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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANA EDUCAÇÃO E LETRAS – CCHEL COLEGIADO DO CURSO DE HISTÓRIA ANDERSON ARILSON DE FREITAS A CIDADE DE CASCAVEL E A FILANTROPIA ESPÍRITA KARDECISTA NA CONSTITUIÇÃO DO ALBERGUE NOTURNO ANDRÉ LUIZ (1973-1994) MARECHAL CANDIDO RONDON 2009 1

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Esta pesquisa investiga a configuração e a atuação do Albergue Noturno André Luiz na cidade de Cascavel do início da década de 1970 até a construção das novas instalações em 1994. Decorrente de conflitos e mudanças no meio rural, a migração de pessoas do campo para a cidade acabava por aumentar significativamente a pobreza no perímetro urbano. A instituição foi criada nesse contexto histórico para atender algumas das necessidades de parte dessa população na cidade. A análise tem como objetivo investigar como Cascavel estava se constituindo naquele momento e a configuração da instituição nas mudanças ocorridas nesse espaço urbano. Com a criação da instituição à margem da cidade, a perspectiva é de investigar as formas dominantes de ocultação da pobreza, paralela à construção e manutenção de uma imagem de “progresso” e “desenvolvimento” para Cascavel. Com o repentino crescimento habitacional na cidade, o Albergue, antes localizado na periferia, passou a fazer parte da região central, no bairro Parque São Paulo. Diante das novas relações de pertencimento ao bairro, a instituição não agradava aos vizinhos que ali se instalavam. Somado a precariedade da estrutura do Albergue, em 1992 deu-se início a um intenso debate referente à construção de um novo prédio. Manifestações da população contra os destinos da nova localização da instituição se configuraram através de abaixo-assinados e a realização de passeatas expressas na imprensa escrita local. O objetivo é pensar como o Albergue passou a fazer parte dos interesses de políticos da cidade. Bem como a construção histórica da estigmatização da imagem do pobre, reforçada pelas manifestações e pela imprensa, que ora incentivava a prática da filantropia, ora estigmatizava e imprimia uma dada imagem estática sobre a instituição e a pobreza.

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Page 1: Freitas, Anderson Arilson de. A cidade de Cascavel e a filantropia espírita kardecista na constituição do Albergue Noturno André Luiz (1973-1994)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ

CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANA EDUCAÇÃO E LETRAS – CCHEL

COLEGIADO DO CURSO DE HISTÓRIA

ANDERSON ARILSON DE FREITAS

A CIDADE DE CASCAVEL E A FILANTROPIA ESPÍRITA KARDECISTA

NA CONSTITUIÇÃO DO

ALBERGUE NOTURNO ANDRÉ LUIZ (1973-1994)

MARECHAL CANDIDO RONDON 2009

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Page 2: Freitas, Anderson Arilson de. A cidade de Cascavel e a filantropia espírita kardecista na constituição do Albergue Noturno André Luiz (1973-1994)

ANDERSON ARILSON DE FREITAS

A CIDADE DE CASCAVEL E A FILANTROPIA ESPÍRITA KARDECISTA

NA CONSTITUIÇÃO DO

ALBERGUE NOTURNO ANDRÉ LUIZ (1973-1994)

Trabalho de conclusão de Curso apresentado `a banca examinadora do curso de História da UNIOESTE - campus de Marechal Cândido Rondon, como requisito básico para obtenção do título de licenciado em História.Orientador: Robson Laverdi

MARECHAL CÂNDIDO RONDON2009

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DECLARAÇÃO DE AUTORIA

EU, Anderson Arilson de Freitas, RG: 8.889.730-7, CPF: 054.553.319-81, residente no

endereço: rua Francisco Alves, 497, Cascavel, declaro que o texto aqui apresentado é de

minha exclusiva autoria, assumindo portanto total responsabilidade sobre ele.

NOME: ______________________________________________________

ASSINATURA: _______________________________________________

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Agradecimentos

Agradeço a Deus e à minha família por me acompanhar em todos os momentos

nessa caminhada da vida. O pai e a mãe pelo carinho, força, incentivo e orações. Meus

irmãos Alison (in memória, mas eternamente vivo em nossos corações) e Aramis, pelas

partidas de vídeo game, filmes, pipoca, tererê, piadas, gaita e violão. À minha noiva

Janyeli pela nossa fé, amor e carinho. E à pequena Eloísa, que já faz parte da família,

muitas vezes não deixando eu trabalhar, querendo doces e brincadeiras.

O meu agradecimento especial ao meu ex-chefe e amigo espírita Vanderlei pelo

presente - o livro “De Sócrates a Kardec” - e incentivo em me aventurar no curso,

abrindo mão da empresa de desenvolvimento de softwares - Seta Digital. Da mesma

forma a Rose e o Ricardo, colegas de trabalho.

Agradeço aos amigos do Sebo Arca, Marcos e Elaine e filhas, pela oportunidade

de poder trabalhar com eles. Ao motorista Nelson e demais amigos da van Neltur. O

Laboratório de Ensino de História – LEH, por ter me confiado o estagio dentro da

instituição. Os professores: Paulo Koling, Geni Rosa Duarte e Nilceu Jacob Deitos, pelo

trabalho de pesquisa no Projeto de Extensão: “Intervenções na relação universidade –

educação básica; tempo passado desafio do presente”, do programa “Universidade Sem

Fronteiras”. O diretor do Campus Davi pelo apoio nos eventos e excursões. Aos

funcionários da Unioeste pelo zelo com a universidade. A professora Selma pelas

orientações de estágio. E também aos demais professores que contribuíram para a minha

formação.

Dedico aqui o meu carinho pelo amigo e professor Robson Laverdi, pelas

orientações, tanto nesse trabalho de pesquisa, quanto nas iniciações científicas do

CNPQ: “Cidade e práticas sociais: o Albergue Noturno André Luiz na constituição da

cidade de Cascavel (1963 – 2007)” e “Entre a pobreza e a filantropia: imagens,

estigmatizações e outras práticas socioculturais em disputa pela/na cidade (Cascavel,

1973 – 2007)”.

Aos meus amigos deixo aqui meu grande abraço. Companheiros de república:

Pedrinho, Anderson, Danilo, Mauro, João, e Calegari. Colegas do Sem Fronteiras:

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Maicon, Marcelo, Diego, Patricia, Sandra, Gabi e Marcos. Camaradas do Centro

Acadêmico, na gestão “Novos Tempos, Construindo uma nova história”, pelas lutas e

ousadia. E aos muitos outros amigos, que não vou citar nomes, pois não teriam espaço

suficiente nessas páginas, mas que de alguma forma também contribuíram nesse

processo.

Agradeço também aos interlocutores desse trabalho: à dona Valdemira,

administradora do Albergue Noturno André Luiz, pela confiança das fontes em minhas

mãos. Luiz, ex-andarilho e ex-trabalhador do Albergue, que me deu a oportunidade de

conhecer melhor a cidades de Cascavel a partir da sua trajetória de vida. Ao casal: o Seu

Geraldo e a Ducalmo (Dona Maria), pela história de luta e amor em prol dos albergados.

E finalmente aos demais moradores de rua que não compartilharam suas histórias de

vida, apenas o seu silêncio - o que também não deixa de ser uma forma de expressão.

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RESUMO

Esta pesquisa investiga a configuração e a atuação do Albergue Noturno André Luiz na

cidade de Cascavel do início da década de 1970 até a construção das novas instalações

em 1994. Decorrente de conflitos e mudanças no meio rural, a migração de pessoas do

campo para a cidade acabava por aumentar significativamente a pobreza no perímetro

urbano. A instituição foi criada nesse contexto histórico para atender algumas das

necessidades de parte dessa população na cidade. A análise tem como objetivo

investigar como Cascavel estava se constituindo naquele momento e a configuração da

instituição nas mudanças ocorridas nesse espaço urbano. Com a criação da instituição à

margem da cidade, a perspectiva é de investigar as formas dominantes de ocultação da

pobreza, paralela à construção e manutenção de uma imagem de “progresso” e

“desenvolvimento” para Cascavel. Com o repentino crescimento habitacional na cidade,

o Albergue, antes localizado na periferia, passou a fazer parte da região central, no

bairro Parque São Paulo. Diante das novas relações de pertencimento ao bairro, a

instituição não agradava aos vizinhos que ali se instalavam. Somado a precariedade da

estrutura do Albergue, em 1992 deu-se início a um intenso debate referente à construção

de um novo prédio. Manifestações da população contra os destinos da nova localização

da instituição se configuraram através de abaixo-assinados e a realização de passeatas

expressas na imprensa escrita local. O objetivo é pensar como o Albergue passou a fazer

parte dos interesses de políticos da cidade. Bem como a construção histórica da

estigmatização da imagem do pobre, reforçada pelas manifestações e pela imprensa, que

ora incentivava a prática da filantropia, ora estigmatizava e imprimia uma dada imagem

estática sobre a instituição e a pobreza.

PALAVRAS-CHAVE:

Cidade; Albergue Noturno André Luiz, Cascavel, Filantropia.

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Autor: E da onde que vinha tanta gente?

Ducalmo Gomes Cantarelli (Dona Maria): Olha... Era as pessoas que vinham de fazendas, que estavam fechando... Teve uma família, que o fazendeiro trouxe que jogou aqui no portão. Com porco, galinha, sabe. Era uma senhora sozinha. O marido saiu pra procurar serviço e não voltou mais, até hoje. E ela tinha uma menina de quatro anos. O fazendeiro simplesmente pôs a mudança dela no caminhão, com cachorro, galinha, porco, e soltou na frente do Albergue. A gente recolheu ela, e a menina. Aí surge o S.O.S, portanto..., era aqui onde é hoje o Gilberto Mayer (Centro Cultural Municipal da cidade). Pro lado de lá era a delegacia e pro lado de cá era um pátio onde foi feito o S.O.S. Aí o S.O.S que fez umas duas peças pra ela lá no Aclimação (bairro periférico da cidade), e ela vendeu porco, galinha, tudo, e a mudancinha dela foi levado tudo pra lá. Então era muito difícil. Recebia gente assim, praticamente sair, que não tinha serviço pra trabalhar. Que vinham pra cidade, chegam na cidade, piorou mais ainda, por que não tá preparado pra cidade. E passava apuro.

Geraldo Cantarelli: Vinha procurar o Albergue.

Entrevista do casal Geraldo Gomes Cantarelli e Ducalmo Cantarelli, cedida ao autor em Cascavel/PR, em 6 de fevereiro de 2009

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SUMÁRIO

Considerações Iniciais ....................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1 - A CONSTITUIÇÃO DO ALBERGUE NOTURNO ANDRÉ LUIZ NA CIDADE DE CASCAVEL .............................................................................................. 22

CAPÍTULO 2 – TRANSFORMAÇÕES NO ESPAÇO DA CIDADE: A PERIFERIA QUE VIROU CENTRO OU O CENTRO QUE VIROU PERIFERIA? ......................... 40

Considerações Finais ....................................................................................................... 58

FONTES .......................................................................................................................... 60

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 64

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Considerações Iniciais

A cidade de Cascavel, pertencente a região Oeste do Estado do Paraná, está

localizada à 491 km a oeste da capital Curitiba e a 170 km a leste da cidade de Foz do

Iguaçu. Segundo os dados da Prefeitura Municipal de Cascavel, a cidade conta com uma

população de aproximadamente 285.784 pessoas.

Em Cascavel a filosofia espírita kardecista contribui com uma parte bastante

expressiva do assistencialismo à pobreza existente na urbe. Partindo da máxima do líder

espírita Alan Kardec “fora da caridade não há salvação”, é que cada sociedade espírita

em Cascavel se compromete na realização de atividades sociais. Tal ação é composta

em sua maioria por voluntários espíritas (exceto profissionais contratados que não

necessariamente simpatizam com a doutrina), que se manifestam através de algumas

instituições de caridade como: Casa da Sopa, Casa do Pão, Creche Ramiro de Siqueira,

Guarda Mirim, Albergue Noturno André Luiz, entre outras. Além do trabalho dessas

instituições, se mobilizam também através da realização de jantares, shows

beneficentes, comercialização de pizzas, campanhas de donativos, arrecadação de

alimentos para a composição de “cestas básicas” e distribuição de frutas, legumes e

verduras doadas pela Central de Abastecimento Sociedade Anônima – CEASA -,

através do projeto CEASA Amiga.

Inaugurado em Cascavel por agentes da Sociedade Espírita Irmandade de Jesus,

o Albergue Noturno André Luiz, também conhecido por Centro de Assistência Social

Chico Xavier, faz parte dessa parcela da assistência social espírita na cidade. Desde o

mês de agosto de 1973, vem atuando no trabalho de “assistir” moradores de rua,

mendigos, andarilhos, caminhoneiros, prostitutas, homossexuais e pessoas que recorrem

à cidade em busca de trabalho ou de tratamento médico.

Minha identificação com o presente tema está relacionada com o trabalho que

ajudava a realizar em Cascavel. Antes mesmo de me inserir na doutrina espírita,

trabalhava voluntariamente em campanhas de doação de alimentos e agasalhos, na

tentativa de “fazer o bem” à população carente, acreditando estar assim minimizando

suas misérias sociais. No decorrer dessa prática, algumas inquietações me invadiam o

espírito, aumentando minhas angústias, principalmente após ter me vinculado a doutrina

kardecista - pois o infinito debate entre a caridade material e a caridade moral também é

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constante neste meio. “Dar o peixe ou ensinar a pescar?” Era a questão quando iniciei

esse processo de pesquisa. Meus conflitos pessoais se estabeleciam na colocação de que

é necessário a pessoa se alimentar primeiramente para executar alguma função, até que

pudesse se sustentar, caso contrário, essa atividade não se concretizaria ou o resultado

certamente sairia de forma deficiente.

Porém, nas minhas observações, as doações de benefícios em grande medida não

auxiliavam para que esse receptor respondesse da forma que era desejada. Ou melhor

dizendo, da forma que por mim era desejada. Julgava que as doações deveriam ser como

estímulos para encorajar as pessoas a suprirem suas necessidades vitais mais urgentes,

para que na seqüência, pudessem elas “caminharem com as suas próprias pernas”, o que

de fato nem sempre se realiza. Sendo assim, estaria eu realmente contribuindo para

“minimizar essa miséria social”, ou contraditoriamente, estimulando pela continuidade

desse “problema”?

Uma outra contradição evidenciada durante as campanhas em que ajudava era

que nos bairros considerados pobres, de periferia, as doações eram bem maiores do que

nos bairros de “classe média” e “alta”. Nas gincanas de arrecadação, eram sorteadas as

localidades para onde as equipes deveriam se encaminhar para trabalhar na coleta. Por

mais absurdo que parecesse, felizes eram aquelas equipes que sorteavam os bairros mais

pobres e distantes da região do centro da cidade. Se, por um lado, observava que muitos

dos que doavam seriam os mesmos que deveriam receber as doações, por outro lado,

nos bairros de “classe média”, mesmo com as identificações (camisetas, bonés,

adesivos) da campanha, ou talvez por conta disso, em muitas residências não éramos

sequer recebidos.

A princípio queria fazer um mapeamento geral da assistência espírita de

Cascavel, de modo a divulgar o trabalho para que outras pessoas – principalmente

aqueles das classes altas - passassem a contribuir e a compartilhar com a caridade

espírita da cidade. Tendo em vista o número de instituições, em constantes discussões

com o orientador, optamos por pesquisar uma parcela específica dessa filantropia. Pela

sua inserção e atuação no processo de transformação da Cascavel dos anos de 1970, até

os de hoje; disponibilidade de fontes e questões apresentadas pela presença da

instituição na cidade, chegamos ao Albergue Noturno André Luiz.

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O objetivo é pensar como o Albergue, no decorrer das memórias dos seus

sujeitos, desde a década de 1970, encontra-se marcando ações políticas e socioculturais

no espaço urbano de Cascavel.

Para entender a atuação do Albergue Noturno André Luiz na cidade de Cascavel

faz-se necessário, primeiramente, compreender essa cidade até o processo de sua atual

constituição. Atribuí como importante apresentar tais questões sobre a cidade pela

contradição existente entre o discurso de “desenvolvimento” e “progresso”, propagado

pelas memórias públicas de Cascavel, paralelamente ao do crescimento da pobreza e a

necessidade de instituições filantrópicas nesse meio.

Nesse campo de história regional, discuto com os autores: O arquiteto Caio

Smolarek - calcado por uma concepção “evolucionista”, de “progresso” e

“desenvolvimento”, no livro Cascavel: um pedaço no tempo a história do planejamento

urbano, que foi escrito com base na seleção de alguns dos Planos Diretores das

administrações públicas da cidade, descrevendo o planejamento de Cascavel e as

transformações ocorridas em seu meio urbano. E o memorialista Alceu Sperança -

apoiado numa história política e econômica, com um discurso sobre o pioneirismo,

colonização, lutas, aventuras, “conquistas”, datas e “marcos históricos” até a década de

1990; apresentando uma “versão oficial” sobre a cidade no livro Cascavel, a História.

Ambos trabalhos foram realizados com o respaldo da administração municipal da

cidade, influenciando por sua vez em suas abordagens. As referências serão utilizadas

não no sentido de avaliar a qualidade de suas pesquisas, mas pela razão que há poucas

produções bibliográficas sobre a história de Cascavel. Tomar conhecimento de tais

versões públicas fornece os estereótipos criados, atribuindo novos elementos ao

pesquisador para a investigação e produção de diversos outros olhares sobre a cidade.

Para contrapor a tais versões públicas existentes é que me lancei no trabalho com

a História Oral. A realização de entrevistas - com a atual administradora do Albergue;

um casal de aposentados pela instituição e um ex-albergado, foram produzidas no

sentido de conhecer outras formas de olhar para esse urbano e suas instituições. Tentei

também realizar entrevistas com mais dois moradores de rua e um andarilho que

frequentemente se utiliza do Albergue, porém o silêncio dessas pessoas impediram que

suas referências fossem utilizadas no resultado dessa pesquisa. Como coloca Alessandro

Portelli:

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Assim, a História Oral tende a representar a realidade não tanto como um tabuleiro em que todos os quadrados são iguais, mas como um mosaico ou colcha de retalhos, em que os pedaços são diferentes, porém, formam um todo coerente depois de reunidos – a menos que as diferenças entre elas sejam tão irreconciliáveis que cheguem a rasgar todo o tecido.1

A partir da discussão de História Oral, de Alessandro Portelli, entendo que as

memórias das pessoas não podem ser creditadas de “verdade absoluta”. Porém, levando

em consideração a “verdade” do relato, pois o mesmo, produzido em um momento real,

torna a memória um outro momento da realidade. Ou seja, um novo ato. A História Oral

proporciona o conhecimento dessas outras verdades que se formam na inesgotável

subjetividade produzida pelos sujeitos. Como pondera Pablo Vommaro:

La construcción de las subjetividades es un proceso determinado social e historicamente en donde conviven las tradiciones con las experiencias actuales, lo fundante con las permanencias, las continuidades con las rupturas, los elementos nuevos y disruptivos con las pervivencias. Todo esto confluye y se integra configurando un proceso para nada lineal, siempre inacabado y lleno de tensiones y contradicciones.2

No entendimento de Pablo Vommaro, compreende-se que na subjetividade –

descrita por Portelli como: “(...) o trabalho através do qual as pessoas constroem e

atribuem o significado à própria experiência e à própria identidade (...)”3 – se constroem

no presente a partir das experiências vividas pelo sujeito na relação - seja ela

correspondente ou contraditória - com a subjetividade do “outro”. Ou seja, a memória -

pública ou não - pode ser comparada a uma espécie de espelho que reflete uma imagem

do depoente, porém sendo constantemente influenciada pelo reflexo dos demais

espelhos à sua volta. Pretende-se assim, contrapor a subjetividade dessas pessoas

entrevistadas à imagem dada a Cascavel através dos discursos propagados pelas elites

da cidade e os meios de comunicação que lhes imprimem sentidos.

1Ver PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho: algumas reflexões sobre a ética na história oral. Projeto História. São Paulo, PUC/SP, nº15, 1997. p.16-172Ver VOMMARO, Pablo. La producción y las subjetividades em las organizaciones sociales de la Argentina contemporánea: el caso del MTD de Solan. In: Movimiento Social y Movimiento sindical en la Argentina Contemporanea. Buenos Aires: El Colectivo, 2008. p. 70. “A construção da subjetividade é um processo determinado social e historicamente, onde convivem as tradições com as experiência atuais, a fundação com as permanências, as continuidades com as rupturas, os elementos novos e disruptivos com as sobrevivências. Tudo isso conflui e se integra configurando um processo para nada linear, sempre inacabado e cheio de tensões e contradições.“(tradução livre)3Ver PORTELLI, Alessandro. A Filosofia e os Fatos: narração, interpretação e significação nas memórias e nas fontes orais. Rio de Janeiro, UFF/Relume-Dumará, v.1, n. 2, 1996. p.60

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Para problematizar essa historiografia relativa à cidade, recorro também a

autores que discutem o tema. Segundo Raquel Rolnik:

O próprio espaço urbano se encarrega de contar parte de sua história. A arquitetura, esta natureza fabricada, na perenidade de seus materiais tem esse dom de durar, permanecer, legar, ao tempo os vestígios de sua existência. Por isso, além de continente das experiências humanas, a cidade é também um registro, uma escrita, materialização de sua própria história.4

A cidade de Cascavel, conta suas histórias não somente a partir da sua

arquitetura, arranha-céus e favelas. A pluralidade de vivências da sua população nesse

complexo espaço delimitado por fronteiras - geográficas, imaginárias e culturais - de

diferentes formas, dão vozes a essa estrutura material e de sentimentos. Esse amontoado

de concreto armado não seria possível sem a atuação dos sujeitos históricos nessa

configuração do urbano. A durabilidade e resistência da arquitetura é limitada pelas

intemperes do tempo e as vontades humanas. Por outro lado, as memórias daqueles que

a constituíram ou, viveram nesses espaços e os modificaram, à sua maneira, são as que

novamente materializam, escrevem e registram sua existência.

Permitindo-me conhecer as múltiplas cidades dentro de Cascavel, Ítalo Calvino,

na literatura de Cidades Invisíveis, com muita sensibilidade e poesia, apresenta o

navegador Marco Polo descrevendo à Kublai Khan suas viagens à diferentes cidades.

Ao longo da sua obra, aborda em cada capítulo a existência de uma nova cidade dotada

de inúmeras características distintas, de tal modo que não é possível estabelecer

conexões entre uma e outra. A grande surpresa trazida pelo autor é a conclusão de que

as várias cidades apresentadas encontra-se no mesmo espaço urbano. De forma

heterogênea, se entrelaçam e se relacionam num mesmo lugar. O que existem aí são as

muitas outras formas de conhecê-las, abstraindo das delimitações geográficas,

exercendo o olhar nas minuciosas particularidades que os apresentam.

Pelo meu discurso, pode-se tirar a conclusão de que a verdadeira Berenice é uma sucessão no tempo de cidades diferentes, alternadamente justas e injustas. Mas o que eu queria observar é outra coisa: que todas as futuras Berenices já estão presentes nesse instante, contidas uma dentro da outra, apertadas espremidas inseparáveis.5

4Ver ROLNIK, Raquel. O que é cidade. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 95Ver CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. Rio de Janeiro: O Globo; São Paulo: Folha de São Paulo, 2003. p. 155

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A partir da História Oral, as múltiplas cidades até então não declaradas,

escondidas dentro de Cascavel, são apresentadas a mim pelas pessoas que entrevistei. A

partir das diferentes versões sobre esse espaço - que se afirmam e se contradizem, entre

o que se tem publicado e entre um relato e outro - é que vou aos poucos tentando

desvendar as infinitas Cascavéis – para não dizer, Berenices – que compõem essa

cidade. As memórias das pessoas comuns permitem-nos conhecer as inúmeras cidades

invisíveis, criadas na pluralidade de olhares sobre o mesmo espaço urbano.

Num momento pulsante de contradições sociais em Cascavel que o Albergue

Noturno André Luiz foi projetado. A instituição foi fundada no ano de 1973, num

loteamento à margem da cidade, destinado a construção de casas populares, de BNH

(Bando Nacional de Habitação) – na rua 02, do bairro Jardim Social. Com o

crescimento da cidade e o processo de expansão das dimensões desse urbano, o mesmo

local, que antes era tido como periferia, hoje pertence a região central de Cascavel – na

rua Sandino Erasmo de Amorim, nº 1984, do bairro Parque São Paulo. Ao pesquisar a

instituição relacionada a essa ampliação territorial - a princípio -, fica evidente não

somente o rompimento de fronteiras espaciais concretas e a criação de outras. Essa

confluência nos leva a indagar o que pode ser caracterizado como “centro”, o que é

entendido como “periferia”, já que estes disputam e se misturam num mesmo espaço

geográfico. Relacionando o objeto de pesquisa à obra de Calvino, constata-se a

existência de muitas periferias no centro e de muitos centros nas periferias.

Outro autor que, pesquisando a cidade de Cascavel, traz essa questão é Maicon

Mariano em Memória e cidade: a cidade de Cascavel a partir das narrativas dos

moradores do bairro Jardim Floresta (Cascavel 1980-2008). Segundo esse autor: Como também pude perceber em minhas andanças a forma como no presente o comércio é organizado no bairro. Na rua Papagaios se concentra uma rede de comércio formal: supermercado, farmácias, lojas de conveniência, características que fazem com que o comércio da rua se assemelhe ao de um centro de cidade pequena (...) Quando pergunto sobre o que mudou nesses anos, todos que moram no bairro me responderam que é o comércio. A dependência em relação ao deslocamento ao centro diminuiu.6

6Ver MARIANO, Maicon. Memória e cidade: a cidade de Cascavel a partir das narrativas dos moradores do bairro Jardim Floresta (Cascavel 1980-2008). Marechal Cândido Rondon; Trabalho de Conclusão de Curso de História (monografia de graduação), UNIOESTE, 2008. p. 47 e 49.

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Mariano, através dos relatos de memória dos moradores do bairro Jardim

Floresta - um bairro “periférico” da cidade, criado na década de 1980 -, no sentido

inverso do qual trabalho aqui, porém, de forma não contraditória, apresenta na

reorganização desse espaço a estruturação de um centro em meio à chamada periferia da

cidade.

A constituição, remodelação e inversão de “valores” desse(s) centro(s) e

periferias em Cascavel foi possível a partir de 1952, após a emancipação do município

de Foz do Iguaçu. No planejamento inicial, a urbe estava dividida em duas partes

distintas, unidas posteriormente no ano de 1963, caracterizando em uma nova definição

da cidade. Foram inseridas então novas formas de planejamento do espaço urbano de

Cascavel.

Caio Dias trata desse processo de ocupação urbana feita de forma

“desordenada”. Porém, algumas delimitações foram projetadas para a constituição dessa

urbe. O autor, descreve as delimitações do “Patrimônio Velho” – a Cascavel projetada

inicialmente - e do “Patrimônio Novo” – criado pouco tempo depois, decorrente da

exorbitante quantidade de construções de novos estabelecimentos comerciais, prédios,

residências e indústrias.

Patrimônio Velho, que abrangia da Rua 7 de Setembro até a Rua Alferes Tiradentes, atual Rua Pres. Juscelino Kubitschek, e da Rua Manaus à Rua Cuiabá (...) Patrimônio Novo que abrangia da Rua 7 de Setembro até o limite das Ruas José Bonifácio e Rosa Norma Vessaro, no Bairro São Cristóvão.7

O mapa da página seguinte nos dá uma dimensão da periferia em que a casa

espírita que deu origem ao Albergue se encontrava na década de 1970. Pegando um

mapa atual da cidade, com base na referência citada, tomei a liberdade de traçar as

fronteiras entre um patrimônio e outro, bem como o destaque para a região onde foi

construída a sede da sociedade espírita, que posteriormente foi transformada em

albergue.

Essa expansão urbana, que em menos de uma década duplicava o tamanho da

cidade - assumindo posteriormente outras dimensões, como a construção de diversos

conjuntos habitacionais em 1980, entre eles o bairro Floresta citado por Mariano -, foi

possível em decorrência de vários fatores que desencadearam em intensos processos 7 Ver DIAS, Caio Smolarek. Cascavel: um pedaço no tempo. A história do planejamento urbano. Cascavel: Sintagma Editores, 2005.DIAS. p.63.

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Mapa 1: mapa atual de Cascavel, com destaques meus, apresentando o planejamento da cidade na década de 1950 e 1960 e o local onde se encontrava a Sociedade Espírita Irmandade de Jesus. Fonte: http://www.paranaturismo.com.br/cidades/cascavel/mapa.asp. acessado no dia 7 de abril de 2009.

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migratórios, a maioria, de pessoas oriundas do campo. Inicialmente, com o fim do

período da extração da erva mate e a intensificação na exploração da madeira. Dessa

mão-de-obra que antes era empregada na extração ervateira, grande parte dela passou a

se aglutinar próxima às serrarias onde trabalhavam, dando origem aos primeiros centros

urbanos da região. Caio Dias entende que:

A ocupação por habitantes e serrarias – pois neste momento o ciclo econômico de colheita da erva mate já tinha sido substituído pelo extrativismo da madeira, ocorreu ao longo do eixo físico da antiga estrada de ligação do litoral com o extremo oeste paranaense.8

Tal migração tornou-se mais intensa com o fim do ciclo madeireiro e o início do

processo de mecanização agrícola das terras, no final da década de 1960. Inicialmente

essa implementação de maquinários não se tratava objetivamente da comercialização de

grãos, mas de produzir para dar sustentabilidade à criação de suínos. Sperança faz

referência que: “já em 1962, o grande destaque econômico da região passavam a ser os

suínos produzido pela região de Cascavel”.9

A produção de suínos não era algo novo na região. O que ocorreu foi uma

mudança na forma como ela era praticada. Primeiramente, a criação de suínos era feita

em sistema de safra, mais para gordura animal.10 Posteriormente, no início da década de

1970, o objetivo da suinocultura seria a criação do animal mais para carne, não para

gordura, passando a serem produzidos em locais fechados, extinguindo a produção

safrista. Como denota Sperança: “Em 1964, os colonos sulistas passaram a aplicar na

região novas técnicas agrícolas. Novas técnicas também foram introduzidas na produção

de suínos em função das exigências de um mercado mais amplo”.11

Paralelamente a isso, a intensificação da mecanização agrícola para o plantio de

soja, repentinamente, acarretava na substituição da mão-de-obra de trabalhadores que

eram bóia-frias. Porém, com o desmatamento e a despreocupação com o tratamento do

solo, as primeiras safras não renderam muito. Tais problemas com a baixa produção

agrícola acabaram acarretando uma crise econômica, diminuindo ainda mais a

população rural. Apesar da migração de pessoas vindas do Sul do país, a maior parte

8 DIAS, op.cit. p. 619 Ver SPERANÇA, Alceu. Cascavel, A História. Curitiba: Lagarto, 1992. p. 202.10 Sistema de safra foi uma prática onde os suínos eram criados soltos numa roça plantada para alimentá-los, depois eram levados “tocados” a pé até as cidades onde a produção seguiria de caminhão para os frigoríficos. 11SPERANÇA, op.cit. p.213

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dessa população era formada basicamente por migrantes vindos dos estados do Nordeste

do país, Minas Gerais, sul de São Paulo e norte do estado do Paraná, através de

propagandas migratórias que prometiam trabalho, fartura e propriedades de terra no

Oeste do Paraná. Porém, trabalhando na exploração da madeira, no plantio de algodão,

cana de açúcar, café, entre outros. Grande parte dessa mão-de-obra foi levada por uma

nova propaganda migratória, semelhante aquela que os trouxeram para o Paraná,

seguindo para os estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia, Amazonas,

para trabalhar na ocupação de novos territórios. Das pessoas que não se aventuraram na

migração, uma pequena parcela permaneceu no campo, trabalhando para os grandes

proprietários e o restante migrou para as cidades, dentre elas Cascavel.

Uma outra questão predominante nesse período foi a existência de inúmeros

conflitos em disputa pela terra na região. Muitos desses conflitos se davam pela abertura

de posses de terras por migrantes vindo principalmente dos estados de Santa Catarina e

do Rio Grande do Sul. Impulsionados pelas propagandas migratórias de ocupação

territorial, vendiam suas propriedades nos locais de origem e migravam para o Oeste do

Paraná. Ocupavam o território e se estabeleciam apenas com “direitos” de uso da terra.

Com a “regularização das propriedades”, durante as administrações do governador

Moysés Lupion (1947-1951 e 1956-1961), estas foram concedidas aos grandes

latifundiários, deixando no prejuízo muitos dos pequenos agricultores. Como argumenta

ainda Sperança:

Para Cascavel o período iniciado em 1964 foi de crescente urbanização, com a concentração de terra nas mãos de um número menor de proprietários, a modernização da agricultura e o estabelecimento de um anel de interesses multinacionais ao redor da cidade.12

A expropriação de pequenos proprietários pelas elites latifundiárias e a migração

para as cidades contribuiu para uma espécie de “explosão demográfica” que foi

presenciada em Cascavel. Para termos uma noção desse “boom”, podemos observar a

tabela do IBGE na próxima página, disponível no site da Prefeitura Municipal de

Cascavel.

Além da tabela, foram anexados no site as estimativas em porcentagem da

elevação dos índices populacionais: “A população de Cascavel apresenta uma evolução

12 SPERANÇA, op.cit. p.207

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mais acentuada entre as décadas de 1960 e 1980, sendo o crescimento verificado no

período de 1960 a 1970 de 127,08% e 81,78% no período de 1970 e 1980 (...)”.13

QUADRO 011 – EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO14

EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO – MUNICÍPIO DE CASCAVELANO URBANO RURAL TOTAL1960 5.274 34.324 39.5981970 34.961 54.960 89.9211980 123.698 39.761 163.4591990 177.766 15.224 192.9902000 228.673 16.696 245.369*2003 261.505

Caio Dias define esse crescimento repentino dos índices populacionais da cidade

como: “...decorre da imensa quantidade de processos de aprovação de loteamentos, (...)

entre 1975 e 1976.”,15 bem como a existência do que ele vem a chamar de: “...vazios

urbanos, sendo que o crescimento explosivo é gerado principalmente pela especulação

imobiliária.”16 Sperança, por sua vez, atribui como impulsionadora do crescimento

urbano da cidade “(...) em razão de sua localização privilegiada, pois do contrário

jamais deixaria de ser um pequeno povoado, tributário de Toledo.”17 Ambos os autores

tratam desse processo de forma quase mecânica, se levarmos em conta as outras

questões apresentadas. Tanto a especulação imobiliária quanto a localização espacial

não foram os únicos fatores predominantes na constituição da cidade. Coexistiu, aí,

uma série de intenções, conflitos e articulações políticas que deram sustentação a essa a

imagem que se elaboram para essa urbe. É aquilo que Rolnik defende que: “(...) desde

sua origem cidade significa, ao mesmo tempo, uma maneira de organizar o território e

uma relação política.”18

Como podemos observar, na cidade de Cascavel, a partir das décadas de 1960 e

1970, se fazia constante a presença de pessoas vindas do meio rural para o perímetro

urbano. Em muitas situações essas pessoas migravam para a cidade sem um local de

moradia previamente estabelecido, sem condições de trabalho - pois, na cidade não 13Aspecto Socio-econômico. Disponível no site: http://www.cascavel.pr.gov.br Acessado no dia 7 de abril de 2009.14Idem.15 DIAS, op.cit. p.7416Idem, p. 73 (grifos meus)17 SPERANÇA, op.cit. p. 21718ROLNIK, op.cit. p.21

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desenvolveriam as atividades que estavam acostumadas a realizar no campo -, nem

condições financeiras que lhes pudessem suprir até se “habituar” ao novo local. Nesse

quadro de crescimento constante de pobreza, instituições como o Albergue foram

criadas para atender essa população carente.

Faz-se necessário tomarmos o cuidado de especificar que houveram diferentes

processos migratórios do campo para a cidade de Cascavel. Considera-se que nem todas

as pessoas que vieram da zona rural para o perímetro urbano somaram com a pobreza

existente na cidade. Porém, o número de instituições criadas na década de 1970, num

momento de constante fluxo migratório decorrente de conflitos e transformações que

estavam sendo presenciados no campo, bem como a demografia crescente na cidade nos

dá indicativos de que tal processo não se deu de forma simples e pacífica. Neste

trabalho, os olhares estão voltados para uma parte da migração que não se faz

esclarecida nos discursos oficiais da cidade, trazendo para a discussão algumas

contradições que não condizem com a imagem de “progresso” e “desenvolvimento”

propagada pelas elites locais, sobre Cascavel.

No primeiro capítulo, intitulado A constituição do Albergue Noturno André Luiz

na cidade de Cascavel, procuro discutir em que contexto histórico da cidade o Albergue

foi criado. A partir das mudanças produtivas - com o aprimoramento tecnológico - e os

processos de expropriação de posseiros e bóia-frias do meio rural – decorrente de novas

políticas de terras -, investigo a relação entre os processos migratórios dessas pessoas

para a cidade de Cascavel, com a pobreza crescente nesse meio. Com a criação e

manutenção do Albergue fora da cidade, problematizo a apropriação pelo Poder Público

da caridade realizada pelos espíritas na instituição e seus interesses em escamotear a

pobreza na periferia de Cascavel. Investigo os discursos das elites locais, atribuindo

uma dada imagem de “progresso” e “desenvolvimento” para Cascavel, a partir,

sobretudo, do periódico Tudo Sobre Cascavel, em contradição com as inúmeras outras

cidades apresentadas nas falas das pessoas entrevistadas. Exploro também a existência

de outros meios para deslocar a pobreza de Cascavel para outros estados.

Em particular, nesse capítulo, trago o significativo relato de memória do ex-

albergado Luiz Carlos Alves Ferreira. Com uma trajetória de contantes migrações, Luiz

vivenciou a saída da sua família do campo para a cidade, decorrente da perda das

propriedades de terras para latifundiários. Em Cascavel, trabalhou na construção civil

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por um tempo e seguiu para o estado do Mato Grosso do Sul em busca de trabalho com

a terra, motivado por uma enganosa propaganda migratória. Retornou à cidade,

constituiu família e foi morar no Paraguai. Terminado de criar os filhos, migrou

novamente para o Mato Grosso do Sul. Após ter sofrido um acidente de trabalho,

retorno a Cascavel para fazer tratamento médico, vindo a morar no Albergue. Seu relato

de vida contribui, em grande medida, para compreender algumas questões em torno da

cidade na constituição e configuração do Albergue em Cascavel.

No segundo capítulo Transformações no espaço da cidade: a periferia que virou

centro ou o centro que virou periferia?, discuto sobre o processo de crescimento

vertiginoso da cidade, que acabou por inserir o Albergue num bairro central de

Cascavel, bem como a atribuição de outros valores dado o espaço que comporta a

instituição. Investigo a precariedade que chegou à estrutura do Albergue - devido o

número considerável de atendimentos - e o alcance da instituição na imprensa, somente

em 1992, visando os interesses da administração pública na apresentação de projetos

para a viabilidade de uma nova sede. Abordo a resignificação dada à essa imprensa

pelos trabalhadores da instituição, utilizando-a por sua vez, como um mecanismo para

pedir auxilio à comunidade, divulgar a caridade e reivindicar as promessas feitas pelo

Poder Público. Investigo a utilização da imprensa pelos moradores dos bairros: Centro e

Parque São Paulo contra a construção do novo Albergue – temendo a presença do

público atendido pela instituição nas ruas do bairro - e como se construiu historicamente

a associação do pobre como um ser perigoso.19 Abordo também os embates na Câmara

de Vereadores de Cascavel, envolvendo Albergue, Poder Público, associação de

moradores, e o início do lento processo da construção das novas instalações em 1994.

19A região aqui chamada de bairro Centro caracteriza-se pela confluência de alguns bairros de Cascavel onde o fluxo e movimento comercial é maior, não tendo uma definição esclarecida do nome desse local, conhecida por muitos apenas como Centro.

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CAPÍTULO 1 - A CONSTITUIÇÃO DO ALBERGUE NOTURNO ANDRÉ LUIZ

NA CIDADE DE CASCAVEL

O Albergue Noturno André Luiz foi inaugurado na cidade de Cascavel no ano de

1973 pelos trabalhadores da Sociedade Espírita Irmandade de Jesus, com o propósito de

atender com pouso, comida e roupas, à pessoas em trânsito que não tinham onde ficar.

Porém, outras pessoas que moram na cidade também são beneficiadas pela caridade da

instituição. O público frequentador do Albergue é formado basicamente por: mendigos,

andarilhos, prostitutas, migrantes, caminhoneiros, homossexuais, e demais pessoas que

vem para a cidade a procura de trabalho, familiares ou tratamento médico. A partir da

década de 1970, com uma grande quantidade de pessoas que migraram do meio rural

para a cidade, sem lugar para morar, nem condições financeiras para se estabelecer, o

Albergue foi criado para tentar dar conta dessa população carente.

Para entendermos como surgiu e se constituiu o Albergue, faz-se necessário uma

leitura crítica daquilo que chamamos de histórico ou contexto de Cascavel, apresentado

por alguns autores e dados do IBGE.

Entre as décadas de 1970 à 1980 Cascavel estava passando por constantes

transformações no seu espaço. Recebendo uma quantidade bastante significativa de

migrantes, a cidade aumentava seu índice populacional. Segundo dados do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatísticas/IBGE, a população urbana que no início da década

de 1970 teria a quantidade de 34.961 habitantes, passaria a ter 123.628 habitantes em

1980. Por outro lado, os índices demográficos apontam para a diminuição considerável

da população rural, passando de 54.960 habitantes para 39.761habitantes.

Essa inversão dos números de habitantes no quadro demográfico se constituiu

decorrente de intensos processos migratórios gestados, entre outros, por conflitos

agrários e mudanças tecnológicas. As intensas disputas pela posse da terra - culminando

na expropriação de muitos pequenos agricultores de suas propriedades -, as propagandas

migratórias, o fim do ciclo madeireiro na região, o processo de mecanização agrícola, a

diminuição na produção da suinocultura, e o insucesso com as lavouras de café foram

alguns dos fatores que compuseram os elevados índices dessa população urbana.

A partir de relatos de memórias de pessoas, direta ou indiretamente ligadas ao

Albergue, entrevistadas durante o processo de pesquisa, através da História Oral,

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busquei compreender como se constituía a cidade naquele momento e os conflitos

existentes que impulsionavam a necessidade em se ter uma instituição de atendimento à

pobreza nesse meio.

Luiz Carlos Alves Ferreira, nascido em Cascavel no dia 23 de fevereiro de 1954,

com uma vida permeada de constantes migrações para outras localidades dento do

Paraná, para o país vizinho, o Paraguai, e para o estado do Mato Grosso do Sul, em

meados de 2004 retorna à sua cidade natal na condição de albergado. Luiz, após ter

sofrido um acidente de trabalho no estado do Mato Grosso do Sul e um erro médico na

cidade de Foz do Iguaçu, que quase comprometeu o funcionamento dos seus rins, voltou

a Cascavel em busca de tratamento médico. Sem ter onde ficar, foi acolhido pelos

trabalhadores do Albergue, permanecendo durante quatro anos na instituição. Hoje, com

56 anos, após conseguir a aposentadoria, reside de aluguel na casa de um voluntário do

Albergue. Tendo no passado a sua família sofrido com a expropriação, Luiz

acompanhou essa transição do campo para a cidade, revivendo nas suas memórias esse

processo.

Relatando como a sua família perdeu as propriedades de terra, Luiz descreve

como eram feitas as divisões territoriais na região e como eram estas mantidas pelos

proprietários: “(...) O cara chegava assim, abria um picadão ali. Cortava aí cem alqueire,

duzentos alqueire só na base da picada, dizia “aqui é meu e pronto, ninguém vai ponhá o

bico” e era assim (...)”.20 Em seguida, Luiz conta como era feita a documentação das

propriedades: “(...) ali eles compravam o direito. O cara chegava, via lá um pedaço de

terra pra você. Não tinha o documento? Fazia lá um contrato, meio escrito na caneta e

aquilo lá era o papel que tava valendo(...)”21.

Muitas pessoas, a maioria do sul do Brasil, vinham para a região Oeste do

Paraná em busca de terras, impulsionadas por propagandas migratórias. Migrantes do

norte do país, também vinham para o Paraná para trabalhar inicialmente na exploração

da madeira e em seguida na criação de suínos, plantações de café, algodão, cana de

açúcar, entre outras culturas. Alceu Sperança escreve sobre essas propagandas : “em

1957, a exemplo de outras frentes colonizadoras, a Prefeitura de Cascavel, por sua

20 Entrevista de Luiz Carlos Alves Ferreira, concedida ao autor em Cascavel/PR, em 30 de janeiro de 2009. Os trechos das entrevistas passaram por uma breve correção no sentido de melhorar a compreensão do assunto relatado, sem alterar o conteúdo da fala.21 Idem.

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própria iniciativa, fez publicar país afora um folheto de divulgação louvando as virtudes

da terra regional”.22

As falas de Luiz são bastante significativas para entender como eram feitas por

esses migrantes a aquisição das posses de terras. Em um segundo momento, com a

instituição governamental de “regularização” das propriedades, uma nova

documentação substituía os contratos de direito de uso da terra, citados por Luiz. Estes

contratos, por sua vez, passariam a não ter valor algum, resultando na expulsão dessas

pessoas daqueles locais pelos latifundiários que “regularizaram” essas propriedades

antes dos posseiros. Luiz narra como se deu o processo da aquisição e expropriação de

terras na sua família.

Ah! meu pai ganhou essas terras aí. Meu avô ganhou a terra. Foi ganhada do Lupion [governador Moysés Lupion] na época. O Lupion dava muita terra pra eles, que eles eram fanático pelo Lupion. Então, era muita terra, com aquele que foi... Na base de contrato, coisarada, foram se metendo em política, foram perdendo tudo os registros”.23

Assim como a família de Luiz, muitas pessoas que foram expropriadas tiveram

que recorrer a outras formas de sobrevivência pois, pelos recursos “legais”, não era

possível requerer aquelas terras. Nota-se que a família de Luiz foi uma das beneficiadas

pela administração do governador Moysés Lupion. Porém, os conflitos em disputa da

terra também se davam entre os grandes proprietários, utilizando-se de outros meios

para mantê-la do que somente a força política. Ao perguntar a Luiz sobre a existência de

jagunços na região, o ex-albergado descreve os propósitos dos latifundiários com a

utilização dessa “mão-de-obra”: “Defender as propriedades. Depois tomavam terra dos

fazendeiros que tinham mais terras, dos colonos que eram mais fracos que não podiam

tocar, eles chegavam e tomavam a terra, os mais forte não deixavam tomar.”24 A força

dos proprietários se constituía para além da extensão das propriedades, ou seja, não era

um fator predominante.

Nessa mesma questão sobre os jagunços na região, Luiz faz referência a

Cascavel, dedicando importância ao hotel da cidade como um espaço de contratação de

empregados por fazendeiros da região.

22 Ver SPERANÇA, op.cit. p. 172.23 Luiz Ferreira. Ver entrevista citada.24Idem.

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O único hotelzinho que tinha era o hotel, ali onde que é o Copas Verde, no Centro, perto da igreja ali, era o Hotel da Dona Maria. Maringá nós falávamos, Maria do Peixe. Ali era o ponto de ônibus nós falávamos. Ali era hospedada a turma ali, ficavam ali. Chegava gente procurando serviço. Chegava, posava lá, daí os caras vinham. Se alguém vinha pegar os caras pra levar pra trabalhar, pagava a despesa deles e levava pra trabalhar. Era assim. O único hotelzinho que tinha naquela época era aquele ali25

Assim como em Cascavel, de modo semelhante, Dalva Maria de Oliveira Silva,

no artigo Migrantes nordestinos e as relações com a cidade, relatando sobre a história

de uma cidade mineira que passa a receber mão-de-obra para a cultura do arroz na

década de 1940, constituída basicamente por nordestinos ou nortistas, entende que:

Se no princípio, a cidade era apenas o ponto de chegada, de passagem, de idas e vindas, vai aos poucos sendo tomada pelos migrantes e se constituindo em palco de novas e conflituosas relações, que se estabelecem a partir da luta que o migrante empreende em busca da conquista de espaço na vida urbana.26

Com as expropriações, algumas pessoas permaneciam trabalhando para os

latifundiários, outras migravam para outras localidades, e outros ainda, seguiam para a

cidade. Luiz passou pelas três “alternativas”, se é que podemos conceber assim. Após a

perda das terras, Luiz veio morar em Cascavel para trabalhar na construção civil e

descreve como se lembra da cidade naquela época:

Ah, Cascavel. Olha, eu lembro de Cascavel do tempo que não tinha nem lotação aí. Não tinha. Tinha uma circularzinha, era umas kombi velha caindo os pedaços. A avenida era puro um... Não tinha nem calçamento, era uns buracão (...) Tinha poucas casas, dava pra contar as casas que tinha. A igreja, já a matriz ali, era uma igrejinha de... Quando eu me conheci, quando eu fui batizado, era uma igrejinha de pau-a-pique ali ainda, de pau-a-pique. Depois que fizeram uma igrejinha de material. Daí que foi, com o tempo que foi construído aquela igreja. Até por sinal, o primeiro carrinho de concreto quem botou no pilar daquela igreja da matriz fui eu. Trabalhei do começo ao fim ali.27

Ao falar sobre a construção da matriz da igreja católica de Cascavel, iniciada em

1964, o ex albergado reivindica a sua participação na memória pública da cidade.

Compreendo que a história do lugar não se limita a construção do patrimônio e

25 Luiz Ferreira. Ver entrevista citada.26Ver SILVA, Dalva Maria de Oliveira. Migrantes nordestinos e as relações com a cidade. In: Cidades, Pesquisas em História, Programa de Estudos Pós-Graduados. São Paulo: Olho D’água, 1999. p.17527 Luiz Ferreira. Ver entrevista citada.

25

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participação em “marcos históricos”, mas que a vivência dos sujeitos no espaço

constitui a história. Porém, Luiz apresenta-se nessa fala como um construtor da história

de Cascavel, atribuindo à Igreja Católica com um ícone da História da cidade.

Com uma proporção significativa de pessoas migrando do campo para as cidades

sem condições de estrutura e infraestrutura, aumentava gradativamente a pobreza no

espaço urbano. No ano de 1967, na cidade de Cascavel, um grupo de pessoas,

simpatizantes da filosofia espírita kardecista, fundava a Sociedade Espírita Irmandade

de Jesus. Sem sede própria, reuniam-se na residência do então presidente da sociedade,

Miguel Fagundes da Silva. Na primeira reunião, em Ata Registrada, justificam-se os

propósitos com a organização:

A Sociedade terá como base o estudo das obras literárias, científicas e filosóficas de Alan Kardec e outros estudos religiosos da ciência da Alma e do mundo espírita e propagar por todos os meios de nosso alcance seja por palavras escritas, faladas e simplificadas, levando a caridade material espiritual e moral a todos os necessitados onde quer que se encontrem.28

Pelas mãos do empresário e prefeito reeleito na época, Octacílio Mion, a

sociedade recebeu, no ano de 1970, a doação de um terreno. Naquele lugar edificaram

uma pequena casa para instalar a sede da Sociedade Espírita, onde alguns anos depois

seria transformada no Albergue Noturno André Luiz.

Inicialmente, a sociedade espírita não tinha o propósito de constituir um

albergue em Cascavel. A partir de um acontecimento que estimulou a ação de fundar

um albergue foi que no ano de 1973, o Albergue Noturno André Luiz iniciava seu

atendimento. Numa entrevista gravada com o casal Geraldo Gomes Cantarelli, 68 anos e

Ducalmo Cantarelli, conhecida por Dona Maria, 66 anos, trabalhadores aposentados

pelo Albergue, eles trazem nas suas memórias como a Albergue foi pensado:

O batalhador que abriu o Albergue era o Seu Leocádio [Hiitner].29 Vindo de Curitiba, uma senhora com três crianças atacou ele e pediu pra levar eles pro Albergue. Ele trouxe e levou ela pro hotel por que não tinha Albergue. Daquele dia em diante, ele batalhou e foi em frente.30

28Ata da fundação da Sociedade Espírita Irmandade de Jesus. Cascavel, 27 de agosto de 1967. Fonte: Histórico, vol. 1 da Sociedade Espírita Irmandade de Jesus.29Através da documentação da instituição, constatou-se que Leocádio Hiitner consta de modo participante nas formações das diretorias da sociedade espírita desde 1971 até 1977, eleito presidente em 1974, logo após a criação do Albergue.30Entrevista do casal: Geraldo Cantarelli e Ducalmo Gomes Cantarelli., concedida ao autor em Cascavel/PR, em 06 de fevereiro de 2009.

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Como um dos objetivos do movimento espírita é a caridade para com a pobreza

que aumentava consideravelmente, seus simpatizantes se mobilizavam para criar a

referida instituição na cidade.

Seu Geraldo e Dona Maria - ele natural de Orlandes, São Paulo; ela natural de

Itajubá, Minas Gerais -, vindos do interior do município de Nova Aurora, próximo a

Cascavel, acompanharam a trajetória da instituição praticamente desde a sua fundação.

Hoje, embora aposentados, continuam atuando como voluntários.31

Migrando para a cidade para acompanhar o irmão de Dona Maria, Seu Geraldo,

antes de se efetivar no Albergue, assim como Luiz, também trabalhava na construção

civil; Dona Maria, trabalhava de empregada doméstica. A partir do contato com uma

ex-patroa de Dona Maria, tomaram conhecimento do Albergue e em seguida foram

indicados para trabalhar na instituição. O casal relata a sua trajetória do interior para a

cidade até o trabalho na instituição.

Que nem nós mesmo, nós também viemos do sítio. Chegamos aqui ele... foi trabalhar, servente de pedreiro e eu trabalhava de doméstica. Trabalhei um ano e pouco na casa de uma senhora e depois vim pra cá pro Albergue. Mas vim trabalhar de doméstica. Vim lavar, passar, limpar, fazer comida.32

O Albergue Noturno André Luiz começou a prestar atendimento em 1973, onde

então era a sede da Sociedade Espírita Irmandade de Jesus, transferida para um outro

bairro. Com uma média de atendimento de até 80 pessoas diariamente, ao perguntar a

Dona Maria o que desencadeou para essa movimentação naquele momento, ela diz que:

“Tava começando aquela... mecanizando terra, que os trabalhador braçal já vai

perdendo os emprego né (...) daí foram saindo...”33

A situação relatada por Dona Maria permite-nos compreender melhor o que

estava acontecendo naquele momento para o crescimento também da pobreza na cidade:

Olha... Era as pessoas que vinham de fazendas, que estavam fechando... Teve uma família, que o fazendeiro trouxe que jogou aqui no portão. Com porco, galinha, sabe. Era uma senhora sozinha. O

31Ducalmo Gomes Cantarelli recebeu o pseudônimo de Dona Maria por um amigo da casa espírita que não conseguia adaptar-se com o seu nome. Sendo assim, afim de evitar a má compreensão ao leitor dos sujeitos sociais que atuaram nesse processo, seguirei no trabalho citando Geraldo e Ducalmo da forma como são chamados: por Seu Geraldo e Dona Maria.32Ducalmo Gomes Cantarelli (Dona Maria). Ver entrevista citada.33Idem.

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marido saiu pra procurar serviço e não voltou mais, até hoje. E ela tinha uma menina de quatro anos. O fazendeiro simplesmente pôs a mudança dela no caminhão, com cachorro, galinha, porco, e soltou na frente do Albergue. A gente recolheu ela e a menina. Aí surge o SOS, portanto..., era aqui onde é hoje o Gilberto Mayer (Centro Cultural Municipal de Cascavel). Pro lado de lá era a delegacia e pro lado de cá era um pátio onde foi feito o SOS. Aí o SOS que fez umas duas peças pra ela lá no Aclimação (bairro periférico da cidade), e ela vendeu porco, galinha, tudo, e a mudancinha dela foi levado tudo pra lá. Então era muito difícil. Recebia gente assim, praticamente sair, que não tinha serviço pra trabalhar. Que vinham pra cidade, chegam na cidade, piorou mais ainda, por que não tá preparado pra cidade. E passava apuro.34

O SOS que Dona Maria se refere trata-se do Serviço de Obras Sociais, um orgão

criado pela Secretaria de Ação Social Municipal, ligado ao Programa do Voluntariado

Paranaense/PROVOPAR, para atender as pessoas em casos de emergência. Margarete

Zanelato, em seu trabalho Exclusão social – um estudo sobre os moradores de rua e

andarilhos na cidade de Cascavel – Paraná caracteriza as diversas categorias de

assistência social prestada pelo SOS: banho, almoço, sopa, doação de alimentos, Clube

de Mães, atendimento as deficiências múltiplas, entre outras. A partir da classificação

do atendimento podemos presumir qual foi a forma de assistência prestada pelo SOS

àquela senhora andarilha: “o Atendimento Emergencial à família objetiva socorrer às

famílias necessitadas, em extrema miséria ou vítimas de calamidades, como: doenças,

vendavais, inundações, entre outras. Fornecendo auxílio alimentos, roupas, calçados,

móveis e utensílios usados”.35

O SOS, inicialmente atendia no Centro da cidade, próximo onde era a Delegacia

de Polícia – hoje, o Centro Cultural Gilberto Mayer. Em 1977, foi transferido para o

bairro Cancelli, na periferia da cidade. Nessa mesma década, outros espaços de

assistência social foram criados nas periferias da cidade, como é o caso da Guarda-

Mirim e o Centro de Estudos do Menor e Integração na Comunidade CEMIC, e o

próprio Albergue.

Na década de 1970 a instituição encontrava-se na periferia da cidade, na rua 2 do

bairro Jardim Social, BNH, então, fora do plano urbanístico planejado inicialmente para

34Ducalmo Cantarelli (Dona Maria). Ver entrevista citada.35Ver ZANELATO, Margarete. Exclusão social – um estudo sobre os moradores de rua e andarilhos na cidade de Cascavel – Paraná. Toledo; Trabalho de Conclusão de Curso de Ciências Sociais (monografia de graduação), UNIOESTE, 2004. p. 29.

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Cascavel. Para termos uma noção da periferia em que o Albergue se encontrava, Seu

Geraldo conta como encontrou a localidade da instituição:

Olha... Na época que eu cheguei aqui..., asfalto era só no Centro. Da Policlínica [hospital próximo do Centro da cidade] pra cá não tinha um palmo de asfalto. Aqui era tudo... Parque São Paulo mesmo tinha poucas casas, se via mais aquelas... Só via mato aí (risos).36

Dona Maria complementa: “é, aqui por tudo aqui não tinha casa”37.

Ao perguntar para Luiz sobre a questão da localização espacial do Albergue,

também descreve a localidade, dizendo que:

Ali era lugar de matar paca, pardo. Ali onde tem aquela represa pra cima, ali era um banhadão feio ali que Deus o livre, puro mato. Ih! Ali era brabo as coisas, Nossa Senhora, tinha... O único mercadinho que tinha ali, uma casinha, tinha uma casa assim. Daí tinha uma serraria e depois, pra baixo ali donde é que é a Policlínica hoje em dia, ali onde era a Policlínica ali era puro mato ali, tudo mato, matão.38

A partir de 1975, a sociedade espírita recebeu da Prefeitura Municipal de

Cascavel, na administração de Pedro Muffato, o caráter de “Utilidade Pública” para

manter o Albergue, como “Associação Beneficiente, Religiosa e Assistencial”.39 Nessa

época já podemos perceber intenções por parte das lideranças da cidade em realizar a

assistência social na periferia da cidade. Na fala de Dona Maria: “(...) o Albergue não

era conhecido sabe, a cidade não conhecia o Albergue, então era muita dificuldade de

comida, de tudo (...)”.40

*

Apesar do estado de calamidade pública que a cidade estava vivendo com a

pobreza cada vez mais acentuada, integrantes das elites - agrária e comercial -,

aproveitando-se desse “boom demográfico”, projetavam a cidade para ser destaque 36Geraldo Cantarelli e Ducalmo Cantarelli (Dona Maria). Ver entrevista citada.37Idem.38Luiz Ferreira. Ver entrevista citada.39Prefeitura Municipal de Cascavel. Lei nº1163. Cascavel, 27 de outubro de 1975. Fonte: Histórico, vol. 1 da Sociedade Espírita Irmandade de Jesus.40Geraldo Cantarelli e Ducalmo Cantarelli (Dona Maria). Ver entrevista citada.

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econômico da região, defendendo discursos de “desenvolvimento” e “progresso”.

Propagandas migratórias eram produzidas para estimular o crescimento populacional.

Até mesmo hoje isso ainda é projetado para a cidade.

Em 1973, - no mesmo ano da fundação do Albergue - foi produzido o periódico

Tudo sobre Cascavel, com inúmeras informações sobre a “história”, economia, política,

índices demográficos, comunicação, transporte, comércio, indústria, ensino, lazer,

saúde, entre outros.41 O material tinha como propósito divulgar as empresas e a

capacidade física da cidade para receber um número maior de pessoas, além de

informações climatológicas, geográficas, de vegetação e solo para o meio rural.

Sustentava-se a expectativa do “desenvolvimento” da cidade como o 3º Pólo

Econômico do Paraná. Nas duas propagandas a seguir podemos perceber como a cidade

era representada:

41FAUTH, Willy. Tudo sobre Cascavel. Toledo: Grafo-set, 1973

30

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Na primeira propaganda está presente de modo muito marcante a questão da

tradição. A partir das duas fotografias da filial da loja Renner - a antiga estrutura em

comparação com o prédio onde estava constituída em 1973 -, e da reivindicação do

estabelecimento como “um dos brasões da cidade, e do seu povo”, tem-se a pretensão de

apresentar por meio da transformação física da mesma um “desenvolvimento”

econômico em Cascavel. Ao tratar sobre a “honestidade e serviço”, atribui também uma

dada imagem de Cascavel. Uma cidade sem conflitos nem contradições onde todos,

inclusive a empresa, trabalham em prol do “crescimento”.

31

Ilustração 1 e 2: algumas das propagandas do periódico “TUDO SOBRE CASCAVEL”, produzido em 1973, apresentando o discurso de “desenvolvimento”, “progresso” e “tradição” de empresas da cidade.

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Na segunda propaganda, a vinculação da imagem da construção de um prédio,

com a frase: “presente no desenvolvimento de Cascavel e região”, projeta a empresa

como uma das edificadoras do “progresso” da cidade. No periódico, se faz constante as

propagandas de outras construtoras, madeireiras, lojas de materiais de construção, e

imobiliárias – principalmente na venda de residências e loteamentos -, dando o sentido

de elevar o potencial da cidade, apresentando uma capacidade de sorver a população

que migrava para Cascavel com casas, apartamentos, terrenos, etc.

Ao todo estão presentes 65 divulgações de estabelecimentos comerciais no

periódico. Contendo 80 páginas, 27 foram destinadas exclusivamente para as empresas.

Acrescenta-se ainda a divulgação de outros estabelecimentos comerciais que dividem as

páginas com o conteúdo do periódico. Apesar do material já tratar da cidade, em quase

todas as divulgações constam na margem de rodapé a referência CASCAVEL –

PARANÁ. Com a ressalva de que nenhuma empresa propagandeada pertence a outros

lugares - exceto algumas empresas com filiais em outras localidades -, a repetição do

nome da cidade e o destaque dedicado às propagandas, só vem a reforçar a imagem de

“progressista”que se pretendia dar a Cascavel. Uma cidade que comportava um número

expressivo de empresas, para a época, disposta a receber maior público consumidores

para ali virem habitar. Nota-se em algumas outras propagandas os discursos de

“engrandecimento” dessas empresas na cidade e a ampliação da estrutura urbana, no

sentido de demonstrar como a cidade vinha “progredindo”.

O periódico apresentava a imagem de uma cidade perfeita, onde até mesmo uma

tabela (na página seguinte) sobre o número e a natureza dos processos criminais serve

de apêndice para divulgar a eficiência das autoridades policiais. Com uma quantidade

de processo criminais em 1971 equivalente a 229 ações e a diminuição do número para

222 no ano seguinte, nota-se que os dados visam mostrar o empenho da Justiça local

em diminuir o quadro, paralelamente com o crescimento demográfico na cidade.

Analisando os discursos “progressistas” em comparação com a instalação de

instituições “marginais” da cidade, o periódico também indica que a pobreza que nela ia

se constituindo não deveria fazer parte da mesma, não pela sua não existência, mas pela

vontade de deslocá-la para fora dela, não representando parte do “tudo” da cidade. Ou

seja, o conhecimento da presença de uma pobreza na cidade poderia ferir a imagem que

32

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estava sendo construída para Cascavel, como a então “Capital do Oeste” do estado do

Paraná.

A necessidade então criada de ter instituições que pudessem atender o

contingente de pobreza latente nesse espaço urbano contradiz o discurso do periódico.

As imagens que iam sendo elaboradas sobre a cidade, apresentando orgulhosamente um

elevado “desenvolvimento” agrícola, industrial e comercial não correspondiam às

questões trazidas nas memórias das pessoas ligadas ao Albergue. A contradição latente

entre a pobreza e “progresso” em Cascavel é evidenciada pela fala das pessoas

entrevistadas nesse estudo. Dona Maria conta como observavam a chegada das famílias

a Cascavel, que vinham a se instalar no Albergue: “era! Tipo assim: famílias inteiras, as

vezes pai, mãe e os cinco filhos. Outros vinham de outras cidades de fora porque... pra

cá, o Paraná, é muito famoso de..., plantar, tudo. Então vinha pessoas de outros estados

procurar trabalho por aqui (...)”.42

Porém, as propagandas migratórias, os discursos de “progresso” e o

“desenvolvimento” de Cascavel, deveriam ser destinados para atrair um público

específico para a cidade. Uma população com melhores condições econômicas, que

proporcionasse o aumento no consumo, estimulando principalmente o comércio e o

mercado imobiliário. Se, por um lado, a produção desse material de divulgação visava

42Ducalmo Cantarelli (Dona Maria). Ver entrevista citada.

33

Ilustração 3: dados sobre a quantidade e a natureza dos processos criminais de Cascavel em 1971 e 1972.

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aumentar sua população para reforçar a idéia de “progresso” e “desenvolvimento”, por

outro lado, outras propagandas migratórias, também direcionadas, se faziam presentes

na cidade. Essas novas formas de propaganda visavam estimular a migração de pessoas

para outros estados para trabalharem no campo. Pelo trabalho de divulgação estar

relacionado à terra, tais propagandas acabavam estimulando o deslocamento daquelas

mesmas pessoas oriundas do meio rural, que acabavam vindo para a cidade,

aumentando a pobreza nela existente.

Para compreender melhor essa questão, Luiz conta como se deu a propaganda e

a sua migração para o Mato Grosso do Sul: “aqui em Cascavel apareceu um cara do

Mato Grosso aí. Encaminhando pessoas pra trabalhar no Mato Grosso lá, tudo. Pegamos

e se reunimos mais nuns quatro cinco e se mandemos pra lá trabalhar”.43 Em um outro

momento Luiz conta como ele e alguns amigos foram persuadidos:

Nós, piazada, fomos lá pra trabalhar, pra ganhar dinheiro. Diz que lá, ganhava dinheiro. Lá era rastelado dinheiro assim, igual rastela café (risos). Fomos do Paraná: “vamos ganhar dinheiro então lá. O cara fez um preço bom pra nós. Vamos pra lá trabalhar”.44

Durante o processo de realização de entrevistas com pessoas de localidades

próximas da região de Cascavel, através do Projeto de Extensão: Intervenções na

relação Universidade – Educação Básica; Tempo Passado, Desafio do Presente, do

programa Universidade Sem Fronteiras, esse mesmo tipo de promessa migratória - “lá

era rastelado dinheiro assim, igual rastela café” - também era contada por algumas das

pessoas entrevistadas.45 As pessoas que contaram sobre tais processos, na sua maioria,

eram migrantes nordestinos que vinham para o Paraná impulsionados por essa

propaganda migratória.

43Luiz Ferreira. Ver entrevista citada.44Idem. (grifos meus)45Atualmente a equipe do Projeto de Extensão do Universidade Sem Fronteiras: Intervenções na relação Universidade – Educação Básica; Tempo Passado, Desafio do Presente do programa de apoio as licenciaturas do curso de História da UNIOESTE, é formada por professores da graduação: Geni Rosa Duarte, Nilceu Deitos e Paulo Koling; professor formado: Marcos Vinícius Ribeiro; e os acadêmicos bolsistas: Anderson Arilson de Freitas, Gabriela Cristina Maceda Rubert, Marcelo Zeni, Ricardo Callegari e Sandra Popiolek. Produzindo História Oral, o objetivo do projeto é tentar compreender os processos históricos de comunidades rurais e municípios da região chamada de Cantuquiriguaçu - centro-oeste do estado do Paraná. A preocupação está em investigar, a partir das escolas, os conflitos que desencadearam o acentuado crescimento da margem de pobreza, dos baixos Índices de Desenvolvimento Humano/IDH e o constante êxodo rural dessas localidades. Na seqüência, retornar às escolas com um material didático e a realização de oficinas sobre a história desses locais.

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Assim como essas pessoas viveram a desilusão ao chegar na região, Luiz, em

vários momentos da entrevista também conta sua trajetória num processo semelhante de

migração para o estado do Mato Grosso do Sul. Tomo a liberdade de colocar as

extensas citações pela significativa construção da memória que Luiz faz sobre tais

conflitos migratórios:

Fomos lá trabalhar. Chegamos lá era..., quebradeira. Ponhemos um revolver na cinta, uma espingarda, uma..., dezesseis e uma doze. Aquele que aguentava com uma doze, ponhava nas costa pra ir olhar picada no meio do mato. Pra..., grileiro de terra. Daí nós pegamos e fugimos com o rapaz de lá. Fugimos. Ficamos aí... cansado. Andamos mais ou menos uns..., uns cem quilometro quase, por dentro do mato, escondido e, saímos numa cidadezinha lá. Até hoje não me lembro o nome daquela cidadezinha. Sei que daí chegamos na delegacia e contamos o caso pro cara lá. O cara deu as passagens pra nós. Daí viemos até Campo Grande. De Campo Grande viemos pra Cuiabá, até que viemos, passagem em passagem, ganhando da prefeitura de lá e viemos em bora. Nós eramos quase tudo menor aquela época isso. O pouquinho mais velho era eu, que os outros eram tudo de menor. Foram tudo embora, hoje em dia nem sei pra onde é que tá esses colegas meus, se tão vivo se são morto. Nunca mais encontrei eles [os amigos].46

Luiz comenta resumidamente essa parte da sua vida. Mesmo não falando

diretamente sobre Cascavel e a região, a partir desta fala inicial, podemos perceber que

as memórias de Luiz sobre a cidade de Cascavel não se limitavam ao espaço geográfico

constituído no Oeste do Paraná. Dessa forma, insisto com Luiz para continuar relatando

essa parte da vida por considerar a relação direta entre a sua vinda e de outros pequenos

lavradores expulsos do campo, migrando para Cascavel e um dos destinos dados a essas

pessoas com as novas políticas de migração. E continua:

Chegamos lá era pura mentira. Chegamos lá era puro jagunço, era puro jagunço. Como é que ia voltar sem comunicar com eles [os pais]. E lá era..., se o cara tentasse fugir eles matavam, e se... Então “nós damos um jeito, e nem que seja pra morrer mas vamos fugir”. E cortamos por dentro do matão lá e... se mandemo embora. E os caras ainda disse que vieram atrás de nós até uma altura pra vê se achava nós. Ou matava, ou levava de volta pra trabalhar, tinha que ficar lá. Pagamento nós não via, não tinha como. E se o cara, a hora que o fazendeiro viesse fazê o pagamento, mas no portão passava fogo. Chegavam a matar os caras lá. Tinha os guarda lá na fazenda, matava e o dinheiro voltava pra trás. Se não matava, tomava o dinheiro, dava

46Luiz Ferreira. Ver entrevista citada. Os trechos da transcrição da entrevista feita com Luiz estão dispostos na sequência da cronologia da fala. Mesmo por adiantar alguns assuntos nas falas iniciais ou repetir o o conteúdo da narração em outras falas subsequentes, opto por tal colocação para acompanhar a construção da memória do entrevistado na constituição do relato.

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uma surra boa nos caras, os caras iam embora sem nada e o dinheiro voltava. O cara só tinha o gosto de botar o dinheiro no bolso e ir até no portão da fazenda. Voltava pra lá de novo.47

Questiono ainda Luiz sobre essa experiência mostrando que as questões que

interessam não são somente sobre a história de Cascavel ou do Albergue, mas também

as memórias sobre a trajetória da sua vida, entendendo que as mesmas não se

desconectam da cidade. Luiz retoma na sua fala como se deu o início de sua migração,

suas expectativas de trabalho na roça, enfatizando a distinção entre a promessa

migratória e o que encontrou no destino:

Há, nós fomos lá pra..., trabalhar na roça. Trabalhar na roça, que era pra formar café e coisarada. Chegamos lá era puro mato na fazenda (risos). Trabalhar pra formar café, plantar café, ganhar por tarefa. O cara fazia uma tarefa lá e ganhava o dinheiro. Então nós fomos pra lá fazer. Aí falamos com os pais, os pais liberaram e nós fomos. O cara deu passagem e tudo. Deu dinheiro adiantado e tudo, pra deixar pros pais. Dinheiro pra nós comer na viagem, e nós se mandemos pra lá (risos). Naquela época ainda era o ônibus da União Cascavel, um ônibus velho que levou nós pra lá (risos).48

Num outro momento Luiz descreve, carregando minunciosamente nos detalhes,

a viagem para o Mato Grosso, parecendo até mesmo estar diante de um interrogatório

policial, denunciando o crime por ele sofrido. A partir daí, o que inicialmente seria

apenas uma nota na fala de Luiz, passou a ser contada como um capítulo da sua história

de vida:

Nós chegamos pra trabalhar lá, na base de umas trinta e cinco pessoas mais ou menos. E nós oito que foi, nós voltou. Agora dos outro, nem sabemos o que aconteceu com eles. Eu sei que nós em oito, aqui de Cascavel nós, falei que “se for pra morrer, nós vamos é fugir daqui”. Ficamos uns dez dias mais o menos. Vimos a boca como é que era. Aí chegou de noite, já na fazenda, saímos da cidadezinha. Saímos de Campo Grande, pegamos o ônibus até numa cidade. Daí da outra cidade nós fomos em cima de uma caminhoneta. Tudo em cima de uma caminhoneta. Que nós saímos de noite daquela cidadezinha. Vai saber pra onde nós estava indo. No escuro, de noite, vendo só matão, matão, matão, e onça, vendo bicho pulá na estrada de noite, parando o carro, é buraqueira danada e passando, pantanal tudo, se mandemo. Chegamos lá, barracão cumprido feito de lasca de coqueiro assim, no meio do mato assim. Tava coberto com lona e esse, coisa de coqueiro. É destalado essas coisa de coqueiro, feito uma coberta e jogado lona por cima. De tarimba essas cama, era tudo de pau-a-pique feita de

47Luiz Ferreira. Ver entrevista citada.48Idem.

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forquilha. Tinha que cortar uma forquilha e fincar e fazer tua cama pra você dormir. Se não dormia na rede, no mato. Daí pra baixo tinha um lugar pra tomar banho, tudo. Tomar banho lá, no escuro, era aquele rolo danado. Daí no outro dia, “e agora, que serviço que nós vamos fazer?”. De repente veio um barbudão, cabeludo, com dois revolver na cinta. Daí já começou levantar neguinho com revolver na cinta, tudo. Outros com espingarda. Daí falamos: “que que nós vamos fazer?” Nós falou pro cara. E o cara: “é, vô dá um balaio pra vocês, vão catá milho”. Daí um falou assim: “uai, não tem roça aqui, só vejo mato”. “Não. Vou dá um balaio pra você”. Foi lá, puxou e trouxe uma caixa de armas lá e mandou nós escolher o que que era e falou: “a ferramenta de vocês é isso aqui, vocês vão olhar picada”. Daí ponhou nós com um cara lá, um jagunço, pra olhar picada. Corre picada, o dia inteiro no mato. Correndo picada e cuidando pro outro não invadir a fazenda. Daí que falei: “mas vamos ter que fugir daqui”. daí demos um jeito e..., vazemos no mundão.49

Nessa parte da entrevista, Luiz retoma detalhes, mas acrescentando outras

lembranças que vinham à tona no ato da fala:

Aí tinha um cara junto com nós, que foi cuidar de nós, que era o supervisor nosso. E daí nós se reunimos os oito. Daí pegamos e chegamos naquele homem lá. Pedimos licença pra ele, se mostremo pra ele e o cara fico com medo, e falei: “não, nós não vamos fazer nada pro senhor não. Nós queremos é conversar com o senhor”. E daí contamos a história pra ele tudo, daí ele falou: “Ih, vocês tão é numa roubada. Pra vocês sair daqui só se vocês sair fugido daí”, falou. Daí falamos pra ele: “o senhor não tem como ajudar nós? Nós fugir? Nós deixamos as arma aqui pro senhor e, o senhor dá um jeito aí”. Daí tinha umas picada lá pra nós. Nós pegamos e se mandamos naquela picada, e perna pra quem tem. Posamos no mato. Três noites no mato, dormindo no mato, trepado nas arvore que nem macaco. Aí saímos num outro patrimôniozinho lá. Daí os caras, ficaram tudo assustados com nós lá. Daí conversemo com que era..., inspetor de quarteirão. Contemo o caso pra ele lá, ele falou: “ó, vocês tem que..., nós não podemos ajudar. Vocês tem que andar pelo mato de dia e de noite andar pela estrada”. Daí ele ensinou nós até que chegamos numa cidadezinha lá. Contemo o causo lá pro delegado. O delegado lá pego e deu uma passagem pra nós até Campo Grande. Daí em Campo Grande, pegamos uma outra passagem até Cuiabá, e daí viemos. Nós chegamos em Cuiabá e falei: “aqui nós estamos em casa, aqui é mais fácil pra nós ir pra casa. Daqui nós vamos nem que seja a pé, não tem problema. Vai levar aí uns três meses, ou mais pra chegá em casa, mas uma hora vamos chegar em casa”. Daí fomos lá no conselho e deram passagem pra nós e se mandemo embora.50

49Luiz Ferreira. Ver entrevista citada.50Idem.

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Questionando Luiz sobre o tempo de permanência dele e seus colegas de

trabalho no Mato Grosso, a resposta segue com mais detalhes do retorno e da

solidariedade de outras pessoas pelo caminho:

Há, ficamos lá uns... dois meses mais ou menos, por aí, com tudo, até chegá em casa. Graças a Deus chegamos em casa... Mas nós sofremos. Tem neguinho que pegou até berne pras costa de dormir no mato (risos). Que tem muito inseto. Pois é, só sei que nós sofremos rapaz. Deixamos até roupa que nós levamos, coberta tudo, calçado pra trabalhar, deixamos tudo, saímos só com a roupa do corpo. Na cidade grande eles davam roupa. Nós contávamos o causo, eles ficavam com dó de nós. Um dava um troco pra nós, outro dava uma roupa, um calçado pra nós, arrumamos uma mochilinha pra nós chegá em casa de volta.51

Após ter relatado todo esse intenso processo de migração e de retorno do Mato

Grosso do Sul, perguntei a Luiz como foi o reencontro com a sua família. Em poucas

palavras comenta a reação do seu pai ao saber da desilusão do filho com a migração:

“Há, Deus o livre. Meu pai chorava o tempo inteiro. Chorava e... “pois é, que vocês

foram pra lá, Graças a Deus que vocês voltaram vivo ainda”.52 Finalizando este

desabafo, Luiz resume numa frase essa parte da sua trajetória de vida: “levaram nós

iludidos pra lá”.53 Em seguinda, Luiz também comentou que as outras pessoas que

foram nessa mesma viagem não mais retornariam para as suas famílias.

Os detalhes contados sobre sua desilusão migratória só foi possível pelo

estabelecimento de uma relação mais pessoal do que acadêmica com Luiz. Quando

visitei o Albergue pela primeira vez, em 2007, Luiz trabalhava e morava na instituição.

Em uma conversa informal, mesmo sem a presença do gravador, Luiz não tinha me

relatado sobre o processo de propaganda migratória e sua estadia no Mato Grosso.

A conversa se limitava a me apresentar a cidade de Cascavel, antes da migração

- para o Mato Grosso do Sul e para o Paraguai - e a cidade depois do seu retorno, mais

de duas décadas depois, o que já acharia muito expressivo. À medida que minhas visitas

foram se tornando mais freqüentes ao Albergue, o diálogo foi se estabelecendo e

gerando maior proximidade. Quando soube da mudança de Luiz fui visitá-lo para poder

marcar uma entrevista em sua casa. O relato agora passaria a ganhar outro sentido, da

exposição das memórias das experiências vividas por Luiz. Compreendo que esse

51Luiz Ferreira. Ver entrevista citada.52Idem.53Idem.

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processo de conhecimento dialético entre pesquisador e sujeito histórico, em que ambos

se observam e são observados, é o que proporciona segurança para que tais memórias

subterrâneas fluíssem no diálogo então registrado. Como denota Portelli:

Uma entrevista é uma troca entre dois sujeitos: literalmente uma visão mútua. Uma parte não pode realmente ver a outra a menos que a outra possa vê-lo ou vê-la em troca. Os dois sujeitos, interatuando, não podem agir juntos a menos que alguma espécie de mutualidade seja estabelecida. O pesquisador de campo, entretanto, tem um objetivo amparado em igualdade, como condição para uma comunicação menos distorcida e um conjunto de informações menos tendenciosas.54

Com essa experiência vivida por Luiz, nota-se que em Cascavel foi adotado na

década de 1970 ações com o propósito de selecionar o tipo de população que deveria

fazer parte da cidade, utilizando-se de diversas formas para esconder e se desfazer de

sua pobreza. Uma delas foram as propagandas migratórias que prometiam em outros

estados, trabalho na terra e dinheiro às pessoas vindas do campo que se aglutinavam em

Cascavel.

As versões contadas pelas pessoas que passaram pelo Albergue contradizem as

memórias oficiais estabelecidas, que divulgam de modo positivo a migração e o

crescimento repentino da cidade. Sperança descreve essa questão justificando que: “o

interior vivia um clima dinâmico em que sua necessidade de autonomia e vida própria

contrastava com a crescente urbanização de Cascavel”.55 Ou seja, com a história

entendida como oficial, através da descrição unilateral do processo histórico, são

naturalizados os conflitos.

Na medida que se aprofundam as investigações, utilizando-se da História Oral,

nas memórias emergem contradições importantes. É o que Alistair Thompson

discutindo memória aborda: “A história oral pode contestar verdades históricas

absolutas, verdades históricas aceitas (...) é possível fazer história oral que conteste a

prática cultural dominante (...)”56 Apesar da subjetividade e da memória justificarem o

presente da sua produção, a história oral auxilia para dar sentidos diferentes as versões

vigentes, propondo novas interpretações sobre os fatos.

54 Ver PORTELLI, Alessandro. Forma e significado na história oral. A pesquisa como um experimento em igualdade. Projeto história. São Paulo, PUC / SP, nº 14, 1997.55Ver SPERANÇA, op.cit. p.200.56Ver THONSON, Alistair. Quando a memória é um campo de batalha: envolvimento pessoais e políticos com o passado do exército nacional. Projeto História. Cultura e Trabalho, n. 16. São Paulo, fev. 1998. p.287.

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CAPÍTULO 2 – TRANSFORMAÇÕES NO ESPAÇO DA CIDADE: A

PERIFERIA QUE VIROU CENTRO OU O CENTRO QUE VIROU

PERIFERIA?

Com o crescimento repentino da cidade, na década de 1980 outros valores foram

atribuídos a região onde se instalava o Albergue Noturno André Luiz. Nos arquivos da

instituição constatou-se um recorte de jornal, anexado ao registro do Estatuto Social da

Sociedade Espírita de 1986, apresentando como estaria referenciado o endereço do

Albergue nessa época. Nesse recorte de jornal a instituição está referenciada no

endereço: rua Sandino Erasmo de Amorim, nº/480, bairro Jardim Social e não mais

como: rua 2, s/nº, do conjunto de BNH daquele mesmo bairro.57 Ao final dessa década,

a numeração da casa novamente seria alterada para nº/1984. Em menos de duas décadas

de funcionamento da instituição, o local que antes era tido como a periferia passaria a

fazer parte da região do Centro da cidade e do centro das atenções de Cascavel.

Dona Maria fala sobre essa transformação no espaço urbano:“o Centro era só lá

em cima, agora já virou tudo Centro”.58 A inversão da localização urbana do local, de

periferia para o Centro, acarretou em intensos conflitos entre a existência do Albergue e

os moradores que vieram morar no bairro devido a presença de mendigos e andarilhos

que frequentavam a instituição.

Valdemira Bibiano Silva, 66 anos, atual administradora do Albergue, começou

a trabalhar na instituição em meados da década de 1980. Oriunda do norte do Paraná,

veio para Cascavel junto com seu esposo e filhos para atuar como professora da rede

pública de ensino. Seu esposo, por sua vez, veio para trabalhar no comércio. Após

conseguir aposentaria, passou a dedicar-se voluntariamente à caridade espírita,

trabalhando assim no Albergue. Em uma entrevista gravada com Valdemira, relembrou

como se deu essa transformação: “aqui, na época era longe da cidade, aqui era bairro de

favela, não de ponto comercial. Era um bairro pobre. Hoje não, hoje você vê já o

pessoal de classe média, mas naquela época não (...) Moravam lá no Centro, fora já era

pessoas humildes”.59

57Trata-se de uma fonte que resulta de um recorte de jornal selecionado pela Sociedade Espírita Irmandade de Jesus, sem menção de fonte, anexado ao Registro de Títulos de Documentos. Cascavel, 29 de abril de 1986. Fonte: Histórico, vol. 1 da Sociedade Espírita Irmandade de Jesus.58Ducalmo Cantarelli (Dona Maria). Ver entrevista citada.59Entrevista de Valdemira Bibiano Silva, cedida ao autor em Cascavel/PR, em 23 de janeiro de 2009.

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Na visão da coordenadora atual do Albergue, podemos perceber como era

atribuído um significado a essa área da cidade como “bairro de favela” - antes da

instalação de moradia de grande parte dos vizinhos da instituição - e como o lugar

adquiriu outros sentidos – decorrente da ampliação dos índices demográficos e o

mercado imobiliário. Ou seja, a disparidade econômica entre os moradores do bairro

com o Albergue e a delimitação geográfica do lugar – então localizado no “Centro” da

cidade -, não foram os fatores predominantes. Esteve inserido nessa problemática o

processo que se deu na transformação da “periferia” em “Centro”, e os novos valores

atribuídos ao lugar: de “favela”, “um bairro pobre”, para o status de um bairro de

“classe média”, “de ponto comercial”.

Levando em consideração que o trabalho da instituição visa atender às pessoas

com condição financeira socialmente precária, a luta da vizinhança se constituiu para

ampliar ainda mais essa segregação entre as pessoas pobres e àquelas pertencentes à

classe média. Invertendo a frase de Giulio Argan: “o valor de uma cidade é aquele que a

comunidade lhe atribui”60, diria que nesse caso, o valor do bairro Parque São Paulo é

que lhe foi atribuído pelo crescimento da cidade, cabendo aos moradores disputarem

para a manutenção dessa imagem.

Norbert Elias em Os Estabelecidos e os Outsiders trata sobre uma cidade

operária que recebe uma grande quantidade de migrantes, decorrente da crescente

industrialização e da necessidade de mão-de-obra. A grande problemática observada na

pesquisa do autor refere-se ao estranhamento da população local (os estabelecidos), para

com os que vêm de fora (os outsiders). Apesar de não possuírem características opostas

de raça, etnia, posição social, remuneração salarial, etc., preconceitos à nova vizinhança

se fizeram presentes, por questões relacionadas ao tempo de permanência do grupo

estabelecido naquele local.

O reconhecimento e em seguida a reivindicação da cultura por parte dos

estabelecidos se deram a partir da percepção das manifestações culturais dos outros – a

dos outsiders. Ou seja, o choque cultural entre os dois grupos estimulou o primeiro a

perceber que sua vivência não seria mais a mesma com a nova vizinhança, lutando

assim para colocar em evidência as marcas que os identificavam no passado - o que

60Ver citação 15 do artigo de: LACERDA, Francine Gama. Cidade, memória e experiência ou o cotidiano de uma cidade do Pará nas primeiras décadas do século XX. In: FENELON, Déa Ribeiro. (org.). Cidades. 1 ed. São Paulo: Olho d'Água, 1999. p.199-224. p. 207.

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antes era tido como corriqueiro. Porém, essas relações/tensões de identidades entre os

estabelecidos também é seletiva; exaltando as qualidades atribuídas à comunidade como

suas e designando os conflitos, problemas com a violência e a marginalidade, que

ficariam a cargo dos outsiders - mesmo que já fizessem parte da comunidade muito

antes da migração.

Como indica o estudo de Winston Parva, o grupo estabelecido tende a atribuir ao conjunto do grupo outsider as características “ruins” de sua porção “pior” - de sua anômica. Em contrastem a auto-imagem do grupo estabelecido tende a se modelar em seu setor exemplar, mais “nômico” ou normativo – na minoria de seus “melhores” membros. Essa distorção pars pro toto, em direções opostas, faculta ao grupo estabelecido provar suas afirmações a si mesmo e aos outros; há sempre algum fato para provar que o próprio grupo é “bom” e que o outro é “ruim”.61

No bairro Jardim Social, hoje o Parque São Paulo, constatou-se essa

problemática envolvendo Albergue versus vizinhança. Porém, nesse caso, o Albergue

que já estava naquele local (o então estabelecido) é que foi estigmatizado pelas pessoas

que vieram posteriormente (os outsiders). Ou seja, a vizinhança que veio a se

estabelecer no local algum tempo depois que a instituição já praticava sua caridade,

manifestava-se contrária à mesma. O status atribuído ao bairro, como região de

“Centro”, só reforçava a construção de que a pobreza deveria estar presente na periferia

e não na região central, com o Albergue.

Para intensificar o descontentamento dos moradores do bairro, diante da

demanda de atendimentos na época, a pequena estrutura da instituição em pouco tempo

já apresentava sua precariedade. Até o final da década de 1990 o Albergue funcionaria

numa casa de tipo BNH (Bando Nacional de Habitação) atendendo sem restrições a

todos que ali procuravam pouso e um prato de comida. Climax Cezar Chaves Menezes,

um dos voluntário do Albergue, em 2002 escreveu o livro “De Sócrates a Kardec –

Filosofia, Ciência, Religião”. O livro foi publicado com o propósito de, com a venda

dos seus exemplares, auxiliar na manutenção da instituição. Com conteúdo relacionado

à doutrinação espírita, na introdução o autor faz uma descrição minuciosa do estado

crítico da casa-albergue, enfatizando sobre as dificuldades que ali eram vivenciadas:

61Ver ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar 2000. p.20

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A casa, caía aos pedaços, literalmente. A cozinha era ínfima. Os banheiros, tinham as paredes, totalmente mofas, com cheiros fortíssimos, além de rachaduras que permitiam a luz do outro lado, se fazer presente no recinto. O piso do banheiro das mulheres, havia cedido e o risco de afundar, com alguns albergados era grande. A fossa que recebia todas as águas da casa, havia desabado parcialmente, e mesmo assim, ainda usávamos, pois, não tínhamos outra alternativa, momentaneamente. No quarto dos homens, era praticamente impossível, suportar o cheiro de mofo, misturado com o cheiro da fossa, mais o cheiro característico do ambiente, por deficiência técnica nas acomodações. Os beliches, quase todos desmantelados, colchões e travesseiros muito velhos, bem como, a maioria dos cobertores, exalando fortíssimo odor de corpos e pelo uso, de ácaros, muito abundantes, nestas peças surradíssimas. Em dias frios, dias chamados especiais, em que os poucos assistentes trabalhavam dobrado, além de suportarem o mau humor de alcoólatras, drogados, meninos de rua que geralmente vinham a procura de um prato de comida quente, criando o maior furdunço – bagunça – que pelo acúmulo de pessoas no ínfimo e estreito corredor de entrada que, também, servia de refeitório, nos tornava impossibilitados de manter o controle da situação, ainda precisávamos unir os beliches, para podermos acomodar um número maior de pessoas do que realmente esta comportaria. Juntando os beliches, onde dormiam dois, passavam a dormir três. Muitos dos albergados, não tinham roupas limpas, e nem sujas, para no outro dia se trocar. Quando chovia, retiravam as roupas úmidas ou molhadas, e tinham que vestir no dia seguinte. (...) O trabalho era intenso, as necessidades enormes e as condições péssimas. (...) a fragilidade e péssimas condições a que se encontrava o albergue noturno André Luiz, tanto física como humana, pois, a estrutura ruíra e não tínhamos a mínima condição de recebermos mais ninguém. (...) Desde pessoas armadas e totalmente embriagadas, como pessoas, reconhecidamente, loucas, vindas do hospital São Marcos ou pegas pelas ruas, pessoas violentas mesmo, quanto ao risco de desabar de vez, toda a casa (...) Em um estágio mais evoluído de falecimento da estrutura de alvenaria, o muro que esse unia a parede do quarto dos homens, deslocou, tombando para o terreno do vizinho, mantendo-se preso, somente, pelo beiral de madeira, fazendo uma fenda de dez centímetros na parede do quarto dos homens.62

A partir dessa descrição da estrutura antiga da instituição, tem-se a idéia da

quantidade de pessoas que frequentavam o Albergue: alcoólatras, drogados, meninos de

rua, pessoas armadas, embriagadas, “loucas”, violentas. E essa imagem presente no

Centro da cidade tida como “progressista”, incomodava os moradores do bairro,

ocasionando preconceitos à instituição.

62Ver MENEZES, Climax Cézar Chaves. “De Socrates a Kardec – Filosofia, Ciência, Religião”. Cascavel: Gráfica MC, s/d, 2002. p. 08 – 10. (grifos meus)

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Por outro lado, é muito interessante observar o empenho em produzir essa outra

forma de expressão da memória. Tratando-se de um livro destinado as pessoas que se

interessam pela doutrina espírita, esse trecho da introdução assume o papel de

sensibilizar o leitor para as dificuldades do trabalho realizado na instituição. Assim,

como o codificador Kardec adotou a máxima “fora da caridade não há salvação”, tal

descrição pode ser entendida como a divulgação de um espaço que possibilite ao leitor

espírita praticar a sua ação. Ou seja, a produção dessa memória não se restringe na

venda dos livros, mas no convite para o leitor em fazer parte do quadro de voluntários

do Albergue.

Muito além da divulgação, nota-se que o conteúdo carrega a moral espírita, de

ajuda ao próximo. O contexto histórico no qual o livro tomou forma também carrega a

sua marca – próximo dos dias da inauguração de uma nova estrutura, coube ao livro

preservar essa memória, enaltecendo a conquista das novas instalações. Mas, ao mesmo

tempo, demarcar o sentido religioso de prática espírita, que por sua vez ia sendo

transformada com os novos rumos da proposta de instituição que pesavam sobre o

Albergue.

*

Diante dos evidentes contrastes sociais que despontavam na cidade - com uma

pobreza cada vez mais marcante -, no ano de 1992, a Prefeitura Municipal estabeleceu

outros rumos na tentativa de “amenizar” tais conflitos. Tornou-se mais complexo para

as Administrações Públicas escamotearem as contradições entre os discursos

progressistas com o que se configurava na cidade. A Prefeitura de Cascavel investiu em

práticas assistencialistas como bandeira política. A expressão desse carro-chefe do então

prefeito Salazar Barreiros, consta de modo significativo no Plano Diretor de

Desenvolvimento para Cascavel. Na citação abaixo, Caio Dias destaca o item:

“Melhoria da qualidade de vida com pleno exercício da cidadania” do Plano:

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A atenção é voltada para a Área Social e Organizacional, primeiramente através da conscientização de direitos e responsabilidades, de forma a capacitar a população para ser co-responsável no gerenciamento e operacionalização da administração municipal, objetivando uma gestão participativa. Essa diretriz envolvia ainda o treinamento para formação de lideranças locais que permitiriam ações para atendimento alimentar às famílias carentes, por meio de mercado popular abastecido de cestas básicas, guarnecidas por hortas comunitárias, conveniadas com a iniciativa privada, ações para avaliação, diagnóstico e sugestões locais de melhorias do sistema de saúde, educação, segurança, esporte, cultura, meio ambiente, entre outros.63

Nesse ano, várias instituições seriam beneficiadas pelo Poder Público Municipal,

amplamente divulgado pela imprensa local. O Albergue, por sua vez, recebeu a doação

de projetos arquitetônicos para a construção de uma nova sede. Nessa ocasião, o

Albergue foi pautado na imprensa, como objeto de divulgação dos feitos da

administração pública.64

Perguntado à Valdemira sobre o momento em que o Albergue passou a fazer

parte dos interesses das Políticas Públicas da cidade, recebendo auxílio da Prefeitura,

fazendo esforço para recordar o vínculo, a administradora relembrou que: “de quando...,

se eu não me engano..., foi na época..., não sei se foi do Salazar, eu devo ter ainda os

primeiros convênios arquivados, mas deve ter, fazer uns 15 anos por aí ou mais, por

aí”.65

No trabalho de pesquisa, através do levantamento de fontes da imprensa escritas

e a realização de entrevistas, não foi constatada a existência de matérias de jornal sobre

o Albergue antes de tal acontecimento. Apesar da sua trajetória na cidade, o que antes

era silenciado pelas elites, agora passaria a angariar espaço na mídia local. Valdemira,

ao falar sobre a ausência da cobertura jornalísticas, aponta que a sociedade não tinha

conhecimento da existência do Albergue e os problemas sofridos pela instituição antes

da “generosidade política” do então prefeito da época:

Autor: Você sabe me dizer se teve publicações antes desse período? Valdemira: Não..., não sei te dizer por que há..., é aquilo que eu te falei, a sociedade não sabia que existia (...) Se aconteceu alguma coisa

63 DIAS. op.cit. p. 9264Prefeito doa projetos para Albergue Noturno. O Paraná. Cascavel, 1 set.1992, ano XVI – nº4882, p. 11.65Valdemira Silva. Ver entrevista citada.

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anterior, não houve, não foi guardado (...) mas antes as pessoas que passaram por aqui, se saiu não se interessou (...)66

Com a doação do projeto arquitetônico e a divulgação desse feito o, Albergue

deu início a intensas reivindicações. Recorrendo aos jornais da cidade, pressionam o

Poder Público, para que fossem cumpridas as promessas das campanhas de

autopromoção da administração da Prefeitura. Ou seja, a imprensa passou a ser

conhecida e utilizada também pelo Albergue como um objeto de disputa da imagem

política, que possibilitaria tornar público suas reivindicações, passando a publicá-las

constantemente. O jornal O Paraná noticiou os apelos de Valdemira:

Valdemira explica que a comunidade pode contribuir com a entidade através de doações. “Pois dessa forma estará contribuindo significativamente com as pessoas mais necessitadas. Muitas vezes o que não nos serve mais, faz outras pessoas extremamente felizes” - disse. (...) Há mais de dois anos, conforme Valdemira, um projeto para a construção do novo Albergue está sendo viabilizado junto ao Executivo Municipal. As atuais instalações, conforme esclarece, estão precárias, pois desde que foi fundado o Albergue funciona no mesmo espaço físico. “Estamos tendo muitos problemas. As atuais condições são péssimas e se não houver uma solução teremos que fechar as portas no mês de janeiro - declarou67.

A partir do ano seguinte, um número bastante expressivo de matérias foram

publicadas sobre o Albergue pelos diferentes jornais da cidade e da região – num total

de quatorze matérias de jornal, no período de junho a outubro de 1994, com algumas

seqüências no intervalo de apenas um dia, entre uma e outra. Um prato cheio para o

sensacionalismo jornalístico que se utilizava do Albergue, ora para divulgar os feitos da

Administração Municipal, construindo uma “boa” imagem dos políticos da cidade, ora

para divulgar as reivindicações da instituição no sentido de “denunciar” a má atuação da

Prefeitura.

Através da repercussão na mídia acerca das reivindicações do Albergue para a

sua nova estrutura que estava cada vez mais precária devido o acréscimo constante no

número de atendimentos - somado as insatisfações dos moradores do bairro -, com o

apoio de um vereador da cidade, adotaram-se medidas para tentar solucionar os

problemas do Albergue e da comunidade. Na tentativa de melhorar a imagem da política

assistencialista, tal embate envolveu diretamente o meio político. A Câmara de 66Valdemira Silva. Ver entrevista citada.67Movimento de carente aumenta no Albergue Noturno de Cascavel. O Paraná. Cascavel, 25 dez.1993.

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Vereadores de Cascavel passou a ser o palco da disputa pela cidade entre o Albergue

Noturno André Luiz, Comunidade do bairro Parque São Paulo e o Poder Público. Com

a ampla cobertura da imprensa, Valdemira foi chamada para trazer as questões a serem

discutidas para a tribuna da Câmara de Vereadores. Na tentativa de atender aos

inúmeros apelos da administradora da instituição, com a possibilidade já estruturada no

papel de uma nova sede e a reunião realizada com os políticos, o Poder Público projetou

a construção do novo Albergue em outro local.

Numa matéria publicada pelo jornal Hoje, de Cascavel, na edição do dia 27 de

agosto a 2 de setembro de 1994, noticiou-se a decisão tomada pelo Poder Público:

“localizado no Parque São Paulo, o Albergue Noturno da Sociedade Espírita de

Cascavel teve sua transferência determinada pela administração municipal justamente

pelas manifestações contrárias dos moradores daquele bairro”.68

Um terreno próximo ao Terminal Rodoviário de Cascavel, ilustrado no mapa da

página seguinte – contraditoriamente, também no Centro da cidade, já que essa era uma

das justificativas apontada pelos moradores do Parque São Paulo -, foi o local definido,

apresentado ao jornal pelo secretário municipal de Planejamento na época José

Aparecido Tolentino. Em matéria do jornal citado:

A doação da nova área, próximo ao Colégio Santa Maria foi definida em acordo com o prefeito e a Sociedade Espírita, por apresentar condições técnicas favoráveis (...)De acordo com ele, a área é apropriada para o albergue, oferecendo maior espaço para abrigar o prédio (...) o local é estratégico, próximo a rodoviária, facilitando o acesso dos carentes”.69

As “condições técnicas favoráveis” citadas no jornal faziam referência ao

encaminhamento dos andarilhos, vindos de outras localidades que desembarcavam no

Terminal Rodoviário Municipal, diretamente para o Albergue. O local não somente

facilitaria o acesso como também evitaria que os mesmos circulassem pela cidade até

que a Secretaria de Ação Social providenciassem passagens para que estes fossem

encaminhados para outras cidades.

Diante da decisão da Câmara de Vereadores, um grupo de mulheres, moradoras

do bairro Centro, que estavam para receber o novo Albergue como vizinho, se

mobilizaram através de passeatas e um abaixo-assinado, manifestando também nos 68Moradores reclamam do local para a construção do albergue. Hoje. Cascavel, 27 ago. a 2 set.1994, ano XVIII, nº1573. Geral, p. 29.69Idem. (grifos meus)

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Mapa 2: mapa atual de Cascavel, com destaques meus, apresentando o local definido pelas autoridades políticas da cidade em 1994, onde deveria ser construído as novas instalações do Albergue Noturno André Luiz, seguido de alguns pontos de referência próximo ao local: a prefeitura e a rodoviária de Cascavel.Fonte: http://www.paranaturismo.com.br/cidades/cascavel/mapa.asp. acessado no dia 7 de abril de 2009.

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jornais da cidade sua insatisfação com a construção. Raquel Rolnik, discutindo a disputa

entre grupos da sociedade civil que se manifestam nos locais públicos da cidade para

fazer valer as suas reivindicações, entende que:

Há uma luta cotidiana pela apropriação do espaço urbano que define também esta dimensão. Isto fica mais visível durante as grandes manifestações civis, quando o espaço público deixa de ser apenas cenário de circulação do dia-a-dia para assumir o caráter de civitas por inteiro.70

Em outro trecho, Rolnik reforça sua afirmação: “na passeata, comício ou

barricada a vontade dos cidadãos desafia o poder urbano através da apropriação

simbólica do terreno público.”71

A justificativa das manifestantes girava sobre a figura dos mendigos, andarilhos

e moradores de rua, que passariam a circular com mais freqüência pelas vias do Centro.

Com a construção do novo Albergue se tornaria mais constante o trânsito dessas pessoas

nas proximidades de suas residências, representando um incômodo, somado a sensação

de insegurança e perigo para os vizinhos da instituição.

Na mesma matéria do jornal Hoje, do dia 27 de agosto a 2 de setembro de 1994,

citada anteriormente, que noticiou a decisão das autoridades políticas pela transferência

do Albergue, reporta-se também sobre a mobilização das mulheres. Na capa dessa

edição, apresenta uma chamada para a matéria do protesto, seguida de uma imagem

grande, disposta no centro da folha, do novo local que serviria para a construção do

Albergue. Essa mesma imagem estaria novamente impressa na parte inferior da página

dedicada à matéria. Sobre a mobilização das mulheres o jornal noticiou que:

Os moradores próximo ao antigo Recanto da Criança, na área central de Cascavel, estão assustados com o projeto de construção de um albergue noturno no local. Temendo pela falta de segurança e a possibilidade do aumento da criminalidade na região, eles estão mobilizando um abaixo-assinado que será encaminhado ao prefeito Fidelcino Tolentino, que já reuniu mais de 500 adesões. Autora do abaixo-assinado, a moradora Fátima Assumpssão, está receosa até mesmo pela segurança dos filhos que vão à escola sozinhos, com a presença dos ocupantes do albergue. “Como vamos ajudar andarilhos e desproteger nossas crianças?” Clotilde Scariot confessa: “Fiquei apavorada quando soube da construção”. Para ela a melhor solução é retirar o albergue do centro. Morador à oito anos no local, Valdir José Strack, diz que já denunciou à Prefeitura a

70ROLNIK, op.cit. p.24. A autora entende: “civitas,a cidade no sentido da participação dos cidadãos na vida pública”. p.22.71Idem. p.25.

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proliferação de mendigos em frente a sua casa. Ele está de mudança. O receio de Isabel Rossato Água é maior ainda. Ela já foi assaltada cinco vezes (...) “Os mendigos consideram a área um hotel, chegando ás vezes desfilar nús, sem nenhum constrangimento”, reclama.72

Nessa mesma edição do jornal, a imprensa reforçava a imagem de repúdio às

pessoas atendidas pelo Albergue. Conforme a ilustração do jornal na página seguinte, na

mesma página que noticiou a reclamação dos moradores do bairro Centro, ocupando

praticamente toda a folha, apresenta-se também no canto direito uma coluna de texto

sob o seguinte título: “AIDS Mais de 100 casos na região”.73

O conteúdo do quadro com a informação estatística da doença, abrange os 113

casos contabilizados desde 1989 até 1994, um período de tempo muito extenso, mas que

desponta no título da matéria como se fosse uma ocorrência bastante recente. A

preocupação em publicar os dados de modo alarmante é chamar a atenção da população

para a prevenção da Aids devido o não surtimento de efeitos das campanhas

publicitárias. O jornal alerta a população para que se tenha o maior cuidado para evitar o

contágio. A partir das descrições dada pela matéria, dos sintomas e das condições físicas

apresentadas por alguém que possa vir a ter a doença - “cansaço e a fraqueza,

emagrecimento (...) manchas avermelhadas pelo corpo”- fica fácil para o leitor associar

a Aids com a debilidade físicas de moradores de rua, além do estigma empregado sobre

as prostitutas e homossexuais.74

Ao observar a composição do jornal, algumas questões deixaram-se perpassar

por essa questão: Qual o motivo dessa notícia estar anexada a matéria de manifestação

da população contra o público freqüentador do Albergue? Pela disposição de ambas as

notícias estarem na mesma página, não daria a entender que os casos de aids na região

estariam associados a presença dos mendigos, andarilhos, moradores de rua, prostitutas,

homossexuais, caminhoneiros, pessoas que vem para Cascavel em busca de tratamento

médico, entre outros, que são atendidos pelo Albergue?

A manifestação dos moradores me faz reportar aos autores Alberto Manguel e

Sidney Chalhoub que discutem historicamente como se deu a personificação da figura

do pobre associado a um criminoso, ou de um doente contagioso. Esse preconceito

72Jornal Hoje. Ver a matéria de jornal citada. (grifos meus).73Idem.74Idem.

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também teve e tem a sua imagem construída historicamente. A partir de algumas

leituras sobre o assunto, constatou-se como essa questão tomou forma.

Alberto Manguel na obra Lendo Imagens, investigando as representações das

pinturas de Caravaggio (Michelangelo Merisi) sobre a imagem do pobre no final do

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Ilustração 4: Matéria do jornal Hoje, associando os problemas das moradoras com o Albergue Noturno André Luiz com os mais de 100 casos de aids na região. Destaque para a coluna pontilhada.

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século XVI e início do XVII, escreveu sobre um tempo em que pobreza e crime não

eram sinônimos:

Mas a associação entre pobreza e crime não havia sido amplamente admitida pela Igreja na Idade Média: ao contrário, na retórica religiosa oficial, os pobres haviam sido considerados como a imagem terrena do redentor sofredor. Sua condição não era jamais considerada agradável (...) E mesmo assim pensava-se que “os bons e fiéis pobres” estivessem vestidos com os trajes do próprio Jesus Cristo, conforme a igreja os chamava, “sua cegueira, membros mutilados, feridas sangrentas, casebres sem conforto, pão seco e escasso, casacos rasgados, curativos pútridos, trapos, bengalas e muletas vis” eram “os troféus gloriosos de sua paciência cristã, médicos para os ricos, cirurgiões para os avaros, cauterização para a saúde, degraus do paraíso, provedores de misericórdias divinas, banco de usuras celestiais, guardiões do Paraíso, filósofos do Evangelho, sanguessugas salubres”.75

Na sequência, Manguel, discutindo as mudanças sociopolíticas que ocorreram

naquela época nos centros urbanos - aumento populacional, crise dos valores morais da

Igreja Católica, nascimento do liberalismo, entre outros -, descreve como isso refletiu

no imaginário cultural, invertendo o conceito que era destinado a figura dos pobres:

No final do século XVI, essa imagem dos pobres divinos havia projetado sua própria sombra: era vista não somente como uma condição santa, mas também como seu inverso, a condição do próprio demônio. Com a explosão da população européia, o homem ou a mulher pobre tornava-se um déclassé, um fora-da-lei, um criminoso, alguém que decidira tirar proveito das boas graças da sociedade a fim de levar uma vida vadia e desprezível.76

Trazendo para uma realidade mais contemporânea, Sidney Chalhoub em Cidade

Febril, desenvolve uma reflexão sobre a origem cultural do preconceito à figura do

pobre na cidade de São Paulo, durante o último decênio do século XIX e o início do

século XX. O autor faz apontamentos de que tal marginalização não era algo dado, mas

que se constituiu na transição da mão-de-obra escrava para o trabalho assalariado. Com

as mudanças nas relações de trabalho, somados aos projetos de repressão à ociosidade,

migração e miscigenação; as “classes pobres”, tidas como sinônimo de “classes

perigosas” por teóricos franceses. Essa(s) classe(s) eram constituídas por negros,

escravos recém-alforriados, que se aglomeravam nos cortiços da cidade, sobrevivendo

75Ver Manguel, Alberto. Lendo Imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 29476Idem.

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precariamente de pequenos “bicos”. Discutindo sobre uma ordem dada pelas

autoridades política de São Paulo, para a demolição do cortiço Cabeça de Porco,

Chalhoub escreve que:

Intervenções violentas das autoridades constituídas no cotidiano dos habitantes da cidade, sob todas as alegações possíveis e imagináveis, são hoje um lugar-comum nos centros urbanos brasileiros. Mas absolutamente não foi sempre assim e essa tradição foi algum dia inventada, ela também tem a sua história.77

Por se encontrar o Cabeça de Porco próximo do centro da cidade, que crescia

vertiginosamente, o autor supõe que: “em outras palavras, a decisão política de expulsar

as classes populares das áreas centrais da cidade podia estar associada a uma tentativa

de desarticulação da memória recente dos movimentos sociais urbanos”.78 O autor

observa também que pelo descuido dos teóricos da época: “(..) a noção de que a pobreza

de um indivíduo era fato suficiente para torná-lo um malfeitor em potencial teve

enormes conseqüências para a história subseqüente do nosso país”.79 Essas

consequências descritas por Chalhoub podem ser observadas em Cascavel - apesar da

distância temporal de quase um século entre a questão abordada por Chalhoub e o

Albergue - a exemplo do comportamento dos manifestantes contra a presença marcante

do público atendido pelo Albergue.

Apesar da resistência apresentada pelos moradores, a decisão já estava tomada

pela Administração Municipal. O Albergue Noturno André Luiz seria construído

naquele local.

O secretário garante que não haverá mais alterações. “Em qualquer lugar terão pessoas desfavoráveis à construção do albergue”, justifica (...) EM 30 DIAS - José Aparecido informa que os projetos, que estão sendo estudados em caráter de urgência já estão na sua fase final. Os documentos deverão ser encaminhados nos próximos dias ao Provopar Estadual, que destinará os recursos para a construção do albergue noturno. “O início da obra está previsto em no máximo 30 dias”, reforça.80

Apesar da inflexibilidade do Poder Público ante as reivindicações, acentuaram-

se os protestos das moradoras do bairro Centro agindo para pressionar mais ainda os

77CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p.19.78Idem. p. 26.79Idem. p. 23.80Hoje. Ver a matéria de jornal citada. Destaque das letras em maiúsculo do próprio jornal.

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políticos para desconsiderar o projeto. Novamente recorreram à imprensa, com novas

passeatas e mais assinaturas no abaixo-assinado, oferecendo maior resistência contra a

construção da nova sede da instituição naquele bairro. O jorna Gazeta do Paraná, do

dia 31 de agosto de 1994, noticiou os novos protestos:

Devido ao projeto que prevê a construção do Albergue Noturno de Cascavel na região próxima ao antigo Recanto da Criança, os moradores daquela área da cidade fizeram um protesto, onde posicionaram contra a construção do mesmo, já que temem pela falta de segurança e o aumento da criminalidade na região. Uma comissão de mulheres já esta encaminhando um abaixo-assinado ao prefeito municipal, Fidelcino Tolentino, com mais de 700 adesões, inclusive de empresários do local e da APP do Colégio Santa Maria. A autora do abaixo-assinado, Fátima Assumpção, se diz amedrontada pela falta de segurança dos filhos, que estudam no colégio próximo à região. Já para Margarida Carneiro, moradora do local, a manifestação foi realizada para que o prefeito municipal e as autoridades se sensibilizam da gravidade do problema, já que trata-se de uma área central. “Nós não somos contra a entidade, mas estamos protestando justamente para que seja construído em local apropriado”, finaliza Margarida.81

A fala da moradora presente no jornal pode ser colocada no âmbito da questão

que se refere Alessandro Portelli, no artigo O massacre de Civitella Val di Chiana,

definindo-a como: “síndrome não no meu quintal”.82 A manifestante, ao dizer que não

se opõe ao trabalho realizado pelo Albergue, mostra-se à imprensa como se estivesse

preocupada com a continuação do atendimento da instituição, o que pode ter um fundo

de verdade, já que o novo Albergue poderia servir para limpar a cidade da presença

desagradável dos mendigos, aos olhos dessas pessoas.

Valdemira em sua fala, expressa como uma evidente “síndrome de não no meu

quintal” envolvia as tensas relações da instituição com a população dos bairros. A

administradora do Albergue faz a sua crítica ironizando a “boa vontade” das pessoas em

ajudar a população atendida na instituição, dizendo que: “é fácil ajudar! Pobre é bom,

mas bem longe. A gente até ajuda o pobre mas bem longe de casa. Pobre a gente não

gosta de ver perto de casa”, falei”.83 Num outro momento da entrevista, ao falar sobre as

manifestações, Valdemira reforça a questão: “por que é assim: todo mundo, a maioria

81Moradores protestam contra a construção do novo albergue. Gazeta do Paraná. Cascavel, 31 ago.1994, ano III, nº946. Geral, p. 2. (grifos meus)82PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho de 1944): mito e política, luto e senso comum. In: Uso e Abuso da História Oral. R.J. Ed. FGV, 1996. p.11583Valdemira Silva. Ver entrevista citada.

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das pessoas gostam de ajudar pobre, mas bem longe de casa. Então ninguém quer saber

de pessoas, assim como esse pessoal que a gente trabalha.”84

A moradora, manifestante do bairro Centro, citada pelo jornal, utiliza como

pretexto o desejo de que o Albergue seja edificado em local “apropriado”. Mas qual

seria esse lugar “apropriado”? Qualquer outro lugar, desde que não se instalasse nas

proximidades da sua residência. Ou seja, o Albergue tem uma certa importância para

essas pessoas para absorver a pobreza do Centro da cidade. Porém, desde que sejam

mantidas fora daquele ambiente, de preferencia, à margem da cidade.

Como era época de campanha política para o Governo do Estado e que políticos

da cidade tentariam se eleger como deputado estadual, alguns vereadores se colocaram

ao lado da população que não queria o Albergue, pressionando os demais para

desistirem do Albergue no Centro. Concluiu-se temporariamente que o novo prédio do

Albergue deveria ser construído no bairro Parque São Paulo mesmo, onde sempre

esteve presente.

Nas memórias de Valdemira, enquanto receptora dessa mobilização popular

contra a instituição, observamos como ela descreve esse processo:

O pessoal de lá [do bairro Centro] fez passeata, não queria o Albergue sabe (...) Então, eles [os vereadores] começaram lá. Ofereceram pra gente lá, que a gente pegava esse terreno, vendia fazia alguma coisa e... a gente teve reunião eles ofereceram, a prefeitura ofereceu, mas daí o pessoal de lá fizeram abaixo assinado, tudo. Não quiseram. Aí nós voltamos pra cá85

A decisão de reconstruir o Albergue no bairro Parque São Paulo resultou em

novas manifestações, agora dos moradores daquele local - que não muito diferente dos

outros, também apelaram para os jornais da cidade. Sendo assim, o Albergue, pela

terceira vez, retorna à Câmara de Vereadores de Cascavel para uma nova reunião,

envolvendo políticos, a administração do Albergue e os moradores do bairro Parque São

Paulo. Com o objetivo de tentar chegar a um acordo definitivo foi que a reunião foi

organizada.

Por um lado, os trabalhadores do Albergue, com apoio de um vereador,

defendiam a nova construção no bairro Parque São Paulo. Alegavam ampliar o

atendimento integral com projetos de inclusão social no sentido de extinguir o

84Valdemira Silva. Ver entrevista citada.85Idem.

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“problema” com uma nova estrutura que desse conta dessa população, e assumindo a

responsabilidade sobre a clientela do Albergue. Por outro lado, a associação de

moradores do bairro, apoiados em um documento com cinco mil assinaturas e a

promessa do prefeito Fidelcino Tolentino de que o Albergue não mais permaneceria no

bairro: “o Tolentino [Prefeito] respondeu que a entidade seria removida do local, mas as

pessoas do Albergue afirmou que as novas instalações serão construídas no bairro”,

queixou-se Federle”86. A reunião que seria pensada para encontrar uma solução,

contraditoriamente acabou acirrando ainda mais os conflitos. Sem chegar num

consenso, foi protelada a discussão, marcando outra reunião com os moradores, que

aparentemente não se realizou.

Mesmo contra os moradores do bairro, nas palavras do jornal Catedral,

produzido pela igreja católica da cidade, o “Albergue dá a largada”, Iniciando a

construção no mesmo local de origem.87 Como o Albergue esteve presente no local a

partir de 1973, muito antes da constituição do bairro Parque São Paulo, essa questão foi

utilizada pela administração da instituição como justificativa para a construção da nova

sede no mesmo local. Valdemira narra como defendia a permanência do Albergue no

bairro Parque São Paulo:

Bom, a medida que eles [os moradores do bairro Parque São Paulo] foram chegando e encontrando essas pessoas, eu cheguei a dizer pra eles: “ó. quando vocês chegaram, o albergue já estava aqui.” Quando muitos deles chegaram pra morá aqui na região, o albergue já estava aqui, então não tinha, não tinha o que reclamar, chegaram, encontraram, não tem como tirar.88

A partir daí, o Albergue levou mais de seis anos de apelos a sociedade,

reivindicações e pressão ao Poder Público para se concretizar a obra, onde atua hoje.

Esta pesquisa buscou discutir tais questões até o ano de 1994, pelas dimensões

que as fontes me apresentaram. Porém, novos e intensos conflitos permearam a presença

da instituição na cidade. A partir do meu contato com o Albergue Noturno André Luiz,

outras abordagens foram observadas. É o caso de novos descontentamentos de

moradores do bairro Parque São Paulo, a partir da nova construção do Albergue,

86Albergue noturno: impasse continua. O Paraná. Cascavel, 19 out. 1994.87Nova sede: Albergue dá a largada. Catedral, out. 1994. Cascavel, ano VII, nº76.88Valdemira Silva. Ver entrevista citada.

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enfatizando na imprensa que: “Sem o Albergue o Parque São Paulo seria o melhor

bairro de Cascavel”.89

Com as mudanças na estrutura, o Albergue assumiu uma nova roupagem,

estabelecendo assim, novas normas para o atendimento dos albergados. O novo

regimento não contentava os moradores de rua da cidade que frequentavam o Albergue,

também se colocando na imprensa escrita da cidade para reclamar sobre as normas de

atendimento da instituição.

Outra questão marcante no assistencialismo de cunho político da cidade foi a

implantação pelo Poder Público de uma “Reforma Psiquiátrica”, que acabou por fechar

o Hospital Psiquiátrico São Marcos de Cascavel no ano de 2002. Decorrente desse

acontecimento, foi determinada a transferência dos pacientes para o Albergue. Além do

jogo de cintura dos voluntários para manter a instituição, tiveram também que atender

por quase dois anos, em caráter integral pessoas com problemas mentais.

Em 2007 foi implantado nacionalmente o Sistema Único de Assistência

Social/SUAS. A “impossibilidade” financeira da instituição em se adaptar às novas

exigências do atendimento, que extrapolariam o orçamento destinado a ela pela

Secretaria de Ação Social, desencadeou no fechamento da instituição em dezembro do

mesmo ano. A reabertura da instituição, em maio de 2008, só foi possível através da

“Responsabilidade de Ação Social de grandes empresas da cidade” - não mais atuando

com recursos municipais. Acrescenta-se aí os embates políticos durante o processo de

reinauguração. Tais questões carecem de uma abordagem crítica e específica, que não

cabem aqui pelos limites da formatação do Trabalho de Conclusão de Curso, a serem

exploradas numa outra ocasião.

89Sem o Albergue o Parque São Paulo seria o melhor bairro de Cascavel. A Cidade. Cascavel/PR, Geral. 24 fev. 1996.

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Considerações Finais

Com este trabalho de pesquisa notei em mim transformações enquanto sujeito

social historiador. As leituras direcionadas para um tema que ansiava em pesquisar

muito antes de ingressar na graduação de História, a assistência social, apontou-me para

a produção de novos olhares sobre o assunto. Se no início do trabalho não compreendia

questões históricas para além dos limites da instituição e da filosofia espírita kardecista,

nesse processo pude perceber que o Albergue Noturno André Luiz esteve e está

envolvido em outras dinâmicas que perpassam a cidade de Cascavel e região.

Reconheço nessa questão a importância significativa do programa “Universidade

Sem Fronteiras”, através do Projeto de Extensão: “Intervenções na relação universidade

– educação básica; tempo passado desafio do presente”. A partir da realização de

entrevistas com moradores antigos das comunidades rurais próximas a Cascavel, essas

pessoas traziam em evidência as propagandas migratórias e promessas de trabalho e

propriedades no Paraná. Outros narravam acontecimentos relacionados a transição da

propriedade da terra - da posse para a instituição de registros. Estas mudanças acabavam

por desapropriar muitos pequenos lavradores, tendo que entregar suas propriedades para

latifundiários e migrar para as cidades. Outros comentavam ainda a respeito do processo

de mecanização agrícola, substituindo o trabalho dos chamados bóia-frias e dos

safristas, aumentando os índices demográficos da cidade, em detrimento do contingente

populacional do campo.

As migrações dessas pessoas para a cidade e a ausência de mercado de trabalho e

políticas públicas que pudessem dar conta de toda essa população, acabaram somando

no aumento da pobreza em Cascavel. A necessidade da criação e manutenção do

Albergue para atender parte dessa população carente evidencia a dimensão de tais

conflitos. Assim como o Albergue, muitas outras instituições também foram criadas

para tentar dar conta da pobreza existente na cidade. Porém, as contradições não se

findam com a criação das instituições fora do perímetro urbano, adotando também

outras formas para a manutenção da imagem que queriam atribuir a cidade.

Ao tomar conhecimento das memórias de vida dessas pessoas, compreendi como

se deu o repentino crescimento demográfico na cidade, os conflitos agrários, e as

mudanças tecnológicas e de produção. Na realização das entrevistas para esta pesquisa –

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mesmo não tendo as questões agrárias preparadas para serem projetadas – foram

indispensáveis tais abordagens no decorrer do diálogo. O recorte temporal das décadas

de 1970 e 1980, que julgava ter mais dificuldade em trabalhar, foi o período

significativo na redação desta monografia.

Apesar das minhas dificuldades e a paciência do orientador, num lento processo

de abstração, que ainda está longe de se findar, aos poucos vou modelando meu senso

em conflito com a produção de novos olhares. Porém, no meio de rupturas do senso-

comum, persistem continuidades.

Julgo que inicialmente, minha concepção de história sobre a instituição estava

bastante romantizada pelos ensinamentos da doutrina. Porém em alguns momentos

atravessei várias crises que me colocavam o Albergue nos limites de um “Aparelho

Ideológico do Estado”. Somente com o auxílio da História Oral, essas abordagens

tomaram outras dimensões. Conhecendo as pessoas entrevistadas, a dedicação no

trabalho com a caridade, passei a perceber que há uma nítida distinção dos usos que

fazem do Albergue pelos diferentes grupos da cidade.

Se, por um lado, as elites se apropriam desse espaço como o objetivo de tentar

escamotear algumas das contradições existentes, utilizando-a posteriormente como

apêndice para divulgar seu assistencialismo político. Por outro lado, nas memórias das

pessoas entrevistadas notou-se que a prática da caridade é movida por outros

sentimentos - a moral espírita kardecista, por exemplo. Ou seja, faz-se necessário

compreender que há determinadas atribuições de sentidos ao Albergue pelas políticas

públicas e demais elites da cidade, mas que diferem de outros significados que tem a

instituição para os seus trabalhadores.

A respeito dos andarilhos que tentei entrevistar, foi um momento muito

expressivo na minha experiência, pois, apesar de estar tentando romper com minhas

próprias barreiras, descobri como o preconceito ainda é latente. Muitos não aceitaram

me relatar suas memórias, talvez por que não querem relembrar sua vida, já que contar é

reviver. Outros até toparam, mas, por estarem embriagados ou que não falavam com

coerência não foi possível o diálogo. Sendo assim, sem querer ser um torturador, usei

ética da História Oral, abstive-me do ego das minhas questões e procurei respeitar os

silêncios.

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FONTES

Depoimentos Orais:

CANTARELLI, Geraldo Gomes; CANTARELLI, Ducalmo. Geraldo Gomes Cantarelli; Ducalmo Cantarelli: entrevista [fev. 2009]. Entrevistador: Anderson Arilson de Freitas. Cascavel/PR, 2009. 1 arquivo digital (1h:27min:57s). Entrevistas concedida para elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso (Monografia) do entrevistador. O casal, Geraldo, conhecido por “Seu Geraldo”, 69 anos, e Ducalmo, conhecida por “Dona Maria”, 67 anos, espíritas, migraram com seus filhos para a cidade de Cascavel, em meados da década de 1970. Vieram da zona rural do município de Nova Aurora/PR para Cascavel em busca de trabalho. Inicialmente, ele na construção civil, ela de empregada doméstica. Em seguida, passaram a trabalhar e residir no Albergue Noturno André Luiz, pouco tempo depois da fundação da instituição. Hoje, embora aposentados como funcionários do Albergue, continuam atuando como voluntários, residindo no bairro Santa Cruz em Cascavel.

FERREIRA, Luiz Carlos Alves. Luiz Carlos Alves Ferreira: entrevista [jan. 2009]. Entrevistador: Anderson Arilson de Freitas. Cascavel/PR, 2009. 1 arquivo digital (1h:29min:30s). Entrevista concedida para elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso (Monografia) do entrevistador.Luiz, 56 anos, católico, natural de Cascavel, passou uma parte da sua infância na zona rural da região do Oeste do Paraná, migrando com sua família para a cidade na década de 1960, decorrente de conflitos pela terra. Luiz trabalhou inicialmente com bóia-fria em algumas propriedades de latifundiários da região e em seguida, na cidade, atuou na construção civil. Em meados da década de 1970, motivado por propagandas migratórias, seguiu para o Mato Grosso do Sul, em busca de trabalho no campo. Ao ver que não condiziam as propagandas com a realidade encontrada naquele Estado, Luiz fugiu das mãos de grileiros de terra e jagunços, retornando à Cascavel. Na cidade, Luiz casou e constituiu família. Após a sua esposa ter desaparecido por conta de problemas psicológicos, emigrou para o país vizinho, o Paraguai, onde terminou de criar os seus filhos. Seguindo novamente para o Mato Grosso do Sul, sofreu um acidente de trabalho, retornando à Cascavel em busca de tratamento médico; vindo a morar no Albergue Noturno André Luiz no ano de 2004 , onde permaneceu por quatro anos. Após conseguir sua aposentaria, com a ajuda de um voluntário da instituição, passou a residir de aluguel numa casa no bairro Faculdade, onde permanece até hoje.

SILVA, Valdemira Bibiano. Valdemira Bibiano Silva: entrevista [jan. 2009]. Entrevistadores: Anderson Arilson de Freitas; Janyeli Dorini Silva. Cascavel/PR, 2009. 1 arquivo digital (2h:14min:50s). Entrevista concedida ao autor para elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso (Monografia) de um dos entrevistadores.

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Valdemira, 66 anos, espírita, migrou com seu esposo e filhos para a cidade de Cascavel em meados da década de 1980. Veio de Francisco Beltrão/PR, acompanhando seu esposo que trabalhava com comércio de roupas. Formada pelo curso de Pedagogia da Facivel, hoje a Universidade Estadual do Oeste/UNIOESTE, após aposentar-se como professora da rede pública de ensino, Valdemira passou a dedicar-se como voluntária no Albergue Noturno André Luiz. A partir de 1986 passou a fazer parte do corpo administrativo da Sociedade Espírita Irmandade de Jesus, que deu origem ao Albergue. De 1990 até os dias de hoje, Valdemira segue sendo presidente de casa de doutrinação espírita e dos trabalhos desenvolvidos pela mesma, entre eles, o Albergue. Valdemira reside na própria instituição, no bairro Parque São Paulo, mudando-se da sua residência no bairro Gramado para dedicar-se ao Albergue.

Jornalísticas:

Recorte de jornal selecionado pela Sociedade Espírita Irmandade de Jesus no: histórico, vol. 1 da Sociedade Espírita Irmandade de Jesus, sem menção de fonte, anexado ao Registro de Títulos de Documentos. Cascavel, 29 de abril de 1986.

Prefeito doa projetos para Albergue Noturno. O Paraná. Cascavel/PR, 1 set.1992, ano XVI, nº4882, p. 11.

Movimento de carente aumenta no Albergue Noturno de Cascavel. O Paraná. Cascavel/PR, 25 dez.1993, ano XVII, nº52725, p. 4.

Moradores reclamam do local para a construção do albergue. Hoje. Cascavel/PR, 27 ago. a 2 set.1994, ano XVIII, nº1573. Geral, p. 29.

Moradores protestam contra a construção do novo albergue. Gazeta do Paraná. Cascavel/PR, 31 ago.1994, ano III, nº946. Geral, p. 2.

Albergue noturno: impasse continua. O Paraná. Cascavel/PR, 19 out. 1994, ano XIX, nº5520, p. 3.

Nova sede: Albergue dá a largada. Catedral, out. 1994. Cascavel/PR, ano VII, nº76.

“Sem o Albergue o Parque São Paulo seria o melhor bairro de Cascavel”. A Cidade, Cascavel/PR, Geral. 24 fev. 1996.

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Escritas:

DIAS, Caio Smolarek. Cascavel: um pedaço no tempo. A história do planejamento urbano. Cascavel: Sintagma Editores, 2005.

FAUTH, Willy. Tudo sobre Cascavel. Toledo: Grafo-set, 1973.

MENEZES, Climax Cézar Chaves: De Sócrates a Kardec – filosofia, ciência, religião. Cascavel: Gráfica MC, s/d, 2002.

SPERANÇA, Alceu. Cascavel: A História. Curitiba: Lagarto, 1992.

Histórico, vol. 1 da Sociedade Espírita Irmandade de Jesus. Ata da fundação da Sociedade Espírita Irmandade de Jesus. Cascavel, 27 de agosto de 1967.

Histórico, vol. 1 da Sociedade Espírita Irmandade de Jesus. Prefeitura Municipal de Cascavel. Lei nº1163. Cascavel, 27 de outubro de 1975. Documento que deu ao Albergue Noturno André Luiz o caráter de “Utilidade Pública”.

Imagéticas:

PARANÁ TURISMO. [Mapa atual de Cascavel]. Mapa com destaques meus, apresentando o planejamento da cidade na década de 1950 e 1960 e o local onde se encontrava a Sociedade Espírita Irmandade de Jesus. 7 abr. 2009. 1 mapa. color., 20 cm X 15 cm. Site do Paraná turismo.

FAUTH, Willy. Tudo sobre Cascavel. Propagandas apresentando o discurso de “desenvolvimento”, “progresso” e “tradição” de empresas da cidade.1973. 2 prop., p/b.; 15,5 cm X 21 cm. Centro de Pesquisas da América Latina/CEPEDAL

PARANÁ TURISMO. [Mapa atual de Cascavel]. Mapa com destaques meus, apresentando o local definido pelas autoridades políticas da cidade em 1994, onde deveria ser construído as novas instalações do Albergue Noturno André Luiz, seguido de alguns pontos de referência próximo ao local: a prefeitura e a rodoviária de Cascavel.. 7 abr. 2009. 1 mapa. color., 20 cm X 15 cm. Site do Paraná turismo.

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HOJE. Moradores reclamam do local para construção do Albergue. Matéria do jornal, associando os problemas das moradoras com o Albergue Noturno André Luiz com os mais de 100 casos de aids na região. Destaque meus para a coluna pontilhada. Cascavel, 27 ago. a 2 set.1994. 1 matéria. p/b. 25 cm X 34 cm. Histórico, vol. 1 da Sociedade Espírita Irmandade de Jesus.

Sites consultados:

Mapa da cidade de Cascavel. Disponível em: http://www.paranaturismo.com.br/cidades/cascavel/mapa.asp. Acesso em 7 abr. 2009.

Plano Diretor de Cascavel. Disponível em: http://www.cascavel.pr.gov.br. Acesso em 7 abr. 2009.

Tabela:

IBGE. Quadro 011 – Evolução da população – município de Cascavel. Plano Diretor de Cascavel, disponível em anexo no site da Prefeitura Municipal de Cascavel.

FAUTH, Willy. Tudo sobre Cascavel. Tabela de processos criminais da comarca de Cascavel. 1973. 1 tabela, p/b.; 15,5 cm X 21 cm. Centro de Pesquisas da América Latina/CEPEDAL.

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