ocasião o
Congresso Nacional suprimiu da PEC nº 29/2000, o
artigo 11, § 1º, que inviabilizava a arbitragem nas
entidades de direito público,117 naquela que é a atual
EC/45, sendo, portanto, importante passo para não
retroceder na evolução conquistada com o uso
desse instituto pela Administração Pública.
Em se tratando do novo perfil do direito
público anota José Torres Pereira Junior:
Quanto ao seu caráter, arrefece a unilateralidade, assumindo feição dialógica com a qual se compadecem fórmulas de transação e de acordos preliminares à edição do ato administrativo, o que se ilustra com a aceitação da cláusula de arbitragem em contratos administrativos, como vem a admitir a recente lei que instituiu a parceria público-privada entre nós, cláusula essa que sempre se
todo o País e no exterior. In SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Uma nova visão da arbitragem. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 387, 2004. p.10. 117 Art. 11, parágrafo 1: “Ressalvadas as entidades de direito público, os interessados em resolver seus conflitos de interesses poderão valer-se de juízo arbitral, na forma da lei.”
considerou incompatível com direitos indisponíveis, como se supõe ser os do Estado.118
Nesse sentido, é dever do Estado aperfeiçoar a ordem jurídica e, assim,
tem-se que a elaboração de leis que resultem nesse aprimoramento deve ser
festejada. Ao evitar a estagnação e limitação de direitos, está a Administração
Pública de outro modo, ampliando-os.119 Tal conduta valoriza as liberdades
individuais e garantem a proteção da segurança jurídica nas relações, inclusive
e, principalmente, as contratuais.
Assim sendo, esperam com essa opção as partes solucionar seus
conflitos de forma que seus interesses sejam imediatamente alcançados, sem
retardamento. A expressão da vontade das partes na utilização desse
mecanismo legal de solução de controvérsias, por si só confere legitimidade ao
instituto. É a evocação da autonomia da vontade, da liberdade de escolha que
o Estado-Legislador conferiu às partes capazes para utilizar esse instituto
tratando-se de bens e direito disponíveis. 120
De certo modo, é libertar-se dos grilhões do
Judiciário. É notória a morosidade muitas vezes
118 PEREIRA JUNIOR, José Torres. A efetividade dos Princípios do Direito Administrativo no Exercício da Tutela Jurisdicional. Direito Administrativo – Estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 443. 119 “[...] meios alternativos de resolução de conflitos também atinge o setor da Saúde no Brasil. Consumidores do sistema e operadores da medicina não toleram mais a morosidade da máquina judiciária na definição dos conflitos. Mas não é só isso. O reclamo que as instituições de Saúde têm feito acerca das decisões do Judiciário sobre as questões que envolvem o cotidiano do sistema de Saúde e também as questões médicas, abre caminho para a Arbitragem se tornar um instrumento a ser adotado por todo o setor. Várias entidades associativas como a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP) têm demonstrado interesse em discutir e aprofundar o conhecimento sobre a utilização da Arbitragem nos muitos conflitos existentes nas relações de seus associados. A própria Agencia Nacional de Saúde Suplementar (ANS) vem incentivando aos operadores do sistema de Saúde que passem a adotar os meios alternativos de resolução de conflitos, como a Mediação e a Arbitragem [...].”ARBITRAGEM NA SAÚDE. Revista brasileira da arbitragem na web. Ano II. Nº 8. maio/junho 2006. Disponível em: <http//www.projuris.org.br/projuris>. Acesso em 10/12/2006. 120 Sálvio de Figueira Teixeira ressalta que: “Tendo o Brasil assinado o “Protocolo de Genebra”, de 1923, sendo um dos contratantes do “Código de Bustamante” e signatário, igualmente, da “Convenção Interamericana sobre arbitragem comercial internacional” (Panamá, 1975-promulgada, finalmente, no Brasil, para ser executada e cumprida, em 09.05.1996, DOU de 10.05.1996), os nossos códigos unitários de processo civil de 1939 e 1973, adotaram a arbitragem em sua modalidade facultativa de “juízo arbitral”, pelo qual as partes podiam submeter seu litígio a árbitro(s) mediante compromisso, que o instituía, observados determinados requisitos.” TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A arbitragem no
causada pelo acentuado número de demandas que
estagnam os juízes e pela excessiva formalidade
que acompanha a processualística judicial. Contudo,
essa liberdade de escolha não se baseia somente
nesse elemento. Sem dúvida é elemento importante,
mas se percebe que o principal objetivo da opção
pela arbitragem é a capacidade técnica e a
imparcialidade dos árbitros escolhidos pelas partes.
Veja-se, escolher o árbitro, o foro, já traz para as
partes uma carga de segurança de que seus
conflitos serão resolvidos sem a interferência de
instâncias políticas.
Outrossim, a complexidade técnica de muitos
conflitos requer julgadores altamente especializados.
Aliados à rapidez, ao sigilo e à imparcialidade,
fecham um círculo de segurança jurídica na escolha
que conferem efetividade às sentenças arbitrais.
A arbitragem na Administração Pública121
surgiu no âmbito do ordenamento jurídico público
contemporâneo com a promulgação da Lei nº
8.987/1995,122 disciplinada no inciso XV do artigo
23,123 inovação que se coaduna com esse período
de transformações, e que de modo pioneiro,
autorizou a solução de controvérsias nos contratos
sistema jurídico brasileiro. Revista de Arbitragem e Mediação. Coord. Arnold Wald. ano 1, n.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.27/28. 121 Se pode ocorrer transação, negociação, pactos, etc, no âmbito dos contratos administrativos, como forma de composição de interesses entre os parceiros, é razoável que pode também a arbitragem. Segundo Ada Pellegrini Grinover; “A transação, bem como a desistência (renúncia à pretensão) e a submissão (renúncia à resistência oferecida à pretensão) são formas de autocomposição de litígios”. GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 26. 122 Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995: “Artigo 1º. As concessões de serviços e obras públicas e as permissões de serviços públicos reger-se-ão pelos termos do artigo 175 da Constituição Federal por esta Lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispensáveis contratos.” 123 Artigo 23, inciso XV da Lei nº 8.987/1995: “Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: [...] XV - ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais.”
de concessão de serviços públicos, por meios
consensuais.
A referida Lei se coadunou com o processo
evolutivo na concepção e efetivação da
consensualidade nos contratos administrativos. Esse
instituto de vanguarda foi criado justamente para
fortalecer as mudanças pelas quais passava o Poder
Público em busca dos ajustes e do estabelecimento
de meios que valorizassem relações de confiança
entre este e os parceiros privados, além de buscar
soluções para os conflitos que estimulassem a
bilateralidade.
Em outras palavras, instituiu a justaposição
das vontades das partes. Para uma melhor
compreensão, é relevante o entendimento de Marçal
Justen Filho:
O regime jurídico dos contratos administrativos propriamente ditos se caracteriza pela atribuição à Administração Pública de competências peculiares, consistentes no dever-poder de inovar, unilateralmente, as condições originalmente pactuadas. Por tradição, essas competências são denominadas “prerrogativas especiais”, mas isso não deve induzir o aplicador a uma interpretação literal. Não existe num Estado Democrático de Direito, prerrogativas nem privilégios, na acepção medieval dos termos. Trata-se de competências subordinadas ao direito e cuja atribuição deriva da concepção instrumental da função administrativa. É equivocado afirmar que o Estado dispõe do “direito” de inovar a relação jurídica. Não se configura um direito porque, presentes os pressupostos normativos, a inovação será um dever. Existem competências funcionais, em que a faculdade não apresenta cunho de disponibilidade. Será inválida a inovação contratual que não se inserir nos limites da legalidade ou deixar de configurar-se como forma satisfatória e adequada de realizar o interesse público.124
Na Lei de Concessões se consolida, portanto,
a tendência de negociação, ao invés da
unilateralidade das decisões pelo Poder Público
sobre o parceiro privado. No advento dos contratos
de concessão levou-se em conta o momento onde o
Estado se encontrava, qual seja: o de valorização da
chamada administração concertada125, que abrange
a colaboração, a cooperação, a participação do
administrado na gestão das políticas públicas e as
parcerias.
Todas as mudanças pelo qual passou o
Estado acarretaram a evolução do Estado do Bem-
Estar Social para o Estado Regulador,126
Fiscalizador e Fomentador dos serviços públicos
(transferidos do Estado para serem executados pela
iniciativa privada), e determinaram o aparecimento
das agências reguladoras, conforme aponta Andréa
Limani Boisson Motta:
A função reguladora do Estado surge, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como instrumento de estabelecimento pelo legislador de uma nova ordem econômica, em que se verifica a redução da presença estatal do quadro das atividades econômica nacional. Daí decorre a necessidade de encontrar os meios de atribuir plena efetividade ao exercício de tais funções para o fim de alcançar o projeto econômico constitucional.127
Com essa função o instituto da arbitragem se
aperfeiçoou no âmbito da Administração Pública.
No cenário mundial, a celeridade ou a adequação à realidade de constantes transformações, seja econômicas, tecnológicas ou políticas tornam primordial a função judicante dos entes reguladores.
Diante do exposto, destaca-se que a função judicante conferida às agências reguladoras destina-se a garantir maior eficiência na prestação dos serviços regulados e contribuir, especialmente, para a potencialização do desenvolvimento econômico e social nacional.
Assim, as agências reguladoras, por meio de suas funções e características, adquiriram um papel preponderante na atual forma de atuação do Estado na economia, garantindo que os serviços sejam prestados com eficiência, qualidade, cortesia, universalidade, continuidade e modicidade.
Neste tema, importa observar que os instrumentos jurídicos consensuais da mediação, conciliação e arbitragem, utilizados para solucionar conflitos no 124 JUSTEN FILHO, op. cit. 2005. pp. 289-290. 125 MEDAUAR, Odete. Op. cit. p. 209. 126 Para o tema, consultar: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. 127 MOTTA, Andréa Limani Boisson. A responsabilidade civil das agências reguladoras por danos em função de ato normativo regulatório. Boletim de Direito Administrativo. n 7, ano XXII. Julho. São Paulo: NDJ, 2006. p. 764.
âmbito das agências reguladoras, decorrem diretamente da observância do princípio constitucional da eficiência, já mencionado anteriormente.
Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto o dever de eficiência se impõe:
Uma vez entendida a eficiência como a melhor realização possível da prestação de serviços públicos, em termos de plena realização dos administrados com os menores custos para o usuário, ela se apresenta, simultaneamente, tanto como atributo técnico da gestão de interesses, como uma exigência ética a ser respeitada.128
No direito comparado tem-se a lição de Roberto Dromi:
El principio de la eficacia, en nuestro ordenamiento, alcanza un significado muy importante. Hoy constituye también un imperativo constitucional, que ha dado que tipifiquemos a la Constitución de eficientista, en el sentido de que en ella se encuentran las virtudes para un gobierno y un control eficientes.129
Com efeito, em conjunto com a cogente observância do princípio da eficiência pela Administração Pública, o uso da arbitragem se perfaz como diretriz a ser implementada pelo Poder Público para cumprir com o dever de fomento do desenvolvimento diante de mercados e economia globalizada.
É, destarte, razão pela qual que todo e qualquer ato do Poder Público que viabilize os investimentos, a manutenção e o crescimento dos serviços públicos e do mercado como um todo, concretiza o chamado bom gerenciamento, atitude que modernamente se comete imprescindível para a Administração Pública.
Respaldar a máxima efetividade dos serviços públicos regulados é levar em consideração que o interesse público não se negocia e o atendimento das necessidades, sobretudo, as básicas da população, mormente, de serviços saúde, saneamento básico, energia, educação, segurança pública, transportes requerem uma Administração responsável e atenta aos instrumentos jurídicos modernos e céleres de fomento do desenvolvimento.
Na mesma concepção, resguardar o mercado e os serviços públicos com ações ou atos estatais que garanta o desenvolvimento econômico e social consagra os direitos humanos, nomeadamente, princípio da dignidade da pessoa humana abalizada pela Constituição Federal.
De mais a mais a interação entre todos que compõem o segmento regulado demandam em troca de conhecimentos técnicos, formulação bilateral de alternativas e compartilhamento de dados o que favorece a consensualidade e enfraquece o autoritarismo. É, sem dúvida, dar ênfase a uma Administração Consensual que traz, a médio e em longo prazo, desenvolvimento para os setores regulados como para o mercado como um todo. Sem esquecer, todavia, que o exercício da função judicante e da função sancionatória se opera por meio de processo administrativo, com a devida motivação, ampla defesa e imparcialidade e igualdade.
128 MOREIRA NETO. Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 12 ed. rev. ampl. atual.. Rio de Janeiro: Forense, 2002.p.418. 129 DROMI. Roberto. Licitación pública. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1995. p.489.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto percebe que a liberdade de buscar a justiça nas soluções consensuais apresenta inúmeras vantagens sobre os tradicionais provimentos exclusivamente imperativos:
Efetivamente, numa sociedade contemporânea, que exalta os
valores liberais e democráticos, a jurisdição é e deve continuar a ser
monopólio indisputável do Estado, uma vez que é absolutamente necessário
que exista esse terceiro, parte neutra e dotada do atributo da coercitividade,
para dar a última palavra em todas em todas as controvérsias litigiosas;
ocorre apenas que essa prerrogativa não envolve, não elimina nem prejudica
a busca da justiça, enquanto anseio e atividade humana que não é monopólio
de ninguém, nem mesmo de organizações políticas.130
Como também é o pensamento de Dinorá Adelaide Musseti Grotti:
Diante da mudança das relações na sociedade, os meios
alternativos de solução de litígios têm se difundido, estimulando-se o
uso de mediação, da conciliação e da arbitragem, que se inserem
num contexto mais amplo de realização da justiça. Enquanto na
arbitragem a solução do litígio é imposta às partes, na conciliação ela
é apenas proposta e, na mediação, incumbe ao mediador levar as
partes à conciliação em virtude das vantagens por ele destacadas,
sem imposição. Os três modos consensuais de solução de
controvérsias não se excluem, mas, ao contrário, se completam e
podem ser adotados em seqüência.131
No processo de arbitragem regulatória132 a tônica necessita ser sempre
buscar solução célere e com equilíbrio entre os envolvidos, verifica-se, pois,
que necessariamente a conciliação e a mediação devem anteceder o processo
de arbitragem. Com isso, se caracteriza a verdadeira intenção do Regulador
qual seja: resolver conflitos com menor custo e maiores benefícios. Nesse
130 MOREIRA NETO. Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. 3 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 274. 131 GROTTI. Dinorá Adelaide Mussetti. As agências reguladoras. In Revista Brasileira de Direito Público. ano 1, n. 1, abr./jun. Belo Horizonte: Editora Forum, 2003. p.212. 132 Na ANEEL competem, no âmbito da legislação que a criou, quatro macrofunções: regular, fiscalizar, dirimir conflitos e, por delegação da União, conceder o serviço público de energia elétrica.Neste quesito - o das competências - importa, agora, aquela que trata da solução dos conflitos. Instituiu a Lei nº 9.427/96, que criou a ANEEL, no Parágrafo 1º do artigo 4º, a função de Ouvidoria dada a um dos seus Diretores, que tem, na função de Diretor-Ouvidor, a atribuição de zelar pela qualidade dos serviços públicos de energia elétrica. A Ouvidoria recebe, processa e dá solução para os pleitos dos agentes do setor e de seus consumidores, mediando os conflitos, para proporcionar alternativas de superação e solução de suas
caso, o Estado está promovendo menor intervenção para aquele caso concreto
e para o mercado. Consoante a crise instaurada, é imperioso analisar a
motivação de cada parte na formação do conflito, com vistas a subsidiar a
decisão a ser proferida. A análise das argumentações trazidas pelas partes
abastece o parecer acerca dos custos e benefícios da decisão a ser tomada.
Muitas vezes a decisão acarreta não somente prejuízos para o presente mais
também para o futuro que deve ser preservado, numa chamada decisão
prospectiva.
Assim sendo, embora haja um terceiro que irá
estabelecer a solução na arbitragem, isso se dará
quando não houver qualquer possibilidade de
composição entre as partes.
O que se espera é que para o fiel exercício
dessa função, as agências reguladoras, no processo
judicante, atuem de forma transparente, imparcial e
justa para garantir benefícios aos interesses
daqueles que fazem parte do universo regulado, de
forma que sejam esses benefícios
democraticamente distribuídos.
1.7. Principiologia atinente à função judicante da
Administração Pública
Em se tratando do questionamento acerca do princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CRFB/1988), destaca-se essa como uma das principais controvérsias dentro do âmbito da aplicação do Juízo Arbitral nos contratos administrativos. Entretanto, atualmente, predomina na doutrina e na jurisprudência que a solução de conflitos pela Administração por meio do Juízo Arbitral, não afasta do Poder Judiciário estabelece, tão-somente, modo alternativo à Jurisdição Estatal. Para tanto, vale o ensinamento de Adilson Abreu Dallari:
A adoção da arbitragem como forma amigável de solução de divergências na execução de contratos administrativos não se choca com a regra, constitucionalmente estabelecida, no sentido de que nenhuma lesão de direito pode ser subtraída ao exame do Poder Judiciário.[...]. Nem a Constituição atual, nem as que antecederam, contêm essa proibição. Ao juízo arbitral podem recorrer as partes, se o preferirem à jurisdição estatal, para solução de suas controvérsias.
controvérsias, de forma mais rápida e harmoniosa. BRASIL. Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. Disponível em: <http://www.aneel.gov.br>. Acesso em 02/06/2006.
O que as Constituições não admitem, nem toleram, é que os indivíduos e pessoas, ainda que queiram, não possam recorrer ao Poder Judiciário, porque a lei tenha fechado esse caminho.133
Assegurar que a faculdade de utilização do instituto da arbitragem usurpa o monopólio da jurisdição do Estado, é impreciso, haja vista, ser a função judicante poder tão-somente “para-judicial”. Em síntese, pode-se afirmar que esse meio alternativo de solução extrajudicial de controvérsias onde as partes convencionam acerca de direitos patrimoniais disponíveis em preferência ao modelo tradicional do Poder Judiciário é importante e legitima alternativa de obtenção do direito à justiça.
Nesse sentido, em defesa da não afastabilidade do Judiciário pelo processo arbitral na Administração Pública assevera Carlos Ari Sundefeld:
É-nos difícil compreender – e aceitar – que o Judiciário não seja o único foro para mediação e solução de conflitos decorrentes da vida moderna e das normas editadas para transformar em valores jurídicos os novos valores que foram sendo incorporados pela sociedade. Mesmo assim resistimos à idéia de que outros órgãos ou entes possam ter um papel que de algum modo corresponda, ou se assemelhe, no novo tempo, àquilo que o Judiciário fez no passado em caráter de exclusividade.134
Portanto, se impõe o entendimento de que não se trata de exclusão do Judiciário e, sim, opção pela tecnicidade135 e especialização na solução de conflitos em setores de alta complexidade. Além do que, é manifesto que o Poder Judiciário com a sua estrutura e forma de criação não está aparelhado para dar soluções com a celeridade necessária em questões impregnadas de critérios técnicos e específicos, como são os conflitos que surgem atualmente no âmbito dos setores regulados e dos contratos administrativos. Trata-se de alternativa que se assenta com regras de direito privado e, especialmente, com regras de mercado interno e externo. Configura evolução que torna atrativos contratos administrativos que, via de regra, demandam investimentos vultosos e dotados de incertezas quanto sua execução.136
Floriano Azevedo Marques Neto, discorrendo acerca da previsão da arbitragem nos contratos administrativos sujeitos à regulação, assegura que esse mecanismo jurídico privilegia todos os envolvidos:
133 DALLARI, Adilson Abreu. Arbitragem na concessão de serviço público. São Paulo: Boletim de Direito Municipal – BDM, n 11. 2001. p.798. 134 SUNDFELD, Carlos Ari. O Direito Processual e o Direito Administrativo. Direito processual público. Coords. Carlos Ari Sundfeld e Cássio Scarpinella Bueno. São Paulo: Malheiros, 2000.p.32. 135 Exemplo recente da falta de especialidade do Poder Judiciário para solucionar litígios que envolvam complexidades técnicas nos mercados regulados está na decisão efetuada no âmbito do processo onde foi decidido que aeronaves fokker 100 e boings 747 não poderiam mais efetuar pouso e decolagem no aeroporto de congonhas, em São Paulo, baseado em argumentos facilmente derrubados pelos técnicos da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC. É a falta de especialidade técnica que singularmente pode ser resolvida em negociação pela agência e as empresas aéreas de forma célere e sem prejuízos para as empresas aéreas, para o mercado e, sobretudo, para os consumidores. 136 Tratando da previsão da arbitragem ns contratos de PPP’s, Maria Sylvia faz a seguinte ressalva: “Quanto ao emprego da arbitragem, a norma provocará controvérsias, tendo em vista que a Lei n 9.307, de 23-9-1996, que disciplina, expressamente afasta essa possibilidade com relação aos interesses indisponíveis. O certo seria que a Lei n 11.079 delimitasse as hipóteses em que a arbitragem pode ser utilizada, restringindo a discricionariedade do poder concedente na elaboração do edital.” DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 190.
Ao mediar a arbitrar os diversos interesses enredados na atividade regulatória as agências exercitam uma atividade que poderia ser conotada como própria ao Poder Judiciário. Na feliz formulação de Bilac Pinto, atividades semijurisdicionais. Bem verdade que não afastam as funções do Judiciário (uma vez que resta incólume o recurso à tutela jurisdicional aos interessados), porém exercem, no âmbito do subsistema regulado, uma função de elevada especialização e complexidade técnicas, o que as transforma em lócus privilegiado pelos grupos de interesse para dirimição de seus conflitos.137
Assim, verifica-se que a arbitragem tanto nos
setores sujeitos à regulação como na Administração
Pública, por meio da função judicante e nos
contratos administrativos faz parte da evolução
ocorrida no Estado e na Administração em busca de
valorização do administrados e dos parceiros que
com àquela colabora e contrata, numa verdadeira
conjugação de esforços em prol dos interesses da
coletividade, do desenvolvimento econômico
nacional e da qualidade de vida dos cidadãos
administrados.
Importante é o ensinamento de Diogo de Figueiredo Moreira Neto que
entende, de forma inequívoca, ser o consenso instrumento privilegiado da
convivência social:
Ocorre, portanto, em todas as atividades de expressão social, uma revalorização da consensualidade, como uma frutífera alternativa neste final de século ao exercício absoluto e universal da coação estatal. As novas soluções consensuais que vão surgindo na crista dessa nova onda de socialização têm apresentado inúmeras vantagens sobre os tradicionais provimentos exclusivamente imperativos.138
137MARQUES NETO. Floriano Azevedo. A Nova Regulação Estatal e as Agências Independentes. In Carlos Ari Sundfeld (Cood). Direito administrativo econômico. 1ed., 2 tir. São Paulo: Malheiros, 2002. pp. 92-93. 138 MOREIRA NETO. Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.223.
É, assim, tal alternativa, observância ao princípio da subsidiariedade, onde somente se levará ao Judiciário conflitos que especialistas, técnicos dos setores privados ou as próprias forças do mercado não consigam solucionar.139
Além do que, mesmo quando convencionado
pelas partes que solucionarão seus conflitos por
meio do instituto da arbitragem, isso não quer dizer
que renunciarão ao direito de ação, pois caso ocorra
no curso do procedimento arbitral qualquer
inobservância das leis orientadoras daquela relação
em conflito, pode-se quaisquer das partes se
valerem do Judiciário para verem erigir seu direito.
O princípio da indisponibilidade do interesse público é outra polêmica acerca do uso da arbitragem como meio de solução de conflitos, quando se trata da Administração Pública e está relacionada à supremacia do interesse público na sua arcaica interpretação e que na atualidade não mais é cabível, tendo em vista a supremacia dos direitos fundamentais, conforme o ensinamento de Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
A supremacia não seria do Estado, uma vez que a prelazia de um instrumento jamais poderia sacrificar a substância de um direito fundamental. Tampouco seria supremacia, por definição, do interesse público, tomada abstrata e genericamente, sobre quaisquer outros, pois os direitos fundamentais, por serem conaturais ao homem e às suas intangíveis personalidade e dignidade, precedem a quaisquer outros, só admitindo aplicação poderada, ou seja, a que maximize o atendimento de todos os princípios em conflito.140
Na ponderação de Alexandre Freitas Câmara, todavia, tema que diga respeito a interesses públicos não se submetem à arbitragem:
Não me parece possível, data venia dos ilustres defensores de posições contrárias, a utilização de arbitragem para solucionar controvérsias de direito público interno. Isto porque os interesses aí em conflito não são disponíveis, o que exige a intervenção do Estado-juiz, afastando a incidência do disposto no já citado art. 1º da Lei de Arbitragem.141
Na mesma linha Lúcia Valle Figueiredo, não concebe a arbitragem no que tange interesses públicos e esclarece a razão:
Por força do dispositivo do inciso XV do art. 23 da Lei n.º 8.987/1995, que dispõe ser necessário constar do contrato o foro e o modo amigável de solução das divergências contratuais, cogitou-se da possibilidade de se utilizar o juízo arbitral. Ocorre
139 In SOUTO. Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 63. 140 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O futuro das cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos. Direito Administrativo Brasil – Argentina, Estudos em homenagem a Aguntín Gordillo. Coord. Farlei Martins Riccio de Oliveira. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 94. 141 CÂMARA. Alexandre Freitas. Arbitragem nos conflitos envolvendo agências Reguladoras. In Revista da Associação dos Novos Procuradores do Estado do Rio de janeiro. Vol. XI. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p.145.
que, consoante pensamos, o juízo arbitral, nos termos da Lei nº 9.307, de 23.9.1996, estaria, com a vênia devida daqueles que pensam em contrário, absolutamente descartado. A uma, porque destina-se aos direitos disponíveis, portanto não poderia servir para dirimir questões em que está envolvido o interesse público. Demais disso, nos termos do art. 18 da mencionada Lei nº 9.307/1996, ‘o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário’, o que implicaria impossibilidade de haver recurso ao Judiciário, em franco desrespeito às regras constitucionais dos direitos e garantias individuais. (art. 5º, incisos XXXV, LXIX, LXX
e LXXIII).142
No entanto, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em singular entendimento sobre a indisponibilidade do interesse público dispõe:
Ora, distintamente, do que se possa aceitar sem maiores indagações, em todas as modalidades preventivas e de composição de conflitos em que se envolva a Administração Pública, no âmbito do Direito Administrativo, jamais se cogita de negociar o interesse público, mas de negociar os modos de atingi-lo com maior eficiência. [...] Por outro lado, nem sempre o interesse público deverá preponderar de modo absoluto numa relação, pois outros interesses constitucionalmente protegidos poderão nela concorrer, o que exige soluções ponderadas. 143
No mesmo sentido, Adilson Abreu Dallari:
[...] em primeiro lugar, cabe ressaltar que ao optar pela
arbitragem o contratante público não está transigindo com interesse
público nem abrindo mão de instrumentos de defesa de interesses
públicos. Está, sim, escolhendo uma forma mais expedita ou um
meio mais hábil para a defesa do interesse público. Assim, como o
juiz, no procedimento judicial, deve ser imparcial, também o árbitro
deve decidir com imparcialidade. O interesse público está na correta
aplicação da lei e se confunde com o mero interesse da
Administração ou da Fazenda Pública; o interesse público está na
correta aplicação da lei e se confunde com a realização concreta da
justiça. Inúmeras vezes, para defender o interesse público, é preciso
decidir contra a Administração Pública. Em segundo lugar, a lei
instituidora ou disciplinadora da arbitragem nos contratos
administrativos não está vedando o acesso ao Poder Judiciário, mas,
sim, apenas proporcionando uma alternativa, que pode ser utilizada
142FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.106. 143MOREIRA NETO. Diogo de Figueiredo. Novos institutos consensuais da ação administrativa. Revista de Direito Administrativo: Jan/Mar. 2003. p.154.
com maior ou menor intensidade, para certas espécies de conflitos
(por exemplo, questões técnicas ou econômicas).144
Marçal Justen Filho, quanto ao interesse público assim se posiciona: [...] Ou seja, um interesse deixa de ser privado quando sua satisfação não possa ser objeto de alguma transigência. Recolocando o problema em outros termos, um interesse é público por ser indisponível, e não o inverso. Por isso, é incorreto afirmar que algum interesse, por ser público, é indisponível. Esse modo de enfrentar o problema é incorreto, já que o interesse somente é qualificado como público por ser indisponível. Portanto, a indisponibilidade não é conseqüência da natureza pública do interesse – é justamente o contrário. O interesse é reconhecido como público porque é indisponível, porque não pode ser colocado em risco, porque sua natureza exige que seja realizado. [...] Não se admite subordinar as necessidades indisponíveis à disciplina jurídica própria dos interesses disponíveis. A ausência de satisfação daquelas necessidades configura infração a valores fundamentais consagrados pelo ordenamento jurídico.145
Soma-se, ainda, a questão, o principio da
eficiência, orientação a ser seguida pela
Administração Pública e entendido como: “a
realização eficiente é, em si mesma, uma exigência
ética, no conceito da ética weberiana de resultados,
e a boa administração é, simultaneamente, um dever
ético e jurídico.”146 É nesse contexto que se
posiciona Alexandre Santos de Aragão:
Não pode, porém, o principio da eficiência se prestar para o desprezo da lei pura e simplesmente em virtude do juízo da Administração de que há medidas ilegais mais eficientes a serem tomadas. Por outro lado, a lei deve ser objeto de uma ponderação interpretativa que lhe dê o conteúdo mais eficiente possível. Nas palavras de Leguina Villa “nunca poderá justificar-se a atuação administrativa contrária ao direito, por mais que possa ser aplaudida em termos de eficiência”.147
A eficiência é, de tal modo, fundamentação e
dever para a atuação administrativa, seja para ser
ao mesmo tempo diligente ou para majorar
144 DALLARI, op. cit. pp.798-799. 145 E, continua sua disciplina enfatizando que o interesse público não deve ser usado como empecilho a solução de conflitos: “Como visto, existem interesses coletivos múltiplos, distintos, contrapostos – todos eles merecendo tutela por parte do direito. Bem por isso, o critério da “supremacia do interesse público” apresenta utilidade reduzida, uma vez que não há um interesse único a ser reputado como supremo. O critério da supremacia do interesse público não permite resolver de modo satisfatório os conflitos, nem fornece um fundamento consistente para as decisões administrativas” JUSTEN FILHO, op. cit. 2005. pp. 43-44. 146 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Apontamentos sobre a reforma Administrativa: Emenda constitucional n.19, de 4 de junho de 1998. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p.118. 147 ARAGÃO, op.cit. p.101.
potencialidades do Estado e das políticas
governamentais, ou também para o bem-estar do
administrado com a conseqüente garantia de sua
dignidade. E a consensualidade é nessa conjectura
meio proeminente de alcance da harmonia e
igualdade nas relações jurídicas que envolvem entes
públicos e privados.
1.8. Órgãos e entidades públicas no exercício da
função administrativa judicante
Partindo-se da premissa que o exercício da
função judicante (prerrogativa de solucionar
conflitos) da Administração Pública148 foi-lhe
atribuído em conseqüência à complexidade e
alargamento de suas finalidades, controle de
legalidade dos atos administrativos e, sobretudo,
para garantir segurança jurídica e efetividade do
direito à justiça aos administrados – imposição do
Estado Democrático –, e aos parceiros privados que
com ela contrata, tem-se que tal função decorre da
moderna concepção de uma atuação administrativa
que prima pela busca da realização, aplicabilidade e
legitimidade de seus dos objetivos, fixados em lei.
Como defende Alexandre Santos de Aragão: [...] a
Administração pratica, separada ou conjuntamente,
uma série de atos de natureza díspar: expede atos
normativos, emite meras recomendações, aplica
148 Diferentemente do que aconteceu na Itália, França e Alemanha, a sistematização do direito administrativo no Brasil não se vinculou à instituição de justiça administrativa independente. O conselho de Estado, criado pela Constituição de 1824, extinto pelo Ato Adicional de 1834, restituído por lei por de 23 de novembro de 1841 e abolido tacitamente pelo Decreto 1,de 15.11.1889, configurou órgão de assessoramento do Imperador para assuntos graves e medidas gerais; embora o art. 7º, item 4º, da Lei 234, de 23.11.1841, tenha lhe atribuído a manifestação, por consulta do Imperador, sobre conflitos de jurisdição entre as autoridades administrativas e entre estas e as judiciárias, o Conselho de Estado não firmou tradição de atuação jurisdicional, mesmo contida. O Visconde de Uruguay teceu muitas críticas ao seu funcionamento, especialmente nas questões administrativas, em virtude da demora na atuação,
sanções, compõe conflitos entre entes privados,
celebra acordos.”149 É, de tal forma direcionar seus
diversos atos no sentido de melhor realizar a gestão
dos interesses da coletividade.
No Brasil, como conhecido, não existe
estrutura orgânica jurídica montada para o processo
contencioso administrativo para solucionar conflitos
no âmbito da Administração Pública (como ocorre no
direito francês, com o Tribunal Administrativo, na
Alemanha e na Bélgica).150
A Lei nº 9.784, de 21 de janeiro de 1999,
regula o processo contencioso administrativo na
Administração Pública Federal e não impede que os
conflitos de interesse envolvendo a Administração
acarretada pela ausência constante do Imperador, que o presidia. In MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2. ed. Rev. atual. e ampl. São Paulo: revista dos Tribunais, 2003.p.60. 149 ARAGÃO, op. cit. p. 98. 150 “Uma longa tradição histórica explica que, na França, os litígios contra os órgãos administrativos são da alçada de jurisdições específicas, as jurisdições administrativas, das quais o Conselho de Estado é a corte suprema. As origens remontam ao Antigo Regime, quando o rei evoca em seu Conselho o julgamento das questões de interesse do Estado. A partir do século XIII, conselheiros de Estado e jurisconsultos têm assento nesse Conselho, que dá pareceres soberanos em matéria tanto de justiça quanto de governo. A Revolução opta definitivamente pela dualidade das ordens de jurisdição, afirmando, através da lei de 16 e 24 de agosto de 1790, que "as funções judiciárias são distintas e permanecerão sempre separadas das funções administrativas. Os juízes não poderão, sob pena de serem acusados de alta traição, perturbar de qualquer maneira que seja as operações dos corpos administrativos, nem citar perante estes os administradores em razão de suas funções". Com o Consulado, instala-se o Conselho de Estado, encarregado, segundo o artigo 52 da Constituição de 22 frimário ano VIII (13 de dezembro de 1799), de "redigir os projetos de lei e de regulamentação da administração pública e de resolver as dificuldades que se elevam em matéria administrativa". A lei de 28 pluvioso ano VIII (17 de fevereiro de 1800) cria, alguns meses mais tarde, os conselhos administrativos. É quando se instala a jurisdição administrativa.Em todas as sucessivas constituições, o Conselho de Estado é mantido, com sua dupla função de conselheiro governamental e de juiz supremo da administração pública. Os conselhos de préfecture, que passaram a ser interdepartamentais em 1926, são substituídos em 1953 pelos tribunais administrativos, que exercem desde então o papel de juízes de direito comum do contencioso administrativo. Com a lei de 31 de dezembro de 1987, são criados os tribunais de recursos, escalão intermediário entre os tribunais administrativos e o Conselho de Estado.A jurisdição administrativa forma, agora, uma ordem de jurisdição organizada em três níveis. Ela compreende também cerca de quarenta jurisdições especializadas, todas sujeitas ao poder de cassação do Conselho de Estado e exercem suas atribuições em diversas áreas referentes, principalmente, aos refugiados (comissão de recursos dos refugiados), à disciplina (Conselho Superior de Magistratura, que estatui em matéria disciplinar, ordens profissionais dos médicos, cirurgiões-dentistas e farmacêuticos), à ação social (comissão central de ajuda social). Dentro desse conjunto, as jurisdições financeiras, com o Tribunal de Contas, o Tribunal de Disciplina Orçamentária, as câmaras regionais e territoriais de contas ocupam um lugar à parte.” STIRN, Bernard. A jurisdição administrativa. Disponível em <http://www.france.org.br>. Acesso em 12.01.2007.
Pública sejam submetidos ao Poder Judiciário, em
face da regra do monopólio do art. 5º, XXXV, da
Carta Magna,151 o que não acontece com o sistema
contencioso usado em outros países de jurisdição
dupla.152
Egon Bockmann Moreira, discorrendo acerca da importância da função
administrativa judicante no âmbito do processo contencioso administrativo
assegura: “[…] Se o particular vir seus direitos efetivamente protegidos na
chamada “esfera administrativa”, independentemente do resultado concreto da
atividade, sentir-se-á menos incitado a recorrer aventurosamente ao órgão
jurisdicional.”
E, em continuação a sua observação no sentido de que a função
judicante da Administração é meio de aprimoramento da função jurisdicional
pondera:
[…] Além disso, da escorreita e bem fundamentada decisão administrativa advirão redução e simplificação de lides que envolvam a Administração Pública […] Em suma, o perfeito processo administrativo resultará abreviação e facilitação da atividade do poder Judiciário. Não se vislumbra nisso eventual defesa de restrições ao princípio da inafastabilidade, pois os planos não se confundem. É intangível o direito de ação, porque direito subjetivo público abstrato. Porém, a segurança, correição e legitimamente de decisões da Administração Pública certamente facilitarão o exercício da função jurisdicional.153
Assim sendo, se percebe que o escopo de se
instituir órgãos ou prever em contratos
administrativos a faculdade judicante é ser meio pelo
qual a Administração Pública contribui para
aperfeiçoar e efetivar os deveres atribuídos ao
exercício das funções dos Poderes Públicos e,
151 Após a tentativa de previsão de contencioso administrativo pela Emenda nº 1, de 1969, outra somente ocorreu com a Emenda à Constituição nº 11/1984. 152 Em Portugal a Lei nº 49, de 04 de setembro de 1996, criou o Tribunal Central Administrativo e autorizou o Governo a criar e definir a organização e a competência de novo tribunal superior da jurisdição administrativa e fiscal designado Tribunal Central Administrativo e a alterar o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. 153 MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. Princípios constitucionais e a Lei 9.784/1999. 2. ed. atual. rev. aum. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 20.
mormente, para o aprimoramento do ordenamento
jurídico brasileiro.
Órgãos dotados de função judicante e
denominados de tribunais, embora não integrem a
estrutura do Poder Judiciário, são órgãos vinculados
a uma determinada estrutura organizacional e
exercem além de outras funções o papel de
solucionar conflitos. Dentre esses tem-se o Tribunal
de Contas, Tribunal Marítimo, Tribunal Desportivo.
Hely Lopes Meireles em inequívoco
entendimento quanto à natureza judicante dos
Tribunais soluciona a questão assegurando:
Os Tribunais Administrativos são órgãos do Poder Executivo, com competência jurisdicional específica para assuntos indicados na lei, a serem decididos nos recursos próprios. Não integram o Poder Judiciário, nem proferem decisões conclusivas para a justiça comum (Const. Rep., art. 5º, XXXV). [...] Esses Tribunais são, pois, órgãos auxiliares dos respectivos Ministérios, ao lado dos quais exercem funções jurisdicionais administrativas parajudiciais ou quase-judiciais, destinadas à solução de questões internas da administração ou de pendências suscitadas pelos administradores.154
A função judicante administrativa atribuída a
tais tribunais, ou seja, de julgar e solucionar conflitos
entre as partes aos quais se dirige sua competência
são de natureza quase-jurisdicional. Em outros
termos, tribunais administrativos solucionam conflitos
embora sem a aptidão da função jurisdicional na
forma atribuída ao Poder Judiciário.
O Tribunal de Contas da União tem natureza jurisdicional administrativa
e é órgão vinculado ao Poder Legislativo (art. 71, da CRFB/1988).155 Possui
funções judicantes, fiscalizadoras (contábil, financeira e orçamentária),
154 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 14 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p.661. 155 Art. 75, da Constituição Federal, de 1988: “As normas estabelecidas nesta seção, aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.”
consultivas, informativas, sancionadoras, corretivas, normativas e de
ouvidoria.156
O Tribunal de Contas da União (TCU) é órgão administrativo
independente com atribuições de fiscalização da execução orçamentária. Julga
as contas de administradores públicos e demais responsáveis por recursos de
origem pública, bens e valores públicos federais, interesses públicos, bem
como as contas de qualquer pessoa física ou jurídica que resulte prejuízo ao
erário.
No exercício de suas funções observa o princípio da separação do
poderes e não exorbita deste quando exerce função judicante, pratica tal
função tendo em vista a legitimidade que lhe é conferida pela Carta Magna.157
O Tribunal Marítimo, criado pela Lei nº 2.180, de 05 de fevereiro de
1954, é órgão jurisdicional autônomo, vinculado ao Comando da Marinha do
Ministério da Defesa, com jurisdição em todo território nacional sobre
embarcações nacionais e estrangeira, mercante de qualquer nacionalidade (em
águas brasileiras) e nos casos de abalroação com embarcação brasileira
conforme normas de Direito Internacional.
Possui como atribuições julgar e aplicar sanções nos acidente e fatos da
navegação independente do Poder Judiciário. Suas decisões servem como
prova pericial e carregam a presunção de certeza, embora possam ser
afastadas ou reexaminadas pelo Judiciário.
A despeito da polêmica acerca da função jurisdicional dos tribunais
administrativos o que se percebe é que em muitos casos essas decisões são
efetivamente jurisdicionais, na medida em que suas decisões servem, inclusive,
de condição para a admissão do direito de ação, como é o caso da justiça
desportiva (parágrafo 1º, do art. 217 da CRFB/1988) em exceção ao princípio
156 Para José Cretella Junior o tribunal de contas não tem função jurisdicional: “Antes de tudo, fique bem claro que o Tribunal de Contas não tem a menor parcela de função judicante. Não exerce nenhuma fração, por menor que seja, de atividade jurisdicional.” CRETELLA, José Cretella. Direito Administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 195. 157 Art. 175, II, da CRFB/1988.
da jurisdição una.158 Como ainda é o caso do Tribunal de Contas que fazem
coisa julgada administrativa (não podendo o Poder Judiciário reformá-la, salvo
ilegalidade).
Em se tratando do Tribunal Marítimo pode-se, inclusive, dizer também
que ocorre exceção ao princípio da jurisdição uma, vez que os prazos judiciais
prescricionais ficam suspensos até decisão definitiva do Tribunal (art. 18).159
Do ensinamento de Egon Bockmann Moreira
se extrai em definitivo que, embora não possua a
Administração Pública a efetiva função jurisdicional,
importa que no exercício da função judicante a
Administração Pública, suas entidades e seus
órgãos vão: “[...] em encontro da almejada
funcionalidade do ordenamento jurídico.” E, continua
o autor referindo-se ao processo administrativo:
[...] Com isso aproxima-se-á também o processo administrativo da necessária efetividade na prestação de justiça (em sentido lato). Pretende-se uma Administração Pública que, obediente aos princípios de um Estado Democrático de Direito, conduza em favor do interesse público com eficácia e efetividade.160
A função jurisdicional Estatal tem por finalidade a realização dos
objetivos do Estado Democrático de Direito e, portanto, da realização dos
direitos sociais, e, sobretudo, do direito à justiça. Para Antonio Carlos Cintra do
Amaral, Ada Pellegrini Grinover e Candido Rangel Dinamarco:
A afirmação de que através da jurisdição o Estado procura a realização do direito material (escopo jurídico do processo), sendo muito pobre em si mesma, há de coordenar-se com a idéia superior de que os objetivos buscados são, antes de mais nada, objetivos sociais: trata-se de garantir que o direito objetivo material seja cumprido, o ordenamento jurídico preservado em sua autoridade e a paz e ordem na sociedade favorecidas pela imposição da vontade do Estado. O mais elevado interesse que se satisfaz através do exercício da jurisdição é, pois, o interesse da própria sociedade (ou seja, do Estado enquanto comunidade)161
158 Parágrafo 1º, do art. 217, da Constituição Federal, de 1988: “O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competências desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportivas, reguladas em lei.” 159 Lei nº 2.180, de 05.02.1954. 160 MOREIRA, Egon Bockmann. Op. cit. p. 63. 161 ARAÚJO, Antonio Carlos Cintra de. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Processo, 13 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 1997. p.131
Diante disso, para o ordenamento jurídico pátrio a função judicante da
Administração Pública se presta a diferentes papeis, qual seja, o de contribuir
com os objetivos do estado Democrático de Direito, com a efetivação do direito
à justiça e com a eficiente realização do bem-estar da sociedade.
Outro importante Tribunal judicante é o Conselho Administrativo de
Defesa Econômica – CADE, criado pela Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994,
162 órgão técnico, com funções administrativo judicante repressivo e preventivo
às infrações contra a ordem econômica (conforme o ditame do parágrafo 4º,
art. 173 da CRFB/1988). Têm como direção os princípios constitucionais da
liberdade de iniciativa, da livre concorrência, da função social da propriedade,
defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.163
O ordenamento jurídico brasileiro desde a Constituição de 1946, busca o
equilíbrio do mercado - bem coletivo protegido no art. 219 da CRFB -, e a
proteção à concorrência, haja vista, as condutas anticoncorrenciais
acarretarem danos à economia, inviabilizando a livre concorrência e gerando
prejuízos ao desenvolvimento sócio-econômico. Daí considera-se o CADE
tribunal judicante tendo em vista sua finalidade.
A Constituição Federal, no Título VII, cuida da Ordem Econômica que
tem como objetivo o desenvolvimento de uma ordem sócio-econômica justa,
valorizando o trabalho e a livre concorrência (art. 170). Destaca-se ainda do
texto constitucional a repressão aos atos abusivos do poder econômico que
desejam eliminação da concorrência, dominação dos mercados e o aumento
arbitrário dos lucros. Desta forma, por meio de processo administrativo, o
CADE desempenha relevante papel de julgar cada caso de concentração ou
atos que tendem a coibir a livre concorrência e que de alguma forma limite ou
prejudique a livre concorrência ou visem o abuso do poder econômico.
162 Esta lei dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico. Disponível em Disponível em: <https://www.planalto.gov.br.>. Acesso em: 18/01/2007. 163 Art. 170, da CRFB/1988.
É, destarte, o CADE outro exemplo do exercício da função jurisdicional
fora da estrutura do Poder Judiciário. Suas decisões devem se acatadas de
imediato pelo mercado e pelas partes. São decisões dotadas de
imparcialidade, credibilidade e rigor técnico.
Nota-se que a lei ao conferir função judicante aos tribunais
administrativos o fez com o mesmo propósito da função jurisdicional conferida
ao Poder Judiciário, mesmo que fora da estrutura daquele. Ou seja, a
necessidade de se criar órgãos com função judicante não tem a finalidade de
usurpar a função exclusiva jurisdicional do Poder Judiciário, vai além dessa
intenção, é tão-somente dotar a Administração Pública de órgãos autônomos,
ou seja, desvinculados de decisões políticas e, portanto, dotadas de
especialidade técnica em decorrência da complexidade específica de cada
matéria que se encontra atrelada os Tribunais.
Em suma, tem-se que a função judicante da Administração Pública no
cenário atual de valorização da consensualidade é uma necessidade e um
dever para de tal forma alcançar os ditames do Estado Democrático de Direito.
1. 9. Conclusões parciais
A Administração Pública progrediu para uma gestão voltada para a
consensualidade e paridade, tendo em vista as intensificações de relações
travadas com os particulares e na crescente valorização dos administrados no
atual cenário de Estado Democrático de Direito.
A função judicante da Administração Pública quando se realiza, seja por
meios dos mecanismos alternativos de solução de conflitos, mediação,
conciliação e arbitragem ou por meio de parcerias, acordos, transação,
compromissos de conduta, deve buscar uma única finalidade, qual seja, a
satisfação das necessidades da sociedade. Por conseguinte, é importante que
se desenvolva cada vez mais cultura da consensualidade e que se tenha em
mente que a Administração, para implementá-las deve se adequar aos mais
modernos meios para de forma eficiente e legítima, alcançar tais ideais.
A Administração Pública, no Brasil, conforme
já tratado no capítulo anterior, passou por
transformações no final século XX e chega ao início
do século XXI imbuída pela indispensável
valorização da consensualidade. Objetiva com isso
se adequar a uma nova dinâmica social de
igualidade e harmonia nas relações com os
administrados. Nesse contexto, a arbitragem na
Administração Pública se desenvolveu
contemporaneamente a partir da Lei nº 8.987/1995.
Essa Lei rememore-se, é um marco na instituição da
arbitragem no âmbito do direito público atual.164
Logo em seguida à promulgação da Lei geral
de concessões e permissões de serviços públicos foi
editada a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996,
lei geral de arbitragem, fazendo surgir no horizonte
nova era para alcance da justiça, em se tratando de
direitos patrimoniais disponíveis.
A Lei Geral de Arbitragem dispõe acerca da
arbitragem nos contratos de direito privado e,
embora se aplique aos contratos administrativos165
164 Embora pode-se considerar o leading case da arbitragem no Brasil a demanda que envolvia a União e o espólio de Henrique Lage (Caso Lage), no que diz respeito ao emprego desse instituto no direito brasileiro. Neste, o Egrégio Supremo Tribunal Federal admitiu o Juízo Arbitral envolvendo as partes por meio de compromisso arbitral (Supremo Tribunal Federal - Tribunal Pleno: Agravo de Instrumento nº 52.181/GB – Relator: Min. Bilac Pinto, Publicado no DJU em 15.02.74). Entretanto, vale trazer o entendimento de Luis Roberto Barroso, que observa que nesse caso concreto, o STF não aprovou a utilização da arbitragem generalizadamente: “Não é incomum ver-se escrito que, nesse caso, o STF teria sufragado de forma generalizada a arbitragem no âmbito das relações da Administração Pública sem sequer referir a necessidade de lei. A afirmação não é precisa. O caso examinado pelo STF dizia respeito a uma arbitragem expressamente autorizada pelo Decreto-lei nº 9.521/46 – ato normativo com estatura de lei – , entre a União e o espolio de Henrique Lage e todo o debate ali travado dizia respeito à constitucionalidade do Decreto-lei, que acabou por ser reconhecido pela Corte.”. BARROSO, op. cit. 2003a. p. 620. 165 Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Marcos Juruena Villela Souto: “[...] quando a Administração Pública figura em um dos pólos de uma relação contratual, não necessariamente está-se diante de um contrato administrativo. Conquanto a mera presença da Administração como parte caracterize o contrato da Administração, a característica diferenciadora entre ambos os institutos está na existência das chamadas cláusulas exorbitantes, que outorgam poderes e prerrogativas de Direito Público, inadmissíveis em um contrato exclusivamente regido pelo Direito Privado. Nestes o regime é,
subsidiariamente, disciplina que a arbitragem é
instrumento ao alcance das pessoas capazes e se
dirige aos direitos patrimoniais disponíveis, o que,
conseqüentemente, abrange a Administração
Pública.
Assim é que, diante desse processo de adequação aos novos tempos
nasceu o instituto da arbitragem nos contratos administrativos, e a lei de
concessões foi, portanto, pioneira nessa inovação. Posteriormente, esse
instituto pulverizou-se em diversos diplomas legais específicos e, embora
estejam em aperfeiçoamento, ainda causa dificuldades de aplicação
concomitantemente com procedimentos administrativos obsoletos e, há muito
usados pela Administração Pública, em contexto completamente diverso dos
atuais. Todavia, a doutrina contemporânea está atenta no sentido de estimular
a Administração a buscar instrumentos mais eficientes para reger sua função
estatal, como se extrai da doutrina de Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
Mas certo é, também, que a postura, velha de mais de dois séculos, de supremacia, imposição e de unilateralidade – tidos como abributos permanentes e inafastáveis da Administração Pública em sua relações com os administrados – vem cedendo espaço à consensualidade e à negociação, que se vêm mostrando muito mais eficientes para a satisfação dos interesses públicos.166
Mesmo com todo o debate que a impregna, a
arbitragem (e, em se tratando de sua utilização no
direito administrativo o instituto é repleto de
controvérsias), é instituto antigo e há uma tendência
mundial na sua utilização como alternativa à
Jurisdição Estatal, já que alcança níveis avançados
de credibilidade. O que se percebe hoje é que,
embora esse instituto ainda não seja usado em
por isso e em regra, de Direito Público, aplicando-se supletivamente os princípios da Teoria Geral dos Contratos e as disposições do Direito Privado, tal qual hoje disciplina, na ordem jurídica brasileira, o art. 54, da Lei nº 8.666/93.”In SOUTO, Marcos Juruena Villela. Arbitragem em contratos firmados por empresas estatais. Direito administrativo em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. pp. 439-440. 166 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O futuro das cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos. Direito Administrativo Brasil – Argentina, Estudos em homenagem a Aguntín Gordillo. Coord. Farlei Martins Riccio de Oliveira. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 80.
números excepcionais, é uma alternativa para
solução de conflitos que cresce cada vez mais.
Sua utilização é relevante para que se opere,
de uma vez por todas, a sua desmistificação, à
medida que se constata ser método dotado de
segurança, especialidade, sigilo e, acima de tudo, de
agilidade.
Estas vantagens da arbitragem contrastam
com a Jurisdição Estatal em vista de sua
morosidade, acúmulo de litígios pelo excesso de
demandas, possibilidade de inúmeros recursos que
só fazem com que as decisões judiciais se
arrastarem no tempo, enfim, com perda de eficácia
por falta de agilidade. 167
A despeito da arbitragem não ser mais uma
questão polêmica na esfera privada, já que não há
mais dúvida quanto à sua constitucionalidade e
167 Em balanço feito ao final de 2004 e início de 2005 por Eduardo Damião Gonçalves e Shirly Eliane Vogelfang: “[...] Apesar da relativa juventude da legislação brasileira da arbitragem, o Brasil tem demonstrado um crescimento considerável no número de casos de arbitragem a cada ano, uma intensificação de publicações, eventos e estudos sobre o assunto, assim como importante destaque internacional.[...] Segundo dados do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem - Conima, que contempla 77 instituições filiadas, através de seu presidente, Dr. Adolfo Braga Neto, também presidente do IMAB – Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil, ainda não é possível obter um número exato dos procedimentos arbitrais ocorridos no Brasil no ano de 2004, mas a previsão é de um crescimento de, pelo menos, 13% em relação aos números de 2003. A Câmara de Comércio Brasil Canadá, cujo Centro de Arbitragem é o mais antigo do Brasil, atuando desde 1979, celebrou no ano de 2004 seu jubileu de prata. O Centro de Arbitragem da CCBC teve ainda outros motivos para celebrar o ano de 2004, uma vez que o crescimento no número de procedimentos arbitrais foi, pelo menos, 50% superior ao do ano anterior. Foram 11 processos iniciados em 2004, contra 5 no ano de 2003. Já a Câmara de Arbitragem Empresarial (CAMARB), sediada em Minas Gerais, teve desde a sua formação até o final de 2003 um total de 13 casos. Apenas no curso do ano de 2004, foram iniciados 6 novos casos. Com um total de 27 procedimentos arbitrais até setembro de 2003, a Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo, instituída em 1995 pelo Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, que integra o sistema Fiesp, chega ao final deste ano com um total de 45 procedimentos arbitrais instituídos, sendo 14 deles em andamento. Além do aumento no número de casos de procedimentos arbitrais, outros eventos puderam demonstrar, durante o ano de 2004, que o Brasil, assim como a América do Sul, tem se inserido cada vez mais no contexto da arbitragem internacional. Um exemplo disso foi a reunião do Grupo Latino Americano da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), que ocorreu em Paris em agosto deste ano e contou com a participação de vários profissionais brasileiros.” GONÇALVES, Eduardo Damião e Shirly Eliane Vogelfang. Cresce o Número de Conflitos Resolvidos por Arbitragem. In Revista Consultor Jurídico. dezembro de 2004. Disponível em: <http://www.camara imobiliária.com.br>. Acesso em 11/07/2006.
legitimidade e uma vez reconhecida sua relevância
como alternativa e suprimento à Jurisdição Estatal
para a construção da paz social, é manifesto que a
legitimidade desse instituto, no âmbito da
Administração Pública, é ainda intricada.
Apesar de todas as controvérsias que envolvem a arbitragem e a
Administração Pública, tais como a constitucionalidade, a inafastabilidade da
Jurisdição Estatal, a observância do princípio da legalidade, a indisponibilidade
do interesse público e a questão da capacidade da Administração Pública para
contratar, dentre outras, não há como refutar-se que se inaugurou uma era de
consensualidade e de relações harmônicas entre o setor público e privado e,
deste modo, a aplicação da arbitragem vem consolidar esse novo atuar da
Administração Pública.
Além do que, as rápidas mudanças econômicas e tecnológicas168 que
compelem a Administração Pública a colocar-se em conformidade com essas
mudanças, por si só justifica a pertinência em evidenciar a viabilidade jurídica
da utilização do instituto extrajudicial de solução de conflitos nos contratos
administrativos, objetivando, especialmente, maior eficiência para obtenção dos
interesses coletivos.
Nas Parcerias Público-Privadas, pretende-se
destacar a necessidade da utilização do instituto da
arbitragem como garantia e incentivo aos parceiros
privados para investimentos em infra-estrutura,169
168 Não se podem esquecer as mudanças advindas da globalização que levou o Estado a mutações irreversíveis. A globalização promoveu segundo Odete Medauar: “[...] transnacionalização acelerada dos mercados, dos capitais, da produção, das relações econômicas, do consumo, sem limites territoriais. Ocorre a superação das restrições de espaço e tempo, ante a capacidade de tratamento instantâneo de um grande volume de informações, acarretando, inclusive, rápidos movimentos transnacionais de capital financeiro MEDAUAR, op. cit. 2003. p.94 169 Para Paulo Godoy, Presidente da Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústria de Base – Abdib, “investir em infra-estrutura é condição prioritária para qualquer país” e, continua: “Além de fundamental para o crescimento do Brasil, os investimentos em infra-estrutura farão diferença direta na vida dos brasileiros. As carências são enormes. O saneamento serve como exemplo ilustrativo disso. Na média, apenas 46,5% dos domicílios das capitais brasileiras e do Distrito Federal estão ligados à rede coletiva de esgotos. Há casos extremos de carência. Em Macapá (AP) e Porto Velho (RO), respectivamente, apenas
que representa aposta para contribuição do
desenvolvimento econômico para o país.
2.2. A arbitragem na Administração Pública como
mecanismo de potencialização da justiça
A arbitragem instituída em lei representa
alternativa de solução de conflitos significante para
assegurar o direito à Justiça no ordenamento jurídico
brasileiro. Presta-se como apoio ao Judiciário já
sufocado de demandas, e que, dentro do contexto
atual, não tem como solucioná-los.
Trata-se de instituto de aplicação eficaz, que
surge em decorrência da transformação social que
valoriza o consenso. 170
De acordo com Alexandre Freitas Câmara, a arbitragem é fruto da idéia
de um novo enfoque de acesso à justiça:
Relembre-se que a pacificação social é um dos escopos magnos do Estado Democrático de Direito, e deve ser buscada através do exercício de todas as funções estatais. Assim, não apenas através da jurisdição, mas também através do exercício da função legislativa, elaborando normas jurídicas abstratas que asseguram uma mais ampla possibilidade de acesso à ordem jurídica justa, o Estado caminha em direção àquele seu objetivo de alcançar a paz social. A arbitragem, assim, é uma conquista para o direito brasileiro, representativa da mais nobre linhagem da moderna ciência processual, sendo fruto da idéia de que o “novo enfoque do acesso à justiça”, onda renovatória do Direito Processual que se vive nos dias
8,2% e 8,9% das casas têm acesso ao sistema de esgoto. É um caso de penúria que só pode ser mudado os as empresas privadas forem chamadas a atuar. Somente para universalizar o atendimento de água e esgoto, incluindo distribuição, coleta e tratamento, a conta é estimulada em 200 bilhões de reais em 20 anos. 9 Bilhões de reais em investimentos anual necessário. Uma das respostas possíveis? Nas PPP´s. GODOY, Paulo. A importância das PPPs. Anuário Exame 2005-2006 Infra-estrutura. São Paulo: Editora Abril, 2005. p. 28 170 “A Constituição de 1988, já no seu preâmbulo, considerou como valores supremos, entre outros, o desenvolvimento e a justiça, havendo, certamente, uma estreita vinculação entre eles e sendo dever do Estado garantir a adequada realização de ambos. Com a Emenda Constitucional nº 19, de 4.6.1998, acrescentou-se que, além das suas outras características, a administração pública também deveria ser eficiente, cabendo, pois, à Justiça ser eficiente, obrigação que, por analogia, nos parece também incumbir ao Legislador.” In WALD, Arnold. Palestra realizada no II Congresso Brasiliense de Direito Constitucional, em 29.10.99, Brasília - DF. Brasília, vol. 1, n. 6, outubro/novembro 1999. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br.>. Acesso em: 18/07/2006.
de hoje, “encoraja a exploração de uma ampla variedade de reforma
[...].171 Sendo assim, ecos da vontade do Estado-
Legislador brasileiro, em consonância com tantos
outros institutos de sistemas jurídicos alienígenas,
conferiram liberdade de escolha aos que desejem
levar, de acordo com seus interesses, para a
jurisdição extrajudicial, conflito de natureza
contratual na certeza de que essa alternativa lhe
conferirá agilidade e sigilo. Tal alternativa, posta à
disposição para aqueles capazes de contratar
(incluído-se o Estado e, conseqüentemente a
Administração Pública) é mais uma forma de
alcançar, mais celeremente, a pacificação contratual.
É inevitável que conflitos eventualmente
previstos, ou não, ocorram no decorrer da execução
de contratos e, em muitos casos, surjam
divergências de alta complexidade técnica, além de
descumprimentos contratuais ou discordâncias
acerca do cumprimento de normas incidentes nos
contratos que careçam de previsão de instrumentos
de solução de conflitos atuais e céleres.172
Não se pode esperar que o Judiciário, por si
só, diante das avalanches de conflitos que o
abarrotam diariamente, seja capaz de promover
essa pacificação à contento. É mais do que oportuna
a criação de mecanismos que solucionem tais
conflitos mais celeremente. A atualidade, com sua
rapidez nos acontecimentos econômico-sociais e no
171 CÂMARA. Alexandre Freitas. Arbitragem. Lei nº 9.307/96. 4 ed. rev. ampl., atual., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p.5. 172 A Lei nº 9.307/1996, no seu artigo 32, inciso VIII, estabelece prazo de seis meses para conclusão do processo arbitral. BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Disponível em: <htpp//www.planalto.gov.br>. Acesso em 20/11/2006.
desenvolvimento da tecnologia, conclama pela
agilidade nas soluções de conflitos.
Todas essas premissas são importantes para
a legitimação da previsão do instituto de arbitragem
pela esfera pública. Tanto por ser um mecanismo
dotado de pouco formalismo, como por ser
procedimento dotado de imparcialidade, igualando
as partes que passam à margem de prerrogativas
individuais.173
2.3. Os contratos de concessões de serviços públicos e o instituto da
arbitragem
Os contratos administrativos de concessões de serviços públicos174 (Lei
nº 8.789, de 13 de fevereiro de 1995), foram reintroduzidos no ordenamento
jurídico brasileiro a partir da década de 90. Essa reintrodução se deu
praticamente sob os mesmo motivos da sua criação no século XIX, conforme
observa Odete Medauar:
A concessão de serviços públicos existiu e foi utilizada desde o século XIX, sobretudo na Europa. Foi criada para serviços que exigiam grandes investimentos e pessoal técnico especializado, encargos esses que o setor público não podia assumir, daí a transferência de sua execução ao setor privado, remunerado por tarifa paga pelo usuário; na época, recaiu principalmente sobre transporte ferroviário, fornecimento de água, gás, transporte coletivo urbano. A concessão tinha a característica do longo prazo para propiciar retorno do investimento aplicado. Depois se registrou declínio das concessões, a partir da terceira década do século XX. Isso ocorreu em virtude da instabilidade econômica em geral, devida às guerras mundiais e às tendências estatizantes. Muitas atividades concedidas foram nacionalizadas e criaram-se empresas estatais que absorveram grande parte das concessões do setor privado, surgindo as outorgas aos entes da Administração indireta.175
173 É importante ressaltar que a Administração quando é ex adversum de particular em controvérsia levada ao Poder Judiciário, a priori, o particular já entra em desvantagem diante de todas as prerrogativas que permeiam aquela, o que não ocorre com o Juízo Arbitral, em que há nítida igualdade entre as partes. Resta claro que as prerrogativas jurisdicionais, normas de proteção afetas à Administração são empecilhos para os potenciais parceiros privados que de antemão preferem não pactuar com uma parte merecedora historicamente de privilégios que não os alcançam de igual forma. 174 Artigo 175, da Constituição Federal, de 1988: “Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. 175 MEDAUAR, op. cit. 2003. p. 217.
Esses contratos, de alta complexidade técnica e que exigem
investimentos vultuosos de grande impacto econômico, têm como escopo a
transferência da execução de serviços públicos para parceiros privados, que o
fazem por sua conta e risco sendo remunerados por meio de tarifa.176
A transferência para o setor privado dos
serviços públicos e atividades econômicas de
interesse da coletividade, antes prestados
unicamente pelo Estado, é conseqüência da reforma
ocorrida no Estado que, antes do atual modelo de
Estado Regulador, exercia ativamente papel de
Estado de Bem-Estar Social (era o Estado-
empresário)177, com a prestação direta dos serviços
públicos e desempenho no domínio econômico por
meio de suas empresas estatais.178
Com efeito, um Estado dotado de
exacerbadas funções e a ausência de recursos para
representar toda uma inflada estrutura voltada para
a prestação de serviços, em dado momento,
desmoronou.179 Daí em diante, foi preciso buscar na
176 JUSTEN FILHO, op. cit. 2003 p. 77. 177 Todavia custa ressalvar que n entendimento Luis Roberto Barroso e Raymundo Faoro o Estado brasileiro não passou pela fase do Estado do Bem-Estar Social. 178 Historicamente a participação do Estado em atividades econômicas privadas pode ser identificada com a criação do Banco do Brasil S/A, primeira sociedade de economia mista fundada pelo Alvará de 12.10.1808, do Príncipe Regente, ao qual se seguiram, em ordem cronológica, o Banco do Estado de São Paulo S/A, o Banco Mineiro da Produção e o Banco de Crédito da Borracha. Com o início da industrialização, e sob a égide da Carta de 1937, começaram a ser criadas uma série de sociedades de economia mista, voltadas a atividades econômicas básicas ou de infra-estrutura industrial e de serviços, como o Instituto de Resseguros do Brasil (Decreto-Lei n.º 1.186/30), a Companhia Siderúrgica Nacional (Decreto-Lei n.º 3.002, de 1941), a Companhia Vale do Rio Doce (Decreto-Lei n.º 4.352/42), a Companhia Nacional de Álcalis (Decreto-Lei n.º 5.684/43), a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Decreto-Lei n.º 8.081/45), a Fábrica Nacional de Motores S/A (Decreto-Lei n.º 8.699/46), a PETROBRÁS (Lei n.º 2004, de 1953), ELETROBRÁS (Lei n.º 3.890-A, de 1961), e, numa etapa ulterior, a TELEBRÁS (Lei n.º 5.792, de 1972) e a SIDERBRÁS (Lei n.º 5.919, de 1973) – além de o Estado haver adquirido o controle de outras empresas estatais, sem prévia autorização de lei específica (v. g., USIMINAS e COSIPA). In PENTEADO. Mauro Rodrigues. Reflexões sobre a privatização, parcerias e a política econômica. Revista Jurídica da UFPG. Vol.1. n 1. Disponível em: <http://www.ufpg.br/rj>. Acesso em 18.08.2006. 179 Segundo Marcos Juruena Villela Souto na concepção de reengenharia do Estado, o importante não é apenas a redução do tamanho da máquina estatal: “[...] mas, principalmente, de um redimensionamento do Estado à luz de suas novas funções numa sociedade moderna. Destarte, diante da opção constitucional
sociedade civil recursos que propiciassem a
prestação e o desenvolvimento dos serviços de
telefonia, de energia, de gás, transporte...
O que estava em risco, nesse período de desequilíbrios, era a estratégia
de desenvolvimento do País, diante da intensa intervenção estatal na
prestação de serviços e atividades econômicas.
O que se tinha era uma estrutura gigantesca e obsoleta, causadora de
alarmante defict público, de sabida ineficiência e crônica ausência de recursos
que proporcionassem o desenvolvimento econômico e social.
Conseqüentemente, a escassez de recursos e as reformas ocorridas no Estado
levaram ao processo de desestatização180 como meio de diminuir a atuação
estatal na exploração e na prestação direta dos serviços.
Na visão de Dinorá Adelaide Musseti Grotti, o instituto da concessão foi
o primeiro modo de descentralização de serviços públicos, entretanto, usada
com a finalidade de diminuir o aparelhamento do Estado, é instituto novo. A
autora observa que:
A modificação das concepções políticas, sociais, econômicas e jurídicas refletiu-se sobre o instituto da concessão, que renasceu com algumas modificações importantes. No passado, em suas origens, a concessão de serviço público esteve fortemente ligada à outorga para certos empreendedores que queriam implantar o serviço com exclusividade. Afinal, o Estado estaria interferindo nesses setores exatamente para que pudesse transferir para o empreendedor alguns privilégios, especialmente o de impedir a concorrência e garantir que
brasileira, a sociedade só transferiu para o estado as atividades e setores que não pudessem ser alcançados sem a interferência do poder de império ao qual todos os indivíduos ficam sujeitos no respectivo território. Ao Estado não cabe, pois, ocupar espaços empresariais, excluindo ou competindo com a iniciativa privada, devendo retirar-se desses setores que podem ser atendidos a contento pelos particulares.” Marcos Juruena Villela Souto. Direito administrativo das concessões. 5.ed. sist. rev. ampl. e atual.. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 3. 180 Marcos Juruena Villela Souto sobre a desestatização diz: “A absoluta impossibilidade de se manter o Estado com todas as funções e estruturas que lhe foram transferidas ao longo do século XX forçou a adoção de políticas públicas que levassem, à luz dos princípios da subsidiariedade, revisão das tarefas que deveriam retornar sociedade, bem como a estrutura administrativa necessária para essa nova orientação. A isso se chamou de Programa de Desestatização, que envolvia um conjunto de ações e não apenas medidas isoladas de privatizações, concessões ou terceirizações. Tudo fazia parte de um contexto mais amplo, que envolvia “repensar o Estado”. SOUTO, Marcos Juruena Villela. Parcerias Decorrentes do Programa Estadual de Desestatização. Direito administrativo das parcerias. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005. p.57. Para aprofundamento no tema ver SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo da economia. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. pp 138-225.
não haveria competição – e, portanto, que poderia recuperar o capital investido dentro de uma previsibilidade de exploração. Nesse momento de retomada da concessão – e esse fenômeno não é brasileiro, é internacional, ela surge com uma nova roupagem, para servir a um projeto não de exclusividade em favor de uma empresa particular, mas de exploração concorrencial desses serviços, que anteriormente foram monopolizados por empresas particulares, na sua fase implantação, e depois por empresas estatais, na fase de seu maior desenvolvimento.181
Por outro lado, vale ressaltar que o processo de transferência da
execução dos serviços públicos ao setor privado pelo Estado brasileiro passou,
ainda, pelo fenômeno do aprimoramento das funções administrativas, como um
dos propósitos da reforma do Estado, capitaneado pelo princípio da eficiência,
disciplinado no artigo 37, caput, da Carta Maior de 1998.
Como ensina Marcos Juruena Villela Souto, o Estado deixou de ser
prestador de bens e serviços exatamente em atendimento ao princípio da
eficiência:
Em sede de serviços públicos, a noção de eficiência é aquela que traduz a observância dos princípios da generalidade de oferta, da regularidade, da continuidade, da cortesia, da atualidade e, no que especialmente interessa ao caso em exame, da modicidade das tarifas.182
O Estado encontrou no capital privado, parceiro interessado em prestar
serviços, o que trouxe inegáveis benefícios para o País, principalmente, quanto
à universalidade desses serviços, que antes alcançavam uma parcela reduzida
da população brasileira. Assim, numa análise crítica desprovida de ideologias,
pode-se dizer que essas transformações trouxeram bons resultados.183 É certo
que é de extrema relevância para o Estado deixar de ser o provedor universal
para, desse modo, passar a dar ênfase a serviços de relevante interesse
181 GROTTI, Dinorá Adelaide Musseti. A experiência brasileira nas concessões de serviços públicos. In Parceria Público-Privadas. Coord. Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros, 2005. pp.189-190. 182 SOUTO. Marcos Juruena Villela Souto. Direito administrativo das parcerias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 295. 183 O que difere, da época atual, em que se percebe a chegada de serviços a lugares longínquos, como, p. ex., serviços de telefonia, de energia, entre outros que promovem a integração e a dignidade dos cidadãos brasileiros, principalmente, os menos abastados. O que cumprem com os ditames constitucionais esculpidos nos artigos 1º, III e 3º, III, da Constituição Federal de 1988.
coletivo e de segurança nacional (conforme proclamado no artigo 173, caput,
da CRFB/1988).184
Com isso ganha a economia brasileira que passou por índices de
crescimento econômico há muito não alcançados; e ganha, também, o cidadão,
que tem à disposição serviços em estágios avançados em quantidade e
qualidade.185 Basicamente, tem-se que o somatório final dessas mudanças se
traduz em incremento do mercado, na qualidade de vida e, especialmente, no
acréscimo do desenvolvimento econômico.186
Neste sentido, Diogo de Figueiredo Moreira Neto aponta vantagens na
entrega da prestação de serviços públicos à iniciativa privada:
Afinal, passava-se a reconhecer, depois de um longo período hegemônico do pesado Estado-Previdência, que a iniciativa apresenta maior capacidade de imprimir alto grau de eficiência e economia às suas atividades, dispensando – isto é que é mais importante – o Poder Público, de preocupações secundárias, de modo a liberá-lo para concentrar-se em sua atividades primárias, na solução de problemas de maior premência e envergadura, como são hoje os de segurança, da educação e da saúde e, em escala crescente, no desenvolvimento do fomento público. Ressurge, assim, o instituto de concessão, numa quadra em que o fracasso do Estado, como agente produtor e explorador na economia, ficou evidenciado em todos os quadrantes e, mais, agudamente, na área socialista, do então chamado segundo mundo, em que o estatismo alcançou o seu clímax.187
Sendo assim, é natural que essa imprescindível parceria com o setor
privado fez nascerem novos investimentos e as concessões de serviços
184 Artigo 173, da Constituição Federal de 1988: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.” 185 In SOUTO, op.cit p.295. 186 Ressalta-se, ainda, a diferença entre crescimento econômico e desenvolvimento econômico, especialmente porque o primeiro se refere apenas ao acúmulo de riquezas que se concentram nas mãos de parcela mínima da sociedade e não se preocupa com a justiça social. O segundo por sua vez, também acumula riquezas, entretanto, promove a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e a necessária distribuição de rendas. Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto: “O desenvolvimento deve ser um dos objetivos a ser perseguidos pela sociedade partindo-se da premissa em que o desenvolvimento é um produto da dinâmica social em que as forças primárias da sociedade interagem na busca da satisfação de seus interesses. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Ordem Econômica e Desenvolvimento na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: APEC, 1989. p. 35. 187 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. 3 ed. rev. ampl. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2007. p. 11. p.427.
públicos188 marcaram a economia brasileira por terem propiciado a
potencialização do desenvolvimento econômico. Segundo Diogo de Figueiredo
Moreira Neto, os benefícios oriundas dessa recriação para o desenvolvimento
do País são: 189
[...] a intenção é de aliviar o Estado da execução de dezenas de serviços públicos que vêm sedo prestado burocrática, onerosa e ineficientemente, esta solução de revitalização da concessão, que, em acréscimo, também revigora a competitividade e a empresa privada no País, gerando empregos, não traz prejuízo algum quanto à responsabilidade e a vigilância do Estado.190
Ao mesmo tempo, a lei geral de concessões, na trilha da ampliação de
institutos que garantam a eficiência na prestação dos serviços públicos, trouxe
outra extraordinária mudança: a autorização para utilização dos institutos
extrajudiciais de solução de conflitos, dentre os quais, a arbitragem.
2.3.1. A legitimidade da arbitragem nos contratos administrativos
Em moderna concepção, a Lei de concessões resgatou para os
contratos administrativos o importante instituto de solução extrajudicial de
controvérsias. Mecanismos estes que são dotados de procedimentos seguros,
de celeridade, especialidade e sigilo sendo, notoriamente, apropriado à solução
de conflitos contratuais.
Com tal iniciativa o direito brasileiro procurou dotar os contratos de
concessão, no tocante à solução de controvérsias, de mais imparcialidade e
tecnicidade nos seus julgados.
A Jurisdição Arbitral é dotada de experts nos assuntos relacionados aos
aspectos econômicos e financeiros e, principalmente, sem vínculo com as
188 Sobre o tema ver JUNSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. SOUTO. Marcos Juruena Villela. Direito administrativo das concessões. 5 ed. sist. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. 189 Nessa passagem, o antes citado doutrinador, lembra inovadora Lei de concessões do Estado do Rio de Janeiro: “Um excelente exemplo de legislação motivadora e pioneira foi a Lei n°1.481, de 21 de junho de 1989, do Estado do Rio de Janeiro, só surgindo, lamentavelmente, quase seis anos depois, a normatividade nacional, com a Lei n° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que, de resto, lhe seguiu as linhas mestras.” MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. 3 ed. rev. ampl. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2007. p 418.
partes contratantes (garantia de imparcialidade), afastando influências de
cunho político, portanto, dotada de mais segurança jurídica, bem como de
celeridade na entrega da decisão, o que assegura eficiência e economicidade.
Deste modo, o artigo 23, inciso XV, da lei de concessões dispõe que
constitui cláusula essencial destes contratos a previsão do fôro e o modo
amigável de solução das divergências contratuais, tornando, portanto,
obrigatória sua previsão.
Recentemente, a Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005, em
flagrante refinamento da lei, acresceu o artigo 23-A à Lei 8.987/1995 à qual
dispõe:
O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996.
Trata-se, portanto, de um grande passo evolutivo tendo em vista a
previsão expressa da faculdade de utilização da arbitragem nesses contratos, o
que serve para mitigar as polêmicas em torno de sua utilização.
Há que se recordar, ainda, que se inseriu na lei instituidora dos contratos
de concessões tal previsão como forma de incentivo para a atração dos
grandiosos investimentos que, via de regra, não convencia os particulares
acerca de sua viabilidade e previsibilidade.
Nota-se que o contrato administrativo191 de concessão regido por
normas de direito público e privado, ou seja, de regime misto e dotado de
algumas prerrogativas, de imediato afasta os parceiros privados pela notória
desigualdade entre as partes contratantes.
190 MOREIRA NETO, MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. 3 ed. rev. ampl. Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2007. p.428. 191 Para aprofundamento na matéria ver MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 12 ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2002. pp.158-173.
A lei de concessões, entretanto, cuidou de estabelecer mecanismos
propícios à consecução de parcerias com o intuito de viabilizá-la. Segundo o
ensinamento de Flávio Amaral Garcia:
A idéia não é de simples celebração de um contrato administrativo, mas de efetiva parceria entre o setor público e a iniciativa privada para o atendimento de um interesse público [...] desta noção de parceria pode-se extrair a importância da solidariedade entre concedente e concessionário durante a execução do contrato de concessão. Apesar de cada parte ter um interesse próprio no ajuste (a prestação de um serviço adequado, do lado do concedente, e a busca do lucro justo, do lado do concessionário), é, possível identificar, também, a existência de uma finalidade comum, revelada no interesse solidário de as partes executarem o próprio contrato. É por meio da consecução desta finalidade comum que cada parte poderá concretizar o seu próprio interesse.192
Vale ponderar, para resgate da trajetória evolutiva dos institutos
consensuais até os dias atuais, que a idéia desses mecanismos de solução de
controvérsias prevista expressamente pela Lei nº 8.987/1995 causou uma
fenda na doutrina e na jurisprudência pátria.
Entretanto, quando se analisa as construções doutrinárias e as
manifestações tendentes a aceitar ou não a arbitragem nos contratos
administrativos, se percebe que em verdade o que ocorre é uma dificuldade
daqueles que não aceitam se adaptar aos novos mecanismos de atuação
estatal que visam uma maior colaboração entre o setor público e setor privado,
esquecendo a real necessidade de mecanismos que determinem e fortaleçam
essas parcerias no sentido de trazer resultados para a coletividade e para o
Estado Democrático de Direito que tem como um dos objetivos o consenso.193
Conforme o entendimento de Marcos Juruena Villela Souto, ao se referir
à arbitragem pelas estatais:194
192 GARCIA, Flavio Amaral. Regulação jurídica das rodovias concedidas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. pp. 45-46. 193 Artigo 4º, inciso VIII, da Constituição Federal, de 1988: “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: [...] VII – solução pacífica dos conflitos.” 194 Entretanto, para Marçal Justen Filho: “O contrato administrativo apresenta duas categorias de cláusulas contratuais. Existem aquelas que disciplinam a execução da prestação necessária à satisfação
Conclui-se, portanto, que existe cabal autorização para a adoção da arbitragem por empresa estatal. Acresce que mesmo em um típico contrato administrativo, como é o caso da concessão de serviço público, é expressamente reconhecida a possibilidade de adoção da arbitragem, porque neles existem aspectos que são puramente patrimoniais e não podem ser confundidos com os aspectos de serviço, esse sim, recobertos pela indisponibilidade,[...].195
Assim, vale ponderar que a arbitragem, mesmo se dirigindo aos
contratos administrativos, somente será legítima no que diz respeito a aspectos
patrimoniais e nunca aos aspectos de serviço.
2.3.2. A capacidade de contratar da Administração Pública
Uma das principais polêmicas que envolve o uso da arbitragem nos
contratos administrativos, diz respeito à questão da capacidade de contratar. A
Lei nº 9.307/1996 disciplina que pessoas capazes de contratar podem se valer
do instituto da arbitragem para solução de controvérsias no decorrer da
execução de seus contratos.
Tem-se por relevante destacar que, se a Lei assim dispõe, sem sacrifício
da obviedade, está o Estado e, por conseguinte, a Administração Pública,
abrangida por essa disposição legal.
De tal modo, se para valer-se do instituto da arbitragem deve a pessoa
física ou jurídica196 ter capacidade, corolário lógico e indiscutível é que o
Estado,197 pessoa jurídica de direito público, tanto pode contratar, como pode
das necessidades coletivas, que são denominadas “regulamentares” ou “de serviço”. Além delas, há as cláusulas que asseguram a remuneração do particular e que são ditas “econômicas”. As primeiras podem ser unilateralmente alteradas pela Administração Pública; as outras não. JUSTEN FILHO, op. cit. 2005. p. 290. 195 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 472. 196 “É por meio da noção do Estado como pessoa jurídica, existindo na ordem jurídica e procurando atuar segundo o direito, que se estabelecem limites jurídicos eficazes à ação do Estado, no seu relacionamento com os cidadãos. Se, de um lado, é inevitável que o Estado se torne titular de direitos que ele próprio crie por meio de seus órgãos, há, de outro modo, a possibilidade de que os cidadãos possam fazer valer contra ele suas pretensões jurídicas, o que só é concebível em uma relação de pessoas jurídicas.” DALLARI, op. cit. p.107. 197 “A evolução posterior da situação do indivíduo no sentido do reconhecimento de mais amplos direitos exigíveis do Estado, inclusive perante o juiz, levou a configurar o Estado como pessoa jurídica, para colocá-lo em posição análoga à do indivíduo. A consideração do Estado como pessoa jurídica foi o mais importante ataque intelectual contra a formação monárquica do
exercer a faculdade do uso da arbitragem. O Estado198 está, portanto,
acobertado por expressa disposição legal.199
A lei geral de arbitragem dispõe, ainda, que a arbitragem é dirigida aos
direitos patrimoniais disponíveis, ou seja, àqueles que: “[...] possam ser
quantificados monetariamente, e estejam no comércio, e que são, por esse
motivo e normalmente, objeto de contratação [...]”200. Ou seja, são os bens que
estão no mercado, os que podem ser quantificados monetariamente, os direitos
empresariais, que via de regra exigem alto grau de especialidade por parte
daquele que julga suas divergências.201
Assim é para Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
Consigne-se, finalmente, que a competência para negociar e contratar a respeito de interesses patrimoniais disponíveis de administração pública implica na correlata competência para pactuar previamente a solução de controvérsias por meio de arbitramento. Tal é a norma do artigo 1° da Lei n° 9.307, de 23 de setembro de 1996, daí decorrendo que a competência para a escolha das regras de direito (artigo 2°, 1°), bem como para a escolha dos árbitros (artigo 13, 2°) segue-se como corolário.202
Pode-se afirmar que o Estado e a Administração Pública, enquanto
partes capazes de contratarem (elemento subjetivo), tanto podem (como
devem) decidir pela Jurisdição Arbitral para solução de seus conflitos em
matérias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis (elemento objetivo).
2.3.3. O princípio da legalidade e a arbitragem nos contratos administrativos
Estado; o monarca, ao qual antes se identificava o Estado, converteu-se em órgão do Estado pessoa jurídica, com o qual não podia se identificar.” MEDAUAR, op. cit. 2003. pp.116-119. 198 Conforme DALLARI, op. cit. 2001. p. 799. 199 Nos termos do artigo 41 e incisos do Código Civil de 2002. REALE, Miguel (Prefácio). Novo Código Civil Brasileiro, Lei no. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Estudo Comparativo com o Código Civil de 1916, Constituição Federal, Legislação Codificada e Extravagante. 3. ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 200 In MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Arbitragem nos contratos administrativos. Revista de Direito Administrativo. n. 209. jul/set. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 85 201 Em regra os direitos indisponíveis da Administração Pública são os que se referem ao bem-estar e a segurança da sociedade esses são, portanto, inegociáveis (são os interesses primários). 202 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.p. 234.
O entendimento contrário à adoção da arbitragem nos contratos
administrativos (cada vez mais minoritário, registre-se)203 fundamenta-se,
ainda, na premissa de que a autorização da lei de concessões fere o princípio
da legalidade (pelo fato de não existir lei geral dirigida aos contratos
administrativos e para a Administração Pública como um todo), ou porque o
interesse público é indisponível e, além disso, por afrontar o princípio da
jurisdição una. Para Alexandre Freitas Câmara:
[...] O mesmo não se dará, obviamente, quando o litígio se originar em relação jurídica em que o Estado seja sujeito e que provenha de um contrato administrativo. Nesta hipótese torná-se inviável a arbitragem, em razão da própria natureza da causa.204
De outro modo, maior parte da doutrina205
recebeu e até festejou tal disposição legal por
entender não haver afronta ao princípio da
legalidade e, também, por ser importante
instrumento para a consolidação da tendência à
negociação e consenso entre o Poder Público e o
setor privado. Para aqueles que aplaudem tal
previsão, é a consolidação das mudanças pelas
quais passou a Administração Pública na opção por
uma gestão igualitária e, sobretudo, voltada para o
aprimoramento da consensualidade.
Importa ressaltar que, com tal evolução, o
direito administrativo se aperfeiçoou de tal modo que
o princípio da legalidade, no contexto atual, difere
dos fundamentos pelos quais foi criado, sendo
importante sua interpretação não travar o processo
evolutivo pelo qual passou a administração Pública
e, sim, ser meio de garantia da legítima aplicação e
cumprimento da lei pela Administração. Nesse
203 Dentre esses ver: FIGUEIREDO, op. cit. p.106. CÂMARA. op. cit. 2002. p. 145. 204 CÂMARA.op. cit. 2005. p.16.
sentido importa a lição de Odete Medaur para a
questão:
Para a Administração, o princípio da legalidade traduzia-se em submissão à lei. No conjunto dos poderes do Estado expressava a relação entre poder Legislativo e poder Executivo, com a supremacia do primeiro. No âmbito das atuações exprimia a relação entre a lei a ato administrativo, com a supremacia da primeira. Contra o arbítrio da vontade pessoal do monarca, impunha-se a segurança da disposição pessoal e abstrata da lei. Mediante a submissão da Administração à lei, o poder torna-se objetivado; obedecer à Administração era obedecer à lei, não a vontade instável da autoridade. Daí o sentido de garantia, certeza jurídica e limitação do poder contido na concepção primeira do princípio da legalidade administrativa. Nessa concepção e lei e, portanto, o princípio da legalidade colocaram-se em função de ideais de justiça[...].206
Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, citando Joan Prats I Catalã, o
princípio da legalidade deve ser sempre observado. Entretanto, não há rigidez
quanto à sua modificação em nome da eficiência e, pondera:
[...] o princípio da legalidade deve ficar resguardado [...] haverá de ser modificado quando sua inadequação às necessidades presentes constitua um obstáculo para a gestão eficaz dos interesses gerais, porém nunca poderá justificar-se a atuação administrativa contrária ao direito, por mais que possa ser elogiado em termos de pura eficiência.207
Diante de todos esses argumentos tem-se que, embora ainda exista
entendimento contrário, a constitucionalidade da lei foi decidida pelo Supremo
Tribunal Federal encerrando definitivamente essa questão.208
De mais a mais, o entendimento da constitucionalidade e da legalidade
da arbitragem pela Administração está apaziguada por renomados
doutrinadores tal como Adilson Abreu Dallari que, referindo-se à lei de
concessão, diz que a lei não somente permite a arbitragem, como também
205 Entre esses: Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Caio Tácito, Cláudio Vianna de Lima, Carlos Pinto da Motta. Leon Frejda Szklarowsky, Odete MEDAUAR. Marcos Juruena Villela Souto. Adilson Abreu Dallari. 206 MEDAUAR, Odete. op. cit. p.114. 207 DI PIETRO, op. cit. 2001. p. 63. 208 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento na Homologação de Sentença Estrangeira n° 5206, requerida pelo Reino da Espanha - Relator Min. Maurício Corrêa – Julgado pelo Tribunal Pleno – publicado no DJU de 30/04/04.
disciplina que os institutos de consensualidades nesses contratos são
obrigatórios.209
Insta ressaltar que a lei geral de concessões, datada de 1996, foi, e é
sem dúvida, inovadora, criando, inclusive, institutos consensuais de solução de
conflitos, como a arbitragem, antes mesmo da Lei nº 9.307, de 1997. Portanto,
um ano após aquela, o que denota a tendência contemporânea de evolução,
por parte do direito público, quanto à paridade e à negociação nas relações
jurídicas entre Administração Pública e os parceiros privados.
Antes da Lei de concessões, a Lei nº 8.666, de 1993210 disciplinou que
nos contratos de financiamentos internacionais não há necessidade de eleição
de foro para dirimir questões contratuais, constituindo exceção à possibilidade
de utilização da arbitragem nos contratos celebrados pela Administração
Pública com pessoas físicas ou jurídicas,211 e, ainda, essa mesma lei, no artigo
54, também define a aplicação supletiva dos princípios gerais dos contratos.212
Isto conduz ao entendimento de que, mesmo na ausência de autorização legal
209 E, continua sua explanação: Atualmente, existe dispositivo legal expresso não somente autorizando, mas, mais que isso, determinando a utilização da arbitragem na solução de eventuais conflitos em matéria de concessão de serviço público. [...] Ou seja, não só é permitida, mas, mais que isso, é obrigatória a previsão, no contrato, da arbitragem, como “modo amigável de solução das divergências contratuais”. DALLARI, op. cit. 2001. pp. 798 e 799. 210 Lei nº 8.666, de 1993, artigo 32, § 6º: “Os documentos necessários à habilitação poderão ser apresentados em original, por qualquer processo de cópia autenticada por cartório competente ou por servidor da administração ou publicação em órgão da imprensa oficial. [...] § 6º : “O disposto no § 4o deste artigo, no § 1o do art. 33 e no § 2o do art. 55, não se aplica às licitações internacionais para a aquisição de bens e serviços cujo pagamento seja feito com o produto de financiamento concedido por organismo financeiro internacional de que o Brasil faça parte, ou por agência estrangeira de cooperação, nem nos casos de contratação com empresa estrangeira, para a compra de equipamentos fabricados e entregues no exterior, desde que para este caso tenha havido prévia autorização do Chefe do Poder Executivo, nem nos casos de aquisição de bens e serviços realizada por unidades administrativas com sede no exterior.” 211 Artigo 55, § 2º, da Lei nº 8.666/1993: “São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam: [...] § 2o Nos contratos celebrados pela Administração Pública com pessoas físicas ou jurídicas, inclusive aquelas domiciliadas no estrangeiro, deverá constar necessariamente cláusula que declare competente o foro da sede da Administração para dirimir qualquer questão contratual, salvo o disposto no § 6o do art. 32 desta Lei.” BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: <htpp//www.planalto.gov.br>. Acesso em 20/11/2006. 212Artigo 54, da Lei nº 8.666, de 1993: “Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.” BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: <htpp//www.planalto.gov.br>. Acesso em 20/11/2006.
geral de âmbito público para utilização desse instituto, pode-se recorrer à lei
geral de arbitragem.
Para Luis Roberto Barroso esse argumento não tem sustentabilidade:
De todo modo, ainda que houvesse norma em sentido exatamente contrário na mesma lei, seria implausível supor que a aplicação supletiva de “princípios da teoria geral dos contratos”, referida no art. 54 da Lei nº 8.666/93, aos quais se deve recorrer apenas após esgotado o arsenal teórico do direito publico, pudesse servir de fundamento legal para ajuste da arbitragem. A compreender a norma nesse sentido, qualquer instituto de direito privado, e especificamente de teoria geral dos contratos, poderia ser livremente empregado pelo administrador público, em burla evidente ao princípio da legalidade.213
Disso deriva, portanto, o entendimento de que é preciso ser editada lei
geral de direito público que regule a matéria da arbitragem nos contratos
administrativos sob o fundamento de não serem suficientes leis específicas
para atender todas as situações.
Por outro lado, entende-se que é razoável que, na omissão de lei
própria, e em se exaurindo os fundamentos legais de direito público, aplique-se
subsidiariamente legislação de direito privado, conforme previsto na Lei nº
8.666/1993, naquilo que não seja incompatível com os princípios orientadores
da Administração Pública.
A Lei de contratos administrativos, em outra disposição, também não
exclui a possibilidade dos institutos consensuais. Para tanto, basta analisar o
artigo 55, parágrafo 2º, quanto à obrigatoriedade de indicação de foro. O
entendimento de que essa disposição remete tão-somente ao Judiciário
também não parece suficiente para desautorizar a arbitragem por essa lei.
Na ótica de Marcos Juruena Villela Souto, a cláusula que estabelece foro
competente nos contratos da Administração, não remete exclusivamente a
Jurisdição Estatal:
[...] formalidade essa que não pode e não deve ser entendida como uma obrigatoriedade substantiva de que se discuta toda e qualquer
213 BARROSO, Luis Roberto. Sociedade de economia mista prestadora de serviço público. Cláusula arbitral inserida em contrato administrativo sem prévia autorização legal. Invalidade. In Temas de direito constitucional. Tomo II. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 625.
questão em juízo, e não só porque se confundem as distintas obrigações em sua natureza, como porque tal confusão conduziria ao absurdo de se impedir qualquer negociação amigável. Portanto, o que faz sentido dessumir do dispositivo do art. 55, § 2º é que, em sendo inevitável, as partes podem ir ao Judiciário, indicando-se, para tanto, o foro, mas não sem que lhes permita estabelecer mecanismos de solução de controvérsias, sob pena de faltar-lhes, em eventual ingresso prematuro em juízo, o interesse de agir.
214
Retornando à Lei nº 8.987/995, tem-se que seguiu tendência mundial na
aplicação do Juízo Arbitral nos contratos, disposição que é empregada tanto
nos contratos de natureza privada, como nos de natureza pública nos diversos
sistemas jurídicos alienígenas, como também nos contratos internacionais
privados e entre aqueles celebrados entre Estados soberanos.
Pretende o direito brasileiro instituir mecanismos já aperfeiçoados em
outros ordenamentos, adaptando-os à realidade brasileira com o objetivo de
atrair mais parceiros privados e, em contrapartida, garantir uma parcela de
placidez aos parceiros que, desse modo, sentem-se mais confiantes para
celebrar parcerias que, na maioria dos casos, requerem altos investimentos e
prazos longos. Chegar mais celeremente à solução de controvérsias nos
contratos administrativos de concessões de serviços públicos é uma garantia
que acarreta segurança jurídica, garante a boa-fé e a confiança entre os
parceiros.
Objetiva, repita-se, nesse diapasão, colocar a Administração Pública em
consonância com as modernas concepções de direito privado e com as leis
internacionais que regulam esse instituto nos diversos sistemas jurídicos
vigentes. Aliás, é importante frisar que a ampliação dessa tendência valoriza a
liberdade na escolha do mecanismo que melhor se apresenta para a solução
de conflitos dessa natureza e, sobretudo, aprimora o princípio da autonomia da
vontade.215
214 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Arbitragem em contratos firmados por empresas estatais. Direito administrativo em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. pp. 440-441. 215 “[...] a principal característica da Lei de arbitragem brasileira é o resgate do princípio da autonomia da vontade, desde a decisão de submeter o litígio ao juízo arbitral – seja na cláusula arbitral, seja no compromisso arbitral –, na eleição do arbitro – escolhido livremente por elas –, e mesmo na determinação do critério a ser utilizado pelo arbitro na decisão do conflito.” SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p.456.
2.3.4. Aplicação subsidiária da Lei Geral de Arbitragem no âmbito dos contratos
administrativos
A Jurisdição é função do Estado, entretanto, a Lei nº 9.307/1996 dispõe
que as pessoas capazes216 de contratar podem, se assim quiserem, no âmbito
da autonomia de sua vontade, submeter a solução de seus conflitos ao Juízo
Arbitral ao invés da Jurisdição Estatal.
Todavia, em se tratando de controvérsias contratuais envolvendo a
Administração Pública e os particulares, há na doutrina aqueles que entendem
que essa lei não se aplica e, logo, que, se a Lei nº 9.307/1996 não regula a
arbitragem nos contratos administrativos, existe a necessidade de lei geral de
direito público que trate da arbitragem envolvendo a Administração Pública,
disciplinando seus limites e particularidades, pois de outro modo não se
observa o princípio da legalidade.
Luis Roberto Barroso, em singular entendimento, assinala que:
[...] Outros autores extraem de leis que autorizam a Administração a submeter-se a arbitragem em determinadas situações – como a Lei de concessões de serviços públicos, já referida ( Lei nº 8.987/95, art. 23, XV) – uma autorização generalizada para que a arbitragem seja adotada em qualquer circunstância.[...] Nenhuma dessas posições, data venia, apresenta consistência jurídica suficiente para ter-se por atendido o principio da legalidade. Lembre-se que a arbitragem, como já se viu, é exceção às regras gerais da jurisdição estatal e da inafastabilidade do controle judicial consagradas pela Constituição. É certo que se trata de um instituto compatível com a Constituição, como vem decidir o Supremo Tribunal Federal, e exatamente proveitoso em muitas ocasiões, mas ainda assim uma exceção. Sua interpretação, portanto, já que envolve a renúncia a um direito constitucional, deve ser sempre estrita, como ensinam as regras de hermenêutica.217
Por esse entendimento, há, portanto, necessidade de lei geral de direito
público autorizando o uso da arbitragem pela Administração Pública. Caso
contrário, somente será possível seu uso em se tratando de casos abrangidos
por suas respectivas leis específicas.
216 Artigo 1º, da Lei nº 9.307, de 1996: “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Disponível em: <htpp//www.planalto.gov.br>. Acesso em 20/11/2006.
É importante destacar, que a Administração Pública está vinculada ao
princípio da legalidade administrativa constitucional (artigo 37, caput, da
CRFB/1998), e que a legalidade administrativa não derroga os demais
princípios orientadores da Administração pública218e, portanto, a ação
administrativa não está condicionada, em sua totalidade, à vontade
previamente manifestada pelo legislador.219 Para Lúcia Valle Figueiredo, o
princípio da legalidade não deve ser motivo para travar o Administrador.220
Dentro desse tema cabe o posicionamento de Lauro da Gama e Souza
Junior:
Se antes a legalidade administrativa traduzia-se como vinculação positiva à lei, atualmente o princípio da legalidade administrativa (artigo 37, caput, da Constituição) manifesta a idéia de vinculação da conduta do administrador público à juridicidade constitucional, expressão que reitera a centralidade da Constituição no moderno direito brasileiro. Essa nova visão reconhece que o Administrador se acha jungido à prática de atos constitucionalmente justificados, à luz das regras e princípios postos na Lei Maior, e não apenas aos atos determinados ou autorizados por normas legisladas. A idéia de legalidade, ademais, desdobra-se e relaciona-se com outros princípios constitucionais, como a da impessoalidade, moralidade, publicidade e, mais recentemente, da razoabilidade-proporcionalidade. Assim, os princípios e o sistema de valores e interesses constitucionais, mais que a lei positiva, constituem o instrumento normativo adequado para pautar a conduta do Administrador Público. Isso vai a par com a moderna conceituação do direito administrativo: um conjunto ordenado e sistematizado de normas jurídicas, não redutível à lei positiva, que devem ser interpretadas e aplicadas na realização dos valores albergados na Constituição. São normas jurídicas que prestam a uma dupla finalidade: à limitação do poder do Estado e à instrumentalização desse poder à satisfação de necessidades coletivas. Pois bem. Em matéria de arbitragem, o argumento da indisponibilidade de autorização legislativa específica para Administração Pública figurar como parte em procedimento arbitral, fundada na legalidade administrativa clássica, e a inovacação da indisponibilidade do interesse público como obstáculo à sujeição de contratos admnistrativos à via arbitral, não resistem, como se verá adiante, ao juízo de proporcionalidade resultante da ponderação, mesmo em
217 BARROSO, 2003. pp. 621/622. 218 Tais como: princípios da eficiência, moralidade, da razoabilidade, publicidade e impessoalidade (art. 37, caput, da CRFB/1988). 219 In SOUZA JUNIOR, Lauro da Gama e. Sinal verde para arbitragem nas Parcerias Público-Privadas (a construção de um novo paradigma para os contratos entre o Estado e o investidor privado). Revista de direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro). Coord. Flávio Amaral Garcia. Vol. XVII. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 304. 220 FIGUEIREDO, op. cit. p. 197.
abstrato, de valores e interesses constitucionais aplicáveis a tais relações contratuais.221
A necessidade de lei geral disciplinando o processo arbitral nos
contratos administrativos vai, especialmente, de encontro com o princípio da
eficiência. Trata-se de um retrocesso no contexto atual em que a Constituição
elegeu esse princípio como condão máximo a conduzir a função administrativa.
Conforme assevera Lauro Gama e Souza Junior:
[...] A exigência de autorização legislativa específica para a arbitragem parece constituir medida adequada à concretização do interesse público (aqui entendido como interesse da coletividade), pois além de conferir juridicidade ao agir administrativo (isto é, à participação do Estado em arbitragem com particular), recobre-se de densidade democrática. Porém, trata-se de medida desnecessária e desproporcional em sentido estrito. De fato, ainda que adequada, a exigência não passa no teste de necessidade, pois há outros meios, menos gravosos aos princípios e valores constitucionais que se contrapõem à legalidade estrita, que podem contribuir, igual ou superiormente, tanto para a preservação do interesse público concreto em litígio (que pertence ao ente da Administração) como para o interesse geral da sociedade. Nas circunstâncias atuais, a exigência de autorização legislativa específica se afigura exageradamente legalista e deve ceder aos imperativos da eficiência administrativa.222
De tal modo, trata-se de resguardar o interesse coletivo quando meios
competentes são criados para facilitar uma atuação administrativa eficiente.
De mais a mais, outra relevante questão para o aprimoramento do direito
administrativo está no fato de que, quando se observa, em matéria de arbitragem, o uso
supletivo de lei oriunda do direito privado nos contratos administrativos, a
Administração Pública está de tal modo coordenando leis especiais de direito público
autorizativas da matéria com leis de direito privado.
Trata-se, assim, de normas de composição223 de interesses, que devem por sua
vez afirmar a vontade da ordem jurídica vigente. Para a doutrina a Administração
221 E, acrescenta: “Em que pesem os exemplos correntes da autorização legislativa específica para a arbitragem de contratos administrativos, a juricidade da atuação administrativa não se pode limita apenas àquilo que a lei rigidamente prescreveu faculta. É dizer: em hipóteses que tais, a legalidade estrita (CF, artigo 37, caput) não pode imperar soberba, em detrimento de outros princípios e valores também albergados na Constituição.” SOUZA JUNIOR, op. cit. pp. 301e 305. 222 SOUZA JUNIOR, op. cit. pp. 306-307. 223 Ver MOREIRA NETO. Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 12. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2002. p.14.
necessita de aprimoramento para exercer melhor suas finalidades: “no âmbito de sua
atividade produtora de bens e serviços, é aceitável que a Administração abandone
prerrogativas e restrições para se igualar, em agilidade e dinamismo, à empresa
privada[...].”224 Embora não se deva esquecer os riscos da aplicação do direito privado
pelo Poder Público, mormente em se tratando de funções típicas e de autoridade:
[...] o regresso ao Direito privado apenas persegue ludibriar os controles jurídicos e orçamentários próprios do Direito público, esquecendo com isso que as normas de Direito púbico não existem somente para proteger o interesse geral frente aos interesses privados incompatíveis com aquele, assim como para protegê-lo diante da vontade contrária dos descontínuos administradores da coisa pública.225
Desse modo, o que se nota na atual ordem jurídica é a valorização da
consensualidade, da busca célere de solução de conflitos para mais
rapidamente se alcançar à justiça, instaurar a paz social e o desenvolvimento
econômico e social.
Estando a Administração Pública amparada por disposições legais
específicas226 e, especialmente, no caso dos contratos de concessões onde a
Carta Magna227 conferiu a lei específica à disciplina de seu regime jurídico,
tem-se, por conseguinte, que com a autorização da Constituição, assim dispôs
o Legislador ordinário.
A faculdade de uso da arbitragem via lei de concessão e, além disso,
existindo lei geral de direito privado que abrange a Administração (Lei nº
9.307/1996), torna insuficiente o argumento da inobservância ao princípio da
legalidade quando a Administração Pública prevê a arbitragem nos contratos
administrativos de concessões por ausência de lei geral.
224 DI PIETRO, op. cit. 2001. p. 63. 225 CATALÃ, Joan Prats I. Apud. DI PIETRO, op. cit. 2001. p. 63. 226 Tais como: Leis n°s 8.666/1993; 8.987/1995; 9.307/1996; 10.303/2001; 10.433/2002; 11.079/2004 e Lei nº 10.848/04. 227 Parágrafo único, inciso I, do art. 175, da Constituição Federal de 1988: “ Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão.”
Se lei específica e lei genérica existem, não se trata de afronta à
legalidade. Portanto, a atuação da Administração está de acordo com o
ordenamento jurídico vigente.
O que importa, por conseguinte, é o preenchimento dos requisitos
ditados pela Lei nº 8.987/1995, como também cumprir as condições
estabelecidas pela Lei geral de arbitragem, ou seja, observar o campo de
abrangência desta, ou seja, arbitrabilidade subjetiva (pessoa capaz) e os
requisitos da arbitrabilidade objetiva (direitos disponíveis).228
Além do que, quando a Lei nº 11.196/2005, inclui o artigo 23-A, não
somente ratifica a possibilidade de uso da arbitragem nos contratos de
concessão, como, ainda, remete o processo arbitral desses contratos aos
termos da Lei nº 9.307/1996, pelo o que não há necessidade de mais normas
para conferir legitimidade para o uso da arbitragem nos contratos
administrativos.
Conseqüentemente, justamente em observância à Lei nº 8.987/1995 é
que a arbitragem se legitima nos contratos administrativos e, se os pormenores
não estão regulados na lei específica, estão previstos na Lei geral de
arbitragem que faz parte do ordenamento jurídico pátrio desde 1996, sendo
dirigida a todas as partes capazes, inclusive à Administração Pública direta e
indireta.
2.3.5. A indisponibilidade do interesse público e a arbitragem
Vale, desde logo, a atenta observação de Adilson Abreu Dallari quanto
aos argumentos usados por aqueles que entendem não ser possível a
utilização da arbitragem nos contratos administrativos, seja baseado nos
princípios da supremacia do interesse público, da indisponibilidade dos
228 “São interesses ou direitos indisponíveis aqueles em que o dizem respeito ao atendimento imediato do interesse público. Os interesses disponíveis, por sua vez, são aqueles de ordem patrimonial.” Para aprofundar ver Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Curso de direito administrativo. 12. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2002. p.14.
interesses públicos ou porque fere o princípio da jurisdição una e, por último,
porque sua admissibilidade vai contra o princípio constitucional da legalidade:
Nada disso, porém, impede a adoção da arbitragem. Em primeiro lugar, cabe ressaltar que ao optar pela arbitragem o contratante público não está transigindo com o interesse público nem abrindo mão de instrumentos de defesa de interesses públicos. Está, sim, escolhendo uma forma mais expedita, ou um meio mais hábil, para a defesa do interesse público. Assim como o juiz, no procedimento judicial, deve ser imparcial, também o árbitro deve decidir com imparcialidade. O interesse público não se confunde com o mero interesse da Administração ou Fazenda Pública; o interesse público está na correta aplicação da lei, e se confunde com a realização concreta da Justiça. Inúmeras vezes, para defender o interesse público, é preciso decidir contra a Administração Pública. Em segundo lugar, a lei instituidora ou disciplinadora da arbitragem nos contratos administrativos não está vedando o acesso ao Poder Judiciário, mas, sim, apenas, proporcionando uma alternativa, que pode ser utilizada com maior ou menor intensidade, para certas espécies de conflitos (por exemplo, questões técnicas ou econômicas), não havendo possibilidade alguma de se excluir totalmente o controle jurisdicional da Administração Pública, conforme se demonstrará mais adiante. [...] Em terceiro lugar, a possibilidade de solução de conflitos pelo critério da eqüidade é simples faculdade, que pode existir ou não nas arbitragens envolvendo exclusivamente particulares (confira-se arts. 1.040 do CC e 1.075, IV, do CPC), mas que não pode ser aplicada aos contratos administrativos. Isto mostra a necessidade de uma disciplina específica das arbitragens aplicadas aos contratos administrativos, como utilização apenas subsidiária dos Códigos existentes. Para completar, cabe, apenas, acrescentar que a União Federal é competente para legislar sobre esse assunto, expedindo normas gerais (sem ofender a autonomia política e administrativa de Estados e Municípios), com base nos artigos 22, XXVII, e 175 da Constituição Federal. Ressalta-se, todavia, que a falta de normas gerais não impede a edição de normas específicas (detalhadas, particularizadas) federais, estaduais, distritais ou municipais, cada uma com eficácia restrita ao seu respectivo âmbito de validade.229
Não há, portanto, contrariedade ao princípio da supremacia do interesse
público, muito menos ao princípio da indisponibilidade do interesse público.
Assim, nada impede a Administração Pública230 de fazer uso do instituto da
arbitragem nos contratos administrativos231 advertindo-se, para tanto, que é
229 DALARRI, Adilson Abreu. Arbitragem na concessão de serviços públicos. Boletim de Direito Municipal. n. 11. São Paulo: 2001. p. 788. 230 Ver BINENBOJM, Gustavo. Da Supremacia do Interesse Público ao Dever de Proporcionalidade: Um Novo Paradigma para o Direito Administrativo. In Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio da Supremacia do Interesse Público. Org. Daniel Sarmento. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p.117/169. 231 O entendimento do Tribunal de Contas da União evoluiu juntamente com a Lei 8.987/95. Em julgado datado de 1993 na Decisão nº 286/1993 - Processo nº 008.217/93-9, tendo como Relator o Ministro Homero Santos (Publicado no DOU em 04/08/1993), tem-se pela Ementa que: “[…] o juízo arbitral é
dever da Administração atender sempre o interesse público e em função deste
pautar seus atos. Conforme ressalva Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
O princípio do interesse público deverá ser sempre atendido nas relações contratuais com a Administração e isso é legalmente indisponível. Não obstante, as condições que esse atendimento se dará ou se possa dar é matéria administrativamente disponível, sempre que haja concurso com os outros princípios constitucionalmente relevantes.232
De mais a mais, não há previsão na legislação brasileira desautorizando
a arbitragem nos contratos administrativos. Pelo contrário, existe lei específica
autorizando seu emprego, o que reforça o entendimento de que a
Administração Pública está acobertada pelo véu da lei.
É importante a visão de Marcos Juruena Villela Souto, quanto ao
princípio da indisponibilidade do interesse público:
O argumento de que o “princípio da indisponibilidade do interesse público impede acordos, transações e agilização da solução do conflito merece ser revisto à luz da idéia da legitimidade pelo processo. Afinal, é no processo que devem ser conhecidos e compostos os vários interesses, da sociedade, do administrado e do Erário. O interesse público se realiza com a composição de conflitos e não pela permanência, que só afugenta investidores que podem trazer os recursos que levam ao desenvolvimento.233
O Legislador brasileiro, quando disciplina acerca da arbitragem nos
contratos administrativos, pretende dotá-los de garantias e atrativos no sentido
de torná-los mais eficientes e seguros, tanto para o investidor privado, como
para o Poder Público que, com esse instituto, não esperará, como de costume,
por uma solução judicial sem fim na solução de um conflito que venha a ocorrer
na execução de contratos que beneficiam toda uma coletividade.
inadmissível nos contratos administrativos[…]. Entretanto, em outro momento , agora sob a égide da Lei nº 8.987/95 o TCU admite a arbitragem nos contratos administrativos. Ver Decisão nº 188-65. Processo nº 006.098/93-2. Relator Ministro Paulo Affonso Martins de Oliveira. Publicado no DOU, em 22/05/1995. 232 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O futuro das cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos. Direito Administrativo Brasil – Argentina, Estudos em homenagem a Aguntín Gordillo. Coord. Farlei Martins Riccio de Oliveira. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 94 233 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Parcerias Público-Privadas. Revista de direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Vol. XVII. Coord. Flávio Amaral Garcia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. pp. 39-40.
São notórios os exaustivos recursos judiciais e o excesso de
formalidades, que inviabilizam solução de continuidade e causam sérios
prejuízos ao interesse público quando se leva para o Judiciário questões que,
em seis meses, se resolvem pelo procedimento arbitral (art. 23, da Lei nº
9.307/1996). 234
Além do mais, com a arbitragem ter-se-á enormes benefícios no sentido
de se operar segurança jurídica aos contratantes conforme se nota em diversos
ordenamentos jurídicos mundiais e, sobretudo, garantia célere do direito à
justiça. No entendimento de Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Marcos
Juruena Villela Souto, em artigo conjunto, tentativas que garantam o direito à
justiça são atualmente indispensáveis:
Assim, não obstante a tentativa, que é sempre alvitrada, para manter um obsoleto monopólio da justiça (que não se confunde com o monopólio da jurisdição – este, inerente ao próprio conceito de Estado), de resolver essa situação com o mero aumento de estrutura judiciária (cartórios, juízos, orçamento, modificação na legislação processual e informatização da justiça), tornou-se indispensável nos Estados contemporâneos a adoção de fórmulas adicionais de solução de conflitos, em especial, a revitalização dos sistemas extrajudiciais, com destaque, no caso, para a arbitragem, o que MAURO CAPPELETTI, denominou de terceira onda do movimento universal de acesso à justiça.235
Neste caso é igualmente importante ressaltar que a Lei de concessões e
permissões de serviços públicos, como também a lei geral de arbitragem,
fundamentam-se na autonomia da vontade, ou seja, na livre vontade dos
contratantes em optarem pelo método de solução de conflitos que entendam
ser melhor.
Além disso, deve-se salientar, não obstante, o entendimento de parte da
doutrina e da jurisprudência que têm ainda um olhar conservador, fundado em
entendimentos vinculados à supremacia e a indisponibilidade do interesse
público quanto à autorização da arbitragem nos contratos de concessão e
234 Pesquisas efetuadas nos Tribunais brasileiros revelam que atualmente há um total de 36 milhões de processos em tramitação no país. E o tempo médio de solução de demandas judiciais é de 12 anos. In OLTRAMARI, Alexandre. Vai, quelônio, vai. Revista Veja. 13 de Dezembro. São Paulo: Editora Abril, 2006. p. 61. 235 In SOUTO. Marcos Juruena Villela. Arbitragem em contratos firmados por empresas estatais. Direito administrativo em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 450.
permissão de serviços públicos, e mais recentemente nos contratos de
Parcerias Público-Privadas que, a flexibilização na condução da Gestão
Pública não diminui o poder do Estado, pelo contrário, o confirma e o fortalece.
Sergio Ferraz, quando se refere à autocracia estatal, ensina: “[...] a
atitude dos juristas, em sua maioria, tem ocasionado indiscutível reforço as
posições autoritárias da Administração Pública. E, como já exposto
autoritarismo e justiça social são conceitos inconformáveis.”236
De tal modo é para Marçal Justen Filho:
A democratização do exercício do poder estatal conduz o Estado a realizar acordos com os particulares, travando relações em níveis de colaboração. Em contrapartida, a natureza pública dos interesses assumidos constrange os particulares a vincular seus interesses intentos egoísticos à satisfação da função social da propriedade e do lucro privado. A conseqüência reside em um real acionamento entre a Administração Pública e iniciativa privada adquire contornos de equivalência entre si, todos assumidos a subordinação em face do interesse público.237
O importante é realçar que a Administração Pública contemporânea se
regula pelo arrefecimento das posições autoritárias e de supremacia,
exatamente para melhor alcançar interesses públicos que levem,
especialmente, à justiça social.
2.4. As agências reguladoras e o instituto da arbitragem no exercício da função
judicante
Ao transferir a prestação dos serviços públicos à iniciativa privada, o Estado tem por objetivo que os interesses públicos sejam realizados de maneira mais eficiente. Esse novo papel estatal se justifica, portanto, para assegurar que os interesses públicos sejam efetivamente alcançados. Para tanto, foram criadas as agências reguladoras, autarquias especiais dotadas de
236 FERRAZ, Sergio. A criatividade de Agustín Gordillo. Direito administrativo Brasil-Argentina. Estudos em Homenagem a Agustín Gordillo. Coord. Farlei Matins Riccio de Oliveira. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 307. 237 JUSTEN FILHO, op. cit. 2003. p.59.
autonomia, independência e especialização,238 objetivando implementar políticas públicas para cada setor especifico.239
Para que as agências executem políticas públicas e cumpram os fins para os quais foram criadas, foi necessário dotá-las de funções: executiva, normativa, fiscalizatória, sancionatória e judicante.
A função judicante é procedimento regulatório de solução de conflitos
autorizado por lei que consiste na composição ou solução de eventuais
conflitos que possam surgir nas relações sujeitas à intervenção regulatória.
Impõe-se que essas decisões sejam tomadas a partir de uma ponderação entre
custo e benefício das conseqüências para todo o segmento regulado e para o
mercado como um todo. Os instrumentos jurídicos consensuais da mediação,
conciliação e arbitragem, utilizados para solucionar conflitos, como sabido,
decorrem diretamente da observância do princípio da eficiência.240
Como a atividade regulatória se caracteriza pela triangularidade, ou seja, pelas relações entre Estado, concessionários e usuários ou consumidores, o escopo da regulação é cultivar essas relações de maneira que seja atrativa e benéfica para todos. Deste modo, é com a conveniente ponderação entre os interesses envolvidos, que se assegurará essa atividade à proteção dos direitos de todos.
Dentro da moldura regulatória, a função judicante é atividade dotada de poderes conferidos por lei para dirimir conflitos entre as partes integrantes dos seguimentos regulados, tendo em vista sua especialização técnica que a torna mais célere que a Jurisdição Estatal.
Implica em dizer que a função judicante das agências reguladoras é uma de suas mais importantes características. Essa especialidade se autentica, haja vista a velocidade com que se apresentam as mudanças tecnológicas, econômicas, sociais e políticas, acarretando para a Administração Pública constante adaptação e busca de harmonia nas relações entre os vários integrantes que compõem os mercados regulados.
Além do mais, as complexas peculiaridades técnicas de cada setor regulado não comportam, dentro dessa conjuntura, demora na procura de solução de controvérsias que surgem nessas relações. Soluções rápidas, entretanto, devem vir acompanhadas de conhecimentos técnicos e de busca da
238 “[...] As agências reguladoras, no entanto, tornaram-se peças fundamentais no ambicioso projeto nacional de melhoria da qualidade dos serviços públicos e de sua universalização, integrando ao consumo a cidadania e à vida civilizada enormes contingentes mantidos à margem do progresso material. BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras e Democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006a. pp. 86-87. 239 “A teoria sistêmica do direito comunicando a norma jurídica com o social e a práxis significativa fornece um importante passo para a construção de uma nova teoria do direito relacionada com as funções do Estado: aqui estamos claramente refletindo sobre o direito de um Estado interventor.” ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e democracia. São Leopoldo: UNISINOS, 1998. p. 84. 240 Art. 37, caput, da Constituição Federativa do Brasil de 1988.
consensualidade, não havendo espaço para disputas entre partes que procuram tão-somente satisfazer interesses individuais ou de corporações. Os benefícios e os custos nas soluções de conflitos devem ser avaliados.
A função judicante, por meio de solução consensual de conflitos, é, portanto, elemento de potencialização do desenvolvimento dos mercados regulados. Vale sempre a doutrina de Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
Finalmente, abre-se este campo, da atuação reguladora, em que, não existindo um interesse público específico legalmente predefinido, todos os interesses em conflito ou potencialmente conflitivos admitem legitimamente pem querados e até negociados. O que patenteia a existência de uma ampla disponibilidade relativa para o exercício judicativo extrajudicial da função reguladora, não só pela conciliação e mediação, que são sempre possíveis, como pela via do
arbitramento.241 De tal modo, o exercício da função judicante fundada em elementos
técnicos próprios de cada segmento, na celeridade dos julgados, na redução do ônus dos custos, na imparcialidade e, sobretudo, na ausência de critérios políticos, conduzem a que as agências reguladoras, em decorrência do uso de tais mecanismos, alcancem melhores condições de crescimento do mercado, de preço, qualidade e eficiência na prestação dos serviços, como, também, maior segurança jurídica para todos os participantes.
Assim, verifica-se que a principal motivação para atribuir às agências reguladoras a função de composição de conflitos é a especialização do ordenamento setorial e a celeridade dos julgados pontos frágeis do Judiciário.242 Nessa linha, veja-se o entendimento de Marçal Justen Filho:
A solução de criação de agências com poderes jurisdicionais refletiu a constatação da insuficiência da estrutura do Poder Judiciário para prestar a jurisdição de modo adequado, rápido e satisfatório. Não se admitiu a substituição das cortes judiciais pelas agências de modo geral e ilimitado. Mas se admitiu que os litígios surgidos no desenvolvimento de atividades muito especificas e caracterizadas por
241 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.111. 242 Em artigo tratando acerca da reforma do Judiciário, Maria Tereza Aina Sadek da Universidade de Campinas, São Paulo observa: “O fenômeno da judicialização da política é reconhecido por cerca de 42% dos juízes (soma de "muito freqüentemente" e "freqüentemente")[...] A transferência para o Judiciário de decisões que seriam classicamente de responsabilidade do Executivo ou do Legislativo transforma magistrados em atores políticos e, mais do que isso, confere aos integrantes do Judiciário a responsabilidade e também o ônus de tomar decisões que se traduzem em políticas públicas. Por outro lado, tal possibilidade, combinada com uma percepção crítica do positivismo jurídico justifica e dá aos juízes um papel relevante como atores políticos de primeira grandeza.[...] É notável que quase ¼ dos entrevistados reconheçam que "muito freqüentemente" e "freqüentemente" decisões refletem a visão política dos magistrados. A metade afirma que isso só ocorre "ocasionalmente" – o que não deixa de ser uma admissão da influência da visão política sobre as decisões. Observe-se que apenas 1,9% dos que se manifestaram disseram que tal reflexo "nunca" ocorre. [...] Segundo os juízes, causas relacionadas à privatização, à regulação dos serviços públicos, ao meio ambiente e trabalhistas são as mais suscetíveis à "politização", isto é, ocorre com mais freqüência que decisões referentes a essas questões sejam mais baseadas nas visões políticas do magistrado do que na leitura rigorosa da lei. Saliente-se que, para 25% dos entrevistados, em decisões envolvendo a privatização, a "politização" é "muito freqüente", sendo que para 31% ela é "algo freqüente" e para apenas 5,5% isso "nunca ou quase nunca" se verifica.” SADEK, Maria Tereza Aina. Poder Judiciário: perspectiva de reforma. Scienticic Eletronic Library Online. Disponível em:<http//www.scielo.br>. Acesso em 23/11/2006.
especialização técnica, empresarial ou jurídica fossem assujeitadas à jurisdição das agências.243
Para Floriano Azevedo Marques Neto, as agências reguladoras, com suas funções, respeitam a necessidade que o Estado tem de estabelecer uma maior interlocução da sociedade, mormente em setores tão sensíveis como aqueles afetos à produção de utilidades públicas.244 Quanto à função judicante, assim avalia:
[...] as autoridades reguladoras autônomas se caracterizam como espaços privilegiados de mediação e interlocução com as corporações contemporâneas, assim entendidos os grupos de interesses cada vez mais numerosos, complexos, articulados e relevantes no cenário nacional e internacional. Neste contexto, revelam-se mais adequados espaços de mediação de conflitos que os espaços tradicionais do Parlamento, do Judiciário e mesmo dos organismos centrais do Executivo245.
Floriano Azevedo Marques Neto, analisando a importância das relações e dos valores envolvidos no processo judicante, assegura:
Nada mais é preciso acrescentar em encômio dessa extraordinária vantagem que a regulação apresenta sobre as soluções tradicionais de redução dos conflitos setoriais, para solucioná-los com rapidez, como muito convém a esses tipos de relações sensíveis, em que importantes valores estão permanentemente em jogo.246
Não se pode esquecer, ainda, que no exercício da função judicante,
quando as partes interessadas chegam a uma composição de conflitos por
meio da intermediação da agência reguladora, ocorre, nesse momento, a
concretização do princípio democrático, tanto quanto ocorre na participação
dos interessados em audiências públicas247 para entrega de sugestões para
dado setor no processo regulatório normativo.
Em síntese, a composição de conflitos deve passar pela identificação
dos motivos, valoração técnica, ponderação dos interesses envolvidos, busca
da consensualidade, para que o resultado da solução alcance mais
243JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. p.101. 244MARQUES NETO, op. cit. p. 81. 245 MARQUES NETO, op.cit. p.82. 246 MARQUES NETO, op.cit. p.111. 247 De acordo com Gustavo Binenbojm as audiências públicas servem para: “avaliar se a competência regulatória dos agentes foi exercida dentro dos limites” e, que estas: “Consistem na realização de sessões abertas a cidadãos individualmente considerados, associações e demais interessados. Nestas ocasiões são esclarecidos e debatidos temas relativos a processos administrativos decisórios em curso e projetos de lei propostos pela agência. O resultado do debate não tem caráter vinculante para a agência, objetivando tão-somente dar aos participantes a oportunidade de oferecer sugestões e esclarecimento. Contudo, não se admite brusca alteração da norma proposta sem aviso prévio e sem realização de novo procedimento. Além disso, a realização da audiência pública constitui formalidades essencial aos atos administrativos a ela vinculados, disso dependendo sua validade.” BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras
rapidamente todos os interesses, visando sempre à eficiência na prestação dos
serviços regulados, o bem-estar da coletividade e o estímulo dos investimentos
por parte da iniciativa privada.
A lei de concessões de serviços públicos é o paradigma para o uso dos
institutos de consenso. A partir dela as leis criadoras das agências reguladoras,
ao longo dos anos, instituíram a solução consensual de conflitos por meio dos
métodos não adversariais (mediação, conciliação e arbitragem). Além daquela,
a Lei nº 9.307/96, é utilizada de forma subsidiária no processo extrajudicial de
solução de conflitos, ou seja, a arbitragem.
Ressalte-se que as controvérsias que submetem a utilização da
arbitragem nos contratos administrativos, na Administração direta e nas
Agências Reguladoras, como autarquias, são as mesmas. Dizem respeito ao
tema da legalidade, da indisponibilidade dos interesses públicos, da
constitucionalidade e do princípio da jurisdição una.
Não obstante tais controvérsias terem sido objeto de discussão nos
itens anteriores, vale, ainda, o posicionamento de Sálvio de Figueiredo
Teixeira, que assim leciona acerca do princípio da jurisdição universal do Poder
Judiciário:
Cuida-se de comando constitucional que o Judiciário brasileiro cultiva com justificado zelo e que tem merecido da doutrina acentuado relevo. Daí a defesa que a cultura jurídica do país dele faz, posto na Constituição de 1946 em proteção do cidadão e como advertência ao legislador, a espelhar o repudio do constituinte de então às arbitrariedades do período ditatorial que se findara [...] A exemplo do que também ocorreu em relação ao modelo anterior, não faltarão vozes, e respeitáveis, como já estão a ser ouvidas aqui e acolá, de que o novo instituto poderia representar uma fenda na solidez dessa garantia.[...] Tenho por não justificar-se, contudo, esse temor, mais que inquietação, na medida em que o modelo de arbitragem adotado pela Lei 9.307/96 dele não exclui o Judiciário. E isso por múltiplas razões.248
Em suma: essa alternativa ao Judiciário não traz, por conseguinte, qualquer ameaça ao princípio da jurisdição una, tendo em vista ser a
Independentes e Democracia no Brasil. Agências reguladoras e democracia. Coord. Gustavo Binenbojm. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p.106 248 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A arbitragem no sistema jurídico brasileiro. Revista de Arbitragem e Mediação. Coord. Arnoldo Wald. Ano 1, n.1. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2004. p. 30.
alternativa de solução de conflitos opção pela ponderação técnica e prerrogativa conferida nas leis instituidoras das agências.
Assim, à luz dos poderes que foram conferidos pelas leis, tem-se que as
soluções de conflitos por meio de mecanismos de consensualidade estão
previstas em quase todas as Leis criadoras das agências reguladoras no Brasil,
tais como: Lei nº 9.427/96 da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica;
Lei nº 9.472/97, da ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações; Lei nº
9.478/97 da ANP – Agência Nacional do Petróleo; Lei nº 10.233, de 2001 da
ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários; Lei nº 11.182/05 da
Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC.
Na Lei nº 10.848/2004, que dispõe acerca da criação do novo modelo
para o setor elétrico, há também previsão de arbitragem a ser realizada pela
Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE.249
Percebe-se, portanto, que, no geral, as leis instituidoras das agências
tomaram o cuidado de estabelecer os meios de soluções consensuais de
conflitos e a arbitragem como importante meio de viabilidade dos contratos e
dos mercados regulados. Constitui-se, via de regra, como resultado à
observância do princípio da legalidade e, especialmente, como instrumento de
negociação que conduz mais rapidamente ao desenvolvimento e fomento das
atividades reguladas.
Assim, a função judicante dentro da moldura regulatória exerce papel preponderante, pois, além de solucionar conflitos impregnados de visão de
249A Lei nº 10.848/2004, art. 4o: “Fica autorizada a criação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE, pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, sob autorização do Poder Concedente e regulação e fiscalização pela Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, com a finalidade de viabilizar a comercialização de energia elétrica de que trata esta Lei [...]; § 5o As regras para a resolução das eventuais divergências entre os agentes integrantes da CCEE serão estabelecidas na convenção de comercialização e em seu estatuto social, que deverão tratar do mecanismo e da convenção de arbitragem, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996. § 6o As empresas públicas e as sociedades de economia mista, suas subsidiárias ou controladas, titulares de concessão, permissão e autorização, ficam autorizadas a integrar a CCEE e a aderir ao mecanismo e à convenção de arbitragem previstos no § 5o deste artigo.” BRASIL. Lei nº 10.848, 15 de março de 2004. Dispõe sobre a comercialização de energia elétrica, altera as Leis nos 5.655, de 20 de maio de 1971, 8.631, de 4 de março de 1993, 9.074, de 7 de julho de 1995, 9.427, de 26 de dezembro de 1996, 9.478, de 6 de agosto de 1997, 9.648, de 27 de maio de 1998, 9.991, de 24 de julho de 2000, 10.438, de 26 de abril de 2002, e dá outras providências. Disponível em: <htpp//www.planalto.gov.br>. Acesso em 20/11/2006.
futuro, não permite que conflitos se arrastem por longos períodos, evitando, com isso, conseqüências que provoquem a estagnação do setor regulado em conflito no momento da solução ou, ainda, no futuro.
A ponderação entre custo e benefício, ou seja, a ponderação (reflexão, tino, prudência, bom senso, peso de alguma coisa)250 técnica, deve ocorrer antes de qualquer solução que o órgão regulador venha a tomar no processo regulatório judicante. Dessa forma, embora seja a regulação um instrumento de restrição de liberdade, deve buscar, no entanto, a maximização do benefício geral em relação aos ônus criados.251
Segundo Floriano Azevedo Marques Neto, trata-se de mecanismo privilegiado para todos os envolvidos:
Ao mediar a arbitrar os diversos interesses eredados na atividade regulatória as agências exercitam uma atividade que poderia ser conotada como própria ao Poder Judiciário. Na feliz formulação de Bilac Pinto, atividades semijurisdicionais. Bem verdade que não afastam as funções do Judiciário (uma vez que resta incólume o recurso à tutela jurisdicional aos interessados), porém exercem, no âmbito do subsistema regulado, uma função de elevada especialização e complexidade técnicas, o que as transforma em lócus privilegiado pelos grupos de interesse para dirimição de seus conflitos.252
Não se pode esquecer, contudo, que a função judicante está adstrita à
Constituição e às leis. Portanto, o exercício dessa função deve acatamento aos
princípios constitucionais orientadores da Administração Pública.253 Tal
alternativa é ao mesmo tempo observância ao princípio da subsidiariedade
(princípio que se revela na participação da sociedade no alcance do interesse
coletivo, conforme entendimento de Diogo de Figueiredo Moreira Neto254 essa
participação ocorre por meio de entidades de colaboração e cooperação), em
que somente se levará ao Judiciário conflito que os especialistas ou técnicos
dos setores regulados não consigam solucionar.255
250FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 2 ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. p.1360. 251 CUNHA, Paulo César Melo da. Regulação jurídica da saúde suplementar no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 208. 252MARQUES NETO, op. cit. pp.92-93. 253 Exercendo as agências suas funções observando aos princípios da legalidade, motivação, eficiência, transparência, imparcialidade e proporcionalidade, alcança-se, o objetivo de desenvolvimento, tanto do setor regulado como da própria agência. 254MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Organizações Sociais de Colaboração (Descentralização Social e Administração Pública Não-Estatal). Revista de direito administrativo. n 210, out/dez. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p.194. Ver, ainda, sobre o princípio da subsidiariedade: TORRES, Silvia Faber. O princípio da subsidiariedade no direito público contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar. 2001. pp. 267-268. 255 In SOUTO. Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p.63.
Vale dizer, ainda, que as agências reguladoras devem, no exercício de
sua função judicante, atuar de forma imparcial não permitindo que prevaleça
solução política, ou seja, que a vontade de governantes em benefício próprio
ou de outrem (ou que forças do poder econômico) preponderem em face ao
interesse do setor regulado. Caso contrário, às agências correm o risco de
esvaziar sua autonomia e independência.
A atividade judicante faz parte, portanto, da moldura regulatória e, por
conseguinte, não pode ser desconsiderada.256 Partindo disso, tem-se que o
processo regulatório de solução de conflitos, por intermédio de seus métodos é
meio pelo qual se equilibram interesses e valores em concorrência para, ao
final, definir especificamente o interesse que deverá prevalecer.
As agências reguladoras, nesse contexto, devem garantir que igualdade
e imparcialidade sejam a tônica do processo de soluções de conflitos para
exercer, desse modo, legitima e democraticamente, sua função judicante.
Sem esquecer, portanto, que o potencial de conhecimentos técnicos
específicos das agências para cada mercado regulado é uma dos benefícios
em relação ao Judiciário e que essa função regulatória está atrelada ao
atendimento dos fins públicos aos quais está vinculada.
Por outro lado, é determinante que, nos atos de solução de conflitos
entres as partes que pertencem à determinada esfera regulada, sejam as
mesmas ouvidas e que participem do processo realizado pelas agências no
exercício de sua função judicante, em observância ao princípio democrático.
Em síntese, mesmo com todas as controvérsias que envolvem o tema,
os fundamentos para a instituição de função judicante, incluído nessa a
arbitragem, e, conseqüentemente, suas vantagens, são, além da
especialização técnica para solução de conflitos de alta complexidade,
celeridade, imparcialidade, alternativa ao Judiciário (que, por sua falta de
estrutura e excesso de formalismo, dificulta o desenvolvimento dos mercados
sujeitos à regulação, no fortalecimento de sua independência, encontra-se,
256 In SOUTO. Marcos Juruena Villela. op.cit. p. 66.
como dito, a realimentação advinda da experiência dos julgados para constante
aperfeiçoamento das normas regulatórias.257
A utilização dos institutos da conciliação, mediação e arbitragem traz
benefícios para todos os envolvidos no universo regulado. Valendo-se desses
meios chega-se mais rapidamente à harmonia de direitos e interesses.
Nota-se que a função regulatória judicante se justifica na evolução da Administração Pública, que busca a integração dos mercados regulados com a participação de todas as partes para satisfazer o bem comum e o desenvolvimento econômico e social.
Para tanto, cabe mais uma observação de Diogo de Figueiredo Moreira
Neto:
Finalmente, em sentido formal, as decisões reguladoras setoriais, tomadas no exercício dessa ponderação politicamente neutra de interesses concorrentes, devem obedecer ao devido processo legal, sempre informando por ampla investigação dos fatos e plena visibilidade (transparência), no qual todos os aspectos conflitivos deverão ser amplamente equacionados e motivadamente considerados, preferentemente com aberta participação de todos os interessados.258
Relembre-se que a arbitragem regulatória não se confunde com a comercial, devendo, contudo, dela utilizar-se subsidiariamente quanto ao procedimento. Na arbitragem comercial, as partes, por meio do princípio da autonomia da vontade, celebram compromisso arbitral, pelo qual serão solucionados conflitos por meio de árbitro eleito por elas e dotado de imparcialidade e independência. 259
A Lei nº 8.987/95, artigo 23, XV e 23-A (este introduzido pela Lei nº 11.196/2005), trouxe a previsão de solução extrajudicial nos contratos públicos. Entretanto, a cláusula de arbitragem é obrigatória.
A priori pode-se até entender que se trata de contrato de adesão (que não é o caso) e que estar-se-ia desse modo ferindo o princípio da autonomia da vontade. Entretanto, para Marcos Juruena Villela Souto, ao contrário:
Não há qualquer violação ao Princípio da Autonomia da Vontade. Quem adere a um segmento regulado se compromete a cumprir e a se submeter a todo o ordenamento jurídico setorial que orienta o seu funcionamento, que tem implícito o poder da agência reguladora baixar normas estabelecendo limitações à liberdade do contratado, interferindo nas relações entre fornecedores e entre fornecedor e consumidor. Este contrato relacional vai ser constantemente
257 Para melhor conhecimento ver SOUTO. Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. pp. 62-72. 258MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.133. 259 Em vista de que a arbitragem comercial regular-se pela Lei n 9.307/1996 de âmbito privado e a arbitragem regulatória é legitimada pelas leis de criação das agências reguladoras. Não obstante, a fonte legal ser diversa, a arbitragem regulatória pode se valer supletiva ou subsidiariamente da Lei 9.307/1996 naquilo em que não esteja pormenorizado nas leis específicas de cada agência.
fiscalizado e atualizado por normas emanadas da agência reguladora e os conflitos vão ser, possivelmente, solucionados pela via arbitral regulatória também.260
De tal modo, embora seja essa premissa razoável - no sentido de que no contrato de adesão não há negociação das condições contratuais-, ela cai por terra no momento em que a própria lei de arbitragem estabelece que a escolha do processo arbitral há que se perfazer por meio de cláusula compromissória, ou seja, por meio da concordância pela utilização desse mecanismo de solução de conflitos, após o conflito instaurado com o termo de compromisso.
A solução de conflitos de interesses entre os agentes do setor regulado
e o poder concedente e entre estes e usuários é, sobretudo, importante, devido
à complexidade de cada setor regulado. Importa ressaltar, p. ex., casos de
conflitos envolvendo regimes hidrológicos das bacias hidrográficas, ou ainda,
de gerenciamento adequado dos potenciais hidráulicos do país ou também de
conflitos gerados pelo uso múltiplo das águas, que demandam tanto a
celeridade no processo de solução, quanto de decisões especializadas.261
Importa ressaltar, ainda, que as agências reguladoras são meio de
atendimento de melhoria na qualidade de vida do cidadão brasileiro e, diante
disso, suas funções, dentre estas a judicante, são relevantes para que esse
atendimento seja alcançado. De acordo com Luis Roberto Barroso:
As agências reguladoras, no entanto, tornaram-se, peças fundamentais no ambicioso projeto nacional de melhoria da qualidade dos serviços públicos e de sua universalização, integrando ao consumo, à cidadania e à vida civilizada enormes contingentes mantidos à margem do progresso material. Se esse projeto fracassar, será um longo caminho de volta.262
Por fim, em razão da complexidade de cada
setor regulado, da duração dos contratos e do vulto
dos investimentos, utilizar a arbitragem como
método de solução de conflitos é ampliar a
260SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p.196. 261 As informações obtidas através dos dados para atendimento da Resolução 396/98 serão fundamentais para o aprimoramento do conhecimento dos regimes hidrológicos das bacias hidrográficas, para o gerenciamento adequado dos potenciais hidráulicos do país, e para a mediação de futuros conflitos gerados pelo uso múltiplo das águas. As ferramentas em desenvolvimento irão facilitar o acompanhamento da situação dos reservatórios hidrelétricos e da sua área de contribuição, e a realização de estudos hidrológicos para tomadas de decisões a respeito das afluências e defluências. BRASIL. Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL.
Disponível em:<http://www.aneel.gov.br>. Acesso em 02/06/2006.
262 BARROSO, op. cit. 2006. p. 87.
possibilidade de obter mais rapidamente a satisfação
dos interesses públicos, da democratização e da
efetividade da Justiça nas relações jurídicas no
âmbito dos contratos sujeitos à regulação estatal.
2.5. O instituto da arbitragem nos contratos de Parcerias Público-Privadas
Na era das concessões de serviços públicos, em que contratos foram
celebrados com enorme interesse por parte dos particulares, sobretudo, por
serem negócios lucrativos e dotados de certo grau de garantias, crescem as
necessidades de investimentos em áreas pouco atrativas para o capital
privado, entretanto, estratégicos para o cumprimento da obrigação do Estado
de prestar serviços de relevância social, especialmente no setor de infra-
estrutura. Surgem, então as Parcerias Público-Privadas – PPP’s 263 como
alternativa para reativar esses investimentos de relevância para o
desenvolvimento nacional.
As Parcerias Público-Privadas são modalidade de contratos
administrativos criados pela Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004,264 e
que se dividem em duas modalidades: concessão patrocinada, com a
contraprestação pelo setor público de tarifa adicional àquela cobrada aos
usuários do serviço público; e a concessão administrativa, em que o Poder
Público assumirá integralmente a contraprestação pela prestação do serviço.
A criação das Parcerias Público-Privadas do direito brasileiro
fundamenta-se, principalmente, em um contexto de escassez de recursos
públicos para investimentos essenciais na infra-estrutura brasileira265 e na
263 Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, artigo 1º: “Esta Lei institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.” e parágrafo único: “ Esta Lei se aplica aos órgãos da Administração Pública direta, aos fundos especiais, às autarquias, às fundações públicas, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública.” BRASIL. Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Disponível em: <htpp//www.planalto.gov.br>. Acesso em 20/11/2006. 264 Termo originado das Public Private Partnerships criadas na Inglaterra em meados da década de 90. 265 Nos contratos de concessões e permissões de serviços públicos ocorre a transferência da execução dos serviços por conta e risco do investidor privado que se remunera por meio de tarifas. Nestes, há um
moderna forma de atuação administrativa que norteia-se pelo cumprimento do
princípio da eficiência (artigo 37, caput, da CRFB/1988) na prestação de
serviços públicos. Aliás, repita-se, é esse um dos principais motivos, que induz
a transferência desses serviços pelo Estado para a iniciativa privada.
Marçal Justen Filho, discorrendo acerca da importância da união entre o
setor público e privado nas concessões de serviços públicos, aprimora a idéia
dos objetivos de tais parcerias:
A prestação de serviço público adequado e satisfatório se configura como um objetivo comum, compartilhado pelo estado, Sociedade Civil e também pelo concessionário. A concessão é um meio de obter a colaboração dos particulares no desempenho de serviços públicos. O intento de realizar o bem-comum autoriza o Estado a estabelecer unilateralmente as regras acerca do serviço e a fiscalizar a atividade do concessionário. Mas o concessionário não é um “inimigo” da Administração tanto como não pode ser combatido com um “explorador” da comunidade. Como apontam EDUARDO GARCIA DE ENTERRÍA e TOMÁS-RAMÓN FERNANDEZ, “Administração” concedente e concessionário privado aparecem desse modo como colaboradores comprometidos na consecução de um mesmo fim, mais do que como antagonistas em uma pura relação de intercambio.” Existe uma comunhão de interesses entre Estado, Sociedade e concessionário. Todos têm uma finalidade comum, consistente na obtenção do melhor serviço publico possível, com a tarifa mais reduzida. A frustração do empreendimento sob o prisma do concessionário representa a inviabilização da satisfação do interesse coletivo. Prejudicará o Estado e a Sociedade. [...] Sobe todos os prismas a única solução cabível reside em considerar que os três núcleos de interesses se conjugam de modo coerente e harmônico. Mais do que um contrato comutativo, a concessão é uma via associativa, por meio da qual se produz a conjugação de esforços de diversa origem e qualitativamente distintos, para a realização do interesses comuns.266
Partindo dessa premissa tem-se que os mecanismos de atração da
iniciativa privada para, juntamente com o Poder Público, viabilizar políticas
públicas em torno do atendimento do interesse coletivo, faz parte de uma atual
adicional pecuniário do Poder Público ao parceiro privado. Conforme se pode ver nos artigos artigo 2º e seus parágrafos: “Artigo 2o Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. § 1o Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. § 2o Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.” 266 JUSTEN FILHO, op. cit. 2003. p. 62.
concepção voltada para crescimento e benefícios de todos os envolvidos, ou
seja, a sociedade, o parceiro privado e o setor público.
Nesse contexto, é inequívoco que os investimentos em infra-estrutura se
impõem. Passada já está à hora de promover essas conquistas. O País
necessita urgentemente de investimentos em estradas, saneamento básico,
segurança pública, educação, presídios, portos, energia, aeroportos e, etc.
E uma das garantias de grande relevo para a atração do capital privado
para tais investimentos prevista na Lei Federal das Parcerias Público-
Privadas267 é a expressa disposição acerca do instituto da arbitragem nesses
contratos. O que traz inegavelmente um grande avanço no sentido de acabar
com a controvérsia da não aplicação desse instituto nos contratos
administrativos.268
Com a previsão da arbitragem no artigo 11, inciso III, da Lei de Parcerias
Público-Privadas,269 fica evidente, de uma vez por todas, que o que se espera
da criação de mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos nos contratos
administrativos: além de alternativa ao Judiciário, é equilibrar interesses,
alcançar a eficiência e, por conseguinte, facilitar a atração de investimentos nos
segmentos de infra-estrutura de modo a dar-se partida em novo período no
desenvolvimento socioeconômico no Brasil.
267 Estados brasileiros já promulgaram suas Leis de PPP´s, tais como: Minas Gerais – Lei nº 14.868/2003 (antes mesmo da Lei Federal), São Paulo – Lei nº 11.688/2004, Rio Grande do Sul – Lei nº , Santa Catarina – Lei nº 12.930/2004, Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Goiás – Lei nº 14.910/2004. 268 No mesmo passo da Lei de PPP´s que prevê expressamente o instituto da arbitragem, a Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005, pouco depois da promulgação da Lei de PPP´s, incluiu expressamente essa possibilidade nos contratos de concessões. 269 Artigo 11, inciso III, da Lei 11.079/2004: O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que couber, os §§ 3º e 4º do artigo 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever: [...] III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato. BRASIL. Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. BRASIL. Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Disponível em: <htpp//www.planalto.gov.br>. Acesso em 20/11/2006.
O instituto da arbitragem é alternativa que evoluiu em decorrência do
princípio da consensualidade (como visto no capitulo primeiro) e que se reveste
da autonomia da vontade. Para Maria João Estorninho: “ [...] o princípio do
consensualismo, o contrato é sempre, quer seja administrativo ou civil, a
“expressão da intenção comum das partes.”270 O Direito Administrativo
brasileiro se volta, com essa previsão de solução alternativa e consensual de
controvérsias nos contratos de PPP´s, para a valorização da autonomia das
partes e para um relacionamento mais harmônico entre os contratantes.
A previsão expressa pela Lei das PPP´s encerra contenda há muito
alongada no direito brasileiro.271 Rememore-se que logo que se autorizou a
faculdade e o uso da arbitragem pela Administração (na Lei nº 8.987./1996),
surgiram polêmicas, principalmente, no tocante à falta de legislação de âmbito
público para disciplinar a aplicação do instituto (conforme tratado no item
anterior do presente trabalho).
Diante de tal quadro, soluções se alvitraram para que a resistência por
parte da doutrina se encerrasse. No entanto, tal questão encontra-se hoje
superada. Restou comprovado que a legitimidade desse instituto fundamenta-
se não só no princípio da legalidade, mas também se abaliza, nos princípios da
autonomia da vontade, da segurança jurídica, da eficiência administrativa, da
subsidiariedade e, nos princípios da boa-fé, da confiança jurídica. E,
especialmente, no direito ao desenvolvimento. 272
270 ESTORNINHO, op. cit. 1990. p. 117. 271 Arnoldo Waldo quanto a Lei Federal de PPP´s entende que embora não haja dúvida quanto à expressa legalidade da previsão da arbitragem por essa Lei esta deveria ser mais completa no tocante ao procedimento e avalia: “Para que não houvesse futuras discussões, a lei federal poderia ter sido um pouco mais completa no assunto, não se limitando a fixar o princípio mais determinado que se previsse, desde logo, o modo de funcionamento do procedimento arbitral. Neste sentido, a lei estadual de Minas Gerais acrescenta uma fórmula sintética que poderia ser introduzida na legislação federal ou até na sua regulamentação. Efetivamente, esclarece-se, no mencionado diploma, que deverá o “procedimento ser realizado de conformidade com regras de arbitragem de órgão arbitral institucional”. Evita-se, assim, a eventual discussão entre as partes e a necessidade de intervenção prévia do Poder Judiciário para determinar o modo pelo qual a arbitragem deverá ocorrer.” WALD, Arnold. As PPP e a infra-estrutura. In Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Vol. XVII. Parcerias Público-Privadas. Coord. Flávio Amaral Garcia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 170. 272 Leon Frejda Szklarowsky discorrendo acerca da definitividade da arbitragem na Administração Pública: “Basta que o legislador se sensibilize e consinta, expressamente, que a administração se submeta à arbitragem. Recentemente, encaminhamos ao vice-presidente da República, Marcos Maciel, e ao
Essa evolução traz ainda o entendimento de que não cabe mais encarar
a arbitragem como instituto que vai de encontro ao interesse público. Pelo
contrário, atualmente, fica claro que o objeto desse instituto é o atendimento ao
interesse público. Portanto, deve-se estar atento no sentido de valorizar
inovações jurídicas que aprimorem e impulsione o desenvolvimento do País,
mormente em se tratando de diminuir as desigualdades sociais e garantir
melhor qualidade de vida com a conseqüente valorização dos direitos
humanos.
Esse mecanismo é, deste modo, considerado legítimo e capaz de trazer
o parceiro privado a colaborar com o Poder Público, haja visto ser a arbitragem
meio de evitar intervenção política na execução de contratos e meio de
garantia da estabilidade jurídica contratual. Portanto, é compromisso Estatal
com a estabilidade nos contratos e meio de valorizar o consenso entre
parceiros.273
Os contratos de Parcerias Público-Privadas são, na contemporaneidade,
soluções para aniquilar com as desigualdades sociais, haja vista os
investimentos em infra-estrutura que, além de garantir melhora dessas
desigualdades, podem ser meio de desenvolvimento econômico do Brasil.
professor Gilmar Mendes, proposta visando acrescentar à Lei nº 8.666/93 um preceito semelhante ao já existente na antes citada Lei nº 8.987/95, permitindo a solução das divergências contratuais e no âmbito das licitações, de forma amigável, por meio da arbitragem. O proposto dispositivo, norma geral, poderá ser inserido no lugar do § 4º do artigo 3º da cit. Lei nº 8.666. Esse parágrafo fora vetado e encontra-se ocioso, in verbis: O artigo 3º da Lei nº 8.666/93 fica acrescido do § 4º. ‘‘No âmbito das licitações e nos contratos celebrados pela administração pública com pessoas físicas ou jurídicas, inclusive aquelas domiciliadas no estrangeiro, as divergências contratuais e sobre o certame licitatório poderão ser solucionados, de forma amigável, por meio da arbitragem, contando com a presença de representante do contratante e desde que prevista no edital e no contrato’’. SZKLAROWSKY, Leon Frejda. A arbitragem e contratos públicos.In Boletim de Licitações e Contratos – BLC. Vol.7. Julho de 1998. 273 A intervenção política do Judiciário nos contratos traz prejuízos quanto à segurança jurídica das relações. Para comprovação veja observação de Maria Tereza Aina Sadek em pesquisa feita junto aos magistrados brasileiros quanto a questão: “O grau de politização pode ser ainda melhor observado nos percentuais de respostas relativos à tensão entre respeito a contratos e busca de justiça social [...] Ressalte-se que 73,1% dos entrevistados manifestaram-se a favor da segunda alternativa – "o juiz tem um papel social a cumprir, e a busca da justiça social justifica decisões que violem os contratos". Apenas 19,7% afirmaram concordar mais com a primeira afirmação, segundo a qual "os contratos devem ser sempre respeitados, independentemente de suas repercussões sociais". SADEK, Maria Tereza Aina. Poder Judiciário: perspectiva de reforma. Disponível em Scienticic Eletronic Library Online <http//www.scielo.br> acesso em 23/11/2006
O instituto da arbitragem é, destarte, valor agregado nos contratos de
PPP’s que visam atrair investimentos há muito indispensáveis para o País. Se
utilizados na sua plenitude, como meio premente de flexibilização e de
equilíbrio de interesses, poderão ser objeto de resultados há muito almejados
para suplantar deficit em investimentos de infra-estrutura voltados tanto para a
alavancagem dos meios produtivos como, e principalmente, para os projetos
sócio-econômicos (art. 4º, inciso IV, da Lei nº 11.079/2004).
Trata-se de questão a ser enfrentada com a sempre presente idéia de
que, sem essa previsão de arbitragem, que é patente nos contratos entre
particulares, não há como esses contratos serem objeto de atração de
investimentos pelos parceiros privados.
Com a rapidez que ocorrem às questões de
natureza empresarial, a sociedade necessita se
adaptar e encontrar caminhos que levem a melhorar
as relações contratuais. Isso ocorre também com o
Estado, que para se adaptar as transformações das
relações empresarias com os parceiros privados
procura caminhos legítimos que facilitem tais
relações. Mudanças e suas conseqüências sejam de
natureza comercial, tecnológica ou de comunicação,
faz com que não seja mais possível vedar
mecanismos que propiciem soluções céleres e
especializadas para solução conflitos que surjam no
decorrer da execução dos contratos de parcerias.
Dessa forma, vale ressaltar que diante de tais transformações o direito,
mormente o administrativo contemporâneo, se adequou na facilitação das suas
regras, no momento da celebração e execução dos contratos com parceiros
privados, daí se retira que agora é momento de mais flexibilização e, mais
além, as experiências com os contratos de concessões definiram, também, que
é o momento de marco regulatório sólido e de mecanismos aperfeiçoados de
atração do capital privado tendo em vista a finalidade desses contratos.
Assim, quando no bojo dessas relações surgem conflitos, é que entram
em cena mecanismos criados legitimamente pelo direito para flexibilizar as
relações jurídicas e fornecer meios capazes de solucioná-los rapidamente.
Com isso, o Poder Público se atualiza e melhora a forma de atendimento das
necessidades da sociedade e, também melhora as relações do Estado com os
parceiros privados. Mais precisamente, no que diz respeito às soluções de
controvérsias com maior flexibilidade, especialidade e, sobretudo, celeridade.
O que se percebe atualmente, deste modo, é que tendo em vista essa
volatização em matéria econômica, empresarial e tecnológica os caminhos não
levam mais ao Poder Judiciário. Os meios de solução de controvérsias, repita-
se, amoldam-se cada vez mais às necessidades da sociedade e, por
conseguinte, o direito administrativo pátrio se encarregou de acompanhar essa
evolução.
A criação desse instituto chamado corriqueiramente de PPP´S segue
imprescindível momento de necessidade de investimentos em infra-estrutura,
mais precisamente em saneamento básico, rodovias, ferrovias, educação, e
segurança que em regra não são fontes de muita lucratividade. Necessitam,
para tanto, a criação de mecanismos de aproximação dos investimentos
privados, mecanismos esses suficientemente atrativos e capazes de motivar os
investidores. Tem-se que no mercado há diversos meios de investimentos
capazes de atrair investimentos mais rentáveis e seguros.
Diante desse quadro, não se pode deixar de oferecer meios propícios
para que sejam os recursos privados utilizados em investimentos de infra-
estrutura pública de toda importância para o desenvolvimento do País. Trata-
se, em resumo, de concorrer a Administração em pé de igualdade com
negócios que surgem a cada momento na esfera privada.274
274 In WALD, Arnoldo. O direito de parceria e a nova lei de concessões: análise das Leis 8.987/95 e 9.074/95. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
Não se pode cogitar que essa forma de relacionamento da
Administração Pública com o particular traz enfraquecimento dos Poderes
Públicos e que agindo desse modo o Estado se curva diante dos parceiros
privados ou enfraquece sua importância, ao revés, trata-se de operar da
mesma maneira daquele, ou seja, com agilidade empresarial, pois na atual
conjuntura econômica a Administração Pública não pode sozinha arcar com
investimentos vultuosos e necessários para as obras de infra-estrutura que
ajudam no abarcamento do desenvolvimento econômico.275
A previsão de meios de solução amigável de conflitos, mormente da
arbitragem, é utilizada, agora, como também o foi nas concessões em época
passada, como instrumento jurídico de aperfeiçoamento dos contratos
administrativos e, sobretudo, como instrumento para aumentar a viabilidade
desses contratos e a participação da iniciativa privada na busca pelo
desenvolvimento econômico e social do país na esteira da experiência da
aplicação desses institutos em diversos países, como se pode observar, a título
de exemplo, em Portugal.276
Não há, portanto, como atrair o capital privado com o fantasma da
lentidão do Judiciário a ser mais um fator de risco para os vultuosos
investimentos privados. Dotar esses contratos desse instituto é uma
contraprestação que garante uma certa previsibilidade e ingerência de cunho
político. Havendo previsão no contrato do meio de solução de conflitos, as
partes transacionam pelo procedimento arbitral, escolhendo o árbitro, comissão
ou câmara arbitral melhor dotada de especialidade e imparcialidade na solução
de seus conflitos específicos.
No atual momento, após dez anos de
previsão do instituto da arbitragem nos contratos
administrativos, pela Lei nº 8.987/1995, a despeito
das controvérsias que o envolvem (objeto de estudo
275 In WALD, Arnoldo. op.cit. p. 97. 276 Países como a Inglaterra, Suécia, Alemanha, Noruega, , Holanda, Espanha, Irlanda, Bélgica, Portugal, Japão, Chile, Argentina Arbitragem e conciliação. Presente e futuro. A situação em Portugal. Revista de Processo, ano 27.vol.107, jun/set. 2002.p.204.
ao longo desse capítulo), em boa hora vem a
expressa autorização dada pela Lei nº 11.079/2004.
É sem dúvida um marco que encerra discussão
doutrinária, na medida em que se percebe não ser
válido que o Poder Público seja impedido de usar a
arbitragem como meio de melhor chegar à solução
de conflitos em se tratando de direitos disponíveis.
Pode-se dizer, que a inserção do instituto da
arbitragem nos contratos administrativos deve ser
aferida, principalmente, no sentido dos benefícios da
celeridade nos julgados (não sofrendo, portanto,
solução de continuidade), como pela economicidade
(devido aos prejuízos causados com a demora dos
julgados pelo Judiciário), e paridade nas relações
entre os setores público e privado.
Tem-se que a expressa disposição do artigo
11, inciso III, da Lei de PPP´s, também coloca o
Brasil em conformidade com a tendência mundial no
âmbito das relações internacionais e, por
conseguinte, aumenta o potencial de competitividade
brasileiro e, além disso, acresce a sua interação com
os blocos globalizados.
No âmbito interno promove agilidade e
possibilidade de auferir bons resultados no tocante a
celebração de parcerias com os particulares. É neste
contexto que Leon Frejda Szklarowsky entende
necessário à aplicação da arbitragem na solução de
conflitos nos contratos celebrados pela
Administração Pública, de forma que esses
contratos se adaptem às mudanças do mundo atual:
As transformações sucedem-se velozmente. As inovações e a superação de arcaicas fórmulas são um imperativo inelutável, devendo-se harmonizar com os novos tempos. A Constituição portuguesa, atualizada, de acordo com a LC 1/97, faculta a instituição
de tribunais arbitrais, cometendo à lei a disciplina sobre os casos e as formas em que esses tribunais se podem constituir. No direito comparado, a arbitragem não é novidade, pois, de há muito, vem sendo utilizada, com sucesso. 277
A alternativa da arbitragem como saída mais eficiente na solução dos
conflitos em contratos envolvendo a Administração e o parceiro privado é
passo evolutivo na marcha do princípio da subsidiariedade, pois a sociedade
encontra meios de solução econômica e eficiente e, portanto, não há
necessidade de interferência estatal. Essa é uma visão já solidificada na
doutrina no sentido de que a sociedade evolui e busca seus próprios caminhos,
sem que para isso se socorra do Estado.
A arbitragem é, sem dúvida, mais uma forma de garantia para que se
majore os investimentos em setores públicos carentes de desenvolvimento.
Minimizando a margem de risco das decisões advindas do setor público, que
muitas vezes são tomadas ao sabor de opções políticas.
Nota-se, que assim é também para a Administração Pública pois, no
procedimento jurisdicional, muitas vezes a prestação do serviço acaba
prejudicada na sua execução pela demora do julgado, trazendo enormes
prejuízos para as partes e, principalmente, para a coletividade em geral. Ada
Pellegrini Grinover, reconhece no instituto da arbitragem meio alternativo que
traz oportunidade para desafogar Poder Judiciário e, completa:
[...] visando à superação da crise estrutural do Judiciário, abre-se caminho, na vertente extrajudicial, para a revisitação de equivalentes jurisdicionais, como a auto e a heterocomposição, na busca de meios alternativos ao processo, capazes de evita-lo.278
Mesmo no Brasil marcado pela corrupção pública ao longo de décadas e
com alto grau de corporativismo, as PPP´s e suas inovações são bem vindas.
Assim, considerando que os interesses da sociedade (que aqui se materializa
na busca pelo desenvolvimento econômico),279 devem ser objeto de
277 SZKLAROWSKY.Leon Frejda. A arbitragem e contratos públicos. In Boletim de Licitações e Contratos – BLC. Vol.7. Julho de 1998. p.456. 278GRINOVER, Ada Pellegrini. A crise do Poder Judiciário. O processo em evolução. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 22. 279 Fomentar o crescimento e o desenvolvimento é dever do Estado. Assim, políticas públicas que se voltem para o desenvolvimento econômico do país devem ser executadas tendo sempre como objetivo a
persecução pelo Estado, é notório que os objetivos das PPP´s se inserem
nesse dever que resultará em crescimento com conseqüente qualidade de vida
para os brasileiros e oportunidades para o mercado. Além do que a geração de
empregos com tais investimentos garantem o desenvolvimento com a
realimentação do consumo e maior qualidade de vida para os cidadãos. A hora
é, portanto, de procura de investimentos para promover essas mudanças.
Nesse caso, ainda que as PPP´s sejam relevantes para o
desencadeamento do desenvolvimento econômico e o instituto da arbitragem
seja um plus a ser usado como garantia de segurança jurídica nesses
contratos, cumpre atentar que, embora o Estado deva se aprimorar e buscar a
criação de novos institutos ou formas contratuais deve também fazê-lo de
maneira vinculada aos princípios norteadores de sua função administrativa.
É importante, portanto, que ao se criar instrumentos jurídicos em
decorrência das mutações que sejam de ordem socioeconômicas, de evolução
do direito ou políticas deve vir, todavia, esses instrumentos acompanhados
também dos devidos mecanismos compatíveis com a função administrativa e
dotados de mecanismos de controle e fiscalização, caso contrário não se opera
eficazmente nenhuma inovação jurídica.
Segundo Paolo Henrique Spilotros Costa280 os contratos de PPP´s ainda
demandam: “[...] uma obediência estrita, até pela existência de riscos
compartilhados, aos princípios da realidade, do planejamento e da
transparência”. Portanto, é importante que a sociedade e a própria
Administração estejam atentas aos mecanismos de controle da atividade
administrativa.
inclusão social. Os parceiros privados são parte importante nesse contexto de introdução de novos mecanismos em busca do desenvolvimento. No mesmo sentido Marcos Juruena Villela Souto: “a qualidade de vida da população exige, ainda, abertura de mercado para novos investimentos e ampliação da competição, independentemente da origem do capital.” SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo das concessões. 5.ed. sist. rev. ampl. e atual. Da obra Desestatização – privatização, concessões, tercerizações e regulação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. pp.6-7. 280 COSTA, Paolo Henrique Spilotros. Algumas reflexões sobre as Parcerias Público-Privadas no âmbito do Estado do Rio de Janeiro. Revista de direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Coord. Flávio Amaral Garcia. Vol. XVII. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p.343.
Vejam-se Marçal Justen Filho sobre a matéria: “[...] o usuário tem o
poder de fiscalização e a faculdade de comunicar as repartições competentes a
existência de defeitos. [...] A fiscalização estatal é função pública. Aquela
desenvolvida pelos usuários é exercício da cidadania.” 281
Dessa forma, pode-se afirmar que se o alcance da justiça é finalidade
pública, a arbitragem é o meio de alcançá-la e, portanto, ao revés de alvo de
polêmica, é voltada para o interesse público e deve ser resguardada para a
garantia do interesse da coletividade.
Assim é para Gustavo Binenbojm:
A pactuação da cláusula compromissória é um dentre eles. Execução de tarefas públicas, mediante celebração de contratos com particulares, pressupõe o reconhecimento de um conjunto de poderes à Administração, como condição para a otimização do dispêndio de recursos e alcance dos fins perseguidos. Em uma palavra: o poder de pactuar arbitragem é implícito ao poder de contratar, restando atendida a legalidade quando a solução arbitral se afigura, a juízo do administrador, como aquela que realiza da forma mais eficiente o dever de bem administrar. [...] Assim, à disponibilidade dos direitos patrimoniais envolvidos em um contrato administrativo corresponde um poder da Administração de convencionar a cláusula de arbitragem, sem que isso importe disposição do interesse público. Ademais, permito-me repetir que a pactuação da cláusula compromissória não se caracteriza como típico ato de disposição. Ao contrário, em muitos casos a arbitragem poderá se apresentar como a melhor forma de resguardar o patrimônio público (interesse público secundário) e promover o interesse público (interesse público primário).282
No entendimento de Gustavo Henrique Justino de Oliveira, a arbitragem
nas PPP´s se encaixa em nova fase da contratualização administrativa e,
ressalta:
[...] e o novel arsenal legislativo a elas correspondente deve refletir o desenvolvimento da atividade negocial administrativa, com a admissão do juízo arbitral para solução de conflitos relacionados à relação jurídica instaurada entre o parceiro público e o parceiro privado. Entretanto, diante das especificidades inerente ao objeto público das PPPs, há a necessidade de serem realizados ajustes na atual legislação brasileira da arbitragem, com a criação de um procedimento arbitral especial, necessário para conferir maior
281 JUSTEN FILHO, op. cit. 2003. p. 451. 282 BINENBOJM, Gustavo. As Parcerias Público-Privadas (PPP’s) e a Constituição. In Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Vol. XVII. Parcerias Público-Privadas. Coord. Flávio Amaral Garcia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006b. pp.105-106.
proteção aos interesses da coletividade presentes nessa especial relação de natureza contratual.283
Vale repetir, por fim, que os contratos administrativos de Parcerias
Público-Privadas têm como escopo à satisfação do interesse da sociedade e,
dessa forma os meios que tragam a facilitação e motivação para seu eficaz
atendimento são, por conseguinte, importantes para a satisfação do bem
comum legalmente e preliminarmente estabelecida.
2.6. Conclusões Parciais
Na atualidade, existem mecanismos extrajudiciais de solução de
conflitos, dentre os quais a arbitragem, que fazem parte da evolução do direito
privado em consonância com o princípio da autonomia da vontade e das regras
empresarias com objetivo de conferir maior eficiência e lucratividade aos
contratos.
A arbitragem é um instrumento utilizado pelo direito objetivando a
pacificação célere, eficiente e imparcial dos conflitos surgidos ao longo da
execução de contratos. Não é diferente na Administração Pública que utiliza
esse mecanismo como meio alternativo e eficaz para se chegar a pacificação e
à justiça no âmbito contratual.
Representa, ainda, grande inventividade motivadora de atração do
capital privado para os investimentos de infra-estrutura de relevância para o
alcance das necessidades da coletividade e, por conseguinte, do bem-estar
social.
Justifica-se, pois, dentro do entendimento da importância da arbitragem
no contexto atual em que se encontra a Gestão Pública (que prima pela
eficiência), que este instituto é meio de desenvolvimento das relações entre
aquela e os particulares (assegurando melhor relacionamento entre o setor
privado e o setor público numa era de relações consensuais), como,
283 OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. A arbitragem e as Parcerias Público-Privadas. Parceria Público-Privadas. Coord. Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 601.
principalmente, modo de atendimento do interesse público e da segurança
jurídica nesses contratos.
Ademais, as Leis que conferem aos contratos de concessões, às
agências reguladoras e aos contratos de PPP´s a alternativa de solução de
conflitos por meio de métodos consensuais não o faz para que ganhe ou
obtenha vantagem esse ou aquele interessado e, sim, o interesse público. Não
se trata de beneficiar nenhuma parte, é tão-somente para garantir o bem-estar
da coletividade.
O que se espera, portanto, é que a arbitragem seja utilizada vestindo a
roupagem estratégica de promover os investimentos privados, mormente, em
se tratando do que propõe a Lei de Parcerias Público-Privadas que se espera
seja meio eficaz de alavancagem do desenvolvimento nacional.
3. A ARBITRAGEM E AS PARCERIAS PÚBLICO-
PRIVADAS COMO INSTRUMENTOS DE
ALCANCE DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO
3.1. Considerações iniciais
Ao longo do presente trabalho discutiu-se o processo evolutivo das mudanças
estruturais ocorridas no âmbito da Administração Pública, em busca do equilíbrio entre
seus Poderes – outrora autoritários – e os contemporâneos direitos – hoje democráticos
– dos cidadãos e administrados. O objetivo é analisar a influência e relevância do
Estado e da Administração Pública de atuar de forma consensual e igualitária nas
relações surgidas entre estes, de modo a alcançar eficientemente os interesses públicos e
bem-estar da sociedade.
A reavaliação dos parâmetros do conceito de imperatividade estatal conduziu o
Estado a voltar-se para a consensualidade e para a participação da coletividade,
orientado pelos processos de constitucionalizações democráticas que pautaram os
Estados do pós-guerra, promovendo mudanças em seu papel, que tiveram como
principais escopos a realização eficiente do interesse público e a ampliação e
valorização dos direitos do cidadão.284
Dentre os interesses públicos a serem perseguidos e alcançados pela
Administração Pública, conforme imposto pelo ordenamento constitucional, está a
realização do desenvolvimento sócio-econômico nacional com vista a garantir a
dignidade humana dos indivíduos e o incremento econômico nacional.
Buscar-se-á, assim, neste capítulo, demonstrar que o processo de efetivação
desses direitos, passa pela criação de mecanismos jurídicos, inclusive instrumentais,
eficientes e adequados a uma realidade econômica volátil e de alta competividade que,
tomados naquilo que tem pertinência aos propósitos deste estudo, pode-se citar o
instituto da arbitragem como instrumento de consensualidade nos recém instituídos
contratos administrativos de Parcerias Público-Privadas – PPP´s.
Com efeito, a expressa previsão do instituto da arbitragem nos contratos de
parceria público-privadas – PPP´s (Lei nº 11.079/2004, art. 11) denota de forma
inequívoca, o auge da ampliação do processo de consensualidade iniciado com os
contratos de concessões públicas. Por conseguinte, comprova o anseio de uma relação
consensual e participativa entre a Administração Pública e seus parceiros privados no
âmbito dos contratos administrativos por eles celebrados, daí a relevância de sua análise
na conjectura em que ocorre sua criação e a utilização do instituto da arbitragem nos
mesmos.
Diante dos atuais paradigmas que norteiam os objetivos do Estado e das
mutações ocorridas na Administração Pública, importa notar que o direito
administrativo moderno, em comprometimento ao modelo de um efetivo Estado
Democrático de Direito (não mais apenas retórico), se aprimorou, promoveu
sua reestruturação e criou novos mecanismos jurídicos, sempre tendo como
284 Aqui se trata, em especial, dos direitos dos administrados e dos parceiros da Administração Pública a uma relação igualitária, consensual e participativa. Entretanto, o que se objetiva é analisar as causas e os resultados da promoção desses direitos para a elevação da eficiência administrativa em sentido amplo.
vetor a plena efetivação das finalidades do Estado Democrático de Direito,
mormente, da dignidade humana.
Portanto, é relevante analisar a utilização dos instrumentos jurídicos da
arbitragem e das Parcerias Público-Privadas na construção da garantia do
desenvolvimento nacional.
3.2. O direito ao desenvolvimento – breve evolução
Os titulares do direito ao desenvolvimento – considerado direito de quarta geração - são os indivíduos, os povos e o Estado, estando vinculado à solidariedade entre os indivíduos (após evolução que se iniciou com os direitos políticos). Ou seja, tal direito se volta para a equidade entre os cidadãos, a uma vida de prosperidade, de oportunidades, de forma tal que todos tenham acesso e oportunidade de usufruírem dos bens econômicos.
Com a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem pela ONU
em 1950,285 a trajetória do direito ao desenvolvimento tomou dimensões e
relevância em conformidade com as necessidades de cada Estado nacional.
No Brasil, seguindo esta tendência internacional, a Carta Constitucional de 1988 foi promulgada com base em tais princípios e regras que, por sua vez, norteiam todas as funções estatais. Nesta encontram-se normas programáticas de fomento ao desenvolvimento econômico e que são diretrizes a serem perseguidas e realizadas pelo Estado e pela sociedade.
A hodierna concepção do direito ao desenvolvimento, na Carta
Constitucional, consubstancia-se no dever de promoção de políticas públicas
que obtenham o almejado desenvolvimento econômico e, conseqüentemente,
a proteção e o incremento das necessidades básicas dos indivíduos, de
maneira a abolir as distorções sociais e o abandono do cidadão que se
encontram à margem dos benefícios proporcionados pelo desenvolvimento
econômico. Em outras palavras, busca-se o alcance da justa distribuição da
riqueza econômica.
De acordo com o entendimento de Eros Roberto Grau, o objetivo
fundamental de garantir o desenvolvimento é permitir a elevação do nível
econômico, social e cultural dos cidadãos, ou seja, de mudança social:
285 A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada pela Resolução nº 217 da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948.
A idéia de desenvolvimento supõe dinâmicas mutações e importa em que se esteja a realizar, na sociedade por ela abrangida, um processo de mobilidade social contínuo e intermitente. O processo de desenvolvimento deve levar a um salto, de uma estrutura social para outra, acompanhada da elevação do nível econômico e do nível cultural-intelectual comunitário. Daí porque, importando a consumação de mudanças de ordem não apenas qualitativa, mas também quantitativa, não pode o desenvolvimento ser confundido com a idéia de crescimento. Este, meramente qualitativo, compreende uma parcela da noção de desenvolvimento.286
Tais premissas são fundamentais para a efetivação de ações que
distribuam, solidariamente, os benefícios das riquezas e dos demais resultados
advindos do desenvolvimento para se chegar a uma vida justa e digna para
todos.
O desenvolvimento deve ser, portanto, um dos objetivos a ser
perseguido pela sociedade, partindo-se do pressuposto que o desenvolvimento
é um produto da dinâmica social, na qual as forças primárias da sociedade
interagem na busca da satisfação de seus interesses.287
3.2.1. Os direitos humanos e o direito ao desenvolvimento como meio de
garantia da dignidade
A Resolução nº 217, da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 10 de
dezembro de 1948,288 já no seu preâmbulo, considera que o reconhecimento
da dignidade inerente à pessoa humana e dos seus direitos iguais e
inalienáveis, constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no
mundo, conclui-se que estes direitos resultam da dignidade inerente à pessoa
humana.
286 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 6. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 252/253. 287 In MOREIRA NETO. Diogo de Figueiredo. Ordem Econômica e Desenvolvimento na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: APEC, 1989. p. 35. 288 Art. 25: “Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.” Art. 26: “No exercício de seus direitos e liberdades, todo homem estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.”
Os direitos humanos são entendidos como os direitos básicos que um
ser humano deve ter para resgatar o seu valor. São os bens primários mais
importantes que conferem ao homem uma qualidade de vida digna.289
A CRFB/1988, no art. 1º, III, erige a dignidade humana, a fundamento da
República Federativa do Brasil.290
De tal modo, reconhece-se que, em harmonia com a Declaração
Universal dos Direitos do Homem,291 o ideal do ser humano livre, no gozo das
liberdades civis e políticas, é ver-se protegido do medo e da miséria, o que:
“[...] não pode ser realizado, a menos que se criem as condições que permitam
a cada um gozar de seus direitos civis e políticos, assim como de seus direitos
econômicos, sociais e culturais.”292
O respeito à dignidade da pessoa humana é pré-condição293 para o
exercício dos direitos humanos e toma a dimensão de valor intrínseco àquela.
Esse pressuposto é universal, embora diversas correntes existam para
fundamentá-los.
289 In RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1984. p. 112. 290Art. 1º, inciso III, da CRFB/1988: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana.” 291 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Resolução nº 2.200 – A, da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 19 de dezembro de 1966. 292 Preâmbulo do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966. 293 “A persistência da Declaração Universal ao longo de cinqüenta anos comprova de per si que, independentemente de suas origens, os valores positivos de uma cultura podem, sim, ser transferidos de boa-fé, sem violação dos cânones essenciais de cada civilização (os valores negativos, como "as histórias" demonstram, são assimilados com enorme facilidade). A maioria esmagadora dos países que acederam à independência após a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos não teve dificuldades para aceitar seus dispositivos, incorporando-os, inclusive, na legislação doméstica. Não o fizeram por imposição imperialista. Fizeram-no porque reconheciam a importância da Declaração Universal na luta anticolonialista. Fizeram-no porque queriam alcançar não somente a autonomia política, mas também a modernidade. A observância efetiva dos direitos humanos nas políticas e práticas desses e de todos os demais Estados é uma outra questão.Enquanto os direitos humanos se apresentam hoje, após a Conferência de Viena, "universalizados" pelo consenso de todos os Estados, eles se afiguram ainda mais como valores transculturais atualíssimos ao se observar o procedimento, nacional e internacional, das ONGs a eles dedicadas. É com base na Declaração Universal de 1948 e nos tratados e declarações por ela propiciados que todas essas organizações privadas das mais diversas origens – fenômeno também planetário do mundo contemporâneo – procuram promover seus objetivos públicos, na área dos direitos individuais dentro de cada Estado, ou na defesa dos direitos coletivos de grupos específicos. ALVES, José Augusto Lindgren. A Declaração dos Direitos Humanos na Pós-Modernidade. Disponível em: http//www.dhnet.org.br>. Acesso em: 16.02.2007.
Enquanto os bens e os direitos podem ser valorados monetariamente, a
vida humana tem um peso valorativo muito maior, pois a ela se agrega a
dignidade do homem. Desta forma, ao tratar da dignidade da pessoa humana,
não se deve tratá-la como meio, mas um fim em si mesmo.294
Segundo Emmanuel Kant, em se tratando de dignidade humana, deve-
se buscar a consciência moral, pois esta induz a ponderar tudo aquilo
relacionado com a formação e o crescimento da consciência do estado de
sofrimento, miséria e infelicidade em que se encontra o homem no mundo,
juntamente com o sentimento da insuportabilidade de tal estado,295 para, de tal
modo, elevar a dignidade como fundamento básico a ser buscado.
No entendimento de Alvaro De Vitta:
[...] independentemente da sorte que a natureza e a
sociedade lhe reservaram ao nascer […] cada pessoa tem o direito às
liberdades, às oportunidades, e aos recursos necessários para tentar
fazer de sua vida [...] algo de significativo e que valha a pena ser
vivido.296
Embora ainda não se tenha expurgado do mundo tais estados de
deploração humana, já se admite a existência de um estado imoral. Tal
assertiva já pode ser considerada um passo à frente na história da
humanidade, porém, resta concretizar uma efetiva criação de instrumentos
comprometidos, de forma irrestrita, com a realização desses objetivos.
Com efeito, o caminho para a realização dos direitos humanos e para o
maior alcance da dignidade humana, depende de uma ação conjunta da
sociedade e dos governos.
Mais: a vida de todo ser humano tem igual valor, independente do seu
mérito pessoal, de sua situação econômica e de qualquer outra variável como
294 KANT, Emmanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Apud DE VITA, Alvaro. O lugar dos direitos na moralidade política. São Paulo: Rev. Lua Nova. 1997.p. 9. 295 KANT, Emamnuel. Apud DE VITA, Alvaro. op. cit. p.10. 296 De Vitta, A. de. op cit. p. 11.
raça, cor, religião, estado social e econômico. Isso significa que se atingiu o
grau máximo do significado de igualdade.297
Dignidade e Direitos Humanos são conceitos interdependentes na
medida em que um é a causa e a conseqüência do outro.
O importante, a bem da verdade, não é somente a positivação dos
direitos humanos, mas seu reconhecimento moral, uma vez que sua existência
nem sempre depende de um reconhecimento legal. Ademais, os direitos
dotados como fundamento moral são dinâmicos e o positivismo legal não os
acompanha.
Para Robert Alexy298 o caminho para a realização dos direitos humanos
e para o maior alcance da dignidade humana é uma ação conjunta da
sociedade e dos governos. Na verdade, sem a participação da sociedade com
o corpo governamental que exija concretamente os direitos assegurados na
Carta Magna, não se pode falar em proteção efetiva dos direitos humanos.
Conforme já salientado, o direito ao desenvolvimento é tido como direito
de quarta geração sendo, destarte, desdobramento lógico da consecução dos
direitos humanos - considerados de primeira geração -, que se deu juntamente
com a minimização do poder do Estado. Os direitos humanos são
fundamentados na premissa de que esses são intrínsecos as espécies
humanas e, portanto, devem ser tutelados.
No Brasil, a Carta Constitucional de 1988 marcou o surgimento do
processo de redemocratização do país e a redefinição dos direitos
fundamentais. Acompanhando o papel das constituições democráticas, a Carta
Magna atribuiu objetivos ao Estado conforme acentua Marcos Juruena Villela
Souto:
297 Não apenas igualdade perante o juiz, governos ou administrações, mas igualdade baseada no princípio de que todos nasceram dignos e merecem igual respeito e consideração por sua vida e integridade, não se levando em conta aqui qualquer ideologia. 298 ALEXY, Robert. Colisão de Direitos Fundamentais e Realização de Direitos Fundamentais no Estado de Direito Democrático. Revista de Direito Administrativo. v. 217. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 67/80
[...] além de atribuir esses fins ao Estado, definiu meios para o alcance desses fins. O fim é o bem estar geral, desenvolvimento econômico, busca de uma sociedade livre, justa, solidária, erradicar a pobreza, assegurar a dignidade humana, enfim objetivos que constam no art. 3º da CF. Esses objetivos, a serem alcançados por um Estado constituído com base nas opções fundamentais previstos no artigo 1º, vão ser alcançados através do atendimento das técnicas previstas nos artigos 170 e seguintes da Constituição.299
Esse processo se deu, deste modo, na esteira da Declaração dos
Direitos Humanos previstos na nº Resolução 217, da Assembléia Geral das
Nações Unidas, na qual se definiu o direito ao desenvolvimento300 como direito
do homem, conforme dispõe seu artigo 21, parágrafo 2º: “Toda pessoa tem igual
direito de acesso ao serviço público do seu país” e no seu artigo 22. 301
Fica evidente que os direitos humanos devem ser entendidos como
garantidores de princípios de justiça, liberdade e igualdade que são
indispensáveis na luta contra a opressão e a miséria no mundo.
3.2.2. Crescimento e desenvolvimento econômico
A diferenciação do grau de crescimento e desenvolvimento econômico é relevante para se medir o patamar em que se encontra a justiça social de um Estado. Enquanto o primeiro baseia-se na expansão e no acúmulo de riqueza que se concentra nas mãos de alguns - e não leva em consideração conceitos de igualdade ou de justiça social; o segundo busca a produção e o acúmulo de riquezas, mas possui, diferentemente daquele, o comprometimento com a distribuição eqüitativa da riqueza, com a melhoria na qualidade de vida do povo, dos grupos sociais e do próprio Estado.
Observa-se, deste modo, que a alocação de recursos por meio de
políticas públicas para o processo do desenvolvimento econômico está de
acordo com o comprometimento de tal processo com a promoção de mudanças
essenciais na diminuição das desigualdades sociais, na miséria, na falta de
299 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo em debate. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004. p. 47. 300 Como também no art. 1º, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Resolução nº 2.200 – A, da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 19 de dezembro de 1966: “Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.” 301 Art. 22, da Resolução Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todo o homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.”
saneamento básico, de emprego, de investimentos em educação, saúde,
transporte, enfim, do mínimo essencial. Como defende Eros Roberto Grau:
Erradicação da pobreza e da marginalização, bem assim redução das desigualdades sociais e regionais, são objetivos afins e complementares daquele atinente à promoção (= garantir) do desenvolvimento econômico. [...] O princípio inscrito no art. 3º, III e parcialmente reafirmado no art. 170, prospera, assim – ainda que isso não seja compreensível para muitos – no sentido de, superadas as desuniformidades entre os flancos moderno e arcaico do capitalismo brasileiro, atualizá-lo. Aqui também atua como fundamento constitucional de reivindicação, da sociedade, pela realização de políticas públicas. Suas potencialidades transformadoras, por outro lado, são, no entanto, evidentes.302
Assim, embora interdependentes e possuam diferentes conceitos e fins,
o crescimento e o desenvolvimento econômico constituem parte da finalidade a
ser obtida pelo Estado.
A melhoria das condições patrimoniais da população impulsiona o
mercado de consumo que viabiliza o crescimento econômico, havendo maior
distribuição de renda para aqueles que se encontram excluídos da sociedade,
redução de desigualdades, da fome, da miséria e o incremento da
realimentação da economia.
Há, portanto, necessidade de reestruturar finalidades e definir interesses
- que se faz com a ampliação de mecanismos e ações em prol do
desenvolvimento econômico - para propiciar, principalmente, o cumprimento do
dever do Estado e da sociedade de proteção aos direitos humanos e da
realização do bem-estar que, segundo Eros Roberto Grau, não se dá em nome
ou em função de uma ideologia e sim “como imposição de determinações
históricas que são mais do que ideológicas. O alcance do bem-estar é,
historicamente, o mínimo que tem a almejar a sociedade brasileira.”303
Citando José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, Eros Roberto
Grau observa que a dignidade da pessoa humana fundamenta e confere
unidade, não apenas aos direitos fundamentais – direitos individuais e direitos
sociais e econômicos, – mas também à organização econômica e, vai além
afirmando que:
302 GRAU, Eros Roberto. op. cit. p. 255/256. 303 GRAU, Eros Roberto. op. cit. p.322.
[...] isso, sem dúvida, torna-se plenamente evidente no sistema da Constituição de 1988, no seio do qual, como se vê, é ela – a dignidade da pessoa humana – não apenas fundamento da República Federativa do Brasil, mas também o fim ao qual se deve voltar a ordem econômica (mundo do ser). Tal significa, por um lado, que o Brasil [...] define-se como entidade política constitucionalmente organizada, tal como a constitui o texto de 1988, enquanto assegurada, ao lado da soberania, da cidadania, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político, a dignidade da pessoa humana.304
O direito ao desenvolvimento é
fundamentado, portanto, na proteção contra os
desequilíbrios sócio-econômicos e pela consciência
do dever de superação dos males do
subdesenvolvimento para o alcance da dignidade da
pessoa humana. Conforme observa Gilberto
Bercovici:
O desenvolvimento é condição necessária para a realização do bem-estar social. O Estado é, através do planejamento, o principal promotor do desenvolvimento. Para desempenhar a função de condutor do desenvolvimento, o Estado deve ter autonomia frente aos grupos sociais, ampliar suas funções e readequar seus órgãos e estrutura. O papel estatal de coordenação dá a consciência da dimensão política da superação do subdesenvolvimento – dimensão, esta, explicitada pelos objetivos nacionais e prioridades sociais enfatizados pelo próprio Estado.305
A idéia é a de composição entre o
crescimento econômico e o desenvolvimento
econômico com o escopo de se promover uma nova
ordem social, mais justa e solidária que se baseia no
que observa Alexandre Santos de Aragão: “O
Estado não deve nem pode demitir-se da
responsabilidade de assegurar e garantir direitos
sociais.”306
304 GRAU, Eros Roberto. Op. cit. p. 231/232. 305 BERCOVICI, Gilberto. Desenvolvimento, Estado e Administração Pública. Curso de direito administrativo econômico. V. II. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 26. 306 ARAGÃO, Alexandre Santos de. As Parcerias Público-Privadas – PPP’s. No direito positivo brasileiro. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. v. XVII. Coordenação: Flávio Amaral Garcia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 64.
Assim, o que deve buscar o Estado brasileiro é cada vez mais a
ampliação de processo de desenvolvimento objetivando prover ao cidadão o
efetivo desfrute das conquistas advindas do desenvolvimento nacional e
acesso aos recursos necessários a uma vida digna e promissora.
3.3. O direito ao desenvolvimento na Constituição de 1988
Dentre os direitos fundamentais encontra-se o direito ao
desenvolvimento, dever do Estado de promovê-lo e garanti-lo. É norma
constitucional estabelecida que se dirige aos indivíduos e que tem como
escopo à promoção de uma existência a salvo da miséria, da fome e do
abandono.
A concepção do Estado Liberal, pelo qual era laureada a ausência do
Estado nas questões econômicas foi deixada no passado, de forma que o
Estado Democrático de Direito, por meio dos ditames constitucionais, demanda
intervenção estatal no intuito de garantir o implemento dos direitos
fundamentais, tal qual determina a CRFB/1988 nos arts. 1º, 3º,307 e 170.308
Com esta concepção a Constituição Federal de 1988 alçou o direito ao
desenvolvimento como objetivo fundamental da República e o disciplinou de tal
modo, que não é mais suficiente a mera evocação de que o direito ao
desenvolvimento é um direito fundamental e que dele depende a proteção da
dignidade humana; a Constituição determinou que este é imperativo para o
setor público e indicativo para o setor privado, retirando a questão da mera
retórica constitucional em que se situava, colocando-a na seara da própria
razão de ser do Estado, atribuindo-lhe, ainda, dever do qual ele não mais pode
se furtar a perseguir.
307 Art. 3º, da CRFB/1988: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 308 Art. 170, da CRFB/1988: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:”
Como exemplo do imperativo dever de fomento do desenvolvimento
instituiu-se no ordenamento jurídico pátrio, no âmbito federal, estadual e
municipal, as recentes espécies de contrato administrativo denominados de
Parcerias Público-Privadas (exemplo: Lei Federal nº 11.079/2004).
Segundo Alexandre Santos de Aragão, as Parcerias Público-Privadas
em sentido amplo se justificam como:
[...] tentativa de Estado e iniciativa privada dividirem custos com a implementação de infra-estrutura, já que nenhum deles teria condições de com elas arcar individualmente: O Estado por não ter condições financeiras, e a iniciativa privada porque a tarifa seria insuficiente (ou em alguns casos até inexistentes) para cobrir todos os seus custos e a legítima margem de lucro do negócio.Desta forma, o Estado lança mão também de uma criativa - e não muito explícita – nova forma de financiamento do custo da infra-estrutura que não possam ser amortizadas apenas por tarifa.309
Esses contratos têm como objetivo fundamental o de alcançar o
crescimento e o desenvolvimento econômico do país por meio de
investimentos em infraestrutura - que resultará em melhorias na qualidade de
vida dos cidadãos, mormente, nas classes que se encontram excluídas. 310
Segundo Carlos Pinto Coelho Motta, no campo prático, as parcerias
público-privada são: ao lado dos instrumentos já estabelecidos historicamente,
309 ARAGÃO, Alexandre Santos de. As Parcerias Público-Privadas – PPP’s. No direito positivo brasileiro. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. v. XVII. Coordenação: Flávio Amaral Garcia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 52. 310 Há hoje no Brasil uma percepção generalizada de que esse setor (infra-estrutura) está paralisado, carece de investimentos e, por essas razões, vai estrangular o crescimento do país nos próximos anos.Como o país tem imensas carências em infra-estrutura e não vai conseguir resolver tudo de uma vez, é preciso estabelecer prioridades. Em pesquisa, Anuário Exame apresentou aos empresários uma lista com 13 obras de diversos setores, escolhidas dentre entre as que têm potencial para o maior número de pessoas. Pediu-se a cada entrevistado que apontasse até três obras que considerava prioritárias para o país (com a opção de indicar qualquer outra obra que não estivesse na lista). Quase metade dos entrevistados (47%) declarou que a universalização do abastecimento de água tratada e da rede de esgoto sanitário é a mais importante. Essa é uma área de infra-estrutura que ficou para trás no Brasil. “Não tem marco regulatório, não tem investimento”, diz Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústria de Base (ABDib). “Os recursos públicos são insuficientes para atender às necessidades e dois terços das empresas operam com receita inferior à despesa”. Ninguém há negar que levar serviços de água e esgoto a todas as casas do Brasil – meta que exigirá investimentos de 180 bilhões de reais nos próximos 20 anos, segundo estimativas – é necessário e urgente, sobretudo por benefícios para a saúde pública. Mas esse é um serviço tão básico que já deveria ter sido riscado da lista de obras fundamentais há muito tempo. YOSHIDA, Esnesto. Os gargalos e as prioridades. Revista Anuário Exame 2005-2006. nov. São Paulo: Editora abril, 2005. p.18.
como a concessão, a permissão e as terceirizações. [...] ferramentas jurídicas
que viabilizam à colaboração do setor privado.
Além disso, acrescenta o autor: representam elas, por um lado, o
resultado da evolução e modernização dos institutos tradicionais do direito
administrativo. 311
Nomeadamente, é a efetivação das finalidades do Estado Democrático de
Direito, mormente, dos direitos fundamentais, que se relaciona com a limitação dos
poderes estatais e com as garantias aos direitos políticos, sociais, econômicos e com
aqueles que se dirigem à dignidade humana.
Destarte, quando se alargam esses objetivos, como é o caso, chega-se
ao que se espera de uma Administração Pública, ou seja, que esta prime pela
busca da realização das necessidades dos indivíduos e da coletividade,
especialmente, quando se empenha na concretização da dignidade da pessoa
humana por meio do fomento do desenvolvimento em cumprimento ao princípio
fundamental da República Federativa do Brasil, dispostos nos art.1º, 3º e 170,
da Carta Magna.
3.3.1. A Administração Pública e o dever de promoção do direito ao desenvolvimento
Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Marcos Juruena Villela Souto
consideram que: “o direito ao desenvolvimento é daqueles que integram a
quarta geração da revolução social e, portanto se incorpora ao patrimônio
jurídico dos administrados, sendo vedado o retrocesso econômico e social já
alcançado”.312
Assim, essa espécie de direitos humanos tem como objetivo realizar a
dignidade humana e o bem-estar da sociedade de forma justa, igualitária e
solidária. Portanto, se faz indispensável a iniciativa de atos e a criação de
instrumentos jurídicos que permitam alcançar, mais eficientemente, esse
311 COELHO MOTTA, Carlos Pinto. Perspectivas na implantação do sistema de parcerias públicas privadas – PPP. Boletim do Direito Administrativo - BDA. Fev. Rio de Janeiro: NDJ, 2004. p. 132. 312 In SOUTO, Marcos Juruena Villela. Arbitragem em contratos firmados por empresas estatais. Direito administrativo em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 452.
direito. Agindo de tal modo, tanto o Estado como a Administração Pública
cumprem seu poder-dever de uma gestão de resultados.313
O direito ao desenvolvimento é norma constitucional e, portanto, dever
do Estado, da Administração Pública e do governo que conjuntamente devem
elaborar políticas e executar ações por meio de planejamento de
desenvolvimento econômico314 com o fim de promover o bem-estar da
coletividade.315
Floriano de Azevedo Marques Neto leciona que o instituto do
planejamento deve observância aos seus princípios vetores, dentre esses o
princípio do desenvolvimento:
O planejamento visa ao desenvolvimento do que foi planejado, onde podemos identificar dois aspectos: (1) a efetivação do planejamento é essencial para atingir os objetivos maiores do desenvolvimento; (2) tudo o que foi planejado deve ser apto (entendido não apenas como desenvolvimento econômico) a ser implementado e, com isso, viabilizar o desenvolvimento nos termos dos objetivos traçados no plano.316
Segundo Marcos Juruena Villela Souto, a concretização do
planejamento conforme foi elaborado é cogente, caso contrário trará
insegurança:
Se cada novo Governo houver uma nova visão de como atender o interesse geral, esse tipo de mudanças de postura, sem vinculação a um planejamento, tanto a anterior como a atual, gera instabilidade nas relações jurídicas e esta gera retração de investimento, que gera diminuição de empregos, de receitas tributárias e de atividade
313 Conforme acentuou Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em aula magna proferida no curso de pós-graduação patrocinado pelo Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro – IDAERJ, em 12.03.2007, na Universidade Candido Mendes. 314 Art. 174, da CRFB/1988: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. 315 “Sob a ótica da segurança jurídica, a CF demanda, no art. 174, a elaboração de um planejamento econômico, no qual sejam identificados os setores e regiões que levam ao desenvolvimento econômico, de modo a atender os objetivos previstos no art. 3º da CF. Claro que, num regime que privilegia a livre iniciativa, tal plano é apenas indicativo para o setor privado, sendo imperativo para o setor público, de modo a sinalizar os espaços nos quais o Estado terá presença como parceiro, incentivador ou, ao revês, como competidor.” SOUTO, Marcos Juruena Villela. Estímulos Positivos. Curso de direito administrativo econômico. V. II. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 97.p. 129. 316 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Planejamento. Curso de direito administrativo econômico. V. II. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 97.
econômica, exatamente pela ausência de um método, ou seja, não se pode fomentar qualquer coisa.317
Em evolução, tem-se que o atraso econômico e social é um problema a
ser enfrentado na atualidade, haja vista o poderio econômico de algumas
nações em contrapartida à penúria de outras. Em se tratando de questões
nacionais e de um país em desenvolvimento, o problema toma maior
dimensão.
Considerando que regiões brasileiras conseguiram um certo
desenvolvimento e maiores oportunidades (todavia há muito a se conquistar) e
que outras regiões estão em total descompasso em relação às medianas
conquistas das regiões mais desenvolvidas, constata-se que o quadro não é
dos melhores. Além disso, não se pode perder de vista que tal problemática se
soma a diversas outras questões, que vão desde a ineficiência estatal, a
ausência de recursos, aos crônicos problemas relacionados à corrupção e ao
desvio de recursos públicos.
Nessa conjuntura, a situação final em que se encontra o panorama
econômico, social e político brasileiro necessita de medidas urgentes e
eficazes para a minimização de tais problemas – já que, em curto prazo, não é
possível solucioná-los em definitivo e satisfatoriamente.
A ordem econômica constituída no art. 170, da CRFB/1988 designa que
o desenvolvimento econômico deve conjugar justa e eqüitativamente a
distribuição dos seus resultados, ou seja, sua abrangência deve alcançar todos
os indivíduos de modo que lhes sejam permitido maior qualidade de vida e
oportunidades iguais de crescimento de suas potencialidades. É a ordem
econômica do bem-estar como assegura Eros Roberto Grau, que afirma ainda,
que a CRFB/1988 é afetada: “[...] por regime informado por definida atuação
317 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo em debate. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004. p. 49.
estatal em relação ao processo econômico – não apenas intervecionismo, pois,
projetado como missão estatal”.318
É nessa circunstância de ausência de recursos para investimentos que
promovam o desenvolvimento que foi criado o instituto das Parcerias Público-
Privadas. É um instrumento de cumprimento do dever legal do Estado de
promover o crescimento econômico e, principalmente, de garantir o
desenvolvimento econômico do país.319
Segundo a lição de Eros Roberto Grau, garantir o desenvolvimento
nacional, além de construir uma sociedade livre, justa e solidária consiste,
principalmente, em realizar políticas públicas cujo fundamento encontra-se no
art. 3º, inciso II, da Carta Magna e acrescenta: “O papel que o Estado tem a
desempenhar na perseguição da realização do desenvolvimento, na aliança
que sela com o setor privado, é, de resto, primordial.”320
Carlos Pinto Coelho Motta, por sua vez leciona que as PPP´s são meios
para se atingir fins que garantem os interesses de cada parceiro. O da
Administração Pública é alavancar investimentos em infra-estrutura que
resultarão em desenvolvimento:
A lógica subjacente da instalação de parcerias resume-se no fato de que tanto o setor público como o privado apresentam características únicas, que resultam, para cada um, em vantagens específicas relativas a determinados aspectos do serviço ou projeto a ser implementado. Os acordos de parceria mais bem sucedidos aproveitam as qualidades de ambos os setores no estabelecimento de relacionamentos complementares. Como se observa, a PPP é apenas uma forma, entre várias outras, de provar equipamentos e serviços de infra-estrutura. Pode considerar-se mais do que uma simples concessão [...] nova categoria de contratos públicos, nos quais se almejam maiores obrigações para o operador privado, maior controle dos serviços e maior segurança jurídica[...] as esferas de governo não deverão possuir condições de promover investimentos
318 GRAU, Eros Roberto. op. cit. p. 323. 319 Em pesquisa, Anuário Exame revela quais são as medidas fundamentais para o Brasil crescer de forma competitiva e com distribuição de renda. Os pontos mais citados foram: reforma tributária (75% dos entrevistados), choque de gestão nos gastos públicos (51%) e consolidação do arcabouço regulatório da infra-estrutura (44%). Além disso, a maioria dos entrevistados (71%) acredita que a melhor opção para modernizar a infra-estrutura é mediante investimentos públicos e privados de forma equilibrada. YOSHIDA, Esnesto. Os gargalos e as prioridades. Anuário Exame 2005-2006. nov. São Paulo: Editora abril, 2005. p.19. 320 GRAU, Eros Roberto. op. cit. p. 253.
indispensáveis para recuperar, pelo menos em parte, sua infra-estrutura, e precisarão necessariamente recorrer à iniciativa privada para o exercício da chamada “boa administração”.321
Assim, considerando que esses contratos de Parcerias Público-Privadas
fazem parte do processo de busca do desenvolvimento, se espera que os
efeitos que advenham da execução desse instituto impliquem em progresso na
infra-estrutura, na criação de emprego, no crescimento da economia e no tão
sonhado passo que permita ao País sair da infindável categoria de país em
desenvolvimento.
3.4. Contratos de Parcerias Público-Privadas como instrumento do desenvolvimento
As parcerias entre os setores públicos e a iniciativa privada são meios
há muito utilizados pela Administração Pública para incremento dos interesses
públicos.322 Em períodos de transferências da prestação de serviços públicos
para a iniciativa privada em busca de melhor eficiência e de escassos recursos
para investimentos, torna-se necessário o uso de tais meios jurídicos.
Segundo Maria Sylvia Zanella de Pietro, é inequívoco que as parcerias
são meios de obtenção da eficiência na prestação dos serviços públicos, além
de serem meios de alcance das finalidades estatais. Para a autora o estímulo
aos investimentos privados se faz imperativo e afiança: 323
Não se quer mais o estado prestador de serviços; quer-se o Estado que estimula, que ajuda, que subsidia a iniciativa privada; quer-se a
321 COELHO MOTTA, Carlos Pinto. Perspectivas na implantação do sistema de parcerias públicas privadas – PPP. Boletim do Direito Administrativo - BDA. Fev. Rio de Janeiro: NDJ, 2004. p. 134. 322 Para aprofundamento na matéria ver: SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005. SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo das parcerias. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005. GARCIA, Flávio Amaral. Parceria Público-Privadas. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. v. XVII. Coordenação: Flávio Amaral Garcia. Rio de Janeiro, Lumen Júris. 2006. 323 Vale aqui ressaltar que em se tratando das PPP´s, Maria Sylvia Zanella di Pietro, no entanto, entende que a idéia de compartilhamento de risco gera um aparente contra-senso e vai adiante no seu entendimento: “Tudo isto gera certo paradoxo e, portanto, perplexidade, talvez descrença, porque se o poder público não dispõe de recursos para realizar as obras pelos modos tradicionais, dificilmente disporá dos mesmos para garantir o parceiro privado de forma adequada. Por outras palavras, a justificativa do Governo soa falsa. Tudo indica que a instituição da PPP se insere na tendência à privatização, entendida em sentido amplo, de modo a abranger todos os institutos de que o Estado vem lançando mão para diminuir o seu aparelhamento administrativo, o seu quadro de pessoal, o regime jurídico administrativo a que se sujeita. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Reflexões sobre as Parcerias Público-Privadas. Disponível em: <http://www.azevedosette.com.br>. Acesso em 14/02/2007.
democratização da Administração Pública pela participação dos cidadãos nos órgãos de deliberação e de consulta e pela colaboração entre público e privado na realização das atividades administrativas do Estado; quer-se a diminuição do tamanho do Estado para que a atuação da Administração Pública, para permitir maior eficiência; quer-se a parceria entre o público e o privado para substituir-se a Administração Pública dos atos unilaterais, a Administração Pública autoritária, verticalizada, hierarquizada.324
Trata-se, deste modo, da diminuição da participação do Estado na
economia, como também na divisão de responsabilidades, de riscos e
resultados na realização do dever do direito ao desenvolvimento. A
transferência da prestação dos serviços públicos para a iniciativa privada, não
só é meio para alcançar maior eficiência, mas também representa uma forma
de gerar o desenvolvimento econômico.
Os investimentos para a promoção do desenvolvimento econômico e
social do país, por meio de mecanismos como é o caso das PPP´s, garantem
resultados positivos tanto para o parceiro privado, quanto atendem o interesse
público ali consubstanciado.325
Para Arnoldo Wald, as parcerias são um exercício de conciliação de
interesses entre o setor público e o setor privado e acentua:
As palavras chaves da parceria, os seus princípios fundamentais são pois a cooperação, a concertação e a flexibilidade. Nas relações que travam na chamada “sociedade de risco” entre uma empresa flexível e um governo flexível, num mundo incerto e descontinuo, impõe-se um direito amoldável, dúctil e flexível.326
324DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p.16. 325 “O modelo de PPP foi criado originalmente na Inglaterra, onde está funcionando há mais dez anos e viabilizou investimentos públicos e privados em um valor superior a 30 bilhões de libras esterlinas. A experiência inglesa, além de inspirar iniciativas similares no Canadá e Japão, está-se espalhando por muitos países europeus, entre os quais a Itália, a Irlanda e a Holanda. Na Itália, uma unidade técnica de PPP está em operação desde 1999, dentro do Ministério da Fazenda, Planejamento e Orçamento (Ministério da Economia): para o período de 2002 a 2006, o governo italiano espera investir 50 bilhões de euros, 50% dos quais serão financiados através de capital privado.” In COELHO MOTTA, Carlos Pinto. Perspectivas na implantação do sistema de parcerias públicas privadas – PPP. Boletim do Direito Administrativo - BDA. Fev. Rio de Janeiro: NDJ, 2004. p. 133. 326 WALD, Arnoldo. As PPP e a infra-estrutura. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. v. XVII. Coordenação: Flávio Amaral Garcia. Rio de Janeiro; Lumen Juris, 2006. p. 165.
De tal modo, a criação de nova espécie de contrato administrativo -
Parcerias Público-Privadas - pelo do direito brasileiro, é motivada pela
necessidade de divisão de responsabilidades entre o setor público e o setor
privado nos avanços dos investimentos em setores de notória e secular
carência, bem como na busca do desenvolvimento econômico.
De tal modo, a criação pelo direito brasileiro desta nova espécie de
contrato administrativo - Parcerias Público-Privadas - é motivada não só pela
necessidade de atração de capital privado, mas encontra especial motivação
na necessidade de repartição de responsabilidades entre o setor público e o
privado – avançando, assim, nos investimentos voltados a setores de notória e
secular carência de recursos públicos, bem como na busca do
desenvolvimento econômico nacional como um todo.
Nota-se que, por meio de institutos moldados ao contexto jurídico-
administrativo-econômico contemporâneo fica evidente a vontade do Estado
em promover a diminuição das desigualdades sociais e econômicas nas quais
se encontra o país. Trata-se de meio de atuação na busca do desenvolvimento
que garantirá aos cidadãos brasileiros dignidade, emprego, saúde, transporte,
segurança, educação e conseqüentemente, sua inserção no mundo de opções
de crescimento individual e coletivo.
As Parcerias Público-Privadas são, dentro desse cenário, o mais recente
instrumento jurídico de políticas públicas do Estado brasileiro que objetiva a
participação dos investimentos privados em infra-estrutura, já que seus
precários recursos não são suficientes para garantir o financiamento de obras
essenciais para o desenvolvimento do país.
Representa, ainda, grande inventividade motivadora de atração do
capital privado para os investimentos em infra-estrutura327 de relevância para o
327 Nos contratos de concessões e permissões de serviços públicos ocorre a transferência da execução dos serviços por conta e risco do investidor privado que se remunera por meio de tarifas. Nestes, há um adicional pecuniário do Poder Público ao parceiro privado. Conforme se pode ver nos artigos artigo 2º e seus parágrafos da Lei: “Artigo 2o Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. § 1o Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver,
alcance das necessidades da economia e, por conseguinte, do
desenvolvimento econômico de setores que são suportes na produção de
riquezas, como, p.ex., telecomunicações, rodovias, portos, aeroportos, energia
e gás. 328
A conjectura que leva a associação de entes públicos e privados para a
criação desses contratos é, sem sombra de dúvida, da deficiência de recursos
públicos para investimentos na infra-estrutura brasileira.
Observe-se que a atuação administrativa é orientada pelo princípio da
eficiência e como tal possui o poder/dever de se aperfeiçoar para instituir meios
e ações que levem ao desenvolvimento nacional. A atuação da Administração
é, portanto, diretamente vinculada ao dever de fomento e de realização dos
interesses coletivos.
Assim sendo, os mecanismos jurídicos que auxiliam na atração da
sociedade civil para, ao lado do Poder Público, promover e viabilizar políticas
públicas em torno do atendimento desses interesses fazem parte da atual
concepção constitucional que valoriza a participação da sociedade para
cumprir com o dever de responsabilidade social.
Trata-se, ao mesmo tempo, do dever estatal de distribuição das riquezas
de tal modo que se equilibrem os benefícios provenientes do crescimento
econômico para consolidarem-se os interesses e as necessidades de toda uma
coletividade. É o que disciplina a CRFB/1988, no art. 170, caput, que trata da
ordem econômica e dos princípios gerais da atividade econômica, destacando-
se os princípios da dignidade humana, da justiça social e da livre iniciativa.
Segundo Eros Roberto Grau, a ordem econômica constitucional é “[...]
mundo do ser, relações econômicas ou atividade econômica (em sentido
adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. § 2o Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.” 328 É importante destacar que se deve, de outro modo, criar também para cada setor da infra-estrutura a ser implementado regras de atuações sólidas e específicas, transparentes, precisas e, sobretudo, livres de interesses individuais e corporativistas.
amplo) – deve ser dinamizada tendo em vista a promoção da existência digna
de que todos devem gozar.”329
A Lei Federal das PPP´s seguiu tendência das Leis nº 14.868,/2003 do
Estado de Minas Gerais, Lei nº 11.688/2004 do Estado de São Paulo, Lei nº
12.930/2004 do Estado de Santa Catarina. Trata-se de linha evolutiva dos
processos de colaboração entre a sociedade e o Estado, ou seja, de incentivo
às parcerias para o alcance do interesse da coletividade e, portanto, das
necessidades de promoção do desenvolvimento como dever do Estado (art. 3º,
da CRFB/1988).
Os fundamentos básicos das PPP´s são os de extinguir as
desigualdades sociais e gerar o crescimento e desenvolvimento econômico.
Consiste na materialização da observância dos direitos e princípios
constitucionais fundamentais dos direito do homem.
Conforme o entendimento de Gustavo Henrique Justino de Oliveira:
[...] a PPP é um instrumento para efetivação do direito ao desenvolvimento. Isso decorre claramente de uma das diretrizes fixadas no inc. VII do art.. 4º da Lei Federal no. 11.079/04, ou seja, que os projetos de PPP’s observem e contemplem vantagens sócio-econômicas. É o campo dos benefícios econômicos e sócias da PPP [...].330
Trata-se, de tal modo, do dever do Estado fomentar o desenvolvimento
sob a égide do constitucionalismo democrático. Segundo Marcos Juruena
Villela Souto, referindo-se ao Estado no cumprimento de seu papel:
O papel do Estado é o de tentar fazer com que a sociedade alcance o seu objetivo e cada indivíduo alcance seu bem estar; essa é a preocupação que a sociedade tem ao transferir os poderes; esses poderes, exercidos em sociedade, devem ser condicionados ao bem estar de todos. A sociedade, ao entregar para o Estado essa preocupação, de que ele, Estado em nome de todos, condicione o exercício do poder individual, almeja que o Estado seja um
329 GRAU, Eros Roberto. Op. cit. p. 232. 330 JUSTINO DE OLIVEIRA, Gustavo Henrique. Parcerias Público-Privada e direito ao Desenvolvimento: uma abordagem necessária. In Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Vol. XVII. Parcerias Público-Privadas. Coord. Flávio Amaral Garcia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 134.
instrumento para o alcance do bem estar; portanto, o Estado não é um fim, mas uma técnica de alcance do bem estar individual.331
Desta forma, toda atuação da Administração Pública e as demais
funções estatais são norteadas pelos princípios constitucionais da eficiência, da
responsabilidade social e do direito ao desenvolvimento.
No Brasil, a promulgação da Lei nº 11.079/2004 importou em uma
reestruturação e reformulação das diretrizes desejadas pelo atual governo.
Esta Lei retrata a modernização e revitalização das parcerias entre o setor
público e a iniciativa privada.
Esse tipo novo de contrato administrativo é expansão dos contratos de
concessão de serviços públicos criados em 1996 e que se justificam por
fundamentos semelhantes. O que agora se observa nos contratos de Parcerias
Público-Privadas é a extensão desses fundamentos, outrora motivados pelo
Estado para a criação dos contratos de concessão, ou seja, a ausência de
recursos, a necessidade de investimentos (especialmente para a infra-
estrutura), a elaboração de mecanismos que estimulem a confiança do parceiro
privado na Administração Pública, tudo de modo a que esses contratos
realmente tragam resultados satisfatórios para a economia e para o cidadão
brasileiro.332
Não há dúvida de que atualmente os investimentos em infra-estrutura no
Brasil se impõem, haja vista o grau de necessidade de sua aplicabilidade. Esse
setor há décadas está deficitário,333 mesmo com as mudanças iniciadas com as
331 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo em debate. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004. p. 41. 332 ‘Para atrair investimentos, é preciso marco regulatório sólido." Sérgio Coelho da Silva Presidente da Associação Gaúcha das Concessionárias de Rodovias. 333 O Plano de Aceleração do Crescimento – PAC, programa de desenvolvimento criado pelo governo e lançado em 22/01/2007 tem por objetivo promover a aceleração do crescimento e a retomada do desenvolvimento econômico. Prima por investimentos em infra-estrutura na ordem de R$ 503,9 bilhões até 2010 Estatais federais e o setor privado participa com 86,5% dos recursos e o restante virá do orçamento da União. Destinou-se R$ 80,8 milhões para aplicação em capacidade energética; R$ 25 bilhões estão previstos para ampliar a produção de gás natural; para a infra-estrutura social e urbana, a região Sudeste vai receber R$ 41,8 bilhões que vão beneficiar 1,78 milhão de pessoas com habitação, 480 mil com energia elétrica e 8,7 milhões com serviço de saneamento. Para a área de transporte (estradas, portos e ferrovias) o Sudeste terá investimentos de R$ 7,9 bilhões e mais 1,8 bilhão para modernização de aeroportos. Em Questão – Portal do Governo. Disponível em <http//www.brasil.gov.br>. Acesso em 27.03.2007.
privatizações e delegações de serviços públicos ao setor privado. Dessa forma,
as Parcerias Público-Privadas configuram mais uma etapa do processo de
retirada do Estado dos meios de produção iniciado com o Programa Nacional
de Desestatização.
Em verdade, com as PPP´s esse processo se aperfeiçoa no que diz
respeito à divisão de responsabilidades e à solidariedade entre o setor público
e a sociedade. Os segmentos que carecem de investimentos, alvos dessas
parcerias, são de grande vulto, necessitando-se, para tanto, que o Estado
busque no setor privado tais valores, uma vez que sozinho não consegue
realizá-los.
Mesmo que esse instituto não seja a solução para todos os problemas
de setores específicos da infra-estrutura, evita-se, todavia, o prolongamento de
penúria em que se encontram alguns desses segmentos. Importa notar que
não é provável originar crescimento para o setor privado, para a economia e
resultados que tragam satisfação aos interesses da coletividade, pelo menos
na atual conjectura de ausência de recursos, sem a implementação de políticas
públicas como as que vislumbram as Parcerias Público-Privadas.
Em outras palavras, com a criação de institutos como as PPP´s o
desenvolvimento econômico e social que se almeja, tem possibilidade de se
realizar, haja vista que tal mecanismo jurídico busca de imediato o crescimento
da economia e a justa inserção social e econômica de grande percentual de
cidadãos brasileiros. Trata-se de cumprir o objetivo e princípio fundamental
dispostos nos arts. 3º, III, e 170 da CRFB/1988, conforme já mencionado
alhures.
Eros Roberto Grau, tratando desses dispositivos constitucionais, acentua
que estes são princípios constitucionais impositivos segundo o pensamento de
J. J. Gomes Canotilho e, como tal, se prestam “a cumprir dupla função, como
instrumental e como objetivo específico a ser alcançado.” 334
334 GRAU, Eros Roberto. Op. cit. p. 256/254.
Desse modo, é obrigação do Estado, por meio do ordenamento jurídico
econômico, criar instrumentos que realizem o direito a uma vida digna - e que
esse direito seja objeto de reivindicações das políticas públicas.
Assim, considerando que as decisões para os investimentos em certos
setores da infra-estrutura interna do país são decisões de governo, a resolução
de problemas crônicos como a miséria, a fome, a falta de saneamento básico,
a ausência de investimentos em educação e saúde, devem ser priorizados, eis
que, na ausência de extensão à população mais carente de benefícios mais
sofisticados, há que serem fornecidos, ao menos aqueles básicos, como os
mencionados acima.335
Entretanto, deve-se notar que mesmo sopesando que os setores que
tragam benefícios de imediato à realização dos direitos fundamentais, que são
em qualquer situação prioridades, não se pode esquecer os setores que
incrementam a economia (setores produtivos), pois esses se prestam a realizar
o desenvolvimento econômico.
É o que se espera desse instituto: que tais investimentos gerem
resultados para a economia como um todo e, principalmente, para o
desenvolvimento social do país.
Urge a promoção destas conquistas. Em síntese, as Parcerias Público-
Privadas são criadas em uma conjuntura de ausência de recursos públicos e
necessidade de investimentos em infra-estrutura. A expectativa é que resultem
na retomada do desenvolvimento, da possibilidade de impulso no crescimento,
da realimentação dos investimentos feitos em infra-estrutura básica e de
produção.
Consiste na ação política estratégica estatal no incremento da economia,
no desenvolvimento do mercado, na busca pelo crescimento e na geração de
335 Diogo de Figueiredo Moreira Neto em aula Magna proferida no curso de pós-graduação patrocinado pelo Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro – IDAERJ, em 12.03.2007, na Universidade Candido Mendes.
empregos e de renda e deve ser enfrentada e conduzida de forma realista,
responsável e imediata.
A carência de recursos não pode ser artifício para a deficiência de
investimentos em infra-estrutura e deve ser, portanto, imediata e
prioritariamente, objeto de ações políticas, pois essa carência, conforme
observa Marcos Juruena Villela Souto “[...] não autoriza que medidas de
interesse público não sejam imediatamente promovidas, sob pena de se
incorrer em estagnação econômica, produzindo resultado oposto ao desejado
pelo art. 3º, da CF”. 336
Trata-se, entretanto, da intervenção estatal no ordenamento jurídico
econômico como meio de assegurar o desenvolvimento do país e, além disso,
ressalvar o princípio da subsidiariedade. Daí o entendimento de Marcos
Juruena Villela Souto:
É aí que entram os Contratos de Parceria Público Privada, como técnicas de associação do capital público ao gerenciamento privado, tendo em vista uma necessidade de intervenção pública, que se justifica à luz do princípio da subsidiariedade – ou seja, esgotadas as possibilidades de envolvimento da iniciativa privada, legitimada está a presença do Estado.337
O instituto da parceria público-privada pode ser uma saída relevante
para o fomento do crescimento econômico e social, conseqüentemente, pode
de tal modo ser meio capaz de alcance dos resultados sólidos para o país e de
aumento da qualidade de vida da coletividade.
3.5. Arbitragem e o direito ao desenvolvimento
Em qualquer processo integrativo, tais quais as parcerias entre o setor
público e privado, não se demonstram bons resultados sem se pressupor a
336 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Parceria Público-Privadas. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. v. XVII. Coordenação: Flávio Amaral Garcia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 24. 337 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Parceria Público-Privadas. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. v. XVII. Coordenação: Flávio Amaral Garcia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 24.
coexistência pacífica entre seus integrantes, posto que sem ela sequer atinge-
se os escopos mais básicos da união comum, do mesmo modo em que não se
pode deixar de lado a previsão de modos igualmente pacíficos para a solução
de eventuais conflitos de interesses originados nesse processo.338
A alternativa ao conflito é a negociação pacífica, justa, célere e eficaz.
Nesse contexto, o emprego de mecanismos extrajudiciais de solução de
conflitos no exercício da função judicante da Administração Pública ocorre, haja
vista, serem notórios os resultados que trazem sua utilização.
A opção pela arbitragem na Administração Pública, resulta, de tal modo,
em redução dos riscos e do custo das transações, conforme a lição de Diogo
de Figueiredo Moreira Neto e Marcos Juruena Villela Souto que seguem em
complemento a questão:
[...] atuando per se como um fator de fomento econômico, atraindo novos investimentos, que alavancam o desenvolvimento nacional, um dos objetivos da república que conduzem à busca do pleno emprego, à redução das desigualdades regionais, à erradicação da pobreza e, por conseqüência, ao mais relevantes de todos, qual seja, a dignidade da pessoa humana.339
A arbitragem nos contratos administrativos se legitima na necessidade
de relações consensuais entre parceiros públicos e privados em prol de melhor
atendimento dos interesses públicos. Por outro lado, não obstante, sua
relevância para o interesse público não se pode olvidar que essa previsão é
338 É o que acontece nos processos integrativos entre os povos, como na União Européia, o Mercosul, na Alça, onde mecanismos harmoniosos de viabilização dessa integração são fundamentais para sua viabilidade. Os meios de solução de conflitos nas relações entre os Estados soberanos são motivos de preocupação desde o final do século passado. A Primeira Conferencia de Haia, nos Países Baixos, firmou a “Convenção para solução pacífica dos conflitos internacionais”, em 1899, que passou por reestruturação na Segunda Conferência, no início deste século, em 1907. Dentre outras previsões, a Convenção de Haia estipulou os bons ofícios e a mediação, as comissões internacionais de inquérito e a arbitragem internacional, como mecanismos de solução pacífica de conflitos entre os Estados. A doutrina jus-internacionalista tratou de ampliar a compreensão dessas figuras, apresentando as formas que hoje existem para se dirimirem tais controvérsias. A própria carta da ONU adota o princípio da solução pacífica dos conflitos internacionais, em seu artigo 2º, alínea 3ª, bem como a Carta da OEA, em seu artigo 3º, letra “h”. 339 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. SOUTO, Marcos Juruena Villela. Arbitragem em contratos firmados por empresas estatais. Direito administrativo em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 452.
também importante meio de garantia para esses parceiros, de modo que se
garanta segurança jurídica e viabilidade na prestação dos serviços.
Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Marcos Juruena Villela Souto
tratando da importância da aplicação do princípio da segurança jurídica:
Negar o avanço da revitalização da arbitragem, mais do que um retrocesso, é atentar contra o mega-princípio da segurança jurídica, que agasalha um dos maiores, senão o maior valor, buscado pelo direito positivo, o que também concorre para assustar os possíveis investidores por motivo de quebra da confiabilidade na preservação das “regras do jogo”.340
Assim, a previsão expressa da arbitragem nos contratos de PPP’s vem
consolidar uma evolução anunciada em primeiro lugar na Lei de Concessões
de Serviços Públicos e que, atualmente, se consubstancia na premissa de que
negociações, transações, meios extrajudiciais de solução de conflitos,
acordos,341 são, de tal forma, instrumentos que atraem os investidores privados
e viabilizam a prestação de serviços públicos. Conforme aponta Alexandre dos
Santos Aragão “[...] ao contrário dos contratos administrativos em geral, em
que o foco é dado às garantias de execução contratual pelo particular, há, sem
descartar essas, um grande destaque às garantias a serem dadas pelo Estado
ao parceiro privado.”342
Trata-se, portanto, de congregar os interesses públicos e privados
envolvidos na celebração e execução dos contratos e de garantir o
previamente pactuado. O que leva ao ensinamento de Diogo de Figueiredo
Moreira Neto e Marcos Juruena Villela Souto:
Como dito, a negativa de aplicar a arbitragem como pactuada e, já aceita no caso concreto, opera efeitos contrários aos objetivos da
340 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. SOUTO, Marcos Juruena Villela. Arbitragem em contratos firmados por empresas estatais. Direito administrativo em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 452. 341 Tratando do instituto dos acordos Alexandre Santos de Aragão observa: “[..] gerando a transformação de elementos basais da arquitetura estabelecida do Direito Administrativo e a necessidade, portanto, de uma verdadeira mudança na sua construção dogmática, que deve passar a incluir os acordos com os administrados entre as fontes do Direito Administrativo.” ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2007. p. 365. p.364. 342 ARAGÃO, Alexandre Santos de. As Parcerias Público-Privadas – PPP’s. No direito positivo brasileiro. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. v. XVII. Coordenação: Flávio Amaral Garcia. Rio de Janeiro, 2006. p.74.
República, consagrado no art. 3, CF, posto que afugenta os investidores num momento em que o déficit fiscal força sua busca.343
De acordo com Gustavo Binenbojm, a previsão da arbitragem nos
contratos de parcerias se presta para realizar mais eficientemente o dever da
Administração Pública de bem administrar e complementa:
Ademais, permito-me repetir que a pactuarão da cláusula compromissória não se caracteriza como meio de disposição. Ao contrario, em muitos casos, a arbitragem poderá se apresentar como melhor forma de resguardar o patrimônio público (interesse público secundário) e promover o interesse público (interesse público primário).[...] Do ponto de vista estritamente patrimonial, a arbitragem poderá ser, em muitos casos, a mais vantajosa para a Administração do que a solução judicial. Imagine-se, por exemplo, um contrato rescindido por culpa do parceiro privado, em que haja uma verba indenizatória devida à Administração. A maior celeridade do procedimento arbitral virá em favor do Poder Público. Em uma palavra: nada garante que a solução judicial seja a mais favorável ao patrimônio público. De outra parte, seria imoral – e, portanto inconstitucional – imaginar que a Administração Pública – devedora contumaz – possa preferir a solução judicial à arbitral por ser a primeira a mais morosa344
Medidas que garantam segurança jurídica nos contratos administrativos
são de certa forma apresentadas como um compromisso de estabilidade, de
transparência no processo, e, sobretudo, de consolidação da confiança, da
boa-fé e têm a aptidão de aproximar o setor privado que experimenta
veracidade e certeza na viabilização dos negócios contratados.
Os meios consensuais de solução de litígios
se ampliaram também devido à previsão dos
mecanismos extrajudiciais internacionais de solução
de controvérsias nos processos de integração e nos
contratos internacionais.
343 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. SOUTO, Marcos Juruena Villela Souto. Arbitragem em contratos firmados por empresas estatais. Direito administrativo em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 452. 344 BINENBOJM, Gustavo. As Parcerias públicos-privadas (PPPs) e a Constituição. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. v. XVII. Coordenação: Flávio Amaral Garcia. Rio de Janeiro, 2006. p. 106.
Segundo José Francisco Rezek, os meios
diplomáticos compreendem as negociações diretas,
os bons ofícios, o sistema de consultas, a mediação,
a conciliação e o inquérito; já os meios políticos
compreendem aqueles atos de influência das
organizações internacionais; e os meios
jurisdicionais compreendem a arbitragem e a
solução judiciária.345
Esses meios derivam dos acordos de Haia de
1899 e de 1907, tendo sido adotados e aprimorados
pela doutrina jus-internacional, 346 bem como
previstos na Carta das Nações Unidas, em seu
artigo 33, e pela Carta da Organização dos Estados
Americanos, em seu artigo 24.347
A arbitragem caracteriza-se pelo acordo de vontade das partes em
buscar a solução arbitral (princípio da autonomia da vontade), pela escolha
livre dos árbitros e pelo fato de que as decisões, para ambas as partes, têm
caráter obrigatório.
Tal acordo de vontades ocorre por meio do compromisso arbitral que
tem caráter irrevogável, ou seja, de obrigatoriedade, o que, por via de regra,
345 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 343. 346 “[...] o uso do instituto como meio de solução de conflitos nos países Latinos Americanos vem crescendo consideravelmente, tanto que a maioria dos países da região já regulamentaram a arbitragem. O México, empurrado pelos Estados Unidos, tem o maior desenvolvimento em matéria de arbitragem internacional e o Chile nas arbitragens domésticas, sendo que o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio de Santiago é um dos mais desenvolvidos. A pesquisa também constatou que o país que mais administrou procedimentos arbitrais no período entre 2000 e 2003, mesmo com problemas políticos, foi a Colômbia. Na Argentina (único país que ainda não regulamentou a arbitragem) e na Venezuela o número de casos resolvidos por arbitragem aumentou, mas esses números poderiam ter sido maiores se estes países não estivessem enfrentando crises econômica e política, respectivamente. Dentre os países latino-americanos, destaca-se o Panamá - cujo governo emendou a constituição com intuito de favorecer a aplicação da arbitragem - o Peru - que tem uma moderna legislação sobre arbitragem - e o Uruguai - onde existe a aceitação da arbitragem apesar de ter o sistema judiciário mais rápido da região[...]”.OLIVEIRA, Lucas Patrocínio. Pesquisa de campo comprova o desenvolvimento da arbitragem na América Latina. Jornal Valor Econômico. Caderno Legislação. 20/04/2005. 347 A noção de soberania ainda é uma limitação para a existência de órgãos jurisdicionais internacionais de solução de conflitos, já que pressupõe que o Estado não deve submeter-se a outra autoridade além daquela por ele emanada, quer a nível legislativo, quer a nível jurisdicional. BAPTISTA, Luiz Olavo.
confere segurança jurídica aos interesses públicos e privados tutelados pelo
ordenamento constitucional brasileiro. Daí se extrai a observação de Gustavo
Binenbojm de que: a noção moderna de interesse público: “não é obtida pela
oposição aos interesses particulares, mas mediante juízos ponderativos que
permitam a concretização de interesses individuais e metas coletivas, na maior
extensão possível.”348
O que se explica pelo fato das decisões judiciais serem passíveis de
influências políticas,349 bem como pelo fato de que não alcançam a rapidez
Solução de divergências no Mercosul. In BASSO, Maristela. Mercosul: seus efeitos jurídicos, econômicos e políticos nos Estados-Membros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. pp. 157/186. 348 BINENBOJM, Gustavo. As Parcerias públicos-privadas (PPPs) e a Constituição. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. v. XVII. Coordenação: Flávio Amaral Garcia. Rio de Janeiro, 2006. p.107.
349 A disputa entre a térmica UEG Araucária e a estatal Copel (Companhia de Energia Elétrica do Paraná) revela a complexidade de empreendimentos firmados entre empreendedores privados e administrações públicas. Evidencia também os riscos de contratos de longo prazo diante da imprevisibilidade política do governo de plantão. A termelétrica a gás natural tem como acionistas a El Paso (60%), a Copel (20%) e a Petrobras (20%). Foi construída numa conjuntura de crise de oferta de energia, onde novos projetos foram estimulados pelos governos para evitar a ameaça do apagão que poderia suceder ao racionamento de energia de 2001. A usina foi considerada apta a operar no segundo semestre de 2002, com testes de performance garantindo 484 MW de capacidade. Não foi posta em funcionamento desde então. Consumiu US$ 320 milhões em investimentos e emprega cerca de 100 pessoas. O contrato entre a UEG Araucária e a própria Copel estabeleceu que esta última teria o compromisso de adquirir, por 20 anos, a capacidade total da termelétrica. Caberia ainda à Copel operar a térmica e garantir o suprimento de gás natural por um contrato com a Compagás. Após a Copel ter pago três parcelas mensais, Roberto Requião foi eleito governador do estado do Paraná e suspendeu os pagamentos, tornando explícita a quebra de contrato. A partir da quebra contratual, El Paso e Petrobras acionaram o processo judicial que hoje se concentra na corte de arbitragem da Câmara Internacional de Comércio de Paris. O uso de arbitragem, contestado pela Copel, foi legitimado em outubro de 2005 pelo Superior Tribunal de Justiça. Por falta de pagamento da Copel, a Compagás cancelou o contrato com a Petrobras, fornecedora do gás. A companhia energética do Paraná reconhece em seu balanço um passivo de R$ 650 milhões relativo à dívida indireta com a Petrobras, mas o passivo resultante da quebra de contrato com a UEG Araucária ainda não aparece em seus livros contábeis. O contrato prevê multa por rescisão unilateral que pode ultrapassar US$ 500 milhões. Buscando tirar o foco da quebra contratual e justificar a interrupção dos pagamentos, o governo passou a disseminar a tese de que a térmica teria problemas técnicos e de segurança. Opiniões ou laudos sobre as condições atuais de operação são irrelevantes: especialistas consultados afirmam que após dois anos sem operar qualquer usina requer recomissionamento (série de testes de desempenho técnico). As conseqüências negativas sobre o futuro da própria Copel, as perdas para a Petrobras, o desrespeito aos acionistas minoritários e o sinal nocivo para futuros investimentos não são facilmente comunicáveis ao cidadão comum, especialmente quando há, do outro lado, a máquina estatal dizendo o contrário. É um contra-senso, diante da necessidade de expansão de geração de energia no Brasil, existir no Paraná uma usina inoperante, pronta há três anos, e apta a atender a 16% do crescimento anual de consumo brasileiro. Usina considerada "estado da arte" na tecnologia empregada, após o necessário recomissionamento estaria apta a operar no prazo de quatro
com que se dão as mudanças econômicas - o que pode inviabilizar contratos
celebrados em valores muitas vezes impronunciáveis. Carlos Pinto Coelho
Motta assevera:
O juízo arbitral, portanto, vem sendo crescentemente cogitado no campo prático da gestão licitatória e contratual. Editais de procedimentos concorrências internacionais, com financiamentos oriundos de agência oficial de cooperação estrangeira, vêm incluindo freqüentemente cláusula prevendo o foro arbitral para resolução de eventuais conflitos. Na relação negocial entre a Administração e o particular, o juízo arbitral é exercido em um foro imparcial, autônomo, independente, eleito pelas partes com a finalidade de explicitar e dirimir pendências, com compromisso de mútua e pacífica aceitação.350
Deste modo, a arbitragem se tornou um fenômeno realmente mundial e uniu empresas de nações submetidas a políticas econômicas e sociais inteiramente distintas, sendo hoje de total importância para a concretização dos contratos internacionais e nacionais.
Dessa forma, a concepção do direito brasileiro sobre o instituto da arbitragem acompanha essas transformações e a conexão dos entes públicos e privados que nomeiam a arbitragem como meio de garantia na celebração de contratos, muitas vezes de tal relevância para a economia e o desenvolvimento dos países351 que se faz necessária a sua utilização sob pena de ficar-se para trás na competição pelos investimentos que resultem em maior crescimento e desenvolvimento.352
No contexto jurídico atual ao qual está inserida a parceria (tanto nos
contratos de concessão, como nos atuais de PPP´s) de complexidade técnica,
volume de investimentos, interesses políticos, não bastam sua criação para
garantir interesse da iniciativa privada. Necessitam-se criarem mecanismos
jurídicos que agreguem às parcerias maiores vantagens. Dessa feita, os
meses. Caso Araucária – Economia ou Política?. SALLES. Cláudio J. de Jornal do Brasil. 16.01.2006. Disponível em: <http//www.acendebrasil.com.br.>. Acesso em 17.03.2007. 350 COELHO MOTTA, Carlos Pinto. Perspectivas na implantação do sistema de parcerias públicas privadas – PPP. Boletim do Direito Administrativo - BDA. Fev. Rio de Janeiro: NDJ, 2004. p. 137. 351 No âmbito internacional, as estruturas criadas no âmbito de cada integração, sempre prévia as negociações, o consenso e a arbitragem como alternativa ao conflito armado. Somente no início deste século é que surgem os tribunais – no caso a Corte Permanente de Justiça, hoje Corte Internacional de Justiça (Haia) – que servem de modelo para outras de competência regional ou especializada. Entretanto, é importante ressalvar que os tribunais internacionais são, na sua maioria, de jurisdição facultativa, só tendo surgido os de jurisdição obrigatória na segunda metade do século. 352 O recurso sempre crescente à arbitragem, como o meio preferido para se lidar com questões comerciais internacionais revelou a importância de um modo alternativo de solução de controvérsia institucionalizado, administrado por entidades como a Câmara Internacional de Comércio de Paris e a
Corte de Arbitragem de Londres.
institutos extrajudiciais de solução de conflitos representam uma das vantagens
a serem agregadas a tais contratos. 353
Percebe-se que à aplicação de institutos como a arbitragem forma de
acordo administrativo e que têm despertado vivo interesses pelas
possibilidades de agilização da gestão contratual.354
Daí que ganham com o uso do instituto, tanto a Administração Pública
quanto o setor privado, haja vista serem conflitos solucionados evitando que se
arrastem soluções que inviabilizam projetos de alta relevância para o
país. Deste modo, a disposição do art. 11, da Lei nº 11.079/2004, encerra as
discussões acerca desse instituto nos contratos administrativos e na
Administração Pública. Não se trata, dessa forma, de mera possibilidade que
se copia de outros ordenamentos jurídicos: não se pode esquecer que, para o
caso brasileiro, além de se adequar à tendência mundial, a previsão do instituto
da arbitragem é uma garantia tendo em vista a instabilidade tanto econômica
como política que se renova a cada seis anos.
E mais ainda: a busca por mecanismos mais eficientes de solução
dos conflitos entre o Poder Público e os administrados ou seus parceiros
privados, se faz com a reflexão pelo expansão desses institutos - que cada
353 “Não há dúvida de que a lentidão da Justiça favorece determinados interesses, que abrangem desde os devedores de tributos, que querem ganhar tempo, até o Estado que, quando expropriante, não tem pressa de pagar as indenizações devidas. Também é evidente que a justiça tardia constitui injustiça e, quando alcança determinadas dimensões, ameaça a própria existência e o funcionamento do Estado de Direito. Recentemente, em várias ocasiões, a Corte Européia dos Direitos Humanos tem condenado os países membros da União Européia, pela lentidão das suas decisões. No caso do Brasil, a demora da justiça é, em grande parte, o produto de um sistema que se tornou arcaico e obsoleto. As medidas a serem tomadas, se forem corajosas, poderão ter efeitos quase imediatos. É preciso lembrar que, quando se introduziu a correção monetária nos débitos fiscais, mais da metade dos processos em curso foram extintos nos três meses seguintes. O mesmo pode ocorrer agora, com a Súmula vinculante e a reformulação do julgamento das ADINs e das ações declaratórias de constitucionalidade, com a regulamentação da argüição de descumprimento e a atualização da legislação do mandado de segurança.Não se trata mais tão-somente de questões internas do Poder Judiciário, mas de uma revolução cultural que o Brasil exige e na qual, ao lado da reforma fiscal e da previdência, a reforma judiciária ocupa lugar de primeiro plano.” WALD, Arnoldo. Palestra realizada no II Congresso Brasiliense de Direito Constitucional, em 29.10.99, Brasília - DF. Brasília, vol. 1, n. 6, outubro/novembro 1999. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br>. Acesso em 20/12/2005. 354 In COELHO MOTTA, Carlos Pinto. Perspectivas na implantação do sistema de parcerias públicas privadas – PPP. Boletim do Direito Administrativo. Fev. Rio de Janeiro: NDJ ,2004. p. 137.
vez mais mostra que a coerção está em franco desuso na medida em a
consensualidade se amplia.
Alexandre Santos de Aragão tratando de
consensualidade ensina: “A Administração
consensual é um corolário necessário da tese que
ver a legitimação da Administração não mais só na
lei, mas na satisfação das necessidades sociais dos
cidadãos.”355 E segue ressalvando:
É, assim a retroanalisada instrumentalização do Direito Administrativo as finalidades constitucionais e legais se associa com a sua preferencial consensualização, no sentido de que, via de regra, a adoção de uma medida por consenso é mais eficiente que a adotada unilateral e coercitivamente, já que tem maiores chances de ser efetivada na prática e gera menos riscos de externalidades negativas. Muitas vezes a solução consensual será a que satisfará o princípio da proporcionalidade, já que poderá constituir o meio mais adequado e menos oneroso para a realização dos objetivos da lei.356
É a constatação de que os resultados alcançados com a utilização
da autoridade não são mais suficientes para o desenvolvimento do País e
para a pacificação social.
O relacionamento jurídico-econômico-comercial entre as partes que
se realize baseado na confiança, na boa-fé, na solidariedade e na busca
pelo crescimento das partes individualizadas, conduz a resultados que, ao
final, beneficia a todos. Trata-se, portanto, de aprimorar o princípio da
razoabilidade e da proporcionalidade como, também, de verificar que a
racionalização e a negociação dos conflitos que surgem à medida que os
mercados e a economia evoluem, são meios de levar em consideração que
o interesse público se transforma e que sua adaptação deve vir de forma
rápida sob pena de perda da eficiência.
3.6. Conclusões parciais
355 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2007. p. 365. 356 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2007. p. 363/364.
Os contratos de Parcerias Público-Privadas
são instrumentos jurídicos criados pelo direito
administrativo brasileiro no esteio de diversos
ordenamentos jurídicos mundiais - que há tempos os
emprega como meio de atração de capital privado
para investimentos em setores de pouco atratividade
lucrativa, mas de real necessidade para o
desenvolvimento daqueles países.
A arbitragem, por sua vez, é utilizada desde
tempos remotos e, somente desde 1996 é utilizada
definitivamente pelo direito público brasileiro como
elemento de garantia para a atração dos
investidores nos contratos administrativos que
necessitam de vultosos valores, sem a imposição de
submete-los à jurisdição estatal, principalmente pela
morosidade e publicidade do processo.
Os mecanismos consensuais de solução de
conflitos são ajustados na valorização de relações
moldadas na consensualidade e que levam a
negociações e ao ajuste de resultados mais céleres
na solução de controvérsias. Dentre esses
mecanismos a arbitragem se destaca quando não há
mais possibilidade de conciliação e mediação. Esses
institutos primam pelo alcance de resultados para o
interesse público e garantem maior participação do
administrado na condução das soluções.
Não se pode olvidar, tendo em vista as
necessidades jurídicas, econômicos, sociais e
políticas que se voltam para a busca do crescimento
e do desenvolvimento econômico no Brasil, que sem
a utilização de meios consensuais que resultem em
acordos, negociações, conciliação, mediações,
transações a viabilidade de efetivação desses
contratos são mínimas.
Nota-se que, por meio de institutos
amoldados com o contexto atual, como as parcerias
e a arbitragem, fica evidente a vontade do Estado
em promover a diminuição da desigualdade social e
econômica nas quais se encontra o país.
São, assim, meios que garantem crescimento
e desenvolvimento econômico, como ainda, direitos
sociais e, conseqüentemente, inserção social que
asseguram proteção e dignidade humana a todo
cidadão brasileiro.
CONCLUSÕES
As mutações ocorridas no papel do Estado e
do moderno direito administrativo intensificaram-se
de tal maneira que uma nova concepção da
Administração Pública se instalou de forma definitiva
na contemporaneidade, qual seja, a Administração
prima pela eliminação de privilégios, pela diminuição
da imperatividade e que valoriza o administrado
como parceiro na elaboração da estrutura
organizacional de consensualidade e participação na
vontade e na atuação do Estado.
É, deste modo, uma era de enriquecimento na
flexibilização dos conceitos de poder de império, de
subordinação, de prerrogativas, de decisões
unilaterais para que a Administração Pública, dentro
do novo contexto de paridade, desenvolva e cumpra
eficazmente sua função para assim garantir e atingir
o interesse coletivo.
Mister é atualmente a harmonia nas relações
entre a Administração e os administrados. Assim, é
pertinente a flexibilidade das normas de direito
público, mormente, em relações jurídicas
contratuais. De tal modo, tem-se que o
balanceamento entre privilégios e garantias nas
relações jurídicas entre a Administração e os
administrados se impõe, haja vista que no cenário
atual algumas dessas prerrogativas tornaram-se de
tal modo obsoletas e, sobretudo, passíveis de travar
o acolhimento eficaz da satisfação das necessidades
coletivas.
Diante disso a consensualidade, no contexto
atual em que se encontra o Estado, é instrumento do
incremento das parcerias e da colaboração e, deve
ser substituída pela subordinação imperativa. O
Estado contemporâneo evoluiu no sentido de
valorizar o consenso, como meio eficaz na obtenção
da pacificação social e da justiça, visando, tantos os
administrados, como a gestão de atos internos e,
ainda, as relações jurídicas com seus parceiros
privados.
Fica evidente que a Administração
consensual importante meio de implementação do
equilíbrio e, assim disputas antológicas entre o setor
público, o administrado e o setor privado, não mais
são motivos de travar o eficaz atendimento do
interesse público. A ativação dessas mutações no
Brasil é relevante no sentido de se intensificar as
parcerias na busca do crescimento econômico, no
desenvolvimento econômico e na qualidade de vida
da população.
Não resta dúvida, após uma análise dos fundamentos nos processos
das mudanças que acarretaram na diminuição da imperatividade e aumento da
consensualidade que essas quebras de paradigmas resultaram na criação de
normas invadidas de conceitos voltados para uma convivência harmônica,
igualitária, de confiança e, principalmente, justa e consensual.
No Brasil, o Estado, a partir da Constituição
de 1988, se reestruturou de maneira a intensificar o
processo de desestatizações com a privatização e
delegações ao setor privado de serviços públicos e
de atividades econômicas considerados relevantes
para o interesse coletivo por ele mantido e assumiu
o papel da intervenção no mercado por meio da
regulação, deixando, portanto, de ser prestador dos
serviços para ser Estado Regulador. E a
Administração Pública, passou por vultoso processo
de mudanças com a ascensão das normas e
princípios norteadores da Administração Pública
elevados a princípios constitucionais na previsão do
artigo 37, caput da Constituição Federal.
As parcerias entre o setor público e o setor
privado se intensificaram com o advento dos
contratos administrativos de concessão. A
transferência da execução de serviços públicos aos
concessionários que por sua conta e risco prestam
serviços sofrem a intervenção regulatória do Estado
que visa garantir que esses serviços sejam
prestados com eficiência, economicidade,
universalidade e modicidade, aproximaram cada vez
mais os particulares com a Administração e, deste
modo, acarretou numa inevitável aproximação das
normas de direito público com as normas de direito
privado.
Com esta interposição, ocorreu uma
imperativa redução nas desigualdades entre as
partes contratantes e aumentaram as chances de
realização e aprimoramento dessas parcerias.
Diante disso, valoriza-se o administrado não apenas como eleitor e
jurisdicionado, mas também como parceiro na construção da estrutura
organizacional de consensualidade e participação. O que se valoriza é a sua
atuação na gestão do interesse púbico que se desenvolve ao ritmo das
transformações ocorridas na sociedade e no Estado contemporâneo.
A globalização, também foi fenômeno que resultou na valorização do
administrado perante as decisões do Poder Público, na criação de novos
institutos de consensualidade e na flexibilização de sua autoridade e
prerrogativas, levando o Estado a reduzir sua intervenção na economia por
meio da diminuição de sua atuação na prestação dos serviços públicos para
que os mesmos não perdessem em competitividade frente ao mercado
globalizado.
Assim, a Administração pretende é aprimorar a confiança dos
administrados e parceiros no sentido de vir seus direitos efetivamente
protegidos no âmbito da própria Administração. É o cumprimento do princípio
da eficiência (art. 37,caput, da CRFB), do princípio da segurança jurídica e da
confiança legítima.
No panorama atual algumas dessas prerrogativas tornaram-se de tal
modo arcaicas e obsoletas que passaram a travar o atendimento eficaz das
necessidades coletivas. Por este motivo, o equilíbrio entre privilégios e
garantias nas relações jurídicas entre a Administração e os administrados se
impõe.
As causas e efeitos de todas essas transformações fizeram com que
surgisse o Estado Democrático de Direito que assume outra postura, ou seja, a
de se voltar para a intensificação da gestão participativa e consensual, para a
diminuição da imperatividade e para a conseqüente maximização da igualdade
nas relações com a sociedade, sobretudo com o incremento da referida
consensualidade. É o chamado aperfeiçoamento do espírito democrático.
A criação de mecanismos jurídicos que garantam a participação do
cidadão nas decisões políticas e de gestão, a instituição de meios que
proporcionem a harmonia entre a Administração Pública e seus parceiros
privados e que ensejem maior eficiência nas soluções de conflitos, são
questões que se impõem no direito público contemporâneo
Considerando que o direito evolui e aprimora-se em sintonia com as
mudanças sociais ocorridas no seio de qualquer sociedade, corolário lógico é
que, a partir da instituição da gestão participativa e consensual, o mesmo se dê
com a Administração Pública no exercício de sua função.
Assim, surge a função judicante da Administração, meio pelo qual a
Administração Pública coloca-se em conformidade com as mudanças, para
evidenciar a viabilidade jurídica da utilização de institutos extrajudiciais de
solução de conflitos no bojo das relações jurídicas com seus administrados e
nos contratos administrativos, objetivando maior eficiência na obtenção dos
interesses coletivos e, especialmente, como meio auxiliar do Poder Judiciário
na busca da célere efetivação do direito à justiça.
Seguindo, portanto, esta concepção, o Estado contemporâneo evoluiu
no sentido de valorizar o consenso como meio potencialmente eficaz e
promissor na obtenção da pacificação social e da justiça, buscando alcançar,
principalmente, os administrados, a gestão de atos internos e as relações
jurídicas com seus parceiros privados materializadas nos contratos
administrativos celebrados entre aquela e os particulares.
Vislumbra-se uma onda de adaptação ou de amoldamento do Estado,
para que realize suas funções em consonância com as necessidades da
sociedade e de seus administrados, de modo que a eficiência estatal seja
maximizada na busca desta satisfação.
Diante das indispensáveis quebras de paradigmas no âmbito do direito
administrativo contemporâneo, observa-se uma certa predisposição à criação
de normas impregnadas de conceitos voltados à convivência harmônica,
igualitária, baseada na confiança e, principalmente, justa e consensual.
Caminha-se no sentido de uma sociedade mais voltada para a realização da
dignidade humana, da cidadania, para os direitos sociais e, sobretudo, para a
pacificação social.
Surgiu dessas necessidades, assim, o uso de meio de composição
consensual dos conflitos para objetivar a preservação de interesses públicos e,
naturalmente, a salvaguarda do bem-estar da coletividade.
Aliás, a utilização da composição amigável de conflitos na Administração
Pública como alternativa ao processo judicial, é faculdade que surgiu no direito
privado que já os utiliza desde tempos remotos para solucionar controvérsias
com mais celeridade e harmonia.
Surgiram dessa evolução mecanismos extrajudiciais de solução de
conflitos, tais como: a conciliação, mediação e arbitragem.
Diante de tal quadro, a atividade administrativa adota papel de
conciliação, mediação e judicante, não pretendendo com isso usurpar à
atividade jurisdicional, para mais rapidamente solucionar conflitos com
eficiência e celeridade e, assim, restaurar a pacificação e a confiança dos
administrados nas relações, que, caso contrário traria prejuízos e longas
demandas no Judiciário.
Assim, em alguns casos, a função judicante legitimamente estabelecida
em lei, soluciona controvérsias, encerra conflitos de diversas naturezas e
confere poderes a algumas entidades da Administração Pública, como é o
caso, p.ex., da função judicante instituída por leis criadoras das agências
reguladoras. As Agências Reguladoras inovaram o ordenamento jurídico
administrativo, numa ponderação de custo e benefício ao legitimarem o uso
dos institutos da conciliação, mediação e arbitragem como método eficaz de
solução de conflitos entre as partes que pertencem ao mercado regulado.
Isso se deu em razão da complexidade de
cada setor regulado, da duração dos contratos e do
vulto dos investimentos, da utilização da arbitragem
como método de solução de conflitos que amplia a
possibilidade de obtenção eficaz da satisfação dos
interesses públicos e da efetividade da Justiça nas
relações jurídicas no âmbito dos contratos sujeitos à
regulação estatal.
Aqui se defende, portanto, que a vontade das partes no consenso deve
ser respeitada. Quando as partes resolvem, de comum acordo, que seus
conflitos em uma relação contratual será solucionado por meio de arbitragem,
nasce neste momento a consensualidade, não importando se o processo
arbitral seja atividade extrajudicial de solução de controvérsias e, portanto,
entre partes adversas.
Conclui-se daí que a consensualidade não ocorre no processo arbitral
propriamente dito, mas em momento prévio, no direito de escolha, na vontade
das partes, para tanto se coaduna a arbitragem, embora, processo
extrajudicial, com a consensualidade buscada pela Administração para solução
eficiente, transparente e imparcial de conflitos. É, sobretudo, para um
relacionamento baseado na participação, na igualdade e na harmonia.
Em síntese, a adoção de mecanismos extrajudiciais de solução de
controvérsias, mormente, a arbitragem pelo ordenamento jurídico público
brasileiro encontra-se em consonância com os interesses públicos atuais no
sentido de buscar o desenvolvimento econômico e social do país e, sobretudo,
está em comunhão com o universo trilhado nas últimas décadas pelos demais
sistemas jurisdicionais e o direito internacional dos blocos regionalizados.
A arbitragem na Administração Pública surgiu no âmbito do
ordenamento jurídico público contemporâneo com a promulgação da Lei nº
8.987/1995, disciplinada no inciso XV do artigo 23, inovação que se coadunou
com o respectivo período de transformações, e que de modo pioneiro,
autorizou a solução de controvérsias nos contratos de concessão de serviços
públicos, por meios dos institutos da conciliação, mediação e arbitragem ou por
meio de parcerias, acordos, transação, compromissos de conduta, dentre
outros.
É importante desenvolver gradativamente a cultura da consensualidade,
levando-se em consideração que, para a sua implementação pela
Administração Pública, esta deve se adequar aos mais modernos meios para
de forma eficiente e legítima, alcançar tais ideais.
Nesse contexto, a transferência da prestação direta dos serviços
públicos e atividades econômicas de interesse da coletividade para o setor
privado, antes prestado unicamente pelo Estado – tendo em vista ser o Estado
de Bem-Estar Social –, foi também a motivação para a busca de mecanismos
que favorecessem relações harmoniosas entre a Administração pública e os
parceiros privados.
As rápidas mudanças econômicas e tecnológicas compeliram a
Administração Pública a colocar-se em conformidade com tais mudanças, que
por si só justificaram sua pertinência ao evidenciar a viabilidade jurídica da
utilização do instituto extrajudicial de solução de conflitos nos contratos
administrativos, objetivando, especialmente, maior eficiência para obtenção dos
interesses coletivos.
Assim, não há dúvida de que o processo de transformações do papel do
Estado, o processo de globalização, o processo de constitucionalização e de
redemocratização, bem como da transferência da execução dos serviços
públicos ao setor privado pelo Estado brasileiro resultou no fenômeno do
aprimoramento das funções administrativas, como um dos propósitos da
reforma do Estado, capitaneado pelo princípio da eficiência, disciplinado no
artigo 37, caput, da Carta Maior de 1998.
Extrai-se daí que a evolução do instituto da arbitragem administrativa nos contratos administrativos das concessões de serviços públicos, na aplicação da função judicante das agências reguladoras dos serviços públicos e, nos recém criados contratos administrativos de Parceria Público-Privadas – PPP´s se prestam a viabilizar a celebração, execução e, principalmente atração dos parceiros privados para investimentos em segmentos estratégicos que resultem no crescimento e no desenvolvimento socioeconômico nacional.
Todas essas premissas são importantes para a legitimação da previsão do instituto de arbitragem pela esfera pública. Tanto por ser um mecanismo dotado de pouco formalismo, como por ser procedimento dotado de imparcialidade, igualando as partes que passam à margem de prerrogativas individuais, de influencias políticas e, especialmente, de interesses corporativistas.
Importa ressaltar ainda, em um juízo de avaliação, que não há na utilização dos institutos extrajudiciais de conflitos na função judicante da Administração Pública contrariedade ao princípio da supremacia do interesse público, muito menos ao princípio da jurisdição una. E, mais: essa função se apresenta em observância aos princípios da eficiência, da autonomia da vontade, da segurança jurídica, da boa-fé, da proporcionalidade e, sobretudo, deve se pautar pelos demais princípios norteadores das funções públicas.
Portanto, nota-se que nada impede a Administração Pública de fazer uso do instituto da arbitragem nos contratos administrativos advertindo-se, para tanto, que é seu dever atender sempre o interesse público e em função deste pautar seus atos. A arbitragem é, notoriamente, mais uma forma de garantia para que se majore os investimento em setores públicos carentes de desenvolvimento, minimizando a margem de risco das decisões advindas do setor público, que muitas vezes são tomadas ao sabor de opções políticas.
Vale reforçar, assim, que o instituto da arbitragem é meio de busca do
desenvolvimento do país. E que o direito ao desenvolvimento disposto no art.
3º e 170, da Constituição Federal é patrimônio jurídicos dos administrados e do
cidadão brasileiro, sendo, portanto, dever do Estado perseguir meios que
garantam esse direito.
Tem-se, ainda que as Parceria Público-Privadas também se legitimam
para equilibrar interesses, alcançar a eficiência e, por conseguinte, facilitar a
atração de investimentos nos segmentos de infra-estrutura de modo a dar-se
partida em novo período no desenvolvimento socioeconômico no Brasil. E, por
conseguinte, é outro meio de promoção do direito ao desenvolvimento e
solução para aniquilar as desigualdades sociais, haja vista terem por finalidade
investimentos em infra-estrutura que, além de garantir melhora dessas
desigualdades, pode ser meio de desenvolvimento econômico do Brasil.
Como visto, tais institutos se encontram em consonância com a moderna
concepção do direito ao desenvolvimento, previsto na Carta Constitucional, que
se pauta no dever de promoção de políticas públicas que obtenham o almejado
desenvolvimento econômico e, conseqüentemente, a proteção e o incremento
das necessidades básicas dos indivíduos, de maneira a abolir as distorções
sociais e o abandono do cidadão que se encontram à margem dos benefícios
proporcionados pelo desenvolvimento econômico.
Conclui-se, por fim, que há, portanto, necessidade de reestruturar finalidades e
definir interesses - que se faz com a ampliação de mecanismos e ações em prol do
desenvolvimento econômico - para propiciar, principalmente, o cumprimento do dever
do Estado e da sociedade, de proteção aos direitos humanos e da realização do bem-
estar. Trata-se da efetivação das finalidades do Estado Democrático de Direito,
mormente, dos direitos fundamentais, que se relacionam com a limitação dos poderes
estatais e com as garantias aos direitos políticos, sociais, econômicos e com aqueles que
se dirigem à dignidade humana.
Destarte, o se espera de uma Administração Pública é que esta prime
pela busca da realização das necessidades dos indivíduos e da coletividade,
especialmente, que se empenhe na concretização da dignidade da pessoa
humana em cumprimento ao princípio fundamental da República Federativa do
Brasil.
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