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Francini Feversani IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: SOCIEDADE CIVIL E POLÍTICAS PÚBLICAS Dissertação apresentada ao Curso de Pós- Graduação em Direito – Mestrado. Área de concentração em demandas sociais e políticas publicas, Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Dr. Hugo Thamir Rodrigues Santa Cruz do Sul, março de 2007

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Francini Feversani

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE ASSISTÊNCI A SOCIAL: SOCIEDADE CIVIL E POLÍTICAS PÚBLICAS

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Direito – Mestrado. Área de concentração em demandas sociais e políticas publicas, Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Dr. Hugo Thamir Rodrigues

Santa Cruz do Sul, março de 2007

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Francini Feversani

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE ASSISTÊNCI A SOCIAL: SOCIEDADE CIVIL E POLÍTICAS PÚBLICAS

Esta Dissertação foi submetida ao Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado, Área de Concentração em Demandas Sociais e Políticas Públicas, Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Dr. Hugo Thamir Rodrigues Professor Orientador

nome Dr.

nome Dr.

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Dedicatória De todos os papéis que desempenho na vida, aquele no qual sou mais ausente é o de filha. As escolhas que fiz me impediram de estar em casa, ao fim da tarde, para tomar um chimarrão ao redor daqueles que mais amo. Entre o magistério, a especialização, o mestrado e a advocacia observei, de longe, que me abstive dos prazeres simples em família. E se hoje estou aqui é porque sempre contei com olhar atento e carinhoso de meus pais, é porque sempre recebi um tipo de amor incondicional que me formou enquanto ser humano e que me permitiu a independência. Tudo que sou devo a vocês, meu alicerce, minha família: Luiz Antônio, Rosa, Fernanda e Christian.

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Agradecimentos Agradeço Professor Doutor Hugo Thamir Rodrigues pelo auxílio e orientação na elaboração deste trabalho, sempre observando com olhar atento as dúvidas suscitadas, fazendo sugestões que enriqueceram o estudo. Agradeço ao Dr. Pedrinho Antônio Bortoluzzi e ao Dr. Cláudio Alves Malgarin pela aposta que fizeram em mim, possibilitando a concretização dos meus anseios profissionais. O meu muito obrigada aos amigos que fiz neste período de Mestrado e àqueles amigos que se sempre estiveram presentes ou que mostram a sua força exatamente nos momentos difíceis: Carline, Felipe, Fernanda, Luiza, Marcinho, Roberta...

E ao Fabricio, muito mais do que pela paciência, e pela compreensão... agradeço pelo amor, pelo incentivo, por me fazer querer ser sempre uma pessoa melhor. Se nem sempre consigo, sou teimosa o suficiente para continuar tentando. Aprendi, nestes anos que estamos juntos, que nem sempre aquilo que se apresenta como certo é a verdade, pois o que realmente importa acaba ficando em um cantinho do coração, nem sempre explorado, nem sempre conhecido.

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SUMÁRIO RESUMO........................................................................................................... 07 INTRODUÇÃO................................................................................................... 08 1 ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS................................................................ 13 1.1 O Estado e o trato das políticas públicas.................................................... 14 1.2 O Estado como fomentador de políticas públicas....................................... 27 1.3 Imposição de tributos e histórico dos tributos no ordenamento jurídico brasileiro............................................................................................................. 37 2 SOCIEDADE CIVIL E ASSISTÊNCIA SOCIAL.............................................. 49 2.1 O público não-estatal na concretização dos direitos sociais....................... 49 2.2 Evolução histórica-constitucional da idéia de assistência social................. 62 2.3 Delimitação do conceito jurídico de instituição de assistência social e interpretação constitucional das imunidades tributárias..................................... 72 3 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL............................................................................................................... 83 3.1 Natureza jurídica das imunidades tributárias............................................... 83 3.2 Imunidades tributárias condicionadas e regulamentação Infraconstitucional............................................................................................... 93 CONCLUSÃO..................................................................................................... 110 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 117

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RESUMO

O presente trabalho centra-se na compreensão dos requisitos constitucionais e infraconstitucionais apresentados para o gozo da imunidade tributária pelas instituições de assistência social, objetivando-se analisar a concretização dos artigos 150, VI, “c” e 195, § 7º, da Constituição Federal de 1988, em especial tendo em vista a implementação de políticas públicas de inclusão social. O que se busca, desse modo, é compreender a atuação do Estado enquanto fomentador de políticas públicas e a importância assumida pela imunidade tributária neste contexto. Para o desenvolvimento do trabalho, foi utilizado como método de abordagem o dedutivo, e, como método de procedimento foi utilizado o monográfico, utilizando-se conceitos doutrinários, legais e provindos da jurisprudência. A justificativa do tema proposto centra-se na própria atuação do terceiro setor e nas políticas públicas por ele implementadas, com o fomento do Estado, estando o problema direcionado ao alcance, através da concretização, da imunidade tributária das instituições de assistência social com vistas à identificação de tal instituto como mecanismo de consecução de uma política pública de inclusão social. Assim, uma vez tendo-se no presente trabalho um problema que envolve a análise de questões interdisciplinares, são utilizados diferentes referenciais teóricos quanto ao tema a ser explorado, sendo que quanto à atuação do Estado fomentador, parte-se da doutrina de Bernardo Kliksberg (1998). Para a compreensão do dever fundamental de pagar tributos tem-se como referencial teórico José Casalta Nabais (1998) e quanto à extensão do termo ‘instituição de assistência social’, o referencial teórico é Leopoldo Braga (1969), permeando-se com a idéia de concretização da imunidade tributária, utilizando-se a doutrina de J.J. Gomes Canotilho (1998). Tem-se, desse modo, que com as crescentes deficiências encontradas no agir Estatal, o chamado terceiro setor vem atuando de uma forma cada vez mais significativa nas relações organizacionais, de modo a suplementar atividades essenciais do Estado, sendo que, em contrapartida, o Estado lhes garante um regime tributário diferenciado, de modo a se configurar um equilíbrio entre os valores despendidos na manutenção da atividade e aqueles que seriam devidos ao Estado em decorrência de seu poder indelegável de tributar. É necessário que se compreenda, portanto, o papel do Estado na efetivação de políticas públicas que promovam inclusão social, em especial tendo em vista a necessidade de o Estado encontrar soluções alternativas para a consecução dos direitos sociais. É neste ponto que se pode falar na idéia do Estado inteligente, enquanto Estado fomentador da sociedade civil, através do alcance da imunidade tributária ao terceiro setor. O Estado, nesse sentido, assume função primordial na efetivação de políticas públicas, seja implementando-as, seja viabilizando-as. Sua atividade dever ser, assim, subsidiária, reconhecendo e valorizando a atividade do terceiro setor, resguardando-se a atuação direta estatal apenas nas hipóteses que se mostrem necessárias. O grande desafio é tornar o Estado fomentador eficiente, com o manejo cauteloso da imunidade tributária. Palavras-chave: Estado. Sociedade civil. Direitos sociais. Imunidade tributária. Instituições de assistência social.

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ABSTRACT

The present work is centered in the understanding of the constitutional and legal requirements presented for the efficiency of the immunity tax for the institutions of social assistance, objectifying the analysis of the concretion of articles 150, VI, “c” and 195, § 7º, of the Federal Constitution of 1988, in special having in sight the implementation of public politics of social inclusion. What has been searched, in this manner, was the understanding of the performance of the State as a promoter of public politics and the importance assumed for the immunity tax in this context. For the development of this work, the deductive method has been used as boarding method, and, as procedure method, it has been used the monographic one, using concepts found in doctrine, in the law itself and the ones brought from the jurisprudence. The justification of the considered theme is centered in the proper performance of the third sector and in the public politics by it implemented, with the promotion of the State, being the problem directed to the reach, through the concretion of the immunity tax of the institutions of social assistance longing to the identificate such institute as mechanism of achievement of the public politics of social inclusion. Thus, once we have, in the present work, a problem that involves the analysis of questions that involves more than one discipline, it has been used different theoretical references in relation to the theme to be explored, in the part that concernes to the performance of the promoter State, it has been used the doctrine of Bernardo Kliksberg (1998). For the understanding of the basic duty to pay tributes, the theoretical reference is Jose Casalta Nabais (1998), and in the matter of the extension of the term `institution of social assistance', the theoretical reference has been found in Leopoldo Braga (1969), completing with the idea of concretion of the immunity tax, using, for that subject, the doctrine of J.J. Gomes Canotilho (1998). This way, considering the increasing deficiencies found in State acting, the called third sector has been acting each time in a more important way in relation to organizational relations, in order to supply the essential activity of the State. On the other hand, the State guarantees them a different tributary regimen, in order to configure a balance between the expended values in the maintenance of the activity and the ones that would be owed to the State in result of its exclusive power to tax. Therefore, it is vital to understand the paper of the State in the effectiveness of public politics that promote social inclusion, in special in view of the necessity of the State to find alternative solutions for the achievement of the social rights. At this point we can bring the idea of the intelligent State, as a promoter of the civil society, through the reach of the immunity tax to the third sector. The State, at this point, assumes primordial function in the effectiveness of public politics, either implemented them, either making them possible. Its activity must be, thus, subsidiary, recognizing and valuing the activity of the third sector, keeping the state direct performance only in the hypotheses that really show necessity. The great challenge is to make the promoter State efficient, with the cautious handling of the immunity tax. Word-key: State. Civil society. Social rights. Immunity tax. Institutions of social assistance.

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INTRODUÇÃO

A vida em sociedade importa na imprescindibilidade de satisfação de

determinadas necessidades públicas. Com efeito, se a convivência humana em

grupos faz com se tenha a edição de normas que objetivam o regramento da vida

social, é também a partir da convivência em sociedade que se percebe que os

homens possuem objetivos comuns, como a realização de saneamento básico,

educação e segurança pública.

Ocorre que nem todos os indivíduos conseguem, por si só, conviver

socialmente com a garantia de sua dignidade, vivendo isso sim à margem daquilo

que se considera essencial à sobrevivência humana digna. A marginalização, aqui

entendida como a colocação de determinados indivíduos à margem da satisfação

das necessidades vitais básicas, ocorre tendo em vista processos históricos de

segregação e imposição arbitrária de poder, que fazem com que a igualdade

material torne-se inviável no contexto social. É nesta circunstância de desigualdade

e, por que não dizer, de indignidade, que a prestação da assistência social mostra-

se imprescindível para que se possa falar em igualdade formal.

A realização da assistência social se dá, deste modo, com o objetivo de permitir

que os indivíduos concretizem seus direitos individuais e sociais, com a prestação

de serviços à população menos favorecida. Fala-se, assim, em proteção às crianças,

adolescentes e idosos, assim como àqueles que necessitam de prestações positivas

para garantir sua dignidade. A prestação da assistência social, nesta idéia, viabiliza

que aqueles que se encontram à margem da concretização sejam incluídos na idéia,

hoje constitucional, de dignidade da pessoa humana.

No entanto, a forma inadequada de prestação da assistência social pode

colocar os indivíduos em uma situação de dependência, inviabilizando que os

mesmos consigam manter-se sem tais prestações. É por esta razão que se faz

necessária a compreensão dos efetivos contornos constitucionais da assistência

social, depurando sua importância no contexto de uma vida social eqüitativa.

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O Estado, tradicional prestador da assistência social, necessita de recursos

para a satisfação das necessidades sociais. O poder estatal impositivo de

estabelecer tributos fundamenta-se, desse modo, na imperiosidade de recursos

públicos para a satisfação dos interesses sociais.

A esfera particular dos indivíduos (consubstancializada, no caso, em sua

liberdade e propriedade particular) sofre a intervenção do Poder Público com a

imposição de tributos, fonte principal de receitas públicas. É com o produto da

arrecadação de tributos que se possibilitam as prestações estatais positivas na área

social, bem como a viabilização das atividades burocráticas.

Ocorre que o Estado, por si só, não se mostra eficiente na satisfação das

necessidades sociais. É neste contexto que a sociedade civil se organiza e passa a

prestar serviços públicos que objetivam a concretização da assistência social.

Em contrapartida, a tais instituições é oferecida a imunidade tributária a

impostos (artigo 150, VI, “c”, da Constituição Federal) e contribuições para a

seguridade social (artigo 195, § 7o, da Constituição Federal). Com efeito, a

imunidade tributária é uma forma de desonerar estas instituições que atuam como

um verdadeiro braço do Estado.

Assim, o problema a ser enfrentado relaciona-se ao alcance, através da

concretização, da imunidade tributária das instituições de assistência social com

vistas à identificação de tal instituto como mecanismo de consecução de uma

política pública de inclusão social. Enfrentar tal ponto justifica-se na medida em que

para que se possa delimitar o real alcance da competência negativa instituída pelo

legislador constituinte nas normas de imunidade tributária é preciso que se perceba

os motivos que fizeram com que tal questão fosse elevada à ordem constitucional,

de modo a se possibilitar que as imunidades tributárias das instituições de

assistência social sejam efetivamente concretizadas em seu alcance constitucional.

Para tanto, faz-se necessária a compreensão da importância do terceiro setor e do

papel do Estado enquanto fomentador da sociedade civil, de modo que o sistema

tributário nacional seja analisado com vistas ao seu fim social, encarando-se o

direito de acordo com os fatos sociais que regula.

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A justificativa do tema proposto centra-se, pois, na própria atuação do terceiro

setor e nas políticas públicas por ele implementadas, com o fomento do Estado.

Nessa realidade, a atuação do Estado seria como intermediador de políticas de

inclusão social, reconhecendo e estimulando a atuação da sociedade civil

organizada.

Analisando-se o problema a ser tratado, percebe-se que trabalho encontra-se

inserto na linha de pesquisa relativa a políticas públicas de inclusão social, mais

especialmente no que se refere às políticas tributárias que a promovam. Isso porque

ao se ter o trato adequado das referidas imunidades tributárias possibilita-se que a

desoneração seja alcançada apenas às instituições de assistência social que atuem

como um verdadeiro braço do Estado, promovendo a inclusão social.

Frise-se que a análise científica de tais questões poderá auxiliar para uma

maior sistematização na atividade legiferante, evitando-se a edição de regras que

não se coadunem com os requisitos objetivos (espécie de instrumento normativo a

ser utilizado para a obtenção da imunidade tributária) e subjetivos (como é o caso do

próprio conceito de instituições de assistência social) postos pela ordem

constitucional no que se refere ao trato das imunidades.

Para desenvolver o trabalho, será utilizado como método de abordagem o

dedutivo, por importar na análise do geral para o particular, analisando-se a relação

entre premissas. Como método de procedimento, será utilizado o monográfico,

tendo em vista a necessidade de análise do objeto de forma a se obter

generalizações.

A técnica, compreendida como o instrumento posto a serviço do processo

investigatório, consiste na pesquisa doutrinária, jurisprudencial e junto à legislação,

de modo a proceder-se a coleta dos dados, sua organização, análise e interpretação

para então passar-se à redação do texto monográfico.

De outro lado, uma vez tendo-se no presente trabalho um problema que

envolve a análise de questões interdisciplinares serão utilizados diferentes

referenciais teóricos quanto ao tema a ser explorado. Assim, no que se refere à

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atuação do Estado fomentador, parte-se da doutrina de Bernardo Kliksberg (1998),

sendo que para se compreender o dever fundamental de pagar tributos tem-se como

referencial teórico José Casalta Nabais (1998). Já no que se refere à extensão do

termo ‘instituição de assistência social’, o referencial teórico é Leopoldo Braga

(1969), sendo que para a concretização da imunidade tributária utiliza-se a doutrina

de J.J. Gomes Canotilho (1998).

Desse modo, o objetivo do presente trabalho é exatamente o de analisar as

imunidades tributárias oferecidas a tais instituições e sua importância no contexto de

um pretendido Estado Democrático de Direito. Para tanto, iniciar-se-á com uma

abordagem sobre a atuação do Estado e sua postura enquanto fomentador de

políticas públicas.

Compreendido tal ponto, passar-se-á à análise do poder de tributar do Estado e

o histórico de tributos no contexto brasileiro, sempre se tendo em mente os motivos

que fizeram com que o legislador constituinte estipulasse as normas constitucionais

relativas ao sistema constitucional tributário.

O segundo capítulo inicia com a abordagem relativa ao público não-estatal,

ressaltando-se a atuação das associações civis na concretização dos direitos

sociais. Especificado o público não-estatal, passar-se-á a compreender a prestação

da assistência social e seu contexto constitucional, passando-se à análise da

extensão do termo ‘instituição de assistência social’.

O terceiro capítulo, por sua vez, é destinado à imunidade tributária, sua

natureza jurídica e fundamentos para a estipulação da norma constitucional de

competência negativa. Finalizando, a abordagem circundará em torno das

imunidades previstas nos artigos 150, inciso VI, alínea “c” e 195, § 7o, ambos da

Constituição Federal de 1988, e sua regulamentação infraconstitucional.

A fim de alcançar os objetivos propostos, a abordagem do trabalho se dará de

modo crítico-reflexivo, compreendendo-se a importância da imunidade tributária para

a concretização das necessidades sociais. Assim, mesmo não se tendo o objetivo de

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esgotar a matéria, o que se busca é colaborar para o incremento da discussão dos

temas que circundam o presente trabalho.

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1 ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS

A vida em sociedade e a necessidade de realização de objetivos comuns fez

com que o homem passasse a organizar-se coletivamente, de modo a desenvolver

atividades sociais básicas e permitir a consecução do bem comum.

O Estado, em si, é responsável pela organização e pelo controle social em

prol do benefício e bem estar da população. Ou seja, o Estado possui o poder

institucionalizado de modo a atender aos interesses da sociedade, assegurando-se

as garantias constitucionais.

Nesse ponto, é importante frisar que atender aos interesses da coletividade

não é sinônimo de soma dos interesses de todos, mas sim da realização de

objetivos comuns que se fazem indispensáveis à vida em sociedade. A vontade

geral não se confunde com a vontade de todos, sendo que através do Contrato

Social o homem deixa de ter uma liberdade irrestrita e passa a ter a liberdade civil.

Os limites da vontade social estão exatamente no exercício da vontade geral.

(ROUSSEAU, 1998).

A vida em sociedade e a atuação do próprio Estado, portanto, incrementam-se

dia-a-dia, na medida em que a vontade geral é emanada em normas jurídicas. E

estas, de outro lado, acabam sendo reflexo das alterações sociais, o que não se

mostra distinto em âmbito tributário. É neste sentido que se faz necessário

compreender a atuação do Estado, mesmo não se tendo o objetivo de conceituá-lo.

Em um primeiro momento, e sem a pretensão de esgotar a matéria, o que se

busca é traçar as linhas básicas que são relativas à atuação estatal para então se

compreender a forma com que as políticas públicas são desenvolvidas pelo Estado

ou mesmo por este fomentadas. É neste sentido que serão abordadas as questões

relativas ao Estado mínimo e ao Estado máximo, para então falar-se no Estado

fomentador de políticas públicas e sua atuação em matéria de políticas tributárias.

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De qualquer forma, é necessário que se tenha em mente pelo menos uma

noção do que se entende por Estado na atualidade, para que se possa falar nas

políticas tributárias por ele desenvolvidas.

Nesse sentido, tem-se a lição de Wolkmer (1990, p.9):

[...] a categoria teórica Estado deve ser entendida, no presente ensaio, como a instância politicamente organizada, munida de coerção e de poder, que, pela legitimidade da maioria, administra os múltiplos interesses antagônicos e os objetivos do todo social, sendo sua área de atuação delimitada a um determinado espaço físico1.

Um Estado tem atividades exclusivas como firmar e fiscalizar o cumprimento

de leis, regulamentar atividades econômicas em todo o seu território e através de

acordo internacionais, manter a ordem, arrecadar tributos entre outros. Com a

arrecadação pertinente ao Estado, cabe a ele o repasse para áreas como educação,

saúde, assistência social e defesa do meio ambiente, entre outras, pretendendo-se

oferecer uma relativa estabilidade e garantia de sobrevivência à sociedade.

Assim sendo, para que se possa compreender o trato do Estado no que se

refere às políticas públicas, passa-se a analisar a atuação estatal em dados

momentos históricos.

1.1 O Estado e o trato das políticas públicas

A vida em sociedade e a complexidade das relações entre os indivíduos

passou por características diferentes conforme o período histórico. As sociedades

até o ano de 1300 d.C. eram terminantemente rurais, sendo que seus membros

eram nômades ou seminômades2 e em muitas dessas tribos não havia alguém que

1 WOLKMER (1990, p.22), ainda remete que “[...] o Estado enquanto fenômeno histórico de dominação apresenta originalidade, desenvolvimento e características próprias para cada momento histórico e para cada modo de produção, com a subordinação plena das organizações políticas ao poder da Igreja no feudalismo e com a secularização e unidade nacional da modernidade [...]”. 2 Van Creveld (2004, p. 29) ressalta ainda que “[...] seu sustento dependia quase exclusivamente da caça-coleta, da criação de gado, pesca e da agricultura, quase sempre de subsistência [...]”.

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governasse. É neste contexto de relativa desordem social que a Igreja ganha sua

força. (VAN CREVELD, 2004).

A Idade Média fica marcada exatamente pela confusão entre Estado e Igreja

(VAN CREVELD, 2004), sendo que o trato do direito por filósofos teológicos desta

época pode denotar um certo protecionismo ao jusnaturalismo teológico3, pois no

momento em que a Lei Divina era superior à lei humana, a Igreja poderia manter

uma tutela sobre o poder temporal.

A Igreja, assim, recebe um tratamento diferenciado, mantendo inclusive um

sistema de tributação paralela, de modo a perpetuar sua força e influência (VAN

CREVELD, 2004). O pagamento de dízimos fortalecia a estrutura da Igreja e a

colocava em uma situação de prestígio, fazendo com que os ciadadãos e, por vezes,

até mesmo os próprios governantes ficassem submetídios à sua força.

Ocorreram profundas mudanças nessa nova sociedade, e o Estado precisou

se tornar forte e centralizado, como mostra Van Creveld (2004, p. 83):

No feudalismo, o governo não era “público” nem se concentrava nas mãos de um único monarca ou imperador; pelo contrário, dividia-se entre um grande número de governantes desiguais que tinham entre si relações de lealdade e que o tratavam como propriedade privada. Na Europa ocidental, porém, a situação se complicava ainda mais em razão da posição excepcional ocupada pela Igreja.

No feudalismo o trabalho servil era eminente e o senhor feudal detinha grande

poder sobre seus servos, que eram obrigados a pagar-lhe tributos pelo uso da terra.

As transformações que ocorreram no século XIV, XV e XVI, com a vinda do

capitalismo mercantil e com a mudança radical do modo de produção feudal,

ocasionaram a redefinição do Estado. (VAN CREVELD, 2004). 3 Na Idade Média, a natureza era considerada o produto da inteligência e da potência criadora de Deus. Sendo a lei natural encarada como divina, surge ela com a criação do mundo, de forma que Deus, Onipotente e Onipresente na vida do homem, cria-os como iguais e livres. A liberdade, por assim dizer, é aquela vivida conforme os ensinamentos de Deus. É neste sentido que Tomás de Aquino (1954) afirma que por serem os homens livres eles podem vir a violar a lei natural, mas essa violação não retira sua validade. Já na Idade Moderna, a idéia de direitos fundamentais deixa de residir sob a fé divina, e passa a ser considerada sob critérios racionais. Consoante ensina Herkenhoff (1994, p.30-31), entende-se modernamente por Direitos do Homem “[...] aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política . Pelo contrário, são direitos que a sociedade tem o dever de consagrar e garantir [...]”.

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Essa redefinição de Estado está intimamente relacionada com a própria

sedimentação da idéia de sociedade e com o surgimento da burguesia, sendo que

para Bonavides (1999, p.60):

A sociedade, algo interposto entre o indivíduo e o Estado, é a realidade intermediária, mais larga e externa, superior ao Estado, porém inferior ainda ao indivíduo, enquanto medida de valor. A expressão sociedade, depois de haver sido usada pela primeira vez por Ferguson com o nome de sociedade civil (civil society), se afirma no uso político graças ao aparaceimento da burguesia.

Com o desaparecimento gradual da servidão, diante de uma opressão política

e econômica exercida sobre os camponeses, houve o nascimento de uma nova

diretriz, denominada Estado absolutista (ANDERSON, 1989). Os camponeses, que

até então sofriam pressão política e econômica por intermédio da exploração pelos

senhores feudais, migraram do campo para as cidades, passando a sofrer a

exploração de um Estado absolutista.4

O absolutismo é uma teoria política que defende que um indivíduo detenha

todo o poder, ou seja, um governo autoritário, tendo vigorado na Europa da Idade

Moderna, conferindo ao soberano um poder ilimitado. Hobbes (1979), ao tratar do

estado de natureza, afirma que as leis naturais não alcançavam eficácia devido à

situação de todos contra todos e, portanto, os homens renunciavam aos direitos que

tinham, exceto o direito à vida, transferindo-os ao soberano, que ficava responsável

pelo cumprimento das leis civis. O fortalecimento do Estado absolutista está calcado

exatamente nesta idéia de delegação de poderes por parte dos súditos aos

soberanos, sem pensar-se em participação social no processo de tomada de

decisões.

No que se refere ao cumprimento das obrigações, assim, o que se observava

era uma obrigação puramente nominal do soberano para com os súditos, e, de outro

lado, uma efetividade no cumprimento das leis impostas pelo soberano aos súditos.

Isso porque caso viessem os súditos a contrariar a ordem do soberano a eles seriam

impostas severas sanções. Porém, não poderia um súdito inquirir se o que o

4 Anderson (1989, p. 19) ressalta: “[...] o advento do absolutismo nunca foi, para a própria classe dominante, um suave processo de evolução: ele foi marcado por rupturas e conflitos extremamente agudos no seio da aristocracia feudal, cujos interesses coletivos em última análise servia”.

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soberano ordenava era justo ou não, “[...] dado que todo súdito é por instituição

autor de todos os atos e decisões do soberano instituído [...]” (HOBBES, 1979,

p.109). Maquiavel (1955, p. 38), por sua vez, chega a afirmar que um príncipe sábio

não pode, nem deve, “[...] manter-se fiel às suas promessas quando, extinta a causa

que o levou a fazê-las, o cumprimento delas lhe traz prejuízo [...]”.

Percebe-se, então, que à época do absolutismo não era conferida aos súditos

nenhuma garantia das responsabilidades assumidas pelo soberano no contrato

social. Por outro lado, os teóricos iluministas, ao pregarem a liberdade dos homens,

pretendiam exatamente limitar o poder do Estado, sendo que “[...] a liberdade, por

sua vez, é concebida como corolário da igualdade [...]" (MALFATTI, 1985, p. 52).

Em que pese ter havido abusos de poder por parte dos governantes nessa

época, o Estado absolutista foi um processo importante para a modernização

administrativa. Com efeito, precisou-se passar por desigualdades sociais e

abitrariedades visíveis, para que pensadores políticos repenssassem suas teorias,

dando início a uma participação mais efetiva à população. A modernidade é

importante para o desenvolvimento eficaz de uma sociedade, mas claro, com

transparência e ética. Essa transição fica marcada pela importância assumida pela

burguesia, mesmo no que se refere à autuação estatal.

Bonavides (1999, p. 60) afirma:

A burguesia triunfante abraça-se acariciadora a esse conceito que faz do Estado à ordem jurídica, o corpo normativo, a máquina do poder político, exterior a Sociedade, compreendida esta como esfera mais dilatadora, de substrato materialmente econômico, onde os indivíduos dinamizaram sua ação e expandem seu trabalho.

Tendo em vista todos os problemas sociais provenientes da instalação e

detenção de poder a uma única pessoa através do Estado absolutista, e

especialmente tendo em vista a grande carga tributária suportada pela classe

burguesa, a Revolução Francesa com o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”,

pode ser considerada um divisor de águas. A partir dela surge o liberalismo, dando

ênfase à concepção de cidadania e à idéia de contrapor e efetivar uma política mais

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participativa a toda a sociedade5. Nas suas origens, o liberalismo tinha como objetivo

condicionar a participação mais eficaz nas instituições do Estado, por meio de

votações e da elaboração das leis. (BONAVIDES, 1972).

O combate à monarquia pode ser percebido em Thomas Paine (1964), que

defende a república e a democracia como formas mais acertadas de governar,

devido, entre outros, ao fato de ser a vitaliciedade uma característica extremamente

falha ao passo de não ser possível afirmar que o filho de um Rei justo será, por

conseqüência, justo também.

A democracia, o sistema representativo e o processo legislativo ganham força

e se solidificam na idéia de Estado Liberal. A defesa das liberdades individuais e da

propriedade privada tornam-se um ícone do liberalismo, visando proteger o indivíduo

das arbitrariedades estatais. “Na doutrina do liberalismo, o Estado foi sempre

fantasma que atemorizou o indivíduo. O poder, de que não pode prescindir o

ordenamento estatal, aparece, de início, na moderna teoria constitucional como

maior inimigo da liberdade” (BONAVIDES, 1972, p. 02).

É nesta ânsia por liberdade e respeito à livre iniciativa que o Estado Liberal

acaba mostrando as suas fragilidades. A idéia de que o mercado conseguiria regular

as situações sem a intervenção do Estado mostrou-se relativizada, tendo em vista

uma parcela da população que depende de políticas públicas eficazes para que se

possa, efetivamente, construir e garantir a dignidade.

Sendo assim, sem um órgão regulador eficaz, a livre-concorrência se acentua

e o capitalismo além das fronteiras toma conta das negociações e acaba tornando-

se prejudicial, não só às novas políticas implantadas em prol do desenvolvimento,

mas também à sociedade e ao próprio governo.

Com a crise do Estado Liberal, o século XX foi marcado pela implementação,

nos países europeus, de Estados de Bem-Estar Social, havendo uma preocupação

5 Torres (2005, p. 33) ainda ressalta: “A cidadania em sua expressão moderna tem, entre os seus desdobramentos, a de ser cidadania fiscal. O dever/direito de pagar impostos se coloca vértice da multiplicidade de enfoques que a idéia de cidadania exibe. Cidadão e contribuinte são conceitos coextensivos desde o início do liberalismo”.

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latente com a efetivação dos direitos sociais. A justificativa para esta implementação

remonta à constatação de que a experiência liberal acabou por denotar a própria

importância do Estado, na medida em que reflexos práticos demonstram que o

mercado não é, por si só, capaz de satisfazer as necessidades públicas.

(BONAVIDES, 1972).

Nesse sentido, importante que se diferencie o Estado social do Estado

socialista, sendo oportuno o ensinamento de Bonavides (1972, p. 205):

O Estado social representa efetivamente uma transformação superestrutural por que passou o antigo Estado liberal. Seus matizes são riquíssimos e diversos. Mas algo, no Ocidente, o distingue, desde as bases, do Estado proletário, que o socialismo marxista intenta implantar: é que êle conserva sua adesão à ordem capitalista, princípio cardial a que não renuncia. Daí compadecer-se o Estado social no capitalismo com os mais variados sistemas de organização política, cujo programa não importe em modificações fundamentais de certos postulados econômicos e sociais.

O Estado de Bem-Estar Social é uma organização política e econômica que

objetiva a proteção e a defesa de interesses sociais e econômicos, não se

esquecendo do capitalismo e do princípio da livre iniciativa, mas agindo de modo a

harmonizar os interesses do mercado e a consecução do bem comum. Preocupa-se,

acima de tudo, com a dignidade da pessoa humana e com a satisfação do mínimo

vital. O Estado age, assim, de modo a regulamentar a saúde social, política e

econômica do país em parceria com os demais setores.

Cabe ao Estado de Bem-estar Social garantir a toda a sociedade serviços

públicos, proteção de qualidade e uma base econômica satisfatória. Vale ainda

ressaltar que também é de responsabilidade do Estado a cobrança e a

administração dos tributos, buscando-se a distribuição de renda e fontes financeiras

para realização de seus supostos deveres. Tendo em vista o crescimento

econômico, a estabilidade da nação e serviços sociais de qualidade, cabe ao

Estado, através de novas diretrizes políticas, o cuidado permanente com a economia

e a viabilização de infra-estruturas.

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Com isso, os chamados Welfare States ganharam força, incrementando a

institucionalização de políticas públicas6 para a satisfação dos direitos sociais. Nesse

sentido, quanto ao papel a ser assumido pelo Estado, Hespanha (2002, p. 179)

afirma:

À comunidade devem ser garantidos, pelo Estado, padrões sociais básicos que lhe permitam exercer seu papel. Daqui decorre que os direitos individuais só reflexamente têm relevância, isto é, de acordo com os níveis de proteção reconhecidos à comunidade e no quadro das relações de direitos e deveres que identificam os membros da comunidade. É esta a reconceitualização ou ressocialização dos direitos sociais centrados no indivíduo em direitos sociais centrados na comunidade que fundamenta a proposta de se instituir um sistema universal de bem-estar que reconheça os diferentes níveis de desenvolvimento econômico e as diferentes capacidades das nações e que, portanto, possa reduzir as contradições entre as dimensões econômicas e sociais do capitalismo onde quer que seja.

Como se observa das palavras acima, o Estado é visto como responsável pela

satisfação dos direitos sociais, não podendo se permitir um avanço econômico que

importe em descrédito social. Em outras palavras, a constatação a que se chega é

que somente um Estado que consegue implementar satisfatoriamente suas políticas

públicas para a satisfação dos direitos sociais pode ser considerado desenvolvido.

Ao tratar sobre as dimensões do Welfare State antes da existência de

economias globalmente integradas, Esping-Andersen (1995, p. 73) afirma que este:

[...] representou um esforço na reconstrução econômica, moral e política. Economicamente, significou um abandono da ortodoxia da pura lógica do mercado, em favor da exigência da extensão da segurança do emprego e dos ganhos como direitos de cidadania; moralmente, a defesa das idéias de justiça social, solidariedade e universalismo. Politicamente, o welfare state foi parte de um projeto de construção nacional, a democracia liberal contra o duplo perigo do fascismo e do bolchevismo.

6 Ao tratar das dimensões da política, FREY (s.d, p. 216) refere: ”A dimensão institucional ‘polity’ se refere à ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo; No quadro da dimensão processual ‘politics’ tem-se em vista o processo político, freqüentemente de caráter conflituoso, no que diz respeito à imposição de objetivos, aos conteúdos e às decisões de distribuição; A dimensão material ‘policy’ refere-se aos conteúdos concretos, isto é, à configuração dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões políticas [...]”.

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Tendo-se em mente que o Estado Social objetiva a construção de justiça social

e fortificação de cidadania7, percebe-se que a sua implementação de direitos sociais

não está ligada à idéia de políticas assistencialistas que coloquem o indivíduo em

situação de dependência da atuação estatal. A satisfação dos mínimos

constitucionais e a garantia da dignidade da pessoa humana perpassam a idéia de

emancipação do indivíduo, não estando ligada à noção de populismo, mais visível

nos países da América Latina.

Ademais, sabe-se que um dos principais problemas dos países latino

americanos é a alta carga tributária, sendo que uma política tributária como a

implementada, de fato, não promove com eficácia o bem-estar social. No caso

desses países, a forte pressão financeira internacional fez com que os mesmos

optassem pelo ajustamento econômico e fiscal, deixando o lado social em segundo

plano. Esse tipo de atitude governamentista acaba por denegrir o verdadeiro sentido

do Estado de Bem-Estar Social. (KLIKSBERG, 2000).

Assim, a realidade de desempregos ou de empregos com baixa remuneração e

de relações flexibilizadas, aliando-se a outros fatores estruturais8, faz com que seja

necessário repensar a atuação Estatal. Frise-se que, a par da grande tributação

vinda com a pretensão do Welfare State, em países como os da América Latina a

efetiva implementação de políticas públicas eficazes não passou de uma

expectativa, não sendo o Estado eficiente sequer na atenção das necessidades

vitais do cidadão.

Explicitando as dificuldades existentes na implantação de uma política de

Estado na América Latina, Van Creveld (2004, p. 449) afirma:

7 O termo cidadania é entendido aqui como a coletividade de cidadãos que efetivamente participam do contexto social, não sendo meramente assistidos. Tem-se, assim, a idéia de cidadania plena, compreendida em conformidade com as influências do mercado, mas não a este subalterna (DEMO, 1995). Cidadania, assim, é “[...] a competência humana de fazer-se sujeito, para fazer história própria e coletivamente organizada [...]”(DEMO, 1995, p. 01). 8 Esping-Andersen (1995, p. 73) coloca as seguintes situações: “[...]o crescimento não-inflacionário induzido pela demanda, no interior de um único país, parece hoje impossível; cabe aos serviços, mais do que à indústria, a garantia do pleno emprego; a população está envelhecendo rapidamente; a família convencional, dependente provedor masculino, está em declínio, e o ciclo da vida está mudando e se diversificando, e tais modificações estruturais desafiam o pensamento tradicional sobre a política social [...]”.

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[...] justamente quando os Estados latino-americanos parecem estar se aproximando de algum tipo de estabilidade política no topo, parece que a maioria deles também fracassou na tentativa de integrar as partes mais pobres de suas cidades como fizeram os europeus durante o século XIX. Pelo contrário, tendo em conta a pressão ainda contínua da população, a situação em muitos lugares talvez esteja pior do que há vinte ou trinta anos [...].

Diante disso, a desigualdade social e todos os problemas dela decorrentes,

contribuem para a falta de êxito total na implantação de um Estado Social na

América Latina, contrapondo-se aos países europeus. O descompasso gerado pelo

desequilíbrio instalado tende a impedir que se ponha em prática a adoção de uma

nova política de Estado, como mostra Van Creveld (2004, p. 451) 9:

Em contraste marcante com a situação nos Estados Unidos e no domínios britânicos, a construção dos Estados da América Latina só teve êxito até certo ponto. Com poucas exceções, a maioria não conseguiu incluir todo o povo sob o regime do estado de direito nem implantar um firme controle civil sobre os militares e a policia, nem encontrar um equilíbrio entre a ordem e a liberdade [...].

A prática latina de Estado não pode, portanto, ser denominada de social. A

experiência de Estado social acaba por ser visualizada de forma relevante nos

países europeus, preocupados com a satisfação de direitos sociais como educação

e saúde.

Esse embate entre Estado Social e Liberal leva à percepção de que embora a

efetivação de Estados sociais seja de difícil consecução, não se pode ignorar a

importância de implementação de políticas públicas que satisfaçam os direitos

sociais. A intervenção do Estado torna-se imprescindível para a consecução das

necessidades coletivas, visto que a sociedade e o mercado, por si só, não

conseguem atingir objetivos de redução das grandes desigualdades existentes.

9 Como coloca ainda Van Creveld (2004, p.451): “[...] do ponto de vista externo, é vidente que as invasões sofridas por Granada em 1983, Panamá em 1989 e Haiti 1993 (para não falar do papel da CIA no Chile ainda de 1973) são apenas os mais recentes de uma longa série de lembretes de que a soberania dos menores é, em todo o caso, condicional à boa vontade do Grande Irmão e depende dela [...]”.

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O que se tem, assim, é a insuficiência do Estado mínimo e a insustentabilidade

do Estado máximo em determinadas realidades, sendo necessária a equação de tais

medidas para se delimitar a atuação estatal.10

No caso do Brasil, inúmeros são os problemas de realidade social

apresentados que contribuem para a não-efetividade da adoção de um Estado

social. No entanto, não se pode negar a importância da atuação estatal,

especialmente tendo em vista o advento de uma sociedade urbano-industrial. A

partir dos anos trinta, esse processo ficou mais visível com os esforços para

modernizar e tornar mais eficiente a administração.

Na década de trinta, verificou-se a superação do Estado clássico liberal e a

construção do modelo de Estado novo11, o qual foi considerado um divisor na

história institucional do país. O primeiro projeto de modernização no Brasil foi levado

a cabo pelo governo de Getúlio Vargas, e tinha como objetivo a industrialização

nacional12. (MENDES JÚNIOR; MARANHÃO ,1981).

De qualquer forma, a experiência brasileira vivida na chamada Era Vargas

denotou uma política assistencialista que visava manter o indivíduo dependente da

atuação estatal, fragilizando-se a própria idéia de justiça social. (MENDES JÚNIOR;

MARANHÃO ,1981).

10 Bobbio (1992, p. 126) lembra que a simples colocação de um Estado como mínimo ou máximo não o faz fraco ou forte: “[...] não se pode confundir a antítese estado mínimo/estado máximo, que é o mais freqüente objeto de debate, com a antítese estado forte/estado fraco. Trata-se de duas antíteses diversas, que não se superpõem necessariamente. A acusação que o neoliberalismo faz ao estado de bem estar social não é apenas a de ter violado o princípio do estado mínimo, mas também a de ter dado vida a um estado que não consegue mais cumprir a própria função, que é a de governar (o estado fraco). O ideal do liberalismo torna-se então o de estado simultaneamente mínimo e forte. De resto, que as duas antíteses não se superpõem é demonstrado pelo espetáculo de um estado simultaneamente máximo e fraco que temos permanentemente sob os olhos [...]”. 11 Mendes Jr. e Maranhão (1981, p. 181) afirmam: “podemos dizer que o golpe de novembro de 1937 que instaurou o Estado Novo tendia a concluir, de forma mais ‘aperfeiçoada’ o que havia começado de 1930. os sindicatos, que conseguiriam manter uma relativa independência até 1935, passaram totalmente para a tutela do Estado, que os atrelou. Sem dúvida, o Estado Novo ‘legalmente’ iniciou-se com os golpes de novembro. Mas para os trabalhadores a repressão desencadeada a partir da tentativa do levante da ANL em novembro de 1935 (ver Cap. XC) deve ser considerada o marco inicial desses Estado repressivo.” 12 Mendes Jr. e Maranhão (1981, p. 173) ressaltam que “antes mesmo da implantação do Estado novo, o governo Vargas passava a interferir cada vez mais na esfera econômica, principalmente no combate a problemas inerentes à nova realidade industrializante, como a questão da ‘superprodução ou consumo’”.

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Com o fim do Estado Novo em 1945 e a chegada, mais tarde, de Juscelino

Kubitschek ao poder, a teoria de industrialização nacional permaneceu, porém, com

algumas diferenças. Passou-se a primar pela participação conjunta dos setores

público e privado, bem como o estímulo a sua expansão simultânea (MENDES JR;

MARANHÃO, 1981).

A estrutura de Estado foi sendo adequada com o passar dos anos, primando-

se pela descentralização administrativa. As autarquias e fundações ganham força ao

lado das sociedades de economia mista e das empresas públicas. Já com o governo

Fernando Henrique Cardoso13, percebeu-se uma aceleração de privatizações,

reformulando-se políticas administrativas de modo a liberar-se o Estado de certas

incumbências, de modo a permitir-se que a atenção estatal ficasse voltada a

questões essenciais.

Em 1999, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, com a

organização do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão14, criou-se uma

oportunidade para o avanço da reforma do Estado no sentido da ampliação do seu

aspecto definido até então e do seu alcance sobre as políticas públicas, ao

possibilitar a integração das importantes funções de planejamento, orçamento e

gestão. No entanto a reforma do Estado continuou a ser um mito, permanecendo-se

as ambições não concretizadas de construção de uma sociedade justa. (SOUZA,

2004).

É exatamente com o propósito de uma sociedade mais justa que o governo

busca um limiar de integração da sociedade nas suas decisões. O Estado

Democrático de Direito15 firma a participação popular no processo político da nação

13 Souza (2004, p.523) afirma que “[...] ao mesmo tempo que escancarava nosso mercado interno à produção estrangeira, o grupo fernandista também orquestrava a maior desnacionalização de que se tem notícia em tão curto período de tempo. Na gestão Itamar, apesar de ele haver abdicado de governar em favor da equipe de FH, o capital estrangeiro ainda não tinha realizado uma invasão maciça [...]”. 14 Órgão que coordena e supervisiona normas para a elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias e do orçamento geral da União. 15 Morais (2002, p. 38) mostra que “O Estado Democrático de Direto emerge, neste quadro de idéias, como aprofundamento/transformação da fórmula, de um lado, do Estado de Direito e, de outro, do Welfare State. Resumidamente, pode-se dizer que, ao mesmo tempo em que se tem a permanência em voga da já tradicional questão social, há como que a sua qualificação pela questão da igualdade [...]”.

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possibilitando uma legitimação da democracia, frisando, assim, um caráter de cunho

social, no qual a sociedade exerce seus direitos de cidadania participando (ou

pretendendo participar) ativamente das decisões de melhoria das políticas públicas.

Em suma, o Estado Democrático de Direito tem como objetivo principal a

concretização da igualdade formal, impondo garantias ao cumprimento da ordem

dos direitos humanos16 e gerando uma modificação constante na situação real da

sociedade. O objetivo é a redemocratização e a concretização das ações de caráter

minimizador de deficiências.

Na procura de um meio termo entre Estado Liberal e Estado Social, constitui-se

o Estado Democrático de Direito no qual este, possuindo um conteúdo que preza

pela mudança da realidade, também se envolve com a capacitação da sociedade a

para a prática da democracia e a concretização de uma vida digna17.

Desse modo, o Estado Constitucional Democrático pressupõe a legitimação do

poder, visando-se o respeito à ordem constitucional, entendendo-se esta como fruto

da soberania popular. Tem-se, assim, a idéia de que o poder político deriva do poder

dos cidadãos, sendo que o elemento democrático não é tido apenas para travar o

poder da Administração Pública, mas também para conferir a legitimidade deste

poder (CANOTILHO, 1998).

Canotilho (1998, p. 94) assim explica os fundamentos do Estado

Constitucional:

16 Morais (2002, p. 64) mostra que: “Resumidamente poderíamos dizer, então, que os direitos humanos, como conjunto de valores históricos básicos e fundamentais, que dizem respeito a vida digna jurídico-politico-psiquico-economico-fisica e afetiva dos seres e de seu habitat, tanto daquele do presente quanto daqueles do porvir, surgem sempre como condição fundante da vida, impondo aos agentes político-juridico-sociais a tarefa de agirem no sentido de permitir que a todos seja consignada a possibilidade de usufruí-los em beneficio próprio e comum ao mesmo tempo. Assim como os direitos humanos se dirigem a todos, o compromisso com sua concretização caracteriza tarefa de todos, em um comprometimento comuns a todos [...]”. 17 Bonavides (2001, p. 190) esclarece que ”O emprego correto do conceito poderá assim explicar a variação havida nas distintas modalidades de democracia, que correspondem, por exemplo, à concepção democrática do Estado liberal (democracia individualista) ou à concepção democrática do Estado social (democracia de forte pendor coletivista). O conteúdo democrático fica, pois, explicitado pelo conteúdo ideológico, ou seja, por um sistema coerente de idéias e crenças [...]”.

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Se quisermos um Estado constitucional assente em fundamentos não metafísicos, temos de distinguir claramente duas coisas: (1) uma é a legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo de legislação no sistema jurídico; (2) outra é a da legitimidade de uma ordem de domínio e da legitimação do exercício do poder político.

Existe, nesta realidade, uma preocupação evidente quanto à participação

social, objetivando-se resultados eficientes para a efetiva concretização de um

Estado de Direito. Isso porque a cada dia surgem novos problemas que merecem

atenção especial, sendo que a democracia deve propiciar a diminuição das

deficiências sociais.

Assim, a busca pelo verdadeiro sentido democrático é uma constante da

reforma do Estado. É neste sentido que a participação da sociedade importa na

legitimidade política, sendo as demandas sociais consideradas metas para a

concretização da eqüidade, diminuindo com as desigualdades com o respeito à

Constituição.18

Inegável, portanto, a importância que o Estado há de assumir na construção

dos objetivos constitucionalmente expressos, oferecendo a garantia da ordem social

e a satisfação dos direitos fundamentais.

O estado brasileiro, enquanto instituição jurídica e política, neste contexto, vai ter uma função importantíssima, na medida em que pelos termos da dicção constitucional vigente, se responsabiliza pela mediação da ordenação do social e pela garantia de algumas prerrogativas/direitos que irão se ampliar no âmbito do processo de desenvolvimento das lutas sociais e políticas contemporâneas (LEAL, 2006, p. 33).

O que se percebe é que a concretização dos direitos garantidos

constitucionalmente relaciona-se com a própria atuação do Estado e sua postura

perante a sociedade civil. É nesta circunstância que as lutas sociais acabam por

influenciar a política contemporânea, sendo que a complexidade dos anseios

públicos não pode ser ignorada pelo Estado.

18 “Com o novo caráter social do Estado, inúmeras garantias passaram a ser constitucionalmente asseguradas aos cidadãos, ampliando a função da administração pública detentora do poder-dever de satisfazer as necessidades da coletividade, em nome da qual adota como lema a prevalência do interesse publico sobre o particular [...]” (TUPIASSU, 2006, p. 31).

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A ótica capitalista, neste sentido, não pode ser simplesmente desconsiderada,

tendo em vista a constituição de uma sociedade pautada na livre iniciativa. Para que

se tenham políticas públicas eficientes, não se pode esquecer que ordenamento

brasileiro é pautado em uma economia capitalista19, sendo que o diálogo correto

entre mercado e sociedade civil permite que se realizem políticas emancipatórias. O

que se tem, assim, é que os interesses individuais não podem ditar a regra da vida

em sociedade, sendo que o Estado possui um papel importante na mediação dos

interesses particulares em consonância com a consecução dos objetivos públicos.20

A grande questão, nesse sentido, é de que forma o Estado deve agir para que

os direitos constitucionalmente previstos sejam efetivados, sendo que no ponto

seguinte passa-se a analisar a atuação do Estado enquanto fomentador de políticas

públicas.

1.2 O Estado como fomentador de políticas públicas

A atividade do Estado mostra-se, como se pode perceber até o presente

momento, indispensável à vida em sociedade. No entanto, as dificuldades

enfrentadas na consecução do bem comum e a inefetividade dos direitos sociais em

realidades como a brasileira, faz com que seja necessário que se analise de que

forma o Estado pode agir eficientemente para a mudança de tal panorama social.

É preciso advertir que por maiores que sejam as críticas que se teçam sobre a

atuação do Estado, sua atuação é simplesmente indispensável. Os problemas

apresentados reafirmam a necessidade de uma discussão mais apurada no que se

19 “É balela, para não dizer incompetência, imaginar políticas sociais desvinculadas das condições de mercado que continuam, também no welfare state, e mais ainda num sistema capitalista perverso, o regulador decisivo da sociedade e da economia. Dois seriam os principais disparates: dar maior importância à assistência do que ao emprego, reproduzindo a cidadania assistida, ou seja, atrelada a benefícios, em vez de emancipada; e fantasiar a geração de excedente econômico, como se recursos pudessem ser ideologicamente inventados [...]” (DEMO, 1995, p. 80). 20 Quanto à atuação do Estado e a economia capitalista, Grau (2000, p. 28) afirma: “[...] o Estado, ao atuar como agente de implementação de políticas públicas, enriquece suas funções de integração, de modernização e de legitimação capitalista [...]”.

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refere ao trato das políticas públicas, em especial tendo em vista a necessidade de

satisfação do mínimo existencial.

O Estado, não mais restrito à dialética desenvolvimentista ou socialista, deverá

ser atuante, regulando e impulsionando a economia (SCHMIDT, INÉDITO), agindo

de modo a garantir ao indivíduo a satisfação de suas necessidades essenciais,

sempre com a cautela de não torná-lo dependente da atuação estatal para a

realização de suas necessidades vitais básicas. A política pública deve, portanto, ser

satisfativa mas também emancipadora, contribuindo-se na efetivação da cidadania

plena.

A grande questão é como se faz possível a equação de tais medidas e a

implementação de políticas públicas viáveis, em especial políticas tributárias que

atuem na implementação dos direitos sociais. A atividade administrativa, como se

sabe, nada mais é do que uma atividade de gestão, que leva em conta os recursos

disponíveis e as necessidades apresentadas. E, em uma realidade como a

brasileira, o que se percebe são inúmeras demandas sociais que não recebem a

devida satisfação.

Nesse sentido, considerando o contexto da América Latina, a situação não é

nada favorável. O que se tem é a percepção cada vez maior de indivíduos que

podem ser considerados excluídos. Nas palavras de Klibsberg (2000, p. 99-100):

Os processos de polarização social em curso estão substituindo o perfil de sociedades duais que, com freqüência, serviu para descrever as latino-americanas, como áreas de modernidade e de atraso, por outro diferente. As sociedades passam a estar integradas por dois grupos básicos: os incluídos e os excluídos. Os processos de exclusão vão além das divisões traçadas pelas dualidades. Produzem profundas segregações. Um percentual significativo da população não tem acesso a trabalhos produtivos, a uma educação de qualidade, à cultura, ao mercado. Vão se criando nas grandes cidades áreas fechadas para excluídos e incluídos, com limitadas comunicações entre si. Multiplicam-se nos excluídos destinos inelutáveis de pobreza, que se reproduzem de geração em geração. Debilita-se a unidade familiar, base de uma vida humana plena. Os excluídos sentem tremer suas bases estratégicas de vida e sua possibilidade de se integrar.

Esta realidade ratifica a afirmação de que a atuação do Estado é imprescindível

no atual momento. Os rumos das políticas públicas determinarão se tais

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desigualdades irão minimizar ou, ao contrário, enraizar-se ainda mais. O grande

desafio, portanto, é tornar o Estado eficiente.

Exatamente tendo-se em vista as crescentes deficiências do poder estatal que

as discussões que envolvem sua atuação têm merecido destaque no cenário

político-jurídico. Isso porque, de um lado, tem-se que sua atuação encontra-se

restrita aos recursos financeiros disponíveis, que não se mostram suficientes tendo

em vista a grande demanda social. De outro lado, há que se ponderar que o mesmo

não pode ficar inerte perante os acontecimentos sociais, sendo sua atribuição fazer

com que sejam alcançadas à população carente políticas públicas de inclusão social

eficientes.

O problema, portanto, não é nada singelo: é necessário que se equacione a

função do Estado perante as necessidades sociais e se viabilize maneiras de

implementar políticas públicas de inclusão social eficientes.

Com efeito, o Estado atua como regulador das necessidades públicas e sujeito

ativo na satisfação das necessidades sociais, sendo que ao exercer suas tarefas

gerencias e satisfativas, deverá atentar à liberdade dos cidadãos. O que se tem, em

outras palavras, é a instituição de um pacto social no qual o indivíduo mantém sua

prerrogativa de liberdade, sujeitando-se à atuação do Estado naquilo que é

eminentemente público.

Nesse sentido, a única forma legítima pela qual a liberdade pode ser

sustentada e efetivada se dá com a conferência do poder aos cidadãos, sempre em

atendimento à ordem constitucional, a qual é considerada norma fundamental

informativa das possibilidades/necessidades de ordenação social (LEAL, s.d). É por

esta razão que se tem a máxima de que o indivíduo somente pode ser compelido à

determinada atitude por força de lei.

Ao Estado, portanto, cumpre a tarefa de agir como gestor dos interesses

públicos sem atuar em detrimento às garantias constitucionais, evitando-se

qualquer arbitrariedade.

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No entanto, como já dito, a realidade visualizada é que as crescentes

demandas sociais existentes fazem com que o Estado enfrente problemas cada vez

maiores de gestão, sendo que as receitas arrecadadas não se mostram suficientes

para a satisfação de todas as necessidades públicas. Assim sendo, o Poder

Executivo, especialmente, tem enfrentado inúmeras dificuldades para equacionar o

binômio possibilidade financeira e demandas sociais, o que faz com que a arte de

bem gerir se torne cada vez mais relevante enquanto governo.

Em conseqüência das dificuldades enfrentadas, é preciso que se discuta

questões como a reforma do Estado, de modo a “enxugar” as atividades por ele

atualmente exercidas mas que não se mostram essenciais, transpondo-se tais

atividades para o setor privado. De outro lado, tendo em vista a necessidade de

atenção a ditames eminentementes públicos, o Estado volta a chamar para si a

tarefa de regulação e satisfação de questões anteriormente repassadas ao

mercado, atentando-se a patamares mínimos de dignidade aos cidadãos

envolvidos.

Com isso, o que se visualiza é a tentativa de reestruturação estatal, com a

especificação das funções que devem ser exercidas e garantidas pela

Administração Pública, submetendo-se às leis de mercado as restantes.

Boaventura de Souza Santos (1995), ao discorrer sobre a reforma do Estado e

os pilares sobre os quais essa reforma se assenta, afirma que a fase do Estado

irreformável se relaciona com a concepção de que ele é ineficaz, parasitário e

predador, e por tal razão a sua única reforma possível e legítima seria reduzi-lo ao

mínimo necessário ao funcionamento de mercado. Parte-se, assim, da idéia

neoliberalista, com a análise da força e dos interesses do capitalismo.

Esta primeira fase da reforma do Estado, a fase do Estado mínimo, atingiu o seu clímax com as convulsões políticas nos países comunistas da Europa Central e do Leste, mas foi aí também que os limites da sua lógica reformadora se começaram a manifestar. A emergência das máfias, a corrupção política generalizada e o colapso de alguns estados do chamado Terceiro Mundo vieram mostrar os dilemas do consenso do Estado fraco. É que, como a reforma do Estado tem de ser levada a cabo por ele próprio, só um Estado forte pode produzir eficazmente sua fraqueza. Por outro lado, como toda a desresgulamentação, o Estado, paradoxalmente, tem de intervir para deixar de intervir. Em face disto, passou a ser claro que o capitalismo

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global não pode dispensar a existência de estados fortes, ainda que a força estatal tenha de ser de um tipo muito diferente daquele que vigorou no período do reformismo e se traduziu no Estado-Providência no Estado de desenvolvimentista (SANTOS, 1995, p. 249).

Pelo que se vê, a realidade social de corrupção, por exemplo, levou ao

entendimento de que os objetivos de reforma não seriam alcançados com a simples

e pura redução do âmbito de atuação do Estado. Surgiu, assim, a idéia de Estado

reformável, que se mostra política e socialmente mais complexa que a anterior.

O Estado reformável assenta-se em dois pilares fundamentais: a reforma do

sistema jurídico e o papel do chamado terceiro setor na reforma do Estado

(SANTOS, 1995). Especialmente sobre o terceiro setor, sua atuação será analisada

no item 2.1, ao se tratar da idéia de público não-estatal, limitando-se, neste ponto, a

trazer-se a colocação de que este

[...] é uma designação residual e vaga com que se pretende dar conta de um vastíssimo conjunto de organizações sociais que não são nem estatais nem mercantis, ou seja, organizações sociais que, por um lado, sendo privadas, não visam fins lucrativos, e, por outro lado, sendo animadas por objetivos sociais, públicos ou coletivos, não são estatais [...] (SANTOS, 1995, p. 250-251).

As entidades do terceiro setor são, pois, privadas e atuam em atenção ao

interesse público sobressaletente, sendo que o terceiro setor emerge tanto em

países periféricos como em semi-periféricos, sob a forma de organizações não-

governamentais nacionais ou transnacionais. Sua atuação se dá em consenso com

a idéia de reforma do Estado, com o resgate da atenção pública para questões que

são consideradas essenciais tanto para a dignidade dos indivíduos como para a

realização das funções tecno-burocráticas do Estado. Em outras palavras, pode-se

dizer que o terceiro setor tem assumido papel fundamental na atual concepção de

Estado, ainda que, em tese, não se considere que o princípio do Estado esteja em

uma crise generalizada, mas sim que o que está em crise no Estado é o seu papel

na promoção de intermediações não-mercantis entre cidadãos (política fiscal e

políticas sociais). O grande mérito do terceiro setor foi o de conseguir manter a

tensão entre a eficiência e a eqüidade na agenda política, gerando essa tensão e

gerando compromissos (SANTOS, 1995).

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Assim, a reforma do Estado traz consigo o anseio imediato de que os

organismos funcionem melhor e/ou custem menos (KETTL, 1998), ligando-se à idéia

de satisfação dos interesses públicos com o dispêndio da menor quantia de verbas

públicas que se faça possível. Com isso, passa-se a falar em eficiência na

Administração Pública e no serviço público, princípio este que, vale ressaltar,

encontra-se transcrito no artigo 37 da Constituição Federal Brasileira.

Com efeito, a fim de garantir a eficiência dos serviços públicos, a Administração

Pública passa a implementar conceitos que até então somente eram compreendidos

na ótica de entidades privadas, primando-se por questões como a avaliação do

desempenho das funções públicas. Kettl (1998, p. 91) afirma que as avaliações

desempenhadas:

[...] precisam ocorrer em dois planos diferentes: no da produção, para poder modelar o comportamento dos administradores e gestores; e no dos resultados, para que possam ser elaboradas políticas consistentes. Esses dois planos , é claro, são inter-relacionados. A avaliação dos resultados pode ajudar os administradores a aprimorar suas estratégias; e a avaliação de produção pode oferecer a chave para a explicação de problemas que surjam nos resultados. Entretanto, seja qual for o sistema de administração, se estiver baseado no desempenho, terá de começar entendendo claramente que avaliações de resultado e avaliações de desempenho oferecem respostas diferentes para problemas diferentes; que envolvem de modos diferentes o administrador; e que estimulam de forma diferente o comportamento.

No que se refere às dificuldades enfrentadas pelo Poder Executivo na gerência

dos gastos públicos, importante ressaltar que se presencia um expressivo número

de processos judiciais, o que denota a incapacidade pública na satisfação dos

interesses sociais. Essa incapacidade se dá tanto tem decorrência da insuficiência

de recursos financeiros como devido a problemas estruturais.

Ciente do embate, o Estado tem desenvolvido mecanismos operacionais que

objetivam uma melhoria na gestão pública, lançando mão, em especial, de

instrumentos que visam a descentralização. Com efeito, o que se busca com a idéia

de Administração Pública gerencial é a efetiva satisfação por parte do Estado de

funções que o mercado não consegue regular. Surge, desse modo, a idéia de

Estado Gestor (PEREIRA, 1988).

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Pereira (1998, p. 36), ao tratar sobre os rumos do Estado gestor, assim afirma:

O objetivo é construir um Estado que responda às necessidades de seus cidadãos; um Estado democrático, no qual seja possível aos políticos fiscalizar o desempenho dos burocratas e estes sejam obrigados por lei a lhes prestar contas e onde os eleitores possam fiscalizar o desempenho dos políticos e estes também sejam obrigados por lei a lhes prestar contas. Para tanto, são essenciais uma reforma política que dê maior legitimidade ao governo, o ajuste fiscal, a privatização, a desregulamentação – que reduz o “tamanho” do Estado – e uma reforma administrativa que crie os meios de se obter uma boa governança.

A indagação que resta diz respeito aos efeitos da reforma sobre a dimensão do

Estado, o que não significa tratar-se exatamente de seu “tamanho”. Trata-se, isso

sim, de analisar a capacidade do mesmo cumprir suas funções institucionais. Em

essência, a tarefa básica do Estado é a de assegurar a satisfação do interesse

público, objetivando-se a participação da sociedade civil.

Como se percebe, as idéias lançadas para que se visualize uma Administração

Pública Gerencial, ainda não foram alcançadas. O que se tem é, isso sim, é uma

discussão teórica a respeito, sem que a grande maioria das medidas tenham sido

realmente implementadas.

As medidas estatais lançadas não têm se mostrado suficientes a garantir o

êxito das atividades técnico-burocráticas do Estado, tendo tampouco assegurado um

plano de visibilidade imediata dos seus comportamentos oficiosos. Compreende-se,

assim, que a prática rotineira de elaboração de normas cogentes a orientar a

atividade administrativa não são, muitas vezes, suficientes para garantir a

efetividade e a publicidade dos atos do Estado (LEAL, INÉDITO).

Nesse sentido, o que se tem é que a produção legislativa surte pouquíssimos

efeitos quando não se tem uma cultura de efetiva aplicação, ou mesmo quando não

existentes recursos financeiros suficientes à sua aplicação. Tal lógica vale tanto para

as questões burocráticas quanto para as políticas públicas que se pretende

implementar, sendo que a ausência de políticas de efetivação de direitos sociais

pode se dar tanto pela ausência de vontade política como pela simples insuficiência

financeira.

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Não se pode negar que as dificuldades na gestão dos interesses públicos se

apresentam também por decorrência da insuficiência das receitas públicas se

comparadas com as necessidades sociais existentes. Paradoxalmente, o principal

problema enfrentado é a insuficiência de políticas públicas sérias que atuem na

origem dos problemas, enquanto que boa parte das verbas públicas é empregada

em ações assistencialistas e não emancipatórias.

Cria-se, assim, uma rede de dependência ao Estado, o que evidencia um sério

problema de gestão. Isso porque ao contrário de se minimizar as demandas sociais

com sua satisfação gradual, acaba-se, em última análise, por maximizá-las.

De qualquer modo, é preciso que se lembre que função do Executivo enquanto

gestor de gatos públicos é, entre outros aspectos, a de bem administrar, de modo

que suas atitudes estejam em conformidade com as verbas arrecadadas. Melo

(2000, p. 80), ao tratar da discricionariedade conferida ao Administrador Público,

afirma competir a ele a função de efetivar suas escolhas de modo a alcançar o

máximo de satisfação pública possível:

Certamente cabe advertir que, embora a discricionariedade exista para que o administrador adote providência ótima para o caso , inúmeras vezes, se não na maioria delas, nem ele nem terceiro poderiam desvendar com certeza inobjetável qual seria essa providência ideal.

Como se percebe de suas palavras, o ato de administrar denota uma escolha

operada pelo Administrador Público, e essa escolha, em tese, deve ser a melhor

possível diante das circunstâncias apresentadas. A dificuldade reside exatamente na

indicação de qual seria a melhor escolha a ser realizada.

Assim, a função de gerir os gastos públicos se mostra bastante árdua, tendo

em vista a latente dificuldade de se apontar qual a medida que se mostra mais

urgente e necessária dentro das possibilidades financeiras apresentadas. É

exatamente neste sentido que, por exemplo, passa-se a primar pela participação

popular no processo de tomada de decisões e mesmo na fiscalização dos gatos

públicos, tendo-se esta como uma medida relevante na consecução de políticas

públicas eficientes.

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A participação da sociedade civil no processo de tomada de decisões e mesmo

na implementação de políticas públicas mostra-se, pois, um indicador significativo do

capital social. No presente trabalho, tem-se a preocupação de tratar da atuação de

entidades privadas na consecução de políticas que atendam aos direitos sociais,

analisando-se, em contrapartida, a imunidade tributária que lhes é oferecida. E não

se faz possível analisar tal tema sem que se compreenda a atuação esperada do

Estado e a importância da sociedade civil. O foco da questão aqui tratada reside

exatamente na atuação da sociedade civil enquanto viabilizadora de objetivos

públicos e o tratamento tributário que o Estado, em contrapartida, lhe oferece.

É nesse sentido que se faz necessária a compreensão da atuação Estatal de

uma forma eficiente sendo que Kliksberg (1998, p. 40-41), ao traçar as linhas

mestres sobre o papel estatal nos países em desenvolvimento, esclarece que:

O tema central não pode ser o tamanho em abstrato, mas qual é a função que deveria cumprir o Estado no processo histórico e como dotá-lo da capacidade de gestão necessária para levá-lo a cabo com eficiência. [...] Coloca-se, então, a necessidade de se reconstruir o Estado, tendo como horizonte desejável a conformação do que se poderia chamar um “Estado inteligente”. Um Estado concentrado em funções estratégicas para a sociedade e com um desenho institucional e um desenvolvimento de capacidades gerenciais que lhe permitam concretizá-las com alta eficiência. Um dos papéis-chave do “Estado inteligente” encontra-se nas numerosas evidências no campo do desenvolvimento social.

A busca pela perfectibilização de um “Estado Inteligente” passa pelo

reconhecimento de suas próprias limitações, devendo o Estado atuar tendo em vista

as possibilidades a ele oferecidas para que possa tornar seus serviços eficientes.

Assim, se há uma limitação de ordem financeira, e se os níveis de capital social

são medidos também pela participação da comunidade no processo de tomada de

decisões e na resolução dos problemas, é possível que o Estado incremente sua

atuação como fomentador de políticas públicas, não sendo necessário que ele

mesmo as implemente. Em outras palavras, o que se está a dizer é que o Estado

pode atuar como intermediador destas políticas de inclusão social, reconhecendo e

estimulando a atuação do chamado terceiro setor.

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No âmbito social, por conseqüência, o Estado necessita do auxílio da própria

comunidade para que os desafios de desenvolvimento sustentável sejam

alcançados, em especial quando se tem em mente que a área social necessita da

criação de meta-redes entre os atores sociais. É exatamente nesse sentido a

colocação de Kliksberg (1998, p. 47-48) quanto ao novo papel do Estado:

[...] parte fundamental do novo papel é o de agregar aliados no esforço de enfrentar os problemas sociais. O Estado deve gerar iniciativas que promovam a participação ativa neste esforço dos atores sociais básicos, empresa privada, sindicatos, universidades e da sociedade civil em todas as suas expressões. Um Estado inteligente na área social não é um Estado mínimo nem ausente, nem de ações pontuais de base assistencial, mas um Estado com uma “política de Estado”, não de partidos, e sim de educação, saúde, nutrição, cultura, orientado para superar as graves iniqüidades, capaz de impulsionar a harmonia entre o econômico e o social, promotor da sociedade civil, com um papel sinergizante permanente.”

Percebe-se, pois, que o “Estado inteligente” é aquele que é capaz de agregar

atores sociais, incentivando a promoção pela sociedade civil de políticas eficientes,

que satisfaçam as necessidades públicas. O incentivo à sociedade civil pode ser

garantido através da imunidade tributária, permitindo-se que o particular realize

diretamente uma política pública, obedecidos os critérios legais.

É neste contexto que o Estado tem de agir de forma inteligente na satisfação

dos interesses públicos, promovendo a consecução dos direitos sociais em

harmonia com os mecanismos que a própria Constituição Federal alcança21. A

imunidade tributária pode ser encarada como uma ferramenta à disposição do

Estado para que este fomente a atuação da sociedade civil, na medida em que

possibilita a desoneração tributária daquelas instituições que atuam em

suplementação à atividade estatal.

No entanto, para que se possa analisar com pormenores esta problemática, é

necessário, primeiramente, que se compreenda a sistemática de atuação do Direito 21 Quanto à atual situação de descaso com os direitos sociais, Rodrigues (2003, p. 06). refere que “Parece claro que o crescimento econômico de alguns não significa desenvolvimento da coletividade, o que pode gerar o descontentamento manifesto de segmentos sociais de um determinado povo, o que não impede a impregnação do mundo com a ideologia neoliberal, a qual encontra importante aliado na tecnologia, o que fomenta o desemprego estrutural. Assim, vislumbra-se uma fragmentação de direitos sociais, caminhando-se, quem sabe, para o fim das relações de trabalho como hoje se conhece, transmutando-os para simples contratos de prestação de serviços regidos pelo Direito Civil”.

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Tributário no ordenamento brasileiro, através da análise de seu histórico

constitucional e, antes disto, dos fundamentos jurídicos que permitem a imposição

de tributos, o que passa a ser objeto de discussão no ponto seguinte.

1.3 Imposição de tributos e seu histórico constituciona l brasileiro

A sobrevivência da idéia de Estado só se faz possível tendo em vista seu

poder impositivo, sendo que a arrecadação de tributos permite a realização das

atividades gerenciais e a satisfação dos direitos expressos em ordem constitucional.

A imposição de tributos aperfeiçoa-se, assim, tendo em vista a prerrogativa do

Estado alcançar aos cidadãos o mínimo necessário à sua existência enquanto

sociedade, oferecendo serviços como saúde, educação e assistência.

O fundamento para a imposição de tributos reside exatamente na perspectiva

de que a vida em sociedade ocasiona o surgimento de determinadas necessidades

públicas, que somente são satisfeitas com o emprego de recursos públicos. Assim, o

custeio das atividades públicas é patrocinado pelos contribuintes, sendo que ao

Estado é conferida a competência indelegável para instituir tributos.

É nesse sentido que a estrutura do ordenamento jurídico pauta-se na

instituição de direitos e deveres fundamentais, os quais devidamente cumpridos

asseguram o bom convívio social. Percebe-se, pois, que embora a discussão

freqüente gire em torno dos direitos constitucionalmente garantidos, o Estado possui

a prerrogativa de, no exercício de sua soberania, primar também pelo cumprimento

dos deveres fundamentais dos cidadãos22, dentre os quais está incluso o dever de

pagar tributos. É este dever de pagamento de tributos que faz com seja possível

falar-se em coisa pública e na própria satisfação de interesses sociais.

22 No que se refere aos deveres fundamentais, Nabais (1998, p. 59) afirma que “os deveres fundamentais, para além de constituírem o pressuposto geral da existência e funcionamento do estado e do conseqüente reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais no seu conjunto, se apresentam, singularmente considerados, como específicos pressupostos de proteção da vida, da liberdade e da propriedade dos indivíduos”.

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No entanto, este indispensável poder de tributar do Estado não é absoluto,

encontrando limitações no próprio ordenamento. O sistema constitucional tributário

preocupa-se em limitar este poder impositivo na medida em que assegura aos

contribuintes determinadas garantias, como é o caso da norma de legalidade

tributária23, expressa no inciso I do artigo 150 da Constituição Federal, a qual afirma

ser vedado exigir ou aumentar tributo sem lei anterior que o estabeleça24. Em igual

sentido, pode-se mencionar normas da anterioridade e da noventena, as quais

indicam, respeitadas as exceções legais, que a instituição ou aumento deve se dar

no exercício financeiro anterior e respeitado o período mínimo de noventa dias25.

Tais normas específicas possuem o objetivo de afastar-se arbitrariedades,

conferindo-se aos contribuintes uma certa previsão quanto aos encargos a serem

suportados. Tratam-se de normativos rígidos e cuja inobservância importa em

inconstitucionalidade da exigência tributária.

23 O princípio da legalidade23 tributária afirma que as pessoas políticas de direito público interno somente podem colocar a obrigatoriedade dos contribuintes de pagar tributos ainda não instituídos ou aumentar o valor relativo aos que já constam no ordenamento através de lei. A lei a que se refere a Constituição Federal neste ponto é a ordinária, equiparando-se a tais as Medidas Provisórias, que possuem força de lei e as leis delegadas. Não se pode ter, no entanto, o aumento ou a instituição de tributo por qualquer outra forma infralegal, como, por exemplo, por resoluções ou portarias. No entanto, existem exceções a este princípio, como se pode apontar do exposto no artigo 153, § 1o da Carta Maior, que faculta ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V do mesmo dispositivo legal. Tratam-se dos impostos sobre a importação, sobre a exportação, sobre produtos industrializados, e sobre as operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativos a títulos ou valores mobiliários. 24 A doutrinadora Germana de Oliveira Moraes (1999) coloca de maneira bastante precisa que no que se refere à atuação da Administração Pública, o princípio da legalidade encontra-se superado pelo princípio da juridicidade , exatamente pela necessidade de se observar também os princípios jurídicos e não apenas a lei para poder considerar-se como juridicamente válido o agir estatal. Nesse sentido, ainda que em âmbito diferenciado, é possível se afirmar sem qualquer receio que o hoje é entendido como princípio da legalidade tributária deverá ter seu entendimento alargado para que se possa ver compreendido os princípios jurídicos e não apenas a lei para que não haja afronta à ordem constitucional na elaboração do tributo. Ou seja, se é fato incontroverso que o Poder Público não poderá dar exigibilidade a um tributo que não tenha sido instituído através de lei, também é verdade que o legislador deverá atentar minunciosamente aos princípios jurídicos para a elaboração dessa lei. Por conseguinte, mesmo que algum tributo tenha sido instituído ou majorado em conformidade com o que dispõe o inciso I do artigo 150 da Carta Magna, se a elencação do fato gerador ou a majoração da alíquota tenha afrontado algum dos princípios jurídicos informadores da ordem constitucional-tributária, tal tributo não poderá ser considerado juridicamente válido. 25 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] III – cobrar tributos: [...] b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumento; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;”

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Ao lado de tais especificações, residem normativas constitucionais que traçam

as diretrizes para a atividade legiferante, preocupando-se em expressar objetivos a

serem realizados na legislação tributária. É Importante que se compreenda, pois,

que não apenas de requisitos estanques e objetivos é constituída a ordem

fundamental tributária, mas também de diretrizes e de limitações que se relacionam

com o próprio objetivo da existência de um sistema constitucional tributário.

Assim, na ordem tributária, ao lado de requisitos formais para a instituição ou

majoração de um tributo, como é o caso da legalidade tributária, observam-se

também normas abstratas e genéricas, cuja existência e positividade não podem ser

ignoradas. O mais comum exemplo é a questão da capacidade contributiva26, mas

este não é o único ponto a ser indicado.

É neste aspecto que se mostra relevante a compreensão dos motivos que

autorizam a instituição de tributos para, por via de conseqüência, depreender-se as

razões constitucionais que fazem com que se deixe de conferir ao Estado a sua

competência tributária, em especial tendo em vista a atuação da sociedade civil.

Com efeito, compreender-se os motivos que autorizam a instituição de tributos

permite que se compreenda, em última análise, as situações que levam o legislador

constituinte a delimitar a competência tributária, traçando-se os contornos de um

sistema constitucional tributário que tem a pretensão de ser eficiente.

Frise-se que o pagamento de tributos não pode ser relacionado com a idéia de

imposição indiscriminada de poder do Estado27, servindo isso sim como fonte para

que a contraprestação seja conferida aos cidadãos através da realização de políticas

públicas que atuem no incremento de direitos constitucionais. O cumprimento do

26 “Art. 145. [...] § 2º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultando à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”. 27 “[...] o imposto não pode ser encarado, nem como um mero poder para o estado, nem simplesmente como um mero sacrifício para os cidadãos, mas antes como um contributo indispensável a uma vida em comum e próspera de todos os membros da comunidade organizada em estado [...]” (NABAIS, 1998, p. 185).

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dever fundamental de pagar tributos é o que possibilita a própria vida em sociedade,

visto que

[...] os deveres fundamentais, para além de constituírem o pressuposto geral da existência e funcionamento do estado e do conseqüente reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais no seu conjunto, se apresentam, singularmente considerados, como específicos pressupostos da proteção da vida, da liberdade e da propriedade dos indivíduos. Prova disso temo-la, por exemplo, no dever que é objecto do presente estudo: efectivamente, o dever de pagar impostos é um pressuposto necessário da garantia do direito de propriedade, na medida em que esta é de todo incompatível com um estado proprietário e implica inevitavelmente um estado fiscal (NABAIS, 1998, p. 59-60).

Desse modo, partindo-se da perspectiva que o sustento da atividade estatal se

dá mediante a arrecadação de tributos, tem-se que o Estado moderno é marcado

pela característica de Estado fiscal, significando “uma separação fundamental entre

estado e economia e a conseqüente sustentação financeira daquele através da sua

participação nas receitas da economia produtiva pela via do imposto” (NABAIS,

1988, p. 196).

É neste aspecto que se tem que um dos fatores a indicar o desenvolvimento

de uma nação é o que ela arrecada com a tributação e como ela designa isso ao

bem da relação do indivíduo com a sociedade e o governo. O tributo e sua

legislação de arrecadação demonstram a capacidade econômica do país de

transferir as suas riquezas, dos cofres públicos, para as necessidades de sua

população.

No entanto, enquanto na atualidade a relação tributária não pode ser

considerada uma relação de poder, nos primórdios das sociedades a carga tributária

cobrada dos povos vencidos na guerra era elevadíssima. Assim, os povos

derrotados se subordinavam às leis impostas à nação vitoriosa, sendo que o objetivo

principal era de evitar novos confrontos. Já na Idade Média, como afirma Balthazar

(2005, p. 17), “[...] os tributos não eram pagos a um Estado, mas sim a uma pessoa,

o senhor feudal, perdendo, desta maneira, o caráter fiscal [...]”. E esta realidade

permaneceu até o surgimento dos Estados Nacionais.

É com o aparecimento dos Estados Nacionais que começamos a ter uma noção de tributos mais aproximada da atualidade. O rei, porém, não

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separava suas riquezas das do operário público. Os tributos eram cobrados de acordo com os interesses do governante e não do Estado. A idéia de tributo e, sobretudo, de imposto consolidou-se após a Revolução Francesa, com a conseqüente distinção entre patrimônio do governante e o erário público, surgindo daí a noção do Orçamento Público (BALTHAZAR, 2005, p. 17).

O histórico do tributo pelo mundo mostra que, na antigüidade, a implantação da

política de arrecadação era exercida por um governo de uma maneira ineficaz e

desorganizada, tendo, em muitos casos, a apelação da força bruta para que tal regra

tomasse forma. Os tributos eram originários, em grande parte das vezes, da vontade

de um governante, o qual utilizava sua força e influência. No entanto, não havia uma

eficiência na arrecadação destes tributos ou tampouco a efetiva contraprestação do

Estado com a implementação de políticas públicas preocupadas com o bem-estar

social, sendo que cobrança de valores elevados acabava por colocar a camada mais

pobre da população em situação de nítida desvantagem. (BALTHAZAR, 2005).

Com o passar dos tempos, a tributação foi ganhando um expressivo destaque

para o desenvolvimento das nações, este entendido como expansão territorial e de

poder. Tal se deu, especialmente, tendo em vista as vitórias dos exércitos e o

crescimento dos territórios. (AMARAL, 2002).

Assim, embora a tributação tratava-se de algo relevante para o crescimento

das nações, a falta de preocupação com uma diretriz justa para o método

arrecadatório se fez presente por longos tempos na história mundial. Isso acabou

por gerar uma grande aversão à tributação, incrementando-se o descrédito na

própria atuação estatal.

Paradoxalmente, foi a própria organização da vida em sociedade e o

incremento da estrutura estatal que passou a demonstrar a necessidade da

prestação de políticas públicas em um grau mais acentuado. É o que ressalta

Amaral (2002, p. 14):

O Estado, seus governos e respectivas estruturas cresceram em tamanho e importância. Conforme os governos foram se estabelecendo e as sociedades se organizando, maiores foram as suas exigências com relação à manutenção de suas benesses e na extensão de políticas sociais a camadas mais amplas da população.

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Internamente, como medida adotada para uma evolução tributária, passou-se

de prestação de trabalho (tributum in labore) para as prestações em espécie

(tributum in natura) e em seguida, para a prestação em dinheiro (tributum in

pecúnia)28, prestações essas que acabaram sendo definidas em lei. (BALTHAZAR,

2005).

No Brasil, com a imposição de uma diretriz tributária portuguesa, houve a

condução para uma estrutura baseada em modelo liberal. Tal modelo se estendeu

desde o seu descobrimento, com o início da colonização e, também, no decorrer do

período colonial, mesclando-se com princípios religiosos que também influenciaram

para a criação de um sistema tributário no Brasil, ainda que de contornos frágeis.

Com o lucro obtido da extratividade do pau-brasil, começou a ser cobrado, no país, o

primeiro tributo que se tem conhecimento: o quinto do pau-brasil. (BALTHAZAR,

2005).

Efetivamente,

[...] o Brasil Colônia foi marcado por um período de intensa exploração portuguesa. Portugal não tinha nenhuma preocupação e interesse pelo desenvolvimento de nossa terra. A ausência de um comércio forte, conseqüência de uma escassa população, não exigia um direito positivo fiscal e tributário próprio (BALTHAZAR, 2005, p. 35).

Com a instituição das Companhias Hereditárias e a produção da cana-de-

açúcar, novos tributos começaram a surgir e serem cobrados, como os relativos às

mercadorias exportadas e importadas, sobre a produção das colheitas, metais,

especiarias, entre outros. (BALTHAZAR, 2005).

Não havendo uma organização fiscal eficiente e existindo assim, um real

distanciamento entre a colônia e a metrópole, instaurou-se uma forte sonegação

fiscal29, fazendo com que o propósito inicial do sistema das Capitanias Hereditárias

28 Balthazar (2005, p. 20) ressalta ainda: “Nota-se que ainda temos no direito brasileiro, imposições sob a forma de trabalho (serviço militar, eleitoral, tribunal de júri), mas que não mais se confundem com o moderno conceito de tributo”. 29 Balthazar (2005, p. 40-41) explana: “Os ‘contribuintes’ passaram a desenvolver diversas maneiras de driblar o fisco, aliando-se aos ‘interesses’ dos funcionários da Coroa, que implantaram um sistema fortemente marcado pela corrupção. Em menos de vinte anos, ficou patente que o sistema de Capitanias Hereditárias não funcionou no Brasil. No contexto geral, um fracasso [...]”.

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não alcançasse seus objetivos no Brasil. Com a vinda da família Real para o Brasil,

modificações importantes diante a tributação foram impostas gerando novos tributos

sobre a importação, sobre selos e também para a criação de um fundo para a

criação do Banco do Brasil. E, como não poderia deixar de ser, a instalação da

família Real portuguesa no Brasil também importou na incrementação de vícios

comuns à cultura portuguesa em relação à sua política fiscal. Assim, buscando uma

maior efetividade e regulamentação da política econômica instaurada desde então,

em 28 de janeiro de 1808, o príncipe D. João VI promulga a Carta Regia. Este

documento possibilita o livre comércio de qualquer produto, o nascimento da

Imprensa Nacional, a criação do Banco do Brasil, entre outros. (BALTHAZAR, 2005).

A partir do fim do século XVIII até as primeiras décadas do século XIX, intensificou-se a insatisfação popular com o sistema fiscal implantando no Brasil, especialmente no que concerne à questão tributária, eclodindo revoltas por todo o país, tais como a Inconfidência Mineira e Conjuração Baiana, duramente reprimidas pelo governo português. As revoltas continuaram a acontecer no período do governo de D. João VI; tal processo culminou com a Proclamação da Independência, em 1822 (BALTHAZAR, 2005, p. 77).

Com a proclamação da independência, a época imperial no Brasil foi vitimada

por dois reinados. O primeiro reinado, tendo como imperador Dom Pedro I, inicia-se

com uma forte crise política e econômica, sendo que com a tentativa de amenizar os

problemas, cria-se a Constituição Imperial, a qual não resolveu as dificuldades

oriundas da tributação já existentes. Já o segundo reinado, assumindo por Dom

Pedro II, foi conhecido por uma economia agroexportadora. O sistema tributário

nesse período é mais bem organizado, mas a sistemática ainda tinha vícios, o que

acabava acarretando um prejuízo na arrecadação tributária. (BALTHAZAR, 2005).30

No entanto, não se pode negar que o segundo reinado teve momentos

históricos importantes que alavancaram um aprofundamento na política tributária.

Nesse sentido, pode-se mencionar a Guerra do Paraguai, que acarretou uma

majoração na alíquota de vários impostos e o término de outros, e Abolição da

Escravatura em 1888, que acabou por gerar um profundo impacto no regime político

30 Balthazar (2005, p. 93) mostra que a fase durante o segundo império continuou registrando “[...] muitas falhas e constantes déficits orçamentários [...]”.

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adotado até então, dando início à implantação dos ideais republicanos.

(BALTHAZAR, 2005).

Com a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, um novo

período se inicia no Brasil, passando as províncias a ocupar o status de Estados

federativos, com autonomia política e administrativa.

No campo tributário, a Carta firmou a competência da União e dos Estados, por meio de um sistema de discriminação rígida de rendas tributárias. Contudo, se, por um lado muitos impostos foram aproveitados do Império, por outro, dois problemas sérios foram criados, sem que os constituintes, à época, percebessem suas repercussões futuras: a superposição de tributos, provocando uma concorrência tributária entre União e Estados, e o alijamento dos Municípios da discriminação de rendas tributárias. Os tributos destes ficavam a critério do Estado (BALTHAZAR, 2005, p. 106).

Caracterizada pela política do “café-com-leite”, na qual o sistema de governo

se entrelaçava entre São Paulo e Minas Gerais, a República Velha, também foi

marcada por uma determinação divisória de impostos. Em âmbito federal, tinha-se a

taxa de selos e impostos sobre importação estrangeira; em âmbito estadual,

observavam-se impostos sobre imóveis rurais e urbanos, e transmissão de

propriedade; já na esfera municipal, os decorrentes da renda de estabelecimentos

comerciais e de multas cobradas por infração municipal. Essa época também ficou

marcada com a criação do Imposto sobre a Renda em 1921 que incidia sobre o

capital como juros, lucro líquido das sociedades, lucro de fábricas, entre outros.

(BALTHAZAR, 2005).

A par das Constituições de 34 e 37, foi a Constituição de 1946 inovou e passou

a relatar, com mais clareza, a política tributária, e conseqüentemente a competência

para a instituição de tributos pela União, Estados e Municípios. Com o golpe de

1964, a preocupação com a economia do país ficou evidente. Tendo por base o

anteprojeto de Lei do Código Tributário Nacional, encaminha-se uma reforma

tributária (1965), com o propósito de estancar lacunas, contribuir para o crescimento

e evitar as desigualdades econômicas regionais latentes que existiam na época. É

neste sentido a Emenda Constititucional nº 18/65. (BALTHAZAR, 2005).

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Em 25 de outubro de 1966 tem-se a criação da Lei n. 5.172, denominada de

Código Tributário Nacional, a qual vem com o objetivo de favorecer para um

equilíbrio financeiro no País. Trouxe com mais transparência os contextos das

espécies tributárias, atribuindo assim, a importância dos tributos para o

desenvolvimento crescente da política econômica.

Com as reestruturações jurídicas, promulgando-se a Constituição Federal de

1967, a Emenda Constitucional n. 01, de 1969, e mesmo a Constituição Federal de

1988, evidenciam-se sucessivas alterações no Código Tributário Nacional,

especialmente tendo em vista as necessidades pertinentes às épocas. Neste

contexto, pode-se afirmar que a Constituição Federal de 1988 representa um divisor

de águas no que se refere ao Direito Tributário Brasileiro, tendo por objetivo a

instituição de um sistema tributário eficiente, estabelecendo-se normas a serem

atendidas para a criação de tributos e alargando-se o rol de garantias asseguradas

aos contribuintes.

A Constituição Federal de 1988 reservou seu Título VI para a tributação e o

orçamento, sendo que o Capítulo I deste Título é voltado exatamente ao sistema

tributário nacional, especificando-se os princípios gerais da ordem tributária, as

limitações ao poder de tributar, os impostos de competência de cada um dos entes

federados e a repartição de receitas tributárias.

Tornou-se, assim, a principal fonte do Direito Tributário no ordenamento

brasileiro, tratando das prerrogativas da fazenda pública e das garantias dos

contribuintes.

Depreende-se que o Direito Tributário possui efetiva dignidade constitucional devido ao significativo, peculiar e minucioso tratamento que lhe conferido pelo constituinte, o que tem o condão de revelar sua considerável importância no ordenamento jurídico, pela circunstancia especial de, por um lado, representar fonte de receita para o Poder Público, e de outro, acarretar ingerência no patrimônio dos particulares. A Constituição contém conceitos e diretrizes e básicas que devem ser rigorosamente obedecidas por todos os seus destinatários , e perseguidas até suas últimas conseqüências, sendo inadmissível ao intérprete e aplicador do Direito tomar como ponto de partida norma infraconstitucional (a lei ou o regulamento), uma vez que esta deve sempre estar fundamentada em norma de escalão superior (como se caracteriza a Constituição) (MELO, 2004, p. 12).

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A colocação da ordem tributária em âmbito constitucional evidencia sua

importância para o desenvolvimento dos objetivos e fundamentos da República

Federativa do Brasil. Em regra, não há como se visualizar a concretização de

qualquer dos fundamentos ou objetivos da República sem a utilização de políticas

tributárias eficientes, observando-se o direito tributário como um instrumento a ser

utilizado na consecução do bem comum. A grande questão, que ultrapassa a

discussão acadêmica, é viabilizar a utilização adequada do direito tributário,

especialmente tendo em vista a alta carga tributária31 e a insuficiência de políticas

públicas que atuem na concretização dos direitos constitucionalmente garantidos.

Amaral (2002, p. 21-22) chega a afirmar que o que se observa exemplifica uma

inversão de valores, privilegiando-se a desonestidade:

Nenhum país cresce sem uma arrecadação tributária confiável e tampouco consegue aplacar graves desequilíbrios sociais, como é o caso brasileiro. Entretanto, também não se modifica uma economia cujos fundamentos estão corroídos por uma sistemática tributária maléfica e obtusa, que pune o honesto e premia o sonegador. Aquele que consegue fugir da tributação seja por meios lícitos (benefícios, por exemplo, da deletéria guerra fiscal entre Estados e também entre Municípios) ou não (pela sonegação pura e simples), impõe uma séria concorrência desleal para a economia formalizada ou incapaz de usufruir das distorções impositivas pátrias.

De qualquer forma, não se pode desconsiderar que a atuação do Estado faz-

se primordial na consecução dos valores tributários, sendo que as distorções

observadas no governos não pode afetar o alcance da importância da matéria

tratada neste trabalho. Com efeito, se atuação governamental desprestigia a

honestidade e premia a utilização de meios como podem ser tidos como incorretos,

a necessidade de discussão do tema e mesmo a fortificação dos conceitos básicos

de direito tributário torna-se ainda mais latente.

A construção de um Estado Democrático de Direito, nos moldes do preâmbulo

da Constituição Federal de 1988, mostra-se possível na medida em que as

instituições jurídicas sejam fortes o suficiente para sustentar os princípios

31 Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, no ano de 2006 a carga tributária atingiu 38,8% do Produto Interno Bruto (INSTITUTO BRASILEIRO DE PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO, 2007).

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fundamentais e os objetivos da República, o que não se mostra diverso em âmbito

tributário.

Ao se analisar o próprio conceito de tributo32 expresso no artigo 3o do Código

Tributário Nacional, tem-se que seu pagamento de tributo não é facultativo, mas sim

obrigatório, devendo ser realizado em pecúnia. Percebe-se, igualmente, que o seu

pagamento não se dá tendo em vista a existência de qualquer ilícito, sendo isto sim

a contribuição paga pelo indivíduo para que as necessidades sociais sejam

satisfeitas. E a satisfação das necessidades sociais é a contraprestação que o

Estado deve alcançar.

Com efeito, o que se está a dizer é que o fundamento para o poder impositivo

do Estado de exercer a tributação reside em prerrogativas constitucionais que

objetivam, em última análise, a realização dos próprios direitos fundamentais33. Isso

porque “a legitimidade do poder tributário se afirma pelo respeito aos direitos da

liberdade e pela atualização dos princípios constitucionais” (TORRES, 2005, p. 37).

É neste sentido que a utilização incorreta dos mecanismos de direito tributário

acaba por importar em uma verdadeira afronta aos direitos fundamentais, tendo em

vista que a permissão para se atingir o direito de propriedade dos indivíduos e sua

própria liberdade se dá, exatamente, em nome da necessidade de preservação de

tais desideratos.34

Assim, e retomando a idéia inicial deste ponto do trabalho, o que se tem é que

o poder de tributar possui limitações não apenas formais, mas também (e

especialmente) limitações que se depreendem da própria estrutura do ordenamento

32 Para Cassone (2002, p. 27), tributo “[...] é certa quantia em dinheiro que os contribuintes (Pessoas físicas ou jurídicas) são obrigadas a pagar ao estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) quando praticam certos fatos geradores previstos pelas leis tributárias. Representa ele o ponto central do direito tributário [...]”. 33 Os direitos de 1a geração ou dimensão são os chamados direitos individuais sendo que os de 2a geração ou dimensão são os sociais. Já os direitos de 3a geração são os direitos dos povos ou da solidariedade, como o direito à paz e a um meio ambiente saudável (DORNELLES, 1993). 34 “Na práxis da atualidade observa-se que o poder de tributar reveste-se da possibilidade de legislar em matéria tributária conforme as competências constitucionalmente conferidas, as quais devem ser obviamente exercidas em consonância com os valores retores do ordenamento jurídico, integrando-se sistematicamente aos princípios constitucionais. Assim, considerando que os valores inafastáveis do ordenamento jurídico são exatamente os direitos fundamentais, deve o poder de tributar com eles se compatibilizar [...]” (TUPIASSU, 2006, p. 101).

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jurídico. Ratificando este entendimento, Tupiassu (2006, p. 105-106) afirma

perceber-se que:

[...] o Poder de Tributar é limitado não apenas por um conteúdo formal, mas também por critérios materiais, substanciais e finalísticos que obrigam sua utilização de acordo com as políticas públicas, devendo estas levar em conta todos os valores constitucionalmente assegurados, principalmente aqueles que se revestem de caráter de direitos fundamentais, cuja eficácia deve ser imediata. A legitimidade da tributação, então deve ser vinculada à consecução dos objetivos do Estado Social, atuando também de forma positiva na promoção da justiça e dos direitos sociais, econômicos, culturais e difusos, sob pena de obrar ao completo arrepio do disposto na Carta Constitucional.

Assim, as receitas arrecadas em tributos possuem o fim precípuo de viabilizar

a consecução do bem comum, sendo este o objetivo da vida em sociedade a ser

alcançado. E as impropriedades da prática tributária adotada por governos não

preocupados com a satisfação dos direitos fundamentais não possui o condão de

aniquilar os fundamentos de direito tributário.

O que se tem, efetivamente, é a necessidade de se analisar os instrumentos

de Direito Tributário que podem ser utilizados para a implementação de políticas

públicas eficientes, viabilizando-se os objetivos constitucionais. É neste sentido que

se fala em Estado fomentador de políticas públicas, incrementando-se a atuação da

sociedade civil na implementação de políticas que satisfaçam as necessidades

sociais. O manejo adequado da imunidade tributária oferecida à instituição que atua

em prol dos interesses sociais possibilita, desse modo, que os direitos fundamentais

sejam incrementados.

Torna-se necessário, pois, compreender-se a atuação da sociedade civil

organizada e aquilo que pode ser delineado sob a idéia de assistência social, para

que só então possa compreender-se a o mecanismo da imunidade tributária como

um instrumento que aprimore o verdadeiro sentido da arrecadação para o

desenvolvimento social. É preciso que compreenda a atuação da sociedade civil na

implementação de políticas públicas e os contornos constitucionais da assistência

social.

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2 SOCIEDADE CIVIL E ASSISTÊNCIA SOCIAL

A organização da vida em sociedade e a própria ineficiência do Estado em

prover as necessidades sociais básicas fez com que a sociedade civil viesse a

organizar-se de modo a incrementar as atividades púbicas. O que se tem,

efetivamente, é que no âmbito social o Estado necessita do auxílio da própria

comunidade para que os desafios de desenvolvimento sustentável sejam

alcançados.

Ketll (1998, p. 115) afirma que

[...] as pressões pela redução do tamanho do Estado têm feito com que o governo passe cada vez mais atividades ao setor privado a organizações sem fins lucrativos, a concessionários (sobretudo os sistemas federais) e aos cidadãos.

É neste contexto que a sociedade civil passa a organizar-se, incrementado

suas atividades para a atenção às necessidades vitais daqueles indivíduos que não

conseguem, por si só, garantir sua existência digna e que, tampouco, podem contar

com o auxílio estatal.

O objeto de análise no presente capítulo refere-se exatamente à atuação da

sociedade civil de forma suplementar ao Estado, especialmente no que tange à

assistência social e seus contornos constitucionais. Parte-se, assim, da análise do

público não-estatal e a satisfação dos direitos sociais.

2.1 O público não-estatal na concretização dos dire itos sociais

A incapacidade do Estado, por si só, implementar políticas públicas35 faz surgir

uma nova ordem social com o objetivo de prover serviços sociais de qualidade aos

cidadãos. Com efeito, a sociedade civil se organiza com o propósito de amenizar as

deficiências sociais na qualidade de vida dos indivíduos. 35 Melo Neto (1999, p. 02) ressalta: “[...] a falência do Estado e o apogeu do liberalismo, com a concepção do Estado Mínimo, paralisou o Primeiro Setor, que é o próprio Estado [...]”.

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O chamado terceiro setor passa a atuar, assim, ao lado do Estado e do

mercado, sendo que Rocha (2003, p. 13) afirma que:

Os entes que integram o Terceiro setor são entes privados, não vinculados à organização centralizada ou descentralizada da Administração Pública, mas que não almejam, entretanto, entre seus objetivos sociais, o lucro e que prestam serviços em áreas de relevante interesse social e público.

O terceiro setor surge com o propósito de resgatar o espírito de solidariedade,

cidadania, humanização, tendo por objetivo promover a igualdade e a própria

dignidade da pessoa humana. O que se objetiva é possibilitar um acesso mais

facilitado aos benefícios sociais, de modo que aqueles indivíduos que ficam à

margem da prestação dos serviços públicos recebam a devida atenção pública,

ainda que esta atenção não seja estatal.

A definição de terceiro setor surgiu já na primeira metade do século, nos Estados Unidos. Ele seria uma mistura dos dois setores econômicos clássicos da sociedade: o público, representado pelo Estado, e o privado, representado pelo empresariado em geral. Segundo o Professor Luís Carlos Merege, coordenador do Centro de Estudos do Terceiro setor da Fundação Getulio Vargas se São Paulo, a noção vem do comportamento filantrópico que a maioria das empresas norte-americanas sempre manteve ao longo da história (MELO NETO, 1999, p. 05).

O que se observa, neste segmento, é a transferência das atividades não

essenciais para a sociedade civil, tendo-se a atuação direta do Estado apenas

subsidiariamente. O princípio da subsidiariedade surge como uma alternativa às

idéias de intervenção máxima e mínima do Estado, de modo a não admitir sua

interferência injustificada e, de outro lado, assegurar sua ação indispensável.

Suas origens e conceito jurídico remontam a Aristóteles e ao pensamento

cristão, sendo que foi com a doutrina social da Igreja Católica que nasceu a

concepção que se tem atualmente do princípio da subsidiariedade. Este preceito já

estava previsto implicitamente na Encíclica Rerum Novarum, que data de 1891 e

eleva a dignidade da pessoa humana através de dois mecanismos: a proteção da

propriedade privada tendo em vista a ameaça do socialismo; e a defesa do

proletariado das ganâncias do liberalismo econômico (BARACHO, 1996).

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No entanto, a clara definição do princípio da subsidiariedade vem expressa

somente na Encíclica Quadragésimo Anno, a qual baseia-se na estrutura

hierarquizada da sociedade36. Prevê o enunciado no 79 da Encíclica:

Assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e trabalho, para o confiar à comunidade, do mesmo modo passar para uma comunidade maior e mais elevada o que comunidades menores e inferiores podem realizar é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, e não destruí-los e nem absorve-los.

A previsão do princípio da subsidiariedade não ficou expresso apenas na

referida Encíclica, sendo que em 1961 o princípio foi reproduzido literalmente na

Encíclica Mater et Magistra. Já em 1991, o Papa João Paulo II refere o princípio da

subsidiariedade como regente das relações dos Poderes Públicos com os demais

atores sociais, refutando a interferência e consagrando o apoio e a ajuda em caso

de necessidade para o fim de coordenar sua ação com os demais componentes

sociais, sempre objetivando a satisfação do bem comum. (ROCHA, 2003).

As especificações do princípio da subsidiariedade ultrapassaram os limites da

Igreja Católica, sendo estendidas a outras organizações. Nesse sentido, é

necessário que se compreenda sua atuação no que se refere à sociedade civil e ao

Estado, tendo em vista que o princípio da subsidiariedade pode ser visto como uma

garantia contra a arbitrariedade. Seu objetivo também é o de limitar a ação do Poder

Público, tendo-se em mente que a efetiva legitimação do poder encontra-se no povo.

O princípio da subsidiariedade atua, assim, como moderador da ação pública,

devendo ser analisado conforme as particularidades da situação que se mostra. É

nesse aspecto que se ressalta a necessidade de se justificar as decisões judiciais e

administrativas, primando-se pela coerência com a segurança e com a eficácia, de

modo a satisfazer as necessidades públicas. (BARACHO, 1996).

36 Ao tratar da atuação do princípio da subsidiariedade no que tange ao disposto na Encíclica Quadragésimo Anno, Rocha (2003, p. 14) afirma: “Seu conteúdo precípuo está em que uma entidade superior não deve realizar os interesses da coletividade inferior quando esta puder supri-los por si mesma de maneira mais eficaz; ou, sob uma perspectiva positiva, em que somente cabe ao ente maior atuar nas matérias que não possam ser assumidas, ou não o possam ser de maneira mais adequada, pelos grupos sociais menores [...]”.

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Baracho (1996, p. 86), ao discorrer sobre o princípio da subsidiariedade,

afirma:

A característica essencial do princípio é sua flexibilidade, pela qual em qualquer circunstância ele implica efetivação do equilíbrio. Não será nunca rígido, como, por exemplo, quando se trata de prescrição jurídica, no domínio das competências reservadas. Para sua compreensão, em seu sentido contrário, entende-se que não existem competências reservadas. Sua formulação jurídica evita excessos das ingerências e as lacunas da não-ingerência, abrindo a possibilidade de invocação da lei em caso de conflito. A aplicação cotidiana demonstra o conhecimento exato de cada situação. Nesse sentido, o princípio da subsidiariedade não pode ser aplicado diretamente, mas serve como guia para apreciação dos agentes políticos e sociais.

Como se observa dos ensinamentos acima, o princípio da subsidiariedade atua

como um guia do sistema posto, de modo a pautar a atuação do Administrador

Público. Na estruturação do Estado, igualmente, o princípio da subsidiariedade deve

se fazer presente, na medida que é atribuição do Poder Público agir com equilíbrio,

de modo a reconhecer suas limitações e fomentar a atividade do terceiro setor.

Em atenção à subsidiariedade, a atuação do Estado, de forma direta, deve se

dar naquelas situações em que a atividade exclusiva seja exclusiva. Ensina Bresser

Pereira (1998, p. 33-34) que:

Atividades exclusivas são aquelas que envolvem o poder de Estado. São as atividades que garantem diretamente que as leis e as políticas públicas sejam cumpridas e financiadas. Integram esse setor as forças armadas, a polícia, a agência arrecadadora de impostos – as funções tradicionais do Estado – e também as agências reguladoras, as agências de financiamento, fomento e controle dos serviços sociais e da seguridade social. As atividades exclusivas, portanto, não devem ser identificadas como o Estado liberal clássico, para o qual bastam a polícia e as forças armadas. [...] Serviços não-exclusivos são todos aqueles que o Estado provê, mas que, como não envolvem o exercício do poder extroverso do Estado, podem ser também oferecidos pelo setor privado e pelo setor público não-estatal (‘não governamental’). Esse setor compreende os serviços de educação, saúde, cultura e de pesquisa científica.

O terceiro setor, desse modo, refere-se àquelas entidades de direito privado

que atuam de acordo com o interesse público, sem o objetivo de lucro. Segundo

Boaventura de Souza Santos (1995), o terceiro setor é formado pelas organizações

sociais que não são estatais ou empresariais, e que mesmo sendo privadas não

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objetivam lucro, atuando, isso sim, na consecução de objetivos sociais, públicos ou

coletivos.

Desse modo, as entidades que integram o terceiro setor são aquelas que

possuem finalidade não-lucrativa e objetivo de intervenção social em áreas

relevantes, como saúde, educação e cultura.

Com efeito, em toda a América Latina, notou-se uma expansão das teorias e

suas ações nos anos 70, mesmo os países estando sob domínio de regimes

autoritários. Na década de 80, com a democratização em evidência, o conceito se

expandiu, ocasionando um aparecimento maior de entidades sem fins lucrativos

(MELO NETO, 1999).37

O chamado terceiro setor liga-se, assim, à idéia de participação social e

importa na constatação de que o incremento de sua força relaciona-se a uma

sociedade mais bem estruturada, sendo que a própria forma de gerir a coisa pública

deve ser diferenciada. Isso porque na medida em que a sociedade civil se faz mais

presente, a idéia de democracia se solidifica, intensificando-se a relação entre os

vários atores sociais.

Embora a gestão da coisa pública apresente indubitáveis problemas na ordem

brasileira, não se pode negar que a atuação do terceiro setor aumentou nos últimos

anos. As necessidades socioeconômicas latentes, a crise do setor público e uma

participação encorpada das empresas buscando a cidadania empresarial são alguns

dos fatores que fizeram com que o terceiro setor tivesse um incremento, fazendo

com que a responsabilidade social e ética se tornasse ação preocupante das

empresas, refletindo no andamento dos seus negócios. (MELO NETO, 1999).

37 “Os processos de democratização vivenciados na América Latina nos anos 80 têm como idéias nucleares a sociedade civil e a cidadania. Com esses conceitos, os movimentos sociais adoram um horizonte universalista e passam a se considerar como partes de um conjunto maior, uma sociedade legalmente constituída. O comportamento de acordo com as leis, bem como o interesse e o direito de influir no estabelecimento das leis relacionam-se com a necessidade e o desejo de participação política sempre crescentes. Em lugar da comunidade e de movimentos locais, a democratização propicia e reforça a presença participativa dos indivíduos-cidadãos [...]” (MELO NETO, 1999, p. 15).

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Nesta realidade de incremento da atuação em prol do social, também não se

pode desconsiderar que muitas empresas que agem com suposta responsabilidade

social estão, na verdade, realizando uma espécie de marketing social, não se

preocupando especialmente com os interesses sociais, mas sim com sua imagem

perante seu público-alvo. Este tipo de atuação não pode ser considerada social.

No entanto, as distorções de empresas que objetivam única e exclusivamente o

incremento de seus lucros não possuem o condão de descaracterizar a postura

comprometida de outras instituições, prevalecendo a força e importância do terceiro

setor.

As empresas que atuam no terceiro setor necessitam apresentar uma postura

ética e sensível socialmente, a fim de que estas empresas engajadas em projetos

sociais não levem em conta apenas suas necessidades. Como mostra Ferrel (2001,

p. 78):

A integridade e a observância de padrões éticos vão além do cumprimento de leis e regulamentos. Bons cidadãos empresariais adotam valores e princípios que não admitem que sejam postos em risco simplesmente para cumprir metas internas da empresa.

Várias sociedades empresárias focam suas estratégias efetivando ações em

responsabilidade social, com o objetivo de tornarem-se empresas cidadãs e diminuir

efetivamente problemas decorrentes da desigualdade. Essa dinâmica do terceiro

setor, além de estruturar uma meta de erradicar problemas existentes na população

que seriam de ordem governamental e comum a todos os cidadãos, acaba por

realizar uma competitividade empresarial, agregando valor social aos seus negócios.

O grande crescimento desse tipo de prática social no Brasil se deu nos anos

90, principalmente na segunda metade da década, com o expressivo número de

empresas constituindo fundações e institutos para agir de forma clara e concisa nas

mais variadas deficiências que existem na sociedade de um modo geral. De lá pra

cá, com os resultados satisfatórios, o número de organizações engajadas e

solidárias com o propósito só cresceu. (MELO NETO, 1999).

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Em verdade, o terceiro setor preenche lacunas esquecidas pelo Estado, sendo

que com captação de recursos, alianças e parcerias, as instituições se unem para

viabilizar ações promotoras da igualdade, objetivando oferecer eqüidade e dignidade

à sociedade, já que o Estado não desenvolve com eficiência suas atividades

obrigatórias.

Com o surgimento de Organizações Não-Governamentais (ONG’s)38 e as

Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP’s), a preocupação em

estabelecer melhorias para a sociedade não se restringe apenas às empresas

privadas.

Com efeito, o surgimento de movimentos sociais faz com que se tenha a

criação de Organizações Não-Governamentais, que atuam em uma área até então

reservada à Igreja. É na atuação de tais entidades, da própria Igreja, bem como a

mobilização dos cidadãos, entre outros fatores, que se caracteriza uma alteração na

ordem social.

Passou-se a perceber, assim, uma nova interface nas relações entre Estado,

mercado e sociedade civil, importando em alterações quanto ao modelo de gestão

utilizado, primando-se pela administração participativa com objetivo de solidariedade

social. Como mostra Tachizawa (2004, p. 24):

As ONG’s, historicamente, começaram a existir em anos de regime militar, acompanhando um padrão característico da sociedade brasileira, onde o período autoritário convive com a modernização do país e com o surgimento de uma nova sociedade organizada, baseada em ideários de autonomia e relação ao Estado, em que sociedade civil tende a confundir-se, por si só, com oposição política.

As OSCIP’s39, do mesmo modo, são muito importantes como suplemento do

terceiro setor. Embora elas não idealizam o lucro como principal produto, são elas

que fomentam o desenvolvimento humano, através de métodos transparentes.

38 Melo Neto (1999, p. 16) afirma ainda que se deve “[...] destacar que na dinâmica interna do setor terciário estão presentes as ONG’s – Organizações Não-Governamentais. São elas que, freqüentemente, implementam os projetos juntamente com as populações que demandam do Estado, bens e serviços, após organiza-las em movimentos sociais [...]”. 39 “As sociedades de interesse público devem estabelecer, nos respectivos estatutos, normas ou disposições, entre outras, que observem os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,

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Uma gama de entidades podem se qualificar como OSCIP’s. Como afirma

Rocha (2003, p 62):

Entre os entes autorizados a obter a qualificação de sociedades civis de interesse publico estão aqueles que se dedicam à promoção da assistência social; da cultura; prestam serviços gratuitos de educação e saúde e se dedicam à defesa dos direitos estabelecidos, à construção de novos direitos e à assessoria jurídica de interesse suplementar, à difusão de valores como ética, a paz, a cidadania, os direitos humanos, a democracia e de outros valores universais.

A Lei n. 9.970/99, por sua vez, dispõe sobre as OSCIP’s em seu artigo 1o , §

1o, como:

Art. 1o Podem qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta Lei. § 1o Para os efeitos desta Lei, considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social.

Essa lei veio a regulamentar e passar mais credibilidade às organizações da

sociedade civil mediante a qualificação, no universo do terceiro setor. Atuando na

esfera pública e na melhora do bem comum, esses mecanismos legais, implicam em

uma maior transparência e ética de suas ações, permitindo, assim, um melhor

beneficio destas à sociedade.

Efetivamente, a grande maioria das direções de ONG’s e OSCIP’s é composta

por pessoas efetivamente comprometidas com os problemas sociais, culturais e

ambientais, fazendo isso sem vantagens financeiras ou salários.

publicidade, economicidade e eficiência. Para José Eduardo Sabo Paes, ‘por certo entendeu o legislador que, pela importância e atuação destas organizações privadas na promoção e defesa do interesse público, deveriam elas sujeitar-se aos princípios fundamentais da administração publica’ [...]” (ROCHA, 2003, p. 63).

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As Organizações Não-Governamentais40 agem de modo a amenizar as

desigualdades eminentes em todo o Brasil. Voltadas às áreas de educação, saúde,

cultura, meio ambiente, apoio à criança e adolescentes entre outras, tais instituições

remontam à idéia de dignidade humana, dando conforto às mazelas esquecidas pelo

Estado.

Neste sentido, as Organizações Não-Governamentais, com todos os seus

ramos de atuação, são de suma importância ao desenvolvimento da nação. Além de

gerar condições mínimas de embasamento social elas contribuem para a população

arraigar-se aos princípios básicos de cidadania41.

O terceiro setor desenvolve estrutura importante para a consecução da

dignidade da pessoa humana e para a construção da cidadania. Assim, foi

exatamente a partir da Constituição Federal de 1988 que o assunto passa a ter

maior importância para a sociedade com a discussão e incremento da cidadania.

A atuação do terceiro setor interliga-se ao disposto no artigo 6o da Constituição

Federal, o qual é responsável pela enumeração dos direitos sociais:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

A sociedade civil, ao agir de modo a efetivar os direitos sociais, promove uma

verdadeira atividade pública, na medida em que propicia a concretização dos

objetivos constitucionais, agindo em respeito à eficácia imediata dos direitos

fundamentais e incrementando a própria noção de cidadania.

40 Tachizawa (2004, p. 21) mostra que “As organizações não governamentais sem fins lucrativos de finalidade ambiental, social, cultural e afins, ou organizações que caracterizam o Terceiro setor, segundo a Gazeta Mercantil (maio 2002), movimenta mais de US$ 1 trilhão em investimentos no mundo, sendo cerca de US$ 10 bilhões deles no Brasil, o equivalente a 1,5% do PIB [...]”. 41 Tachizawa (2004, p. 29) destaca ainda: “[...] essa pluralidade indica tendências que se foram afirmando sobretudo através da segunda metade dos anos 80, com o crescimento na sociedade brasileira de novos movimentos sociais e sujeitos coletivos. As ONGs ao mesmo tempo refletem esse processo e representam um papel, por meio de sua intervenção, na construção desses movimentos e grupos sociais diversificados. Como se viu, essa intervenção que contempla a diversidade traz, ao mesmo tempo, a marca dos valores universalizantes de cidadania [...]”.

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Quanto à idéia de cidadania, mesmo não se tendo uma precisão conceitual,

observa-se uma ligação aos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade,

relacionando-se com os diretos fundamentais.

Efetivamente, a concepção do termo cidadania é vasta e se estende tanto na

área individual, quanto coletiva da sociedade. Sendo assim, é importante lembrar

que, o entendimento da terminação cidadania, consolida um processo político, social

e histórico em uma nação, construindo uma sociedade mais justa em todas as

definições, sejam elas individuais ou em conjunto.

Borja (2001, p. 365) afirma que a

cidadania adquiriu um novo conteúdo: o social. Ser cidadão hoje é ter direito a receber educação e assistência, serviços sociais diversos, serviços públicos subvencionados, salário regulamentar, proteção trabalhista, etc. Em suma, podemos chamá-los como direitos humanos econômicos, sociais e culturais.

O grande problema é que o Estado acaba criando políticas sociais sem um

aprofundamento de estudo, o que acaba acarretando a construção de uma

cidadania deficitária em termos de participação social de qualidade.

Os investimentos do Estado brasileiro em políticas sociais, como forma de

compensar a situação de sua população, não são satisfatórias. Ainda depara-se com

a intenção econômica muito mais latente do que com os resultados das ações em si

e sua real efetividade. Isso acaba não resolvendo a questão desde o seu princípio,

resultando mais em uma medida de reparação do que no reforço da dignidade e da

autonomia dos indivíduos.

O que se tem é a necessidade de construção de uma cidadania plena, na

qual a participação social se faz imprescindível. Milton Santos (1998) afirma que as

relações entre Estado e sociedade tornaram-se objetos de deformações, distorcendo

e desfigurando a vontade popular, fazendo-se necessária uma educação para a

democracia numa prática que ultrapasse a mera eleição dos governantes.

Como já dito, as questões que giram em torno do termo cidadania derivam de

fenômenos políticos, históricos e sociais. Sendo assim, um dos desafios dos

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movimentos sociais é justamente reforçar as bases do ordenamento jurídico, com

atenção aos interesses sociais, facilitando a construção de um projeto democrático e

popular na sociedade brasileira, possibilitando mudanças condizentes com as

necessidades que são visíveis.

Ressalta-se, assim, a atuação do público não estatal, o que incrementa a

idéia de democracia participativa42, mas também pode representar um risco na

estruturação da vida em sociedade, tendo em vista que o Estado não pode esquecer

de suas atividades exclusivas e essenciais aos interesses sociais. Com efeito, a

estrutura da vida em comum é formada por várias interfaces, sendo que para o setor

social ser caracterizado por políticas eficientes, é necessário que se tenha um

desenvolvimento sustentável, com atenção à economia.

Por este motivo, as políticas voltadas ao social devem ser integradas às

políticas econômicas, a fim de que o resultado em relação à emancipação da

população que está sendo atendida por tais projetos sociais se dê de modo mais

igualitário. Isso porque não se pode desconsiderar a importância da economia no

trato das questões sociais. Se, de um lado, não é crível que se admita o

desenvolvimento econômico em detrimento da atenção às questões de interesse

coletivo, também não é possível se imaginar uma sociedade que satisfaça as

necessidades sociais e apresente uma economia enfraquecida. A equação parece

ser simples: se é da arrecadação de tributos que provém os recursos necessários

para os investimentos em área social, sendo que às instituições do terceiro setor é

oferecido um tratamento tributário diferenciado, como ainda será objeto de análise

neste trabalho, por certo que a geração de riquezas é ingrediente indispensável na

fórmula que permite um investimento maciço em âmbito social.

Todavia, mesmo em realidades de economia nem tão fortalecidas assim, como

é o caso do Brasil, também se observa um investimento crescente, por parte do

terceiro setor, para o atendimento às questões sociais. É o que mostra Melo Neto

(1999, p. 19): 42 VIEIRA (2001, p. 242) afirma que as “[...] associações da sociedade civil e os movimentos sociais têm sido mais analisados do ponto de vista da construção da cidadania democrática e das novas relações Estado-sociedade do que como instância de produção de bens e de serviços sociais. No entanto, vem-se intensificando cada vez mais a transferência de bem e serviços, anteriormente a cargo do Estado, para o setor público nãi-estatal [...]”.

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A modalidade de ação em investimentos em projetos e programas sociais é a que mais cresce em nosso país. Empresas nacionais e muitas corporações multinacionais estão criando institutos sociais para gerir suas próprias ações sociais. Outras financiam diretamente projetos da comunidade, e algumas criam e desenvolvem seus próprios programas sociais. Cresce também o volume investido em patrocínio de programas e projetos sociais, sobretudo aqueles que contam com o apoio do governo e de outras entidades.

O assunto desenvolvimento social, debatido e explorado com veemência na

atualidade, reforça a necessidade de investimento em capital humano e social no

país. Assim, o Estado tem de agir de forma a definir estratégias para erradicar os

problemas decorrentes da desigualdade social, combatendo a pobreza, e

incrementando políticas de crescimento sustentável, criando-se empregos e

promovendo o equilíbrio fiscal. Essas medidas, juntamente com políticas sociais,

investimento humano, qualificação e acompanhamento constantes, oportunizam a

parte mais necessitada a se desenvolverem de forma crescente, ressaltando a

importância do terceiro setor no desenvolvimento social.

Mas ao se considerar a complexidade das relações humanas tem-se que a

eficiência de qualquer medida de caráter público, seja estatal ou não, depende de

sua proximidade com a realidade social. É neste sentido que a gestão social se

reformula constantemente43.

Novos modelos, novas metas, novos problemas surgem e o modelo

burocrático da administração pública entra em conflito com essas novas

sistemáticas. É requerida da administração pública uma maior flexibilidade para que

as ações desenvolvidas sejam colocadas em prática mais rapidamente e tornar a

eficiência delas mais coesa. E esta exigência se mostra de difícil atenção.

43 Melo Neto (1999, p. 66) mostra que “[...] a relevância, a gravidade e a complexidade dos problemas sociais estão provocando uma verdadeira revolução no processo de gerenciamento de planos, programas e projetos sociais. Tais problemas exigem soluções rápidas, precisas e viáveis, como o envolvimento da comunidade e a participação do governo e do setor privado [...]”.

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Seria preciso, antes de qualquer coisa, renovar a institucionalidade do Estado

para que novas ações sociais e as já existentes tivessem um resultado mais efetivo

na sociedade, gerando um maior desenvolvimento sócio-econômico44.

Em um mundo no qual a globalização e a competitividade se firmam como

prerrogativas indispensáveis ao crescimento, a esfera privada se destaca, seja no

desenvolvimento econômico, seja na contra-prestação social45.

No Brasil, movimentos políticos, investimentos estatais, acadêmicos e na área

de pesquisas sociais46, estão contribuindo para quantificar e qualificar os serviços

prestados pelas entidades públicas gerando uma participação eloqüente na

solidariedade social.

A importância das pesquisas sociais é definida por Melo Neto (1999, p. 52):

É através de uma pesquisa que são definidas as justificativas de um plano, programa ou projeto. A pesquisa é o ponto de partida para uma ação eficaz de planejamento e busca de soluções. Sem ela, corremos o risco de perder o foco da ação planejada – ações que se destinam a problemas não prioritários ou que focalizam sintomas de um problema maior, permanecendo suas verdadeiras causas como fatores geradores desses problemas.

A pesquisa mostra-se indispensável na medida em que políticas eficientes só

se fazem possíveis se analisadas as causas e os resultados esperados,

caracterizando atividade anterior à implementação das medidas públicas. E a

implementação de políticas públicas pode se dar diretamente pelo Estado ou mesmo

pela sociedade civil organizada.

44 Rocha (2003, p. 81) ressalta a importância das organizações sociais para a reforma do estado, afirmando que “[...] as organizações sociais estariam inseridas nessa proposta de Reforma do Estado [...]”. 45 Lameira (2001, p. 19) afirma: “[...] ao longo dos últimos anos verificaram-se algumas alterações significativas no ambiente econômico brasileiro, como a abertura do mercado de consumo, o controle da inflação, o ingresso de capitais estrangeiros, a privatização de empresas estatais, entre outros tantos eventos[...]”. 46 Melo Neto (1999, p. 52) ressalta também: “A pesquisa também contribui para a formulação correta dos objetivos e metas, do público beneficiário, dos resultados a serem atingidos, dos pressupostos, meios de verificação e indicadores e da definição da estratégia de institucionalização do plano, programa ou projeto [...]”.

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Seja como for, toda e qualquer medida que seja tomada sem que antes se

avalie propriamente o problema tende a se mostrar insuficiente. É necessário que a

postura pública seja pautada na satisfação das causas dos problemas sociais, não

sendo suficientes respostas paliativas e que façam com que os indivíduos

permaneçam dependestes da atuação pública.

É neste sentido que o público não-estatal tem o objetivo principal de produzir

bens e serviços sociais. Diferentemente do mercado, o terceiro setor atua

solidariamente, trabalhando no sentido de cooperação e comunicação.

Sendo assim, o setor público não-estatal, através de todas as entidades que o

compõem, oferece uma forte condição de democratização solidária no país, agindo

em prol da melhora do desempenho de cidadania na sociedade, incluindo aqueles

que permaneciam à margem da sociedade.

Os movimentos sociais decorrentes da organização da esfera pública não

estatal contribuem efetivamente para uma maior participação, incrementado a

democracia e politizando os cidadãos. O terceiro setor, neste sentido, atua em

suplementação à atividade estatal viabilizando as ações em assistência social.

O item seguinte trata exatamente dos contornos constitucionais da assistência

social no Brasil, analisando-se a passagem da assistência social enquanto

assistencialismo para a necessidade de implementação de uma política assistencial

eficiente.

2.2 Evolução histórica-constitucional da idéia de assis tência social

A prestação de serviços assistenciais remonta ao direito romano, sendo

baseada em ideais de caridade a ajuda à população carente (BASTOS, 1998). No

Brasil, inicialmente, a assistência social era desenvolvida pela Igreja Católica e por

entidades a ela relacionadas, tendo em vista que o clientelismo criado pelo sistema

colonial impedia a formação espontânea de organizações formadas por membros

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exclusivamente laicos. Nesse contexto, mesmo as entidades que possuíam entre

seus integrantes membros tidos como laicos tinham presente uma fundamentação

religiosa, o que demonstra a importância assumida pela Igreja Católica nessa fase

inicial. (COUTO, 2003).

Seguindo esta esteira, as demais religiões que foram surgindo aliaram-se a

esse sentimento caritativo, sendo que a assistência social era prestada de forma

filantrópica e sem qualquer auxílio estatal evidente. A definição de assistência social,

então, estava ligada ao conceito de filantropia e ao propósito de caridade, tendo-se

iniciativas voluntárias e isoladas, com ênfase à suplementação de condições aos

carentes, em geral a partir de uma aparência de cunho religioso47.

Efetivamente, tanto a Constituição Federal de 1824 como a de 1891 eram

omissas quanto à assistência social (CRETELLA JÚNIOR, 1993), ao passo que a

sociedade conservadora encarava a pobreza como um atributo daqueles não tinham

empenhado seus esforços para superá-la (COUTO, 2003).

A primeira inclusão expressa com relação à assistência social veio apenas na

Constituição Federal de 1934, em razão da política adotada no governo Vargas, que

não obstante utilizar a assistência social de uma forma populista, efetivamente foi

responsável pelo início de sua normatização. No entanto, a previsão constitucional

perdurou somente até a instituição do Estado Novo, sendo que a nova “Constituição”

promulgada por Vargas, em 10 de novembro de 1937, não trouxe em seu texto a

proteção à assistência social.

De qualquer forma, a maneira com que o Estado tratava a questão continuou a

ser a mesma, tendo em vista a total discricionariedade (para não dizer

arbitrariedade) atribuída ao governante, sendo a assistência social prestada de

acordo com intenções eleitorais. A Era Vargas foi marcada, desse modo, por uma

postura clientelista na área social, sendo que a assistência social pode ser apontada

como uma das “bandeiras” de seu governo. Na construção de sua imagem populista,

47 Voltolini (2003, p. 18) afirma: “Se, em termos históricos, tivemos a Igreja católica como o berço das ações assistenciais e filantrópicas no país, no que se refere ao reconhecimento e legitimação da área assistencial como campo de conhecimento e formação profissional, o berço foi, até recentemente, monopólio exclusivo, do Serviço Social [...]”.

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Vargas lançou mão de políticas que objetivavam oferecer “benefícios” à população

carente, de forma cativá-la e fazê-la dependente de tais benesses, personalizando o

poder instituído. (MENDES JR; MARANHÃO, 1981).

No entanto, não há como se negar que foi somente com a Revolução de 1930

que o Estado passou a regular a matéria relativa à assistência social, o que

demonstra a importância da época para a concretização das forças que vieram,

posteriormente, a lutar pela implementação de uma efetiva política pública de

assistência social. Por tal razão, todo aquele que se dispuser a entender a

sistemática da assistência social no Brasil terá, necessariamente, de analisar sua

origem no governo Vargas, a fim de compreender os contornos que veio a assumir

com a ordem constitucional ora vigente.

Nesse sentido, a política clientelista adotada na Era Vargas fez com que as

preocupações governamentais fossem voltadas à regulamentação da assistência

social e à criação de mecanismos de controle sobre esta. A primeira ação adotada

foi a criação do Título de Utilidade Pública Federal, objetivando a certificação das

entidades privadas que atuavam na área assistencial, de forma a conceder-lhes

certos benefícios.

Em 1938, o governo instituiu o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), a

fim de fiscalizar as entidades assistenciais e certificar sua idoneidade para o

recebimento de verbas estatais. Em tal momento, ficou nítido o objetivo de controlar

a atuação civil, sendo que as entidades eram submetidas a critérios discricionários

de avaliação pelo referido conselho, cujos membros eram indicados pelo Presidente

da República. (MESTRINER, 2001).

O que se percebe é que uma vez sendo o governo Vargas marcado por um

assistencialismo populista, sua caminhada na construção da imagem de “pais dos

pobres” poderia ser prejudicada por entidades privadas que focalizavam seus

esforços em auxiliar os mais necessitados a realmente sair de tal condição, ao

contrário de simplesmente atuar de forma paliativa, como era de sua praxe. Por tal

razão, muitas foram as entidades que encerraram suas atividades em tal época,

sufocadas pelo regime autoritário implementado. (MESTRINER, 2001).

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Desse modo, analisando a realidade configurada na Era Vargas, pode-se

afirmar que em tal época não houve uma política pública desinteressada no âmbito

social, mas sim o oferecimento de uma falsa sensação de bem-estar à população,

sendo que mesmo os direitos trabalhistas reconhecidos não chegavam a afrontar a

elite dominante, servindo na verdade como uma forma de “neutralizar” os

descontentamentos da classe operária (SILVA, 2002). Na área da assistência social,

a realidade não era distinta, sendo que as atuações do governo eram, como já dito,

de cunho paliativo e visavam, em última análise, a permanência do indivíduo em sua

situação marginalizada, de forma a torná-lo dependente do sistema. O que houve,

inegavelmente, foi a implantação de uma política populista, sem qualquer atuação

social desinteressada ou impessoal.

O que se percebe é que não obstante a intensa intervenção estatal na área

social, o que o governo buscava não era o bem-estar social dos cidadãos, mas sim

um controle das entidades privadas e a utilização da assistência social como um

mecanismo eleitoreiro.

Já em 1946, a questão da assistência social voltou a ser tratada em âmbito

constitucional, sendo previsto no artigo 164 da Constituição Federal na forma de

assistência à maternidade, à infância e à adolescência. No entanto, durante o

governo de Eurico Gaspar Dutra e posterior retomada “democrática” de Vargas, bem

como nos governos que os sucederam, a assistência social continuou a ser tratada

da mesma forma clientelista, sem qualquer comprometimento público que não o de

fomentar e solidificar as bases do Estado populista (MESTRINER, 2001). Em

verdade, o Conselho Nacional de Serviço Social servia, antes de tudo, como um

meio de fiscalização e, por que não dizer, tolhimento da atividade assistencial

privada, não se prestando ao atendimento do interesse público, mas sim servindo

como um instrumento na consecução de objetivos eleitorais.

Essa situação de controle estatal veio a se agravar com o golpe militar de

1964, sendo que as entidades de assistência social mantiveram a mesma estrutura

relativa à década de trinta. Com efeito, a implementação do regime militar importou

em uma intervenção ainda maior do Estado, sendo que muitas entidades privadas

passaram a atuar protegidas pela Igreja, tendo em vista que o governo não

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intervinha, relativamente, na sua estrutura. Nesse momento histórico, mais uma vez

se percebe a importância assumida pela Igreja na prestação de serviços

assistenciais, especialmente sua atuação decisiva no auxílio às Organizações Não-

Governamentais. (MESTRINER, 2001).

Nesse contexto, a Constituição Federal de 1967, trazia a questão originalmente

em seu artigo 167, § 4º. Já com a Emenda Constitucional nº 01 de 1969, a questão

passou a ser regulada no artigo 175, § 4º, sendo que Pontes de Miranda (1974, p.

332), ao comentar o dispositivo, afirma:

A regra jurídica do art. 175, § 4º, não é apenas programática. A expressão ‘instituirá’ mostra-o bem. Mas onde a sanção? À lei cabe criá-la. Criá-la-á? A ênfase do legislador constituinte – assistência à maternidade, à infância e à adolescência, excusez du peu! – sem a lei que, executada, crie os serviços e os realize, os faça funcionar e obrigue o Poder Executivo a mantê-los, cairá no vácuo.

Conforme se percebe, a regra constitucional não apresentou qualquer diferença

substancial, sendo que somente com as crescentes críticas surgidas no início da

década de oitenta, pelas chamadas Organizações Não Governamentais, iniciou-se

uma alteração na visão oferecida à assistência social (ARRETCHE, 2000), deixando

a mesma de se constituir uma benesse oferecida pelo governante. Desse modo,

com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a assistência social se firmou

como uma política pública, tendo sido oferecida a seguinte redação ao seu artigo

203:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiências e a promoção de sua integração à vida comunitária; V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A primeira conclusão que se tira do dispositivo em comento, é que a

assistência social independe de prévia contribuição ao sistema, devendo ser

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prestada a quem dela necessitar, indistintamente. Tal questão será melhor analisada

no tópico seguinte, quando tratar-se-á dos contornos do conceito jurídico de

instituição de assistência social, sendo que para evitar tautologia, remete-se para tal

tópico.

A outra consideração a ser feita é que houve um inegável alargamento do rol

de direitos inclusos na proteção constitucional, sendo que a norma contida no artigo

203 deve ser interpretada em consonância com o artigo 6º da Constituição Federal,

o qual afirma que serem “[...] direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a

moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à

infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição [...]“.

O artigo 6o da Constituição Federal48 demonstra que o Estado coloca como

prioridade a realização de ações efetivas na promoção do bem comum, ainda que

estas ações não sejam executadas por ele próprio, mas sim pelas instituições que

integram o público não-estatal.

48 Duras têm sido as críticas lançadas pela doutrina quanto ao largo rol de direitos enumerados no artigo 203 sem que lhe fosse assegurada qualquer eficácia. Na visão de Bastos (1998), o legislador constituinte teria ignorado a conjuntura econômica da época, a qual indicava a necessidade de oferecimento de produtos competitivos e de qualidade, exigindo uma maior austeridade fiscal. Afira o mesmo que “esses sintomas já eram perfeitamente sensíveis ao olhar atento de quem observasse o mundo no ano da promulgação de nossa Carta Maior. O constituinte, contudo, fez ouvidos moucos a essas vozes e preferiu enveredar pelo caminho de uma generosa política de amparo estatal aos carentes. Atualmente, dez anos depois da vigência da Lei Maior, o País continua envolvido em sérios problemas sociais, o que não surpreende, quando se sabe que esses problemas são antigos e não são de resolução estritamente jurídica. Não basta a Lei Fundamental erigir direito em favor dos necessitados se não houver uma correta alocação de recursos para atendê-los. Nosso Estado timbra pela sua ineficiência burocrática e pela má qualidade de seus serviços públicos. A corrupção também medra, a despeito da grande indignação do povo. Os tributos são mal arrecadados, embora com alíquotas altas [...]” (BASTOS, 1998, p. 344). O constitucionalista prossegue afirmando a ambivalência de alguns dispositivos constitucionais, firmando posicionamento de que o rol de ideais firmados é de realização plena imprevisível, “[...] nada obstante a aparência e mesmo a pretensão de estarem conferindo direitos subjetivos aos cidadãos [...]” (BASTOS, 1998, p. 344). Efetivamente, a criação de um Estado Providência no que se refere à assistência social (CRETELLA JÚNIOR, 1993), sem que a enumeração dos direitos viesse acompanhada de uma política fiscal que permitisse sua implementação não satisfaz os anseios da população. No que se refere a direitos subjetivos, sua maior problemática reside realmente no campo da eficácia, não bastando a mera declaração de um direito. No entanto, mesmo se tendo em mente as falhas do legislador constituinte, não se pode deixar de reconhecer que a Constituição Federal de 1988 representa um avanço no que se refere à assistência social, ao contrário do que pretende dizer Bastos (1998). Isso porque os problemas orçamentários não podem vir a justificar a ausência do reconhecimento de direitos que devem ser assegurados a todos os cidadãos, como são os enumerados no artigo 203 da Constituição Federal.

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É bem verdade que a mera colocação em ordem constitucional não se faz

suficiente, sendo que o maior desafio, no que se refere a direitos de tal natureza, é a

sua efetivação (BOBBIO, 1998). E o grande número de demandas públicas coloca o

Estado em uma situação de eminente dificuldade na implementação dos direitos

sociais.

O legislador constituinte, exatamente por ter consciência das dificuldades na

implementação de políticas públicas eficientes na atenção às necessidades sociais,

ofereceu determinadas desonerações tributárias às entidades que atuam na

consecução de fins públicos. Por via de conseqüência, as imunidades tributárias de

que trata o presente trabalho são exemplos do reconhecimento de que o Estado, por

si só, não teria condições de implementar em todas as suas facetas uma política

pública capaz de efetivar os direitos relativos à assistência social, razão pela qual

tais desonerações deverão ser alcançadas àquelas instituições que estejam a atuar

ao lado do Estado, implementando uma política de assistência social.

Nesse sentido, para se compreender a idéia de assistência social, é

necessário que se lembre que a mesma é um dos pilares sustentadores da

seguridade social, na forma da redação oferecida ao caput do artigo 194 da

Constituição Federal49. A saúde, a assistência social e previdência, integram o

denominado tripé da seguridade social, sendo que Balera (2004) afirma que a fim de

alcançar a satisfação dos problemas sociais a seguridade tem à sua disposição duas

vias: a previdenciária, visualizada no seguro social, e a assistencial, composta pelo

sistema de saúde e pelo sistema de assistência social.

Assim, se a assistência social é parte integrante da seguridade social, tem-se

que a mesma tem por objetivo garantir o direito à cidadania e a eqüidade de acesso

aos serviços públicos indispensáveis à vida digna.

A Lei n. 8.112/99, que regulamenta seguridade social, traz seu conceito e

diretrizes, afirmando em seu artigo 1o a necessidade de ações integradas, dos

49 “Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

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poderes públicos e da sociedade, objetivando-se assegurar o direito relativo à

saúde, à previdência e à assistência social. O mesmo dispositivo legal ainda

enumera os princípios e diretrizes a serem seguidos pela seguridade social, estando

entre eles a universalidade da cobertura e do atendimento e o caráter democrático e

descentralizado da gestão administrativa, garantido-se a participação da

comunidade, especialmente de trabalhadores, empresários e aposentados.

Estes caracteres gerais são aplicados aos três setores da seguridade social,

sendo que a assistência social, vista individualmente, possui regramentos próprios a

serem observados, especialmente tendo em vista a necessidade de avaliação das

atividades desenvolvidas. Isso porque somente por intermédio de uma avaliação

eficiente é possível encontrar eventuais falhas e promover melhoras nas políticas

públicas. Pode-se afirmar, nesta linha de raciocínio, que a Lei n. 8742/93,

denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), traz a preocupação latente

com uma maior efetividade e transparência da assistência social, dispondo sobre

sua organização e no embate de projetos destinados ao enfrentamento da exclusão

social dos segmentos populacionais mais vulneráveis.

Já logo em seu artigo 1o, tem-se a preocupação com os mínimos sociais e com

a garantia de atendimento às necessidades básicas, colocando-os com uma questão

a ser tratada conjuntamente, integrando-se ações de iniciativa pública e da

sociedade. Tem-se, ainda, reafirmação da assistência social como política de

seguridade social não contributiva. O seu artigo 2o, de igual importância, traz os

objetivos da assistência social, como a proteção à família, e a promoção da

integração ao mercado de trabalho, tendo-se, a colocação de objetivos de

enfrentamento da pobreza e provimento de condições para a universalização dos

direitos sociais, entre outros.

Como se observa, o foco principal das ações assistenciais é direcionando às

camadas da população caracterizadas pela pobreza e exclusão social. O ponto

principal da efetividade da lei é a dignidade da pessoa humana, implementando-se

ações e serviços nas mais variadas frentes, como saúde, proteção à família e

incremento das possibilidade de trabalho. Estas ações e serviços devem ter

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objetivos que desenvolvam o processo de proteção e alteração da qualidade de vida

de um grupo de indivíduos até então colocados à margem da atenção pública.

Sendo assim, o objetivo principal da lei orgânica da assistência social é o de

universalizar os direitos sociais, proporcionando uma melhor qualidade de vida, com

a garantia das condições mínimas de sobrevivência. Para tanto, os princípios

básicos da lei a serem atendido estão expressos em seu artigo 4o:

Art. 4º A assistência social rege-se pelos seguintes princípios: I - supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; II - universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; V - divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão.

O que se tem, assim, é a colocação da assistência social como uma política de

inclusão social, não se admitindo que a mesma seja tratada de uma forma

clientelista e em atendimento a interesses eleitorais. O fundamento da assistência

social é, pois, incluir o indivíduo no processo produtivo, de modo a não torná-lo

dependente do sistema, mas sim, a médio e longo prazo, independe de atuação

pública para a realização de seus mínimos existenciais.

Os fundamentos da assistência social conferem, assim, um importante

indicativo para que se tenha uma inclusão social eficaz, garantindo-se a autonomia

dos indivíduos envolvidos. As políticas sociais, além da extensão ética e moral de

garantir ao cidadão o direito à vida, têm o efeito prático de contribuir para a

promoção do crescimento econômico, com distribuição adequada de renda.

Desse modo, a assistência social é dever do Estado e deve ser prestada de

forma integrada com a sociedade, caracterizando-se como uma política pública com

o objetivo de proporcionar satisfação de serviços básicos à população, garantido-se

a dignidade da pessoa humana. O que não se deve é relacionar o conceito de

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assistência social com a definição de caridade, tendo em vista que a assistência

social não se caracteriza em favores, mas sim em efetiva política pública de inclusão

social.

O novo protótipo de assistência social pode ser encontrado em ações e

atividades voltadas ao crescimento humano e ao desenvolvimento social, gerando,

assim, condições mínimas de sobrevivência a todos que se encontram em situação

de exclusão. Tendo em vista tais preceitos acerca do verdadeiro sentido de

assistência social, o poder público, em conjunto com a sociedade, tem a obrigação

de efetivar ou fomentar a implementação de políticas publicas que promovam a

eqüidade e a própria cidadania. E o fomento do Estado se dá através do incremento

das atividades exercidas pelo terceiro setor, como já tratado.

Efetivamente, o terceiro setor, ao conviver com o primeiro setor (Estado) e com

o segundo setor (mercado), dedica-se a amenizar problemas de caráter público. Na

realidade brasileira, são marcos do desenvolvimento da assistência social pela

sociedade civil organizada as tentativas de reforma do Estado, sendo que Rocha

(2003, p. 81), afirma:

Com efeito, não há como negar que a criação da organização social foi um dos frutos produzidos pela Reforma do Estado, iniciada pelo Governo Collor e levada adiante no governo Fernando Henrique, marcada por fortes traços do neoliberalismo e que recorre à desestatização, à privatização e à desregulamentação para reduzir sensivelmente a participação do Estado na atividade econômica e, sobretudo, na prestação de serviços públicos.

No entanto, permanecem as distorções quanto ao exercício efetivo de políticas

pública, bem como quanto ao próprio conceito de instituição de assistência social. É

por esta razão que se faz necessária a compreensão da real extensão do termo

instituição de assistência social, a fim de que as desonerações fiscais (em especial a

imunidade tributária) sejam conferidas somente para aquelas instituições que

satisfaçam a vontade constitucional.

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2.3 Delimitação do conceito jurídico de instituição de assistência social e

interpretação constitucional das imunidades tributá rias

Como já visto no tópico anterior, com a promulgação da Constituição Federal

de 1988 a assistência social passou a ser vista como uma política pública,

constituindo-se em verdadeiro direito subjetivo do cidadão. É nesse sentido que a

prestação da assistência social deve se dar a quem dela necessitar, sem que seja

lançada qualquer exigência para sua fruição por parte do indivíduo.

A distinção entre a assistência social e previdência social reside exatamente no

fato de que esta somente é prestada à população mediante a prévia contribuição ao

sistema, funcionando o governo como uma espécie de gestor (ainda que também

financiador) dos valores arrecadados e dispendidos com os beneficiários. Já a

prestação da assistência social, como visto, independe de prévia contribuição à

seguridade social, visto constituir-se em direito a ser assegurado pelo Estado,

devendo o mesmo agir diretamente na promoção da assistência social ou viabilizar

que pessoas jurídicas de direito privado o façam.

Na idéia de atuação subsidiária do Estado, surgem instituições que atuam em

segmentos de educação, saúde, amparo a idosos e crianças, entre outros. A

questão que se faz objeto de análise é se o simples fato de uma entidade ter como

objeto social a promoção de um direito social a faz, por si só, uma instituição de

assistência social que satisfaz os requisitos constitucionais para a fruição da

imunidade tributária.

Neste ponto, é necessário que se advirta que as normas de imunidade

tributária relativas às instituições de assistência social, assim como sua

regulamentação infraconstitucional, serão objeto de análise no capítulo seguinte,

servindo o estudo realizado neste ponto para a compreensão de um conceito básico

para se analisar a imunidade tributária das instituições de assistência social: a

extensão do termo ‘instituição de assistência social’.

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Para tanto, tem-se como base de estudo a doutrina de Leopoldo Braga (1969),

expressa em sua obra “Do conceito jurídico de instituições de educação e de

assistência social”, na qual o autor traz requisitos específicos para a conceituação

do termo instituição, a fim de delimitar em quais situações persistiria a imunidade.

Sua visão sobre o assunto influenciou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

(FERREIRA, 2001), e ainda que sua doutrina não seja referida expressamente em

todos os julgados, percebe-se que o referido Tribunal Superior permanece a

fundamentar suas decisões quanto à referida matéria com base em tais lições. Tal

fato demonstra que não obstante a data de sua publicação, por seus fundamentos e

pela linha lógica de raciocínio expressada, a mesma continua atual e digna de

reconhecimento.

O fundamento dos requisitos trazidos pelo doutrinador se assenta no fato de

que os termos técnicos – no caso, o de instituição – utilizados pelo legislador não

podem ser desconsiderados, sob pena de desvirtuamento da regra jurídica (BRAGA,

1969). Desse modo, ao analisar a imunidade tributária concedida às instituições de

assistência social à época, o doutrinador refere que o primeiro requisito a ser

analisado seria exatamente o contido na norma constitucional, sendo que qualquer

discussão sobre a regulamentação infraconstitucional somente pode ser realizada

em momento posterior.

Assim,

[...] a primeira e indeclinável condição para que se reconheça a um ente jurídico de caráter educacional ou assistencial o direito ao gôzo do aludido benefício constitucional, vale dizer, o privilégio da imunidade tributária em conformidade à norma de exceção contida na letra e no espírito dos textos em exame, é a de que se trate de uma verdadeira e propriamente dita “instituição ” (inconfundível, em sua acepção específica de direito administrativo, com a de “emprêsa ”, de fins lucrativos, com a de “sociedade fechada ” e com a simples “corporação ” ou “associação ” de indivíduos visando a consecução de fins de interêsse particular próprio, comum ou recíproco), isto é, que se trate de uma entidade – pública ou privada – instituída ou constituída com fim público educacional ou assistencial exclusivo (e, senão, ao menos, principal ), de vocação altruísta e eminentemente desinteressada , visando, em suma, ao bem público, à utilidade coletiva, à satisfação de necessidade ou necessidades de interêsse geral da comunhão dos indivíduos ou ao menos de determinadas classes sociais (BRAGA, 1969, p. 09).

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Nesse ponto, já se percebe a primeira questão a ser destacada: se tanto

empresas como instituições de assistência social podem atuar representantes do

terceiro setor, as empresas não podem ser consideradas instituições imunes para

este fim constitucional.

A lógica de raciocínio é bastante clara, tendo em vista que as ações sociais

desenvolvidas por algumas empresas não constituem seu objeto social, sendo isto

sim um desdobramento de sua atuação. Assim, ao constituir-se uma empresa, tem-

se o desenvolvimento de uma atividade econômica, com a produção e circulação de

bens e de serviços50, sendo que a atuação em âmbito social não é seu objeto-fim.

As empresas que atuam como terceiro setor o fazem tendo em vista a consciência

de sua função social, e mesmo por decorrência as exigências do mercado de que se

tenha uma atuação empresarial com responsabilidade social.

Desse modo, somente se tem uma verdadeira instituição de assistência social

quando a mesma é instituída com o fim público exclusivo de atuar na efetivação da

assistência social. Sua postura é eminentemente de auxiliar na construção do bem

comum, e não apenas reflexamente agir de modo a contribuir para a realização de

tal desiderato.

Na seqüência, Braga (1969) Braga ratifica a idéia de atuação em prol de um

fim público, afirmando que tais entidades são criadas com o desígnio de agir em

colaboração com o Estado, a fim de que suas deficiências sejam suprimidas.

Repudia, ainda, qualquer ação paternalista na realização de obras de educação e de

assistência social. Refere, ainda, o doutrinador que o legislador constituinte preferiu

o uso do termo ‘instituições’ tendo em vista que as associações podem agir apenas

em favor dos seus associados, o que acaba por descaracterizar a necessidade de

um fim público específico (BRAGA, 1969).

50 “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”.

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Analisando-se sua doutrina em consonância com o Código Civil percebe-se

que o traço que distingue as associações e fundações das sociedades é que esta

possui finalidade de lucro, ao passo que aquelas não. No entanto, tal não caracteriza

que uma associação tenha sua postura voltada para o social. Com efeito, uma

associação pode agir sem qualquer interesse público sobressalente, como também

pode implementar uma política pública de assistência social. A fundação, de outro

lado, por força do parágrafo único do artigo 62 do Código Civil, deve ter por objeto

social a cultura, a religião, a moral ou a assistência social.

Percebe-se, assim, que o ponto a ser analisado diz respeito às atividades que

realmente são desenvolvidas, tendo-se como requisito primeiro para a concessão da

imunidade tributária para as instituições de assistência social. E esta finalidade

pública relaciona-se, mesmo não sendo esta sua única característica, com a

ausência de intuito lucrativo.

Mas apenas tal ponto não seria suficiente para a perfeita caracterização da

instituição que alcança os objetivos constitucionais, sendo que o autor,

sinteticamente, três requisitos que devem ser analisados para a conceituação de

uma instituição de assistência social, quais sejam: a) o fim público institucional,

exclusivo, ou, ao menos, principal; b) a gratuidade e ausência de intuito lucrativo; e,

c) a generalidade na prestação dos serviços ou na distribuição de utilidades e

benefícios (BRAGA, 1969).

Em obra destinada à análise da imunidade tributária das entidades de

previdência fechada, Ferreira (2001, p. 51-100) tece inúmeras críticas à doutrina de

Braga, afirmando que o termo instituição não foi utilizado pelo legislador constituinte

com o rigor técnico que este pretendia parecer. Afirma, ainda, que essa falta de rigor

teria se agravado com a ordem constitucional de 1988, razão pela qual os requisitos

apontados não mais poderiam ser utilizados para a solução dos casos trazidos à

análise do Judiciário. Conclui o autor, portanto, que as entidades de previdência

fechada seriam imunes a impostos, na forma do artigo 150, VI, “c” da Carta Maior

(FERREIRA, 2001).

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No entanto, a conclusão apontada por Ferreira (2001, p. 151) não possui

guarida nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, sendo

entendimento pacífico que as entidades de previdência fechada não possuem a

pretendida imunidade tributária. Tal se dá tendo em vista a ausência de

universalidade e generalidade na prestação de seus serviços, como se observa da

decisão paradigmática proferida pelo Tribunal Pleno:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. INEXISTÊNCIA. 1. Entidade fechada de previdência privada. Concessão de benefícios Aos filiados mediante recolhimento das contribuições pactuadas. Imunidade tributária. Inexistência, dada a ausência das características d e universalidade e generalidade na prestação, próprias dos órgãos de a ssistência social . 2. As instituições de assistência social , que trazem íncito em suas finalidades a observância ao princípio da universal idade, da generalidade e concede benefícios a toda a coletivi dade, independentemente de contraprestação , não se confundem e não podem ser comparadas com as entidades fechadas de previdência privada que, em decorrência da relação contratual firmada, apenas contempla uma categoria específica, ficando o gozo dos benefícios previstos em seu estatuto social dependente do recolhimento das contribuições avençadas, conditio sine qua non para a respectiva integração ao sistema. Recurso Extraordinário conhecido e provido.” (Recurso Extraordinário nº 202700-6,Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, Relator Ministro Maurício Corrêa, publicado em 01-03-2002)

Como se depreende da leitura da decisão em questão, os requisitos apontados

por Braga (1969) continuam a irradiar o entendimento do Supremo Tribunal Federal,

ainda que não centrado especificamente na discussão sobre o termo instituição,

como originalmente ocorria. E é a ausência de satisfação a estes requisitos que fez

com que o Supremo Tribunal Federal reconhecesse a pretendida imunidade

tributária às entidades de previdência privada.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 730, na qual

reconhece que a imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Carta

Maior somente alcança as entidades fechadas de previdência social privada na

hipótese de não haver contribuição dos beneficiários. Mais uma vez, se vislumbra

um dos requisitos apontados pelo doutrinador, qual seja, a gratuidade na prestação

dos serviços.

No que se refere à exigência de gratuidade das instituições de assistência

social, no entanto, desde muito o Supremo Tribunal Federal possui entendimento

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firmado de que os serviços não precisam ser prestados de forma totalmente gratuita,

valendo-se muito mais do comprometimento social da instituição, que não é afastado

pela cobrança dos serviços daqueles que possuem condições financeiras para tanto.

Mesmo Braga (1969, p. 94) afirma que o conceito de gratuidade não é absoluto e

“há de ser entendido em termos”, prevendo inclusive a cobrança pelos serviços

prestados “a pessoas economicamente abonadas a fim de poderem manter os

gratuitos ministrados aos menos favorecidos da fortuna” (1969, p. 95).

Nesse sentido, no que se refere à Súmula 730 editada pelo Supremo Tribunal

Federal, a previsão da gratuidade total se dá tendo em vista haver entidades de

previdência complementar fechada que são custeadas integralmente pelos

empregadores, ou seja, a mantenedora arca com todos os ônus. Nestes casos, haja

vistas a total ausência de contribuição do beneficiado, efetivamente não haveria

razão para o não reconhecimento da imunidade tributária, sendo este o motivo da

manutenção do benefício, mas somente nestes termos.

O reconhecimento de que as entidades de previdência privada não são, em

regra, imunes ocorreu tendo em vista exatamente não poderem as mesmas serem

consideradas instituições que atuem de forma a proteger o interesse público, de

forma gratuita (ainda que parcialmente) e colocando seus serviços à disposição da

generalidade das pessoas. Assim, a vontade constitucional que identifica uma

instituição de assistência social assistência relaciona-se ao seu fim público, mesmo

sendo uma pessoa jurídica de direito privado. A questão centra-se na efetiva

implementação de uma política pública.

De qualquer modo, o que se tem é que toda a discussão que envolveu as

entidades de previdência privada deve servir como base para se compreender a

questão das instituições de assistência social e sua imunidade tributária. Nesse

aspecto, a prevalência dos requisitos apontados por Braga (1969) no que se refere

às entidades de previdência privada pode ser apontada como mais um argumento

no sentido de sua perfeita possibilidade de utilização mesmo sob a égide da

Constituição Federal de 1988.

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Em que pese a força das críticas trazidas por Ferreira (2001), os requisitos

apresentados por Braga parecem se coadunar com o âmago constitucional ora

vigente. Isso porque mesmo que na hipótese de não se considerar viável centrar a

análise do tema no que se refere à extensão do termo instituição, haja vistas que

inegavelmente o legislador constituinte não empregou o termo com o rigor científico

que se fazia necessário, a imunidade somente poderá ser alcançada a uma

instituição que esteja realmente prestando assistência social51, ou seja, a uma

instituição que atue em prol de um fim público, colocando seus serviços à disposição

da generalidade dos indivíduos e, conforme critérios de razoabilidade, de forma

gratuita, sem qualquer objetivo de lucro.

Nesse sentido, as ponderações trazidas por Ferreira (2001), ainda que

metodologicamente corretas, sucumbem frente a princípios maiores que devem

pautar o ordenamento, como a necessidade de uma interpretação sistemática das

normas constitucionais, e de uma interpretação teleológica das imunidades

tributárias. Por conseqüência, pretender que os objetivos constitucionais sejam

deturpados por questões de mera nomenclatura seria efetivamente empregar um

rigor excessivo, que acabaria por importar em descrédito e inefetividade do sistema.

O maior exemplo que se pode oferecer é a própria regra expressa no § 7º do

artigo 195 da Constituição Federal, a qual, como será devidamente analisada, utiliza

o termo isenção quando na verdade está a constituir verdadeira imunidade tributária.

Nesse caso, a nomenclatura utilizada pelo legislador constituinte não impediu a

doutrina e a jurisprudência de afirmar que se estava diante de uma regra de

imunidade e que, portanto, se submetia às mesmas exigências da imunidade

prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Carta Maior.

Pelos mesmos motivos, e em nome da eficácia do sistema constitucional, o §

7º do artigo 195 da Constituição Federal deve ser compreendido pelo operador

jurídico como se nele constasse o termo instituições beneficentes de assistência

51 O artigo 3o da lei orgânica da assistência afirma que “Consideram-se entidades e organizações de assistência social aquelas que prestarem, sem fins lucrativos, atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangidos por esta Lei, bem como as que atuam na defesa e garantia de seus direitos”.

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social, e não entidades beneficentes de assistência social. Até porque a intenção do

legislador constituinte de desonerar apenas aqueles entes que atuam realmente na

consecução de interesses públicos é ainda mais nítida neste dispositivo, tendo em

vista a inclusão do termo beneficentes. Desse modo, tanto a parte final da alínea “c”

do inciso VI do artigo 150, como o § 7º do artigo 195 da Constituição Federal,

possuem a exigência constitucional de se tratarem de instituições de assistência

social, sendo perfeitamente aplicável a doutrina de Braga (1969).

Em verdade, sempre que se estiver diante de uma regra que por sua própria

finalidade e razão de ser exige que a pessoa jurídica possua finalidade pública

específica, com prestação de seus serviços à generalidade das pessoas e de forma

gratuita (ainda que não totalmente), tal pessoa jurídica deverá ser encarada como

uma instituição. Desse modo, para que a imunidade tributária possa ser alcançada

somente àqueles que efetivamente a façam jus, é imprescindível que se contemple o

caráter assistencial, sob pena de desatender-se o objetivo constitucional.

O que se tem é que a desoneração indistinta não era o objetivo do legislador

constituinte. Seu intuito foi, sim, o de reconhecer que existem instituições que

prestam relevantes serviços sociais e, portanto, merecem uma tributação

privilegiada. Nesse sentido, vale-se novamente dos ensinamentos de Braga (1969,

p. 105):

A razão político-social de conferir-se à instituição de educação e assistência social a prerrogativa excepcionalíssima , o privilégio da imunidade tributária outorgado pela Constituição, está em que ela – a ‘instituição’ – se propõe, por bem dizer, substituir parcialmente o Estado ou auxiliá-lo e secundá-lo, por vocação altruística ingênita, na tarefa, inerente a seus fins, de assistência, amparo e socorros públicos.

Percebe-se, pois, que a imunidade conferida pelo constituinte diz respeito aos

entes que atuam em suplementação à atividade estatal. A análise deverá ser

sempre casuística e deverá ter em mente a real finalidade da entidade que pretende

ser considerada imune, a fim de se confirmar seu comprometimento com um

interesse público sobressalente, a caracterizando como uma instituição.

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O fim pelo qual são alcançadas as imunidades diz respeito ao fato de estarem

tais instituições atuando diretamente na área social, ou seja, preservando elas

próprias, ao lado do Estado, o interesse público. E, se as circunstâncias fáticas

deixam claro que tais instituições não estão atuando “ao lado do Estado”, não se

visualiza qualquer razão evidente para se reconhecer a imunidade.

Seu enquadramento como instituições de assistência social dependerá, pois,

do comprometimento por elas assumido na implantação de políticas públicas, sendo

que essa discussão deve ser transposta para uma análise casuística, interpretando-

se a Constituição tendo em vista o objetivo da norma imunizante. Por conseguinte, a

assistência social deve ser realizada na forma de uma política pública, com a

prestação dos serviços a quem deles necessitar. Sua atuação deve, pois, ser

suplementar à do Estado.

O primeiro requisito é, pois, constitucional e diz respeito às características que

possibilitam a configuração de uma instituição de assistência social. Junto à

Constituição Federal também se tem a vedação à finalidade lucrativa, como já

referido.

Nesse aspecto, é preciso que se esclareça desde já que a proibição ao objetivo

de lucro não importa em uma vedação da entidade cobrar, de quem possui

condições para tanto, pelos serviços que presta. Isso porque, inegavelmente, as

instituições de assistência social não são mais custeadas por grandes doações de

particulares ou mesmo de entes públicos, sendo que o exercício de suas atividades

depende, em grande parte, exatamente do valor arrecadado daqueles que usufruem

os serviços.

O que não se pode admitir é que a atuação da entidade não esteja de acordo

com o interesse público, em razão de que a imunidade apenas lhe é alcançada

tendo em vista sua atuação como um “braço” do Estado. A gratuidade deve sim

estar presente, mas conforme parâmetros de razoabilidade, tendo em vista a

necessidade da instituição garantir a manutenção de suas atividades.

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Assim, em que pese o reconhecimento de que as exigências não podem ser

colocadas em mera lei ordinária, como será devidamente analisado, o que afasta a

aplicação dos requisitos previstos na Lei n. 9.732/98 e, é bom que se lembre,

também os contidos na redação original do artigo 55 da Lei Orgânica da Assistência

Social (Lei n. 8.212/93), a prestação da gratuidade é um dos elementos que traduz o

comprometimento social da instituição, sendo necessário um equilíbrio entre os

valores que seriam gastos com a tributação e os que são implementados

diretamente no atendimento de forma gratuita.

É imprescindível, pois, que haja no mínimo um equilíbrio entre o valor não

recolhido aos cofres públicos em decorrência da desoneração tributária e o valor

dispendido em serviços prestados de forma gratuita, devendo as atividades ser

pautadas em prol do interesse público.

Nesse sentido, em uma interpretação sistemática da Constituição Federal,

levando-se em conta os princípios por ela adotados, como por exemplo o da

impessoalidade nos atos da Administração Pública, percebe-se que a assistência

social não mais pode ser encarada como um favor concedido pelo Estado ou pelo

governante, mas sim como um direito subjetivo intimamente relacionado ao disposto

no artigo 6º da Carta Maior.

As normas de imunidade devem, pois, ser interpretadas de forma teleológica,

de acordo com o fim a que foram instituídas, qual seja, desonerar aquelas

instituições que atuam como um braço do Estado, na consecução de um interesse

público sobressalente.

No que se refere à interpretação das imunidades tributárias, observa-se a

seguinte lição de Costa (2001, p. 117):

As normas imunizantes têm seus objetivos facilmente identificáveis pelo intérprete, porquanto estampados na Constituição, quase sempre de modo explícito. A partir da identificação do objetivo (ou objetivos) da norma imunizante, deve o intérprete realizar a interpretação mediante a qual o mesmo será atingido em sua plenitude, sem restrições ou alargamentos do espectro eficacial da norma, não autorizados pela própria Lei Maior.

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Em outras palavras, a interpretação há que ser teleológica e sistemática – vale dizer, consentânea com os princípios constitucionais envolvidos e o contexto a que se refere.

Assim, o aplicador do direito deverá buscar sempre o objetivo da imunidade

conferida, tendo em vista a bipolaridade que é relativa às relações jurídicas entre o

Poder Público e o contribuinte. Tem-se, desse modo, que sempre que a imunidade

for alcançada indistintamente o sistema constitucional não estará sendo

efetivamente respeitado. É por esta razão que se fez necessária a abordagem sobre

a extensão do termo ‘instituição de assistência social’, permitindo-se a perfeita

aplicação da imunidade tributária conferida a estas instituições.

Do mesmo modo, faz-se necessária a compreensão de termos próprios de

direito tributário, como é o caso da própria imunidade tributária e sua

regulamentação infraconstitucional. Passa-se, pois, à análise da imunidade tributária

das instituições sociais e sua importância na idéia de Estado fomentador de políticas

públicas.

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3 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE ASSISTÊN CIA SOCIAL

Compreendidas as questões que se relacionam à atuação do público não

estatal e de sua importância na idéia de Estado fomentador de políticas, passa-se a

analisar a norma de imunidade propriamente dita. Com efeito, se o objetivo do

presente trabalho é compreender a imunidade tributária das instituições de

assistência social é necessário que as atenções sejam voltadas para a imunidade

tributária, depreendendo-se sua natureza jurídica, a regulamentação

infraconstitucional e a sua própria atuação enquanto política pública.

Inicia-se, assim, com a abordagem relativa à natureza da imunidade tributária,

ressaltando-se as discussões existentes na doutrina pátria.

3.1 Natureza jurídica das imunidades tributárias e sua atuação como

instrumento do Estado fomentador

A inintributabilidade é hoje considerada uma verdadeira garantia constitucional,

servindo com um dos tantos suportes que podem ser interligados ao Estado

Democrático de Direito. Entretanto, não obstante a inegável importância assumida

pela imunidade tributária para o bom andamento do Estado, a doutrina pátria ainda

não conseguiu chegar a um consenso quanto à exata definição e natureza jurídica

do termo, sendo bastante apurada a discussão que perdura. Neste ponto, é bom que

se diga, não possui o objetivo de exaurir a matéria, mas apenas o de fornecer os

conceitos básicos que se fazem necessários para a perfeita compreensão do tema

proposto, de forma a se instigar uma análise crítica-reflexiva quanto ao assunto.

Parte-se, pois, da noção básica de que as imunidades tributárias52 podem ser

consideradas normas constitucionais balizadoras, cujo atendimento se torna

imprescindível para o perfeito andamento do Estado. As regras de imunidade serão

52 Torres (2005, p. 44-45) conceitua a imunidade tributária como “[...] uma relação jurídica que instrumentaliza os direitos fundamentais, ou uma qualidade da pessoa que lhe embasa o direito público subjetivo à não-incidência tributária ou a uma exteriorização dos direitos da liberdade que provoca a incompetência tributária do ente público”.

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sempre decorrência do exposto da Constituição Federal, o que por si só já

demonstra a sua relevância e seu grau de destaque junto ao ordenamento posto.

É exatamente por decorrer de normas constitucionais que a imunidade se

distingue da isenção, visto vir esta prevista em lei e ser passível de revogação a

qualquer tempo, desde que ausente o interesse público que a originou e ressalvados

os direitos adquiridos. Com efeito, cabe aos Poderes Legislativos da União, dos

Estados e dos Municípios, por intermédio de lei complementar ou de lei ordinária,

especificar as hipóteses em que o Poder Público concederá o benefício da isenção,

sempre dentro de seu âmbito de competência.

Para Amaro (2003, p. 273),

a imunidade e a isenção distinguem-se em função do plano em que atuam. A primeira opera no plano da definição da competência , e a segunda atua no plano da definição da incidência . Ou seja, a imunidade é técnica utilizada pelo constituinte no momento em que define o campo sobre o qual outorga competência . (...) Já a isenção se coloca no plano de definição da incidência do tributo, a ser implementada pela lei (geralmente ordinária) por meio da qual se exercite a competência tributária.

Pelo que se percebe, embora tanto a imunidade quanto a isenção sejam

consideradas formas de desoneração tributária, ambas não se confundem,

possuindo a imunidade características próprias.

Da mesma forma, a imunidade igualmente não se equipara à hipótese de não

incidência, já que esta se dá quando não há a ocorrência do fato gerador. Em

verdade, para que haja a incidência tributária, é necessário que se visualize a

ocorrência de todos os elementos previstos em lei, com a subsunção,

conseqüentemente, de tais fatos à norma que prevê a tributação, sendo que

somente em tal hipótese se pode falar em fato gerador e, por conseguinte, em

incidência. Em sentido inverso, pode-se afirmar que a não incidência abrange

aqueles fatos não alcançados nas definições da hipótese de incidência.

Compreende-se, assim, que tanto a isenção quanto a não incidência são

figuras totalmente diversas da imunidade tributária. Isso porque enquanto a isenção

impede a incidência do tributo por determinação de lei específica, a não incidência

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implica na não ocorrência do mesmo, já que ausentes os requisitos legais para a

tributação. A imunidade, ao contrário, impede o surgimento do dever de pagar

determinadas espécies de tributos tendo em vista regra constitucional que afasta o

poder de tributar do Estado.

Mas a própria conceituação do termo imunidade tributária causa grandes

discussões, passando-se a analisar a conceituação do termo imunidade tributária.

Inicia-se pela tese defendida por Falcão (1961, p. 370) de que a imunidade nada

mais é que uma espécie de não-incidência constitucionalmente qualificada:

O que há na imunidade, como se está a ver, é uma forma qualificada ou especial de não incidência, por supressão, na Constituição, da competência impositiva ou do poder de tributar, quando se configuram certos pressupostos, situações ou circunstâncias previstos pelo estatuto supremo.

Quanto a esse entendimento particularizado do autor, várias são as críticas

apontadas, especialmente tendo em vista que a não-incidência significa ausência de

fato tributável, simplesmente, e não uma delimitação de competência ou a instituição

de uma competência negativa. Nesse sentido, Costa (2001, p. 41) esclarece que

“[...] a não-incidência corresponde à inocorrência do impacto da norma jurídica sobre

determinado fato[...]”, chegando a afirmar que a mesma se constituiria “[...]

irrelevante para a Ciência Jurídica, posto que não se configura como fato jurídico

[...]”. Segundo a doutrinadora, o maior erro daqueles que defendem que a imunidade

e a isenção estariam inclusas em tal categoria seria basear a teoria em explicações

sobre a fenomenologia da incidência tributária.

De outro lado, Baleeiro (2003, p. 113), o autor clássico das imunidades,

defende que a imunidade tributária nada mais é do que uma limitação constitucional

ao poder de tributar, visto que extrai da competência do poder público seu poder

imanente de tributação. Em suas palavras, as imunidades

não se confundem com isenções, derivadas da lei ordinária ou da complementar (CF, art. 19, § 2º) que, decretando o tributo, exclui expressamente certos casos, pessoas ou bens, por motivos de política fiscal. A violação do dispositivo onde se contém a isenção importa em ilegalidade e não em inconstitucionalidade (CTN, arts. 175 a 179).

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Não obstante ser necessário se reconhecer que Baleeiro (2003, p. 113)

desenvolveu papel primordial na colocação em voga dos temas relativos ao Direito

Tributário, a insuficiência da definição por ele oferecida à imunidade tributária salta

aos olhos quando se depara com o fato de que a Constituição estabelece várias

limitações ao poder de tributar do Estado, em especial as garantias oferecidas aos

contribuintes. É bom que se diga, nesse aspecto, que é o próprio autor que afirma

que enquanto toda imunidade pode ser considerada uma limitação ao poder de

tributar, a recíproca não é verdadeira (BALLEIRO apud COSTA, 2001), haja vistas

existir junto ao ordenamento outras limitações de tal espécie, como é o caso dos

princípios constitucionais-tributários.

Com efeito, a Constituição Federal traz em seu corpo uma série de princípios53

tributários a serem observados pelo Poder Executivo, pelo Poder Judiciário e pelo

Poder Legislativo. Tratam-se de postulados constitucionais genéricos que informam

a atuação do Estado, e cuja atenção faz-se imperiosa para a manutenção do Estado

Democrático de Direito (CARVALHO, 2005).

Paulo de Barros Carvalho (2005, p. 148) afirma que os princípios são:

[...] linhas diretivas que iluminam a compreensão de setores normativos, imprimindo-lhes caráter de unidade relativa e servindo de fator de agregação num dado feixe de normas. Exercem eles uma reação centrípeta, atraindo em torno de si regras jurídicas que caem sob o seu raio de influência e manifestam a força de sua presença.

Como se vê, no sistema jurídico moderno os princípios assumem papel de

destaque, superando a condição de meros mecanismos a serem utilizados para

suprir as lacunas do Direito. Em verdade, servem como requisitos primordiais a

serem observados em todos níveis da organização social.

A proibição do confisco e a necessidade de que se atente ao princípio da

capacidade contributiva dos indivíduos, são dentre tantos outros, exemplos do que

se pode denominar de limitações constitucionais ao poder de tributar, e essas

53 Os princípios são espécies de normas jurídicas, do mesmo modo que o são as regras, possuindo força normativa e, assim sendo, devem ser aplicados seja qual for a ordem de discussão, haja vistas que irradiam seus efeitos sobre o ordenamento posto.

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normas, no entanto, em nada se confundem com a imunidade tributária. Desse

modo, ao redigir as Notas que atualizam a obra de Baleeiro (2003), Derzi (2003, p.

114) afirma:

Aliomar Baleeiro, o autor clássico das imunidades, define-as, por seus efeitos, como limitações constitucionais ao poder de tributar. Não obstante, são limitações constitucionais ao poder de tributar, ainda, o princípio da legalidade, a da anterioridade, da igualdade, da vedação do confisco, etc. Também a Constituição Federal intitula a Seção II do Capítulo VI de “Das Limitações ao Poder de Tributar” e, dentro dela, inclui, de modo não exaustivo, as imunidades propriamente ditas e os demais princípios e normas reguladoras dos direitos e garantias dos contribuintes, como legalidade, irretroatividade, anterioridade, vedação do confisco e outros.

Não bastasse tal, ao se analisar o critério cronológico, a definição oferecida

também não subsistiria. Isso porque as regras de imunidade tributária, assim como

as demais regras de competência, vêm expressas no texto constitucional, ou seja,

ao mesmo tempo em que a competência é delimitada. Assim, não se pode

considerar a mesma uma limitação à competência tributária.

Ramos Filho (1999, p. 50), ao tecer suas críticas quanto à definição da

imunidade tributária como limitação constitucional da competência tributária, afirma

que:

A norma constitucional da imunidade não atua, portanto, em um momento posterior à outorga de competência tributária, mas simultaneamente a este , colaborando na definição das faixas de competências tributárias entregues às entidades políticas. Não se trata de uma limitação ou supressão da competência tributária ou do poder de tributar, pela razão de que, nas situações imunes não existe (nem preexiste) poder de tributar ou competência impositiva.

Pelo que se compreende, crescentes têm sido as complementações oferecidas

à clássica definição de Baleeiro (2003, p. 113), o que demonstra a insubsistência da

mesma. Isso porque a imunidade não vem para limitar a competência tributária (visto

que essa já nasce delimitada), mas sim para instituir uma regra de estrutura

direcionada especialmente ao legislador, estabelecendo uma espécie de

competência negativa.

A conclusão de que a imunidade é uma regra de estrutura se dá pelo fato de

que a mesma possui um dever-ser neutro, não se preocupando em prescrever

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condutas humanas, mas sim em fixar competência tributária. É o que se extrai da

lição de Ferreira Sobrinho (1996, p. 78), o qual afirma que “a regra imunizante é uma

regra de estrutura porque se presta à fixação da competência tributária e à

regulação da edição de outras regras jurídicas. Não freqüenta, portanto, o plano da

conduta”.

E, uma vez se tratando a imunidade de uma regra de estrutura cuja definição

deve ser buscada junto à Constituição, e se tendo em mente as especificações que

a caracterizam e que excluem as definições da mesma como regra de não-

incidência constitucionalmente qualificada ou apenas como limitação à competência

tributária, tem-se que a mesma efetivamente se trata de regra de competência

negativa. Adota-se, pois, a conhecida definição de Carvalho (2005, p. 121), na qual

o mesmo afirma que a imunidade é

[...] a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.

Assim, a imunidade efetivamente se caracteriza como uma regra de

competência negativa contida no texto da Constituição Federal, que deve pautar a

atuação dos poderes instituídos. Com efeito, ao exercer seu poder de tributar, o

Estado deverá atentar às garantias fundamentais dos contribuintes, reconhecendo

seu direito subjetivo à não tributação, desde que satisfeitos os requisitos

constitucionais e, conforme o caso, também os expressos na legislação

infraconstitucional.

Ter-se a imunidade tributária como uma regra de competência negativa traça

seu contorno como instrumento a ser utilizado pelo Estado para a fomentar a

atuação da sociedade civil. É neste sentido que se tem que o Estado fiscal,

caracterizado pelo custeio de suas atividades não tendo em vista seu próprio

patrimônio, mas sim a intervenção do poder público no patrimônio dos particulares,

coloca a imunidade tributária como um desiderato da democracia, sendo isto sim um

instrumento de proteção da liberdade e da igualdade (TORRES, 2005).

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Nesse sentido, a liberdade e suas implicações faz com que seja necessária a

análise da imunidade tributária tendo em vista seus reflexos no ordenamento.

Explica-se: se toda vez que se pensar em liberdade é necessário que se

compreenda que este direito fundamental traz consigo questões que o

complementam, como é a idéia da própria concretização da justiça, também é

necessário que se entenda que o direito fundamental da liberdade tem uma

coimplicação no que se refere ao poder público. Este é o contraponto da imunidade

tributária.

Assim, se a liberdade dos indivíduos e o direito à sua propriedade privada

sucumbem frente ao poder impositivo do Estado no que se refere aos tributos, é o

poder impositivo que deixa de existir quando se está diante de uma imunidade

tributária. E para chegar-se a esta conclusão, basta que se compreenda os motivos

que colocam determinada pessoa ou situação na condição de imunes

tributariamente.

É neste sentido que se tem que a liberdade fundamenta as garantias

constitucionais oferecidas aos contribuintes, permite a tributação e ainda serve de

base para que se possa falar em imunidade tributária. (TORRES, 2005).

Consagrar a liberdade é compreender que a liberdade do indivíduo limita-se na

liberdade do outro, como expresso no artigo 4o da Declaração dos Direitos do

Homem, de 1789. A grande questão é como tratar o poder de tributar em

consonância com os direitos fundamentais dos contribuintes.

Ao tratar do assunto, Torres (2005, p. 77) afirma que imunidades como a do

mínimo existencial e a relativa à vedação ao confisco “[...] forram-se contra o

excesso ou a desproporção da incidência, mas não aparecem enquanto a tributação

se faz nos limites da razoabilidade e da capacidade contributiva [...]”. Percebe-se,

assim, que mesmo sendo a liberdade um direito absoluto, tal não significa que este

seja um direito ilimitado.

O que se tem é que a própria interpretação das imunidades deve ser realizada

de acordo com a liberdade, sendo que acaso o intérprete possua alguma dúvida

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quanto ao real significado do texto constitucional, deve o mesmo interpretar a

imunidade tributária de forma que se garanta a liberdade (TORRES, 2005). E a

preponderância da liberdade pode ser entendida em consonância com o objetivo de

justiça social.

A realização da justiça social interliga-se com a dimensão teleológica que deve

ser alcançada à interpretação da imunidade tributária, sendo que o rigor oferecido às

finanças públicas é mediado pelas garantias constitucionais. É neste sentido que

Torres (2005, p. 109) especifica os critérios a serem observados na interpretação

das imunidades fiscais:

[...] a) adota o pluralismo metodológico, com o equilíbrio entre os métodos literal, histórico, lógico e sistemático, todos eles iluminados pela dimensão teleológica; b) modera os resultados da interpretação, admitindo assim a interpretação extensiva que a restritiva, tanto a objetiva quanto a subjetiva, todas em equilíbrio e a depender do texto a ser interpretado; c) apóia-se no pluralismo teórico, com o princípio respectivo da não-identificação com ideologias triviais; d) recusa, da mesma forma que a interpretação das isenções, a analogia, que implica a extensão da imunidade a direitos não-fundamentais; e) busca o pluralismo de valores, com o equilíbrio entre liberdade, justiça e segurança jurídica.

Em sua obra, Torres (2005) coloca a imunidade tributária como um direito

anterior à ordem constitucional, derivando de direitos fundamentais que independem

do reconhecimento legal. Por esta razão é que se especifica a interpretação

teleológica, compreendendo-se os motivos que levaram ao reconhecimento da

situação de imune. Em outras palavras, o que se tem é que a interpretação

teleológica permite que se busque os reais motivos da imunidade tributária,

possibilitando a concretização dos objetivos constitucionais e, de outro lado,

respeitando o mínimo existencial.

O mínimo existencial, neste sentido, relaciona-se à questão da pobreza54 e tem

uma elevada importância na história da fiscalidade moderna. Com efeito, no Estado

fiscal de Direito, a questão da pobreza é tratada com respeito à imunidade do

54 Torres (2005, p. 174) afirma: “O problema do mínimo existencial confunde-se com a própria questão da pobreza. Aqui também há que se distinguir entre a pobreza absoluta, que deve ser obrigatoriamente combatida pelo Estado, e a pobreza relativa, ligada a causas de produção econ6omica ou de redistribuição de bens, que será minorada de acordo com as possibilidades sociais e orçamentárias [...]”.

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mínimo existencial e com a prestação da assistência social, sendo que a própria

tributação se dá com respeito à capacidade contributiva (TORRES, 2005).

Desse modo, o mínimo existencial trata-se de direito subjetivo protegido

negativamente e positivamente, relacionando-se com a estruturação de um processo

democrático. Neste sentido, tem-se que:

O mínimo existencial, assim pelo seu aspecto negativo, como pela necessidade da proteção positiva, carece, para se concretizar, do processo democrático, do due process of law, da separação e interdependência dos poderes e do federalismo: o trabalho da legislação, da administração e, sobretudo, da jurisprudência contribui para a efetividade das condições mínimas da vida humana digna.

A imunidade tributária das instituições de assistência social ganha força, nesse

contexto, tendo em vista que estas instituições atuam de modo a efetivar as

necessidades vitais básicas, suplementando a atividade estatal. Assim, se o mínimo

existencial, por si só, já deve ser considerado imune, então aquelas instituições que

agem de modo a concretiza-lo tendo em vista a população carente devem receber o

abrigo da norma constitucional de competência tributária negativa.

Efetivamente, o que se tem é que a imunidade se relaciona a pessoas, já que

invariavelmente é a elas que beneficia, “[...] quer por sua natureza jurídica, quer pela

relação que guardam com determinados fatos, bens ou situações [...]” (CARRAZA,

1997, p. 399). A conclusão a que se chega é que a imunidade tributária somente é

alcançada às instituições de educação e de assistência social devido à

particularidade do serviço que é por elas prestados, relacionando-se, pois, com suas

características pessoais e com sua natureza jurídica. Não fossem tais

particularidades, por certo que a imunidade tributária não lhes seria alcançada.

Percebe-se, assim, que ao conferir a referida imunidade às instituições de

assistência social, está o Estado a fomentar a implementação de políticas públicas

pela própria sociedade civil. Tratam-se, pois, de políticas tributárias que visam a

inclusão social, através do reconhecimento estatal quanto à atuação do terceiro

setor.

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É exatamente pela natureza do serviço prestado pelas entidades assistenciais,

pois, que o legislador constituinte as elevou à situação de imunes. É nesse aspecto

que se tem que a imunidade tributária, como norma constitucional, deve ser

analisada com vistas à sua concretização, de modo que se tenha a pré-

compreensão do seu sentido, primando-se o texto constitucional em face do

problema (CANOTILHO, 1998).

J. J. Gomes Canotilho (1998, p. 1088-1089), ao discorrer sobre a importância

da concretização das normas constitucionais, assim coloca:

Num ordenamento jurídico dotado de uma constituição escrita, considerada como ordem jurídica fundamental do Estado e da sociedade, pressupõem-se como ponto de partidas normativos da tarefa de concretização-aplicação das normas constitucionais (constitucional construction na terminologia americana): (1) a consideração de norma como elemento primário do processo interpretativo; (2) a mediação (captação, obtenção) do conteúdo (significado, sentido, intenção) semântico do texto constitucional como tarefa primeira da hermenêutica jurídico-constitucional; independentemente do sentido que se der ao elemento literal (= gramatical, filológico), o processo concretizador da norma da constituição começa com a atribuição de um significado aos enunciados lingüísticos do texto constitucional.

Pelo que se percebe, a concretização dos dispositivos constitucionais

pressupõe a compreensão de seu alcance, ou seja, do alcance dos termos

empregados. Assim, para que haja a devida concretização das imunidades

tributárias das instituições de assistência social, é imprescindível que se utilize a

compreensão já realizada neste trabalho no que se refere às organizações que

podem ser consideradas como de assistência social, para só então garantir-se às

mesmas a tributação privilegiada.

É nesse sentido que a compreensão dos contornos constitucionais da

assistência social faz-se importante, de modo a compreender-se que a imunidade

tributária somente pode ser alcançada àquelas instituições que estejam a

implementar uma efetiva política pública, concretizando os direitos sociais e, em

última análise, os direitos individuais. A primeira compreensão é, pois, constitucional,

sendo que a análise quanto à satisfação dos requisitos infraconstitucionais somente

deve ser realizada quando a instituição contempla a vontade constitucional, agindo

como um verdadeiro braço do Estado.

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Este é o tema central das imunidades tributárias oferecidas às instituições de

assistência social, sendo que sua concretização somente se faz possível em um

ambiente de comprometimento social. A vontade constitucional é o verdadeiro

contorno da imunidade tributária, sendo que a discussão não pode ficar restrita à

satisfação ou não dos requisitos infraconstitucionais, a exemplo do que se tem visto

na atividade jurisdicional.

No entanto, se a discussão não pode ficar restrita à regulamentação

infraconstitucional das imunidades tributárias das instituições de assistência social,

esse é um ponto que também não pode ser esquecido. Mostra-se, assim, relevante,

a abordagem tendo em vista, especialmente, as inúmeras discussões existentes

quanto ao veículo normativo adequado para a realização da referida especificação

infraconstitucional.

3.2 Imunidades tributárias condicionadas e regulame ntação infraconstitucional

Dentre as várias classificações que podem ser atribuídas à imunidade

tributária, uma merece especial atenção: a imunidade condicionada e a imunidade

incondicionada. Na imunidade incondicionada, a imediata fruição da desoneração

prevista em ordem constitucional não precisa atender a qualquer outra previsão

legislativa, visto que a própria Carta Maior já traz em si todos os requisitos que se

fazem necessários. Já na imunidade condicionada, além do respeito à norma

constitucional, se faz igualmente necessária a atenção aos requisitos expressos em

legislação infraconstitucional, sendo que uma vez editada a lei complementar a

fruição dessa imunidade fica ‘condicionada’ ao atendimento de tais previsões.

Ao se analisar o texto constitucional brasileiro, tem-se como exemplos de

imunidades incondicionadas as previsões contidas nas alíneas “a” (imunidade

recíproca), “b” (imunidade dos templos) e “d” (imunidade dos livros, jornais,

periódicos e do papel destinado à sua impressão) do inciso VI do artigo 150, haja

vistas que em tais hipóteses o legislador constituinte não fez qualquer menção

quanto a requisitos infraconstitucionais. Tratam-se, pois, de regras de eficácia plena

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e de aplicação imediata, que proíbem o Poder Público de instituir impostos em tais

situações.

Desse modo, no que tange à imunidade recíproca, à imunidade dos templos e

à imunidade dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado à sua impressão, os

requisitos para o seu reconhecimento são tão somente os previstos na Constituição

Federal, sem a necessidade de que sejam atendidas quaisquer outras previsões

para que as regras constitucionais venham a produzir integralmente seus efeitos.

No entanto, o sistema constitucional pátrio apresenta também normas de

imunidade que fazem referência a requisitos expressos em lei. É a situação, por

exemplo, da imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Constituição

Federal55.

Nesse caso, o legislador constituinte se preocupou, como não poderia deixar

de ser, em trazer a específica previsão de quais as entidades são abrangidas pela

imunidade (partidos políticos e suas fundações, entidades sindicais dos

trabalhadores, e instituições de educação e de assistência social), bem como o

alcance da imunidade (impostos relativos ao patrimônio, à renda ou aos serviços).

Ou seja, a norma constitucional traz suficientemente clara as hipóteses em que se

configura a competência negativa dos entes políticos, sendo que à norma

infraconstitucional recaiu apenas a obrigação de regulamentar os aspetos formais.

Frise-se, por oportuno, que a regra do artigo 150, inciso VI, alínea ”c” da

Constituição Federal tem aplicação apenas com relação a impostos, não estando aí

incluída as demais espécies de tributos. Como se sabe, impostos são espécies de

tributos, assim como também o são as taxas, as contribuições de melhoria, os

empréstimos compulsórios e as demais contribuições.

55 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] VI – instituir impostos sobre: [...] c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.

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No que se refere a impostos, esses são apenas aqueles previstos na

Constituição Federal, ressalvando-se a competência residual e extraordinária da

União. Ao delimitar a competência tributária dos entes federados, a Constituição

Federal traz quais impostos competem a cada um dos entes federados. Tem-se,

desse modo, como impostos da União, o imposto sobre a renda a proventos de

qualquer natureza, o imposto sobre a importação de produtos estrangeiros, o

imposto sobre a exportação de produtos, o imposto sobre produtos industrializados,

o imposto sobre as operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou

valores mobiliários, o imposto sobre a propriedade territorial e o imposto sobre

grandes fortunas56. Como impostos do Estado, tem-se o imposto sobre a circulação

de mercadorias e serviços, o imposto sobre a propriedade de veículos automotores

e o imposto sobre a transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou

direitos. Como impostos dos Municípios, tem-se o imposto sobre serviços de

qualquer natureza, o imposto sobre a transmissão onerosa de bens imóveis e o

imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana.

Assim, a imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alcança a todos esses

impostos, tendo-se regra de competência negativa que impede sua instituição em

face das entidades ali mencionadas, incluindo-se em tal ponto as instituições de

assistência social.

Especialmente no que concerne às instituições de assistência social, tem-se

ainda a desoneração prevista no § 7º do artigo 195 da Carta Maior:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: [...] § 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam as exigências estabelecidas na lei.

56 No que se refere ao imposto sobre grandes fortunas, a União ainda não exerceu sua competência tributária, não havendo lei complementar que especifique o termo ‘grande fortuna’. Permanece, assim, a competência tributária de facultatividade do exercício, não se percebendo vontade política de instituir o referido imposto.

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Não obstante o legislador constituinte ter utilizado o termo isenção, visualiza-se

no presente caso uma regra de imunidade tributária. Isso porque o preceito

constitucional instituiu verdadeira competência negativa, que veda ao poder público

a possibilidade de cobrar contribuições para a seguridade social de tais instituições.

A regra em apreço em nada se relaciona, pois, com a isenção tributária, que é

concedida através de lei específica e atua após a ocorrência do fato gerador, não

sendo prevista em âmbito constitucional.

Ao discorrer sobre a regra prevista no § 7º do artigo 195 da Constituição

Federal, Carraza (1999, p. 23) afirma:

Melhor explicitando, a Constituição, nesta passagem, usa a expressão ‘são isentas’, quando, em boa técnica, deveria usar a expressão ‘são imunes’, já que, segundo a unanimidade da doutrina, a imunidade advém da Constituição, ao passo que a isenção deflui da lei.

Do mesmo modo, Navarro Coelho (1999, p. 147-148) coloca de uma forma

bastante precisa que por se tratar de norma constitucional, não há que se falar em

isenção, como se vê de suas palavras:

O art. 195, § 7º, da Superlei, numa péssima redação dispõe que são isentas de contribuições para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social. Trata-se, em verdade, de uma imunidade, pois toda restrição ou constrição ou vedação ao poder de tributar de pessoas políticas com habitat constitucional traduz imunidade, nunca isenção, sempre veiculável por lei infraconstitucional.

Desse modo, percebe-se que por estar a norma insculpida na Constituição

Federal, a hipótese em tela se configura em uma regra de imunidade, equiparável à

disposta do artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Carta Maior.

Verificadas quais as regras de imunidade que prevêem a edição de lei

infraconstitucional no que se refere às instituições de assistência social, é

necessário que se compreenda qual a lei infraconstitucional passível de trazer os

requisitos legais para a fruição da imunidade57. Tem-se, assim, que a norma de

57 Ao analisar esta questão, Costa (2001, p. 133-134) afirma que é mais correto se falar em imunidades condicionáveis, e não condicionadas, como se vê das seguintes palavras: “Preferimos o termo ‘condicionável’ ao vocábulo ‘condicionada’, comumente utilizado pela doutrina, porque, como afirmamos anteriormente, a imunidade tributária não se abriga em normas constitucionais de eficácia

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imunidade tributária relativa às instituições de assistência social necessita de

regulamentação infraconstitucional, tratando-se de verdadeira imunidade tributária

condicionada. E é preciso que se compreenda qual o veículo legal que está

autorizado a realizar esta regulamentação.

No entanto, antes de se iniciar a análise específica de qual seria a espécie

normativa a ser utilizada para a regulamentação das imunidades previstas na alínea

“c” do inciso VI do artigo 150 e no § 7º do artigo 195, ambos da Constituição Federal,

é preciso que se teçam alguns comentários quanto às discussões que perduram

acerca da existência ou não de hierarquia entre as leis ordinárias e as leis

complementares. Isso porque o tema em questão tem se mostrado bastante

polêmico, visualizando-se divergências até mesmo entre os Tribunais Superiores,

especialmente tendo em vista as inúmeras lides tributárias que, de uma forma ou de

outra, acabam por abordar essa problemática.

Nesse sentido, a doutrina de Borges (1975) é utilizada como paradigma para

análise deste ponto58, sendo que o mesmo afirma que as leis complementares têm a

função de integrar a eficácia das normas constitucionais relativas à estrutura do

Estado e à relação existente entre os Poderes, sendo passível de edição apenas limitada, que demandam, necessariamente, a intervenção do legislador infraconstitucional. Assim, parece-nos incorreto falar-se em imunidade incondicionada, já que, cuidando-se de uma norma de eficácia contida, o condicionamento para a fruição do benefício poderá ou não ser estatuído pelo legislador complementar. Em decorrência desse raciocínio, a eventual hipótese de omissão legislativa não implicará a inviabilização da fruição da exoneração fiscal”. Nesta linha de raciocínio, o cerne da questão estaria centrado na classificação das normas constitucionais quanto à sua aplicação, sendo que Silva (2000) traz que as mesmas podem ser classificadas da seguinte forma na forma de normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata, normas de eficácia contida e aplicabilidade imediata, mas passíveis de restrições, e normas de eficácia limitada ou reduzida. Normas de eficácia plena seriam aquelas que receberam do legislador constituinte toda a normatividade que se faz necessária para sua incidência imediata, sendo que as de eficácia contida, de outro lado, não obstante também possuírem a normatividade almejada, trazem a previsão de meios normativos que permitem a imposição de limitações à sua aplicabilidade e eficácia. Não se confundem, pois, as normas de eficácia contida com as de eficácia limitada, haja vistas que estas últimas não possuem por si só carga normativa, sendo tarefa do legislador infraconstitucional completar a regulamentação da matéria e atribuir-lhes a pretendida eficácia. É nesta linha de raciocínio a afirmação de que as normas constitucionais de imunidade que prevêem a edição de lei infraconstitucional são de eficácia contida, haja vistas que “a norma imunizante estampa a situação que alcança de modo preciso” (COSTA, 2001, p. 95). 58 Quanto à importância da contribuição de Borges (1975), Netto (1995, p. 09) esclarece: “Grande parcela da doutrina brasileira defendeu a superioridade hierárquica da lei complementar sobre a lei ordinária. Entre os que assim pensaram estão autores de grande prestígio nacional, como os Profs. Geraldo Ataliba, Pinto Ferreira, e José Afonso da Silva, dentre outros. Foi quando surgiu a excelente obra Lei Complementar Tributária, de José Souto Maior Borges, trabalho de grande qualidade científica que visou impugnar a tese de que a lei formalmente complementar é superior hierarquicamente”.

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pela União. O fundamento da lei complementar em âmbito constitucional se daria

sob dois aspectos: do ponto de vista formal, tendo em vista a forma e o

procedimento de votação da lei complementar; e, sob o âmbito material, por

decorrência da necessidade de seu conteúdo se adequar com o que dispõe a

Constituição Federal, sendo possível versar somente sobre as matérias

expressamente nela previstas.

Em conseqüência, Borges (1975) aponta duas espécies de lei complementar:

uma primeira, que fundamentaria a validade das outras espécies normativas e,

portanto, seria superior a essas; e, uma segunda, de atuação direta e sem qualquer

objetivo de fundamentar outras normas, sendo que nesta última espécie não se

visualizaria qualquer hierarquia, mas sim apenas um âmbito de atuação

particularizado.

De outro lado, sinteticamente, pode-se dizer que os argumentos lançados por

aqueles que entendiam que a lei ordinária ocupava escala inferior na ordem

legislativa são basicamente dois: a topologia dos incisos do artigo 59 da Carta Maior

e o quorum necessário para a aprovação de cada uma das espécies.

Ao trazer as disposições gerais sobre o processo legislativo, a Constituição

Federal em seu artigo 59 enumera quais são as espécies normativas que o

integram, a saber: emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis

delegadas; medidas provisórias; decretos legislativos; e, resoluções. Desse modo,

em um primeiro momento, os mais desavisados poderiam ser induzidos à conclusão

de que a ordem estabelecida pelo constituinte para trazer as espécies normativas

implicaria em uma distinção hierárquica, haja vistas que dentre as espécies

normativas as Emendas Constitucionais, sem qualquer dúvida, apresentam-se

hierarquicamente superior às demais. Por conseguinte, uma vez estando as leis

complementares previstas no inciso II, e vindo a previsão com relação às leis

ordinárias somente no inciso seguinte, aquelas poderiam ser entendidas como

hierarquicamente superior a estas.

No entanto, o raciocínio desenvolvido acima acabou por ser tolhido pela

doutrina moderna, sendo que Bastos (1999, p. 13) afirma:

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A só circunstância da lei complementar ser mencionada antes da ordinária, no art. 59, inc. II do Texto Supremo, nada significa em termos de posicionamento hierárquico. Se o raciocínio fosse bom, então pelo mesmo motivo, também a lei ordinária estaria acima da lei delegada, das medidas provisórias e assim por diante. Ademais as leis complementares não apresentam uma fisionomia unitária que possibilite de pronto uma definição de superioridade em relação às demais leis. Na verdade, a lei ordinária e a complementar não se subordinam reciprocamente (o que se verifica, por exemplo, entre a lei e o regulamento), porquanto versam matérias distintas e buscam seus fundamentos de validade diretamente na Constituição.

Percebe-se, pois, que a simples topologia de um artigo não pode ser indicada

como causa determinante para que sejam traçados graus de hierarquia quando a

própria lei não o faz, especialmente quando não se tem qualquer outro aspecto no

dispositivo que venha a corroborar a tese defendida. Ao contrário, o que se tem é

que se fosse valer tal lógica, poder-se-ia dizer que uma lei ordinária seria

hierarquicamente superior a uma lei delegada pelo simples fato daquela vir prevista

anteriormente junto ao artigo 59 da Constituição Federal – o que não seria

efetivamente acertado, visto que o que se tem entre ambas é apenas uma

diferenciação quanto à sua competência e âmbito de atuação.

Assim, não resta qualquer dúvida que, quanto ao primeiro argumento lançado,

não se visualiza qualquer fundamentação jurídica que faça prevalecer a pretendida

diferenciação hierárquica.

Já quanto ao aspecto do quorum para aprovação, tem-se especificado no

artigo 69 da Carta Maior que as leis complementares necessitam de maioria

absoluta para serem aprovadas. As leis ordinárias, ao contrário, se satisfazem com a

mera maioria simples.

No entanto, a especificidade do quorum para aprovação também não é

elemento suficiente para caracterizar a posição hierárquica superior da lei

complementar. O quorum para aprovação é apenas um critério formal a ser

observado tendo em vista a natureza das matérias que são abordadas pela lei

complementar, que torna sua aprovação e eventuais alterações mais difíceis pelo

Congresso Nacional. Essa preocupação do legislador constituinte se dá exatamente

devido aos conteúdos constantes em tais leis, e não por sua hierarquia.

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Mais uma vez, vale-se da lição de Bastos (1999, p. 14):

À derradeira, a exigência de quorum especial de votação para as leis complementares traduz, se quisermos, apenas a preocupação do constituinte em dificultar um pouco a mudança de certas matérias, por ele havidas como relevantes.

Resta salutar, pois, que o que se tem é tão somente uma diferenciação quanto

à competência de tais espécies normativas, sendo que sempre que o legislador

constituinte entendeu que determinada matéria somente poderia ser disciplinada por

lei complementar, tratou ele de especificar tal requisito junto à Carta Maior. Ou seja,

a necessidade de utilização de lei complementar será sempre decorrência do

disposto na Constituição Federal, não havendo qualquer razão, no entanto, para se

falar em hierarquia.

Nesse sentido, Arruda Alvim (1994, p.67) traça a precisa diferença quanto à

hierarquia material e formal existente entre as leis, concluindo pela inexistência de

hierarquia material entre a lei complementar e a lei ordinária:

Diz-se haver hierarquia material, quando a lei superior condiciona os possíveis conteúdos de significação da lei inferior; há hierarquia formal, quando a lei superior dita os pressupostos de forma da lei inferior.

Entre a lei complementar e lei ordinária, entendemos inexistir hierarquia material. Para nós, nem mesmo entre as leis complementares que disciplinam conflitos de competência e as leis ordinárias, há hierarquia material, uma vez que tais leis complementares limitam-se a explicar o que está disposto na Constituição Federal, ou seja, tais leis complementares não inovam materialmente, mas, apenas, aclaram o comando constitucional.

Observa-se, desse modo, que não perdura a existência de hierarquia entre as

leis ordinárias e as leis complementares, havendo apenas uma diferenciação quanto

ao âmbito de atuação de tais leis.

Nesse aspecto, questão bastante interessante para se entender as posições

tomadas pelas leis complementares e ordinárias é a relativa à Contribuição para

Financiamento da Seguridade Social (COFINS), instituída pela Lei Complementar n.

70/91. Nesse caso, o legislador entendeu por bem utilizar uma lei complementar

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quando poderia ter lançado mão de mera lei ordinária, o que acarretou uma grande

discussão quanto à possibilidade da lei complementar instituidora vir a ser alterada

por lei ordinária.

Foi o que ocorreu com a edição da Lei Ordinária n. 9430/96, que revogou a

isenção quanto à COFINS originalmente concedida aos profissionais liberais. Os

contribuintes, em verdade, defendiam a existência de hierarquia entre as leis

ordinárias e complementares, o que impediria o Poder Público de alterar uma lei

complementar através de uma lei ordinária, ainda que a contribuição não

necessitasse de lei complementar para ser instituída. A tese defendida pelos

contribuintes logrou êxito junto ao Superior Tribunal de Justiça, que editou a Súmula

276, a afirmou o direito à isenção e, por conseqüência, reconheceu a hierarquia

superior da lei complementar.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, de outro lado, desde muito se tem o

entendimento de que não há a hierarquia pretendida, sendo tal visualizado ainda no

julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 01, de 01 de dezembro

de 1993, na qual se discutiu a constitucionalidade de alguns dispositivos da Lei

Complementar nº 70/91. Nessa oportunidade, o Ministro Moreira Alves, a quem

incumbiu o encargo de Relator do processo, ao afirmar que a COFINS poderia ter

sido instituída por lei ordinária, assim referiu:

A circunstância de ter sido instituída por lei formalmente complementar – a Lei Complementar nº 70/91 – não lhe dá, evidentemente, a natureza de contribuição social nova, a que se aplicaria o disposto no § 4º do artigo 195 da Constituição, porquanto essa lei, com relação aos dispositivos concernentes à contribuição social por ela instituída – que são o objeto dessa ação – é materialmente ordinária, por não tratar, nesse particular, de matéria reservada, por texto expresso da Constituição, à lei complementar. A jurisprudência desta Corte, sob o império da Emenda Constitucional nº 1/69 – e a Constituição atual não alterou esse sistema –, se firmou no sentido de que só se exige lei complementar para as matérias para cuja disciplina a Constituição expressamente faz tal exigência, e, se porventura a matéria, disciplinada por lei cujo processo legislativo observado tenha sido o da lei complementar, não seja daquelas para que a Carta Magna exige essa modalidade legislativa, os dispositivos que tratam dela se têm como dispositivos de lei ordinária.

Não obstante o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, o

Superior Tribunal de Justiça tem insistido no reconhecimento de hierarquia entre as

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leis ordinárias e complementares, o que fez com que a União Federal viesse a

impetrar junto ao Supremo Tribunal Federal a Reclamação distribuída sob o nº 2620,

haja vistas tratar-se de matéria constitucional que somente poderia ser analisada

pela Corte competente. Nestes moldes, a medida acauteladora restou deferida, com

a suspensão da eficácia da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça.

O que se percebe é que a jurisprudência pátria, ressalvado o entendimento do

Superior Tribunal de Justiça, tem caminhado no sentido de reconhecer o largamente

afirmado pela doutrina de que não há hierarquia entre as leis ordinárias e as

complementares. Nesse sentido, observa-se a reiterada jurisprudência do Tribunal

Regional Federal da Quarta Região:

TRIBUTÁRIO. COFINS. REVOGAÇÃO DE ISENÇÃO OUTORGADA ÀS SOCIEDADES CIVIS PRESTADORAS DE SERVIÇOS PROFISSIONAIS. LEI 9.430/96. – É constitucional a revogação pelo artigo 56 da Lei 9.430/96 da isenção da Contribuição para a Seguridade Social – COFINS, outorgada pela Lei Complementar 70/91 às sociedades civis prestadoras de serviços profissionais de profissão regulamentada. As contribuições sociais para a seguridade social que incidem sobre o faturamento (COFINS), o lucro e folha de salários prescindem de lei complementar para sua instituição. A lei ordinária pode revogar isenção concedida por lei complementar, pois a isenção não é matéria privativa de lei complementar, não havendo que se falar em desrespeito ao princípio das hierarquia das leis. (Apelação em Mandado de Segurança nº 2002.71.000518968, Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, Relator Juiz João Surreaux Chagas, publicado no Diário de Justiça da União em 12/05/2004)

Diante de todas as explicações feitas, corroboradas pelo entendimento do

Tribunal Regional Federal, percebe-se nitidamente que a lei complementar deverá

ser utilizada sempre que a Constituição Federal assim determinar, sem que se faça

necessária qualquer ilação quanto à sua posição hierárquica. O que se tem é uma

diferenciação quanto às matérias que são concernentes a cada uma das espécies,

sendo que o respeito a essa distinção é imprescindível para o bom andamento do

Estado.

No que se refere à regulamentação das imunidades tributárias, tal panorama

não é distinto. Toda a discussão que paira em torno de quais seriam os requisitos

infraconstitucionais válidos para o gozo da referida desoneração, está intimamente

relacionada com as hipóteses em que o legislador constituinte estabeleceu como

somente sendo reguláveis através de lei complementar. Isso porque, como já dito, a

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lei complementar deve ser utilizada sempre que a Constituição Federal assim

determinar, haja vistas a nítida distinção das matérias atribuídas à sua regulação. E

o legislador, pelos motivos já especificados, não precisa ser expresso no próprio

dispositivo constitucional que prevê a edição de lei infraconstitucional que esta

deverá ser a de espécie complementar, sendo suficiente a previsão genérica

relacionada à natureza da matéria, como se tem no parágrafo único do artigo 59 e

no artigo 146, ambos da Carta Maior.

Nesse sentido, o parágrafo único do artigo 59 da Carta Maior afirma que cabe à

lei complementar dispor sobre elaboração, redação, alteração e consolidação de

leis. Desse modo, a complementação das regras relativas ao processo legislativo

constante na Constituição Federal não poderá ser realizada por qualquer outra

espécie normativa que não a lei complementar, independente de ser ou não o

constituinte expresso quanto a tal aspecto na norma constitucional específica.

Ao lado do expresso em tal dispositivo, tem-se o artigo 146 da Constituição

Federal, que se mostra de extrema importância para a análise da problemática

proposta no presente trabalho, razão pela qual o mesmo é transcrito na íntegra:

Art. 146. Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, base de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.

Como se percebe da leitura do artigo em comento, a redação oferecida ao

inciso II implica em dizer que todos os casos que sejam referentes a limitações

constitucionais ao poder de tributar, a regulamentação deverá ser feita através de lei

complementar. E, como já dito, ainda que se considere insuficiente a definição

oferecida por Baleeiro (2003, p. 113), a imunidade é uma das espécies de limitação

constitucional ao poder de tributar, sendo que a regra do artigo 150, inciso VI, “c”

está inserta no Capítulo destinado a tal categoria junto à Constituição Federal. Do

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mesmo modo, uma vez não havendo dúvidas que a regra disposta no artigo 195, §

7º da Carta Maior trata-se de verdadeira imunidade, essa também deverá ser

considerada para efeitos de aplicação do inciso II do artigo 146 uma limitação

constitucional ao poder de tributar, regulamentável apenas por intermédio de lei

complementar.

Nesse sentido, visualiza-se o ensinamento de Gonçalves (2002, p. 395):

De fato, quando o inciso II do ar. 146 da CF se refere ‘às limitações constitucionais ao poder de tributar’, está tratando de toda regra constitucional passível de impedir o legislador infraconstitucional de instituir tributo sobre uma determinada situação fática, qualquer que seja a natureza da restrição e independentemente da forma e do momento aos quais será aplicada. Tanto é uma ‘limitação constitucional ao poder de tributar’ que as imunidades de impostos, a que se referem o inciso IV do art. 150 da Constituição Federal, estão dispostas na Seção II, Capítulo I, do Título VI da Constituição Federal, que trata ‘Das limitações do poder de tributar’, devendo a mesma natureza ser admitida para a imunidade do § 7º do art. 195 da CF/88 por ser instituto afim e equivalente.

Tem-se, pois, que a regulação de tais imunidades deverá ser efetivamente

realizada por lei complementar, não se admitindo que o legislador infraconstitucional

utilize a lei ordinária para o estabelecimento de requisitos.

Nesse ponto, não é demais lembrar que essas espécies de imunidade podem

ser consideradas condicionáveis, se percebidas como regras de eficácia contida, o

que permitiria, em tese, sua fruição ainda que não houvesse a lei regulamentadora,

como já referido (COSTA, 2001). Ocorre que na ordem constitucional de 1988 não

se chegou a visualizar este problema, tendo em vista que com sua entrada em vigor,

o Código Tributário Nacional (Lei Ordinária n 5.172, de 25 de outubro de 1966)

restou recepcionado como lei complementar.

Desse modo, uma vez sendo o Código Tributário Nacional considerado lei

complementar, e trazendo ele regras para regulamentar as limitações

constitucionais ao poder de tributar, sua aplicação mostra-se perfeitamente possível.

Por tal razão, ao lado das exigências constitucionais, os requisitos a serem

atendidos são os expressos nos incisos do artigo 14 do referido diploma:

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Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do art. 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção de seus objetivos institucionais; III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

Efetivamente, sempre que se tratar de uma instituição de assistência social que

não possua finalidade lucrativa e preencha os requisitos expressos no artigo 14 do

Código Tributário Nacional, é inafastável o reconhecimento de sua imunidade

tributária, tanto a relativa aos impostos (artigo 150, VI, “c”) quanto a referente às

contribuições para a seguridade social (artigo 195, § 7º). Desse modo, a exigência

por parte do Fisco de atendimento a qualquer outro requisito que não os expressos

nas normas constitucionais e no Código Tributário Nacional não se coaduna com o

sistema constitucional vigente, razão pela qual as tantas exigências trazidas em lei

ordinária, e até mesmo através de decretos, não merecem aplicação para o

reconhecimento da imunidade.

O que se tem, é a necessidade de atenção aos exatos termos da Constituição

Federal, tanto no que concerne ao instrumento legislativo a ser utilizado

infraconstitucionalmente, quanto no que se refere às exigências trazidas na própria

norma constitucional.

Vale ressaltar que a vedação de que a instituição assistencial possua fins

lucrativos não a impede de apresentar superávit em sua contabilidade, visto que

esse será decorrência da boa administração dos valores recebidos. Com efeito, e

nesse ponto já se passa a analisar mais especificamente os requisitos

infraconstitucionais previstos no artigo 14 do Código Tributário Nacional, o que é

vedado é a distribuição de lucros, a qualquer título, entre dirigentes ou associados,

sendo que os resultados financeiros deverão ser empregados na própria instituição.

Nesse sentido, Costa (2001, p. 181) esclarece que não é o lucro propriamente

dito que caracteriza uma instituição sem fins lucrativos, mas sim o objetivo da

instituição, que não pode se confundir com o de uma empresa:

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Portanto, não é a ausência de lucro que caracteriza uma entidade sem fins lucrativos, posto que o lucro é relevante e mesmo necessário para que a mesma possa continuar desenvolvendo suas atividades. O que está vedado é a utilização da entidade como instrumento de auferimento de lucro por seus dirigentes, já que esse intento é buscado por outro tipo de entidade – qual seja, a empresa . A qualificação de uma entidade como sendo ‘sem fins lucrativos’ exige o atendimento de dois únicos pressupostos: a não-distribuição dos lucros auferidos (ou superávits) e a não-reversão do patrimônio da mesma às pessoas que a criaram, com a aplicação dos resultados econômicos positivos obtidos na própria entidade.

O que é vedado, como se vê, é que a entidade possua como finalidade a

obtenção de lucro ou que proceda a distribuição a qualquer título de tais valores, não

havendo qualquer impedimento quanto à existência de superávit contábil.

Quanto à questão do superávit, Barreto (2001, p. 73) é taxativo ao afirmar sua

possibilidade e, até mesmo, sua necessidade no que se refere às instituições

imunes:

O superávit não é vedado para as entidades imunes, mas é até desejado. O que se veda a tais entidades é a distribuição de rendas, a qualquer título. Ressalta-se que a apuração de superávit ou déficit, em qualquer pessoa jurídica, está sujeita a variações. Isto poderá ocorrer, por exemplo, no encerramento do balanço. Ao término do ano fiscal, poderá o resultado indicar superávit da instituição. No entanto, tal resultado poderá ser modificado poucos dias depois, com as despesas incorridas pela instituição, passando-se assim a verificar-se déficit. É inequívoco, por exemplo, que a aplicação do superávit não deva ocorrer somente no ativo imobilizado da instituição. É evidente que nas instituições de ensino e nas assistenciais, que se dedicam ao atendimento médico da população carente, a utilização do superávit verificado em treinamento de professores, pesquisas de novas técnicas cirúrgicas – sobre ser de fundamental relevo para a população atendida – representa a afirmação plena dos desígnios constitucionais.

De outro lado, é preciso que se diga que a vedação à distribuição de renda não

importa em proibição às instituições de remunerar seus dirigentes. Isso porque não é

admissível pretender-se que alguém trabalhe sem qualquer remuneração,

especialmente quando a entidade possui uma grande estrutura administrativa.

Efetivamente, a remuneração vem a viabilizar a necessária profissionalização dos

serviços prestados, atuando em prol da própria instituição, não se visualizando

qualquer vedação junto ao Código Tributário Nacional no que se refere a tal aspecto,

como se vê das seguintes palavras de Martins (2004, p. 01-02):

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Não cuida, o CTN, de condicionar a imunidade ao pagamento de remuneração aos diretores que exerçam funções executivas e/ou administrativas na entidade, sendo certo que a jurisprudência dos Tribunais Judiciais tem hospedado a tese de que tal hipótese não é possível de configurar ‘distribuição de lucros’, por tratar-se de remuneração por trabalho profissional prestado. O que a entidade imune não pode fazer é distribuir resultados, mas, à evidência, deve remunerar o trabalho profissional, visto que a Constituição proíbe o trabalho escravo.

Assim, a remuneração pelos serviços prestados à instituição por dirigente ou

funcionário em nada afasta o seu direito ao reconhecimento da imunidade. No

mesmo sentido, ao lado da vedação à distribuição de lucros, tem-se ainda previsto

no inciso II do artigo 14 do Código Tributário Nacional que os recursos deverão ser

aplicados integralmente no país, na manutenção dos objetivos da instituição. E, a fim

assegurar a exatidão de sua contabilidade, na forma do inciso III do mesmo

dispositivo, a instituição deverá escrituração de suas receitas e despesas em livros

revestidos da devida formalidade.

Tem-se, pois, que os requisitos para o gozo das imunidades tributárias de que

trata o presente trabalho podem ser considerados sob o ângulo constitucional (tratar-

se de instituição de assistência social sem fins lucrativos) ou infraconstitucional

(artigo 14 do Código Tributário Nacional), sendo que a questão sempre deverá ser

analisada de uma forma sistemática.

Em âmbito infraconstitucional, frise-se mais uma vez, não prosperam os

requisitos postos em mera lei ordinária, haja vistas o disposto no artigo 146, inciso II,

da Carta Maior, razão pela qual a Lei n. 8.212/91 e a Lei n. 9.732/98 não merecem

aplicação neste ponto. Nesse sentido, vale ressaltar que a Lei n. 9.732/98, que

alterou alguns dos requisitos originalmente previstos no artigo 55 da Lei n. 8.212/91

(incluindo a previsão de que os serviços deveriam ser prestados, exclusivamente, de

forma gratuita), teve seus efeitos suspensos pelo Supremo Tribunal Federal nos

autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.028-5, impetrada pela

Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços.

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A liminar foi inicialmente deferida pelo Ministro Marco Aurélio e referendada,

posteriormente, pelo Plenário, sendo que a tese de que somente através de lei

complementar poderia ser regulamentada a imunidade do § 7º do artigo 195 da

Constituição Federal mereceu especial destaque, tendo se alertado, no entanto,

para o fato de que o artigo 55 da Lei n. 8.212/91 não restou subsidiariamente

atacado, o que impediria a concessão da liminar. Isso porque, em tal hipótese,

voltaria a vigorar a redação primitiva da referida lei, igualmente ordinária. Desse

modo, preferiu o Supremo Tribunal Federal suspender os efeitos da Lei n. 9.732/98

tendo em vista sua inconstitucionalidade material, visto que a inclusão da gratuidade

absoluta como um requisito para o gozo da imunidade se teria desvirtuado o próprio

conceito de entidade beneficente de assistência social, acabando por limitar a

extensão da imunidade.

Desse modo, a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal, acabaram por

ser “revalidadas” para o chamado terceiro setor, no que se refere às contribuições

previdenciárias, as determinações da Lei Orgânica da Assistência Social, excluindo-

se apenas as alterações introduzidas pela Lei n. 9.732/98.

No entanto, como já foi objeto de análise, a instituição de requisitos para o

gozo das imunidades tributárias em mera lei ordinária não se coaduna com o

sistema constitucional vigente, haja vistas que pelo disposto no artigo 146, inciso II

da Constituição Federal, somente por intermédio de lei complementar pode ocorrer a

regulamentação. O que se percebe, efetivamente, é que todos os requisitos trazidos

tanto pela Lei n. 9.732/98, quanto pela Lei n. 8.212/91, não possuem (ou não

deveriam possuir!) qualquer aplicação no que se refere às imunidades tributárias dos

artigos 150, inciso VI, alínea “c” e 195 § 7º da Constituição Federal, tendo em vista

que se tratam de leis ordinárias cujo âmbito de atuação não alcança a possibilidade

de regulamentar as limitações constitucionais ao poder de tributar.

Perduram, pois, tão somente os requisitos previstos no artigo 14 do Código

Tributário Nacional em sede de discussão infraconstitucional, sendo que o conceito

de instituição de assistência social deverá ser tomado com base em uma

interpretação da Carta Maior que permita a concretização de seus fundamentos

jurídicos.

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Assim, o que se tem é que a imunidade tributária deve ser compreendida

conforme os fins a que se destina, sendo que mesmo na análise das questões de

ordem mais técnica, como é o caso da regulamentação infraconstitucional, os

contornos da assistência social não podem ser esquecidos. Parte-se, assim, da idéia

de satisfação das necessidades sociais a partir do fomento da sociedade civil.

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CONCLUSÃO

Compreendendo-se a estrutura que envolve a imunidade tributária, percebe-se

desde logo que a mesma ocupa papel de destaque na ordem jurídica. Seus

contornos constitucionais fazem que a mesma seja a expressão de um fundamento

da vida em sociedade, agindo como um instrumento para a consecução de uma

finalidade pública.

É nesse sentido, que a imunidade dos templos indica a liberdade de culto,

proporcionando-se a visualização de um efetivo Estado laico. Do mesmo modo, a

possibilidade de instituição de impostos dos entes federados uns sobre os outros

dificultaria sobremaneira o desenvolvimento dos objetivos sociais.

Assim, enquanto a imunidade dos livros relaciona-se à difusão da cultura, a

imunidade prevista na alínea “c” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal

também possui uma razão de ser. Isso porque as entidades ali mencionadas

mostram-se essenciais na idéia de um Estado Democrático de Direito. Os partidos

políticos, desse modo, permitem o pluralismo político, sendo que o fortalecimento

das entidades sindicais dos trabalhadores acaba por importar no fortalecimento do

valor social do trabalho. E no que se refere às instituições de educação e de

assistência social, sem finalidade lucrativa, tal não se mostra diferente.

O que tais instituições objetivam é a própria realização dos direitos sociais,

sendo este o cerne da questão. Desse modo, não é o fato de uma entidade estar

agindo na área de educação que a faz imune, mas sim a sua atuação de forma

suplementar ao Estado.

No que se refere às instituições de assistência social, nos mesmos moldes, o

que as coloca em posição constitucional de destaque no que se refere à imunidade

tributária é o seu comprometimento com uma finalidade pública sobressalente. Por

esta razão, tanto a imunidade prevista no artigo, 150, inciso VI, alínea “c” e a inscrita

no artigo 195, § 7º, ambos da Constituição Federal, justificam-se na medida em que

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uma política pública de assistência social é implementada por estas pessoas

jurídicas de direito privado.

A constatação a que se chega é que a fomentação da sociedade civil pelo

Estado é realizada a partir da concessão de desonerações, estimulando-se a

atuação do terceiro setor. É neste sentido que a imunidade tributária ultrapassa a

simples idéia de benefício, sendo isso sim uma expressão da organização do

Estado.

O fomento à atuação da sociedade civil se dá tendo em vista que a atuação do

Estado, diretamente, deve ficar restrita àquelas atividades que devem ser

desenvolvidas exclusivamente por ele. E, no que se refere à implementação de

políticas públicas que promovam a efetiva assistência social, a sociedade civil pode

agir em suplementação à atividade estatal, permitindo que as políticas públicas

alcancem um número mais substancial de indivíduos.

É assim que uma das formas de estimular e reconhecer a inegável importância

assumida pela sociedade civil na implementação de políticas públicas que

promovem uma inclusão social reside na estruturação constitucional de regras de

competência negativa em matéria tributária. A imunidade tributária é tida, sob essa

ótica, como um mecanismo estatal para viabilizar a atuação comprometida e eficaz

da sociedade civil.

Desse modo, é possível se afirmar que a imunidade tributária pode ser

visualizada como um instrumento a fomentar políticas públicas, em especial no que

tange às instituições de assistência social, objeto do presente trabalho. Isso porque

o Estado passa a perceber que a estipulação de parcerias mostra-se imprescindível

em uma realidade de escassez de recursos humanos e financeiros. Além do mais, a

atuação da sociedade demonstra o incremento da democracia, na medida em que

se foge da simples idéia de delegação para a de participação.

Estes argumentos ganham ainda mais força quando se nota que o trato de

políticas públicas pela sociedade civil organizada permite que se tenha uma

atividade eficiente, implementando-se formas de se gerir com agilidade e

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comprometimento social. A instituição que age dessa forma estará a viabilizar a

consecução dos direitos sociais, sendo que mesmo constituída sob a forma de uma

pessoa jurídica de direito privado terá uma finalidade pública sobressalente,

justificando a imunidade tributária recebida.

O público não-estatal, nesse contexto, mostra-se como uma alternativa

eficiente para a concretização dos objetivos constitucionais, viabilizando a

estruturação de uma sociedade livre, justa e solidária. No entanto, essa não é uma

máxima absoluta, tendo em vista que o comprometimento social de algumas

entidades pode mostrar-se falho e, por conseqüência, a atividade a ser desenvolvida

mostra-se ineficaz.

Com isso, a constatação que se tem é que do mesmo modo que não se pode

afirmar que o Estado máximo mostra-se sempre um Estado forte, também não é

possível a assertiva que a sociedade civil organizada é sempre mais eficiente que o

Estado na implementação de políticas públicas. Isso porque a prática de não

comprometimento social de algumas instituições ou mesmo a inaptidão ao

implementar atos de gestão eficientes pode vir a comprometer a implementação dos

direitos sociais e de políticas públicas que promovam a inclusão social.

No mesmo sentido, mesmo com a operacionalização burocrática da máquina

estatal, é possível (mesmo que de maneira bastante dificultada) que o Poder Público

promova, por si só, a inclusão social. Nesse caso, o Estado estará a atuar de forma

eficiente, agindo em respeito aos direitos constitucionais.

Seja como for, a participação da sociedade civil é um indicativo do

desenvolvimento social, sedimentando-se uma democracia plena. Assim, ao passo

que não se pode afirmar que qualquer atuação da sociedade civil mostra-se mais

adequada que a atuação estatal, ou tampouco o contrário, é necessário que se

tenha em mente ser função do Estado viabilizar e mesmo fomentar as iniciativas que

se mostram comprometidas com a realização da assistência social.

O fomento se dá, assim, através do reconhecimento da imunidade tributária de

tais instituições, afastando-se a instituição de impostos e contribuições sociais sobre

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as mesmas, suas atividades e rendas. A concretização das referidas imunidades

tributárias perpassa a compreensão de que tais instituições agem, enquanto público

não-estatal, como um verdadeiro braço do Estado.

As instituições comprometidas com a realização dos objetivos sociais e com a

consecução do bem comum nada mais são do que pessoas jurídicas de direito

privado que atuam de forma ímpar, fazendo com que as mesmas recebam um

tratamento tributário diferenciado.

A razão para a o reconhecimento da imunidade centra-se em uma perspectiva

bastante simples: se o poder de tributar do Estado lhe é garantido tendo em vista

que o mesmo necessita de recursos públicos para a realização dos objetivos

constitucionais, sendo esta a justificativa para a sua interferência na propriedade

particular dos contribuintes, quando é a própria sociedade que realiza os objetivos

públicos essa interferência tributária em seu patrimônio particular não se justifica.

Essa dinâmica indica que a imunidade somente subsiste, verdadeiramente, quando

a instituição de assistência social age com comprometimento social e aplicando, ela

própria, os recursos que repassaria ao Estado para a realização dos objetivos

sociais.

Sendo assim, o Estado assume função primordial na efetivação de políticas

públicas, seja implementado-as, seja viabilizando-as. Sua atividade dever ser,

assim, subsidiária, reconhecendo e valorizando a atividade do terceiro setor,

resguardando-se a atuação direta estatal apenas nas hipóteses que se mostrem

necessárias.

O grande desafio é ter-se um Estado eficiente, implementando ou fomentando

a inclusão social, com o devido respeito aos direitos constitucionalmente garantidos.

O manejo cauteloso da imunidade tributária, neste sentido, pode se apontado como

uma alternativa viável e eficiente na fomentação de políticas publicas.

Para isso, é preciso que se compreenda que as imunidades tributárias

previstas nos artigos 150, inciso VI, alínea “c”, e 195, § 7º, ambos da Constituição

Federal, somente podem ser alcançadas àquelas instituições que estejam a

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implementar políticas públicas de assistência social. Compreender-se o contrário

disso é permitir a institucionalização do emprego irresponsável de verbas públicas,

tendo em vista que o valor relativo aos impostos e às contribuições sociais que não

será alcançado ao Estado acabará sendo utilizado de forma não comprometida com

os fundamentos que autorizam a imunidade tributária.

Desse modo, ao se analisar as regras de imunidade tributária de forma

teleológica, tendo em vista os objetivos pelos quais foram instituídas, bem como o

atual contexto constitucional assumido pela assistência social no Brasil, tem-se que

somente aquelas instituições que estejam a implementar uma política pública de

assistência social podem ser consideradas imunes tributariamente.

Percebe-se que a conceituação do termo ‘instituições de assistência social’

traduz-se tarefa árdua, sendo que ainda que o legislador constituinte não tenha

utilizado o termo com o rigor técnico necessário, ao aplicador do direito cabe a tarefa

de analisar a questão com a devida cautela. Independente da terminologia utilizada,

sempre que se estiver diante de uma instituição sem fins lucrativos, que atua em prol

do interesse público, colocando seus serviços à disposição da generalidade da

população e, ainda que parcialmente, de forma gratuita, está-se diante de verdadeira

‘instituição’, devendo ser encarada como tal para fins tributários.

Tem-se, pois, ser dever do Judiciário garantir que a imunidade tributária seja

alcançada a todas aquelas instituições que atuam no âmbito da assistência social,

desde que também atendidos os requisitos infraconstitucionais. De outro lado, é

também tarefa dos aplicadores do direito não permitir o alcance da imunidade

tributária a uma entidade que não esteja atuando em suplementação à atividade do

Estado, ou seja, que não se constitua uma instituição de assistência social. E tal

consideração somente se faz possível mediante a análise das particularidades que

envolvem o caso concreto.

No entanto, o que se percebe é que em muitos casos os Tribunais não têm se

detido às situações fáticas que envolvem a caracterização de uma instituição de

assistência social, limitando-se a analisar caracteres formais. Tal prática acaba por

deturpar o instituto, permitindo a descaracterização da vontade constitucional. Como

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exemplo a solidificar a importância da idéia de instituições de assistência social tem-

se caso das entidades de previdência privada fechadas, com relação às quais se

firmou e consolidou o entendimento da necessidade de se visualizar universalidade

e gratuidade nos serviços prestados. No entanto, esta importante preocupação não

acaba sendo percebida, por exemplo, no caso das entidades de saúde e outras que

atuam formalmente na realização de um direito social.

É nesse sentido que se tem que a mera especificação no objeto social de um

direito social não torna a pessoa jurídica de direito privado uma instituição de

assistência social. Torna-se necessário o emprego de forças para a concretização

deste direito social, sedo que os aspectos reais de uma instituição devem

ultrapassar os meros indicativos formais de sua atividade.

Não se pode ignorar a dificuldade a ser enfrentada pelo Estado na fiscalização

das atividades do público não-estatal. Mas estas dificuldades não podem servir

como argumento para o atrofiamento do sistema tributário nacional, sendo que a

eficiência somente se faz possível quando o Direito acompanha os fenômenos

sociais.

Assim, se os requisitos infraconstitucionais somente podem ser previstos em

lei complementar, afastam-se as exigências institucionalizadas em lei ordinária, mas

não se afasta a necessidade de interpretação teleológica das imunidades tributárias.

O que se pretendeu ressaltar com o presente trabalho foi exatamente a necessidade

de se atentar para a extensão das imunidades tributárias previstas nos artigos 150,

V, “c” e 195, § 7º da Constituição Federal, de modo a não se exigir requisitos que

não se coadunem com o âmago constitucional, ou, de outro lado, se alcançar a

imunidade tributária de forma indistinta e desconectada com o interesse público.

Nesse aspecto, a caracterização de uma instituição de assistência social se dá

tendo em o seu comprometimento social, como já dito. Os parâmetros para tal

análise são visualizados na própria Constituição Federal, na medida que a mesma

oferece ao Estado o poder indelegável de tributar e, de outro lado, institui

determinadas regras de competência negativa, de modo a garantir a imunidade

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tributária da instituição que está a implementar uma política pública de assistência

social.

De resto, e como já observado, não se observa qualquer dúvida a respeito de

ser tarefa da lei complementar estabelecer os requisitos para o gozo da imunidade

tributária, haja vistas o disposto no inciso II do artigo 146 da Constituição Federal.

Assim, uma vez tendo sido o Código Tributário Nacional recepcionado como lei

complementar, os requisitos infraconstitucionais são os expressos no artigo 14 do

referido diploma, e não quaisquer outros previstos na Lei Orgânica da Assistência

Social.

O trato adequado das imunidades tributárias oferecidas às instituições de

assistência social faz com o Estado fomente a cidadania plena, ultrapassando-se o

formalismo e viabilizando-se a construção de alicerces suficientemente fortes para a

construção de uma vida social adequada e atenta às necessidades daqueles que

ainda não se mostram incluídos. O Estado e a sociedade não podem pautar sua

atuação de acordo com suas antíteses, devendo isso sim primar por uma integração

saudável em prol da consecução do bem comum.

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