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  • 54 | cinciahoje | 312 | vol. 52

    Fritz Mller, como ficou conhecido, foi professor do Liceu Provincial, na capital catarinense, por 11 anos (de 1856 a 1867) e naturalista viajan - te do Museu Nacional do Rio de Janeiro por 15 anos (de 1876 a 1891), residindo, porm, em Blumenau (SC). Ele no se deixou empolgar com a fama advinda de Para Darwin, que lhe facultou dois ttulos de doutor honoris causa, pelas universidades de Bonn (1868) e Tbingen (1874), e convites para retornar Alemanha como professor universitrio. O prncipe dos observadores, como o designou Charles Darwin (1809-1882), e heri da cincia, no dizer de Ernst Haeckel (1834-1919), permaneceu como colono e lavrador e nessa ocupao trivial foi o mais expressivo bilogo do Brasil no sculo 19.

    Em 1861, Fritz Mller aceitou o convite para lecionar na capital de Santa Catarina, inicialmente a contragosto, por se afastar da colnia Blumenau, onde se dedicava lavoura e observao da fauna e flora da mata atlntica. Mas, atrado pela possibilidade de estudar os animais marinhos, foi com a famlia para a capital. Para aceitar o emprego, ele, alemo imigrante, teve que se naturalizar brasileiro, o que fez sem constrangimento, pois em 1852 deixara sua terra natal, para nunca mais voltar, e instalara-se na pequena colnia fundada, dois anos antes, pelo farmacutico e filsofo Hermann Blumenau (1819-1899). Imigrou movido por razes de cunho pessoal, por seu envolvimento na poltica de seu pas e pela impossibilidade de exercer a medicina nas provn cias alems. Avesso ao domnio religioso na vida social e polti - ca, recu sou-se a pronunciar o juramento mdico, que encerrava uma frase de cunho religioso, e no colou grau.

    H 150 anos memria

    1864 Publicada obra do brasileiro Fritz Mller que consolidava a teoria darwinista da evoluo. em 2014

    comemoramos os 150 anos da publicao de Para Darwin (Fr Darwin, no original), obra essencial para a

    consolidao da teoria evolutiva, que embasa filosoficamente o ramo da cincia hoje designado biologia. seu

    autor Johann Friedrich theodor Mller (1822-1897), bilogo pela universidade de berlim em 1844 e mdico

    pela universidade de Greifswald em 1849, naturalizado brasileiro em 1856 realizou as pesquisas que deram

    origem ao livro na atual cidade de Florianpolis.

    A favor de Darwin

    steFano HaGenFaculdade de Medicina veterinria e zootecnia,universidade de so Paulo

    luiz roberto Fontesncleo de antropologia,instituto Mdico-legal de so Paulo

    Fritz Mller em 1886

    acervo arquivo Histrico Jos Ferreira da silva, bluMenau (sc)

  • cinciahoje | 312 | Maro 2014 | 55

    Apesar da opo pelo isolamento em local ermo na no va ptria, mantinha-se atualizado sobre a produ - o cientfica europeia. Para isso, contava com o irmo Hermann, professor de histria natural em um colgio de Lippstadt, e principalmente o amigo Max Schultze, pro fessor de anatomia na Universidade de Bonn. Manti - nha assdua correspondncia com os dois, e Schultze, a quem encaminhava suas notas cientficas para publicar em revistas alems, lhe enviava livros e artigos cientfi-cos. Foi Schultze que, em 1856, comprou e lhe enviou um microscpio, idntico ao que Fritz utilizara durante o curso de histria natural na Universidade de Berlim.

    Nesse tempo, Fritz Mller dedicava-se ao estudo dos crustceos. Interessava-lhe especialmente o desenvol-vimento larval, que parecia fornecer evidncias para uma classificao mais natural do grupo. Assim, ao rece-ber em 1861 um exemplar da traduo alem de A origem das espcies, de Charles Darwin, ele se empolgou com a possibilidade de aplicar a nova teoria evolutiva aos seus estudos dos crustceos. No se sabe em que ms de 1861 Mller recebeu o livro. Mas a primeira meno que fez ao assunto foi em carta aos pais datada de 30 de outubro. Em 16 de fevereiro de 1862, escreveu a Schultze, di zendo que vinha aplicando os novos concei - tos de Darwin no estudo dos crustceos.

    PioneirisMo O conjunto de estudos feitos na capital catarinense, abrangendo embriologia, desenvolvimento larval, ecologia, fisiologia e morfologia, recebeu o ttulo Para Darwin e foi encaminhado a Schultze em feverei - ro de 1864. Em meados desse ano, apareceu como livro, obra pioneira na comprovao factual da teoria evoluti - va apresentada por Darwin em 1859. Com 12 captulos sem ttulo, identificados por nmeros romanos, a obra, de 91 pginas, pioneira tambm na apresentao do primeiro cladograma, isto , um diagrama ramificado que demonstra relaes de parentesco, antecipando a metodologia que surgiria quase um sculo depois, em 1950, por obra de outro alemo, Willi Hennig (1913-1976). Outra inovao foi propor que o desenvolvimen - to embrionrio e larval recapitula o caminho evolutivo do grupo, uma ideia que inspirou Haeckel a propor, em 1866, um conceito mais radical e que caiu em desuso, denominado princpio da recapitulao ontogentica (ou lei biogentica fundamental), sintetizado na frase a ontogenia recapitula a filogenia.

    O livro apareceu no momento em que a nova teoria evolutiva, embora aceita por alguns, era alvo de contro-vrsias no meio acadmico. Ainda em 1864, duas obras contrrias foram publicadas: Exame do livro do Sr. Darwin, opsculo de autoria de Pierre Flourens (1794-1867), se-cretrio da Academia de Cincias da Frana, e o artigo

    Sobre a teoria darwinista da criao, do mdico e his-tologista suo Albert von Klliker (1817-1905).

    O naturalista ingls no tardou a receber um exem - plar de Para Darwin e, em carta de 10 de agosto de 1865, escreveu a Fritz Mller: (...) O senhor fez um admirvel servio pela causa em que ambos acredita - mos. Muitos de seus argumentos me parecem excelen - tes e muitos de seus fatos so maravilhosos. Teve incio, ento, uma correspondncia que consolidou a amizade entre ambos. Jamais se conheceram pessoalmente, mas a amizade durou at a morte de Darwin, em 1882.

    To importante foi Para Darwin para a comprovao da teoria evolutiva que o prprio Darwin, em carta de 16 de maro de 1868, solicitou ao autor permisso para traduzir a obra e que ele lhe enviasse correes e acrs-cimos. A traduo e impresso foram inteiramente fi-nanciadas por Darwin, e a segunda edio apareceu em 1869, com o ttulo Fatos e argumentos a favor de Darwin. Nessa edio, de mil exemplares, os captulos receberam ttulos e, no final, foi includo um ndice dos nomes cientficos.

    Para Darwin foi traduzido para o russo (1865) e o fran-cs (1882/83). A segunda edio (1869), em ingls, foi vertida para o portugus (1907/08; 1990) e o espanhol (1996). Finalmente, em 2009 o livro original de 1864 foi traduzido para o portugus e complementado com os acrscimos e correes da edio inglesa, alm de rese - nhas bibliogrficas e obiturios do sculo 19.

    esquerda, pgina de rosto de Para Darwin, de 1864. a frase em latim, do naturalista dinamarqus otto F. Mller (1730-1784), expressa sua averso cpia de ideias e descobertas alheias: o que exponho, sem jurar nas palavras de ningum e sem compilar as descobertas de outrem, o que eu mesmo investiguei, achei e observei por diversas vezes e em diverso tempo. direita, pgina de rosto da edio em ingls de Para Darwin, de 1869. o livro foi custeado por charles darwin, que financiou a traduo e a impresso

    acervo luiz roberto Fontes