fragmentos de sabonete mautner

12
Fragmentos de sabonete Jorge Mautner (1973)

Upload: heitortanus

Post on 10-Sep-2015

223 views

Category:

Documents


8 download

TRANSCRIPT

  • Fragmentos de sabonete

    Jorge Mautner

    (1973)

  • fragmentos de sabonete

    Os ObjetOs nO-identificadOs

    Ningum escapou da bomba atmica de Hiroshima e Nagasaki, e

    se Nara Leo estranhava na poca que eu colocasse isso em letra de rn-

    sica porque ela tambm no devia estar to alheia a isso, se bem que de

    uma maneira em negao, a emoo a atingia.

    Fomos todos atomizados e isso bom, a liberdade em seu novo e

    sempre e incessante sentido modificante pelos tempos afora.

    Liberdade = suprema elasticidade, capacidade de habitar simul-

    taneamente vrios espaos culturais em harmonia, velocidade com do-

    ura, porque quando a velocidade to grande tambm muito grande

    a responsabilidade de cada um de ns, astronautas heris das estrelas.

    Acender o incndio certo e apagar o errado. Ao simultnea. A espada

    flamejante e o bombeiro que faz chover a chuva da grande semeadura.

    A responsabilidade social e a do trabalho: a harmonia social. O

    respeito, o cultivo da boa educao, da ginstica, da disciplina brotando

    como necessidade natural do viver-em-conjunto, e no uma coisa vista

    como algo imposto.

    A carne como fonte de prazer, como fonte, simples fonte a jorrar

    partculas de comunho. O coletivo e o individual-total em harmonia e

    comunicao, na vertical e na horizontal.

    O em cima e o embaixo no sonho e no universo so o mesmo.

    Trabalho & ordem & harmonia & responsabilidade & caos & be-

    leza & falta de complexos de culpa / crena no futuro-presente & ale-

    gria alegria & olhar realista & olhar surrealista & todos os universos a vir

    abenoados pela alegria de viver aqui-agora construindo o aqui-agora! O

    ufanismo planetrio & nacional.

    O ufanismo auto-afirmao orgulhosa, sensualizante, uma pai-

    sagem de trabalho fustico pelo prazer do trabalho e no pela punio,

    e mesmo assim esta paisagem de trabalho fustico por ilhas ecolgicas

  • jorge mautner

    de paraso do simples pairar, do no-fazer, do nadar nas guas azuis de

    Iemanj.

    Falei tambm sobre estes assuntos com o poeta Robert Lowell de

    quem fui secretrio pessoal e literrio nos EUA, e com Paul Goldman,

    sempre de blue-jeans, tendo atrs de si os arranha-cus de Nova York.

    Foi em 1958 que eu vi e que tinha vises e me sentia como mdium

    de mensagens que vinham atravs do disco voador, sugerindo, sussur-

    rando ao meu inconsciente paisagens e atmosferas potico-musicais. A

    primeira pessoa a quem falei sobre isso foi Vicente Ferreira da Silva, meu

    mestre e amigo, hoje falecido. Depois calei-me, porque a poca no ad-

    mitia este tipo de Viso: o que escrevia no deus da chuva e da morte j

    era suficiente irracionalismo, e alm disso contava uma longa histria

    sobre o dilvio universal e o disco voador.

    Com Mario Mattoso prossegui conversaes sobre o tema e ele me

    falou em Jung. Tambm pude falar com o poeta Paulo Bonfim sobre isso,

    e com Roberto Piva, outro poeta, mas, com os poetas, os xtases e as vi-

    ses, as comunicaes extra-sensoriais so experincias comuns. Assim

    tambm com Lindolf Bell.

    Foi tambm com cientistas que eu falei, muitos me entusiasma-

    ram e ficaram me explicando a proximidade destas vises e este modo de

    pensamento com a viso da relatividade, um deles foi M-rio Schenberg.

    E sorria, porque todos eles me confirmavam o que meu velho pai, Paul

    Mautner, me havia falado sobre o assunto, em suas longas explicaes de

    complicado portugus-germnico, com seu charuto e sua fumaa a me

    engasgarem, e complicadas frmulas geomtricas e matemticas.

    Meu vis--vis com a cincia, com as artes, com a mediunidade,

    com os discos e com a msica (violino europeu e batuque negro) data de

    minha infncia. E o olhar e a sensao de amor para com o Brasil, des-

    de meu nascimento. J pensaram como se ama a terra que te possibilita

    nas-cer, sabendo que do contrrio voc seria cinza de forno crematrio

    nazista, na terra dos vampiros?

    A negra da minha bab Lcia, minha segunda me, que desapare-

    ceu velhssima quando eu tinha 12 anos, era me-de-santo, e me entre-

    lembro entre imagens fugidias de um passado em que de-veria ter um

    ano, dois anos, trs anos, cerimnias de terreiro com batuques ecoando,

  • fragmentos de sabonete

    festas como em flashes, cenas rpidas que so o ncleo e o centro de

    minha inspirao musical, rtmica potica, a motivao pelo meu grande

    respeito pela arte negra, pela filosofia negra, pela misso do mundo negro

    afro-brasileiro. Quando me lembro dela, entro em transe. E a mesma

    coisa que o disco voador. A leitura dos textos do superpensamento oci-

    dental, a cincia de hoje, tudo isso me confirma como certo, os xtases,

    as intuies anteriores. Em todas as leituras, na horizontal e na vertical.

    por isso, por ter sido eivado com tanta certeza histrica, ontol-

    gica, emocional, sensorial, csmica e metapsquica, que deve advir meu

    extremo otimismo, meu riso, minha certeza no amanh florido e sem

    complexos de culpa na grandiosidade dessa nao-continente e no por-

    vir conseqente do planeta. Somos todos entidades, partculas, tomos.

    O ta-ta-ta do zen a iluminao no cotidiano, e em gria seria:

    isso a.

    Agripino de Paula, autor de Lugar Pblico e Panamrica, depois

    de sua viagem africana mora na Bahia. Nelson Coelho, de O inventor de

    Deus, oculta-se irradiando nas montanhas de So Paulo. Leminsky, de

    Curitiba, escritor de Catatau esparrama sua pororoca com luz. Luis Car-

    los Maciel, artigos e poesias, o filsofo com vises, embebido pela ndia.

    Lucia Shybuia impublicada escreve a meu lado, chove. Os trpicos falam

    uma linguagem muito particular. Wally Sailormoon, da extinta coleo

    corda-bamba, autor de Me segura que eu vou dar um troo, aprende a

    fabricar rvores ans e jardinagem no interior da Bahia. Jorge Salomo,

    o Jeca Total. Jos Simo e seu livro sobre vedetes. Muita gente escreve,

    um ato religioso.

    Letcia, Creusa Carvalho, Isabel Cmara, as amazonas.

    E h mais, os que escrevem dentro dos sonhos e depois esquecem

    as palavras. Como se fossem feitas as letras destas palavras de um mr-

    more leve e voador por detrs dos montes azuis da eternidade-veloz.

    As palavras so arabescos de flores arrancadas da alma, so sons

    que tambm caem como notas nas bocas das trombetas dos anjos de Je-

    ric a quebrar a muralha dos preconceitos. s vezes so gordas e flutuam

    pelo ar feitas de plstico inflado azul, como anncios de amor.

    A natureza (talvez um teste de Deus) gosta de colocar sempre ao

    lado do homem um grande perigo do abismo. Guerra nuclear, suicdios,

    pessimismos variados. O demnio das vrias formas. talvez para agu-

  • jorge mautner

    ar o instinto de sobrevivncia necessrio espcie, treino-ginstica de

    permanente superao, impulsos contra a inrcia, a apatia, motivando o

    amor ao desafio.

    Nas artes marciais aprende-se que uma fora muito grande con-

    centrada equivale a uma posio e postura de serenidade. tamanha a

    quantidade de fora adquirida que equivale a uma enorme no-fora.

    como o equilbrio atmico: tanta fora destrutiva possvel que leva paz.

    Assim o raio laser, que luz concentrada e colocada em linha reta

    fabricando o raio laser, que no mata, apenas imobiliza. O raio laser

    uma arma da paz: a fora limita-se a imobilizar, no destruir.

    E cientistas hoje falam que daqui a uma dcada vo poder operar

    com a fora gravitacional que segundo Einstein funciona em onda como

    a luz. Sua velocidade ser maior que a da luz? Nesse caso o tempo retro-

    ceder na onda gravitacional.

    Levitaes, energias ilimitadas.

    O grande equvoco de muita gente e que motiva a depresso e uma

    atitude herico-suicida aparentemente ativa e de combate, mas ocul-

    tando um grande niilismo, o fato de elas considerarem sempre aquilo

    que se foi como melhor do que aquilo que vem. Da seu pessimismo que

    possui mil ramificaes, desde o veneno psquico, apatia, ao niilismo

    destruidor. A crena na velocidade da cincia, um aprofundamento nas

    possibilidades do presente-futuro que j comeou so condies sine

    qua non para a abertura e a dadivosidade que surgem juntas com o oti-

    mismo e as atitudes construtivas.

    Quem nos ensina as lies o disco voador. Por ser a prova do mis-

    trio total e, no entanto, em contato com os homens, o milagre.

    Mais lamentveis do que as pessoas que reduzem tudo a um jargo

    ecolgico de 5 categoria & mecnico, so os que de outro espao cultu-

    ral reduzem tudo a um jargo psicanaltico, tambm de 5 categoria: o

    psicologismo de butique! (E estou falando de gente formada em univer-

    sidades! Fariseus, homens e mulheres, que triste para Freud!)

    medida que considero tuas reaes emocionais agressivo-pes-

    simistas-apocalpticas fora do cool, ibricas fora do comedimento que

    para os gregos era a beleza, uma doena, uma neurose, no me emociono

    com elas. Instantaneamente ergue-se um muro do mais puro raio laser

    como escudo dourado defendendo-me ao infinito contra tuas radiaes

  • fragmentos de sabonete

    doentias. As flechas do teu veneno no conseguem sequer invadir o sis-

    tema auto-defensivo do meu ser nas fronteiras de primeira linha! Motivo:

    repito-o, meu crebro detectou que tuas reaes tendentes a enfraquecer

    meu entusiasmo pela vida, pela liberdade, pelo Eros, pela integrao, a

    ordem, a harmonia foram consideradas como sendo originrias da es-

    cassez, do medo, da tua fragilidade: portanto, doena. No me contagio.

    a lei da sobrevivncia da sade. Espero que voc melhore, o Tempo,

    essa 4 dimenso faz milagres.

    Se na velocidade da luz alcanamos a eternidade, pois estaremos

    no eterno presente (a 300.000 quilmetros por segundo), como ser na-

    quela velocidade que maior que a da luz, e que deve ser a velocidade

    das ondas gravitacionais ainda em estudos em laboratrios soviticos

    e norte-americanos? Como imagina o leitor/a a paisagem que fica para

    alm da paisagem da eternidade?

    A cada dia suas aflies.

    ditado bblico

    Caminhava encurvado, no ao peso dos anos, mas ao peso das pre-

    ocupaes em demasia. Foi s quando um relmpago o atingiu em plena

    espinha dorsal num dia azul, em que relmpagos estatisticamente so

    raros, quando at mesmo impossveis, pois nuvens nem brancas exis-

    tiam, foi que o rejuvenesceu. Isso estatisticamente tambm rarssimo:

    no morrer ao ser atingido por um raio! Mas era um raio de Cupido, o

    mais sutil, gil e importante dos deuses.

    Passou a cantar e assobiar, entrando em contato com vrios espa-

    os e dimenses. O que aconteceu foi que por uma dessas trajetrias ao

    acaso de um disco voador eivado de mistrio vindo do campo gravita-

    cional do espao Z, deixara-se atrair pelas ondas gravitacionais da Terra

    e sucedeu o relmpago amoroso que, em vez de matar o preocupado ra-

    paz, abriu-o para o mundo.

    Os deuses do Olimpo, das umbandas, dos candombls, de todas as

    seitas conhecidas e por conhecer viajam em discos voadores que so a

    materializao de Deus, que tudo e muito complicado, por isso aberto

    a infindveis explicaes e mais perguntas.

    A astrologia da Babilnia deu ao povo judeu a Cabala e o sagrado

    candelabro, por isso em certos ditados de rabinos h uma sutil intelign-

    cia universal-astronutica-zen: a cada dia suas aflies, um amargo-

  • jorge mautner

    -irnico, um triste-alegre, um estoicismo com sorriso.

    Mas o Cupido em questo era uma entidade helnica, seu lado

    apolneo, seu lado dionisaco era Eros, e Eros andava s vezes de mos

    dadas com a Morte-Tanatos para tornar mais densa e forte sua presena.

    A presena tudo. Hermann Hesse diz que o Buda, ou qualquer

    iluminado, nota-se a sua presena at mesmo quando de costas. A cada

    um segundo suas capacidades, digo eu. No precisamos ir to longe, se

    observarmos a sua presena, leitor, leitora, por um gesto, um olhar, uma

    coisa construda: uma ponte de tijolos ou fantasia, um ato de trabalho

    coletivo, o mesmo. Tem o mesmo teor. Valor, qualidade isso: capacida-

    de de emitir e receber vibraes sutilssimas de informao divina.

    Divina a sobrevivncia, o superar-se continuamente (Nietzsche-

    -Freud-Karl Jaspers), e divino Elisete Cardoso, Silvio Caldas, Gal Costa

    e Maria Bethnia. Etc. Minha professora de Histria disse que castigaria

    quem usasse etc. Mas etc. em si a idia mais sinttica da totalizao-

    -da continuao-da perptua-transformao da espcie em linguagem,

    costumes e ousadias de sobrevivncia. De Oswald de Andrade a Tristo

    de Atade no h contradio, assim como no h entre Gustavo Coro

    e Teilhard de Chardin. O corao de Deus criou a todos para enunciarem

    determinados ngulos, todos verdadeiros.

    A pedra no meio do caminho de Carlos Drummond de Andrade

    (outro Andrade?) o milagre, a pedra da mutao na qual ele tropea na

    estrada mineira, a caminho de 1922. A pedra j estava l antes e depois.

    Guimares Rosa descreve a mata misteriosa que viceja ao lado da Pedra

    que est parada em movimento, ao mesmo tempo, na paisagem encon-

    trada pelo Drummond.

    De Graciliano Ramos a Augusto dos Anjos, de Rosselini a Andy Wa-

    rhol, de Nelson Pereira dos Santos a Augusto Comte, a preocupao do

    realismo mal contendo a exploso da religiosidade, mnimo. Descre-

    vem o tridimensional j engolidos pela quarta dimenso. J nos falam do

    lado de l.

    O que nos irmana, como nao, como planeta, este desejo de

    unio, que o amor. Aumentar o calor por entre ns mesmos, dentro e

    fora de ns mesmos. Um rdio ligado, uma TV so companhias humanas,

    os velhos tomando conscincia, os discriminados sexuais at hoje retifi-

    cados e objetivados malignamente por mentes maniquestas tomando

  • fragmentos de sabonete

    conscincia, assim como a mulher, 50% da populao mundial tomando

    conscincia como um enorme leque, uma enorme nao de maracatu,

    no posso me furtar, atmico!, a danar como o cortejo da Grcia dioni-

    saca sonhada pelos alm-romnticos alemes.

    O erudito e o popular? Divises formais, maniquestas. Claro. A

    educao d-se por ondas simultneas via satlite-via tambor.

    Ondas de sensitividade, sensibilidade. A diminuio do teor de

    agressividade dever geral de todos, e dos artistas em particular como

    lderes da sociedade planetria, que precisa respirar, amor, paz, trabalho,

    fruio, sede de infinito sem fim, sem fim, como no jazz, nas batucadas

    que jamais terminam. Um som penetra o outro continuamente.

    Como me parece que este o fim de mais um livro sem fim que es-

    crevo, despeo-me dos leitores com aquela cumplicidade, que negativa

    ou positiva ou ambas nos une desde agora, e gostaria que me escreves-

    sem, a essa editora Ground que topou lanar o livro e uma turma to

    legal, para que nos conhecssemos melhor e o papo continuasse.

    Das vrias fontes grficas cinematogrficas nas quais o Tropicalis-

    mo e o ps-Tropicalismo beberam e depois irradiaram transformadas,

    poderamos ainda detectar ao sabor do riqussimo acaso: Jos Mojica

    Marins (o tenor sertanejo paulista premiado na Frana e considerads-

    simo por Glauber), Mazzaropi (fabricador em massa de populismo),

    Walter Hugo Khoury (esteticismo kitsch anteviso de alguns aspectos

    hollywoodianos da TV Globo), Fernando Campos (entre o cinema novo

    & novssimo e depois), Antonio Calmon (Parania, que filme ser esse?),

    Saraceni (ponte entre cinema novo e agora?).

    Bscoli & Menescal: dia de sol, festa de luz, e um barquinho a

    navegar... (novamente o ideograma-mgico-arquetipal-inicial de uma

    baa) e Menescal foi habitar as profundezas das guas em sua pesca sub-

    marina, onde agora ele j no mata mais os peixes, pois segundo ele o

    peixe fica te olhando bem perto dos olhos e da boca como um anjo aqu-

    tico.

    grande a faixa litornea brasileira. Mas tambm preciso coloni-

    zar o oeste e alm. E Dora Ferreira da Silva, em 1959, a primeira que me

    captou de um modo ontolgico na apresentao de texto meu na revista

    Dilogo n 13.

  • jorge mautner

    Mauro Rasi caos, mergulhos profundos na histeria, agressivi-

    dade tratada como o ornamental. Vicente Pereira, do infantil ao super-

    -agressivo talvez sem o saber, a crueldade como prazer, mas tambm o

    outro lado: doura oculta; ambos autores teatrais. E Jos Celso: super-

    dotado Brecht tropicalizado do interior paulista, peca tambm (deve ser

    postura-mania da classe teatral!) por agressividade desnecessria para a

    profundidade do seu ser.

    Maria Gladys e Helena Ignes (cinema novo, novssimo) ausentes

    e agora no que parece ser uma onda de renncias para a quietude e

    plenitude do ser? Ou para niilismos de desistncias? Maravilhosas por-

    que vivendo so obras de arte. Para Torquato Neto, poeta sensibilssimo

    porm suicida (a doena foi mais forte), repito as palavras de Maiakovski

    (que tambm suicidou-se, pois a fraqueza num dado momento foi mais

    forte) morrer no difcil / difcil a vida e seu ofcio para Iessienin,

    outro lamentvel caso de suicdio. Meu lema: Se o amanh trar cada

    vez maiores sofrimentos, fabricaremos maiores entusiasmos para supe-

    r-los, absorvendo-os com a mquina invencivel do nosso entusiasmo!

    Todos temos que triplicar nossa produo!

    Mas que maravilhoso o contnuo e gil ativismo dessa ex-vedete (e

    com isso toda uma glria circense), dessa magistral atriz: instinto indge-

    na da me & lgica tortuosa alem por parte do pai, de Norma Benguel! E

    o dadasmo tropical de Chacrinha, at Dercy Gonalves, at Chico Ansio

    da TV e Marlia Pra (trabalhadora-otimista) e Grande Othelo e Z Trin-

    dade!

    Rogrio Duprat, Cozzella, Julio Medaglia, com quem duetei na TV

    de violino Bem-te-viu e mestre Perinho Albuquerque, molho baiano e l-

    gica! Viva o trabalho permanente! E seu entusiasmo imanente.

    Se tivssemos um transferidor linear (geometria euclidiana sim-

    ples) e tivssemos de um lado o 0, teramos perto (perto porque no o

    alcanaramos jamais, pois a abstrao do absoluto linear) deste mis-

    terioso zero grau J.R. Tinhoro, e do outro, perto dos 180 do outro lado

    (tambm apenas por muito perto pelos mesmos motivos do 0 oposto),

    Ezequiel Neves. Os dois crticos musicais radicais que se equivalem. Eu

    estaria com meu trabalho e viso, l perto dos 90 do centro, como um

    democrata, um democrata duro, alerta aos ataques do inimigo, e sempre

    vagueando pelos outros graus, at mesmo os de outras geometrias... po-

  • fragmentos de sabonete

    rm mantendo firme um ncleo central de equilbrio ecolgico.

    O tempo um ladro. Quando se descobre isso j muito tarde.

    De Mariah Costa Penna, autora de Casa do Morro, Duda Hotel das es-

    trelas. Escrevem pela noite. Chico Bezerra, que ficou cariciando um co

    sarnento que subiu ao palco tarde durante ensaio na concha acstica

    de Salvador-Bahia. Luis Fernando, um radical de todos os radicalismos

    como estrelas por a. Antonio Bivar veste as paisagem todas como um

    conto de fadas real. Jos Vicente essencializa a linguagem com origens

    de missa. Como Milton Nascimento nos sons. Jlio Barroso e sua valo-

    rosa equipe da revista Msica do Planeta Terra, vises-totalizantes. Jor-

    ge Andrade; caf: o grande ciclo; e fantasmas que existem. Janete Clair

    captao profunda de nervos nacionais. Raquel de Queiroz lucidez

    nordestina de uma feminista antes delas. Mestre Pietro Ubaldi da Gran-

    de sntese, e a Eubiose de Walter Smetak. Todos caminhos para a grande

    abertura entusiasmada da vida. Comigo foi um disco voador que injetou

    um raio de luz, operao craniana como no tempo dos faras? A cor era

    azul como a cor da libido e ao no dizer de Wilhelm Reich, o distante pai

    alemo do beat norte-americano. E quem foi Z Arig?

    Risrio Filho, papos sob o luar de Itapu fosforescente sobre os Ir-

    mos Campos concretos, Dcio Pignatari e os computers poticos. Todos

    escrevem noite. noite mudam os ces, os gatos, as mars (cabelos

    de lemanj em movimento), mudam todos os crebros. Noite Rainha do

    Pessoa. Assis Brasil, o crtico-romancista que primeiro considerou o que

    escrevo de maneira sociolgica. No sul do pas brilha um sol lunar, mas

    um sol quente, campos de soja e mil fermentaes. (Faltam nomes! Fal-

    tam dados!)

    A estrela-de-davi um smbolo astronutico. E tambm, claro,

    da Umbanda.

    P.S.

    E tenho que dizer neste final de livro num P.S. significativo, porque

    em todas as direes como o grande leque de vitria-rgia do Amazo-

    nas, que a misso divina e suprema do poeta e do artista harmonizar

    os conflitos, diminuir a agressividade e os extremismos e os atritos e a

    violncia e promover profunda unio de todos os irmos da nao que

  • jorge mautner

    continente, e que o profundo floro das Amricas de onde nascera a

    nova coisa (isso eu j disse em 1958 e repito-o agora), pois de acordo

    com a profecia de Hegel, e me vem do disco voador e verdade. A misso

    nacional do artista a mesma que a misso internacional, por isso ele

    tudo ao mesmo tempo, pois misso dos artistas de todos os lugares e

    povos promoverem a unio de seus irmos para fazer brotar da cada vez

    mais denso o significado da existncia e da felicidade para todos, ao nvel

    nacional e ao nvel planetrio, na horizontal e na vertical, aquilo que se

    aprofunda, adensa, tambm se alarga, cresce em direo a Deus.