francisco vieira almeida o grande esquecido da pelae o meu tio vasco conheceram o av ... de jaime...

19
Francisco Vieira cie Almeida O grande esquecido da luta pela democracia

Upload: others

Post on 22-Jul-2020

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Francisco Vieira Almeida O grande esquecido da pelae o meu tio Vasco conheceram o av ... de Jaime Cortesão e de Mário Azevedo Gomes, Francisco Vieira de Almeida integrou o núcleo

Francisco Vieira cie AlmeidaO grande esquecido da lutapela democracia

Page 2: Francisco Vieira Almeida O grande esquecido da pelae o meu tio Vasco conheceram o av ... de Jaime Cortesão e de Mário Azevedo Gomes, Francisco Vieira de Almeida integrou o núcleo

Francisco Vieirade AlmeiraO grandeesquecidoda luta pelademocracia

Page 3: Francisco Vieira Almeida O grande esquecido da pelae o meu tio Vasco conheceram o av ... de Jaime Cortesão e de Mário Azevedo Gomes, Francisco Vieira de Almeida integrou o núcleo

Filósofo, historiador, político, Francisco Vieira de Almeida evidenciou-se comoo mandatário nacional de Humberto Delgado nas eleições presidenciais de1958. E também como um professor que não se encaixava em fórmulas, umgozão a troçar dos filósofos que se levavam a sério. Um homem simples, "de

enorme bondade", "a detestar poses ou vaidades", com largueza de espírito.Um catedrático com um sonho de infância: comprar casa própria. Em 1962

morreu, sem o cumprir, numa casa arrendada. Para muita gente, é um dos

grandes esquecidos da luta pela democracia

Por Cristina Ferreira

Page 4: Francisco Vieira Almeida O grande esquecido da pelae o meu tio Vasco conheceram o av ... de Jaime Cortesão e de Mário Azevedo Gomes, Francisco Vieira de Almeida integrou o núcleo

Háuma rua em Lisboa, na

zona de Telheiras, com o

nome de Francisco Vieirade Almeida. Passados qua-se 60 anos da sua morte,aos 73 anos, os poucos queo identificam como filóso-

fo, historiador e escritorconsideram-no "um dos grandes intelectuais

portugueses", "uma fonte de criatividade","um ser humano extraordinário" . Uma figurade proa na luta pela democracia que em 1958

se evidenciou como mandatário nacional da

campanha de Humberto Delgado nas históricas,

apoteóticas, mas derrotadas, eleições presi-denciais.

Recordar Francisco Vieira de Almeida é não

esquecer alguns dos acontecimentos mais ne-

gros que marcaram o século passado. Na Ale-

manha, onde se encontrava em 1933, assistiu

à queima dos livros pela Juventude Hitlerianae à expulsão da vida académica de professorese alunos. E foi em sua casa, em Colónia, que o

linguista austríaco judeu Leo Spitzer se refu-

giou antes de fugir para Istambul. E, dali a três

anos, na véspera de rebentar a II Grande Guer-

ra, voltaram a encontrar-se em Lisboa.Em Setembro de 2017, o Presidente da Re-

pública, Marcelo Rebelo de Sousa, agraciou-ocom o grau de Grande Oficial da Ordem de

Instrução Pública, 30 anos depois de MárioSoares o ter condecorado com a Ordem da Li-berdade. A Fundação Calouste Gulbenkianreunira, na década de 1980, a sua obra filosó-

fica, sobre Lógica, Estética, Epistemologia e

História, editada por Joel Serrão e Rogério Fer-nandes.

O primeiro filho do seu segundo casamentocom a pianista Maria Alice, Vasco Vieira de Al-

meida, de 86 anos, recorda-o como "um hu-

manista", monárquico, cujos "actos não eramditados por razões ideológicas fechadas, al-

guém com enorme coragem cívica, política e

pessoal, com uma cultura extraordinária",sempre a procurar incentivar o sentido crítico,a inconformidade permanente.

Em declarações ao PÚBLICO, António Costa

Pinto, historiador e investigador do Institutode Ciências Sociais da Universidade de Lisboae professor convidado do ISCTE, coloca "Viei-ra de Almeida no núcleo prestigiado de inte-lectuais que estiveram na linha da frente docombate ao Estado Novo, mas, ao mesmo tem-

po, críticos da oposição comunista e de algumrepublicanismo clientelar". E sempre ao ladode António Sérgio, de Jaime Cortesão e de Má-rio Azevedo Gomes, com quem foi detido porduas vezes. Todos, na altura, septuagená-rios.

Os episódios que aqui se vão contar foramrelatados pela jornalista Maria Antónia Palia,

de 86 anos, ex-aluna, por António Valdemar,de 82 anos, jornalista que o entrevistou várias

vezes, por Iva Delgado, licenciada em Filosofia,

que o conheceu durante as eleições presiden-ciais de 1958, por Frederico Delgado Rosa, de50 anos, autor da biografia do avô, O GeneralSem Medo, e pelo neto, o empresário AlexandreVieira de Almeida, filho do arquitecto PedroVieira de Almeida (que morreu em 2011).

O PÚBLICO consultou também jornais e re-vistas da época disponíveis na hemeroteca e

reproduz depoimentos do próprio filósofo,retirados da audição de uma entrevista dada,a 22 de Janeiro de 1957, a Igrejas Caeiro, jorna-lista do Rádio Clube Português (RCP).

Começando pelo princípio, e resumindo:Francisco Vieira de Almeida nasceu em Caste-lo Branco a 9 de Agosto de 1888, filho de umfuncionário público a trabalhar no Ministériodas Finanças. E nunca frequentou a escola pri-

mária, tendo tido como único professor o seu

próprio pai, experiência que repetirá com os

filhos Vasco (advogado) e Pedro (arquitecto).Concluído o liceu em Castelo Branco, viajou

para Lisboa para frequentar o Curso Superiorde Letras, depois Faculdade de Letras da Uni-versidade de Lisboa (FLUL), onde se licenciouem História. E em Lisboa permaneceu contrao desejo dos pais, como dirá ao RCP: "E talveztenha feito mal em não ter ficado naquele can-to que hoje [1957] já não é tão canto assim,porque infelizmente essas terras se desenvol-veram de forma inesperada e precipitada e sem

grande vantagem para quem lá está, a não ser

nos melhoramentos materiais." Concluía: Cas-

telo Branco é "ainda uma pequena cidade, mas,

para aquela que eu conheci, é o triplo"Uma tese com 29 páginasE foi assim que, aos 27 anos, Vieira de Almei-da começou a preparar o doutoramento.Decorria o ano de 1915, e em regra as tesesde doutoramento eram extensas e elabora-das, mas a que foi enviada para Coimbra es-tava condensada em 29 páginas, pelo que o

arguente professor Joaquim de Carvalhoacreditou que a leria durante o trajecto decomboio até Lisboa. À medida que a ia fo-lheando, percebeu que era extremamentecomplexa. O título dizia tudo: A Impossibili-dade da Negativa. "Era típico", defende ofilho Vasco. "Em vez de fazer um grande ca-

lhamaço à alemã, o meu pai escreveu a teseem 29 páginas." E quando o comboio parouem Lisboa, o arguente pediu o adiamento da

dissertação.Na vida pública, Vieira de Almeida come-

çou a evidenciar-se como cidadão interven-tivo no início da década de 1920, figurandoentre a geração de intelectuais formada apósa implantação da República, como destacaAntónio Costa Pinto: "Colaborou na revista

Page 5: Francisco Vieira Almeida O grande esquecido da pelae o meu tio Vasco conheceram o av ... de Jaime Cortesão e de Mário Azevedo Gomes, Francisco Vieira de Almeida integrou o núcleo

Homens Livres, uma curta experiência [comapenas dois números] que uniu os intelec-tuais integralistas, um movimento monárqui-co de reacção às dimensões mais clientelaresdo sistema republicano, em que Vieira deAlmeida se incluía, com os republicanos crí-ticos da Primeira República". Em simultâneo,Vieira de Almeida publicava textos na SearaNova, revista fundada em 1921, por RaulProença, e que juntava nomes como os deAntónio Sérgio, Cortesão, Azevedo Gomes,Aquilino Ribeiro ou Câmara Reys.

Pelo meio, o académico casara-se com Isa-

bel, de quem teve uma filha, Hedda. De saúde

frágil, Isabel não sobreviveu. Depois da mor-te, Vieira de Almeida sentiu-se perdido. Então,um grande amigo convidou-o a ir de férias

para França. E o horizonte tornou-se menossombrio. Além da viagem, o professor apai-xonou-se pela filha do amigo, Maria Alice, naaltura, com 17 anos. De regresso a Lisboa, en-viou uma carta ao pai de Maria Alice a parti-cipar que se pretendia casar. Foi um choque.E o diálogo, evidentemente, foi quebrado. Oneto Alexandre Vieira de Almeida ouviu umahistória de amor: "Feitos os 18 anos, a minhaavó despediu-se dos pais, saiu de casa, com amala na mão, e já vestida de noiva, vestidofeito por ela, dirigiu-se à Igreja do Bonfim, noPorto, aonde chegou de táxi, para se casar."Não esperava ninguém a assistir, mas a igrejaestava cheia. Concluiu: "Terá sido um tantoescandaloso, pois o meu avô era uma perso-nalidade conhecida e aguçou a curiosidadeportuense." "Já mais tarde o meu pai [Pedro]e o meu tio Vasco conheceram o avô [pai deMaria Alice] no Jardim do Príncipe Real, leva-dos por uma empregada."

Em defesa de um alunoDepois de migrar do departamento de Histó-ria para o de Filosofia, Vieira de Almeida con-cluiu com êxito as provas académicas paraprofessor catedrático. Tinha 44 anos. Em 1932,

viajou para a Alemanha, já acompanhado dasua segunda mulher e do seu segundo filho,Vasco, de um ano. E deu de caras com a rea-lidade: a pouco e pouco, o nazismo consoli-

dara-se, com a inércia e o apoio de largasfranjas das elites alemãs.

E foi já instalado com a família em Colónia,onde frequentava a universidade, que teste-munhou, em Maio e Junho de 1933, os acon-tecimentos que culminaram na queima demilhares de livros em fogueiras ateadas a céu

Os amigosAo lado de António Sérgio,de Jaime Cortesão e de Mário

Azevedo Gomes, FranciscoVieira de Almeida integrou o

núcleo prestigiado da oposiçãoao Estado Novo e crítico do

republicanismo clientelar.Os quatro foram detidos duasvezes, todos septuagenários.E os quatro morreramna década de 60

Page 6: Francisco Vieira Almeida O grande esquecido da pelae o meu tio Vasco conheceram o av ... de Jaime Cortesão e de Mário Azevedo Gomes, Francisco Vieira de Almeida integrou o núcleo

aberto pela Juventude Hitleriana. "O meu paiviu os clássicos alemães, Thomas Mann, Hei-

ne, Brecht, Freud, Marx, atirados para as cha-

mas, uns porque os seus autores eram judeus,outros marxistas, mas não só, porque no meio

apanhavam tudo, inclusivamente as figurasmais monumentais da cultura alemã. As cenas

perturbaram-no profundamente", evoca ofilho Vasco.

Assistiu também à expulsão de muitos pro-fessores da Universidade de Colónia.

E, estando relacionado com oaustríaco Leo Spitzer, con-siderado um dos linguis-tas mais influentes doséculo XX, Vieira deAlmeida recebeu-oem sua casa. E foiali que Spitzer fi-cou - "até o meupai conseguir fazê-lo sair da Alema-nha" - para se re-fugir em Istambulnos três anos seguin-tes. No limiar da guer-ra, o austríaco apareceuem Lisboa, onde Vieira deAlmeida lhe "pagou a passa-gem para os EUA". Nesse ano de

1936, Spitzer era esperado na Univer-sidade de Johns Hopkins, para ocupar a ca-deira de Filologia Românica vaga desde amorte de David Blondheim.

Na década de 1940, o filósofo assumira,entretanto, responsabilidades docentes naEscola Superior de Letras (depois Faculdadede Letras da Universidade de Lisboa), a fun-cionar no antigo Convento de Nossa Senho-ra de Jesus da Ordem Terceira de São Fran-cisco, no Bairro Alto. E um dia foi informado

que dois inspectores da Polícia de Vigilânciae Defesa do Estado (que, em 1945, passariaa PIDE) tinham entrado no estabelecimentode ensino porque andavam atrás de um uni-versitário.

Então, Vieira de Almeida deixou claro quenão o poderiam deter dentro da faculdade.E durante dois dias, com a polícia à porta, arevezar-se dia e noite, "o meu pai ficou aolado do aluno, por considerar que era a ati-tude decente." A cena desenrola-se na rectafinal do conflito europeu.

A 6 de Junho de 1944, as tropas americanasdesembarcam na Normandia e dão o ponta-pé de saída para a libertação dos territóriosocupados. A 20 de Novembro, o Diário Po-

pular difundia a posição do Governo francêsno exílio: "A Alemanha terá de ser fiscalizadadurante anos, mas deve tentar-se o seu não-desmembramento artificial."

Encontro com Ortega y GassetNessa mesma edição de 20 de Novembro, o

vespertino avançava com outras informa-ções: "É hoje pelas 18h que o prof. Ortega yGasset faz, na Faculdade de Letras, a suaanunciada conferência." Era o primeiro devários eventos agendados às quintas-feiras,tendo como figura central o filósofo madri-leno, muito respeitado nos meios académicose políticos, e que se auto-exilara em Lisboa.Ao ser apresentado a Vieira de Almeida, Or-

tega y Gasset quis saber: "£5 usted un profesordecano?" O outro corrigiu-o: "Não, não soude cano. Sou professor de ar livre."

Dali a um mês, a 20 de Dezembro de 1944,no Diário Popular, a rubrica "Peço a Palavra",é preenchida por um texto de Vieira de Al-meida sobre as "lições" de Ortega y Gasset

"convidado - e contratado - pela FLUL", queconseguira atrair uma multidão ao "auditório"da Sociedade de Geografia de Lisboa, onde"os estudantes" estavam "em minoria".

O artigo fazia contraponto às teses apre-sentadas pelo filósofo espanhol, que o por-tuguês considerava "um pouco actor, nosentido de valorizar pelo gesto, pela voz, pelaatitude, o que de mais incisivo quer mostrar".E levantou-se a celeuma, como evoca Antó-

nio Valdemar: "O secretário do Or-

tega era o Gerardes Peres, queme confessou, muito mais

tarde, que o viu, na altu-

ra, preocupado ao ler o

que o prof. Vieira deAlmeida escrevera, e

sei que [Vitorino]Nemésio, seu ami-

go, ficou tambémsurpreendido e as-sustado." O filhoVasco reparou: "Omeu pai tinha res-

peito pelo Gasset en-

quanto pensador, masdiscordava dele em mui-

tos aspectos."Com o aproximar do fim

da II Grande Guerra, a primeirapágina da última edição do Diário Po-

pular de 1944 traz uma curiosidade em notade rodapé: "A morte de Churchil foi anun-ciada em Nova lorque", mas "o primeiro-mi-nistro britânico declarou a notícia exagera-da." Finalmente: a 2 de Setembro de 1945, o

Japão rendeu-se a bordo do couraçado norte-americano Missouri. E a guerra acabou.

Em Portugal, os anos seguintes ao conflitoserão pontuados por detenções e persegui-ções no meio académico. "Embora tenhasobrevivido à purga dos professores univer-sitários, Vieira de Almeida nunca deixou de

Page 7: Francisco Vieira Almeida O grande esquecido da pelae o meu tio Vasco conheceram o av ... de Jaime Cortesão e de Mário Azevedo Gomes, Francisco Vieira de Almeida integrou o núcleo

ter uma posição crítica do salazarismo", res-salta o historiador António Costa Pinto.

Um docente atrevido é como o descreve oneto Alexandre: "Quando se colocou a hipó-tese do meu pai e do meu tio terem de aderirà Mocidade Portuguesa, o meu avô escreveuqualquer coisa assim: 'Não posso compraruniformes [da Mocidade Portuguesa] porquesou um pobre catedrático sem posses parao efeito'."

E foi precisamente este "feitio rebelde"que também constatou, no começo dos anos1950, Maria Antónia Palia, estudante do cur-so de Histórico-Filosóficas e que tinha Vieirade Almeida como professor de Lógica ede Filosofia Medieval: "Era o mais prestigia-do, o meu melhor professor, muito irreve-rente. Começava sempre com uma história,um episódio com ligação ao tema que está-vamos a estudar. Não tinha intenção de de-bitar conhecimento, mas de nos obrigarapensar."

Daí a frase: "O professor Vieira de Almeidanão dá matéria." A jornalista concorda, massó em parte: "Excepto na cadeira de Lógica,em que dava matéria, era verdade. Líamos as

obras, os textos, e ele interpretava-os encon-trando o absurdo de coisas que nos eram apre-sentadas como certas, ou pelas quais se tinhamuito respeito. Os seus comentários muitoirónicos sublinhavam o ridículo, e faziam riros alunos." "Ele não queria que déssemoscomo certo os factos tal como descritos oucontados e era esta maneira de ser que o faziaser da oposição democrática". E a "irreverên-cia do professor manifestava-se em relação afilósofos como Santo Agostinho, que, ao fime ao cabo, não levava a sério. " ->

Boatos levam a demissão

Na FLUL, todos sabiam que Vieira de Almeidaestava nos antípodas do director. António Gon-

çalves Rodrigues tinha sido comissário nacio-nal da Mocidade Portuguesa. Os dois acabarão

por se desentender e compreende-se porquê."O director era fascista, um perseguidor do

professor Vieira de Almeida, a quem tinha umódio de morte, pois todos o conheciam e apre-ciavam, para além de assumir acções contra o

regime", defende Maria Antónia Palia.Sucede que, nos anos 1950, a maioria dos

alunos da Faculdade de Letras eram raparigas,católicas e conservadoras, e uma delas comen-tou as opiniões provocadoras do professorVieira de Almeida. Numa manhã, a jornalista,na altura aluna, encontrou à porta da institui-

ção um pequeno amontoado de gente a falarbaixinho, e perguntou: "O que se passa?" . Elu-cidaram-na: "O professor Vieira de Almeidafez um desvio de fundos." Percebeu logo quealguém contara o conto-do-vigário: "Não tivea menor dúvida de que se tratava de uma men-tira para o descredibilizar e, sobretudo, umamanigância para o afastar da faculdade."

Ao procurar a origem da maledicência, a fu-tura jornalista deu-se conta do que ali se pas-sara. Os detalhes eram desprezíveis: "Numperíodo de transição em que tinha morrido odirector da FLUL, e o outro continuava semser nomeado, Vieira de Almeida assumira o

cargo." E, chamado a decidir sobre a manu-tenção de um curso de férias, em risco de falhar

por falta de verbas, não hesitou: "Transferiraparcelas de uma alínea para outra, e era o queestava a servir de argumento para o acusarem. "

Aparentemente, a intenção da direcção da es-

cola era afastá-10. Os boatos espalharam-sepelos corredores da faculdade e Vieira de Al-meida apresentou a demissão.

Page 8: Francisco Vieira Almeida O grande esquecido da pelae o meu tio Vasco conheceram o av ... de Jaime Cortesão e de Mário Azevedo Gomes, Francisco Vieira de Almeida integrou o núcleo

Diante da contusão, Mana Antonia Palia ar-mou um pé-de-vento: "Sabia que não gostavamdele, mas, fazerem-lhe isto, achei de mais. Elenão era apenas uma personalidade da oposi-ção, era monárquico, e um dos professoresmais prestigiados." Ultrapassada a fronteira do

aceitável, não lhe foi difícil juntar um grupoque incluía membros da Juventude Universi-tária Católica, alguns dos que habitualmentese encolhiam quando chamados a participarem eventos mais ousados. Mas desta vez nãorecuaram.

No terceiro andar do número 11, do Largodo Príncipe Real, os estudantes encontraramo filósofo no escritório, "desesperado". Trans-mitiram-lhe: "O senhor professor não se podedemitir, porque então a mentira torna-se ver-dade, e a dúvida nunca mais desaparece." E

Vieira de Almeida recuou na sua decisão.Uma vez que a direcção não tinha apresen-

tado uma queixa formal contra ele, não o ex-

pulsaram, mas tiraram-lhe todas as cadeiras,menos a que não podiam: a da Lógica Mate-mática e Moderna. E isto porque era o único

em condições de a ensinar. Talvez esteja aquia explicação para o que Vieira de Almeida dirá,anos depois, ao RCP: "Nunca tive o menor dis-sabor" com um aluno, e alguns "ficaram meusamigos", o que é "um prémio apreciável".

No meio académico, havia quem o conside-rasse um pouco excêntrico. "Quando começa-va o ano, o professor Vieira de Almeida dizia-nos: 'Já sei que vocês não vão perceber nadadisto, porque não têm formação matemática'",recorda Maria Antónia Palia. E a maioria aténem tinha, daí frequentarem Letras. "E, reco-nhecendo esse facto, ele não se preocupavaem ler os testes, mas também não nos chum-

bava, dava dez valores a todos."Um dia, um universitário apareceu no seu

gabinete a protestar "porque achava que me-recia, pelo menos, 14 valores". Vieira de Al-meida esclareceu: "14 valores, não lhe possodar." E o estudante contestou-o: "Então, vouficar com um dez?" Ao que o docente contra-pôs: "Espere lá, um 10, eu posso transformarem 18." "O que nos conta este episódio é aapreciação que nós, alunos, fazíamos do pro-

Page 9: Francisco Vieira Almeida O grande esquecido da pelae o meu tio Vasco conheceram o av ... de Jaime Cortesão e de Mário Azevedo Gomes, Francisco Vieira de Almeida integrou o núcleo

fessor Vieira de Almeida, que considerávamosum ser particular, suigeneris", concluiu a an-

tiga aluna.

'Ouviram-se as moscas"Quem pela primeira vez falou de Vieira de Al-meida a António Valdemar foi o seu pai, o ad-

vogado açoriano José Tavares, que, no finaldos anos 1920, se cruzara com o filósofo, emLisboa, em casa de Virgília do Canto Brandão,casada em segundas núpcias com o conde de

Caminha, e onde decorriam tertúlias animadas.Num desses encontros, gerou-se um grandeburburinho à volta da peça de teatro do no-

rueguês Ibsen, "Vieira de Almeida assistiu àdiscussão com grande serenidade e quandofalou foi para fazer um comentário que caloutodos. O que impressionou o meu pai foi a ca-

pacidade de dissecação [do texto] e o seu poderde síntese fantásticos".

Passado tempo, já em 1955, na recta finaldo liceu, e "como o meu pai me falava muitasvezes de Vieira de Almeida, resolvi ir à Casado Ribatejo, em Lisboa, assistir a uma confe-rência sobre Garrett, onde o professor era umdos oradores". E foi o suficiente para Valde-mar confirmar o que ouvira ao seu pai:

" [Viei-ra de Almeida] abordou o significado literáriosimbólico e político das Viagens na Minha Ter-ra e galvanizou a assistência. Ouviram-se as

moscas."E a partir dali, Valdemar atravessava-se nas

iniciativas que envolviam o filósofo. Uma des-

sas ocasiões ocorreu num sábado, em casa deAntónio Sérgio, em Lisboa, na Travessa do Moi-nho de Vento, n.° 4, onde se promoviam de-bates com intelectuais, alargados a estudantes.E onde, às vezes, Vieira de Almeida se faziaacompanhar de Maria Alice e, se falava, os ou-tros calavam-se.

De pequena estatura, "com pouco mais demetro e meio, olhos irradiantes, conjugadoscom um bigode fino, e cabeleira einsteiniana,foi dos poucos que me provocaram um des-lumbramento imediato, uma excitação extraor-dinária, tal como ao meu pai", verificou Val-demar. "Foi um dos homens mais admiráveis

que conheci, só comparável a personalidadescomo o Nemésio, de quem ele era amigo, ou oAlmada [Negreiros], grande figura da época,mas que Vieira de Almeida não levava a sério,

por ser de direita e salazarento."

"Sempre que entrava no Coliseu, para as-

sistir à ópera, todos se levantavam para o

cumprimentar. Era um desassossego e só oNemésio rivalizava com ele", sublinha o jor-nalista. Mas, ao contrário do escritor açoriano,um grande comunicador que se dirigia sema-nalmente através da televisão a milhões de

espectadores, Vieira de Almeida não tinhadimensão mediática, nem era identificado no

espaço público.

No Tivoli a enganar a censuraTalvez as sessões no Cinema Tivoli, às terças-feiras à tarde, designadas por JUBA (de JardimUniversitário de Belas Artes), uma iniciativado pintor Guilherme Filipe [Teixeira], fossemos eventos mais populares onde o filósofo eravisto. A anteceder as exibições dos filmes, umconvidado fazia comentários sobre a obra se-leccionada. Havia semanas em que calhava a

Vieira de Almeida, e "a sala enchia-se de gentepara o ouvir porque, tal como nas aulas, eletinha a preocupação de comunicar numa lin-

guagem divertida e entendível", elucida MariaAntónia Palia.

Também aí Vieira de Almeida dava voltas ereviravoltas para enganar os censores. "Os tex-tos de apresentação do filme iam sempre àcensura e o meu pai aparecia no palco com o

papel na mão, fazendo questão de o mostrara todos. Depois, metia-o no bolso, e dizia o quelhe apetecia", conta o filho Vasco.

"Após a sua passagem breve pelo comunis-

mo, o jovem [Mário] Soares apareceu ligadoao círculo de intelectuais mais importante de

oposição a Salazar", pontuado por Sérgio, Cor-

tesão, Azevedo Gomes e Vieira de Almeida,regista Costa Pinto. Então, uma noite, Soaresfoi desafiar o filósofo monárquico a discursarnuma conferência n'A Voz do Operário sobre

democracia, que este começou por recusar,mas perante a insistência, acabou por aceitar.Na opinião de Valdemar, que esteve no evento,"até fez uma intervenção primorosa mas quenão desencadeou palmas". Assim que acaboude falar, ainda no palco, voltou-se para MárioSoares e, com um gesto de mãos, mostrou de-salento: "Isto não dá!"

Ora, ligando os pontos, Soares compreendeulogo o que o professor lhe queria transmitir eficou "perturbadíssimo, passando logo a pala-vra ao Acácio Gouveia [destacada figura repu-blicana], que fez vibrar a assistência". E ouvi-ram-se os "Vivas à República".

No passeio em frente à A Voz do Operário,na tentativa de explicar a falta de adesão doauditório ao seu discurso, Vieira de Almeida

começou a contar a Soares e a Valdemar: "Umdia, estava eu a passar no Rossio e o AntónioJosé de Almeida [sexto Presidente da Repúbli-ca portuguesa, falecido em 1929] preparava-se

êêNo final de 1957, omonárquico Vieira

Page 10: Francisco Vieira Almeida O grande esquecido da pelae o meu tio Vasco conheceram o av ... de Jaime Cortesão e de Mário Azevedo Gomes, Francisco Vieira de Almeida integrou o núcleo

de Almeida surgiucomo mandatárionacional docandidatopresidencialHumbertoDelegado. A quemo interpelava dizia:'É muito simples:o meu objectivoé derrubar Salazar'para fazer um comício e fiquei a assistir. Quan-do começou a usar da palavra, disse: 'Republi-canos, eu tenho uma arma... (palmas). Eu te-nho uma arma lá em casa... (palmas). Eu tenholá em casa uma arma... (palmas)'. O AntónioJosé de Almeida persistiu no 'eu tenho umaarma' e não saiu dali, porque a assistência vi-nha abaixo." E voltando-se para Soares, deu

por fechado o tema: "Isto é um problema de

magnetismo!"

Mandatário nacional de DelgadoNo final de 1957, António Sérgio estava empe-nhado em encontrar um candidato indepen-dente às eleições presidenciais agendadas parao ano seguinte. E perfilou-se Humberto Delga-do que, por sua vez, foi convidar um intruso,o monárquico Vieira de Almeida, para manda-tário nacional. Sempre que o interpelavam, ofilósofo objectava: "É muito simples: concordei

porque é preciso derrubar Salazar. Esse é omeu objectivo, independentemente de tudo oresto." Em 1949, já apoiara publicamente acorrida de Norton de Matos à Presidência da

República."O meu pai era profundamente democrático,

a sua monarquia liberal não era ideológica, era

lógica: achava que, havendo um homem quenão estava dependente de forças partidárias,nem de clientelas, lhe dava maior garantia dedemocracia. E parava aí", diz Vasco. AntónioCosta Pinto sintetiza: "O que mobilizava Vieirade Almeida era a defesa da forma de regime,liberal-democrático, e não a sua fórmula, a

monarquia."E Frederico Delgado Rosa, autor de vários

livros, um deles Humberto Delgado: Biografiado General sem Medo, considera que Vieira deAlmeida "foi determinante na campanha, uma

figura simbólica da união da oposição em tor-no de Delgado. Foi um dos cavalheiros que o

rodearam, com todo um historial de sensibili-dade política e de empenho na oposição ao

regime".O Café Chave d'Ouro, no Rossio, em Lisboa,

era um local onde se juntavam os adversáriosao Estado Novo. E na manhã de 10 de Maio de

1958, o salão de chá encheu-se para uma con-ferência de imprensa de apresentação da can-didatura presidencial. De acordo com a re-

portagem do Diário Popular, eram 9h58 quan-do o candidato, "que tem o culto dapontualidade", começou a pressionar a equi-pa para "apressar os trabalhos", de modo a

que a sessão principiasse à hora marcada." O

general fez-se ouvir: "Dez horas são dez ho-ras!"

Embora a assistência fosse constituída porgente de todos os estratos sociais, como de-talhava o vespertino, na mesa de honra, co-locada em cima de um estrado, sentavam-seas principais figuras da Oposição. E coube aomandatário nacional, posicionado ao lado de

Delgado, iniciar a conferência. Às lOh, Vieirade Almeida dirigiu-se aos presentes para apre-sentar "o candidato independente. [...] Inde-pendente, por não procurar o apoio de par-tido ou algum o representar e antes aceitar o

apoio de homens de boa vontade; indepen-dente porque se apresenta sem compromissos[...], armado apenas com o seu direito de ci-dadão eleitor" e porque "desassombradamen-te - e não sem risco, segundo o que se temobservado" - se apresentar com "um progra-ma que já se espalhou pelo país". Às lOhlO,segundo o relato do Diário Popular, Vieira deAlmeida deu por finda a intervenção.

O assessor de imprensa da campanha presi-dencial, Raul Rego, relatará anos mais tarde,ao jornalista João Paulo Guerra, que, na vés-

pera da conferência de imprensa, Vieira de

Almeida, Sérgio, Cortesão, Azevedo Gomes,Adão e Silva e Soares se reuniram: "Submete-ram o general a uma sabatina, prevendo per-guntas dos jornalistas e ajudando-o a encontrar

respostas politicamente correctas." E, anteven-do questões sensíveis, aconselharam-no a dar

explicações genéricas. Porém, passar-se-á ocontrário. A uma pergunta do jornalista daAgence France Press, sobre o que fará com o

primeiro-ministro caso seja eleito, Delgadoclarificou: "Obviamente, demito-o."

Nessa noite de 10 de Maio, o corresponden-te em Lisboa do The New York Times disparou:"Candidato promete demitir Salazar". Divul-

gava que Humberto Delgado, que antes apoia-ra o regime, alegava agora que este se tornara"obsoleto" . "O candidato diz que, se for Presi-

dente, manterá a ordem com um regime mili-tar, que vigorará até à transição para a demo-

Page 11: Francisco Vieira Almeida O grande esquecido da pelae o meu tio Vasco conheceram o av ... de Jaime Cortesão e de Mário Azevedo Gomes, Francisco Vieira de Almeida integrou o núcleo

crada ficar completa. " E que "durará o menortempo possível".

As declarações de Delgado serviram de com-bustível para unir as hostes à sua volta. A l 7de

Maio, o jornal República classificava a recepçãono Porto como "indescritível a formidável, ca-lorosa e verdadeiramente apoteótica", e men-cionava a reacção do general às dúvidas de umjornalista: "Sim, vou com a minha candidatu-ra até ao fim."Entre obscenidades e rumoresA caravana do candidato era seguida pela PIDEem viatura própria, guiada por chofer. E numdos trajectos entre Gouveia e Coimbra, a filhado general, Iva Delgado, partilhou o automóvelcom Vieira de Almeida. "Apaixonei-me maisou menos [por ele], quando percebi que eraexcepcional, tinha um carisma qualquer", re-corda. "Sempre que chegávamos a uma praça,a PIDE interrompia a passagem, estacionando

Os que o conheceramAntónio Valdemar entrevistou-ovárias vezes, Iva Delgado privou comele na campanha eleitoral de 1958,Maria Antónia Palia foi sua aluna naFaculdade de Letras de Lisboa.Em baixo, o filho mais velho do seu

segundo casamento com Maria Alice,o advogado Vasco Vieira de Almeida,que promoveu um prémio bianual emseu nome na área das humanidades

o automóvel. Às vezes não estava ninguém e o

professor dirigia-se às populações, batendo de

porta em porta para anunciar a nossa presen-ça. E, de repente, a praça ficava apinhada."

Nesses momentos, Vieira de Almeida acon-selhava: "Quando aparecermos à janela parasaudar a multidão, não nos devemos mostrarfascinados, mas mostrar que aqui estamos a

cumprir um dever de lutar pela democracia."Para Iva Delgado, o filósofo não seguia um pa-drão estereotipado: "Era cómico, todo o tem-

po a gozar com os 'pides', e quando passáva-mos pelo carro deles, fazia caretas e gritava:'Esta senhora é filha do 'General sem Medo'!'

Page 12: Francisco Vieira Almeida O grande esquecido da pelae o meu tio Vasco conheceram o av ... de Jaime Cortesão e de Mário Azevedo Gomes, Francisco Vieira de Almeida integrou o núcleo

E os 'pides', que não percebiam bem o que alise passava, respeitavam-no."

Nessa viagem, o filósofo foi generoso, saiudo carro para "oferecer pão e queijo aos 'pi-des', porque não havia áreas de serviço e está-

vamos todos cheios de fome. Era um ser espe-cial, todo o caminho a fazer-me rir e de quemfiquei amiga", rematou Iva Delgado.

Em Lisboa, a 16 de Maio, a população aguar-dava pela comitiva de Delgado na estação deSanta Apolónia e, evidentemente, o apoio po-pular já incomodava o regime, que, segundoo República, estava a reagir com "obscenida-des escritas" nos cartazes de campanha do

general e rumores de que o candidato estariaa ponderar sair da corrida. Boatos. E sobre-tudo era um sinal de que se projectavam ac-

ções dissuasoras.

Quando, a 18 de Maio, no ginásio do LiceuCamões, em Lisboa, se deu início à sessão deesclarecimento da campanha de Delgado, pou-cos imaginavam o que se iria passar. TeófiloCarvalho dos Santos anunciou os oradores: o

primeiro deles foi Rolão Preto, o último Vieirade Almeida. Os jornais da tarde começarampor noticiar que "a sessão decorreu na melhorordem", com um público "impecável". Ora, àvolta do pavilhão as forças policiais tinhammontado um dispositivo de segurança e, aotentarem conter os protestos, a PSP deu tiros

para o ar e o cenário descontrolou-se. Após o

choque inicial, surgiram novos relatos. Às20h20 chegou ao Hospital de S. José o primei-ro ferido, um empregado de farmácia de 28anos. Uma hora mais tarde, segundo os jornaisdo dia seguinte, dera entrada na unidade hos-

pitalar um segundo lesionado e a frequênciamanteve-se dali em diante.

Na manhã seguinte, "continuavam inter-nados, sob prisão, 18 feridos", e dois políciasforam socorridos "em consequência de pe-dradas".

A 22 de Maio, na primeira página, o Repúbli-ca escrevia que a comissão de honra do gene-ral repudiava "a confusão que se pretendeestabelecer à volta da sua candidatura" e clas-sificava de "gratuitas" palavras "da União Na-cional a confundir a grande causa nacional eordeira" que Delgado "encarna" e fazendo crer

que se trata de "manejos do comunismo". Emsua defesa, alegava que o passado do militar"falava por si".

A última liçãoA par das acções de campanha, uma coisa Viei-ra de Almeida sabia: tinha 70 anos, e, salvo

imprevistos, teria de se afastar da vida acadé-mica. E a 26 de Maio, deu a sua última lição,reportada nos jornais da oposição.

A 8 de Junho de 1958, com a participação demenos de um milhão de portugueses, o regimeconseguiu o pretendido: Américo Tomás foieleito com 76,42% dos votos, Delgado afastadodo Palácio de Belém com 23,58%. A direcçãoda campanha do general classificou a votaçãocomo farsa. ->

Não tinham passado três dias e, em Diáriodo Governo, o Ministério das Comunicaçõesfazia saber que o general da Força Aérea Hum-berto Delgado seria exonerado do lugar dedirector da Aeronáutica Civil.

"Com a candidatura de Delgado, o regimetem, pela primeira vez, a clara noção da sua

impopularidade e altera o modo de eleiçãodo Presidente da República, que passa aser indirecta, para evitar o aparecimentode candidaturas como a de Delgado", cla-rifica António Costa Pinto, para quem "o

apoio popular foi tão significativo, comdemonstrações apoteóticas, que originouum rescaldo repressivo".

Percebeu-se o estado de delírio em São

Bento, quando, a 16 de Junho de 1958, a PIDEfoi deter os quatro septuagenários: AntónioSérgio (75 anos), Jaime Cortesão (74), Mário deAzevedo Gomes (73) e Vieira de Almeida (70).Todos fotografados para a ficha da polícia.

E quando dali a dias, a 31 de Junho de 1958,Vieira de Almeida entrou no restaurante Cas-

tanheira de Moura, em Lisboa, acompanhadode toda a família, o recinto ao ar livre, onde o

jantar de homenagem se ia realizar, estavacheio. À cerimónia, organizada em cima da

hora, não faltaram "pessoas das mais variadascamadas sociais e actividades profissionais",lia-se, no dia seguinte, em manchete do jor-nal República. E na mesa de honra, presidi-da por Jaime Cortesão, sentaram-se, entreoutros, Delgado, Azevedo Gomes, AcácioGouveia, Ferreira de Castro.

A reportagem relatava a chegada de de-zenas de telegramas "de todas as regiõesdo país", entre os quais de António Sérgio,José Gomes Ferreira, Joaquim de Carvalho,Sá da Costa, Paço de Arcos, Robles Monteiro,Carvalhão Duarte (director do República), Vir-gínia de Moura, Ramon de La Féria, Prado Coe-lho ou Mário Dionísio. "Aos brindes, usou da

palavra em primeiro lugar" Joel Serrão, com a

"declamadora Maria Barroso" a ler "passagensde algumas obras" do homenageado.

Page 13: Francisco Vieira Almeida O grande esquecido da pelae o meu tio Vasco conheceram o av ... de Jaime Cortesão e de Mário Azevedo Gomes, Francisco Vieira de Almeida integrou o núcleo

Em Janeiro de 1960,Vieira de Almeidalevou à AcademiaSueca a propostade Aquilino Ribeiropara o Nobeldesse ano

Quem também compareceu foi o filho Vasco,com 26 anos: "Para mim, foi emocionante cons-

tatar o reconhecimento do papel do meu paina luta antifascista e perceber que havia a pos-sibilidade de um renascer do país pela vitali-dade da oposição."

A revista Seara Nova dedicará a capa da

edição de Julho ao seu colaborador, Vieirade Almeida, ali retratado por Martinho daFonseca. No interior, reproduz o discursode homenagem que o catedrático do Ins-tituto Superior Técnico António Ferreirade Macedo lhe dedicara no restauranteCastanheira de Moura. E onde se declarou"leitor permanente" de Vieira de Almeida,com quem privava há 46 anos, desde que am-bos leccionaram no Liceu Pedro Nunes, e de

quem ressaltava o "grande carácter moral", o"altíssimo valor educativo", a "bondade natu-ral", a "coragem", a "tolerância" e uma "totalausência de ambições materiais". Acrescentan-do que "aos seus talentos", não encontrou"réstia de hipocrisia, cinismo, vaidade, cobar-

dia, ódios ou rancores."Um ano antes, interpelado pelo RCP se era

capaz de conviver com pessoas de quem não

gostava, o filósofo respondera: "Sim, muito

capaz, tenho larga experiência disso [...]. Masse professam uma opinião e procedem aocontrário [...], quando assim é, arrelio-me umpouco."

A terceira viaPara desespero dos críticos, Vieira de Almeida,Sérgio, Cortesão e Azevedo Gomes vão con-

servar o espírito livre. E, em Novembro de 1958,uma iniciativa de âmbito internacional cha-mou a atenção da censura. Os jornais anun-ciavam a vinda a Portugal, a convite dos qua-tro intelectuais, de duas estrelas da política

socialista europeia: o britânico Aneurin Be-

van, ex-secretário-geral do Partido Traba-lhista e ex-ministro, e o francês PierreMendès-France, ex-primeiro-ministro. Aconferência não foi autorizada.

Page 14: Francisco Vieira Almeida O grande esquecido da pelae o meu tio Vasco conheceram o av ... de Jaime Cortesão e de Mário Azevedo Gomes, Francisco Vieira de Almeida integrou o núcleo

' Baptizados de subversivos por assina-rem e distribuírem clandestinamenteabaixo-assinados a contestar a decisão do

Governo, a 22 de Novembro, os inspecto-res da PIDE dirigiram-se novamente a casa

dos septuagenários.Assim que Vieira de Almeida os viu entrar,

participou-lhes que ia arranjar a mala. E umdeles disse-lhe: "Despache-se, despache-se,que vai só prestar declarações, não precisa delevar nada consigo." Como conhecia bem os

interlocutores, contestou-o: "Eu bem sei o queé para vocês prestar declarações." E foi fazera mala.

Entretanto, a mulher, Maria Alice, telefonouao filho mais velho, para o avisar. Se os inspec-tores pensavam já ter visto tudo, estavam en-

ganados, porque, mal entrou, Vasco enfren-tou-os. E o fim foi violento: a um deles deuum murro. Resultado: julgado no Tribunalda Polícia por agressão à autoridade, foicondenado a dois anos de prisão por de-

jsacato e enviado para Caxias, onde ficou

I na ala dos presos comuns encarregado def descascar batatas. Ao fim de 15 dias, saiu/ em liberdade com pena suspensa./ O encarceramento dos quatro septuage-/ nários na mesma cadeia, mas no recinto

reservado aos presos políticos, era para nãoser do conhecimento público, mas foi desco-berto. E, dado o absurdo, tornou-se o centrodas preocupações dos meios culturais e aca-démicos.

Estavam há quatro dias em Caxias, quando,a 26 de Novembro, o Governo, em nota oficio-

sa, confirmou que "em virtude das suas assi-

naturas figurarem em manifestos subversivosdistribuídos clandestinamente", Cortesão,Sérgio, Azevedo Gomes e Vieira de Almeidatinham sido detidos. E como nos documentos

constava a assinatura de Delgado, "por esse,e por muitos outros actos do conhecimen-to geral, foi-lhe mandado instaurar pro-cesso no Subsecretariado de Estado da

,Aeronáutica."

J O sussurro em torno da acção repres-i siva ganhou asas, o que se compreende,

J como diz António Costa Pinto, pois "os

f quatro integravam o grupo mais impor-/ tante da oposição a Salazar, consideradouma terceira via a uma oposição republica-

na clássica ao Estado Novo e a uma oposiçãocomunista". O investigador defende que o con-vite ao britânico Bevan e ao francês Mendès-France "constituiu mesmo um sinal da apro-ximação de Vieira de Almeida, de Sérgio, deCortesão e de Azevedo Gomes à social-demo-cracia."

A 28 de Novembro, no República, Rolão Pre-to escrevia sobre Bevan e os "estadistas ingle-ses". Diante do burburinho, Salazar mandou

abrir as portas de Caxias, com o vespertino a

regressar ao tema: "Postos em liberdade", os"nossos prezados amigos, notáveis homens de

pensamento e dedicados democratas", reco-lheram "a suas casas, depois de terem presta-do fiança de cinco mil escudos cada".

Apesar das visíveis repercussões, o Governonão recuou totalmente e fez saber que ia "pros-seguir a instrução preparatória do processo[contra os intelectuais] a remeter oportuna-mente para tribunal judicial" e, no que respei-tava ao general Delgado, o dossier não se fe-

chava.As conversas na livraria Sá da Costa, na Rua

Garrett, no Chiado, ofereciam momentos me-moráveis, como conta Valdemar. Um dia, Viei-ra de Almeida, António Sérgio e Filipe Mendescomentaram entre eles o debate de celebraçãodo filósofo francês Michel Montaigne, que, em

tempos, a Academia das Ciências promovera:"O professor Vieira de Almeida contou que o

Júlio Dantas [presidente honorário da Acade-mia das Ciências] justificara o evento pelo fac-

to de Montaigne ter olhos castanhos, em re-sultado de ter uma mãe de origem portuguesa,judia sefardita."

Tendo sido um dos oradores na conferência,Vieira de Almeida apressou-se a aclarar, sor-rindo: "Eu cá não resvalei nos território doDantas." "Bastava-lhe ver o brilho de conten-tamento nos nossos olhares a ouvi-lo para ficarsatisfeito", sublinha o jornalista.Distancia-se de Fernando PessoaCom a publicação das suas obras completas,no final dos anos 1950, Fernando [Nogueira]Pessoa projectara-se como o grande poetaportuguês, mas a quem "o professor Vieirade Almeida, que tinha sido seu colega no an-

tigo Curso Superior de Letras, se referia comoo 'Nogueira Pessoa', para dar logo a seguirum sorriso fantástico", invoca Valdemar.

E um dia, "ao ler declarações do professorVieira de Almeida, ao jornal Acção, dirigidopelo Múrias [próximo de Salazar], a fazer umaanalogia entre os heterónimos de Pessoa e o

pseudónimo Abreu Lima (com uma vertentesatírica) do poeta António Feijó, de quem ele

gostava muito, fui procurar perceber o quequeria dizer", expõe Valdemar. E o filósofo

explicou-lhe: "O Nogueira Pessoa não temnada de novo, antes dele apareceu um tipoem Coimbra que morreu doido em Moçam-bique, onde era juiz, o Francisco Levita, e quedescobriu isso tudo." Ao constatar a perple-xidade do jornalista, contrapôs de imediato:"Então, você não conhece o soneto do Levita,composto por 13 linhas de reticências e na 14

escreveu 'e foi assim que o nada gerou'?"E Valdemar concluiu: "Acho que o professor

[Vieira de Almeida] entrou em conflito como modernismo e não quis compreender o Pes-

Page 15: Francisco Vieira Almeida O grande esquecido da pelae o meu tio Vasco conheceram o av ... de Jaime Cortesão e de Mário Azevedo Gomes, Francisco Vieira de Almeida integrou o núcleo

soa, em que há uma multiplicação de perso-nalidades." Por seu turno, o filho Vasco nãotem memória de o ouvir pronunciar-se sobreFernando Pessoa naqueles termos. Mas outrofamiliar do filósofo reconheceu que "ele não

gostava do Pessoa, achava-o um arroganteinsuportável" .

Antes do final da década, o Diário Ilustra-do difundiu o nome de Miguel Torga comopossível candidato português ao Prémio No-bel da Literatura. O anúncio desencadeou

movimentações de bastidores em meios pa-ralelos.

Na redacção do República, o subdirectorAlfredo Guisado esperou pelo jornalista An-tónio Valdemar, com quem se dispunha a teruma conversa "discreta". E ao final da tarde,os dois dirigiram-se à tipografia: "Quero queo República faça um inquérito acerca da atri-

buição do Nobel não só ao Torga, mas igual-mente ao Aquilino Ribeiro [fundador da Sea-

ra Nova, com Câmara Reys, Cortesão, RaulBrandão, Raul Proença e Ferreira Macedo] .

Como você conhece bem o Aquilino [que tinhasido explicador de Valdemar], vá consultarpessoas."

Da lista a entrevistar constavam Vieira de

Almeida, Gaspar Simões, Prado Coelho, Jaime

Cortesão, Jaime Brasil, Álvaro Salema, JoãoPedro de Andrade. E o jornalista dirigiu-se a

casa do filósofo, no Príncipe Real."Prefere Torga ou Aquilino como candida-

to português ao Nobel?" À pergunta do jor-nalista, contrapôs: "Bom, entre o Dostoievskie o Tolstoi eu hesitaria... Penso, no entanto,que há aqui um equívoco. É a Academia dasCiências que se deve pronunciar para a Aca-demia Sueca." E, assim, Vieira de Almeidadevolveu a responsabilidade da escolha paraJúlio Dantas, presidente honorário da Acade-mia das Ciências, e que, num gesto de mala-barista, se posicionou ao lado do República,subscrevendo a candidatura de Aquilino, seu

amigo. Mas fê-lo a título pessoal, pois o presi-dente efectivo da Academia não tomou posi-ção, repara Valdemar.

No final da década, o escritor Aquilino Ri-beiro sentia-se acorrentado. Estava aindadoente, diagnosticado com um cancro na prós-tata. A publicação da obra Quando os LobosUivam e o seu envolvimento na campanha pre-sidencial de Delgado deram ao regime razões

para lhe moverem um processo judicial. E, se

não fosse Acácio Gouveia, com fortuna pes-soal, a pagar a caução, teria ficado na prisão.Sabendo da sua situação delicada, Vieira de

Almeida, Manuel Mendes, Lopes Graça e Al-fredo Guisado moveram-se.

Page 16: Francisco Vieira Almeida O grande esquecido da pelae o meu tio Vasco conheceram o av ... de Jaime Cortesão e de Mário Azevedo Gomes, Francisco Vieira de Almeida integrou o núcleo

E, no principal vespertino da oposição, Al-fredo Guisado convidou Valdemar para almo-

çar: "Temos de arranjar um escândalo inter-nacional e o professor Vieira de Almeida e o

Lopes Graça vão redigir um texto, e traduzi-lo

para francês, a propor o Nobel para o Aquilino.E o Jorge Reis vai divulgá-lo em Paris'." E assimfoi. "O Reis conseguiu as assinaturas de Simo-ne de Beauvoir e de François Mauriac, o pré-mio Nobel (1952), e o documento foi divulgadonos grandes jornais franceses."

Outros se mexeram. A l 5de Janeiro de 1960,o República fez primeira página com uma car-ta aberta do poeta Sanflago Prezado, ex-em-baixador de Portugal demitido por Salazar, a

defender a proposta de Aquilino Ribeiro paracandidato ao Nobel: "A presença de escritores

portugueses entre os candidatos ao PrémioNobel da Literatura de 1960 é agora, sem dú-

vida, o caso mais discutido nos nossos meiosliterários, aos quais, aliás, já não se confina,pois tem vindo a despertar um vivo e crescen-te interesse na própria opinião pública".

Subscrita por "Vergílio Ferreira, Nemésio,Gomes Ferreira, Cardoso Pires, Mourão-Fer-reira, Tavares Rodrigues, Maria Judite de Car-

valho, Mário Soares, Abel Manta, Alves Redol,Luísa Dacosta, Luís Francisco Rebelo", o ex-embaixador revelava que a proposta seria "embreve apresentada directamente à AcademiaSueca por Francisco Vieira de Almeida".

Quando o historiador Charles Boxer, pro-fessor da cadeira de Camões no King's College,especialista em história marítima holandesae portuguesa, associado à grande espionagembritânica, tomou posição favorável a Aquilino,as luzes acenderam-se. Instalada a polémica,"Salazar ficou aterrorizado e comemorando-seem Novembro de 1960 os 500 anos da mortedo Infante D. Henrique, amnistiou Aquilino e

o processo que lhe fora movido foi arquivado",recordou Valdemar, rematando: "Eu fui o idio-ta útil!"

Na tarde de 22 de Janeiro de 1961, o paísacordou com a informação de que o assal-

to ao paquete de Santa Maria porparte do capitão HenriqueGalvão, que ali embarcaraclandestinamente, fra-cassara. Semanasmais tarde, e depoisde o MPLA ter ata-cado a cadeia de

Luanda, a Uniãodas Populaçõesde Angola, a 14

de Março, levoua cabo massacres

em fazendas e vi-las coloniais noNorte de Angola. E

Salazar reagiu en-viando quatro compa-nhias de caçadores paraprotecção das forças mili-tares ali estacionadas. Come-

çara a guerra colonial em África.

Mário Soares bate à portaCom o regime mergulhado em problemas, in-tensificaram-se as acções da oposição. E umadelas envolveu um movimento para a Demo-

cratização da República a originar detenções,a que Mário Soares estava ligado. Às vezes, o

político, de 37 anos, aparecia, ao início da noi-

te, em casa de Vieira de Almeida a pedir apoio."O Soares apareceu, quase à hora de jantar,meio às escondidas, e disse ao meu pai queprecisava muito que ele assinasse um papelcontra o Salazar. E o meu pai respondeu-lhe:'Ó Soares, se o papel diz abaixo [o regime], as-

sino já."De entre os interesses de Vieira de Almeida,

é preciso não esquecer um: a música erudita,apesar de não tocar nenhum instrumento. E

quando conjugada com literatura, tanto melhor.Do alemão traduziu para português Os Amoresdo Poeta (Dichterliebe), de Heinrich Heine, as

canções do reportório de Robert Schumann,para Maria Alice cantar. O que esta fazia, muitasvezes às quartas-feiras, com o maestro e com-positor Fernando Lopes Graça sentado ao pia-no da sala de estar da família.

O filósofo sempre viveu do seu salário. "Omeu pai teve uma vida economicamente difícil,mas tentou vivê-la o melhor possível, apoiandoa sua avó e os filhos com sensibilidade e inte-

ligência, guardando para ele as dificuldades."Era o que o filho mais novo do filósofo, Pedro,contava ao seu próprio filho Alexandre, quetambém se recorda de ouvir dizer que o seuavô "se distraía a desenhar uma e outra vezuma casa própria, que nunca pôde ter, o queo marcou. " E foi precisamente o que Vieira deAlmeida confessará, em 1957, ao RCP, ao la-mentar não ter podido cumprir o "sonho deinfância" de "ter uma casa própria, pequena",apesar de "em certos países parecer ser umacoisa relativamente fácil."

Em Novembro de 1961, a família Vieira deAlmeida mudou-se do Príncipe Real, novamen-te, para uma vivenda arrendada em Cascais. Efoi aí que ficou a saber de uma iniciativa da

oposição que não falhara a missão. De um aviãoda TAP desviado por Palma Inácio de Casablan-

ca para Lisboa caíram sobre a capital e arredo-res mais de 100 mil panfletos a apelar à revol-ta contra Salazar.

O fim de uma geraçãode combatentes

O fim chegou a 20 de Janeiro de 1962, com os

jornais da tarde a divulgarem a morte de Fran-

Page 17: Francisco Vieira Almeida O grande esquecido da pelae o meu tio Vasco conheceram o av ... de Jaime Cortesão e de Mário Azevedo Gomes, Francisco Vieira de Almeida integrou o núcleo

cisco Vieira de Almeida, na sequência de umacidente vascular cerebral. No dia

seguinte, o República fez des-locar António Valdemar ao

Cemitério do Alto de São

João, em Lisboa: "OVasco chorava com-

pulsivamente com0 rosto encostadoa uma parede."

O filho maisnovo, o arquitecto

1 Pedro, morreuem 2011. E o neto

Alexandre não se

/ esquece: "Sem/ nunca dizer o quão/ importante tinha sidof para ele ou as saudades

y que sentia, percebia-se noy^ tom, nos olhos, nas palavras

que empregava, a enorme admi-

ração que o meu pai tinha pelo meuavô. Quase que por vezes se sentia a tristeza e

a frustração da sua ausência."O afastamento de Salazar de São Bento, em

1968, desembocará na Primavera Marcelista.

E, mais tarde, na queda do regime, o grandeobjectivo que comandou a vida dos quatroamigos, todos desaparecidos naquela década:

Jaime Cortesão (76 anos) em Agosto de 1960;Vieira de Almeida (73 anos) em Janeiro de 1962;Mário Azevedo Gomes (79) em Dezembro de1965; e, finalmente, António Sérgio (85 anos)

em Janeiro de 1969.Com o 25 de Abril de 1974, o advogado Vasco,

à época banqueiro, tornou-se ministro das Fi-

nanças do primeiro Governo democrático:"Tudo aquilo que sou, que fui, o que fiz ou o

que penso foi construído pelo meu pai, que,para mim, está presente diariamente. Às vezes,acordo e penso nele, com imagens absoluta-mente nítidas."

Embora não seja possível saber como seria

hoje recordado se tivesse sobrevivido até à re-

volução, uma coisa é certa: pondo de parte a

obra filosófica, talvez se possa dizer que Fran-cisco Vieira de Almeida não procurou o suces-

so, apenas quis ser um modelo de cidadãointerventivo. Mas rebelde.

[email protected]

Um prémio paraas humanidades

Para

celebrar a memória do filósofo, a

Fundação Vieira de Almeida(promovida pelo filho Vasco Vieira deAlmeida) criou, em parceria com a

Faculdade de Letras da Universidade deLisboa, um prémio bianual de 20 mil euros,a atribuir, pela primeira vez, em 2020.Destina-se a financiar trabalhos dedoutoramento e pós-graduações ligadas às

humanidades e às filosofias (ascandidaturas terão de ser entregue até finalde Maio do próximo ano).

Page 18: Francisco Vieira Almeida O grande esquecido da pelae o meu tio Vasco conheceram o av ... de Jaime Cortesão e de Mário Azevedo Gomes, Francisco Vieira de Almeida integrou o núcleo
Page 19: Francisco Vieira Almeida O grande esquecido da pelae o meu tio Vasco conheceram o av ... de Jaime Cortesão e de Mário Azevedo Gomes, Francisco Vieira de Almeida integrou o núcleo