fracasso escolar no ensino fundamental na … · fracasso escolar do aluno, uma vez que no aspecto...

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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA ESCOLAR FRACASSO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL NA ESCOLA PÚBLICA: UMA PERSPECTIVA PSICOPEDAGÓGICA ANA LUDMILA MOURA DE CERQUEIRA SALVADOR – BAHIA 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA ESCOLAR

FRACASSO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL NA

ESCOLA PÚBLICA: UMA PERSPECTIVA

PSICOPEDAGÓGICA

ANA LUDMILA MOURA DE CERQUEIRA

SALVADOR – BAHIA 2010

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ANA LUDMILA MOURA DE CERQUEIRA

FRACASSO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL NA

ESCOLA PÚBLICA: UMA PERSPECTIVA

PSICOPEDAGÓGICA

Trabalho monográfico apresentado ao Curso de Pós-Graduação da Universidade Cândido Mendes, como requisito parcial para obtenção do grau de Pós-graduação em Psicopedagogia Escolar, sob a orientação da professora Maria Esther de Araújo Oliveira.

SALVADOR – BAHIA 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA ESCOLAR

FOLHA DE APROVAÇÃO

Orientadora Profª: Maria Esther de Araújo Oliveira

Título: Fracasso escolar no ensino fundamental na escola pública:

uma perspectiva psicopedagógica

Aluna: ANA LUDMILA MOURA DE CERQUEIRA

Parecer:

_____________________________________________________________

______

_____________________________________________________________

_____________________________________________________________

____________

Nota: ________________________

SALVADOR – BAHIA 2010

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Este trabalho é especialmente dedicado aos nossos

familiares, pelo apoio, incentivo e paciência demonstrados ao

longo desses meses

em que estou participando do Curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia

Escolar,

uma vez que devido à necessidade de produzir os trabalhos solicitados,

precisei sonegar momentos importantes que passaria no aconchego e carinho

familiar para poder traçar os planos

necessários para fazer fluir as pesquisas, leituras, discussões e

produções dos trabalhos solicitados.

Que fique registrado, neste espaço, o meu reconhecimento

pela força que vocês nos dão e a certeza de que lutarei

tenazmente para superar todos os obstáculos surgidos no

caminho

até atingir o objetivo almejado.

Ana Ludmila

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Agradecimentos

À Universidade Cândido Mendes.

A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho.

Em especial à colega Nadja Lopes pelo apoio e incentivo.

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"Conhecer esta realidade [condições materiais, concretas, de vida da maioria das

crianças que freqüentam a Escola Pública [que] são de fato extremamente

precárias] deve ser ponto de partida para adequar a prática pedagógica às

crianças que nela estão inseridas, e não como vem sendo feito, usar este

conhecimento como álibi para eximir a escola de seu papel na produção do

fracasso escolar."

Anna Maria Bianchini Baeta

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RESUMO

Este trabalho apresenta uma pesquisa bibliográfica do fracasso escolar no ensino fundamental na escola pública: numa perspectiva psicopedagógica. Neste trabalho foram utilizados os princípios teóricos apresentados por LEITE (1988), CUNHA (1996), LUCKESI (1997), SOARES (1993), FUKUI (1985), BOSSA (2000), e outros, porque acreditamos que os mesmos nos oferecem maiores subsídios e embasamento teórico para entendermos o objeto que nos propomos estudar. O fracasso escolar, por sua vez, pergunta inquietante do nosso trabalho, é amplamente discorrida a cada leitura do assunto, a cada discussão efetuada, o que nos levou a analisar o problema com um novo olhar, sob um novo prisma, que certamente proporcionará maior compreensão dos problemas enfrentados por alguns alunos e assim, ensejar esforços que venham transformar este fracasso em êxito. Vem mostrar também, que além de cultural, em sentido restrito, a educação é, portanto, um problema político fundamental, e é desse ponto de vista que devemos encarar. É perceptível nas entrelinhas que não há interesse em elevar o nível do ensino, porque as expectativas dos que elaboram e gerenciam a política educacional e as dos educadores não são compartilhados, seus objetivos e intenções não são os mesmos para os alunos da escola pública. Portanto, revendo o passado, dinamizando o futuro e procurando corrigir os erros do presente, avançamos no campo da construção conjunta do conhecimento da escola e da sociedade que queremos; só assim, poderemos ter uma educação voltada para as crianças de classe menos favorecida e a redução dos índices de fracasso escolar no ensino fundamental na escola pública.

Palavras-chave: Fracasso Escolar. Ensino Fundamental. Escola Pública.

Psicopedagogia.

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SUMÁRIO

RESUMO

INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------------------------------ 01

1 REVISÃO DA LITERATURA --------------------------------------------------------------- 10

2. FRACASSO ESCOLAR: de quem é a culpa? -------------------------------------- 11

3. DEFICIÊNCIA CULTURAL E INSUCESSO ESCOLAR -------------------------- 21

4. CARACTERIZANDO O FRACASSO ESCOLAR NO PROCESSO ENSINO–

APRENDIZAGEM NO ENSINO FUNDAMENTAL ---------------------------------- 26

5. O FRACASSO ESCOLAR SEGUNDO A PSICOPEDAGOGIA------------------39

6. ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS EM EDUCAÇÃO NO ENSINO

FUNDAMENTAL NA ESCOLA PÚBLICA --------------------------------------------- 51

CONSIDERAÇÕES FINAIS ------------------------------------------------------------------- 62

REFERÊNCIAS ----------------------------------------------------------------------------------- 66

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INTRODUÇÃO

O fracasso escolar, representado pela multirrepetência no Ensino

Fundamental, vem atingindo um número cada vez maior de alunos repetentes,

tendo como uma das causas a não conscientização do corpo docente e técnico

sobre as reais condições de escolaridade dos alunos, dos fatores extra-escolares,

como: desnutrição falta de condições econômicas, abandono dos pais,

desinteresse do aluno e a deficiência de escolaridade de seus pais.

A Psicopedagogia surge no Brasil como uma resposta ao grande problema

do fracasso escolar e evoluiu de acordo com a natureza do seu objeto e dos seus

objetivos. No início, seu objeto era os sintomas das dificuldades de

aprendizagem: desatenção, desinteresse, lentidão, astenia (fraqueza orgânica,

debilidade), etc. e, assim, seu objetivo era remediar esses sintomas. Entretanto, o

tratamento puro e simples dos sintomas pode não se revelar suficiente para que

ocorra o êxito escolar.

Desta forma, entende-se o sintoma como sinal, produto, emergência de

uma desarticulação dos diferentes aspectos de aprendizagem, a saber: os

aspectos afetivos, cognitivos e sociais.

Quando consideramos os sintomas do ponto de vista de valores relativos, a

psicopedagogia muda de objeto, passando a considerar a gênese da

aprendizagem, deixando de lado o desempenho, os bons e maus resultados

antes considerados.

Desta forma, a psicopedagogia entra em nova fase, onde afirma que o

objeto passa a ser o processo de aprendizagem e seus objetivos, bem como

remediar ou refazer esse processo em todos os seus aspectos. A psicopedagogia

emerge então em uma fase marcada pela falta de nitidez conceitual, exigindo uma

nova definição nesta área de estudo. Será necessário, então, mudar a base da

reflexão teórica e sob um prisma diferente colocar a questão: Quem é o objeto da

psicopedagogia?

Os estudiosos da matéria definem o objeto da psicopedagogia como sendo

o ser cognoscente, o ser em processo de construção do conhecimento.

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Dentre os fatores intra-escolares temos a discriminação da escola com os

alunos de classe sócio-econômica e cultural baixa, estereótipos e preconceitos

dos professores com esses alunos, salário baixo dos professores, avaliação e

currículo escolar, os quais na medida em que criam os empecilhos concretos

fazem com que esses alunos carentes tenham um rendimento escolar de regular

a insuficiente, visto que, na sua grande maioria, são alunos oriundos de bairros

periféricos, caracterizados pela real condição de pobreza com todas as suas

conseqüências.

A escola trata até hoje o fracasso escolar como se fosse culpa somente do

aluno, que na maioria das vezes só vem à escola atrapalhar o trabalho do

professor e que de fato atrapalha mesmo, devido à escola não ter sido pensada

para os alunos com esse estereótipo determinado pela sociedade. A escola foi

pensada para um aluno ideal, que não trabalha, que sabe ler, escrever e se

expressar corretamente, um aluno que tem tempo de estudar em casa e com

condições de ter um reforço escolar.

A escola pública não foi pensada para a maioria dos alunos cheios de

problemas de ordem familiar, econômica e social, alunos que muitas vezes não

têm nem o que comer em casa, e que vai para o colégio de sandálias havaianas

por não terem condições de comprar um sapato, muito menos o material escolar.

Alunos que faltam aulas e provas por não terem o dinheiro do transporte; alunos

filhos de pais separados, desempregados, lavadeiras e até mesmo viciados em

drogas.

Alunos que seus pais não têm condições de ensinar-lhes os deveres de

casa por serem analfabetos; alunos que não têm condições de cursar a série

atual por não dominar conhecimentos das séries iniciais; alunos que só vão para

a escola por causa da merenda escolar e da carteira de passe de meia

passagem, mas que na realidade não entram na sala de aula.

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1. REVISÃO DA LITERATURA

Nesse trabalho serão utilizados os princípios teóricos apresentados por

LEITE (1988), CUNHA (1996), LUCKESI (1997), SOARES (1993), FUKUI (1985),

BOSSA (2000), e outros, porque acreditamos que os mesmos nos oferecem

maiores subsídios e embasamento teórico para entendermos o objeto que nos

propomos estudar.

Na visão de LEITE (1988), procuramos mostrar as verdadeiras causas que

levam os alunos do ensino fundamental ao fracasso escolar, abordadas de forma

transparente entre os fatores extra-escolares dos quais fazem parte, professor–

escola–aluno, e que o problema só será efetivamente resolvido a partir de

profundas mudanças na política educacional que venham atender às classes

desfavorecidas.

Seguindo os fundamentos teóricos de CUNHA (1977), ele nos mostra que

dentre os fatores extra-escolares está a carência alimentar, a qual contribui para o

fracasso escolar do aluno, uma vez que no aspecto cognitivo a fome compromete

a inteligência, o desenvolvimento do raciocínio e a concentração nas atividades

escolares. De acordo com os princípios teóricos de FUKUI (1980), no capítulo

Fracasso Escolar: de quem é a culpa? Procuramos mostrar que a utilização do

trabalho da criança desde os 8 anos de idade e a dificuldade de conciliar o estudo

ao trabalho produtivo é também uma das causas extra-escolares do insucesso

dos alunos no ensino fundamental.

Uma das contribuições teóricas de LUCKESI (1997), sobre o fracasso

escolar é a questão da avaliação, quando nos mostra que a avaliação não deve

ser usada pelo professor como uma arma de tortura e punição, e sim como um

instrumento para motivar o interesse e estimular o aluno para maior esforço e

dedicação nos estudos.No capítulo que trata da deficiência cultural e insucesso

escolar, teoria essa abordada por SOARES (1993), procurou-se mostrar também

que é comum encontrarmos crianças com o rendimento escolar deficiente em

decorrência da discriminação social por parte do professor através da prática

escolar.

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2. FRACASSO ESCOLAR: de quem é a culpa?

Durante muitos anos os estudos sobre fracasso escolar vêm

responsabilizando, de forma alternada, os professores, os alunos, os pais e a

sociedade pelo baixo rendimento na escola. Ocorre, entretanto, que raras vezes

são questionadas a cultura escolar, a organização e estrutura dela. Além do mais,

é difícil se colocar a organização seriada, os currículos e as relações de tempo,

espaço e rotina escolar como usinas geradoras do fracasso.

Segundo Anny Cordié (1996, p.31), nunca há uma única causa para o

fracasso escolar, há sempre a conjunção de várias causas que interferem umas

sobre as outras. Também, a noção do fracasso escolar não está mais ligada ao

tempo, já que não é mais marcada pelas fatídicas barreiras (leitura, escrita, etc.).

Anny salienta ainda que o fracasso escolar afeta o sujeito em sua

totalidade. Primeiro em seu íntimo, vetando suas aspirações e em seguida, seu

sucesso social. A esse sofrimento de conflito inconsciente junta-se uma dimensão

específica que não se encontra nas outras estruturas neuróticas e que é a ferida

narcísica de um ser depreciado a seus próprios olhos e aos olhos dos outros.

As crianças, ao entrarem na escola, encontram uma organização escolar já

pronta e definida. A lógica que determina a escola é a lógica dos valores

escolares. A organização e divisão do tempo, do espaço escolar, feito a imagem e

semelhança dos quartéis e conventos, determinam ao mesmo tempo o mesmo

conhecimento igual para todos. Aqueles que não de adequarem ficam para trás,

perdem seu grupo e têm que começar da estaca zero.

Para vários estudiosos desta matéria, não cabe atribuir a culpa pelo

fracasso escolar nem jogar essa culpa nos estudantes de forma pura e simples. É

necessário romper barreiras e criar uma nova escola que não tenham fronteiras

de reprovações, de fracasso, de ignorância, onde o aprender seja possível para

todos, onde o aluno seja visto como sujeitos culturais, sociais e históricos e que

as identidades sejam respeitadas, já que será uma escola de direitos, de

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cidadania e de consciência política, que busca transformar o cotidiano rompendo

fronteiras do hoje e que o passado ajude a preparar o amanhã.

Ocorre que o fracasso, opondo-se ao sucesso, implica um julgamento de

valor; esse valor acontece em função de um ideal. Um sujeito se constrói

perseguindo ideais que se apresentam a ele no decorrer de sua existência. Logo,

o sucesso escolar ocupa um lugar importante na vida de estudantes, pais,

professores e governantes por considerarem esse sucesso como sendo fator que

dará acesso ao consumo de bens. O fracasso escolar pressupõe a renúncia ao

dinheiro, poder, ascensão social na vida do indivíduo.

Diante do fracasso escolar, os pais têm alguns tipos de comportamento, a

saber: desaprovação, quando os pais manifestam sua decepção e cólera em vista

dos maus resultados escolares; indiferença, demonstrada quando os pais ignoram

o que se passa em aula. A ausência de interesse pelos resultados escolares pode

estar ligada ao modelo cultural dos pais.

“Meu filho repetiu na escola...”. Esta é uma declaração feita com freqüência

por pais no final do ano. Eles trazem estampado no semblante os sentimentos

mais contraditórios: decepção, impotência, frustração, fracasso, raiva, furor e

outras tantas emoções que poder ir da tristeza à desolação. Assim, os pais

desfiam listas de promessas, de castigos e punições que visam acabar com

regalias e privilégios dos filhos.

Pela cabeça do aluno pode estar passando pensamentos do tipo: “Eu não

valho nada, portanto não mereço ser amado”; “Não sou capaz de aprender, sou

mesmo realmente um fracasso!”. Estes sentimentos podem desencadear uma

auto-estima baixa e uma sensação de inadequação que poderá levá-lo a uma

vida apagada, triste e retraída, ou a desenvolver mecanismos de defesa como: a

mentira, a agressividade ou a alienação.

Vários pais supõem que a criança não tira boas notas por ser relapsa,

preguiçosa, pouco estudiosa ou dispersa. O problema é muito mais amplo e

outros fatores como desempenho do professor, a estrutura e o funcionamento do

ensino, o material didático e a própria atuação dos pais deverão ser consideradas

no processo de desenvolvimento escolar. A escola, por sua vez, nem sempre está

bem equipada e possui uma equipe pedagógica especializada para entender as

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diferenças individuais da clientela. As condições de trabalho às vezes são

bastante precárias. Somando-se a isto a formação de classes superlotadas e

heterogêneas, a falta de material didático de boa qualidade e professores muito

inexperientes ou que não se enquadram na realidade da aprendizagem. Por outro

lado, as escolas, em grande parte, continuam seguindo a tendência tradicional e

suas normas e regulamentos seguem critérios rígidos que acabam criando

situações que em muito contribuem para afetar de forma decisiva os resultados.

Os professores, preparados de forma inadequada pelos centros de

formação, não sabem como e o que ensinar exatamente e não dispõem de tempo

para se interessar pelas dificuldades de cada criança. Alguns retratam cansaço,

desânimo, frustração, sobrecarga e a desvalorização a que são submetidos no

trabalho.

O fracasso escolar toma forma antes do final do ano. O aluno com medo

das críticas e correções aquieta-se no seu canto, envergonhado de falar, de

perguntar e tirar dúvidas, não querendo dar respostas quando instado a isso. Não

entende necessariamente aquilo que é exposto pelo professor e teme dizer que

não entende, dificultando ainda mais o acompanhamento da aula. Daí, a

motivação para continuar se esforçando vai esmaecendo, sendo substituída pela

resignação de que o ano letivo está perdido.

O fracasso escolar, portanto, não é uma coisa recente. Segundo Patto

(1991) sucessivos levantamentos desde os anos 30 até os anos 90 mostraram

sempre elevados índices de evasão e reprovação nos primeiros anos da escola

pública brasileira, sem que se pudessem constatar índices de melhora dos

serviços por ela prestados à população.

O aluno fecha-se em seu mundo de apatia e desânimo, tornando-se

passivo, agressivo ou indisciplinado. Alguns fatores são deflagradores de um

estado de inquietação e tensão emocional muito grande na maioria: a ênfase

exagerada nas provas e avaliações; o desportismo de alguns professores que

detêm o sistema de punições e recompensas; a ameaça de pais muito exigentes

e repressores, que privam de afeto e atenção o filho malsucedido; a falta de

exercícios ao ar livre, alimentação balanceada etc.

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A associação destes fatores com outros não mencionados podem criar no

aluno ansiedade crônica, desequilibrando o organismo e desencadeando

distúrbios psicossomáticos diversos, tipo: cólicas dores de cabeça, inapetência e

outras manifestações psicológicas que se agravam no final do ano letivo com a

reprovação.

O aluno vai precisar de todo apoio e ajuda possíveis de pais e professores,

pois mesmo tendo capacidade e inteligência para aprender, vai assimilar o fato de

que é incapaz de tal proeza. Ao final do período letivo levará consigo a marca da

humilhação e do fracasso, a convicção de que é pouco dotado pouco inteligente e

inferior aos demais, motivo pela qual não obteve êxito. Por sentir que seus

esforços são infrutíferos, acaba desistindo de lutar, pois não sabe exatamente o

que se espera dele. Este momento é crucial para o estudante.

É quando mais necessita de compreensão, de apoio dos pais e da

segurança que lhe dá coragem para enfrentar as dificuldades do ano seguinte, a

vergonha de ser o aluno repetente e a esperança de vencer desta vez. Com a

ajuda dos pais ele pode superar esta fase difícil de sua vida. É necessário fazê-lo

saber que é importante pelo que é e não porque obtém bons resultados no

boletim escolar. Deve-se mostrar que ele tem seu próprio ritmo e que seu

desenvolvimento se faz em etapas, e isto significa, às vezes, regressões e

paralisações. Quanto mais se sentir seguro e respeitado mais reunirá condições

para crescer.

Por conseguinte, o fracasso escolar estabelece uma enorme distância da

missão da escola que é focalizar o indivíduo, ser original, singular, diferente e

único, dotado de inteligências múltiplas, que possui diferentes estilos de

aprendizagem e habilidades para resolver problemas.

É bom que se ressalte que o objeto de estudo da psicopedagogia não é o

fracasso escolar em si. Cabe detectar os elementos causadores deste processo

de não aprendizagem para que não venha interferir no seu campo de atuação que

é a construção do conhecimento do ser aprendente.

E a partir do momento em que o psicopedagogo detecta através de

diagnósticos de anamnese a origem destes transtornos, que impedem a aquisição

da aprendizagem, cabe a si a tarefa de promover um trabalho em grupo com pais,

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escola, especialistas de diversas áreas na busca de soluções para que a

aprendizagem aconteça de forma sistemática e assistemática, dando a

oportunidade para que o êxito, afinal, seja obtido.

A multirrepetência representada pela permanência de alunos na mesma

série, por mais de dois anos, constitui-se num desperdício em termos

econômicos, sociais e educacionais, limitando-se a capacidade de absorção do

sistema, baixando seu grau de eficiência, proporcionando aumento de evasão e

afetando negativamente a igualdade das oportunidades educacionais e,

conseqüentemente, aumentando os custos da educação.

A partir da revisão de literatura, chegamos a conclusão da existência da

situação e dos resquícios deixados por ela àqueles alunos que, por motivos

diversos, não conseguiram substituir a cultura do fracasso pela cultura do

sucesso, garantindo desse modo a construção de um caminho em direção ao

exercício pleno da cidadania.

No bojo dessa ação, inserem-se as causas consideradas como extra-

escolares, responsáveis por esse insucesso escolar, como:

a desnutrição a qual pode agrupar-se em três diferentes tipos de alterações: menor tamanho cerebral, redução do número de células nervosas e menor quantidade de lipídio, que nas crianças podem interferir com as capacidades intelectuais, não por alterações do sistema nervoso, mas pelos efeitos da fome, fraqueza e inanição. (LEITE, 1988, p.514).

Esses efeitos produzidos pela carência de alimentação fazem com que

esses alunos, marginalizados pela sua real condição de pobreza, sintam-se

incapazes de produzir em suas tarefas escolares, tornando-se apáticos às

atividades do seu convívio escolar e familiar e, conseqüentemente, por não serem

estimulados têm seu desenvolvimento escolar prejudicado.

A imaturidade do aluno é também uma das causas que tem contribuído

muito para o seu desempenho insatisfatório, a qual é entendida como alguma

coisa que acontece de dentro para fora do indivíduo e que depende basicamente

da passagem do tempo. Dessa maneira, entendemos que a imaturidade do aluno

tem muita influência no seu rendimento escolar, sendo esta observada através do

seu comportamento e desenvolvimento escolar no decorrer do ano letivo.

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Observamos também que o QI baixo do aluno tem grande repercussão na sua

progressão escolar, porque:

É visto como uma forma redundante a um mero problema de nível de inteligência significa no mínimo a psicologização de uma situação que fundamentalmente é determinada pela origem social do indivíduo, o qual é rotulado como retardado, limítrofe, médio-inferior e que passaram a ser utilizado como a explicação do processo escolar e que é mais um problema de limitação do próprio indivíduo. (NIDELCOFF, 1978, p. 515)

Na realidade, existem alunos que ao ingressarem na escola recebem a

mesma quantidade de informações que uma criança com desenvolvimento

cognitivo e escolar “normais” recebem; porém, existem outras que se destacam

por apresentarem um rápido desempenho escolar com relação àquelas que por

se sentirem marginalizadas pela sua real condição de pobreza e por terem um

nível de aprendizagem insuficiente, tornam-se desmotivadas com seus estudos,

e, conseqüentemente, tem seu rendimento escolar fracassado. A necessidade

que muitas crianças têm de trabalhar e estudar ao mesmo tempo é vista como

uma das causas que atrapalham o rendimento escolar e explica o seu fracasso.

Assim:

É freqüente a utilização do trabalho da criança desde os 8 ou 10 anos de idade, matriculadas nas escolas públicas, desenvolverem um trabalho produtivo ou estão procurando um emprego e consigam freqüentar uma escola, se todas as condições de vida pressionam para que as mesmas se tornem um membro economicamente ativo. (FUKUI, 1985, p.516)

É muito difícil para uma criança nessa idade estudar e trabalhar ao mesmo

tempo, e como é que ficam esses alunos que, por razões de sobrevivência, não

podem estudar sem trabalhar? As condições de vida da grande maioria da

população vêm decaindo, as crianças têm sido obrigadas a começar a trabalhar

cada vez mais cedo. Mas como é que elas podem trabalhar e continuar a estudar

se a escola está organizada pensando só nos alunos que não trabalham? O

trabalho prejudica o rendimento escolar e o aluno acaba de reprovação em

reprovação, abandonando a escola.

Dentre os fatores intra-escolares temos o confronto da escola com a

população atendida. Neste sentido entendemos que “há também na escola a

discriminação e marginalização de crianças oriundas de classes socialmente

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marginalizadas, seja através de seus objetivos ou de suas práticas, incluindo-se a

relação professor–aluno” (CUNHA, 1977, p.517).

Verifica-se que existem alunos que, por não trazerem uma bagagem de

conhecimento anterior, esperado pelo professor, demonstram um ritmo inicial de

aprendizagem lento em relação à faixa média de aprendizagem da classe; para

conseguir dominar determinados conteúdos, exigem um tempo muito maior.

Essas características chocam o professor pela maneira como seus

objetivos de ensino foram planejados; prevêem alunos com o comportamento e

bagagem de conhecimentos trazidos das séries anteriores para que possam

dominar todo o programa dentro do prazo previsto pela escola e pelo professor. A

expectativa do professor com relação ao aluno representa uma importante

variável na análise do fracasso escolar, visto que as crianças já chegam à escola

numa situação sócio–econômica e cultural desigual e com isso:

Observa-se estereótipos e preconceitos de professores com relação a alunos mais carentes; estes são freqüentemente rotulados como imaturos, perdidos, doentes e anormais; as famílias também são encaradas de forma depreciativa (BRANDÃO, 1980, p.518).

Assim, foi verificado que existem alunos que aprenderam a falar em casa

uma língua correta e bonita que a escola exige, outros falam de um jeito que a

escola considera fora dos padrões estabelecidos pela língua; uns estão bem

alimentados e bem vestidos, outros vêm para a escola com fome; uns têm

tranqüilidade para estudar em casa e contam com o auxílio dos pais, outros têm

que estudar e trabalhar ao mesmo tempo; uns aprendem em casa uma série de

coisas que a escola valoriza, outros só sabem coisas que a escola despreza.

É por tudo isso que, querer tratar da mesma maneira alunos que se

encontram em situação desigual, fingindo que todos têm as mesmas

possibilidades de aprender o que a escola ensina, significa não apenas manter a

desigualdade, mas sim aumentá-la. Com relação ao professor na rede de ensino

público, nesta perspectiva, dados do ECIEL (Estudos Conjuntos de Integração

Econômica Latino-Americana, 1988), LEITE, FUKUI demonstram que o salário do

professor associa-se claramente com um melhor rendimento dos alunos. Pode-se

supor que tais condições devem acarretar efeitos na qualidade, com a sua

atuação e, conseqüentemente, no desempenho dos alunos.

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Contudo, se conclui que todo profissional bem remunerado, que tem o seu

trabalho valorizado e reconhecido, trabalha com mais amor, afinco e dedicação; é

o que não acontece com os professores das escolas públicas, que além de serem

mal remunerados não dispõem de condições necessárias para fazerem um bom

trabalho, a começar pela falta de materiais didáticos básicos, tais como: papel,

álcool, stencil. Estas condições afetam no desempenho do professor e rendimento

escolar de seus alunos.

Outro grupo de fatores intra-escolares relacionados com o fracasso escolar

diz respeito aos currículos e práticas escolares, visto que “é comum encontrar

professores desenvolvendo conteúdos rigidamente de acordo com determinados

livros, sem a preocupação crítica de adequar esses conteúdos às condições de

vida da população atendida” (LEITE, 1988. p, 525)

O que se observa é que não há um consenso em relação a uma

metodologia mais adequada para as crianças carentes, pois o fracasso escolar

não se deve tanto ao método, mas aos conteúdos e práticas estarem distantes

dessas crianças com a qual o professor se depara. São crianças carentes e para

elas é fundamental a existência de melhores condições de funcionamento da

escola, tais como: menor número de turmas e alunos por série, maior número de

jornada de trabalho do professor, disponibilidade de livros didáticos, textos de

qualidade.

Devemos observar também que o sistema de avaliação tradicional utilizado

nas escolas públicas, através das provas bimestrais, não garante um bom

controle da aprendizagem, sendo que “a avaliação acaba se tornando um

instrumento cujos resultados podem ser utilizados contra o aluno: se aprender é

aprovado caso contrário fica retido” (LEITE, 1988, p.525).

Dessa maneira, se conclui que os alunos da escola pública devem ser

avaliados diariamente, uma avaliação processual e não em períodos

predeterminados, pois o crescimento do aluno ocorre em todo processo educativo

e interativo, cabendo ao professor acompanhá-lo a fim de ter condições

suficientes de fazer uma avaliação dentro dessa progressão atingida pelos

alunos. Ainda com relação às práticas escolares, “observa-se na prática do

professor das escolas públicas a utilização de castigos, ameaças, punições e

também recompensas” (BRANDÃO, 1980, p.530).

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Dessa forma, chega-se à conclusão que essas atividades assumidas pelos

professores para manter a disciplina dos seus alunos podem ser transformadas

em manifestações espontâneas (o medo, o receio de ser reprovado) contribuindo

para um processo de introjeção da ideologia do esforço, levando o aluno a culpar-

se pelo seu desempenho insatisfatório.

Em todos esses aspectos abordados como determinantes do fracasso

escolar na escola pública, amplamente conhecido como burocracia pedagógica, é

verificado que “as diversas tarefas burocráticas são realizadas pelo professor em

sala de aula, provocando a diminuição real do tempo destinado à relação

professor–aluno” (PATTO, 1986, p.531).

Diante dessa informação, se conclui que a existência da burocracia

pedagógica traz conseqüências diretas, gerando no indivíduo (professor) um

sentimento de impotência e uma sensação de que nada pode ser feito para mudar

as coisas, contribuindo para que a função educativa do professor mantenha-se

como uma ação eminentemente individualista, onde o magistério é assumido

como um sacerdócio, numa perspectiva de doação individual.

Essa pode ser uma das maneiras pela qual a ação educacional seja

assumida como uma ação política, onde uma visão dialética da realidade

possibilite o constante processo de crescimento e aprimoramento do educador. O

que se pode constatar é que a escola pesquisada está diante da realidade dos

seus alunos e, ao considerá-los num mesmo nível, deixa de valorizar a

experiência que cada um traz ao chegar à escola, criando-se assim uma situação

de difícil solução.Uma escola que não percebe estas deficiências e não apresenta

nenhuma proposta de mudança ou estímulo intelectual e social só poderá levar a

um alto índice de reprovação.

Acreditamos que as escolas não estão adequadamente preparadas para

oferecer uma educação voltada às necessidades dos alunos provenientes, na

grande maioria, de estratos sócio–econômico e cultural baixos da população; bem

como a formação que nós, professores, recebemos é questionável, pois,

geralmente, a eles são transmitidos métodos e técnicas pré-elaboradas e que

podem funcionar para um determinado grupo, mas não necessariamente para

outros grupos.

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Por conseguinte, cabe aos professores selecionar criteriosamente as

técnicas e métodos adequados a cada grupo; porém, sem um projeto político–

pedagógico na escola fica complicado definir. Dessa forma, garantir-se-ia uma

comunicação pedagógica eficaz, pois assim o educador estaria efetivamente

adaptando sua prática pedagógica às condições específicas dos alunos, visto que

à escola cabe contribuir para transformar essa realidade às necessidades desses

alunos, uma vez que toda e qualquer criança merece o melhor professor, o

melhor educador e uma educação escolar de qualidade.

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3. DEFICIÊNCIA CULTURAL E INSUCESSO ESCOLAR

Não nos surpreende que o status sócio-econômico da família de uma

criança esteja significativamente relacionado ao seu nível de aspiração

educacional e a sua realização acadêmica. Assim, o nível cultural dos pais

condiciona tão fortemente seus filhos ao sucesso ou fracasso escolar.

Observamos que “a gama de conhecimentos que a criança leva consigo

para a escola difere o nível cultural de seus pais” (AVANZINI, 1987, p.520).

Assim, se seus pais têm um elevado nível cultural (vocabulário rico, concordância,

regência e pronúncia correta das palavras) essas crianças apresentam também

um desenvolvimento escolar rápido e com sucesso, ao contrário daquelas que

não encontrando esse ambiente familiar escolarizado a tendência é falar, ler e

escrever de forma deficiente e, por conseguinte, comprometendo o seu

desempenho escolar.

Segundo LEITE (1988) a riqueza e propriedade do vocabulário dos pais

refletem no dos filhos, dessa maneira entendemos que quando os filhos ouvem

seus pais pronunciarem palavras corretamente, ou os objetos pelos nomes

apropriados, contraem o hábito de proceder do mesmo modo, mas se o

vocabulário familiar for pobre e limitado e os termos empregados inadequados,

eles adotarão um modo aproximado e vago de falar.

Percebemos também que “as crianças vindas de lares pobres e deficientes

culturalmente se sentem perdidas e confusas diante da artificialidade das

situações ensinadas na sala de aula” (MOTTA, 1992, p.18).

Assim, percebemos que as crianças da classe média quando não

entendem determinados assuntos têm seus pais para ajudá-las em casa, dispõe

de coleções variadas de livros como fonte de pesquisa, além dos filmes e

programas de televisão que fazem parte do seu ambiente familiar e são vistos

como fonte de prazer e informação.

Já as crianças pobres não trazem consigo esta bagagem cultural, e a

bagagem que elas trazem não são aceitas nem valorizadas pela escola por ser

culturalmente discriminada; daí, não fazer parte dos valores transmitidos pela

escola que são os valores da classe dominante.

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O que podemos observar em relação ao fracasso escolar dos alunos da

classe dominada “é que esses alunos apresentam desvantagens ou déficit

resultantes de problemas de deficiência cultural” (SOARES, 1993, p.12). Assim,

verificamos que, se seu ambiente familiar é pobre, tanto financeiramente quanto

culturalmente, esses alunos ao ingressarem na escola já apresentam deficiência,

tanto na fala quanto na escrita, em decorrência de que escrevem como falam ou

ouvem seus pais falarem em casa, cometendo erros de pronúncia, sintaxe,

concordância e vítimas de um vocabulário deficiente.

Verificamos também que “os alunos de família pobre muitas vezes com

medo de serem criticados e corrigidos diante dos colegas, vão ficando quietos no

canto, com vergonha de falar, perguntar ou de responder” (CECON, et alii, 1986,

p.37). Assim, essas crianças aos poucos vão ficando incapazes de se

comunicarem, e não entendendo o que a professora diz, e tendo vergonha de

dizer que não entendeu nada, vão ficando com medo de falar e,

conseqüentemente, com dificuldade de pensar e de raciocinar.

Como a escola só aceita uma linguagem correta, verificada nas crianças da

classe média, as outras que são a maioria vão se sentindo cada vez mais

incapazes de aprender, vindo a fracassar por não conseguir corresponder ao que

a escola exige. Podemos observar também que, segundo Motta (1992) a relação

entre a linguagem e a cultura, a qual consiste em uma questão fundamental da

deficiência cultural, e que sendo uma forma de comunicação, se inicia na criança

a partir de seu ambiente familiar.

Assim, a criança que desenvolve uma linguagem no meio sócio-econômico

e cultural mais elevado, onde as pessoas usam um vocabulário rico de palavras

corretas e variadas no significado, tende a um desenvolvimento escolar rápido e

com sucesso, ao contrário daquelas que não encontrando esse ambiente familiar

escolarizado, e entrando tardiamente na escola pública (7 anos), a tendência é

falar, ler e escrever deficientemente, resultando daí o seu insucesso escolar no

que se refere a linguagem.

Almeida (1990) diz que “a deficiência de linguagem dos alunos pobres é

verificada principalmente na leitura, redação e interpretação de textos lidos”.

Diante dessa concepção, concluímos que esses alunos por pertencerem a uma

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classe desfavorecida culturalmente, se tornam menos dotados, menos aptos e

conseqüentemente incapazes de prosseguir nos estudos seriados.

É necessário destacar também o que diz Arns et alii (1978) “que existe

além da deficiência de linguagem, os padrões culturais de cada classe social”.

Assim, observamos que a escola, mesmo sendo pública, toma como modelo a

cultura da classe dominante, desprezando ou ignorando como inexistente os

padrões culturais da classe dominada, isto é, muitas vezes o aluno é avaliado

com conceitos e informações próprias da cultura da classe dominante, com textos

referentes a famílias bem estruturadas, com pais médicos, advogados, com nível

de vida economicamente elevado, ao invés da sua realidade com feiras locais,

famílias desempenhando funções de lavadeiras, empregadas domésticas,

pedreiros dentre outros textos que não condizem com a sua linguagem,

provocando dificuldade de aprendizagem, levando-os ao fracasso escolar.

Dessa forma, a deficiência cultural e de linguagem se constituem em uma

das causas do fracasso escolar, especialmente por que as escolas públicas usam

termos e propostas de aprendizagem fora da realidade do aluno, que por

pertencer a uma classe sócio-econômica e cultural baixa passa fome ou é mal

nutrido, não tem acesso a livros variados, revistas, jornais e biblioteca,

impossibilitando-o de conhecer outras realidades, de ampliar seus

conhecimentos, desenvolver suas habilidades de expressão, raciocínio e

criatividade, de forma a apresentar um baixo rendimento escolar por não ser um

detentor de uma linguagem apropriada para os enunciados apresentados em

suas atividades e avaliação escolar.

Concluí-se que a deficiência cultural é um dos fatores de maior relevância

do fracasso escolar entre os alunos da classe baixa. É o uso da linguagem na

escola pública que evidencia mais claramente as diferenças entre os grupos

sociais e que, conseqüentemente, gera discriminação e fracasso escolar.

Dessa feita a avaliação do rendimento escolar do aluno tem sido uma

preocupação constante dos professores, uma vez que, fazendo parte do trabalho

docente, deve ser encarada pelo professor como uma forma de estimular o aluno

e não como um instrumento de punição.

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Dessa maneira, entendemos que “avaliação deve ser um instrumento

auxiliar da aprendizagem e não um instrumento de aprovação ou reprovação dos

alunos” (LUCKESI, 1997, p.152). Assim, a avaliação deve ajudar tanto o professor

quanto o aluno a se auto-avaliarem e, em conjunto, encontrarem uma forma de

superar as dificuldades no processo ensino–aprendizagem, prosseguindo e

redimensionando esse processo segundo as necessidades dos seus alunos.

Segundo Tyler (1989) “avaliação é um processo contínuo e sistemático”. Entende-

se que a avaliação não pode ser esporádica nem improvisada e sim constante e

planejada para que ocorra normalmente ao longo de todo o processo de ensino–

aprendizagem, fornecendo feedback e permitindo uma recuperação sempre que

for necessário.

Em relação à avaliação, Melchior (apud SAUL,1988, p.61) diz que “o

compromisso principal da avaliação é o de fazer com que o aluno, direta ou

indiretamente envolvido em uma ação educacional, escreva a sua própria história

e gere a sua própria alternativa”. Assim, podemos afirmar que o aluno tem

necessidade de conhecer suas possibilidades para poder situar-se em relação ao

que está sendo proposto e buscar novos caminhos para construir novas

estruturas em busca da sua ascensão acadêmica. A avaliação serve para o aluno

como uma forma de diagnosticar sua real situação no processo ensino–

aprendizagem, tendo em vista a busca de soluções que venham ajudá-la a

superar as dificuldades.

Melchior (1989) afirma que, “avaliação é um processo orientador”.

Entendemos que, a avaliação não visa eliminar alunos, mas orientar seu processo

de aprendizagem para que possam atingir os objetivos previstos, permitindo ao

aluno conhecer seus erros e acertos, auxiliando-os a fixar respostas corretas e a

corrigir as falhas. “Avaliação consiste em fazer um julgamento sobre resultados,

comparando o que foi obtido com o que se pretende alcançar” (NOLL, 1989,

p.15). Dentro desse contexto podemos afirmar que a avaliação pode ser útil para

orientar tanto o aluno como o professor. Ao aluno fornece informações para

melhorar sua atuação acadêmica; e ao professor dá subsídios para aperfeiçoar

seus procedimentos de ensino. Se esse resultado não traduziu a um bom nível de

aproveitamento, cabe ao professor replanejar a sua atuação didática, verificando

de que forma pode aperfeiçoá-la para que seus alunos obtenham mais êxito na

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aprendizagem. Conforme Luckesi (1997), “o exercício da avaliação não pode

estar desvinculado do planejamento”. Assim, o programa das atividades a serem

desenvolvidas no decorrer das unidades não pode estar distanciado da avaliação,

devendo ser reiniciado após um diagnóstico do desempenho obtido pelos alunos

no ato avaliativo, devendo ser reformulado sempre que os resultados não

satisfizerem as expectativas do professor.

Pode-se afirmar que a relação entre a avaliação, insucesso escolar e o

currículo são por demais evidentes. Verifica-se isso quando, após a aplicação de

uma avaliação, os alunos apresentam resultados que satisfazem as expectativas

do professor; este tende a concluir que seus procedimentos de ensino foram

satisfatórios. Porém, quando um número elevado de alunos apresenta um baixo

rendimento, o professor deve questionar-se procurando ver onde está a causa, se

é no aluno ou no seu trabalho didático.

Se a dificuldade for por parte do aluno, cabe ao professor procurar ver se a

deficiência é de origem afetiva ou emocional, decorrente de situações conflitantes

por ele vivenciadas no seu ambiente familiar ou da escola, uma vez que esse

problema (afetivo e emocional) pode se manifestar no comportamento do aluno

em sala de aula, interferindo na sua aprendizagem. Problemas semelhantes a

esse têm quando o aluno é multirepetente, o qual, sentindo-se frustrado com o

seu fracasso escolar, e por ser visto muitas vezes pelo professor como incapaz,

torna-se perdido, desprezando a sua autoconfiança e auto-estima, reproduzindo

na sala de aula uma atitude que irá corresponder às expectativas esperadas tanto

na escola, pelo professor, quanto em casa, com os pais.

Cabe ao professor questionar-se sobre a eficácia do seu trabalho didático,

de que maneira irá motivar mais seus alunos com as suas aulas, se devem

reformular seus conteúdos programáticos, se devem procurar novas técnicas, se

sua linguagem está no nível de compreensão da turma, se suas explicações são

entendidas, se seu vocabulário é de nível elevado, dificultando o

acompanhamento dos assuntos, enfim, deve o professor fazer essa auto-

avaliação na tentativa de reestruturar o seu trabalho, uma vez que o trabalho

docente depende em grande parte da adequação das estratégias de ensino às

características de cada classe, isto é, às necessidades, ao ritmo e ao nível de

aprendizagem de seus alunos.

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4. CARACTERIZANDO O FRACASSO ESCOLAR NO PROCESSO

ENSINO–APRENDIZAGEM

Durante a primeira metade do século XX, o conceito de aprendizagem

incluía as características ao inatismo e estabilidade ao longo do tempo. As

pessoas expressavam dificuldades de aprendizagem por causas

fundamentalmente orgânicas, levando-as ao fracasso escolar, sendo dificilmente

modificadas posteriormente.

Ao longo dos anos surgiu a necessidade de ampliar as categorias do

fracasso escolar, mantendo-se, entretanto, este traço comum de que o distúrbio

era um problema inerente à criança, com poucas possibilidades de intervenção.

Atualmente o estudo do fracasso escolar ainda é um campo relativamente novo e

complexo da psicologia. Não existe ainda um consenso quanto à definição

dessas, muitas vezes confundida com problemas de excepcionais, e nem quanto

às prováveis causas desse fracasso.

Conseqüentemente surgem diversos procedimentos para tentar superar

esses problemas, além da própria dificuldade de tentar conscientizar pais,

professores ou outros elementos, sobre a natureza do problema e de

comportamentos adequados em relação à criança. Além disso, muitos desses

conceitos são frutos de pesquisas desenvolvidas em países que apresentam uma

realidade social, econômica e política diferentes da realidade brasileira, não

podendo ser incorporados à nossa prática sem uma adequada avaliação crítica.

Das inúmeras definições dadas ao fracasso escolar, destacadas por vários

estudiosos e por relevantes associações científicas, a definição do National Joint

Commitee of Learnig Disabilities- NJCLD, 1988, é presentemente a que reúne

maior consenso. A sua definição, segundo Garcia, compreende o seguinte

conteúdo:

As dificuldades de aprendizagem são um termo genérico que se refere a um grupo heterogêneo de transtornos manifestados por dificuldades significativas na aquisição e uso da recepção, fala, escrita, raciocínio e habilidades matemáticas, ou habilidades sociais. Esses transtornos são intrínsecos ao indivíduo e presume-se que sejam devido à disfunção do sistema nervoso central. Inclusive, ainda que um problema de aprendizagem possa ocorrer concomitantemente com outras soluções incapacitantes, (por exemplo, déficit sensorial, retardamento mental,

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transtorno emocional ou social), com influências sócio–ambientais (por exemplo, sócio–culturais, instrução insuficiente ou inapropriada, fatores psicogênicos), e, especialmente, transtornos por déficit de atenção, todos os quais podendo causar dificuldades de aprendizagem; uma dificuldade de aprendizagem não é o resultado direto destas influências e condições. (GARCIA, 1995, p. 14).

Através da análise dessa definição, pode-se avaliar que o termo

dificuldades de aprendizagem tem sido usado para designar um fenômeno

complexo, pois este campo agrupa efetivamente uma variedade desorganizada

de conceitos, critérios, teorias, modelos e hipóteses.

Outro problema que se refere ao fato de que profissionais de diferentes

especialidades podem estabelecer conceitos reducionistas e parciais, quando

trabalham sem a devida ampliação interdisciplinar exigida neste tipo de

problemática, conforme é colocado por SCOZ & Colaboradores (1990, p. 49). Um

exemplo pode ser situado na correlação entre desnutrição e dificuldade de

aprendizagem. Esta correlação é freqüentemente levantada na avaliação de

crianças provenientes de grupos sociais de baixa renda.

É importante enfocar a correlação entre o fracasso escolar e os vários

fatores que permeiam a vida cotidiana da criança e do adolescente em idade

escolar, desde o nascimento até os dias atuais. Na avaliação de crianças com

fracasso escolar, principalmente as provenientes de grupos sociais de baixa

renda, é freqüente serem encontrados relatos ou problemas de saúde durante a

gestação e no primeiro ano de vida. Referências a problemas na gestação,

problemas obstétricos, como pré–maturidade, anoxia perinatal, traumatismo

crânio encefálico no parto devem ser cuidadosamente avaliados.

A partir do primeiro mês de vida é importante a avaliação da amamentação

natural, do ambiente de vida da criança em termos de suas experiências

institucionais (creches, hospitalizações, mudança ou ausência das figuras

parentais). Durante o primeiro ano de vida a criança é vulnerável aos agravos do

meio–ambiente que são expressões de maior nível de distúrbios orgânicos ou

psicossomáticos.

Assim, é importante a avaliação da gravidade da freqüência destes

distúrbios nesta fase da vida. Conforme é colocado por Davis e Oliveira:

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Vygotsky defende a idéia de contínua interação entre as mutáveis condições sociais e a base biológica do comportamento humano, partindo de estruturas orgânicas elementares determinadas basicamente pela maturação, formam-se novas e mais complexas funções mentais a depender da natureza das experiências sociais a que as crianças se acham expostas. (DAVIS & OLIVEIRA, 1994, p. 49).

A partir do segundo ano de vida, distúrbios do desenvolvimento

neuropsicomotor, da linguagem e da socialização passam a serem áreas de

expressão mais significativas das eventuais dificuldades que a criança possa

estar enfrentando no seu processo de desenvolvimento.

Dentro de uma análise contextual, há necessidade de compreender que,

mesmo na presença de uma pedagogia eficaz de professores competentes, o

fracasso escolar não desaparece nem se extingue. O enfoque do fracasso escolar

está no indivíduo que não rende ao nível do que se poderia supor e esperar a

partir do seu potencial intelectual, e por motivo dessa especificidade cognitiva da

aprendizagem, ele tende a revelar fracassos inesperados.

José e Coelho salientavam que:

A maturação conduz ao desenvolvimento do organismo e independentemente de treino ou estimulação ambiental. Caracteriza-se por mudanças estruturais influenciadas pela hereditariedade que ocorrem em dado momento, envolvendo a coordenação de numerosas partes do sistema nervoso. (JOSÉ & COELHO, 1995, p. 10-11).

Assim, a fim de minimizar o fracasso escolar crônico que caracteriza seu

campo, é necessário um trabalho interdisciplinar na avaliação de crianças e

adolescentes que apresentam tal problema, sendo a participação de especialistas

das áreas de pedagogia, fonoaudiologia, psicologia e médica, fundamentais para

que essa avaliação ultrapasse a demasiada fragmentação da maioria das

investigações. Além de aperfeiçoar a precisão diagnóstica e classificar os

resultados das investigações, é essencial evitar interferências precipitadas e

generalizações reducionistas e inapropriadas.

A falta de uma teoria sólida e coesa nos seus paradigmas e pressupostos

de uma taxonomia pormenorizada e compreensível é assim uma das razões que

explicam a ambigüidade e legitimidade do fracasso escolar, daí que a criação e

promulgação de serviços educacionais sejam presentemente muito restritas e

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ineficazes, porque não surgem nem se vislumbram um critério ou uma definição

apropriada para o fracasso escolar.

Os jovens brasileiros ainda são identificados com base em critérios

pedagógicos arbitrários, ou sustentados administrativamente em pareceres e

avaliações médicas (por exemplo, pediátricas, neurológicas, psiquiátricas ou

psicológicas tradicionais), sem qualquer resultado ou aplicação reeducativa. A

educação especial, porém, ainda é uma utopia na realidade brasileira. Somente

as classes sociais mais abastadas conseguem educar adequadamente uma

criança com dificuldades de aprendizagem.

Na escola pública o professor deve contar com seus próprios

conhecimentos e, ao detectar qualquer distúrbio, solicitar ajuda da família do

aluno para que juntos possam ajudá-lo a superar suas dificuldades, apesar da

necessidade de uma participação interdisciplinar dos profissionais no diagnóstico

psicopedagógico. Devido a essa vulnerabilidade conceitual, muitos alunos são

negligenciados ou mesmo excluídos de atendimentos psicopedagógicos,

acusando a dificuldade de aprendizagem, apesar de não terem sido identificados

como tal.

O aluno com fracasso escolar possui, no plano educacional, um conjunto

de condutas significativas em relação à população deficiente em geral. Trata-se

de um indivíduo normal em alguns aspectos, mas desviante e atípica em outros,

que por si só exigem processos de aprendizagem que não se encontram

disponíveis na classe regular, dita “normal”.

São muitos os comportamentos específicos demonstrados pelos alunos

que apresentam um fracasso escolar. Os mais freqüentes são: hiperatividade;

problemas psicomotores; habilidade emocional; problemas gerais de orientação;

desordens de atenção; impulsividade; desordens na memória e no raciocínio;

dificuldades específicas de aprendizagem: dislexia, disgrafia, disortografia e

discalculia; problemas de audição e da fala; sinais neurológicos ligeiros,

equívocos e irregulares no Eletroencefalograma.

A incidência do fracasso escolar varia conforme os autores e os países,

evidentemente de acordo com determinados parâmetros de definição e

classificação nem sempre concordantes, pois alguns diferem substancialmente.

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A criança ou adolescente européia com dificuldades de aprendizagem não

pode, por definição, ter quaisquer deficiências visuais, auditivas, motoras,

emocionais, etc. O adolescente com dificuldade de aprendizagem tem uma

inteligência normal, uma adequada recepção sensorial e um comportamento

motor e sócio–emocional adequado.

Na análise das crianças e jovens brasileiros com dificuldades de

aprendizagem são considerados também os fatores sócio–econômicos que

interferem cognitivamente no rendimento escolar de alunos de 6a série. Fonseca

se posiciona de forma contrária afirmando que:

Teremos de distinguir a criança com dificuldade de aprendizagem da criança que experimenta problemas de aprendizagem por razão de desvantagem cultural, de inadequada aprendizagem, de envolvimento sócio–econômico pobre, de inadequada, interação pedagógica ou de deficiências específicas, diagnosticadas obvia e cientificamente. (FONSECA, 1995, p.97).

As causas orgânicas são múltiplas e diversas. O mesmo se pode dizer das

causas sociais e econômicas. A integração biossocial é indispensável como

modelo para abordar os problemas das dificuldades de aprendizagem. Visto que é

cada vez mais freqüentes a presença de crianças com fracasso escolar no

sistema de ensino, é constante o aumento de abandono e repetência e,

provavelmente, não é só nelas que está a solução do problema.

Qualquer criança, de qualquer classe social ou de qualquer nível

econômico, pode se sentir confusa, ameaçada e insegura pelas exigências

escolares. Muitas tragédias e conflitos familiares resultam como se sabe, em

fracasso escolar dos jovens. Nessa linha de abordagem, interessará avançar com

alguns fatos sobre o fracasso escolar, na medida em que nos podem ajudar a

encarar outras óticas do problema.

Por exemplo: sabe-se hoje que os problemas de dificuldades de

aprendizagem tendem a reduzir a sua importância na adolescência; sabe-se

também que a sua incidência é maior nos rapazes do que nas moças; reconhece-

se que a escola parece não se adaptar a sua função cultural e tende a

institucionalizar-se como agência de seleção e de rejeição; verifica-se que as

avaliações escolares e as normas de eficácia e rendimento oprimem as crianças e

jovens vulnerabilizando-os; ignora-se que a influência do atraso mental é inferior

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durante o período pré–primário, para aumentar depois o primário; confirma-se que

a escola parece ser mais responsável pela deficiência mental e pela inadaptação

do que a própria sociedade no seu todo; conclui-se que a prevenção mais crucial

recai nos envolvimentos pré–perinatais e neonatais desfavorecidos, e não tanto

na escola, outras.

Em resumo, antes de alterar a situação das dificuldades de aprendizagem,

há que atender, prioritariamente, as modificações dos fatores de envolvimento

que afetam a aprendizagem da criança. Com base nas pesquisas, pode-se

compreender que se torna difícil determinar a natureza precisa das causas

endógenas do fracasso escolar. Envolvimentos familiares, relação criança–adulto

distorcida, expectativas negativas, erros pedagógicos, situações de aprendizagem

limitada etc. podem também produzir o fracasso escolar.

De outro lado, e na base do diagnóstico diferencial, surgem perturbações

perceptivas sutis, disfunções neuropsicológicas, problemas de processamento e

transformação de informações, que, por sua vez, também podem gerar o fracasso

escolar.

Na nossa perspectiva já não podemos superar a etiologia biológica do

social, visto substituírem relações recíprocas de implicação, como provam vários

estudos de indução sócio–biológica e biossocial. As dificuldades de aprendizagem

estão subdivididas em primárias e secundárias. As primárias compreendem

perturbações nas aquisições especificamente humanas, como: a linguagem

escrita e a linguagem quantitativa.

Algumas das dificuldades de aprendizagem primárias são:

a) disfunções cerebrais:

à da linguagem falada: disnomia, disfasia, disartria, deficiência mental;

à da linguagem escrita: dislexia, disgrafia, disortografia;

à da linguagem quantitativa: discalculia;

b) problemas perceptivos:

à do processo auditivo: discriminação, síntese, memória de curto termo,

auditorização;

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à do processo visual: discriminação, figura fundo, complemento, constância da

forma, posição e relação espacial, visualização;

c) problemas psicomotores: controle vestibular e proprioceptivo, laterização,

imagem do corpo, estruturação espaço temporal, praxia global, praxia fina

(visuomotricidade e destralidade).

As dificuldades de aprendizagem secundárias resultam de desordens,

limitações ou deficiências devidamente diagnosticadas em deficiência visual,

deficiência auditiva, deficiência motora, deficiência mental, deficiência emocional

ou privação cultural.

As dificuldades de aprendizagem secundárias são: afecções biológicas do

sistema nervoso central (SNC): lesões cerebrais, paralisia cerebral, epilepsia; dos

sistemas sensoriais a deficiência auditiva hipoacusia, deficiência visual, ambiopia;

problemas de comportamento reativo, neurótico, psicótico; fatores ecológicos e

sócio-econômicos no envolvimento afetivo, má nutrição, privação cultural,

métodos pedagógicos inadequados.

Quaisquer que sejam os pressupostos teóricos que fundamentem o

fracasso escolar, atualmente devem ser focados no diagnóstico psicopedagógico

os fatores biossociais que perpassam toda a análise das dificuldades de

aprendizagem.

Quando se fala em fracasso escolar deve-se ter em mente que é um

quadro amplo, uma situação que se desconhece a extensão e a origem. Para se

determinar a razão do fracasso escolar necessário se faz um estudo da criança e

do adolescente no seu todo, de modo que se possa perceber onde está o

bloqueio no seu processo ensino–aprendizagem, excluindo dessa forma o

surgimento de estereótipos que podem comprometer todo o desenvolvimento

humano.

Quando examinamos a história da educação, constatamos que nem

sempre se cuidou adequadamente da importante questão da formação do

professor. Há uma idéia corrente de que vocação e desprendimento generoso

bastam para que a pessoa se encaminhe para essa profissão tão desafiadora.

Esta crença gera a ilusão de que ela não precisa de preparo especializado.

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Dessa maneira, podemos afirmar categoricamente que, mesmo que o

método pedagógico em qualquer escola seja bom, perfeito ou adequando,

inevitavelmente ocorrerão impactos negativos no processo de ensino–

aprendizagem. Os cursos de Magistério, Pedagogia e Licenciatura devem

proporcionar uma compreensão sistematizada da educação, a fim de que o

trabalho pedagógico se desenvolva para além do senso comum e se torne

realmente uma atividade intencional.

Assim, devemos destacar três aspectos importantes na formação do

professor:

ü qualificação: o professor deve adquirir os conhecimentos científicos

indispensáveis para o ensino de um conteúdo específico;

ü formação pedagógica: a atividade de ensinar deve superar os níveis do senso

comum, tornando-se uma atividade sistematizada;

ü formação ética e política: o professor deve educar a partir de valores e tendo

em vista um mundo melhor.

Além disso, para que não sejam criados aspectos negativos nos processos

pedagógicos inadequados na aprendizagem do aluno, fazem-se necessários

observarmos outros aspectos de fundamental importância ao processo de

aprendizagem.

No primeiro aspecto busca-se garantir a competência do professor por

meio do domínio do conteúdo dentro da área escolhida – história, geografia,

matemática etc. – já que ninguém ensina o que não sabe.

O segundo aspecto nos mostra que não basta ser bem informado. É

fundamental que se saiba selecionar, visando garantir a eficácia da ação. Nesse

caso, o professor precisa ter acesso às contribuições das ciências auxiliares de

educação, da filosofia, da educação e da história da educação. Deve dominar

também, além desses aspectos, os recursos técnicos, desenvolvendo as

habilidades que viabilizem a atividade docente.

O último aspecto, diz respeito ao fato de que o professor desenvolve um

trabalho intelectual transformador que não só quer mudar o comportamento do

aluno como também educar para um mundo melhor que está para ser construído.

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A educação está inserida em um contexto maior – social, econômico e político.

Por isso o professor não pode estar alienado dos acontecimentos de seu tempo,

devendo ser capaz de realizar juízos de valor a respeito dos comportamentos

coletivos e individuais, sempre atento aos valores políticos, morais e sociais.

Além disso, a formação ética e política permitem uma melhor compreensão

a respeito do que é relevante ensinar e de como fazê-lo, a fim de não cair no

enciclopedismo, no academicismo ou tecnicismo. Nesse caso é sempre bom

lembrar que quando existe um falso apoliticismo e a crença de que se está

desenvolvendo uma atividade neutra se encontra bem escondidos interesses de

grupos que se acham no poder. Quer queira quer não queira, as convicções do

professor a respeito da ética e da política aparecem na forma como os conflitos

em sala de aula são trabalhados, por meio daquilo que ele diz assim como por

meio daquilo que silencia.

Convém que o professor se posicione diante do mundo, o que não significa

em absoluto assumir atitudes de proselitismo perniciosas que visam doutrinar o

aluno, abusando de sua receptividade intelectual. Assumir posições significa estar

comprometido com o mundo e disposto a participar lutando contra o trabalho

degradante, a submissão política, a alienação da consciência, a exclusão injusta e

as diversas formas de preconceitos.

Devemos atentar para a profissionalização do educador. Chamar a

professora de “tia” ou exclamar com reverência, que o “magistério é um

sacerdócio”, são formas semelhantes de depreciação do trabalho do mestre. O

tom falsante afetivo dessas expressões descaracteriza o cunho profissional da

atividade do docente que merece ser respeitada principalmente sobre o aspecto

do trabalho realizado, e não como ocupação desinteressada, amorosa ou mística.

A expressão “tia”, além de conferir um “ar doméstico” à atividade

profissional, nos faz lembrar a “feminização” do magistério. Não é a vocação o

motivo pelo qual predominam as mulheres na função docente, sobretudo primária.

O desprestígio e a baixa remuneração destinam essas atividades ao segmento

feminino, também desvalorizado profissionalmente na sociedade sexista. A

expressão “sacerdócio” nos faz lembrar abnegação, total dedicação a uma

atividade vilmente remunerada, levando à convicção de que a grandeza espiritual

do empreendimento de educar estaria na razão inversa da exigência de uma

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salário justo. É sempre interessante observar como são tratadas em todos os

tempos as “obras de pensamento”. As pessoas tendem a considerar que, para os

intelectuais, dar uma aula, fazer uma conferência, escrever um artigo ou livro,

dispondo para isso de suas idéias, não lhes custa nada e que poderiam oferecer

seus préstimos como dádivas.

O professor é um profissional e, como tal, além de uma boa formação deve

buscar garantir condições mínimas para um trabalho decente: condições materiais

adequadas, reuniões pedagógicas, reciclagem para atualização permanente,

plano de carreira, além de salários mais dignos. Só assim o professor poderá

desenvolver nos alunos a capacidade de questionamento e promover a

desmistificação da cultura.

Embora não atue de forma tão revolucionária quanto sonharam os

escolanovistas, não resta dúvida de que a escola desempenha importante papel

no processo de conscientizar as novas gerações com relação aos problemas a

serem enfrentados, evitando assim impactos negativos dos métodos pedagógicos

aplicados na aprendizagem do aluno.

Para se evitar impactos negativos no processo de aprendizagem, devemos

entender que qualquer atividade educacional que se queira obter a eficácia têm

claros pressupostos teóricos que orientam a ação: ao elaborar leis, fundar uma

escola, preparar o planejamento escolar ou enfrentar dificuldades específicas em

sala de aula é preciso ter clareza a respeito da teoria que permeia as decisões.

No entanto, é comum observarmos o “espontaneísmo”, resultado da indevida

dicotomia entre teoria e prática, gerada porque o professor não foi

adequadamente informado a respeito da teoria ou porque não sabe como integrá-

la à prática efetiva.

A realidade concreta que se resume no convívio com os alunos é sempre

um desafio quando o professor não assimilou bem as teorias. Vejamos alguns

exemplos que causariam inevitavelmente impactos negativos no processo de

ensino–aprendizagem:

Pensemos em uma escola de 2º grau que oferece, a cada semana, dez aulas de química, uma de história e nenhuma de filosofia; em uma as de primário em que as carteiras estão fixadas no chão; em um professor que prefere estimular os trabalhos em grupo e ou que privilegia a exposição oral; em alguém que lamenta o fato de não se ensinar mais latim no colégio; em outro que exige leituras extraclasse; em um que faz

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chamada oral com freqüência e outro que não dá valor às avaliações (WEISS, 1990, p.78).

Esses exemplos acima resultam de concepções tematizadas ou não que

revelam, primeiramente, a seguinte questão: Que homem se quer formar? Para

que tipo de sociedade? A partir da elucidação da base antropológica, passamos

para a seleção dos conteúdos a seres transmitidos. O que ensinar para formar

aquele tipo de homem? Só então se colocam questões metodológicas: como

ensinar?

Portanto, a escolha dos conteúdos e do método não é casual, mas se

enraíza em uma determinada concepção de homem e de sociedade, concepção

esta que não é neutra, estando impregnada da visão política que a anima.

Vejamos como exemplo a escola tradicional, que parte de uma concepção de

natureza humana universal que precisa ser “trazida à luz” pela educação. Para

“atualizar” as potencialidades, busca-se transmitir a maior quantidade possível de

conhecimentos (ênfase no conteúdo) e de valores desta sociedade relativamente

estável.

Para tanto, usa-se o recurso do método expositivo por meio de

procedimentos específicos, como a exposição oral feita pelo professor ou a

exposição escrita dos manuais escolares. Na avaliação da aprendizagem,

utilizam-se procedimentos tais como exercícios de fixação e provas periódicas,

nas quais se exige a reprodução do conhecimento.

É evidente que na escola renovada ou na escola tecnicista parte-se de

outra concepção de homem (ou cidadão), escolhe-se diferentes conteúdos (tanto

do ponto de vista qualitativo como quantitativo) e privilegiam-se outros métodos

selecionando diferentes procedimentos de ensino.

Se as diversas etapas não estiverem claras para o professor, o processo

pedagógico pode resultar em insucesso com relação aos fins propostos ou, ainda,

em incoerência na ação. Essa incoerência existe, quando um professor está

adotando o construtivismo, mas baseia suas aulas na exposição oral, buscando

nas avaliações o retorno do que foi ensinado. Neste caso, os procedimentos

contradizem a teoria.

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Sabemos que não se trata de uma luta fácil que possa ser solucionada

rápida e magicamente, mas reconhecemos que profissionais respeitadíssimos na

área da educação têm buscado, incessantemente, inovações a fim de melhorar e

reduzir os impactos negativos dos métodos pedagógicos ainda existentes nas

escolas.

A infância, fenômeno biopsicossocial do processo de crescimento e

desenvolvimento do ser humano, é nitidamente marcada pela família e pela

escola. A família, que para o recém-nascido representa a totalidade do seu

mundo, continua a ser, durante a fase pré–escolar, o fator mais importante na

maturação psico–sócio–afetiva da criança, de onde advêm os problemas de

aprendizagem.

A partir de sua entrada na escola, as aquisições cognitivas, o aprendizado

das regras do convívio social e a consolidação de sua auto–estima e

autoconfiança passarão a sofrer a decisiva influência da vida escolar que afetará

o seu processo de aprendizagem, causadas por fatores internos e/ou externos.

Na adolescência, apesar de haver um nítido movimento em direção a

progressiva independência dos pais e uma clara tendência à contestação da

autoridade estabelecida (como a dos professores), tanto a família como a escola

continua a ser importantes pontos de referências nos esforços do adolescente em

busca de si mesmo e do seu lugar no mundo. Essa influência pode-se dar de

forma positiva e negativa, contribuindo para o amadurecimento e bem-estar do

educando, ou de formas danosas que podem afetá-lo temporariamente, ou até

deixar seqüelas emocionais.

Portanto, cabe ao educador estar consciente dos fatores internos e

externos que afetarão a aprendizagem do aluno, e conseqüentemente no seu

desenvolvimento como um todo: seja emocional, psicológico, afetiva, profissional

ou social do contexto em que ele estiver interagindo, como também nas funções

ligadas à socialização de um modo geral como cidadão, evitando que este venha

fazer parte de uma maioria de desassistidos e excluídos do seu meio.

Em geral, os educadores confundem muita a diferença entre fatores

internos com fatores externos no processo de aprendizagem, onde os aspectos

externos estão relacionados ao ensinante e a escola, ao passo que os aspectos

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internos somente ao aprendente. Sendo o diagnóstico mal feito, o profissional

poderá confundir-se nesta dicotomia que existe entre esses dois aspectos, uma

vez que tanto o aluno quanto o professor são influenciados pelo que ocorre no

seu ambiente social como um todo.

O fracasso na aprendizagem é causado por uma conjugação de fatores

interligados que impedem o bom desempenho do aluno, embora se tente

identificar um ponto interno ou externo. Por exemplo, a conduta em crianças

irrequietas, desatentas em sala de aula, sendo possível confundir-se com esse

tipo de quadro de hiperatividade de fundo neurótico com problemática de fundo

orgânico. É necessário, pois, uma boa avaliação no processo diagnóstico para

que se tenha uma definição exata da etiologia, ou seja, a constatação de que o

fator é interno ou externo.

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3. O FRACASSO ESCOLAR SEGUNDO A PSICOPEDAGOGIA

A Psicopedagogia tem por objeto de estudo a aprendizagem como um

processo individual, em que a trajetória da construção do conhecimento é

valorizada e entendida como parte do resultado final.Vivemos na era do

conhecimento. Não se pode pensar no exercício da cidadania sem que o cidadão

tenha acesso à formação acadêmica mínima de oito anos mas, na prática, a

sociedade demonstra que a exigência real de um segundo grau e, de preferência,

com um pós-médio.

Temos visto que para exercer qualquer profissão, seja ela a mais simples

ou a mais complexa, a pessoa será submetida a treinamentos que devem passar,

não apenas por especificidade da função e do local de trabalho, mas por

treinamentos de ética, qualidade, perfil de cliente, economia, etc. A pessoa é

valorizada por seus diplomas, mas também por sua capacidade de construir

conhecimento, de gerar instrumentos e serviços adequados ao contexto sócio-

econômico-cultural.

Estamos vivendo em plena era de globalização, em que o conhecimento e

as descobertas científicas circulam com uma incontrolável rapidez e as próprias

instituições de ensino têm dificuldade em acompanhar o fluxo dessas

informações. É extremamente fácil acontecer um avanço científico em

determinada área do conhecimento sem que o profissional especializado saiba,

ou ainda, é possível que uma outra pessoa, de outra área do conhecimento venha

a saber dessas descobertas antes do especialista.

Ao mesmo tempo em que o conhecimento circula com facilidade por todos

os lados, é necessário saber como encontrá-lo, ter acesso à tecnologia adequada

e às fontes de informações seguras do conhecimento. Diante disso, surge a

pergunta: só a informação basta? Sabe-se que não. O que fará a diferença é a

forma como a pessoa integra uma informação, transforma-a em aprendizagem e a

coloca a serviço da comunidade. Nessa perspectiva, a freqüência à escola não

garante o salto qualitativo que requer o movimento social.

A Psicopedagogia tem por objeto de estudo a aprendizagem como um

processo individual, em que a trajetória da construção do conhecimento é

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valorizada e entendida como parte do resultado final. A preocupação maior da

Psicopedagogia é o ser que aprende, o ser cognoscente e o seu objetivo geral é

desenvolver e trabalhar esse ser de forma a potencializá-lo como uma pessoa

autora, construtora da sua história, de conhecimentos, e adequadamente inserida

em um contexto social.

O trabalho da Psicopedagogia é evitar ou debelar o fracasso escolar em

uma visão do sujeito como um todo, objetivando facilitar o processo de

aprendizagem. O ser sob a ótica da Psicopedagogia é cognitivo, afetivo e social.

É comprometido com a construção de sua autonomia, que se estabelece na

relação com o seu "em torno", à medida que se compromete com o seu social

estabelecendo redes relacionais. "Para o pensador sistêmico, as relações são

fundamentais" (CAPRA, p. 47)

A dificuldade de aprendizagem nessa definição é entendida e trabalhada

com um agente dificultador para a construção do aprendiz que é um ser biológico,

pensante, que tem uma história, emoções, desejos e um compromisso político-

social. "A Psicopedagogia tem como meta compreender a complexidade dos

múltiplos fatores envolvidos nesse processo" (RUBINSTEIN, p 127 Nem sempre a

Psicopedagogia foi entendida da forma como aqui está caracterizada.

A Psicopedagogia, inicialmente, começou tendo como pressuposto que as

pessoas que não aprendiam tinham um distúrbio qualquer. (BOSSA, p.42)

A preocupação e os profissionais que atendiam essas pessoas eram os médicos,

em primeira instância e, em segunda Psicólogos e Pedagogos que pudessem

diagnosticar os déficits. Os fatores orgânicos eram responsabilizados pelas

dificuldades de aprendizagem na chamada época "patologizante". A criança

ficava rotulada e a escola e o sistema a que ela pertencia, se eximiam de suas

responsabilidades: "Ela (a criança) tem problemas..."Posteriormente, com a

ampliação da visão de que o sujeito não é apenas um ser racional, os

psicopedagogos passaram a estudar e a avaliar o processo da aprendizagem.

Porém, essa observação levou a uma prática pautada no refazimento do

processo de aprendizagem e requeria reposição de conteúdos e repetições até

que a criança aprendesse. A criança ficou subdividida em setores e não havia

articulação entre o emocional, a cognição, o motor e o social.

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Os vários profissionais envolvidos na questão aprendizagem foram

percebendo que não bastava retirar o eixo da patologia para a aprendizagem,

mas era necessário saber que sujeito era esse, de onde ele vinha e para onde ele

queria e podia ir. A constatação que apenas uma área do conhecimento não

conseguiria respostas absolutas e definitivas para a situação, deflagrou o que é

hoje a Psicopedagogia.

Os profissionais interessados nas questões de aprendizagem entenderam

que o caminho era a interdisciplinaridade para compreender a complexidade

desse fenômeno. A partir de diferentes referenciais teóricos, tais como a

Pedagogia, a Psicologia, a Fonoaudiologia, a Psicanálise, a Sociologia, a

Neurologia, etc. foram se construindo e pesquisando outros referenciais, outros

instrumentos, outras sínteses.

Esse conhecimento foi construído a partir do encontro desses profissionais,

pautado em teorias, experimentos, pesquisas, práticas diferenciadas e, o mais

provocante, de uma realidade que teimava em incomodar - o fracasso escolar.

Neste raciocínio, a Psicopedagogia não é a justaposição da Psicologia e da

Pedagogia e, nem tampouco, um Pedagogo ou um Psicólogo "mais

especializado". A Psicopedagogia se propõe a investigar e a entender a

aprendizagem com base no diálogo entre as várias disciplinas.

O Psicopedagogo é um outro profissional, com um outro referencial, a partir

de um outro conhecimento e com um outro olhar.A psicopedagogia, hoje, é

entendida num contexto de interdisciplinaridade, sem contudo, perder de vista que

"Os diferentes níveis de Realidade são acessíveis ao conhecimento humano

graças à existência de diferentes níveis de percepção, que se acham em

correspondência biunívoca com os níveis de realidade... sem jamais esgotá-la

completamente." (NICOLESCU, p. 56)

Diante desses avanços, a criança que não está conseguindo aprender é

entendida e trabalhada, não como alguém que possui um déficit ou um problema,

mas como um aprendiz que possui um estilo de aprender diferente, que está

diretamente relacionado ao estilo de família e da comunidade a que pertence.

Em face da complexidade das questões aqui levantadas e da delicadeza

do nosso objeto e objetivo de trabalho, não prescindimos dos nossos parceiros.

Trabalhamos e necessitamos dos Pedagogos, dos Psicólogos, dos Fonodiólogos,

etc, mas possuímos os nossos instrumentos de trabalho, os nossos referenciais, a

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nossa escuta e o nosso olhar. Analisando a trajetória aqui apresentada, fica claro

o entendimento do porquê da formação em Psicopedagogia estar organizada na

forma de pós-graduação. Ela exige do aprendiz uma articulação, uma abordagem

e um avanço qualitativo inerentes a uma maturidade profissional e acadêmica.

Portanto, é necessário muito cuidado na escolha do curso de pós-graduação em

Psicopedagogia.

Devemos analisar a oferta de disciplinas inerentes a aprendizagem, o

número de horas ofertadas, se os professores são psicopedagogos especialistas,

se tem estágio supervisionado por um psicopedagogo. Os profissionais

psicopedagogos, quando inquirido da necessidade ou relevância do curso de

Psicopedagogia ser de especialização, testemunham que apenas a formação é

insuficiente para entender e trabalhar, competentemente, com a aprendizagem e

seus possíveis percalços.

Onde trabalham os psicopedagogos? Como trabalham? Quais as suas

ferramentas de trabalho? Os psicopedagogos trabalham em clínicas, em

atendimentos individuais, em instituições escolares, hospitais e empresas onde se

promova aprendizagem. Os recursos são os que possibilitem entender quais as

dificuldades que aquele aprendiz está enfrentando para aprender e quais as

possibilidades para mudança que ele apresenta.

Os instrumentos não costumam ser os padronizados e sim os jogos, as

atividades de expressão artística, a linguagem escrita, as leituras e

dramatizações, etc. Enfim, atividades que valorizem o que a criança sabe, que

estimulem a expressão pessoal, o desejo de aprender e sua possibilidade de

amadurecer, vencer situações e resolver problemas.

Os psicopedagogos, tanto em clínicas quanto nas instituições, trabalham

com diagnóstico e intervenção. Por tudo o que aqui foi descrito é que estamos

lutando pela regulamentação da profissão de Psicopedagogo. Entendemos que,

se o projeto de lei que regulamenta a nossa profissão for aprovado, poderemos

cuidar da qualidade dos cursos oferecidos e estender o atendimento à

comunidade como um todo, já que poderemos participar de concursos públicos,

de convênios, etc.

A aprovação do projeto de lei será uma oficialização do que já está

socialmente reconhecido. A Associação Brasileira de Psicopedagogia é uma

entidade de caráter científico cultural. Fundada em 1980, tem como objetivo

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principal congregar profissionais psicopedagogos e profissionais afins e promover

estudos, pesquisas, cursos, encontros e compartilhamentos. Temos hoje, no

Brasil, uma sede nacional localizada em São Paulo, doze (12) seções, onze (11)

núcleos que atendem a todo o território nacional. Obviamente que muito ainda

necessitamos avançar, mas já conseguimos nos fazer entender, nos

diferenciamos e promovemos parcerias sem ocupar ou "invadir o mercado,

apenas estamos exigindo uma legalização de uma atuação já legitimada pelo

mercado de trabalho" (NOFFS, p 2)

As ações que caracterizam uma comunidade cidadã é a luta por uma

comunidade justa, equilibrada, constituída a partir de um objetivo comum e bom

para todos. Pois bem, isso nos leva ao entendimento da nossa responsabilidade e

do nosso compromisso político social de aprender, em cada novo dia, a promover

mais aprendizagens. Como nos ensinou Paulo Freire "Ai de nós, educadores, se

deixarmos de sonhar sonhos possíveis..."

A questão da formação do psicopedagogo assume um papel de grande

importância na medida em que é a partir dela que se inicia o percurso para a

formação da identidade desse profissional. Alicia Fernández afirma o seguinte: "O

pensamento é um só, não pensamos por um lado inteligentemente e, depois,

como se girássemos o dial, pensamos simbolicamente. O pensamento é como

uma trama na qual a inteligência seria o fio horizontal e o desejo vertical, Ao

mesmo tempo, acontecem a significação simbólica e a capacidade de

organização lógica" (1990, p. 67).

O trabalho psicopedagógico não pode confundir-se com a prática

psicanalítica e nem tampouco com qualquer prática que conceba uma única face

do sujeito. Um psicopedagogo, cujo objeto de estudo é a problemática da

aprendizagem, não pode deixar de observar o que sucede entre a inteligência e

os desejos inconscientes.

Diz Piaget que "o estudo do sujeito ‘epistêmico’ se refere à coordenação

geral das ações (reunir, ordenar, etc.) constitutivas da lógica, e não ao sujeito

‘individual’, que se refere às ações próprias e diferenciadas de cada indivíduo

considerado à parte" (1970, p. 20). Desse sujeito individual ocupa-se a

psicopedagogia. O conceito de aprendizagem com o qual trabalha a

Psicopedagogia remete a uma visão de homem como sujeito ativo num processo

de interação com o meio físico e social. Nesse processo interferem o seu

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equipamento biológico, as suas condições afetivo-emocionais e as suas

condições intelectuais que são geradas no meio familiar e sociocultural no qual

nasce e vive o sujeito. O produto de tal interação é a aprendizagem.

Na maioria das vezes em programas lato sensu regulamentados pela

Resolução n° 12/83, de 06.10.83, que forma os especialistas e que os habilita

legalmente também para o ensino superior – ainda que não necessariamente, em

termos de conhecimentos, o aluno esteja realmente habilitado para tal. Além das

diferenças resultantes da própria divergência acerca do que é a Psicopedagogia,

ocorre também que, a depender do enfoque priorizado pelo curso, alguns

conteúdos são valorizados em detrimento de outros.

Outro aspecto a considerar é que o curso se destina a profissionais com

diferentes graduações. Estes se identificam com um referencial teórico que irá

nortear a sua prática a partir da formação anterior. Interferem também

características de personalidade no perfil desse profissional.

Conhecer a Psicopedagogia implica um maior conhecimento de várias

outras áreas, de forma a construir novos conhecimentos a partir delas. Ao concluir

o curso de especialização em Psicopedagogia, o aluno está iniciando a sua

formação, o que deve ser um ponto de partida para uma eterna busca do melhor

conhecimento.

O psicopedagogo atua diretamente junto ao educando que apresenta

“problemas” de aprendizagem, na tentativa de identificar os fatores (internos ou

externos) que interferem no seu processo de aprendizagem e de ajudá-lo a

superar as dificuldades. Em decorrência do seu papel de mediador, o

psicopedagogo lida com perplexidades de natureza diversa: a perplexidade da

escola, que não consegue entender por que certas crianças não aprendem a ler e

escrever.

Não encontrando outra saída senão a de rotulá-las (apressadamente) de

portadoras de algum “distúrbio de aprendizagem”, a escola não reluta em

encaminhá-las para especialistas vários, eximindo-se, assim, de qualquer

responsabilidade; a perplexidade das famílias, que até enviarem os filhos para a

escola não haviam identificado no comportamento habitual dessas crianças

nenhum sintoma preocupante, mas que assumem os “distúrbios” atribuídos às

crianças a partir do diagnóstico “patologizante” da escola (instituição que a

sociedade representa como competente para opinar sobre questões de ensino–

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aprendizagem); a perplexidade das próprias crianças, que muitas vezes não

entendem a escola, o seu discurso e as atividades que ali são chamadas a

desempenhar.

Perplexas com os tratamentos que passam a receber na escola e,

conseqüentemente em casa, acabam por incorporar o rótulo a elas atribuído e por

comportar-se segundo expectativas geradas pelo próprio rótulo. Vejamos as

experiências que nos conta a psicopedagoga Maria Lúcia Lemme, (1990):

Pedro, 9 anos, 1ª série de escola municipal, residente na favela da Chacrinha, ia ser eliminado da escola porque, além de não aprender nada, “criava caso” na sala de aula e era, no falar da professora, ‘meio retardado’. Revelou, no diagnóstico, ter inteligência normal, estágio de pensamento operatório concreto, grande criatividade em todas as situações e péssima vinculação com objetos de aprendizagem escolar. Após o tratamento, voltou a aprender e cursa atualmente a 3ª série com relativa facilidade.

Carla, caçula de quatro irmãos, apresenta uma ‘dislexia reativa’, pois não pode ‘ler’. A família a rejeita por ter nascido em hora indesejável, quando os pais planejavam uma permanência no exterior. É o ‘patinho feio’ dentre irmãos brilhantes e colecionadores de medalhas escolares. Está com 13 anos na 6ª série, já no pensamento formal, com excelente desempenho em todas as atividades espaciais, revelando inteligência superior à média. Não possui nenhum problema de ordem orgânica. (1990, p.78).

De acordo as experiências narradas acima, chegamos a conclusão de que

para a existência de uma atuação significativamente, rompendo o círculo vicioso

resultante do conflito (fator interno/externo) de tais perplexidade, o psicopedagogo

precisa estar tecnicamente capacitado para lidar com uma série de equívocos

que perpassam o ensino de todos os conteúdos da escola.

Assim, entendemos que nem sempre é uma tarefa fácil para o educador

determinar se a dificuldade na aprendizagem do aluno decorre de um fator interno

ou externo. É necessário que o profissional atente para o significado do sintoma a

nível familiar e escolar e não o veja apenas como uma deficiência psicológica,

orgânica ou emocional. Dentro desta abordagem não é suficiente centrar a

avaliação no que é explicitado. Todo diagnóstico psicopedagógico é, em si, uma

investigação, uma pesquisa do que não vai bem com o sujeito em relação a uma

conduta esperada.

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Será, portanto o esclarecimento de uma queixa do próprio sujeito, da

família, da escola. Trata-se do não - aprender, do aprender com dificuldade ou

lentamente, do não - revelar o que aprendeu, do fugir de situações de

aprendizagem, além de outros fatores internos. É essencial se procurar o não

dito, o implícito existente no não aprender. Buscar o sentido do sintoma de

aprendizagem para o próprio sujeito.

Ao tentar desvendar isso, estaremos penetrando num ponto crucial do

problema, qual seja o significado do não - aprender dentro da dinâmica familiar. E

isto só se faz através de uma avaliação criteriosa denominada Anamnese, um

diagnóstico psicopedagógico eficiente. Além disso, vale muito o tato, a

sensibilidade, a compreensão, a paciência e o bom conhecimento do educador

para que se possa, até mesmo dentro da sala de aula, resolver alguns problemas

que a princípio pode nos parecer difícil ou insolúvel.

Por fatores internos entendemos os problemas de ordem biológica

(congênita, hereditária, lesões cerebrais, paralisia cerebral, epilepsia, deficiência

visual; problemas de comportamento: neuroses, psicoses, depressões

endógenas, entre outros). Por fatores externos entendemos má alimentação,

privação de liberdade de expressão (criatividade, espontaneidade, dons natos),

problemas vividos em sua família, comunidade, escola e sociedade como um

todo, sobretudo o volume de informações veiculado pelos meios de comunicação

de massa, criando impactos profundos no processo de aprendizagem.

Além da comunicação eletrônica (computador), onde as crianças

despertam desde cedo interesse por jogos, sites de sexo, o uso do bate-papo,

onde não se respeita as regras de gramática. Para provar a influência desses

fatores externos, vejamos o que expressou Walter Benjamin:

É diante de um aparelho que a esmagadora maioria dos habitantes da cidade precisa alienar-se de sua humanidade, nos escritórios, no seu lar, nas escolas, nas fábricas, durante o dia do trabalho. À noite, as mesmas massas enchem os cinemas para assistirem como o ator, em nome delas, se vinga. (BENJAMIN, 1996, p.63)

Ora, sendo a criança, de certa maneira, produto do meio, inevitavelmente

esses fatores externos criarão interferência no seu processo de aprendizagem. E,

como os pais estão sempre fora de casa, ou seja, trabalhando, a criança terá toda

liberdade para assimilar coisas negativas que lhes são mostradas por esses

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aparelhos, que, em geral, trata-se de ensinamentos que acabam desvinculando a

criança da realidade, levando-a ao insucesso escolar – exceto aqueles que são

controlados e orientados no sentido de ver o que lhe é interessante e educativo.

Será que esses veículos nos mostram programações interessantes?

Tanto no que diz respeito aos fatores internos e externos, que afetam a

aprendizagem, há uma tendência em se criar rótulos, estigmas, aversões, (por

parte dos pais, colegas e educadores) e até mesmo falsos diagnósticos que

acabam hostilizando o aluno. Há casos de famílias com maior poder aquisitivo

(que não é o caso de alunos de escola pública) encaminhá-lo a um psicólogo ou

psiquiatra, taxando-o até de “louco” – o que vem agravar a situação.

Nestes casos, tendo o aluno dificuldades na aprendizagem, o melhor seria

não concluir de forma precipitada um diagnóstico (que poderia ser falso) ou tentar

isolá-lo da escola com advertências e outros tipos de punições, no que viria,

indiscutivelmente, agravar o problema. O mais sensato seria ter-se uma visão

mais ampla do problema e valer-se da Psicopedagogia, no sentido de se fazer

uma investigação de etiologia da dificuldade de aprendizagem, compreendendo

todas variáveis que intervêm neste processo a partir do enfoque preventivo e

terapêutico.

Segundo Jorge Visca (1987), sendo a Psicopedagogia possuída de um

objeto de estudo – o processo de aprendizagem – e de recursos diagnósticos

corretores e preventivos próprios, cabe ao psicopedagogo adotar uma postura

crítica frente ao fracasso escolar, incentivando os outros educadores, numa

concepção totalizante, visando propor novas alternativas de ações voltadas para

a melhoria da prática pedagógica nas escolas, evitando assim que os fatores

internos e externos não sejam obstáculos definitivos na aprendizagem daqueles

que estão necessitando de ajuda.

Assim, para minimizar os fatores internos e externos no processo de

aprendizagem a família é uma instância importante no processo de socialização,

bem como no desenvolvimento da subjetividade autônoma, ensinando

informalmente o que as crianças devem fazer, dizer ou pensar – isso não significa

que não resta aos indivíduos liberdade alguma para reagir a essas influências. A

educação dada pela família fornece a base, a partir da qual o homem pode agir

até para, em última instância, se rebelar contra os valores recebidos: contra esses

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valores, mas sempre a partir deles. Portanto, a família é o local privilegiado para o

desenvolvimento humano.

Se os fatores internos e externos abordados afetarem o aprendizado do

aprendente, uma parceria entre família, escola, professores e psicopedagogos e

outros profissionais afins, faz-se necessário para que a criança possa

reestruturar-se na escola, a si e a sociedade.

Na sociedade atual, dita moderada, a relação da criança com a escola se

torna cada vez mais necessária. Começar a freqüentar a escola é um marco

aguardado pela maioria das crianças com alegria e expectativa. Entre os motivos

que transformam esta alegria em pesadelo podem estar associados à

inadaptação do aluno ao ambiente escolar, às dificuldades de aprendizagem. Um

grupo de fatores das mais variadas naturezas que prejudicam o rendimento

escolar.

Lidar adequadamente com o problema requer, antes de qualquer coisa,

saber identificar sua origem, uma forma nem sempre fácil. Pois as causas desses

e de outros fatores podem ser genéticos, congênitos ou desconhecidos.É comum

que os currículos escolares sejam organizados em torno de um conjunto de

disciplinas nitidamente diferenciadas, dominadas por uma ritualização de

procedimentos escolares muito obsoletas, cujos conteúdos se apóiam numa

organização rigidamente estabelecida, desconectada das experiências dos

próprios alunos e na qual uma etapa é preparação para a seguinte.

A despeito de todo avanço das pesquisas em educação, da ciência e da

tecnologia, nossas aulas mais se assemelham a modelos do início do século,

tendo como perspectiva metodológica dominante a exposição, a exercitação e a

comprovação. A escola organizada sob tal enfoque carece de significados aos

alunos, gera abandono, desmotivação e até mesmo rebeldia, que se manifesta,

entre outras coisas, na possibilidade de apassividade dos alunos em sua

indisciplina.

A resposta que a escola dá a isso é, por vezes, acentuar procedimentos

repressivos, impor recursos disciplinares ou atribuir os problemas a fatores

externos tais como: o desequilíbrio familiar, a imaturidade do aluno, ou os

incontáveis problemas de aprendizagem.

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Como a resposta a este problema deve englobar todos os alunos da

escola, os que têm problemas e os que não têm; há somente uma saída possível:

a configuração de uma escola que funcione há várias velocidades. Tantas

quantas forem necessárias, como necessidades individuais dos alunos.

No acompanhamento deste processo, é fundamental a participação

contínua de todos envolvidos neste processo, com o fim de reunir toda a

informação possível sobre sua realidade pessoal, social e familiar, de analisar os

dados recebidos e programar uma ação objetiva, para obter do aluno os melhores

resultados como pessoa.

A escola, por melhor que seja, têm certos limites em sua ação, que são

intransponíveis até o momento, com os meios de que dispomos e a carência de

professores de apoio eficaz que trabalhem com o tema. É difícil conseguir

completar nossa tarefa, pois, os limites fundamentais de nossa ação são

marcados por vários fatores: ruptura familiar; a droga e o álcool; a família marginal

e os fracassos com alunos antigos.

Considerando os fatores implicados no processo da aprendizagem,

poderíamos pensar no papel de psicopedagogo com relação ao fracasso escolar.

O psicopedagogo deve buscar o que significa o aprender para esse sujeito e sua

família, tentando descobrir a função do não aprender. Conhecer como se dá a

circulação de conhecimento na família, qual a modalidade de aprendizagem da

criança, não perdendo de vista qual o papel da escola na construção do problema

de aprendizagem apresentado, tentando também engajar a família no projeto de

atendimento para ampliar seu conhecimento sobre a dificuldade, modificando seu

modo de pensar e de agir com relação à criança.

Alicia Fernández fala de um enfoque clínico que significa preocupar-se com

os processos inconscientes e não somente com a patologia; é fazer uma escuta

particular do sujeito que possibilite não só encontrar as causas do não-

aprendizado mas também organizar metodologias para facilitar a aprendizagem e

o desempenho escolar.

Bossa (2000) ao falar da importância do psicopedagogo na instituição

escolar, afirma que “através da aprendizagem, o sujeito é inserido, de forma mais

organizada, no mundo cultural e simbólico que o incorpora à sociedade” (IDEM,

2000, p.90). Sendo a instituição escolar parte da sociedade e a aprendizagem

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partindo da interação da criança na interação com o meio social, torna-se

importante ressaltar a importância que o mundo sociocultural tem na

aprendizagem da mesma.

Portanto, vê-se que no Ensino Fundamental os alunos têm menos chances

de entrar na escola e quando entram, o mais tardiamente, é em escolas de baixa

qualidade. Isso faz com que os alunos do Ensino Fundamental o seu

desempenho seja mais baixo e, em conseqüência sejam reprovados

freqüentemente. Por isso, e devido também à migração ao trabalho “precoce”,

evadem com mais freqüência. Todos esses fatores determinam uma profunda

desigualdade no desempenho dos alunos e também das diversas classes sociais,

gerando assim uma profunda rejeição ou inadaptação ao ambiente escolar, como

se a escola fosse um ambiente de desprazer.

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5. ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS EM EDUCAÇÃO NO ENSINO

FUNDAMENTAL NA ESCOLA PÚBLICA

Devido às alterações ocorridas na sociedade atual muita das funções

educacionais da família vêm sendo delegadas à escola. O trabalho da mulher fora

do lar, deixando a educação dos filhos bem antes dos sete anos a cargo da

escola foi um dos fatores que contribuíram para a sobrecarga de responsabilidade

para a escola pública, sobretudo ao professor.

Observar que a escola pública não está cumprindo sua função é um fato

que só meia dúzia de administradores escolares teima em não admitir. Prendem-

se apenas em números para comprovar sua tese de que a escola pública vai bem

obrigada, fabricam e fabricam estatísticas. Pode-se afirmar que a escola pública

tem hoje duplo papel social: é transmissora de cultura e transformadora das

estruturas sociais, adequando seu trabalho às necessidades da criança, da

família e da comunidade.

Cabe à escola pública, juntamente com sua equipe de trabalho, analisar as

situações escolares que possam agravar os problemas de saúde física e mental

dos alunos; procurar sanar estes problemas, conhecendo os recursos extra-

escolares da comunidade e os de fora dela; orientar as famílias no

desenvolvimento de atividades educativas ligadas à saúde do aluno (campanhas

de vacinação, higiene, combate à raiva, ao rato).

Cabe, também, aos professores de escola pública, identificar os problemas

e as queixas; observar a freqüência e a continuidade da manifestação; conhecer

as condições familiares; propiciar o desenvolvimento de atitudes, hábitos e

habilidades favoráveis à saúde física e mental. Assim, conclui-se que seria uma

condição básica para que a escola pública provocasse mudanças consistentes no

sentido de dar ao aluno uma base concreta, visando o seu futuro educativo,

social, político e, sobretudo, profissional, tornando-o cidadão integrado no

contexto social em que está inserido.

Sabemos que seria utópico pensarmos numa escola pública completa,

coerente e perfeita, que atendesse todas às nossas expectativas, até mesmo por

ser o homem um ser imperfeito, mas que houvesse mudanças substanciais no

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sentido de impedir o surgimento de novos problemas sociais que a cada dia se

avolumam em função das transformações que têm ocorrido em nossa sociedade

atual.

Observa-se que, no que se refere à educação na escola pública, pode-se

assegurar que o Estado brasileiro, historicamente, não contou com um projeto ou

uma proposta educacional cujo alcance objetivasse atingir os diversos

seguimentos que compõem esta sociedade. Se são consideradas as diferentes

esferas de governo como a União, os estados federados ou os municípios, estes,

até então, não atuaram no sentido de promover o conjunto da sociedade de, pelo

menos, uma escolarização mínima que fosse, extensiva a todos os cidadãos, tal

como se verificou em sociedades outras, às vezes até com grau de urbanização e

industrialização menor que o nosso.

Isto significa dizer que o Estado brasileiro, até então, não teve consignado

a si a obrigatoriedade do provimento do acesso a uma escolarização básica

comum para todos os cidadãos deste país. Quando muito, nas constituições, o

dever do Estado em promover educação básica (fundamental hoje, antes primária

ou primeiro de grau) para todos os membros foi diluído numa co-responsabilidade

com a família e com a iniciativa privada. Esta última sempre contou com a firmeza

nas constituições no sentido de que o ensino é livre à iniciativa privada.

Com o reverso dessa realidade exposta, a Constituição de 1988 trouxe

algo novo, radicalmente contrário ao que veio sendo historicamente a não

responsabilidade do Estado para com a educação. Este novo quadro se expressa

em significativos dispositivos constantes da Carta Magna em vigor hoje no país.

Em primeiro lugar, encontra-se o estabelecimento do acesso à escola como um

direito subjetivo do cidadão brasileiro e, em segundo lugar, afirma a norma, como

dever do Estado, o provimento da educação básica, pública, gratuita em sua rede,

para todas as crianças e jovens em idade escolar, inclusive para aqueles que

nessas fases não tiveram acesso à escolarização.

Ainda que mantendo a defesa da iniciativa privada no campo da educação,

na determinação da liberdade desta e da gratuidade apenas na rede de ensino

fundamental, a Constituição de 1988 inova quanto à obrigação do Estado,

definindo que a atribuição prioritária do município é a ação no ensino fundamental

para crianças, jovens e adultos.

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Consoante com o dispositivo constitucional, o Projeto de Lei de Diretrizes e

Bases de Educação Nacional (LDB) – na versão aprovada na Câmara de

Deputados – vem a reforçar o que constitucionalmente está definido como

obrigação na esfera municipal, ao vetar que o município (governos municipais)

estenda suas atividades aos demais graus de ensino.

Como parte do Estado brasileiro, os governos municipais, como o governo

federal e estadual, mantém a tradição de um Estado autoritário, cuja atuação

sempre se fez de modo privado no interior do seu espaço. Quando auscultando, o

fizeram, de modo geral, às elites, a partir dos interesses privados destas. As

burocracias que deles fazem parte, em alguns casos tecno–burocracias, de modo

geral auto-suficientes, se bastam na definição de políticas, optando por objetivos

e metas a serem perseguidos na prática da ação no campo educacional.

Hierarquicamente situadas no plano interno da organização estatal, estas

burocracias tecno–burocracias exercem “competentemente” a separação entre os

que pensam e os que executam no âmbito da educação, gerando o conhecido

fosso entre as secretarias e as escolas, entre os técnicos das equipes centrais e

os professores, enquanto isso permanece na penumbra questões fundamentais

relacionados com quem planeja e para que se planeje a educação.

No que corresponde à esfera econômica da sociedade brasileira, esta se

prende comodamente no que diz respeito à educação escolar básica. Foi possível

às empresas e, portanto, ao empresariado brasileiro, durante o processo de

crescimento econômico transcorrido, que elevou o país à oitava economia

industrial do mundo, o convívio com taxas baixíssimas de escolarização da

população. Isto se referindo tanto àqueles em idade escolar como, por

conseqüência, no que veio a compor a população economicamente ativa, e que,

em verdade, tornou efetivo o impulso econômico que vivenciamos.

Este quadro indica que o empresariado brasileiro alcançou de modo pleno

seus objetivos, prescindindo de uma força de trabalho educada, ao menos em

termos de obtenção do ensino básico, a escola de quatro anos (o primário), que

posteriormente, a partir de 1971, passou a oito séries. Assim, este país se

transformou de sociedade agrário–exportadora numa sociedade industrial

convivendo com a insuficiência de escolas para os filhos dos trabalhadores,

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porque para os demais seguimentos daquelas camadas, tornou-se de qualidade

absolutamente insatisfatória.

A proposta oficial de atendimento pré–escolar não está sendo cumprida,

pois, embora dê prioridade às crianças da zona rural, das classes populares e das

regiões menos desenvolvidas, os poucos atendidos são da área urbana e, mesmo

assim, dentro de uma filosofia educacional de compensação que leva ao fracasso.

Em suma, a despeito de todo idealismo e boa vontade que existem em

relação à pré–escola, o que temos diante de nós, hoje, não é um instrumento de

democratização escolar e social, mas apenas mais uma forma de desigualdade e

de agravamento das desigualdades já existentes, tanto no nível escolar quanto no

social. A questão fundamental não é dar o atendimento pré–escolar a todas as

crianças nessa fase, mas sim dar um atendimento de igual qualidade a todos.

De modo geral, a sociedade civil cobrou a ação necessária do Estado com

certa timidez, isto porque não de forma consistentemente organizada, por

exemplo, via os partidos políticos e os sindicatos, os quais sempre se omitiram

nesta questão.

A despeito de todas estas considerações, parece emergir algo novo e que

se expressa na atuação de alguns poucos governos municipais no país. Estes

parecem assumir um novo modo de compreender o seu papel. Por outro lado,

também nota-se surgindo uma nova expressão de cidadania, que clama por

novas formas de articulação entre governo e sociedade civil, as quais se

distanciam tanto da velha tradição clientelista das práticas liberais de governar

como dos modelos neoliberais. Estes últimos, tão em voga nos dias de hoje,

apregoando a desregulamentação, a privatização e o desaparecimento da

educação escolar da condição de função de estado, como palavras de ordem de

uma falsa modernização.

Ademais, esta emergência se verifica mais acentuadamente no interior da

própria instância governamental, quando parece que os professores se

movimentam, ainda que também timidamente, na direção de uma presença mais

acentuada quanto ao que fazer no campo das decisões sobre o sistema escolar.

Desejam discutir sobre seu trabalho e querem influir também nas decisões.

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O que determina o fracasso dos alunos das primeiras séries da rede

pública de ensino é o modelo da escola primária, estruturada para atender

crianças das classes médias e altas e não as das camadas mais baixas, que

formam a sua clientela. Sua recuperação terá que passar pela reestruturação dos

cursos normais, também pautados no modelo de aluno ideal e não naquele que

efetivamente recebe.

Um teste de percepção visual foi aplicado a crianças da primeira, segunda,

terceira e quarta séries de seis colégios da rede pública, no Rio de Janeiro,

escolhidos por amostragem. Para os pesquisadores, o resultado foi

surpreendente: quanto mais adiantados os alunos, mais insatisfatórias as

soluções. Em outro teste, as crianças foram solicitadas a representar em

desenhos os problemas dados, fazendo as contas ao lado. O grau de dificuldade

em desenhar a escola cresceu de série para série.

Essas situações levam à conclusão de que na escola de hoje não se

pensa: seguem-se trilhas preconcebidas; ou, por outra: o ensino, da forma pela

qual é praticado, não dá oportunidade ao aluno de desenvolver sua intuição e

capacidade criativa, além de desprezar sua inteligência e vida real. Provocando

sua aprendizagem mecanizada, a escola forma umas crianças passivas, tolhidas,

sem espontaneidade, capaz, quando muito, de copiar o professor, mas sem

iniciativa para resolver novas situações e descobrir as coisas por ela própria.

Quando caracterizamos a escola pública, devemos levar em conta que a

televisão, como um instrumento de difusão de interesses, influencia praticamente

todas as atitudes do homem moderno. A televisão é o meio de comunicação mais

poderoso inventado pelo homem. É o maior veículo de lazer e informação da

nossa sociedade. Sua onipresença é uma característica do mundo atual. Penetra

na intimidade cotidiana de cada indivíduo de uma forma tão absoluta que é capaz

de influenciar e modificar seus hábitos, seu comportamento, sua linguagem de

maneira incontestavelmente forte.

Como empresa privada, não é difícil perceber que a televisão tem um papel

que favorece a ideologia dominante, tornando-a uns instrumentos opressores e

alienantes, voltados para uma sociedade de consumo, cujo objetivo está longe de

ser liberal e esclarecedor. O que é grave é que seu consumidor é um público

despreparado, pronto para receber o produto da forma que lhe é comercializado,

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o que irá afetar, por certo, a aprendizagem dos alunos, sobretudo àqueles

pertencentes a escola pública, prejudicando assim a nossa tentativa de minimizar

os problemas já existentes. Quer queira quer não queira, este poderoso veículo

de comunicação de massa interferirá na aprendizagem do aluno na escola

pública, causando impactos negativos.

O que falta também hoje na escola pública, tanto por parte dos alunos

quanto por parte de muitos professores, é o interesse de conhecer mais,

aprofundar-se na busca pelo conhecimento. Para Celso, também professor, já em

1926, expressou poeticamente essa inquietação:

Quem nada conhece, nada ama | quem nada pode fazer, nada compreende | quem nada compreende, nada vale. | Mas quem compreende também ama | observa, vê... | Quanto mais conhecimento houver | inerente numa coisa | tanto maior o amor... | Aquele que imagina que todos os frutos amadurecem ao mesmo tempo, como as cerejas | nada sabem a respeito das uvas. (In: ORNELIA, 1995, p.10).

Têm-se observado as diversas faces que a escola adquiriu ao longo da

história até o presente momento. Vivemos uma crise muito séria e nos

preocupamos em saber qual será o destino da instituição escolar, sobretudo a

escola pública. Vimos que a escola nova pretendeu revolucionar os métodos

vitalizando a escola tradicional, por demais petrificada, esclerosada e classista.

No entanto, seu ideal de democratização não foi atingido, pois, segundo os

teóricos críticos–reprodutivistas, a escola reproduz as formas de dominação

social.

A década de 70 foi fértil em críticas à escola e propostas para alterar esse

quadro sombrio. Fazendo coro com essa tendência, Ivan Illich (1983) apresenta

uma proposta aparentemente mais radical: “por que não ‘descolarizar’ a

sociedade?”. Para ele a solução da crise não estaria em promover reforma de

métodos ou currículos, nem simplesmente em denunciar o elitismo, mas em

questionar o fato aceito universalmente de que a escola é o único e melhor meio

de educação.

O professor Dermeval Saviani demonstra, a partir do estudo de nossas leis,

inexistência de um sistema educacional no Brasil. Para ele, o homem é capaz de

educar de modo sistematizado apenas quando

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“Toma consciência da situação (estrutura) educacional, capta os seus problemas, reflete sobre eles, formula-os em termos de objetivos realizáveis, organiza meios para alcançar os objetivos, instaura um processo concreto que os realiza e mantém ininterruptos o movimento dialético ação–reflexão”. (SAVIANI, 1983)

Este último requisito resume todo o processo, sendo condição necessária

para garantir sua coerência, bem como sua articulação com processos ulteriores.

Como se vê, está para ser elaborada a teoria da educação brasileira e nem existe

ainda um sistema educacional para o Brasil. Essa é uma tarefa que não só os

teóricos, mas todos os educadores têm de enfrentar. Vê-se, então, que os

desafios são grandes no que diz respeito à escola pública, e o resultado disso são

os problemas que afetam a aprendizagem do aluno. Sendo assim, devemos

pensar como pensava o grande mestre Paulo Freire:

Eu agora diria a nós, educadores e educadora: ai daqueles e daquelas, entre nós, que pararem com a capacidade de sonhar, de inventar a sua coragem, de denunciar e anunciar. Ai daqueles e daquelas que em lugar de visitar de vez em quando o amanhã, se atrelam a um passado de exploração e de rotina! (FREIRE, 1991).

Sem um consenso determinado sobre as classificações do fracasso escolar

não se pode atingir uma identificação precoce e pedagogicamente eficiente,

evitando, a princípio, problemas que tendem a complicar-se com a evolução

escolar.

Cabe aos professores, na ótica de uma pedagogia científica, estudar as

variáveis que estão em jogo nas diferentes aprendizagens escolares na medida

em que assim se pode dar mais significação ao diagnóstico psicopedagógico. A

tridimensão desse problema pode vir a facilitar a obtenção de uma linguagem

comum e a troca de experiências, ao contrário dos que pensam que o diagnóstico

psicopedagógico surge apenas com o auxílio dos médicos, psicólogos e

psicopedagogos.

Ao professor não pode caber unicamente a função de aplicar métodos

pedagógicos. Ele deve saber como e quando o método deve ser aplicado, o que

obviamente implica um processo de identificação que considere as condições

internas e externas que favorecem ou prejudicam o desenvolvimento do ser

humano.

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A identificação deve ser feita o mais precocemente possível, visando não

agravar o desenvolvimento total da criança e diminuir seus efeitos cumulativos.

A identificação precoce deve ser simultânea com uma intervenção

psicopedagógica precoce que possa implicar a modificabilidade do potencial de

aprendizagem, intervindo no desenvolvimento da inteligência, da linguagem e da

maturidade global requerida para as aprendizagens simbólicas. Sabe-se que é

complexa a rede de fatores que interferem no processo de aprendizagem, mas a

psicopedagogia vem caminhando no sentido de contribuir para uma melhor

compreensão desse processo.

A criança, ao longo de seu crescimento, vai desenvolvendo estruturas de

relação com o mundo e, portanto vai mudando sua forma de enxergar as

situações a ela apresentada. As primeiras relações que a criança estabelece com

o conhecimento são de fundamental importância para a construção de sua

modalidade de aprendizagem, isso porque a modalidade é o molde que o

indivíduo adota para adquirir conhecimento ao longo sua vida. E esse molde se

constrói a partir do vínculo que ele estabelece nestas primeiras relações.

É por isso que a escola mais remota é à base do conceito que esse

indivíduo terá de escola e, conseqüentemente, do vínculo formado com o

conhecimento formal. Muitas vezes um vínculo inadequado remonta uma história

de fracassos dentro da instituição escolar, criando uma criança habituada à falha

e com uma auto–estima negativa dentro da sua estrutura psíquica.

Não podemos negar a existência de limites e dificuldades dos profissionais

no intuito de minorar os problemas de aprendizagem por vários motivos, tais

como: as crianças já nascem no seio de uma sociedade corroída e desassistida

pelos seus governos vigentes; falta de modernização na estrutura educacional;

metodologias inadequadas; mito de que as dificuldades de aprendizagem são

insolúveis; as transformações tecnológicas, sociais, econômicas e políticas

avassaladoras são globais e acabam afetando a sociedade como um todo; falta

de engajamento político por parte de muitos educadores; falsa democracia na

sala de aula e falta de aplicação de teorias progressistas.

A atuação dos profissionais junto ao fracasso escolar, embora com todas

as limitações, têm sido de certa maneira substanciais. Entretanto, os limites

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impostos, conforme os motivos mostrados acima, de certa forma já vêm causando

uma notória impotência por parte dos educadores no sentido de minorar esses

problemas que se avolumam tão abundantemente.

A atuação dos professores e teóricos da educação, na sua maioria, tem

sido profunda e incessante, talvez até revolucionária. Ainda assim, persistem em

demasiado os fracassos escolares.

Sabe-se que os professores também são responsáveis pela queda da

qualidade do ensino. Acomodados, sem consciência crítica e política da realidade,

limitam-se a produzir o que lhes foi ensinado e sem nenhuma confiança de

resultado, tanto assim que só não colocam seus filhos nas escolas particulares

quando não conseguem pagar as anuidades.

O professor, principalmente o de ensino primário ou das cadeiras de área

humana, atribui à escola uma autonomia que ela não tem e acredita que ela vá

resolver os problemas de fracasso escolar. Todavia, os educadores (professores,

pedagogos, psicopedagogos etc.) se enganam ao terem uma visão conservadora.

Analisemos o que Vygotsky diz:

Desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suas atividades adquirem um significado próprio num sistema de comportamento social e, sendo dirigidas a objetivos definidos, são refratadas através do prisma do ambiente da criança. O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social. (In: ARANHA, 2002, p.202).

Existem novos caminhos, novas perspectivas, para que os profissionais

dessa área estejam atentos. Independentemente das normas estabelecidas pelo

governo, devem os educadores ir além das suas limitações culturais, sociais,

econômicas, políticas e profissionais, com a finalidade de revolucionar os seus

modelos tradicionais, permitindo ao educando possibilidades outras que venham

ajudar a evitar as dificuldades de aprendizagem, ou seja, não deve haver limites

na sua atuação pedagógica.

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Vejamos o que diz Bernard Charlot:

O pensamento pedagógico comum considera, mais ou menos implicitamente, que a educação deve permitir à criança realizar-se, desabrochar, tornar-se plenamente ela mesma. Desabrochar! Pensamos ter dito tudo, ser modernos e liberais, quando proferimos essa grande palavra. Mas o que é que isso quer dizer, desabrochar? É nos sentirmos bem em nossa pele, no trabalho, nas relações com os outros? Mas não podemos, então, falar de desabrochamento sem levar em consideração as realidades econômicas, sociais e política. Não desabrochamos no abstrato. Sentimo-nos bem ou mal neste ou naquele tipo de situação e de relação, e o desabrochamento pressupõe condições concretas e sociais de realização. No desabrocho quando trabalho na linha de montagem, num compasso infernal, numa fábrica barulhenta, desumanizada, fria e fétida. Não desabrocho quando devo suportar todo o dia os humores de um chefe de escritório atrabiliário. Não desabrocho quando estou fechado numa escola–caserna sem interesse. Não”. desabrocho quando devo suportar cotidianamente as gritarias de meus quatro filhos num apartamento de sala e quarto. Mas desabrocho quando faço um trabalho que me interessa, quando encontro pessoas que me agradam, quando tenho tempo para me dedicar a meus filhos num ambiente agradável. Quando apenas nos contentamos em falar de desabrochamento, somos vítimas de um dos conceitos mais ideológicos que a pedagogia jamais produziu. (CHARLOT, 1983, p. 58).

O esforço da pedagogia progressista se faz na direção de tornar a escola

um local de socialização do conhecimento elaborado, possibilitando cada vez

mais que as camadas populares tenham acesso à educação e, portanto, o estágio

atual do saber, mesmo reconhecendo os limites do empreendimento. Entre os

pioneiros da tendência progressistas se encontra os pedagogos soviéticos

Makarenko e Pistrak, bem como o italiano Antonio Gramsci.

Também é importante a contribuição do francês Célestin Freinet, na busca

de uma pedagogia popular e democrática e sua influência sobre as correntes

autoritárias de base socialista, tais como as de Lobrot, Oury, Vásquez, além do

espanhol Francisco Ferrer e os representantes brasileiros Maurício Tragtenberg e

Miguel Gonzales Arroyo. Outros nomes significativos são os dos construtivistas

soviéticos Vygotsky e Leontiev. Há ainda muitos outros, como o francês Bernard

Charlot; Henry Giroux, representante da teoria crítica de inspiração frankfurtiana;

o polonês Suchodolski, que desenvolveu elucidativa distinção entre pedagogias

essencialistas e existencialistas, buscando uma superação a partir da análise na

natureza social do homem.

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Entre os brasileiros, convém lembrar a importância dos movimentos

populares da década de 60, e, sobretudo, o trabalho pioneiro e inovador de Paulo

Freire, ao criar um método de alfabetização de adultos que mereceu a atenção de

pedagogos de várias partes do mundo. A pedagogia libertadora de Paulo Freire,

também conhecida como pedagogia do oprimido, uma educação voltada para a

conscientização da opressão, que permitiria a conseqüente ação transformadora.

Moacir Gaddotti, trilhando caminhos semelhantes, desenvolve a pedagogia do

conflito, baseada na concepção dialética da educação. Wagner Gonçalves Rossi,

Carlos Rodrigues Brandão e tantos outros fazem parte, a partir da década de 70,

da já fértil produção teórica sobre a educação brasileira.

Espelhando-se nesses heróis universais da educação, nós, professores,

podemos dizer que os nossos limites como educadores são discutíveis e

superáveis, e que nossa atuação poderia ser mais produtiva no que diz respeito

ao fracasso escolar e na educação como um todo. Basta pensarmos na produção

de novas idéias, conceitos, valores, coragem e, sobretudo, amor pela educação,

algo que acaba afetando a aprendizagem do educando.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O fracasso escolar, ainda hoje, faz parte do cotidiano das nossas escolas,

acarretando na grande maioria das vezes na reprovação. O trabalho

psicopedagógico pode e deve ser pensado a partir da instituição escolar, a qual

cumpre uma função social: a de socializar os conhecimentos disponíveis,

promover o desenvolvimento cognitivo e a construção de regras de conduta,

dentro de um projeto social mais amplo. Através da aprendizagem, o sujeito é

inserido, de forma mais organizada, no mundo cultural e simbólico, que o

incorpora à sociedade.

Na sua tarefa junto às instituições escolares o psicopedagogo deve refletir

sobre estas questões, buscando dar a sua contribuição no sentido de prevenir

ulteriores problemas de escolaridade. O diagnóstico psicopedagógico é um

processo, um contínuo sempre revisável, onde a intervenção do psicopedagogo

inicia, numa atitude investigadora, até a intervenção. É preciso observar que essa

atitude investigadora, de fato, prossegue durante todo o trabalho, na própria

intervenção, com o objetivo da observação.

O passo fundamental para uma prática educacional é a postura do

profissional; isto é, a sua conversão, a qual significa uma tomada de consciência

do problema do fracasso escolar e um propósito de mudança aliada a uma

reforma nas Diretrizes Curriculares e no Projeto-Político Pedagógico da escola.

Não basta tomar consciência do problema no sentido do saber, do ponto de

vista exclusivo da informação; tomar consciência, aqui, significa um conhecimento

atrelado a uma decisão de transformação. Sem lucidez sobre uma realidade não

se poderá agir com adequação, é preciso então pesquisar muito sobre o problema

do fracasso escolar no Ensino Fundamental. Pesquisar observando a prática

diária, obter decisões certas e ajustadas na solução do problema que vem se

agravando nas escolas públicas, e, se for o caso, fazer intervenções, reformular

os objetivos e adaptar à realidade que ora se apresenta.

Não bastará, com certeza, só saber quais as causas que ocorrem o

fracasso escolar, nem é suficiente só conhecê-las; importa sim, um

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posicionamento filosófico das escolas, dos governantes e da própria sociedade

civil da qual o educador faz parte.

À medida que, o fracasso escolar depender em última instância de fatores

sócio-econômicos e políticos, o problema só será efetivamente resolvido a partir

de profundas transformações na esfera Federal, Estadual, Municipal e local,

trazendo a comunidade para participar e buscar soluções para as dificuldades que

possam surgir em todo processo de mudança e construção.

Isso significa que essas transformações só ocorrerão quando a sociedade

civil, da qual o educador faz parte, estiver organizada e lutar por alternativas que

venham atender às necessidades e interesses da classe menos favorecida. Tais

mudanças sociais certamente deverão implicar em profundas modificações na

política educacional adotada, criando também condições sócio-econômicas

necessárias para que as crianças da classe baixa tenham oportunidades de

usufruírem dos benefícios do sistema escolar.

Não cabe ao educador esperar de braços cruzados para que essas

transformações ocorram, cabe sim, criar, descobrir e propor novas formas viáveis

e efetivas de mudanças dentre os fatores intra-escolares que mantêm o fracasso

escolar. Entende-se que o problema não será resolvido a curto prazo, porém, com

um redimensionamento destes fatores, poderão minimizar os efeitos do fracasso

escolar, uma vez que a repetência depende em grande parte de transformações

internas, dos mecanismos escolares, desde a revisão dos objetivos, passando

pelas práticas de ensino até os procedimentos de avaliação.

Os problemas na educação sempre existiram e a escola como seu principal

palco sempre sofreu os males do processo ensino–aprendizagem. As diversas

abordagens teóricas, e os paradigmas tentaram “resolver” as dificuldades de

aprendizagem. Embora, muitas delas, tenham sido experimentadas, percebe-se

que, os problemas permanecem. Se nos países ricos, onde a educação é

prioridade, os problemas existem, e difíceis de serem solucionados, imaginem no

Brasil país pobre, de terceiro mundo, populoso, com muitos problemas sociais e

sem uma política educacional eficiente. Ensinar e aprender torna-se uma tarefa

árdua e difícil.

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Hoje, são muitos os problemas enfrentados pelas escolas para atingirem

seus objetivos de alfabetizar e escolarizar. Indisciplina, desinteresse pelo estudo,

falta de educação doméstica e não reconhecimento da autoridade dos

professores e diretores por parte dos alunos são alguns dos problemas

apontados. A escola tende a culpar a família por omissão na educação dos filhos.

A família, por sua vez, diz que a escola não é mais a mesma.

No meio dessa “briga” surge o psicopedagogo como mediador e promessa

de solução. Mas isso não é uma tarefa fácil, pois exige um esforço muito grande e

um bom preparo por parte do profissional. A psicopedagogia surge como mais

uma alternativa para ajudar na solução dos problemas de rendimento escolar e

ensino–aprendizagem. Ficaremos na esperança de êxito desta nova tendência,

não como “salvadora da pátria”, mas como uma grande atenuante para os

problemas da educação.

A escola, historicamente, convive com problemas de aprendizagem, muitas

vezes geradora do fracasso escolar. A investigação desses problemas remete a

um leque infinito de possibilidades, capazes de se entrecruzarem, requerendo do

estudioso da área atenção e sensibilidade para detectar falhas que denunciam

causas, apontando caminhos para uma atuação pedagógica, com vistas a

contribuir na libertação da criança, favorecendo seu desenvolvimento pleno. Só a

escola não resolverá os problemas de aprendizagem. Há questões sociais que

deverão ser superadas a fim de que se possam garantir condições mínimas para

o indivíduo querer aprender.

Estas questões sociais geram carências afetivas que são significativas,

barreiras a serem superadas e que bloqueiam e limitam as condições de

aprendizagem. Nesse contexto, a questão do vínculo ganha especial relevância, à

medida que denota a importância da natureza das relações que o indivíduo

estabelece consigo mesmo, com seus circundantes, com o meio no qual se insere

e com o conhecimento. Tais relações parecem ter influência significativa na

determinação do sucesso ou do fracasso escolar da criança.

Só a escola não resolverá todas as circunstâncias que envolvem a questão

das dificuldades escolares, mas o que deve ser intensificada é a preparação das

escolas e professores para receber alunos com capacidades adquiridas de

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histórias culturais cada vez mais diferentes, o que produz seres humanos com

capacidades diferentes.

A especificidade do tratamento psicopedagógico consiste no fato de que

existe um objetivo a ser alcançado: a eliminação do sintoma. Assim, a relação

psicopedagogo-paciente é mediada por atividades bem definidas, cujo objetivo é

"solucionar rapidamente os efeitos mais nocivos do sintoma para depois dedicar-

se a afiançar os recursos cognitivos" (Pain, 1986, p. 77). Este é um aspecto cuja

prática tem me mostrado como bastante complicado na atuação do

psicopedagogo, pois está relacionado com a operacionalização do trabalho e

conseqüentemente com seu êxito.

Somente uma boa avaliação psicopedagógica de fracasso escolar de uma

criança pode discernir e ponderar devidamente "o que" e o "quantum" é da

criança, da escola, da família e da interação constante dos três vetores na

construção das dificuldades de aprendizagem apontadas pela escola. A conquista

do espaço na escola significa uma escola aberta, contígua à vida, cheia de

presenças humanas, realizando experiências realmente brasileiras.

Diante desse contexto, revendo o passado, dinamizando o futuro e

procurando corrigir os erros do presente, avançamos no campo da construção

conjunta do conhecimento da escola e da sociedade que queremos; só assim,

poderemos ter uma educação voltada para as crianças de classe menos

favorecida e a redução dos índices de fracasso escolar no ensino fundamental na

escola pública.

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