fracasso escolar: a voz de quem sofre as suas...

140
Rio de Janeiro, 22 de agosto de 2008 Fracasso escolar: a voz de quem sofre as suas conseqüências

Upload: lediep

Post on 11-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Rio de Janeiro, 22 de agosto de 2008

Fracasso escolar: a voz de quem sofre as suas conseqüências

ii

Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Programa de Pós-graduação em Educação PROPED

Linha de Pesquisa- Educação Inclusiva e Processos Educacionais Grupo de Pesquisa - Etnografia e Exclusão: Aspectos Psicossociais da Inclusão Escolar

Fracasso escolar: a voz de quem sofre as suas conseqüências

Por

Fernanda Carvalho Ramalho Raposo

Dissertação apresentada à Banca examinadora do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação, sob a orientação da Profa Dra Carmen Lúcia Guimarães de Mattos.

Agosto/2008

iii

Banca Examinadora

_____________________________________

Carmen Lúcia Guimarães de Mattos - Orientadora

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

__________________________________

Helena Amaral da Fontoura

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

Faculdade de Formação de Professores - FFP

__________________________________

Iduina Mont'Alverne Chaves

Universidade Federal Fluminense - UFF

Luiz Antonio Gomes Senna - Suplente

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

Ana Canen - Suplente

Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

iv

Dedicatória

Aos que minimizaram o sofrimento e voltaram minha atenção ao que realmente importa, por tornarem possível este trabalho.

v

“Porque dEle e por Ele, e para Ele são todas as coisas.” (Romanos 11.36a)

2

Índice Resumo ...............................................................................................................3

Abstract ...............................................................................................................4

Introdução ............................................................................................................5

Capítulo I – Referencial teórico-metodológico .....................................................8

1. Exclusão .........................................................................................................9

1.1. A exclusão e a instituição escolar ..............................................................11

2. Fracasso Escolar ...........................................................................................13

2.1. Conquistas e desafios da educação brasileira ...........................................13

2.2. O fracasso à luz da teoria ...........................................................................15

2.3. O fracasso escolar e as políticas educativas .............................................20

3. Violência ........................................................................................................24

3.1. As relações de poder e a violência intra-escolar ........................................25

3.2. Violência urbana: não nasce na escola, mas invade seus portões ............31

4. Considerações Metodológicas ......................................................................33

4.1. Locus de Estudo .........................................................................................33

4.2. Participantes da Pesquisa ..........................................................................36

4.3. Procedimentos Metodológicos ...................................................................36

4.3.1. A abordagem etnográfica ........................................................................36

4.3.2. Instrumentos de Coleta ...........................................................................39

4.3.3. Análise de dados .....................................................................................40

Capítulo II – Sobre a pesquisa ..........................................................................42

1. Objetivo da pesquisa .....................................................................................42

2. No campo de pesquisa ..................................................................................43

3. Analisando os dados .....................................................................................49

3.1. O que dizem os alunos? .............................................................................50

Conclusão ........................................................................................................124

Referências Bibliográficas ..............................................................................128

3

Resumo

Essa pesquisa, que tem por objetivo identificar e analisar o que dizem os jovens alunos da Classe de Progressão acerca do fracasso escolar é uma parte da pesquisa ‘Imagens Etnográficas da Inclusão: o fracasso escolar na perspectiva do aluno’, realizada pelo Núcleo de Etnografia em Educação (NetEdu) no período entre agosto e dezembro de 2006. Os jovens participantes foram alunos e alunas de um CIEP localizado na zona sul do Rio de Janeiro. Os dados foram coletados através de pesquisa qualitativa de abordagem etnográfica e os instrumentos utilizados foram a observação participante, a entrevista semi-estruturada e o vídeo. Na análise de dados, o conteúdo das falas dos participantes foi considerado principal fonte de significação de dados e apreensão do entendimento acerca do fracasso escolar. Categorias principais foram levantadas a partir da fala dos participantes, entre elas a repetência e a violência. Neste trabalho de dissertação, inicialmente, apresento considerações teóricas acerca da exclusão, do fracasso escolar e da violência, e considerações metodológicas. A seguir, relato o processo da pesquisa de campo, destacando e analisando as falas dos jovens. Concluo que o fracasso escolar é entendido por estes jovens como algo inerente a eles; que diante de um histórico familiar nem sempre favorável, alunos e alunas acreditam na escola como alternativa para superação das dificuldades; e a que violência, em suas múltiplas manifestações, reforça o fracasso, preocupando alunos e demais atores escolares. Creio que a contribuição deste estudo para a área da pesquisa em educação seja o enfoque no ponto de vista do aluno, tendo em vista que uma das melhores maneiras de pesquisar o fracasso escolar é dando voz a suas vitimas, aqueles que de fato o experimentam.

Palavras-chave: Fracasso escolar – Etnografia – Violência

4

Abstract

This research, which aims to identify and analyze what the young students attending the Progressão Class say about school failure, is part of another research called ‘Ethnographic Images of Inclusion: school failure in the student’s view’, carried out by the Ethnography in Education Group (NetEdu) between August and December, 2006. The young participants are male and female students from a public school located in the south zone of Rio de Janeiro. The data was gathered through a qualitative research with ethnographic approach and the instruments used were the participant observation, depth interviews and video recording. During the analyses process, the content of the participants’ speech was considered as the main source of demonstration of understanding of school failure. Main categories were taken from the students’ speech, such as class repetition and violence. In this dissertation, we firstly present theoretical considerations concerning exclusion, school failure and violence, and methodological considerations. Then, we describe the field research process, highlighting and analyzing the students’ speech. We conclude that these young pupils take school failure as something inherent to them; that facing a challenging family history, students in school as an alternative to overcome difficulties, and that violence, in its many expressions, reinforce failure, worrying the school community. We believe this study is useful to the area of educational research because it focus on the students’ point of view, as one of the best ways to research school failure is hearing its victims, the ones who actually live it.

Key words: School failure – Ethnography – Violence

5

Introdução

A realização do curso de Mestrado Acadêmico em Educação, na

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), foi significante para o

progresso da minha vida profissional tendo em vista que deu continuidade aos

estudos iniciados no curso de graduação em Pedagogia, nessa mesma

universidade. Além disso, me permitiu retomar projetos e rever conceitos

trabalhados durante o período de graduação, quando fazia parte da equipe de

alunos bolsistas de iniciação científica da Profª Drª Carmen Lúcia Guimarães de

Mattos, na pesquisa Metacognição em Sala de Aula – um estudo sobre os

processos de construção do conhecimento.

Em novo contexto, como aluna do Mestrado, pretendi aprofundar-me

nas reflexões e questionamentos desta pesquisa1, trazendo contribuições para

meu crescimento pessoal, para o Grupo de Pesquisa2 do qual fiz parte e para

tantos outros profissionais que, como eu, virão a debruçar-se sobre este tema.

1 A pesquisa Fracasso escolar: a voz de quem sofre as suas conseqüências , relatada neste trabalho de dissertação, é parte da pesquisa Imagens etnográficas da inclusão: o fracasso escolar na perspectiva do aluno, realizada pelo Núcleo de Etnografia em Educação (NetEdu), sob a coordenação da Profª Drª Carmen Lúcia G. de Mattos. 2 Etnografia e Exclusão: aspectos psicossociais da inclusão escolar.

6

Desde seus primórdios, a abordagem etnográfica de pesquisa

preocupa-se em dar voz aqueles que pouco ou nunca são ouvidos (MATTOS,

2001). Sendo o aluno, na instituição escolar, a voz silenciada e com menos

freqüência ouvida, penso ser relevante destacar sua perspectiva.

Com este pensamento, o presente estudo tem como objetivo identificar

e analisar o que dizem alunos da Classe de Progressão sobre o fracasso escolar.

Você conhece alguém que já repetiu de ano? Por que as pessoas repetem de ano? Como

são as coisas lá na sua sala? De quê você mais gosta na escola? Entendo que ouvir

estes jovens e crianças, personagens do contexto escolar, é fundamental para

que se compreenda os elementos envolvidos na produção do fracasso e que,

nisto, esta pesquisa se justifica.

Narrando sua realidade escolar os alunos nos levam a refletir uma série

de diferentes aspectos, entre eles: as políticas educacionais, a relação professor-

aluno, a relação família-aluno, o funcionamento da escola como instituição e o

contexto social em que estão inseridos. Ademais, nos direcionam a conclusão de

que o fracasso escolar é, de fato, produzido por fatores inúmeros e complexos.

Esta dissertação se divide em três capítulos. No capítulo I apresento o

referencial teórico-metodológico em que foi baseado o estudo. Inicialmente,

analiso as questões teóricas a respeito da exclusão, do fracasso escolar e da

violência, temas de interesse e relevância na análise da pesquisa. Em seguida,

destaco as características principais da abordagem metodológica utilizada,

justificando sua escolha.

O capítulo II é dedicado ao relato da pesquisa em si. Neste texto

7

descrevo, em detalhes, o encaminhamento da pesquisa de campo e os motivos

por trás das escolhas feitas. As falas dos alunos são, finalmente, trazidas e

analisadas. Algumas destas falas são acrescidas de imagens que facilitam nosso

entendimento da visão dos jovens aproximam o leitor da experiência da

pesquisa.

Por fim, no capítulo III, concluo este estudo apontando suas

considerações finais e sua contribuição para a área de pesquisa em educação.

8

Capítulo I

REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

Na introdução desta dissertação, apresentei um breve relato da minha

trajetória acadêmica e introduzi as questões centrais desta pesquisa. No presente

capítulo, faço uma revisão do referencial teórico-metodológico da mesma, assim

dividida: 1) a exclusão; 2) o fracasso escolar; 3) a violência; e 4) considerações

metodológicas.

Começarei analisando a questão da exclusão, a partir das contribuições

de Peregrino (2006), Martins (1997 e 2002) e Castel (1997), e suas relações com a

escola. Discutirei, então, o fracasso escolar partindo das conquistas e desafios da

educação brasileira para analisar, posteriormente, as contribuições teóricas de

Ireland (2007); Angelucci, Kalmus, Paparelli e Patto (2004); e MacBeath, Gray,

Cullen, Frost, Steward e Swaffield (2007) sobre o tema. Na seqüência, apresento

o tema da violência e sua influência na educação, destacando os apontamentos

de Sposito (1981), Zaluar (1999) e Arendt (1994). Finalmente, ressalto as questões

metodológicas referentes ao locus de estudo, participantes da pesquisa,

instrumentos de coleta e análise de dados.

9

1. Exclusão

“Basicamente, exclusão é uma concepção que nega a História, que nega a

práxis e que nega à vitima a possibilidade de construir historicamente

seu próprio destino, a partir de sua própria vivência e não a partir da

vivência privilegiada de outrem. (...) A idéia de exclusão pressupõe uma

sociedade acabada, cujo acabamento não é por inteiro acessível a todos.

Os que sofrem essa privação seriam os ‘excluídos’.” (MARTINS, 2002, p.

45 e 46)

O cenário de discussões acerca da questão social no Brasil, em tempos

de crise, tem sido marcado pela presença da problemática da exclusão, cujo

termo se emprega aos mais diversos usos. Peregrino (2006) destaca que o termo

é freqüentemente utilizado na descrição dos processos de degradação, tais como

os de direitos sociais, de relações de trabalho, relações sociais, entre outros. A

autora adverte que o mesmo conceito também se emprega na definição da

insuficiência de oferta de serviços pelo Estado, seja nas áreas de educação,

saúde, segurança, saneamento e etc. E ainda, ressalta que o termo se relaciona

com a diminuição das ofertas de emprego, gerada pela “nova configuração da

acumulação do capital” (PEREGRINO, 2006, p. 63).

A amplitude do termo exclusão, entretanto, não se limita apenas ao

processo em si, e atinge também os atores sociais do mesmo, neste caso, os

excluídos. Peregrino (2006) igualmente nos auxilia na compreensão desta

questão, destacando a abrangência do termo excluídos, e pontua que:

10

“’Excluídos’ são os que fracassam na escola, os que não são atendidos

nos postos de saúde e hospitais, os analfabetos, os desempregados, os

jovens que, ao saírem da escola não conseguem inserção no mercado de

trabalho, os grupos socialmente discriminados (homossexuais, negros,

mulheres, favelados...), assim como todos aqueles que vivem em

situações limite: os sem-teto, os sem-terra, os flagelados da seca, os

migrantes recém chegados às cidades...” (PEREGRINO, 2006, p. 64)

Nos deparamos, portanto, com um termo empregado aos mais variados

usos que a miúdo, por esta imprecisão, culmina em não definir coisa alguma

(CASTEL, 1997). Segundo este mesmo autor, a ambigüidade na utilização deste

conceito, simultaneamente, encobre e revela o estado atual da questão social,

reduzindo a crise à aspectos pontuais, ao deter-se apenas aos efeitos mais

aparentes e imediatos da mesma. Ele chama a atenção:

“Falar em termos de exclusão é rotular com uma qualificação puramente

negativa que designa a falta sem dizer no que ela consiste nem de onde

provém.” (CASTEL, 1997, p. 19)

O sociólogo José de Souza Martins (2002) propõe uma negação à

existência da exclusão, afirmando existirem apenas vítimas de processos sociais,

políticos e econômicos excludentes. Além disso, ele alega que ao discutir a

exclusão “deixamos de discutir as formas pobres, insuficientes e, às vezes, até

indecentes de inclusão” (MARTINS, 1997, p. 21).

Para o autor, o binômio excluídos / incluídos não faz sentido, tendo em

vista o fato de serem ambas as condições produzidas pelo mesmo processo

econômico que ora gera riquezas, ora misérias. Nesta esteira de pensamento,

Martins (1997) explica que a lógica do capitalismo é desenraizar e excluir para,

11

posteriormente, incluir segundo regras próprias. No movimento entre a

exclusão e a re-inclusão, entretanto, o que se vê acontecer no Brasil é uma

degradação e a criação de um contingente populacional sobrante, sem chances

de re-ingressar aos padrões atuais de desenvolvimento, vivendo

permanentemente uma situação que deveria ser temporária. Cria-se, segundo

Martins (1997), uma sociedade paralela economicamente incluída mas social e

moralmente marginalizada.

Scalon (1999) aponta para outra faceta da exclusão, destacando a

intergeracionalidade como fator determinante na transmissão da mesma ao

concluir que quem nasce pobre tem maiores chances de permanecer assim até o

fim da vida. A autora entende a posição social como uma herança passada

através de gerações, o que nos faz refletir o papel da escola diante de uma

sociedade excludente.

1.1. A exclusão e a instituição escolar

Fica, por conseguinte, a questão: que espaço ocupa a escola numa

estrutura social que promove processos de exclusão? Dubet (2003) esclarece que

a escola atual é mobilizada a serviço do desenvolvimento econômico, ou seja,

investir na escola e na formação do aluno é um investimento economicamente

produtivo. Exatamente por se prestar a este serviço, a escola deixa sua

neutralidade e, em sua natureza, reproduz as desigualdades sociais a partir da

produção das desigualdades escolares. Segundo o autor, a exclusão escolar, sob

a forma de fracasso, suscitaria uma relativa exclusão social tendo em vista que

os menos qualificados academicamente teriam maior probabilidade de enfrentar

12

esta condição. Ele ainda destaca os percursos escolares de desempenho desigual

como um mecanismo de diferenciação através do qual a escola incorpora e

adiciona fatores de exclusão, tornando menos prestigiada a trajetória escolar de

alunos com mais dificuldades.

Em uma analogia entre a escola e uma prova esportiva, onde a

expressão ‘que vença o melhor’ define a ética da responsabilidade dos

desempenhos, Dubet (2003) afirma que a exclusão escolar perdeu muito de sua

objetividade e tornou-se um processo extremamente subjetivo, no qual o aluno

passa a ser responsável por seu sucesso. Desse modo, a experiência da exclusão

ganha o peso de uma auto-destruição e os alunos que a vivem têm a sensação de

anular-se a si próprios. O autor explica que, diante desta possibilidade, algumas

estratégias de defesa podem ser acionadas e destaca duas delas:

- Retraimento: frente ao insucesso, os alunos optam por desistir do

percurso. Freqüentemente estes são aqueles estudantes que prosseguem com o

ritualismo escolar e o respeito às regras, mas que abdicam de qualquer

envolvimento genuíno com a aprendizagem.

“Eles perderam a partida, mas a honra está salva uma vez que eles nada

fizeram para ganhar, instruídos por uma longa história de fracassos.”

(DUBET, 2003, p. 41 e 42)

- Conflito: diante da responsabilidade por seu desempenho e incapazes

de justificar seu fracasso em razões sociais, alguns alunos são levados a atribuir

sua exclusão aos professores.

“A violência contra a escola e os professores é ao mesmo tempo um

13

protesto não declarado e uma maneira de construir sua honra e sua

dignidade contra a escola.” (DUBET, 2003, p. 42)

A despeito das estratégias de defesa dos alunos, a escola prossegue no

modelo do mercado, desenvolvendo a dicotomia integração/exclusão, ao afirmar a

igualdade dos indivíduos e destacar a desigualdade de seus desempenhos. No

âmago desta desigualdade reside o fracasso, tema da análise que segue.

2. Fracasso Escolar

2.1. Conquistas e desafios da educação brasileira

Os dados afirmam e parecem não deixar dúvidas que entre os anos de

1996 e 2006, ano em que essa pesquisa foi realizada, o Brasil aprimorou

significativamente seu sistema educativo, praticamente universalizando a oferta

de educação a alunos de 7 a 14 anos de idade3. Segundo dados do Censo Escolar

(INEP, 2006), no ano de 2006 havia 203.931 instituições escolares e 2.647.414

professores atendendo a 56 milhões de alunos em todo o pais, sendo 7 milhões

atendidos na Educação Infantil, 39 milhões no Ensino Fundamental e 8,9

milhões no Ensino Médio.

O acesso a educação apresentou avanço em todos os segmentos

escolares. Abaixo, comparando os índices dos anos de 1996 e 2006, indicadores

das pesquisas do IBGE (2007), identificamos o aumento das taxas de freqüência

a estabelecimentos de ensino. Fica evidente, além disso, a elevada e expressiva

3 De acordo com dados obtidos no Censo Escolar (MEC/INEP, 2006)

14

taxa de freqüência a escola dos alunos de 7 a 14 anos.

Tabelas 1 e 2. Taxa de freqüência bruta a estabelecimento de ensino, por grupos de idades, em todo Brasil. Fonte: IBGE, 2007.

Entretanto, índices favoráveis e significativos acerca do aumento do

acesso às salas de aula, nem sempre correspondem ao sucesso da escola. Sousa e

Barreto (2004) chamam atenção para a existência de entraves no fluxo de alunos

no Ensino Fundamental, incoerentemente, o segmento com maior taxa de

freqüência. Estas mesmas autoras destacam os dados (MEC/Inep) relativos ao

ano de 2004 para explicitar tais percalços, ora causados por retenções, ora por

evasões.

Tabela 3. Taxa de repetência e evasão por série no ensino fundamental regular – Brasil

Grupos de Idade

Ano 1996 0 – 6 7-14 15 – 17 18 – 24 25 ou mais

Freqüência (%) 30,9 93,7 74,4 31,1 3,0

Grupos de Idade

Ano 2006 0 – 6 7-14 15 – 17 18 – 24 25 ou mais

Freqüência (%) 45,7 98,0 84,1 33,0 5,9

15

2004. Fonte: MEC/Inep.

O

s números da tabela acima mostram que na 8ª série, por exemplo, 18,3% dos

alunos repetiram o ano de 2004 e 14,4% abandonaram a escola nesta mesma

ocasião. Na 1ª série, embora a taxa de evasão tenha sido pequena, apenas 1%, a

porcentagem de repetência é de 30,5%.

Assim, embora o país exalte as melhorias no acesso a educação, existem

ainda questões sérias a serem confrontadas, como as elevadas taxas de evasão e

repetência, o desafio da avaliação formadora e da construção da cidadania, a

qualidade da educação oferecida, os índices nem sempre satisfatórios de

conclusão, entre outras. Diante dessa realidade, urge a necessidade de estudar o

fracasso escolar e este mesmo torna-se tema de freqüentes investigações no

cenário da pesquisa em educação. Faço, aqui, uma sinopse das contribuições de

alguns pesquisadores a respeito do tema, entre eles: Ireland (2007); Angelucci,

Kalmus, Paparelli e Patto (2004); e MacBeath, Gray, Cullen, Frost, Steward e

Swaffield (2007).

2.2. O fracasso à luz da teoria

4 Segundo a nomenclatura do sistema seriado, em vigor no Ensino Fundamental no ano de 2004.

Séries do Ensino Fundamental4

Ano 2004 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª

Repetência (%)

30,5 21,2 15,8 15,6 25,4 20,7 17,8 18,3

Evasão (%)

1,0 3,6 4,4 7,4 8,6 9,8 10,0 14,4

16

Tendo em vista que a aprendizagem é um ato de risco, a possibilidade

de fracasso é inevitável em seu processo. Ela sempre existiu. No entanto, falar

do fracasso escolar não é falar apenas de uma questão pedagógica e, sim, de um

problema econômico e social. Segundo Ireland (2007), estas tantas facetas do

fracasso são facilmente percebidas quando da análise de três momentos

históricos distintos, que descrevo a seguir.

Inicialmente, por volta do século XVIII, quando grande parte da

população mundial não sabia ler ou escrever, não havendo completado a

instrução primária, pensar o fracasso escolar não fazia sentido algum. Estar fora

da escola era algo cotidiano e, ainda para os que estavam dentro dela, falhar não

era ser diferente da maioria dos demais. O fracasso escolar não acarretava ao

indivíduo ou à sociedade nenhum problema social; ao contrário, eram tidos

como “ameaçadores” aqueles que, inesperadamente, adquiriam um saber

incompatível com sua situação social.

Neste contexto, até a primeira metade do século XX, aproximadamente,

não se ponderava ainda a questão do fracasso escolar. A partir desta data,

entretanto, e até por volta dos anos de 1970, a população na Europa passou a

completar algo em torno de quatro a nove anos de escolaridade sem, porém,

chegar necessariamente ao ensino médio ou a educação superior. Passa a existir

aí uma questão complicada para aqueles que não chegam ao fim da

escolaridade: eles agora não sabem o que todos sabem. Desta maneira o fracasso

escolar ganha sentido, trazendo conseqüências reais, embora ainda não

demasiadamente graves, para o futuro de suas vitimas.

17

O terceiro momento histórico, novamente segundo Ireland (2007), é

aquele que se constitui um desafio educacional para o Brasil e que já é realidade

nos Estados Unidos, Europa, Japão e alguns países do Sudeste Asiático. Neste

contexto sócio-escolar, o padrão é que todos os jovens concluam o ensino médio

geral, técnico ou profissionalizante. Aqueles que não o fazem são considerados

em situação de fracasso escolar e herdam, por conseqüência, um fracasso sócio-

econômico que incide sobre todos os aspectos da sua vida. Sim, porque na vida

pós-moderna um alto nível de escolaridade não é primordial apenas para a

atividade profissional. A vida cotidiana e seu mundo de auto-atendimentos,

senhas, processos seqüenciais, bulas de remédios e tantas outras tecnologias,

exigem dos indivíduos uma lógica seqüencial, inteligência das situações e, mais

que isso, um sentido de responsabilidade. Assim, o sucesso ou fracasso na

escola, sintomas da atualidade, passam a influenciar diretamente a vida dos

alunos, definindo o papel social que ocuparão no futuro.

Retorna-se, então, à escola. Embora tenha se tornado uma questão

econômica e social, o fracasso escolar nunca deixou de ser uma questão

pedagógica e, por suas bárbaras conseqüências, desde que surgiu sempre houve

quem o tentasse explicar. Ao longo dos anos a literatura educacional distinguiu

razões variadas pelas quais alunos e alunas fracassam, repetem o ano e

abandonam a escola. Estudando o estado da arte da pesquisa sobre o fracasso

escolar, Angelucci, Kalmus, Paparelli e Patto (2004) apontam vertentes que

compreendem o fracasso de maneiras distintas, a saber: do ponto de vista

psíquico, técnico, institucional e político. Cada uma dessas concepções possui

18

uma explicação específica para o fracasso, culpabilizando, respectivamente, o

aluno e sua família, os professores, a estrutura excludente da educação e a

cultura escolar. A seguir, analiso a essência de cada um desses entendimentos

com o objetivo de, clarificando as diferentes perspectivas, identificar os

interesses por trás delas, tendo em vista que as mesmas definem o caráter das

políticas educativas e das ações pedagógicas implementadas nas escolas.

O fracasso escolar como dificuldade psíquica

Em algumas pesquisas educacionais o fracasso escolar é apresentado

como questão psíquica, como oriundo de dificuldades emocionais e, portanto,

como proveniente de certa incapacidade intelectual do aluno.

“Entende-se que a criança é portadora de uma organização psíquica

imatura, que resulta em ansiedade, dificuldade de atenção, dependência,

agressividade, etc., que causam, por sua vez, problemas psicomotores e

inibição intelectual que prejudicam a aprendizagem escolar.”

(ANGELUCCI, KALMUS, PAPARELLI e PATTO, 2004, p. 60)

Dessa concepção, decorre a relação por vezes estabelecida entre saúde

mental e desempenho escolar que fatalmente desconsidera a existência de

outros fatores relevantes para a determinação do sucesso ou insucesso

acadêmico.

O fracasso escolar como dificuldade técnica

Nessa outra vertente, o fracasso é analisado sob a ótica das carências

técnicas do corpo docente, sendo compreendido como conseqüência da

utilização de técnicas inadequadas de ensino ou da má utilização das técnicas

19

corretas.

“Na verdade, continua-se a compreender o fracasso escolar como

resultado de variáveis individuais, embora nessas teses a variável

independente investigada seja a capacidade profissional do professor.”

(ANGELUCCI, KALMUS, PAPARELLI e PATTO, 2004, p. 61)

Na esteira desse pensamento, conclui-se que quando inserido em um

ambiente escolar que faz uso correto das técnicas de ensino o aluno, qualquer

que seja ele, terá as condições necessárias para desenvolver plenamente suas

potencialidades.

O fracasso escolar como problemática institucional

Outras pesquisas educacionais entendem fracasso escolar como

decorrente do fato de ser a escola uma instituição reprodutora e transformadora

da estrutura social excludente.

“O insucesso de reformas e projetos nesta direção encontra explicação no

conservadorismo dos professores que, pela resistência à inovação,

prejudicam a sua implementação.” (ANGELUCCI, KALMUS,

PAPARELLI e PATTO, 2004, p. 62)

A alternativa ao fracasso seria a implementação de reformas e projetos

educacionais, sem esquecer o investimento maciço na formação docente de

maneira a garantir que os professores conheçam as propostas governamentais e,

assim, não danifiquem sua eficácia.

O fracasso escolar como problemática política

20

Existe ainda quem pense o fracasso escolar sob a ótica da violência

exercida pela escola ao estruturar-se em torno da cultura dominante, deixando

de lado a cultura popular.

“Fazem a crítica à tese de que as crianças das classes populares são

carentes de cultura ou possuem deficiências cognitivas e emocionais; à

relação pedagógica concebida como processo individual; às tentativas de

superação do fracasso escolar por meio de medidas técnico-pedagógicas

de inclusão nos sistemas escolar e social, todos eles centrados na idéia de

escola como entidade abstrata.” (ANGELUCCI, KALMUS, PAPARELLI e

PATTO, 2004, p. 63)

Essa vertente, então, busca resgatar as experiências e percepções dos

atores escolares, a partir da crítica às concepções tradicionais do fracasso.

Entre os tantos entendimentos acerca do fracasso, resta continuamente

a incerteza a respeito das melhores alternativas e soluções a ele, mas a confiança

de que algo deve ser feito. Nesta certeza, entram em cena as políticas públicas

de educação.

2.3. O fracasso escolar e as políticas educativas

Diante da realidade do fracasso escolar no Brasil, constantes reformas

têm sido implementadas: algumas reagrupam séries, outras modificam o

currículo, ou ainda transformam o processo de ensino e aprendizagem. Um

exemplo disto é o ensino em ciclos, cuja concepção no Brasil está intimamente

vinculada ao entendimento do papel social da escola já que, em suas origens, as

políticas de ciclo se relacionam com as inúmeras tentativas de reverter o quadro

do fracasso escolar. Entretanto, embora bem intencionadas, nem sempre as

21

políticas educativas atingem seus objetivos.

Em seu livro School on the edge: responding to challenging circumstances,

MacBeath, Gray, Cullen, Frost, Steward e Swaffield (2007) narram a estória de

oito escolas inglesas vivendo no limite entre o sucesso e o fracasso e de seus

esforços para entender o que é educacionalmente importante e factível. Em 2004,

a Inglaterra pôs em prática a política educativa Every Child Matters (todas as

crianças importam). A existência desse programa expressa a preocupação com a

discrepância entre os bem e os mau-sucedidos no sistema escolar. Infelizmente,

segundo estes mesmos autores, políticos e criadores de políticas educativas tem

endereçado às escolas a responsabilidade de diminuir esta discrepância, fato

que com freqüência desmoraliza a figura do professor e da instituição escolar.

MacBeath, Gray, Cullen, Frost, Steward e Swaffield (2007) destacam,

então, nove lições para os criadores de políticas educativas, as quais descrevo a

seguir.

1. A intervenção em escolas que vivem circunstâncias desafiadoras

é uma proposição a longo prazo. A julgar por critérios

convencionais, o investimento nestas escolas é arriscado e,

historicamente, os casos de fracasso são numerosos – mais

numerosos talvez do que os criadores de políticas educativas

tenham conhecimento ou se importem em admitir. Além disso,

os dividendos custam a surgir e quase todas as escolas nesta

situação necessitam de um investimento considerável.

2. Existem razões sistêmicas pelas quais determinadas escolas

22

estão no limite. E estas razões não são facilmente identificadas

por intervenções puramente educacionais. Elas exigem políticas

sociais e econômicas associadas.

3. Quanto maior o tempo de dificuldades de uma escola, maior

será o tempo gasto para que ela se re-estabeleça. De maneira

geral, se o tempo de fracassos for em média de 10 anos, é

provável que sejam necessários cinco anos para voltar aos

trilhos e talvez sete anos para que se adquira confiança na

possibilidade de sucessos futuros. Para políticos, cinco anos é

tido como um horizonte de longo prazo; por outro lado, os

alunos levam cinco anos para passar pelos estágios primários ou

secundários da vida escolar. É fundamental, portanto, que se

preocupe com o tempo de queda e re-estabelecimento.

4. Existem poucas generalizações fáceis a serem feitas sobre o

contexto e os desafios das escolas no limite – cada escola parece

enfrentar problemas diferentes e ocasionalmente únicos.

Agrupá-los todos e prescrever a eles os mesmo remédios

dificilmente ajudará.

5. A luta por um semblante de estabilidade deve ser aceita como

uma batalha sem fim. A postura de muitos participantes das

escolas em risco (sejam eles lideres, professores ou alunos) é a de

“residentes temporários” – em determinado tempo eles sairão

dali, talvez mais rápido do que se pensa. É necessário que se

23

planeje para isto. Além do mais, os recursos serão sempre mais

exigentes e mais caros do que em escolas onde a estabilidade é

garantida.

6. Poucas escolas são disponíveis e capazes para introduzir e

gerenciar inovações com sucesso. E esta capacidade é

massivamente subdesenvolvida em escolas no limite. Embora

intragável, a principal lição para os criadores de políticas

educativas é a de que a mudança leva tempo para ser planejada

e implementada, e o estágio em que a maioria dos projetos

acaba é precisamente no ponto em que a possibilidade de

investimentos potencias começa a ser questionada. O maior

legado da mentalidade “mostrar-resultados-rápidos-a-qualquer-

custo” para as escolas em risco tem sido uma série de

investimentos falidos, cada um somando a visão de que “pode

ser que funcione em outra escola, mas não aqui”.

7. Prescrever o “o que e como” do sucesso escolar para instituições

distintas de diferentes contextos sociais pode ser contra-

producente. Mudanças começam a se enraizar nas escolas

quando os funcionários coletivamente se apropriam de uma

“idéia poderosa”, que pode assumir formas variadas. Os

criadores de políticas educativas precisam se tornar mais

adeptos a oferecer um menu das idéias mais promissoras e

permitir que as escolas escolham pelo sistema “à la carte”,

24

enquanto pedidos “off-menu” devem ser permitidos e

examinados por seu méritos.

8. É essencial ter uma visão mais ampla de liderança. Um diretor

carismático ou heróico pode ser importante, em algumas

circunstâncias. Mas o risco é que o modelo de liderança seja

traçado e definido de maneira muito limitada e estreita, o que a

longo prazo pode ser contra-producente. Neste caso, é

significante a construção de um grupo para o desenvolvimento

da escola para que se distribua a liderança. Cria-se espaço,

assim, para a liderança de professores e de equipes.

9. Grupos para o desenvolvimento da escola tem formas variadas

mas tendem a ser compostos por professores interessados no

desenvolvimento profissional continuado, e em questões de

ensino e aprendizagem. Para que tenham um impacto maior,

estes grupos devem incluir pessoas da comunidade.

Independente de sua constituição, entretanto, o maior desafio é

levar a sério a visão dos jovens o ensino, a aprendizagem e suas

conexões com suas vidas, dentro e fora da escola.

Embora não seja tarefa simples, a implementação de políticas

educativas é necessária e requer tentativas e erros, anteriores a acertos. A

despeito do caráter e teor da política educativa, qualquer ação e intervenção

feita em nome da justiça social deveria ser encaminhada com sensatez,

combinada com ma firme consciência das lições da história e do passado e,

25

principalmente, estando receptiva a pesquisa e a tendo como base.

3. Violência

Embora atualmente mais jovens e crianças freqüentem as salas de aula

que no passado, a massificação do acesso à escola em nada garante o verdadeiro

aumento de sua qualidade e eficácia. Se despreparada, a escola tende a reforçar

as desigualdades que acolhe e acaba por trilhar um caminho entremeado de

taxas de repetência e abandono que, por fim, resulta em fracasso. Jovens que

percorrem esse caminho, escasso em oportunidades culturais e de acesso ao

mercado de trabalho, se tornam alvos potenciais da violência que acontece

dentro e fora da escola.

Pensar a violência, porém, é tarefa mais complexa do que possa parecer

e poucos temas têm, ultimamente, recebido tanta atenção. O medo e a

insegurança advindos dos variados tipos de violência são destacados como

signos característicos da contemporaneidade (BOURDIEU, 1997). Fenômeno de

destaque no mundo contemporâneo, a violência não se dá apenas em atos e

práticas materiais e, sendo assim, para analisar o contexto em que se insere é

primordial considerar suas ressignificações em tempos, espaços, relações,

entendimentos e pontos de vista.

Inicialmente deve-se considerar que a violência é um fenômeno de

múltiplas dimensões. Pode-se pensar, por exemplo, na violência que envolve

danos físicos de um indivíduo contra si próprio ou contra os outros. Outras

26

expressões são a violência simbólica, presente nas relações de poder que

utilizam de restrições de direitos fundamentais, e ainda as chamadas

microviolências, referentes às incivilidades.

Em toda a sua complexidade, a violência que hoje atinge a sociedade

repercute também, de inúmeras maneiras, no ambiente escolar. Segundo Sposito

(1981), a violência é uma das questões que mais afeta os processos educativos e

a escola na sociedade atual. A seguir, apresento algumas das diferentes formas

de manifestação da violência na escola, tais como as relações de poder, a

violência intra-escolar e a violência urbana que invade a escola.

3.1. As relações de poder e a violência intra-escolar

As relações estabelecidas entre indivíduos se dão numa perspectiva de

interação social, onde a situação face a face caracteriza-se como experiência

fundamental.

“Meu ‘aqui e agora’ e o dele colidem continuamente um com o outro

enquanto dura a situação face a face. Como resultado, há um intercâmbio

contínuo entre a minha expressividade e a dele”. (BERGER E

LUCKMANN, 2003, p. 47)

Neste sentido, entre tantas formas de relação, é através da interação

face a face que os sujeitos criam um espaço de troca de subjetividades. E é este o

espaço predominante quando pensamos as relações entre os atores escolares.

De maneira geral, estas interações são marcadamente flexíveis, sem

padrões rígidos. No entanto, quando falamos das instituições de ensino e, mais

precisamente, das relações de poder aí existentes não nos parece tarefa tão difícil

27

identificar certos padrões.

Segundo WEBER define-se poder:

“(...) a possibilidade de que um homem, ou um grupo de homens, realize

sua vontade própria numa ação comunitária, até mesmo contra a

resistência de outros que participam da ação”. (WEBER, 1982, p. 211)

É importante ressaltar que existem circunstâncias diversas que

conferem a uma pessoa a posição de impor sua vontade. Além disso, conforme

nos lembra Arendt (1994), embora distintos, o poder e a violência apresentam-

se, freqüentemente, juntos, sendo aquele o fator fundamental e predominante. A

violência só predomina, então, nas situações onde o poder se mostra

enfraquecido e vulnerável.

Bourdieu (2000) reflete sobre o poder dentro do que conceituou como

campo. O campo de poder é um campo de forças, onde detentores de poderes

distintos travam lutas para conservar ou modificar as relações de forças que

mantém entre si. Segundo ele, o poder exercido no espaço escolar é o poder

simbólico:

“(...) poder invisível que só pode se exercer com a cumplicidade daqueles

que não querem saber que a ele se submetem ou mesmo que o exercem”.

(BOURDIEU, 2000, p. 31)

Na escola, o poder simbólico permite que, através da mobilização,

sejam atingidos os mesmos resultados que seriam obtidos através da violência.

Entretanto, embora este poder esteja já instituído, a violência mostra-se,

rotineiramente, capaz de ultrapassar os limites da mobilização. O exercício

28

contínuo da mobilização se dá nas relações de poder entre professor5 e aluno.

Dando prosseguimento aos estudos de Bourdieu, chego ao conceito de

violência simbólica, criado para explicar o processo através do qual uma

determinada classe impõe sua cultura a outra de dominados:

“Violência simbólica é uma violência que se exerce com a cumplicidade

tácita dos que a sofrem e também, com freqüência, dos que a exercem, na

medida em que uns e outros são inconscientes de exercê-la ou de sofrê-

la”. (BOURDIEU, 1997, p. 22)

A manutenção do sistema simbólico de uma cultura, ambos arbitrários

e não baseados numa realidade natural, é indispensável à perpetuação de uma

sociedade, e realiza-se pela interiorização dessa cultura por seus membros.

Nesta perspectiva, a violência simbólica consiste na imposição "legítima" da

cultura dominante, no caso, a cultura escolar baseada na disciplina dos corpos.

É inegável que a violência simbólica deixa marcas nos dominados.

Estando atrelada ao poder do dominador, esta violência pode deixar marcas

“positivas”6 quando o dominado de fato se adequa à cultura imposta e é,

conseqüentemente, envolvido por ela em todos os seus aspectos. Por outro lado,

deixa marcas “negativas” quando o dominado resiste ao enquadramento. Nas

situações escolares, havendo resistência a esta dominação, estes indivíduos são

excluídos, expulsos do sistema. E esses movimentos marcam, por vezes, o

percurso futuro desses sujeitos. Paulo Freire (1996) nos chama a atenção ao

5Ao falar do profissional ‘professor’, por vezes, refiro-me também aos outros tantos agentes empregados na instituição de ensino (diretores, coordenadores, merendeiras...). 6 O caráter “positivo” das marcas de dominação é assim julgado pelo próprio sistema, pela cultura dominante. Não se entende aí que seja, de fato, positivo para os sujeitos dominados.

29

papel do professor na consolidação dessas marcas:

“O professor autoritário, o professor licencioso, o professor competente,

sério, o professor incompetente, irresponsável, o professor amoroso da

vida e das gentes, o professor mal-amado, sempre com raiva do mundo e

das pessoas, frio, burocrático, racionalista, nenhum deles passa pelos

alunos sem deixar sua marca". (FREIRE, 1996, p. 73)

Na interação entre os atores escolares, marcas de violência simbólica

trazem repercussões ao próprio sujeito, que dificilmente conseguirá se

desvincular delas. Entretanto, estas repercussões afetam também o sistema em

si, na medida em que a produção dessas marcas cria mecanismos de seleção

entre aqueles que devem e não devem permanecer neste espaço.

Embora o professor seja frequentemente entendido como figura

dominante, entendo que a mesma violência que atua sobre o aluno, atua sobre o

professor. Pensando a hierarquia escolar, o professor é, sim, imediatamente

dominante em relação a seus alunos. Mas, na verdade, ampliando o espectro de

visão, fica claro que ele é apenas uma das instâncias dessa dominação. Acima de

si, o professor tem todo um sistema que corrobora com a reprodução das forças

de dominação; sistema este que tem no professor um instrumento de realização

desta dominação. Para além do sistema, a expectativa de que o professor

invoque sua autoridade é também manifestada pela sociedade, produtora do

sistema escolar. O professor é, assim, impelido a castigar, a agir coercitivamente,

por isso, pune e exclui os que não se enquadram.

Tais punições acarretam efeitos que podem gerar no aluno, entre tantos

sintomas, medo, ansiedade, raiva e reações violentas. Segundo Zaluar (1999), a

30

violência pode ser entendida como:

“... ultrapassagem de um limite que perturba acordos tácitos e regras que

ordenam relações, adquirindo carga negativa ou maléfica. É portanto, a

percepção do limite e da perturbação (e do sofrimento que provoca) que

vai caracterizar um ato como violento, percepção esta, que varia cultural

e historicamente.” (ZALUAR, 1999, p. 8)

Somada às reações violentas, surge também o cumprimento de uma

predição de comportamento; ou seja, a predição de um indivíduo sobre o

comportamento do outro acaba, de alguma maneira, se concretizando,

influenciando e direcionando este comportamento (ROSENTHAL &

JACOBSON apud RIBEIRO & BREGUNCI, 1986, p. 62). Assim sendo, as atitudes

violentas dos alunos podem ser tanto sintomas reativos ao sistema de punição,

quanto uma concretização das expectativas dos outros em relação a eles.

"A expectativa, como representação social re-elaborada pelo professor,

gera distorções que sustentam expectativas de fracasso e atribuem a

responsabilidade destes aos alunos" (RIBEIRO & BREGUNCI, 1986, p.

70).

Nas complexidades da relação de poder, percebe-se que os sujeitos

dominados manifestam, de igual maneira, expectativas a respeito do

comportamento de seus dominadores. No caso particular da escola, o caráter

assistencialista da mesma leva o aluno a esperar que sua professora assuma o

papel de quem educa e pune numa perspectiva de cuidado, comportando-se de

maneira ‘amistosa’ e como um membro da família, a quem ele atribui, inclusive,

o valor cultural de “tia”.

31

A expectativa dos alunos não se restringe aos professores, constituindo-

se também no âmbito da escola como instituição provedora de algo que não lhe

é dado fora dela. Por vezes, a distância entre o que os alunos esperam da escola

e o que lhes é de fato oferecido por ela, é tão grande que se torna difícil

reconhecê-la como real. O modelo de escola que eles vivenciam parece ser tão

inadequado que se distancia do idealizado (‘vendido’ por outras instâncias de

dominação) a ponto de deixar de ser real.

Vivenciando um modelo distante do idealizado não há contra o que

lutar. Internaliza-se, aí, a posição de dominado, consolidando-se o poder do

outro. Segundo Arendt (1994):

“O poder e a violência se opõe: onde um domina de forma absoluta, o

outro está ausente. A violência aparece onde o poder esteja em perigo...”

(ARENDT, 1994, p. 35).

Assim, numa relação onde o poder domina soberanamente, a violência

está ausente. Para que isso seja possível é necessário que, como afirmam

Bourdieu e Passeron (1982), o sujeito em situação de subordinação ao

dominador não se oponha a ele, considerando sua situação inevitável, sem se

perceber vítima deste processo de opressão. Assim, mesmo quando discordam

da ação de seus dominadores, esses sujeitos não se permitem sair da posição

que ocupam e legitimam, em seus discursos, o caráter natural de sua

subordinação.

Não caracterizada como primeira instância de dominação, a escola é

socialmente influenciada pelas demais instâncias das quais participam seus

32

atores. Ao mesmo tempo, ela se fortalece na medida em que as relações de

poder dela derivadas ultrapassam seus portões e atingem essas outras

instâncias.

3.2 - Violência urbana: não nasce na escola, mas invade seus portões

Em seus estudos, Sposito (1981) afirma que diversas investigações

brasileiras tentam construir um quadro de relação entre as condições históricas e

socias de determinados grupos e o surgimento de condutas violentas na escola.

Como conclusão destas investigações é recorrente a identificação do binômio

pobreza e violência que afirma ser a violência social uma conseqüência direta das

situações de miséria. A autora critica esta correlação, chamando atenção para o

fato de que muitas escolas da periferia, totalmente inseridas em contextos de

pobreza, não apresentam as mesmas questões de violência de escolas que

atendem setores da classe média urbana. E, mais que isso, destaca a afirmação

de alguns estudiosos de que a violência não se concentra nas regiões mais

miseráveis mas, ao contrário, se desenvolve nos locais onde a desigualdade

social e a distribuição desigual de renda são exacerbadas. Assim, a convivência

entre mundos distintos de extrema abundância e miséria propiciaria o

surgimento de relações de violência.

Evidentemente, escolas instaladas em zonas de narcotráfico são de

alguma maneira influenciadas pelo mesmo. Ainda segundo Sposito (1981),

diante da ausência do Estados nas políticas sociais, alguns moradores do morro

passam a desconfiar dos aparelhos públicos de segurança e, consequentemente,

a identificar-se com a presença ativa do narcotráfico. Este sentimento é ainda

33

mais forte nas crianças que, sem necessariamente manter relações com os

traficantes, se afirmam parte de determinados grupos.

Arendt (1972) afirma que, embora a criança seja introduzida ao mundo

através da escola, esta não é o mundo e nem deve fingir sê-lo. Ao contrario,

segundo a autora, constituindo-se instituição de interposição entre o lar e o

mundo, a escola deve ter por objetivo tornar possível esta transição: do domínio

privado da família para o mundo. Ora, sendo o mundo destas crianças

permeado por experiências reais de violência, ficam as questões propostas por

Sposito(1981):

“Deveria a escola reconhecer essa exposição à violência, como um

elemento a ser considerado em seus projetos educativos? Seria possível

conceber uma proposta de educação para a democracia que não

procurasse reconhecer a existência desse universo a imprimir marcas nos

processos de socialização dos alunos?” (SPOSITO, 1981, p.8)

4. Considerações Metodológicas

4.1. Locus de Estudo

Esta pesquisa foi desenvolvida em uma escola municipal do Rio de

Janeiro, o CIEP C7 (Centro Integrado de Ensino Público), mais especificamente

7 Manteremos o nome da escola pesquisada em sigilo e adotaremos um nome fictício para proteger a identidade dos participantes.

34

em suas duas Classes de Progressão. O CIEP C localizava-se num bairro

privilegiado da zona sul do Rio de Janeiro, dispondo de boas condições de

acesso, e atendia alunos residentes de favelas próximas que utilizavam o

transporte público coletivo como principal meio de traslado residência-escola.

Em tempo integral, de segunda-feira a sexta-feira durante o período das

sete da manhã às quatro e meia da tarde, o CIEP C atendia alunos das classes de

Educação Infantil à quarta série do Ensino Fundamental. Havia funcionamento

também no turno da noite, quando eram atendidos alunos do PEJA (Educação

de Jovens e Adultos) nas séries dos ensinos fundamental e médio. Ambos os

períodos eram coordenados pela mesma diretoria, da qual faziam parte uma

diretora geral, uma vice-diretora e uma diretora adjunta. Ao todo, eram

atendidos cerca de 1000 alunos.

O corpo docente do CIEP C contava com cerca de 40 professores, entre

estes aqueles com dupla matrícula na própria escola e aqueles que lá

trabalhavam por apenas meio período. De maneira geral, a formação acadêmica

dos professores consistia em nível superior normal ou licenciatura. Havia

alguns com especializações latu-sensu completas e outros que vislumbravam a

continuidade de seus estudos.

No ano em que a pesquisa foi realizada, 2006, o CIEP C utilizou

simultaneamente o sistema de ciclos e o sistema seriado. O 1º ciclo englobava as

antigas classes de alfabetização, 1ª e 2ª séries e, a partir daí, era retomado o

sistema seriado com as duas séries finais, 3ª e 4ª. O objetivo, na época, era que os

alunos entrassem no primeiro ciclo aos seis anos e saíssem dele aos oito. No

35

entanto, como muitos chegavam ao final do ciclo sem dominarem a leitura e a

escrita, conteúdos mínimos previstos para este período, eram encaminhados às

classes de progressão e lá permaneciam até dominarem tais conteúdos e estarem

aptos para cursar a 3ª série.

Esta foi a prática vigente no CIEP C em 2006, mas sabemos que, ao final

deste mesmo ano, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro

determinou que todos os alunos das classes de progressão fossem aprovados

para a 3ª série, independente de seus resultados em relação a leitura e a escrita.

Nas classes de Progressão do CIEP C, a rotina de atividades diurnas

seguia um padrão: os alunos chegavam à escola às 7:30, quando se dirigiam ao

refeitório para tomar café da manhã, e eram encaminhados para suas salas às

8:00. Até o horário de almoço, segundo as professoras entrevistadas, aos alunos

da Progressão eram dirigidas atividades de cunho acadêmico. Ao meio-dia, os

alunos almoçavam e permaneciam em recreio até às 13:30. Neste horário,

retornavam às suas salas, escovavam os dentes e faziam atividades extra-classes

(artesanato, educação física e vídeo, por exemplo). Por fim, às 15:30, os alunos

lanchavam e tinham seu último recreio até as 16:30, quando eram dispensados.

O espaço físico da escola era bastante amplo e criava oportunidades de

atividades pedagógicas dentro e fora da sala de aula. Entretanto, a má

conservação do ambiente físico criava empecilhos para a realização de tais

atividades, além de expor alunos e professoras a perigos e constrangimentos

diários, principalmente no que tangia à utilização de sanitários.

Seguindo o padrão arquitetônico dos prédios educacionais construídos

36

por Oscar Niemayer, o CIEP C consistia, em sua estrutura, em um prédio

principal, uma quadra polivalente e uma biblioteca.

O prédio principal se dividia em três pavimentos (térreo e dois andares

acima) interligados por meio de rampas internas gradeadas e fechadas por um

portão de ferro. No térreo estavam o refeitório, a cozinha, um pátio coberto e

um centro médico (na época, fora de funcionamento). Os outros dois andares

comportavam as salas de aula, as salas de administração e o auditório.

Também no térreo estavam localizadas a biblioteca e a quadra

polivalente. A biblioteca encontrava-se inativa e o acesso a ela havia sido, por

este motivo, bloqueado aos alunos. Já a quadra polivalente encontrava-se em

funcionamento e dispunha de vestiários e arquibancada. Havia ainda um

parquinho externo com alguns brinquedos para os alunos da Educação Infantil.

Ao pensar o locus de estudo, parece-nos necessário lembrar que como

pesquisadores não estamos imunes à influência das regras que regem o campo e

definem seu funcionamento. Recebem destaque, aqui, duas regras vitais para o

bom desenvolvimento do trabalho no locus de pesquisa:

- Confidencialidade: é a principal regra da ética do pesquisador em

campo. É responsável pelo resguardo das informações, transmitidas

pessoalmente em confiança, e pela proteção contra a sua exposição não

autorizada. Respeitando esta regra, tomamos o cuidado de não expor os

participantes desta pesquisa e, por isso, utilizamos aqui nomes fictícios e

resguardamos suas imagens.

37

- Privacidade: garante a liberdade que o participante tem de não ser

observado sem autorização. Seu não cumprimento pode culminar no

rompimento de relações com o campo. Antes de entrarmos no campo, nos

reunimos com a direção do CIEP C e conversamos a respeito de que momentos

poderiam ser observados e filmados. Houve também um acordo acerca da

utilização dessas imagens que, distorcidas na edição, não revelariam a

identidade dos participantes.

4.2. Participantes da Pesquisa

Participaram da pesquisa as duas professoras e os sessenta e um alunos

das Classes de Progressão, além da diretora e da vice-diretora do CIEP C, no

ano de 2006. Destes sessenta e um alunos, quinze foram entrevistados

individualmente, de maneira que se produzissem registros em áudio e vídeo de

seus depoimentos. No capítulo II desta dissertação, que narra a pesquisa em

mais detalhes, apresento cada um desses participantes.

4.3. Procedimentos Metodológicos

4.3.1. A abordagem etnográfica

Esta pesquisa consiste num estudo de cunho etnográfico em educação

e, por isso, analisaremos aqui algumas características da abordagem etnográfica

de pesquisa.

Fazendo uma breve retrospectiva, vemos que a abordagem qualitativa

de pesquisa teve início no final do século XIX quando, a partir do entendimento

de que os fenômenos humanos não poderiam ser analisados da mesma maneira

38

que as ciências físicas, busca-se uma nova forma de investigação para as ciências

sociais. A estas, por serem mais complexas e dinâmicas, não se podiam aplicar

leis gerais.

Em oposição à abordagem quantitativa, na qualitativa não mais se

divide a realidade em partes a serem mensuradas, mas se busca uma visão

geral, holística dos fenômenos. Há interesse em entender o significado que os

sujeitos atribuem às suas ações, sem perder de vista o contexto em que estão

inseridos.

Neste movimento, surge o interacionismo simbólico que tem como objeto

de estudo a interpretação que os sujeitos fazem da realidade. Tal interpretação é

entendida como mediadora da experiência humana e é construída na interação

social com outros sujeitos.

De acordo com Spradley (1979), a etnografia surge com a principal

preocupação de entender o significado das ações e dos eventos para as pessoas e

grupos estudados. Ele afirma que as pessoas criam e utilizam sistemas

complexos de significados para entender a si próprias e aos outros e para dar

sentido ao mundo em que vivem, além de organizar seus comportamentos nele.

Spradley afirma ser cultura esses sistemas de significado. A etnografia seria,

então, a tentativa da descrição da cultura de um determinado grupo.

A etimologia da palavra etnografia (descrição cultural) faz referência a

duas de suas características: as técnicas usadas na coleta de dados sobre valores,

práticas e comportamentos de um grupo social e o relato escrito resultante da

utilização destas técnicas. Isto nos remete ao conceito de descrição densa

39

(GEERTZ, 1989), onde a cultura seria um contexto dentro do qual os

significados poderiam ser densamente descritos. Diante de diversas formas de

compreensão do senso comum, de diferentes significados atribuídos pelos

participantes as suas experiências, o etnógrafo teria a tarefa de mostrá-los por

descrições ao leitor.

A descrição densa, portanto, destaca-se como preocupação maior da

etnografia. É necessário descrever, da maneira mais completa possível, as ações

de um grupo particular e os significados que os integrantes deste grupo

atribuem a essas ações. Assim, a etnografia toma por objeto o conjunto de

significantes segundo os quais se produzem, percebem e interpretam eventos,

fatos, fazeres e contextos.

Em comparação com outras pesquisas qualitativas, podemos afirmar

que a pesquisa etnográfica se diferencia em não buscar a natureza causal do

fenômeno. Em educação, entretanto, se fazem estudos de tipo etnográfico já que o

interesse primordial da educação não é a descrição social, mas o processo

educativo. Dentro de sala de aula ou nas interações inter-pessoais do ambiente

escolar, conseqüentemente, esta abordagem procura desvelar a caixa preta que

envolve a cultura escolar como um todo.

4.3.2. Instrumentos de Coleta8

A etnografia tem interesse maior na proposta de pesquisa do que no

procedimento de coleta de dados e que, por isso, dá maior ênfase aos problemas

8 São expostos, a partir desse sub-item, os instrumentos de coleta de dados e algumas questões referentes a análise de dados, mas não há uma descrição detalhada dos processos de coleta e análise de dados, tendo em vista que esses serão apresentados no capítulo seguinte, dedicado à descrição da pesquisa.

40

de conteúdo e ao tema pesquisado que aos procedimentos para isso utilizados.

Entretanto, parece-me fundamental investir algum tempo na reflexão acerca dos

instrumentos de coleta de dados utilizados, já que estes são marcos

característicos da abordagem etnográfica de pesquisa.

Entre os instrumentos de coleta de dados empregados no campo,

destacam-se: a observação participante, a entrevista não-estruturada, a análise

de arquivos e o registro em videoteipe.

O objetivo central da observação participante é evidenciar a dialética

entre os participantes de pesquisa, o contexto e os questionamentos da mesma.

Os horários de observação no campo devem ser previamente acordados entre o

pesquisador e os participantes da pesquisa.

Já as entrevistas não-estruturadas auxiliaram no entendimento da visão

dos alunos acerca do fracasso escolar. Além disso, analisei arquivos do CIEP C

com o intuito de obter dados oficiais acerca do rendimento dos alunos

participantes da pesquisa.

O registro interativo em áudio e vídeo foi utilizado na busca por

maneiras de captar as imagens, narrativas e percepções que, mais tarde,

compuseram um banco de imagens recorrentes de dados.

Ademais, foram coletados dados de referências que compuseram o

corpo teórico dessa dissertação. Para tanto, tive acesso à bibliotecas

universitárias, ao acervo disponível da Internet e à arquivos pessoais.

4.3.3. Análise de dados

41

De maneira geral, compreende-se que a análise de dados coletados

deve constituir-se em procedimentos e métodos, neste caso definidos pelos

instrumentos etnográficos em questão, que se voltem a descrever, comparar,

analisar e interpretar os eventos, sem perder de vista as percepções dos próprios

participantes.

Neste sentido, destaco o eixo de análise bottom-up (MATTOS, 2001), cuja

principal característica é a prática dialética de conversação, através do qual o

pesquisador se torna mediador das questões propostas.

A escolha por este eixo de análise se deve ao reconhecimento do fato de

a abordagem etnográfica de pesquisa preocupar-se, desde seus primórdios, em

dar voz aqueles que pouco ou nunca são ouvidos (MATTOS, 2001). O eixo

bottom-up possibilita o diálogo entre as instâncias, os atores da pesquisa,

permitindo e facilitando o entendimento das interações entre eles.

A micro-análise etnográfica também foi utilizada diante da necessidade

de um detalhamento mais minucioso na descrição de uma cena ou ação em

Realidade educacional Predição e confirmação

de preconceitos Professores, família, comunidade escolar

e sociedade

Administradores escolares, direção, professores, governantes, teóricos e políticos

Jovens (alunos e alunas vítimas do

fracasso escolar)

Percepções populares (da sociedade e de alunos)

acerca do fracasso

42

particular. Constituem-se objetos da micro-análise: olhares, pausas, tom de voz,

detalhes da interação revestidos de significados (MATTOS, 2002).

No capítulo a seguir, apresento em maiores detalhes a pesquisa

realizada, destacando a maneira como foi encaminhada e analisando os

resultados obtidos.

Capítulo II

SOBRE A PESQUISA

43

O presente capítulo tem como objetivo descrever a pesquisa

desenvolvida, apresentando e analisando o processo da coleta de dados no

campo e a posterior análise desses dados. Também nesse capítulo serão

evidenciadas as falas dos alunos, sendo destacadas as relações entre elas.

1. Objetivo da pesquisa

Antes de iniciar as considerações acerca do processo da pesquisa,

lembro que, conforme apontado na introdução, o objetivo da mesma foi

identificar e analisar o que dizem alunos da Classe de Progressão sobre o

fracasso escolar. Com este objetivo em mente, estive no campo colhendo os

dados e os analisei, posteriormente.

Entendo que este objetivo é relevante para a área da pesquisa em

educação e se justifica na medida que, ouvindo o que os alunos têm a dizer

sobre o fracasso escolar, nos aproximamos da compreensão dos fatores que o

produzem e chegamos, portanto, mais perto de encontrar vias alternativas e

soluções para o mesmo.

2. No campo de pesquisa

No período de agosto a dezembro de 2006, estive presente no CIEP C

coletando dados para a pesquisa aqui apresentada. Semanalmente, visitei as

44

duas classes de progressão dessa escola e, acompanhada de outra aluna-

pesquisadora, realizei as filmagens, anotações e observações de campo. Além

das situações de sala de aula, observei também dois conselhos de classe, sendo

apenas o primeiro autorizado à filmagem. Esses dados, colhidos nas

observações de sala e dos conselhos, foram registrados em cadernos de campo e

videoteipe. Assim, no tangente à instrumentalização material, foram utilizados:

material para registro escrito das observações (cadernos, blocos e canetas),

gravadores digitais para registro de áudio, câmeras, fitas e mini-cds para

registro em videoteipe. Todas as observações e entrevistas foram gravadas e

posteriormente transcritas para análise.

Quando da observação de sala de aula, por vezes foram utilizadas duas

ou apenas uma câmera. No caso da utilização de uma câmera, esta era

posicionada de forma a filmar a maior parte do ambiente. Regularmente, a

câmera era reposicionada para captar outras informações ou para focalizar

algum microevento considerado relevante para a desvelação de aspectos

relativos à interação entre professora, alunos e tarefa. Quando da utilização de

duas câmeras, uma era fixa de maneira a filmar a maior parte da sala e, a outra

era móvel e utilizada por um pesquisador apenas para captação de

microeventos. Ao todo, foram produzidas aproximadamente 70 horas de

filmagem de sala de aula e entrevistas, mais tarde analisadas e editadas em

filmes menores.

No mês de novembro, já familiarizada com a rotina das classes de

progressão do CIEP C, iniciei o trabalho de entrevistas com os alunos. Optei por

45

entrevistar alunos de uma mesma classe, a da Professora Maria, tendo em vista

que o tempo era um fator limitador e que, desta forma, obteria um panorama de

opiniões de alunos expostos ao mesmo contexto de aula.

As entrevistas foram realizadas em uma sala vazia, ao lado da classe de

progressão da Professora Maria. Devido à estrutura física do CIEP C, com

paredes que não chegam até o teto, por muitas vezes a entrevista foi

interrompida pelos ruídos provenientes da sala ao lado. Nestas ocasiões contei,

novamente, com o auxílio de outra aluna-pesquisadora que se encarregou,

durante as entrevistas, do manuseio da câmera. Apenas uma câmera foi

utilizada e esta captava imagens do aluno entrevistado, somente. Ao todo,

foram filmadas entre 8 e 9 horas de entrevistas, cada uma com duração

aproximada de 30 a 40 minutos.

Ao final de cada entrevistei, solicitei que os alunos fizessem dois

desenhos, um de uma pessoa aprendendo e outro de sua turma na escola. A

intenção desse pedido foi de identificar a visão dos alunos sobre o processo de

aprendizagem, e o que é relevante no mesmo, e a imagem que têm do ambiente

escolar em que estão inseridos.

Os alunos entrevistados foram escolhidos segundo sugestões da

Professora Maria, sendo 11 meninos e 4 meninas, num total de 15 alunos. No

quadro a seguir, apresento esses alunos, destacando dados referentes ao

histórico e rendimento escolar de cada um.

Tabela 4. Perfil dos alunos entrevistados. Fonte: Dados coletados nos arquivos

e documentos do CIEP C, 2006.

46

Nome9

Idade

Histórico

Conceito ao final

de 200610

Hugo

12 anos Não repetente Insuficiente

Michele

12 anos Repetente Insuficiente

Karina

9 anos Não repetente Insuficiente

Janaína

17 anos Repetente

(cursando a progressão pela quarta vez)

Regular

Guilherme

10 anos Repetente Regular

9 Lembro que para a preservação da identidade dos participantes, foram adotados nomes fictícios e, nas imagens, o rosto dos jovens foram alterados. 10 Ao final de 2006, independente dos conceitos obtidos e dos resultados em relação a leitura e escrita, por determinação da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro todos os alunos da Classe de Progressão foram aprovados.

47

Nome9

Idade

Histórico

Conceito ao final

de 200610

Gustavo

10 anos Repetente Regular

Rodrigo

10 anos Repetente Regular

Jaime

9 anos Repetente Regular

Timóteo

13 anos Repetente Bom

Plínio 12 anos Repetente Bom

48

Nome9

Idade

Histórico

Conceito ao final

de 200610

(irmão de Renata*)

Edson

10 anos Repetente Bom

Renata*

10 anos Repetente Bom

Luís

9 anos Não repetente Muito bom

Fabiano

9 anos Repetente Muito bom

Carlos 10 anos Não repetente Ótimo

49

Nome9

Idade

Histórico

Conceito ao final

de 200610

Analisando o quadro acima, conclui-se que, repetentes ou não, a

maioria dos alunos da classe de progressão está em situação de defasagem

escolar. Apontada por especialistas como um dos principais problemas do

sistema de ensino brasileiro (IBGE, 2007), a defasagem escolar indica a

correspondência entre a idade do aluno e a série cursada. De acordo com a

adequação série-idade recomendada pelo MEC para o ensino fundamental,

considerou-se defasada a criança com 9 anos ou mais de idade ainda

freqüentando a 1ª série; com 10 anos ou mais freqüentando a 2ª série; com 11

anos ou mais na 3ª série; com 12 anos ou mais na 4ª série; com 13 anos ou mais

na 5ª série; com 14 anos ou mais freqüentando a 6ª série; com 15 anos ou mais

freqüentando a 7ª série; e com 16 anos ou mais na 8ª série (IBGE, 2007 p. 42).

Tendo em vista esses parâmetros e levando em conta que a Classe de Progressão

equivaleria a 2ª série, dos 15 alunos entrevistados apenas 5 não estão em

defasagem idade-série, a saber: Karina, Jaime, Luís e Fabiano, todos com 9 anos

de idade.

As entrevistas foram conduzidas de forma informal, sem perguntas

previamente planejadas, de maneira a permitir que os alunos falassem daquilo

50

que consideravam relevante. Iniciei cada entrevista perguntando a série em que

os alunos estavam e, partindo desse questionamento, conversamos acerca dos

variados assuntos que iam surgindo: progressão, repetência, dinâmica de sala

de aula, brigas, comportamento individual, cotidiano fora da escola e violência.

A relevância de tais temas se comprova no fato de muitos deles terem sido

trazidos por vários alunos. A seguir, apresento o conteúdo da fala desses alunos

a respeito de alguns desses temas.

3. Analisando os dados

Conforme já explicitado no capítulo anterior, essa pesquisa utilizou o

eixo de análise bottom-up para tratar os dados colhidos. Assim, as questões da

pesquisa foram trazidas pelo participantes hierarquicamente inferiores, a saber:

alunos para professores, professores para direção, etc. Neste movimento,

descaracterizou-se a ordem usualmente adotada em pesquisas (top-down), e

criou-se a oportunidade de uma comunicação dialógica entre os dados

produzidos pelos participantes.

Além disso, utilizei as falas dos alunos sobre si mesmos, sobre os

outros, as imagens capturadas do videoteipe e, eventualmente11, as falas das

professoras para triangular os dados e confirmar, desta forma, sua

compreensão.

11 Digo eventualmente porque as professoras não são, nesta pesquisa, as participantes principais.

51

3.1. O que dizem os alunos?

Durante as entrevistas com os 15 alunos da classe de progressão do

CIEP C muitos foram os assuntos tratados. Entre eles, destaco os de maior

freqüência: repetência, progressão, o dia-a-dia na sala e na escola, bagunça,

brigas, comportamento, violência externa, sentido social da escola, cotidiano

fora da escola e aprendizagem12.

Faço, a seguir, um relato alguns dos temas acima mencionados,

destacando o entendimento de cada aluno a respeito dos mesmos e as possíveis

aproximações e afastamentos das compreensões de cada um.

Conversando sobre repetência

Um assunto dos mais discutidos, senão o mais discutido, durante as

entrevistas foi a repetência. Assim que eu iniciava a conversa perguntando a

série do aluno, este frequentemente dava sua resposta atrelada à questão do

repetir o ano. Parece simples entender essa conexão tendo em vista que os jovens

entrevistados estavam na classe de progressão, destino dos alunos que ao final

do ciclo de alfabetização não atingissem os objetivos propostos.

12 O Anexo 1 traz as falas dos entrevistados a respeito de cada um desses assuntos.

52

A grande preocupação dos alunos, ao falar em repetência, parecia ser

justificá-la, encontrar-lhe um bode expiatório. Nesta tentativa, destaco três

tendências principais, ilustradas no gráfico abaixo.

Gráfico 1. Explicações para a repetência

Conforme mostra o gráfico, 74% dos entrevistados responsabilizam o

próprio aluno pela retenção na série de estudo, 13% depositam a

responsabilidade na professora e outros 13% destacam o absenteísmo como

determinante da repetência.

Existem, entretanto, variações nas opiniões daqueles que

responsabilizam o próprio aluno. Luís destaca a falta de dedicação ao estudo:

“Pouco estudo. Ele falou que não conseguiu passar direito porque ele tava

fazendo muito pouco dever. E só.” (Luís)

Edson e Gustavo explicam o que é preciso fazer para passar de ano,

reforçando a visão de Luís:

74%

13%13%

Responsabilidade doAluno

Freqüência

Responsabilidade daProfessora

53

“... tem que saber tudo. Um monte de coisa.” (Edson)

“... ser inteligente, saber ler e estudar.” (Gustavo)

Na mesma linha de raciocínio, Jaime conta o que fez no passado que o

levou a repetir:

“Eu não estudava na 2ª, aí eu repeti.” (Jaime)

Há, porém, quem deposite no aluno o encargo de passar de ano sob

pontos de vista diferentes. Guilherme, por exemplo, destaca o comportamento

do aluno como fator de influência no resultado escolar:

“Porque faz bagunça na sala, essas coisas, aí não dá, repete.” (Guilherme)

Plínio apresenta o mesmo argumento utilizando o comportamento,

inclusive, como estratégia para aprovação:

“Eu já parei de bagunçar no final do ano... porque senão não passa.”

(Plínio)

Por fim, existem os alunos que atribuem a culpabilidade da repetência

a si próprios por uma série de fatores combinados, entre eles a falta de

dedicação, de comprometimento, de comportamento adequado, de estudo, etc.

Fabiano é adepto desta visão e afirma:

“Repetir de ano é assim: se você não fez o dever, só faz bagunça, só vem

pra escola brincar e dormir...” (Fabiano)

Renata e Rodrigo completam este pensamento, explicando:

“Porque se você não sabe ler, você repete de ano. Se o comportamento não

54

tiver bom. Tem que ficar comportado, a tia falou.” (Renata)

“Fazer bastante dever, respeitar a tia pra poder passar de ano.” (Rodrigo)

Entre os 13% dos entrevistados que identificaram a freqüência às aulas

como fator determinante da repetência, está Karina. Ela destaca a falta, mas a

combina com outras atitudes:

“... não fez a matéria, faltou aula, ficou na escola de besteira, implicando

com o outro...” (Karina)

Considero importante, nesta área, destacar a fala de Carlos:

“... porque minha mãe me tirava da escola. Eu ia passar, aí minha mãe me

tirou.” (Carlos)

Na realidade, Carlos não parece tratar, especificamente, da freqüência e

da evasão. Embora os use como argumento, em suas palavras ele responsabiliza

a mãe pelo fracasso, ou melhor, retira de si a culpa pelo mesmo.

Esta intenção, de expiar de si a culpa, também se deixa transparecer no

discurso daqueles que apontam para a professora quando da explicação para a

repetência. Timóteo deixa claro:

“Pra passar tem que fazer tudo que a professora mandar... A gente não faz

tudo direito. A gente faz pela metade... porque ela passa muito dever, aí

ela vai e apaga rapidinho do dever.” (Timóteo)

Mesmo quando tende a afirmar que os alunos são responsáveis pelo

cumprimento das tarefas, Timóteo busca nas atitudes da professora um motivo

para o fracasso. O mesmo faz Janaína, que vai ainda mais longe nas acusações à

55

professora:

“Ela faltava aula. Aí por isso que eu repeti o ano... Eu tava precisando

tanto dela, aí ela pegou e me repetiu... Eu fiquei traumatizada. É que eu

repeti de ano, ela era muito má. E Deus me livre! E se a gente não

conseguia fazer um negócio, mandava a gente fazer tudo de novo. Ir na

escola toda marchando. Eu fiquei traumatizada com ela, fiquei com medo

dela, fiquei com terror dela.” (Janaína)

De uma maneira geral, durante o decorrer da conversa, os

entrevistados demonstraram entender os diversos fatores que acarretam uma

reprovação. Para alguns deles foi difícil falar da própria experiência, então

iniciamos o assunto falando sobre a repetência dos amigos. Assim, eles foram

ficando mais à vontade para falar de si e do que sentiram ao serem reprovados.

Vejamos o que eles falam a esse respeito:

“... foi muito triste porque é muito chato repetir. É muito chato fazer

tudo de novo, do que eu já fiz.” (Carlos)

“Ficam tristes, algumas não ligam nada, algumas ficam tristes de depois

choram. Alguns a mãe bate porque repete de ano. Eu não apanhei, só

fiquei de castigo. Nas férias eu fiquei de castigo duas semanas, só. Depois

eu comecei a brincar.” (Fabiano)

“Foi muito ruim porque eu pensei que eu ia para a terceira, aí eu repeti.

Fiquei triste.” (Edson)

“Foi muito triste, eu chorei muito. Porque eu não gosto de repetir, é muito

chato. Ficar na mesma sala, com os mesmos amigos.” (Guilherme)

“Enjoa, né, de ficar na mesma série, com as mesmas pessoas?” (Plínio)

“A professora falou que eles choram quando fala que vai repetir de ano.

56

Eles choram. Porque eles que vêem os amigos deles de novo e ficam

chorando. Tentando passar de ano pra mãe dar presente no Natal, dia das

crianças, aí se não passa, não ganha presente.” (Renata)

“É muito ruim porque ao invés de passar, tem gente que é menor que eu e

já tá na terceira e eu tô passando maior vergonha na progressão.”

(Rodrigo)

“... fica atrasado. É muito ruim... ficar com as mesma professora, no

mesmo lugar.” (Timóteo)

Fica evidente que estes jovens apontam a reprovação como algo

desagradável, com conseqüências ruins e que não desejam para o futuro.

Conversando sobre a progressão

Entender o que os alunos pensam a respeito da classe de progressão

nunca foi o objeto desta pesquisa. Entretanto, tal tema não pode ser ignorado

diante da confusão que encontrei ao entrevistar os jovens do CIEP C. O primeiro

aluno que entrevistei foi o Hugo e iniciei a conversa perguntando seu nome,

idade e série. Fiquei de alguma forma surpresa ao me deparar com um aluno

que não sabia dizer em que série estava. A pergunta foi exatamente essa ‘Hugo,

qual a sua série?’. E como resposta, Hugo me disse o nome de sua professora:

“Maria... O nome da série eu não sei, não. Eu sempre esqueço, às vezes.”

(Hugo)

A partir desta constatação, perguntei a todos os outros entrevistados a

série em que estavam e o gráfico abaixo ilustra o caráter das respostas.

57

Gráfico 2. Entendimento sobre a classe de progressão

Apenas 15% dos jovens souberam me disser que estavam na progressão

e explicar no que consistia esta série. Considerei como explicações corretas

aquelas que identificavam as séries anteriores e posteriores à progressão,

respectivamente, as antigas13 2ª e 3ª séries, ou aquelas que reconheciam que os

alunos que, até a antiga 2ª série, não atingissem os objetivos seriam

encaminhados à progressão. Entre estes 15% está Renata, que explica:

“Tô na progressão.. Vem a 1ª, aí vem a 2ª, 3ª e 4ª. A progressão fica na 2ª.

Não, assim, se você não passar de ano, aí vai e vai pra progressão.”

(Renata)

A maioria dos entrevistados, num total de 62%, sabiam estar na classe

de progressão mas apresentavam pouca, ou nenhuma clareza acerca das

características dessa classe. Entre eles está Rodrigo:

“Antes da progressão eu tava no jardim, aí eu sabia ler muito. Eu passei

pra progressão porque eu era o mais sabido da turma. Passei porque sabia

mais.” (Rodrigo) 13 Escrevo ‘antigas’ pois os entrevistados se referiam às séries segundo a nomenclatura anterior ao sistema de ciclos.

15%

62%

23%Sabem sua série e aentendem

Sabem sua série, masnão a entendem

Não sabem sua série

58

Embora demonstre não compreender o que é a progressão, mais a

frente Rodrigo deixa claro em seu discurso que esta série não é desejada pelos

alunos:

“... eu tô passando maior vergonha na progressão... porque é uma série

que ninguém gosta. Porque tem gente menor que tá na 4ª, na 3ª, tem

gente do meu tamanho que tá na 5ª. E eu ainda tô na progressão com dez

anos na cara, mas também entrei atrasado quando era pequeno.”

(Rodrigo)

E os 23% restantes sequer souberam dizer em que série estavam.

Perguntei a Michele em que série ela estava e ela ficou em silêncio. Perguntei se

ela lembrava sua série e ela balançou a cabeça negativamente. Tentei saber,

então, se ela lembrava a série em que estava no ano anterior e, novamente, a

menina balançou a cabeça em sinal negativo. Ainda questionei sobre o futuro,

tentando saber para que série ela iria no ano seguinte e não houve resposta.

Finalmente perguntei ‘Para qual série você quer ir?’ e Michele respondeu:

“Qualquer uma!” (Michele)

Provavelmente, para os alunos, as aulas da classe de progressão

refletiam essa confusão: alguns diziam que estudavam a matéria da 2ª série,

outros da 3ª, ou ainda das duas juntas. Vejamos o que disse Renata:

“Tô na progressão. A gente faz dever da 2ª, não, a gente faz dever da 2ª

e da 3ª. Tem vezes que a gente faz até da 4ª!” (Renata)

Criada para receber os alunos que, ao final do ciclo de alfabetização,

não houvessem alcançado ainda os objetivos propostos e para trabalhar nesses

59

objetivos no sentido de reinseri-los o quanto antes na série seguinte, a classe de

progressão demonstrou-se falha e, possivelmente, daí decorre tamanha

confusão. Encontramos no CIEP C, por exemplo, alunos que faziam a

progressão pela 2ª, 3ª ou até 4ª vez, como era o caso de Janaína. Fica claramente

difícil compreender o sentido da progressão tendo em vista que ele foi invertido

e, para estes alunos, não funciona mais como via de promoção acadêmica.

Conversando sobre o dia-a-dia na sala e na escola

Durante as entrevistas, os alunos me contaram suas impressões sobre a

rotina na sala de aula e na escola, destacando os acontecimentos mais freqüentes

nesses dois lugares. O gráfico abaixo mostra o número de alunos que

mencionou cada uma das situações descritas no eixo horizontal ao falar sobre

sua turma e escola. O eixo horizontal do gráfico aponta 12 como número limite

pois foi essa a quantidade de alunos que tratou, com relevância, do tema dia-a-

dia na sala e na escola.

Gráfico 3. Sobre o dia-a-dia na sala e na escola (assuntos separados pela quantidade de alunos que o abordaram)

Dos 12 jovens, 5 mencionaram a bagunça como algo recorrente em sala;

60

7 destacaram o dever e a tarefa; 5 falaram acerca das brincadeiras; 4 apontaram

para a ocorrência de brigas entre alunos; 4 trouxeram à tona a questão do

horário de almoço da professora; 3 citaram a exibição de filmes em aula; 5

fizeram referência às broncas da professora; e 2 mencionaram outras questões

como a merenda e a aula de artes.

A bagunça e a briga foram temas em que me aprofundei mais nas

entrevistas e, mais a frente, tratarei deles em separado. Entretanto, quando

questionados a respeito do que acontecia dentro de sala, de como era a turma,

os entrevistados mencionaram as brigas e a bagunça, relacionando-as com

freqüência às reações da professora. Rodrigo, Guilherme e Hugo afirmam:

“Um fica fazendo bagunça e bota a culpa nos outros, aí a tia vai lá e fica

estressada.” (Rodrigo)

“Lá todo mundo faz bagunça, eu também. Lá a professora fala ‘Não vai

pro recreio!’ Aí acaba deixando...” (Guilherme)

“A tia Maria é boazinha, mas tem algumas crianças que implicam

comigo, aí eu saio de perto. Tem algumas crianças, que nem o Luís, que

ficam me perturbando... eu e a Karina. Aí eu fico batendo nele, aí eu falo

pra tia Maria. A tia Maria separa.” (Hugo)

O horário de almoço da professora foi citado como agravante ao

problema das brigas e da bagunça. Segundo explicação dos alunos e conforme

observado no período em que estive no campo, a professora não almoçava no

mesmo horário que os jovens. Após almoço e recreio, os alunos retornavam à

sala e aí, sim, a professora descia para almoçar, deixando-os sozinhos por algum

tempo. Vejamos o que eles disseram sobre isso:

61

“Quando a professora vai almoçar... fica todo mundo lá fora. Aí a

professora pensa que todo mundo da sala tá lá fora.” (Renata)

“A tia sai para jantar, almoçar, essas coisas, tomar café, ou então ir no

banheiro. Aí todo mundo faz bagunça e a tia não sabe quem foi.”

(Rodrigo)

“Na minha sala tem gente que briga, tem gente que fica fazendo bagunça

quando a professora vai almoçar, não respeita ela.” (Janaína)

“... gostam de bater quando a professora sai... Ela sai porque ela tem que

comer, na hora do almoço dela. Aí quando ela vai resolver um problema,

aí eles começam a fazer bagunça.” (Jaime)

Ao desenhar uma pessoa aprendendo, Luís também traz à tona a

questão do almoço da professora.

Imagem 1. Uma pessoa aprendendo (Luís)

“Então o que ele está fazendo?” (Fernanda)

“Copiando a continha no quadro.” (Luís)

Luís

Professora almoçando

Fabiano copiando as contas do quadro

62

“E quem deixou as continhas?” (Fernanda)

“A professora.” (Luís)

“E agora, onde ela está?” (Fernanda)

“Ela tá almoçando... Posso fazer ela almoçando?” (Luís, sorrindo)

Sete alunos fizeram alusão ao dever quando indagados a respeito do

cotidiano em sala, entretanto, o fizeram sob pontos de vista diferentes. Houve

quem destacasse a tarefa como algo rotineiro, que todos realizam sem

problemas.

“A tia passa matéria nova, aí a gente fica lendo e fica escrevendo o que a

tia passa no quadro.” (Karina)

Outros, a apontaram como instrumento de controle da professora, uma

punição para o mau comportamento.

“A gente faz dever quando a tia sai. Ela sai e se fizer bagunça tem que

fazer mais dever.” (Gustavo)

Plínio reclamou da dificuldade da tarefa, relacionando-a a função da

professora.

“A gente pede pra tia passar mais forte o dever, pra botar mais difícil, mas

ela não passa. Porque a obrigação dela é fazer dever fácil pros alunos...

Um pouquinho mais difícil seria bom.” (Plínio)

Por outro lado, Janaína relatou que os colegas não fazem o dever como

deveriam.

“E sabe que tem trabalho no quadro, e tem que fazer o trabalho no quadro,

63

aí vai levantar, brincar, vai conversar, bater papo, mas não faz o trabalho,

não tem jeito.” (Janaína)

Como destacado por Janaína, a brincadeira parece ser uma das

alternativas preferidas à tarefa e cinco alunos falaram dela ao contarem sobre

sua turma.

“A minha turma é legal, engraçada. Porque de vez em quando eles fazem

brincadeira, aí a gente ri, ri muito.” (Plínio)

“É bom porque tem coisa para a gente brincar. Às vezes a gente brinca de

sinuca, dominó, pega-vareta, essas coisas todas de brinquedo... jogo de

botão.” (Luís)

Além das brincadeiras, os alunos demonstraram interesse também nas

aulas de vídeo e de artes, destacando-as como um diferencial entre este ano

letivo e o anterior.

“... a gente vê vídeo, tem aula de artes, isso nenhuma outra professora

passou pra gente.” (Janaína)

Finalmente, os entrevistados mencionaram as broncas da professora

como algo recorrente em sala. As opiniões a respeito da bronca, entretanto, se

mostram variadas.

“Quando a professora dá um grito é bom... É bom porque ela tá

explicando, ela dá um grito e a gente presta atenção nela. Ela mandar

sentar, tem que obedecer, manda a gente sentar, parar e ficar quieto.”

(Janaína)

“Outro dia a minha amiga bateu a porta , a porta quebrou. Aí tomou um

esporro e até agora, hoje, ela não veio.” (Edson)

64

Edson identifica o esporro como fator de afastamento dos alunos. Ao

contrário, Janaína aprova as broncas da professora e as entende como forma de

controle eficaz capaz de beneficiar a aprendizagem dos mesmos.

Como relatado, diversos foram os temas apontados na conversa sobre a

sala de aula e o que acontece durante o dia letivo. A seguir, enfatizo as questões

da bagunça e das brigas que, ao meu ver, merecem destaque.

Conversando sobre bagunça

Em todas as entrevistas falou-se muito sobre a bagunça e seus diversos

aspectos. Percebendo o fato, perguntei aos jovens o que, na opinião deles, era

considerado bagunça. Eis algumas das respostas que obtive:

“Bagunça é quando a gente não faz o dever e fica bagunçando na sala.”

(Luís)

“... ficar batendo na mesa, brigando, saindo de sala. Porque a professora

fala para a gente não sair e eles saem.” (Carlos)

“Ficar batendo com a cadeira, correndo na sala, fazendo ‘cosca’.”

(Rodrigo)

“Tipo, a cadeira está arrumada, aí começa a ficar jogando as coisas... Aí é

bagunça.” (Jaime)

Em geral, as definições dadas para a bagunça revelam que ela

consistem em atividades paralelas aquela proposta pela professora,

normalmente envolvendo movimento e agitação pela sala.

Abaixo, destaco quatro imagens capturadas do videoteipe que retratam

um momento de bagunça durante a aula.

65

Imagem 2. Aluna canta e dança

As imagens acima foram filmadas durante a aula na sala da Professora

Maria, no CIEP C. No exato momento desta captura, a professora estava

perto de sua mesa, à porta, tentando dar instruções aos alunos que, por

sua vez, conversavam. Na cena 1 vemos a aluna apontada pela seta

levantar de sua mesa e pegar uma garrafa a qual utiliza como microfone

para cantar para os amigos. Nas cenas 2 e 3 esta mesma aluna começa a

dançar, girando em volta do próprio corpo com a garrafa na mão.

Finalmente, na cena 4 a aluna recoloca a garrafa na mesa e sorri para os

1 2

3 4

66

amigos que retribuem o sorriso. Ela volta para seu lugar sem, em

momento algum, ser repreendida.

Tendo explicado o significado da bagunça, os entrevistados relataram

também suas reações à mesma.

“Porque quando eu tô quieto, todo mundo me perturba para fazer

bagunça.” (Rodrigo)

“Tem vezes que eu bagunço...” (Timóteo)

“Lá na minha sala é muita bagunça, bagunça pra caraca. Aí começam a

jogar as coisas... Vum, vum... E eu vou só abaixando assim, oh!”

(Fabiano)

Fabiano afirma se abaixar para escapar dos objetos lançados na sala,

mas vemos nas filmagens que além de tentar se esquivar, ele se envolve e

participa ativamente dos lançamentos.

Imagem 3. Fabiano e Hugo fazem guerra de bolinha

1 2

3 4

5 6

67

As cenas acima foram filmadas durante uma aula de artes, na sala da

Professora Maria. Na cena 1 vemos a professora de artes, mas na

seqüência ela sai do alcance da câmera porque vai para o canto esquerdo

da sala conversar com dois alunos. Enquanto isso acontece, Fabiano

(indicado pela seta vermelha) e Hugo (indicado pela seta amarela) travam

uma guerra de bolinha de papel. Na primeira imagem, Fabiano se protege

do lançamento de Hugo, exatamente como afirmou fazer durante a

entrevista. Após ser atingido, Fabiano se prepara para arremessar a

bolinha em Hugo (cenas 2, 3 e 4) enquanto o colega foge, correndo envolta

da mesa. Na cena 5, Fabiano olha para trás e confere que a professora não

os observa. Finalmente, na cena 6, ele atinge Hugo com a bolinha. Os dois

voltam para seus lugares, discutindo.

O lançamento de objetos pelo ar não é atividade realizada somente por

Fabiano e Hugo. Em outras ocasiões, presenciamos o arremesso de lápis,

canetas, livros e até tesouras pela sala. A seguir, destaco cenas do arremesso de

um livro ocorrido também durante uma aula de artes.

Imagem 4. Alunos arremessam livro

1 2

3 4 5

68

As cenas acima, filmadas durante a aula de artes, mostram um aluno

(seta vermelha) arremessando um livro (seta azul) na tentativa de atingir

uma colega (seta amarela). As primeiras duas imagens mostram o trajeto

do livro até que na cena 3 a menina seja atingida. A aluna pega o livro

lançado e demonstra, corporalmente, que não pretende devolvê-lo, o que

faz o aluno se levantar de seu lugar (cena 4), ir até ela e tomar o livro à

força (cena 5).

Os jovens contaram também as conseqüências que trazem as situações

de bagunça.

“Tem várias coisas, acontece acidente. Neguinho pega um carrinho e taca

na janela e quebra. Aquela lá tá quebrada...” (Fabiano)

“Ela (a professora) coloca em outra sala. Em pé, de castigo. Na 3ª série ou,

então, na 4ª. Já fui, foi muito ruim, eu fiquei cansado.” (Carlos)

Ao contrário de Carlos, Guilherme não identifica uma punição eficaz da

professora contra a bagunça dos alunos. Ele afirma que ela ameaça punir, mas

acaba cedendo.

“Aí começa a bagunça. A professora chega: ‘Pára! Todo mundo tá sem

recreio!’ Aí depois: ‘Vai pro recreio todo mundo!’” (Guilherme)

É Guilherme, também, que traz o histórico familiar para explicar as

conseqüências da bagunça.

“Meu pai também, ele sabia fazer bagunça na sala, não sabe ler, não. Nem

meu pai, nem minha avó.” (Guilherme)

69

Associando a bagunça com o fracasso na aprendizagem, o jovem se

identifica com o passado de familiares, como se estivesse contingenciado a essa

realidade.

Conversando sobre brigas

Durante as quinze entrevistas que realizei, diversos foram os casos de

briga entre alunos que me foram contados. Alguns pareciam me relatar as brigas

como se fizessem queixa a um adulto, na esperança de que algo pudesse ser

modificado. Outros, porém, simplesmente falavam sobre o que estão

acostumados a ver, sem demonstrar envolvimento ou preocupação com aquilo.

“Uns meninos fazem muita bagunça e ficam pro lado de fora, batem nas

meninas. Batem nas meninas, chutam.” (Renata)

“É um grupo, eles brigam assim de porrada, pegam o outro na gravata. O

Márcio pegou o Edson na gravata e quase matou ele. Ele ficou roxo. Ele

tava brigando, o Márcio não queria devolver a bola do Edson.” (Gustavo)

Como evidente na explicação de Gustavo, uma das tendências dos

jovens, ao relatar as brigas que acontecem na escola, é encontrar justificativas e

explicações para elas.

“Porque toda aula é briga, briga, briga. Toda aula. Porque eles ficam

brigando... porque eles ficam brigando pensando que é algum adversário,

achando que bate em todo mundo do colégio. Tem algumas pessoas que

ficam achando que bate em todo mundo. Que quer brigar demais.”

(Renata)

“Só brigo quando alguém implica comigo.” (Carlos)

70

A implicância entre colegas é notória dentro de sala. Eles provocam uns

aos outros para mostrar autoridade, se afirmar, iniciar uma briga ou,

unicamente, para se divertir. Na seqüência de imagens abaixo, vemos uma

aluna usar a provocação para começar uma briga.

Imagem 5. Briga entre duas alunas

71

As oito cenas acima foram capturadas do videoteipe de uma aula de artes.

Na primeira imagem vemos a aluna A, identificada pela seta vermelha, se

1 2

4 3

5 6

8 7

72

dirigir a sua colega, aluna B apontada pela seta amarela, e provocá-la,

passando a mão no seu rosto. A aluna B se levante e reage à implicância,

indo até sua colega para tirar satisfações (imagem 2). As alunas começam

a brigar mas não conseguimos vê-las por algum tempo (figura 3) tendo

em vista que outra briga se posiciona na frente da câmera. As imagens 4,

5 e 6 mostram a batalha entre as duas que envolve tapas e puxões de

cabelo. A aluna A abandona a luta e vai se sentar, porém sua adversária

inicia agora uma nova disputa com a colega sentada à mesa (figura 7).

Finalmente, na última cena, a aluna B se vira e retoma a briga inicial. Em

algumas dessas imagens vemos a professora de artes, indicada pela seta

azul no canto esquerdo da sala, que ocupada com outros jovens em sua

mesa, não interfere na situação.

Plínio justifica suas brigas relacionando-as até com as ações da

professora em relação a ele.

“Minha tia de vez em quando ela tá alegre, de vez em quando ela não tá.

Tá de mau humor. Aí ela briga, né? Ela me bota pra fora de sala, aí eu fico

com raiva. Ontem aconteceu. Tinha um menino do meu lado, aí eu falei.

Aí o menino me deu um pouco de guaraná pra ele, aí ele bebeu, aí eu fiz

assim, aí ele bebeu, derramou e foi falar com a tia. Aí a tia me botou pra

fora de sala. Aí ela falou que só podia entrar com a minha mãe. Aí ontem

eu vim pra escola, ela falou que não podia. Aí na hora do recreio eu fui pra

trás do menino, aí eu fiquei com raiva e desci lá embaixo e meti a porrada

nele. Bati nele. Aí um colega dele veio me bater, aí ele desceu. Aí de tarde

a tia falou que só podia entrar com a minha mãe.” (Plínio)

Esse mesmo acontecimento é relatado por Renata, irmã de Plínio, que

também explica os mecanismos de punição da professora quando da ocorrência

de brigas.

“Ele é muito chato, ele bate em todo mundo. Aí a professora chamou até a

73

minha mãe aqui. Porque ele brigou, a professora pegou e botou ele de

castigo. O outro ela não botou, aí ele foi e bateu no outro. Aí a tia botou

ele de castigo. Mas a minha mãe não veio, não. Aí a diretora mandou

minha mãe assinar o nome dela, falar que ela já sabe. Porque ela trabalha

muito.” (Renata)

“A professora chega e leva pra secretaria. A professora só falou assim ‘Se

brigarem na sala, vão pra secretaria’. (Renata)

As relações de amizade e pertencimento entre os jovens são, também,

estabelecidas sob a influência da dinâmica das brigas, como afirma Guilherme.

“Eu fico com o Grego que me defende de todo mundo, que ele é o mais...

que ele quebra o Capitão, o Leandro, ele me defende do Leandro. Tem três

garotos querendo me pegar, ele já falou que não vai deixar. Eles querem

pegar meu dinheiro, aí eu não deixava, é o Plínio e o Jefferson. Aí eu não

deixei.” (Guilherme)

Nesse trecho, Guilherme afirma ser aliado à Grego para se defender de

Leandro. Este aluno, já com 17 anos, é conhecido na sala como Capitão e este

apelido parece revelar o fato de o mesmo ser temido por muitos de sua sala.

“... o Leandro é o maior mané. Ele só sabe ficar batendo nos outros e eu

não gosto disso.” (Janaína)

As imagens destacadas a seguir mostram uma briga entre Fabiano e

Leandro, deixando evidente a autoridade do capitão que, mesmo quando

contestada, prevalece.

74

Imagem 6. Fabiano x Capitão

Esta seqüência de eventos foi separada em dois grupos de imagens.

As seis cenas acima mostram uma briga entre Fabiano (seta vermelha) e

Leandro, o Capitão (seta amarela). Nas imagens 1, 2 e 3, vemos Leandro

se dirigir à mesa de Fabiano que se levanta, inicia uma briga e corre atrás

do colega. Fabiano alcança o Capitão e o acerta com um chute (figura 4).

Vendo que sua camisa foi suja pelo chute de Fabiano, Leandro vai atrás do

aluno exigindo providências enquanto este, por sua vez, tenta fugir.

Outras seis cenas, destacadas abaixo, mostram o desfecho da briga entre

Leandro e Fabiano. Descontente por estar com a camisa suja, Leandro faz

queixas à professora (figura 7) e isto leva Fabiano a se defender, acusando

Capitão de ter começado a briga (figura 8). Na imagem 9, Leandro vai até

Fabiano e exige que ele limpe a camisa que sujou. Fabiano não hesita e

prontamente tenta limpar o uniforme do colega. Enquanto ele limpa, a

1 2

6 5

4 3

75

Professora Maria se aproxima (seta azul, figura 10), separa os dois

meninos (11) e leva Capitão até o seu lugar (12). Ao retornar, ela se vira

para Fabiano, já sentado, e o chama de abusado.

As brigas iniciadas por motivos variados se mostraram, portanto,

recorrentes na fala dos alunos e nas imagens filmadas. Elas se caracterizavam

como violência intra-escolar mas deixavam a sensação de que tinha sua origem

fora daquele ambiente. Os relatos sobre a violência externa, descritos a seguir,

trouxeram uma pista dessa origem.

Conversando sobre a violência externa

Entendo que a violência urbana não nasce ou se origina na escola, mas

não posso negar que dentro dessa instituição se vê inúmeros reflexões dela.

7 8

9 10

11 12

76

Falando sobre bagunça, Fabiano foi o primeiro a inserir o assunto da

violência externa nas entrevistas. Ele contou sobre um menino do Vidigal que

fazia muita bagunça e disse que sua mãe havia chamado o Conselho Tutelar

para levar o tal menino. Curiosa a respeito do entendimento do aluno sobre a

função do Conselho Tutelar, perguntei se ele já tinha visto algum membro do

mesmo e ele me respondeu que não. Indaguei, então, se ele sabia que pessoas

eram ‘levadas’ (expressão usada pelo aluno) pelo Conselho Tutelar.

“Ninguém já foi. Lá é uma cadeia assim de criança, assim que apronta,

bate na mãe, responde a mãe, quebra tudo dentro de casa, faz várias

coisas, bagunça, bate no pai, bate na mãe… Vão para o Conselho Tutelar.

A mãe liga pro Conselho Tutelar, o Conselho Tutelar vai em casa, vai

buscar o menino, dá paulada, o menino entra e vai pro Conselho Tutelar.

Eu fiquei sabendo. Eu já vi aqui, também, um garoto já tomou muita

paulada aqui… Do Conselho Tutelar. Aí o guarda falou ‘Tu é maluco de

subir aí na escola?’ Aí o guarda começou a dar paulada nele… Não, já

tava dormindo lá em cima. O garoto falou para a diretora ‘Olha lá dois

mendigos dormindo’. Aí chamaram o Conselho Tutelar e falaram ‘Desce,

desce’. Aí começaram a bater, levaram pro Conselho Tutelar. Quem vai

para o Conselho Tutelar nunca mais volta. Os mendigos ficam, tem uns

que sai.” (Fabiano)

O relato de Fabiano parece indicar que o Conselho Tutelar é usado

pelas famílias como ameaça de punição aos jovens que não se comportam de

maneira desejada. Guilherme confirma essa compreensão:

“Eu fugia... aí ela (mãe) me levou de lá, aí eu quase fui pro Conselho

Tutelar, eu e minha irmã porque minha irmã respondia minha mãe... Com

o tio lá da Prefeitura, que lá na Prefeitura tem um tio mauzão. Eu fui lá,

aí um negão grandão lá falou ‘Bora!’ Aí eu ‘Não, não, não!’ Chorei

77

muito, aí ele falou ‘Não, não, não vai não’.” (Guilherme)

O Conselho Tutelar, portanto, passa a ser instância de violência externa

temida pelos jovens ameaçados em casa e na escola. Entretanto, ele não é de

maneira alguma o único contato desses alunos com a violência.

Como tantos outros no Rio de Janeiro e no Brasil, os meninos e meninas

do CIEP C experimentam de perto, em seu cotidiano, uma violência que não

impõem limite para os atos de destruição do outro. A exposição diária a esta

realidade culmina em banalizá-la.

“Meu pai liga pra mim, ele vem aqui, me leva pra comprar roupa. Eu fico

lá na casa dele. Lá é melhor que a Rocinha. Lá eu ando de cavalo, essas

coisas. Na Rocinha, não, só tem tiro, as pessoas morrendo. Meu tio era

bandido e saiu da boca. Se ele morresse minha avó ia chorar, todo mundo

ia chorar.” (Rodrigo)

“Aqui é muito violento. Eu vejo muita gente morrendo, na Rocinha...

Moro com a minha mãe e com os meus irmãos... Um trabalha, o outro tá

com a minha avó, e o outro tá dodói, tá no médico. Veio todo mundo pra

cima dele, armaram pra ele... Aí na cadeia chamaram ele pra roubar. Aí

ele tomou três tiros. Acho que na Kombi. Aí levaram ele e falaram que ele

tava quase morrendo. Aí falaram que foi Deus que salvou ele, que ele tava

quase morrendo. Eu não acreditei, não, tia, professora. Eu não acreditei,

não. Porque ele era meu melhor irmão. Pra mim não era meu irmão, era

outra pessoa que tava morrendo. Depois que eu fui saber que era meu

irmão. E depois, de manhã cedo, lá para as sete e meia, foi o exame dele lá

no hospital. Mas tenho fé em Deus que ele vai sair livre, aí depois vem o

julgamento. Ele vai para o julgamento com o juiz. Ele era um bom

trabalhador... Ele carregava o material, levava cerveja para os outros. Ele

entrou na boca pra seguir o exemplo do meu outro irmão.” (Janaína)

78

“É, tá pichada. Isso daqui foi meu amigo. A.D.A. É aquilo que é de

bandido. É dos caras lá que são A.D.A. É da bandidagem. Eles fazem

tiroteio, às vezes eles matam os próprios bandidos deles. Isso aqui vai

virar pano de chão.” (Carlos)

Carlos fala sobre a A.D.A, sigla escrita em sua camisa do uniforme, que

significa ‘Amigo dos amigos’ e é uma das três facções criminosas que dominam os

pontos de venda de drogas no Estado do Rio de Janeiro. Desde 2004 esta facção

lidera o tráfico na favela da Rocinha onde residem Carlos, Janaína, Rodrigo e

muitos outros jovens do CIEP C.

O aluno evidencia reconhecer o caráter prejudicial da identificação com

uma facção criminosa, ao afirmar que sua camisa vai virar pano de chão. Mas,

apesar disso, não deixa de ser influenciado pelo contexto em que está inserido,

demonstrando certo entusiasmo nesta identificação.

A influência do contexto externo de violência invade a escola e,

segundo os próprios alunos, influencia a aprendizagem. Guilherme explica os

motivos de sua repetência e fugas:

“Eu repeti de ano, eu fugia. Meu pai foi preso. Ele foi roubar outro cara.”

(Guilherme)

E Jaime justifica seu desejo de sair do CIEP C, afirmando que no ano

seguinte estará em outra escola. Pergunto o motivo e ele diz que o CIEP C é

muito chato, tem muitas brigas, lá foi atingido por um lápis jogado por outro

aluno. Questiono se essas situações não vão se repetir em outras escolas e ele

responde:

79

“Eu acho que acontece, mas na escola que eu estudava, não. É porque aqui

tem vários filhos de bandido, tem muito filho de bandido. Tem alguns pais

que vem com arma na cintura... Quando a professora vai fazer uma

reclamação, aí ele quer pegar a professora ou o filho dele. Teve uma mãe

que queria bater na minha professora porque a filha dela fazia muita

bagunça.. Aí juntou com as outras mães e quase deu porrada.” (Jaime)

A explicação de Jaime não deixa dúvidas da relação entre a violência

fora da escola e aquela interna à instituição. À fala dele, adicionam-se tantas

outras, que destaco a seguir.

Recortes das entrevistas

Conforme apresentado acima, as falas dos entrevistados foram

categorizadas de acordo com temas específicos considerados relevantes para a

pesquisa. Neste subitem apresento um recorte dessas entrevistas, destacando as

falas principais de cada aluno por categoria.

REPETÊNCIA

Aliada ao abandono e à evasão, a repetência soma aos problemas

crônicos da educação escolar brasileira. As inúmeras pesquisas educacionais

que se voltam ao tema parecem chegar com freqüência as mesmas conclusões:

um ensino de pouca qualidade, agravado por questões político-sociais, culmina

em elevadas taxas de contínuas repetências que, por sua vez, geram abandono e

evasão.

“Mesmo correndo o risco de ser simplista e reducionista, achamos que a

prática da repetência está na própria origem da escola brasileira (...)

Parece que a prática da repetência está contida na pedagogia do sistema

80

como um todo(...) como se fizesse parte integral da pedagogia, aceita por

todos os agentes do processo de forma natural. (RIBEIRO, 1991, p. 83)

A ameaça da repetência, portanto, é facilmente percebida no cotidiano

escolar. Assim sendo, foi tema recorrente das entrevistas realizadas. Eis o que os

alunos disseram sobre ela.

Luís

Conheço um amigo meu da escola que disse que

repetiu de ano duas vezes. Ele falou que repetiu de

ano umas duas vezes.

(Repetir de ano)... É passar... Faz de conta vai

passar de uma série aí ele não consegue passar, aí

volta para a mesma série que ta. Ele pensa que vai

passar mais não passa.

As pessoas repetem por... Pouco estudo. Ele falou

que não conseguiu passar direito, porque ele tava

fazendo muito pouco dever. E só.

Carlos

Eu repeti de ano... porque minha mãe me tirava da

escola, Eu ia passar, aí minha mãe me tirou.

Quando eu repeti de ano... foi muito triste porque

é muito chato repetir. É muito chato fazer tudo de

novo, do que eu já fiz.

Tem aqueles que não sabem ler, não sabem escrever,

eles repetem, não ficam de férias. Eles estudam,

estudam...

81

Fabiano

Repetir de ano é assim: se você não fez o dever, só faz

bagunça, só vem pra escola brincar e dormir. Aí é

por isso que a criança não sabe ler e escrever, e não

vai ser nada na vida.

Ficar bagunçando, brincando de pique-pega, ficar

batendo na mesa, várias coisas. Às vezes a gente

cresce e a criança repete de ano. As crianças vão... eu

moro numa casa também, aí as crianças vão e

repetem de ano. Na minha casa tem um monte de

criança que só faz bagunça. Aí tem gente que faz

bagunça, que faz tudo.

Tem um garoto que mora perto da minha casa que

diz que a escola é uma nojeira, e não aprende nada.

Ele é mendigo, ele repetiu. Repetiu, saiu da escola,

bagunçando.

As crianças, quando repetem, umas ficam tristes.

Outras falam assim, oh: ‘Sai daí, ô, você não tem

jeito de passar de ano. Tá bom, não tô nem aí, ô’.

Ficam tristes, algumas não ligam nada, algumas

ficam tristes e depois choram. Alguns a mãe bate

porque repete de ano. Eu não apanhei, só fiquei de

castigo. Nas férias eu fiquei de castigo duas semanas,

só. Depois eu comecei a brincar.

82

Edson

(Repetir de ano é)... continuar, se não passar você

vai... fica na mesma série ou então já vai para outra

sala e fica na progressão.

Foi muito ruim porque eu pensei que eu ia para a

terceira, aí eu repeti. Fiquei triste.

(Para passar de ano)... tem que saber tudo. Um

monte de coisa.

Guilherme

Porque faz bagunça na sala, essas coisas, aí não dá,

repete.

Foi muito triste, eu chorei muito. Porque eu não

gosto de repetir, é muito chato. Ficar na mesma sala

com os mesmo amigos. Fazer mais amigos

diferentes...

Gustavo

(Para passar de ano precisa)... ser inteligente,

saber ler e estudar.

Karina

E se eu não tirar uma nota boa?

Aí você não vai passar. Vai ficar meio burra, vai

ficar aqui mesmo. Aí você vai fazer de novo.

83

(Repete de ano quem)... não fez a matéria, faltou

aula, ficou na escola de besteira, implicando com o

outro, batendo, ficando no portão esperando ver os

professores sair.

Plínio

Eu já parei de bagunçar no final do ano... porque

senão não passa. Ou desce mais uma série ou fica na

progressão.

Tem um menino lá na minha sala, o Leandro, ele é

grandão, tem 14 anos. Acho que ele é muito burro.

Ele repetiu muitas vezes.

(Quando a pessoa repete)... fica chata, né? Enjoa,

né, de ficar na mesma série com as mesmas pessoas.

Renata

Porque se você não sabe ler, você repete de ano. Se o

comportamento não tiver bom. Tem que ficar

comportado, a tia falou. Não pode fazer barulho, sair

pra fora, tem que fazer todo o dever do quadro, tem

que ficar quieto quando a professora vai almoçar.

A professora falou que eles choram quando fala que

vai repetir de ano. Eles choram. Porque eles que

vêem os amigos deles de novo e ficam chorando.

Tentando passar de ano pra mãe dar presente no

Natal, dia das crianças, aí se não passa, não ganha

presente.

84

A tia falou ‘Não adianta chorar porque se não tiver

quieto, não vai passar de ano’.

Rodrigo

Eu não passei, eu repeti. Tipo assim, eu tava na aula

um tempão aí eu ia passar, e não passa aí vai pra

progressão.

É muito ruim porque ao invés de passar, tem gente

que é menor que eu e já tá na terceira e eu tô

passando maior vergonha na progressão.

A minha idéia é que se eu ficar aqui e a tia falou que

se eu fizer muito dever bem mesmo, ela falou que não

quer me ver na progressão, quer me ver na terceira.

Eu quero ir pra terceira.

Fazer bastante dever, respeitar a tia, pra poder

passar de ano.

Timóteo

É porque a minha mãe me colocou pra fazer tudo de

novo... Pra eu aprender tudo o que eu não aprendi.

Eu faltava muito. Pra brincar.

(Quem repete de ano...) fica atrasado. É muito

ruim... ficar com a mesma professora, no mesmo

lugar.

Pra passar tem que fazer tudo que a professora

85

mandar.

A gente não faz tudo direito. A gente faz pela

metade. Porque ela passa muito dever, aí ela vai, ela

apaga rapidinho o dever.

86

Janaína

Ela faltava a aula. (falando da professora

anterior) Aí por isso que eu repeti o ano.

Ela (a professora) fala que tem alguns que tem

dificuldade, e ela pega e repete de ano. Dificuldade de

ler... Aí ela foi e repetiu. Eu tava precisando tanto

dela, aí ela pegou e me repetiu. Precisando pra me

ajudar, mas eu tenho fé que nesse daqui eu passo.

Esse ano eu passo porque eu tenho que sair daqui.

Desde pequenininha eu tô aqui e a minha mãe falou

que eu tenho que sair.

Eu fiquei traumatizada. É que eu repeti de ano, ela

era muito má (a professora). E Deus me livre! E se

a gente não conseguia fazer um negócio, mandava a

gente fazer tudo de novo. Ir na escola toda

marchando. Eu fiquei traumatizada com ela, fiquei

com medo dela, fiquei com terror dela. Toda vez que

eu chegava em casa, eu falava pra minha mãe assim,

no começo do ano, que ia parar de estudar. ‘Me tira

da escola, me tira da escola’. Aí foi por isso que eu

parei de estudar. Aí depois eu pensei melhor

e falei ‘Não quero estudar mais, não’. Porque eu

fiquei assustada, fiquei muito assustada com esse

colégio. Ele é da época do cemitério.

É porque na época eu não prestava atenção na aula,

agora sim.

Eu quero passar desse ano aqui e quando eu passar,

vou para um outro colégio. E quando acabar o outro

colégio, vou embora daqui.

87

Hugo

Tia, eu me esforço pra passar de ano. Aí eu me

esforço pra passar de ano. Eu aprendo as coisas

com a minha mãe. Aí eu faço as coisas... Mas eu vou

me esforçar, vou me esforçar muito.

Porque tem alguns alunos que não querem fazer

nada, e na minha turma tem alguns alunos que

faltam.

Jaime

Tô na progressão. Eu repeti de ano... (Ano passado

eu estava na)... segunda. Eu não estudava na

segunda, aí eu repeti.

O que você achou de repetir de ano?

Nada... Acho que não foi bom. Foi ruim porque eu

não ganhei as coisas que a minha mãe ia me dar no

Natal.

Esse ano eu vou passar.

De uma maneira geral, com poucas exceções, a repetência é analisada

pelos alunos como decorrência do mau aproveitamento dos mesmos durante o

ano letivo.

PROGRESSÃO

88

Durante o ano de realização desta pesquisa, os alunos ingressantes no

primeiro segmento do Ensino Fundamental eram encaminhados para o primeiro

ciclo de formação (antigos CA, 1ª e 2ª séries), também conhecido como ciclo de

alfabetização. A Classe de Progressão era destinada, neste mesmo período, aos

alunos que no decorrer dos três anos do ciclo não alcançassem os objetivos

propostos. A intenção da Progressão era trabalhar intensivamente com esses

alunos no sentido de suprir quaisquer defasagens de maneira a reinserir os

alunos em sua turma de origem.

No entanto, a finalidade da Classe de Progressão mostrou-se obscura

no discurso de seus alunos que, de maneira geral, não pareciam compreendê-la.

Vejamos o que disseram.

Luís

Em que série você está? Primeira.

E ano passado? Primeira, também.

Carlos

Em que série você estava na outra escola?

Progressão.

E agora? Progressão.

A gente repete e fica na progressão de novo.

Eu ia passar para a 3ª série, mas aí minha mãe me

tirou da escola toda hora e aí eu não passei.

Na progressão a gente aprende... continhas e...

como é que se fala? Ah, separar as sílabas.

89

Fabiano

Em que série você está? Progressão. É a segunda.

Chama progressão, aí os alunos das outras séries que

repetem, que não sabiam ler, não sabiam escrever...

Eu não sei porque se chama progressão, não. A

diretora é que fala que é para deixar na progressão.

Por isso se chama progressão. Aí quem repetir, a

criança, aí se chama progressão, e a segunda se

chama segunda.

Gustavo

Progressão é gente que não sabe ler.

Na outra escola eu não sabia ler, a tia não passava

dever, só desenhava. Na outra progressão a gente

não fazia dever, só pintava, não era igual a tia daqui.

A tia não passava dever. Quando eu saí de lá, fiquei

um mês em casa e não sabia ler. Aí minha mãe me

trouxe pra cá.

Karina

Qual a sua série?

Progressão.

E em qual série você estava antes?

Na primeira.

E ano que vem você vai pra qual série?

Segunda.

90

Prestar mais atenção no quadro, tudo que a tia falar

você tem que olhar, isso faz parte da progressão. A

matéria, o dever, os livros que a tia passa. Tem que

se comportar bem.

Michele

Em que série você está?

(Michele pensa)...

Você lembra?

(Michele movimenta a cabeça dizendo que não)

E no ano passado, você estava em que série?

(Michele não responde)

E ano que vem, você sabe para que série você

vai?

(Michele movimenta a cabeça dizendo que não)

Para qual série você quer ir?

Qualquer uma!

Plínio

Tô na segunda série. Ano passado eu não estudei.

Eu fiquei dois anos sem estudar, aí quando eu fui

estudar a minha irmã entrou na progressão. Eu tava

na terceira.

Mas porque você ficou dois anos sem estudar?

Eu tava viajando. Em Minas, com o meu pai. Lá eu

não estudava por que não tinha declaração... escolar,

aquele papel pra gente ir pra escola... Fiquei

brincando. Agora tem que estudar ora recuperar os

anos perdidos.

Fico ruim porque eu vim parar na progressão.

Ué, você me disse que tá na segunda. Segunda

ou progressão?

As duas coisas.

Qual a diferença?

91

Renata

Tô na progressão. A gente faz dever da segunda,

não, a gente faz dever da segunda e da terceira. Tem

vezes que a gente faz até da quarta.

Aí eu também não sei! Chama progressão, mas é a

mesma coisa.

É chato porque a tia passa muito dever fácil. Porque

é progressão. Aqui tem a progressão fraca e a

progressão forte. Tô na forte.

92

Tem a progressão dois, que é a nossa, e tem a

progressão um. Na nossa passa o dever mais difícil.

Vem a primeira, aí vem a segunda, terceira e quarta.

A progressão fica na segunda. Não, assim, se você

não passar de ano, aí vai e vai pra progressão.

Assim, se eu não passar da primeira, aí eu não sei

ler, aí eu passo pra progressão. Se eu não passar pra

terceira, não sei ler, passa pra progressão. Quem

não sabe ler.

Eu falei ‘É melhor ficar na progressão pra aprender

tudo de novo’. Aí eu vou saber melhor.

Rodrigo

Eu tô na progressão 2 e a minha turma é 9502. É a

progressão de uma forma. É que tem a um e tem a

dois. A segunda é forte e passa pra terceira forte.

Antes da progressão eu tava no jardim, aí eu sabia

ler muito. Eu passei pra progressão, porque eu era o

mais sabido da turma. Passei porque sabia mais.

E porque você fez a progressão no ano passado

e fez esse ano de novo?

Porque eu quis. Se eu não quiser fazer nenhum

dever, eu vou pra progressão.

Você falou que quem ia pra progressão era o

93

Rodrigo (cont.)

mais sabido. Agora falou que fica na

progressão quem não quer fazer o dever...

Não, quem fica na progressão é o mais sabido, que

veio do jardim direto.

Quando eu era pequeno, eu lia muito. Agora eu me

esqueci muitas coisas.

... eu tô passando maior vergonha na progressão...

porque é uma série que ninguém gosta. Porque tem

gente menor que tá na quarta, na terceira, tem gente

do meu tamanho que tá na quinta. E eu ainda tô na

progressão com dez anos na cara, mas também

entrei atrasado quando era pequeno.

Timóteo

Eu tô na progressão. É a primeira série.

Ano passado eu tava na segunda.

Eu faço duas séries, eu faço essa e a segunda. Eu

faço duas.

Janaína

Tô na progressão. Não sei o que é de cabeça, não.

Qual série vem depois da progressão?

Ih, ih, ih. Aí ficou difícil. Acho que é a terceira.

94

Hugo

Em que série você está?

Maria. O nome da série eu não sei, não. Eu sempre

esqueço, às vezes. Esqueço.

E no ano passado, você lembra em qual série

você estava?

Só mais ou menos. Bom a professora da outra série

era boazinha comigo, e a da tarde era boazinha

comigo. É que eu esqueço, às vezes.

E ano que vem, você vai pra que série?

Terceira!

Ainda tô na primeira, mas eu vou me esforçar.

Quem não faz nada, fica na progressão toda a vida.

O que é progressão?

Bom, a progressão, acho que são várias turmas

porque antes eu era da Katy e era da progressão, aí

depois eu passei de ano. Aí chegou uma professora

nova, aí eu fiquei naquela sala.

E agora, você tá na progressão?

Não, mas eu acho que eu não era mais da

progressão, quando o meu pai me levou pra sala da

Maria, ele falou que ela era boazinha.

Jaime

A progressão é estudar na segunda série com a

terceira.

A falta de entendimento dos jovens acerca das características da série

em que estão inseridos apontava a urgência em pensar a utilidade da mesma.

95

Ao final da pesquisa, com a criação do segundo ciclo, a Classe de Progressão foi

extinta e os alunos, aprovados ou não, encaminhados para a série seguinte.

DINÂMICA NA SALA E NA ESCOLA

Esta categoria surgiu da freqüência com que alunos contavam sobre os

eventos que ocorriam na sala e na escola durante as aulas. Grande parte das

falas, neste sentido, envolve as questões da brincadeira, da atividade, do

relacionamento entre colegas e professores e da opinião particular de cada

jovem a respeito da vida escolar.

Luís

Na minha sala... não é tão ruim, mas é bom. É bom

porque tem coisa para a gente brincar. Às vezes a

gente brinca de sinuca, dominó, pega-vareta. Essas

coisas todas de brinquedo. Jogo de botão. Só esses que

eu já joguei.

Durante o dia a gente faz... dever! E de vez em

quando, quando a tia vai corrigir o dever, a gente fica

brincando.

Edson

(A minha sala é)... boa. A tia dá, às vezes, ontem a

gente viu um filme. Ficamos felizes, um pouco alegre

quando tem filme. Ficamos bem.

Tem brinquedo pra gente brinca.

O que vocês fazem o dia todo na sala?

Maioria dever. Um pouco.

São fáceis ou difíceis?

Médio.

96

Edson (cont.)

Outro dia a minha amiga bateu a porta, a porta

quebrou. Aí tomou um esporro e até agora, hoje, ela

não veio.

Guilherme

Lá todo mundo faz bagunça, eu também. Lá a

professora fala ‘Não vai pro recreio!’ Aí acaba

deixando.

Primeiro a gente chega, faz o cabeçalho. Depois a tia

faz continha, depois acaba, aí esqueci. Acho que

depois é o recreio, aí depois é a comida que é o melhor.

A comida é o melhor, duas vezes até chegar e tomar

café em casa. Ainda brinca duas vezes.

Gustavo

A gente faz dever quando a tia sai. Ela sai e se fizer

bagunça tem que fazer mais dever.

Karina

Quando a tia tá aqui, ninguém batia. Na minha outra

escola era bom, ninguém batia, chegava limpo, tinha

um bocado de coisas lá no banheiro das meninas,

água, sabão, sabonete e toalha. Aqui não tem porque

eles roubam. Isso só traz infelicidade pros outros, eles

não querem ser limpos. Eles ficam na nossa sala e eu

falo que não, eles tão destruindo a pessoa que quer

aprender. Um bocado de meninos da quarta série e da

primeira série. A tia briga. Quando a tia briga, a tia

bota lá na diretora pra ficar em pé junto com a tia.

97

Karina (cont.)

Lá na minha sala é tudo ótimo. Só que às vezes tem

uma menina que implica comigo. Eu falo pra minha

mãe e minha mãe fala que vai vir aqui quando acabar

as festas pra falar com a tia. Aí as meninas começam

a implicar, aí eu fico quieta.

A tia passa matéria nova, aí a gente fica lendo e fica

escrevendo o que a tia passa no quadro.

Plínio

A gente pede pra tia passar mais forte o dever, pra

botar mais difícil, mas ela não passa. Porque a

obrigação dela é fazer dever fácil pros alunos. É fazer

dever e ensinar a gente a aprender a ler, né, escrever...

Um pouquinho mais difícil também seria bom.

A minha turma é legal, engraçada. Porque de vez em

quando que eles fazem brincadeira, aí a gente ri, ri

muito.

Tem dever. Não muito de vez em quando, a tia dá

uma parada igual a essa. Desenho.

De vez em quando tem aula de artes. Hoje tem aula

de artes. Na semana passada o professor contou uma

estória de terror. Muito legal.

Renata

Quando a professora vai almoçar... fica todo mundo lá

fora. Aí a professora pensa que todo mundo da sala tá

lá fora.

98

Rodrigo

Um fica fazendo bagunça e bota a culpa nos outros, aí

a tia vai lá e fica estressada.

Ela vai e diz ‘Vai todo mundo trabalhar, agora!’, olha

lá. Tem briga, a tia tá gritando lá. A tia fala altão.

Porque fica todo mundo fazendo bagunça e ninguém

ouve a tia.

A tia sai para jantar, almoçar, essas coisas, tomar

café, ou então ir no banheiro. Aí todo mundo faz

bagunça e a tia não sabe quem foi.

A gente só almoça sozinho. A tia só leva a gente e

sobe. Quando ela almoça a gente fica fazendo dever

até a tia voltar. Aí tem dia que ela passa filme.

Timóteo

A turma lá é boa. Mas também tem vário meninos

que implicam com os outros lá. Que bagunça, a tia

reclama com ele, ele não tá nem aí pra ela. Fica

xingando a mãe do outro. Ai a tia fala com ele, ele não

obedece. Ele fala ‘Ah, não tô nem aí’. A tia bota ele de

castigo.

Janaína

Eu tenho uma professora boa, tenho uma professora

que gosta de mim, que dá atenção pra gente ler e

escrever. ...eu tenho intimidade com ela, a gente vê

vídeo, tem aula de artes, isso nenhuma outra

professora passou pra gente. E antes disso a gente não

tinha nada, ficava na sala, da sala a gente ia pro

recreio e depois ficava um olhando pra cara do outro.

A gente fazia trabalho, dever... Agora a gente pode

conversar, pode brincar.

99

Janaína (cont.)

Na minha sala tem gente que briga, tem gente que

fica fazendo bagunça quando a professora vai

almoçar, não respeita ela. E sabe que tem trabalho no

quadro, e tem que fazer o trabalho no quadro, aí vai

levantar, brincar, vai conversar, bater papo, mas não

faz o trabalho, não tem jeito.

Quando a professora sai, a gente fica aqui na sala

sozinhos. Não pode comer bala, não pode comer doce,

não pode jogar nada no chão. Tem sempre que manter

a sala limpa, tem que respeitar a professora, tem que

ficar quieto, e quando a professora tá falando, tem que

prestar atenção.

Quando a professora dá um grito é bom... É bom

porque ela tá explicando, ela dá um grito e a gente

presta atenção nela. Ela manda sentar, tem que

obedecer, manda a gente sentar, parar e ficar quieto.

A gente fica fazendo dever, aí vai para o recreio.

Depois do recreio a gente vai pro almoço. Ela passa o

abecedário, a gente sobe e escova os dentes, aí depois a

gente faz conta, aí acaba a conta. Aí ela dá um vídeo.

aí acaba o vídeo e a gente fica na sala de aula até dar a

hora do recreio. Aí acaba o recreio, e depois pro

almoço, jantar, depois até a hora de ir embora.

100

Hugo

A tia Maria é boazinha, mas tem algumas crianças

que implicam comigo, aí eu saio de perto. Tem

algumas crianças, que nem o Luís, que ficam me

perturbando... eu e a Karina. Aí eu fico batendo nele,

aí eu falo pra tia Maria. A tia Maria separa.

...Eu chego lá, ajudo ela, carrego as coisas dela e

coloco em cima da mesa dela. Aí ela fica boazinha

comigo. (falando da professora).

Jaime

A tia Maria é boa. A gente faz um monte de dever.

... gostam de bater, quando a professora sai.

E quando ela está na sala?

Ficam quietos. Ela sai porque ela tem que comer, na

hora do almoço dela. Aí quando ela vai resolver um

problema, aí eles começam a fazer bagunça. As

meninas também, todo mundo. Muita bagunça

quando a professora vai embora. Aí ela vem de

surpresa e começa a ver quem tá na bagunça.

Ninguém tem amigo lá, não, tia. Um fica implicando

com o outro. Só tem amigo quando traz biscoito, essas

coisas. Aí ficam falando ‘Qual é, Jaime, tu é me

amigo!’ Começam a falar isso. Aí quando não tem, os

outros começam a bater em você.

Com algumas exceções, embora façam queixas de determinadas

situações, os alunos da Classe de Progressão do CIEP C demonstram-se

101

satisfeitos e habituados com a rotina em sala de aula.

BAGUNÇA

A bagunça poderia ser tratada no item acima, referente à dinâmica em

sala de aula. Devido a sua considerável ocorrência na fala dos alunos, porém,

entendo ser relevante destacá-la.

Garcia afirma que:

“Entre as incivilidades cotidianas na escola destacam-se, por exemplo, as

grosserias, as desordens, as ofensas verbais, e o que se denomina sem

muita precisão conceitual de ‘falta de respeito’. Sob essa concepção,

algumas formas de ‘bagunça’, devido a sua pouca gravidade e

previsibilidade, seriam incivilidades, e nem tanto indisciplina, no sentido

de romper com regras de algum contrato pedagógico, ou mesmo em

relação a alguma expectativa expressa no regime escolar.” (GARCIA,

2006, p. 125)

Eventos de bagunça e desordem, que minam as expectativas do bom

comportamento, foram narrados pelos jovens do CIEP C.

Luís

Sou bagunceiro.

Bagunça é quando a gente não faz o dever e fica

bagunçando na sala.

102

Carlos

Lá quando a professora sai para almoçar vira uma

bagunça. A gente almoça e vai para a sala, aí depois

ela almoça.

E vocês ficam com quem enquanto ela almoça?

Sozinhos. A gente faz bagunça, aí tem professor que

vem lá e briga com a gente.

Bagunça é... ficar batendo na mesa, brigando,

saindo de sala. Porque a professora fala para a gente

não sair e eles saem.

Quando a professora sai, eles fazem bagunça.

Quando ela volta, eles ficam quietinhos. Eles ficam

vendo pela porta. Aí eles falam ‘Bora, bora que a

professora chegou, a professora chegou’. Aí eles

ficam quietinhos. Aí quando ela vem tá tudo quieto.

A gente fica quietinho senão ela fica brigando.

E quando a professora vê você fazendo

bagunça? Ela coloca em outra sala. Em pé, de

castigo. Na 3ª série, ou então na 4ª. Já fui, foi muito

ruim, eu fiquei cansado.

103

Fabiano

A minha mãe tem até pena desses mendigos aí. Tem

garoto que faz bagunça na escola e a mãe... Tem

garoto que faz bagunça, eu falo ‘Pára, Luís, pára.

Hoje é teu dia, ih!’ Faz bagunça. Em casa tem vídeo,

eu vejo a hora que eu quiser. Aí a tia tira os garotos e

coloca de castigo na sala ou na direção.

Lá na minha sala é muita bagunça, bagunça pra

caraca. Aí começam a jogar as coisas... Vum, vum, e

eu vou só abaixando assim, oh. (Fabiano apóia os

braços na mesa e abaixa a cabeça) Se pega em

mim, vou logo na tia e falo ‘acertaram um lápis em

mim’, aí a tia bota pra fora de sala e deixa a gente

sem recreio.

Tem várias coisas, acontece acidente. Neguinho pega

um carrinho e taca na janela e quebra. Aquela lá tá

quebrada... E faz várias coisas.

Quando a tia chega eles ficam quietinhos. Um de

cada vez. Aí o outro foi falar que a tia tá vindo,

Plínio, fingindo, Plínio, Luís, tudo vem para a

direção. Aí fica de castigo, só na hora do recreio que

sai.

104

Guilherme

Bagunça é não fazer o dever. Meu pai também, ele

sabia fazer bagunça na sala, não sabe ler, não. Nem

meu pai, nem minha avó.

Às vezes a gente faz muita bagunça aí quando a

professora sai a gente começa a fazer a bagunça. Aí

quando ela entra tem sempre alguém vigiando na

porta. (Na outra escola), a gente não deixava gente

vigiando a porta. Aqui a gente deixa, quando a

professora chega, ela chega de fininho às vezes e vê a

gente fazendo.

Assim, tem todo mundo quieto. Aí quando o Plínio

começa a bagunça, todo mundo começa a bagunçar

jogando bolinha no outro, jogando bolinha no outro.

Eu não. Aí começa a bagunça. A professora chega:

‘Pára! Todo mundo tá sem recreio’. Aí depois: ‘Vai

pro recreio todo mundo!’.

Plínio

De vez em quando, faço muita bagunça. É implicar

com os amigos. Deixar a professora com raiva.

Rodrigo

Ficar batendo com a cadeira, correndo na sala,

fazendo ‘cosca’. Aí a tia fala assim ‘Faz o dever

agora, todo mundo!’, aí passa um texto.

105

Rodrigo (cont.)

Porque quando eu tô quieto, todo mundo me

perturba pra fazer bagunça.

Timóteo

Tem vezes que eu bagunço... porque a tia não tá lá

na sala. Ela sai pra almoçar. Ela passa conta pra

gente, a gente faz e fica brincando lá na sala.

(Fazer bagunça...) é divertido.

Jaime

É porque na 2ª série a professora não fazia nada, só

ficava deitada e dormindo. Aí a gente fazia

bagunça... Ele ficava reclamando, mas era ela que

tinha culpa. Ela faltava muito, ela dormia, não fazia

nenhum dever. Ela faltava muito.

Tipo, a cadeira está arrumada, aí começa a ficar

jogando as coisas... Aí é bagunça.

O relato dos alunos acerca da bagunça nos traz o entendimento da

mesma como forma de contestação da ordem escolar e de questionamento da

autoridade. Sua existência delineia um cenário desafiador para os educadores

106

inseridos nesta instituição de ensino.

BRIGAS

Pensar as manifestações de violência dentro da escola parece-nos muito

complexo tendo em vista as inúmeras definições e entendimentos acerca da

violência. Sposito (1998) a define:

“...violência é todo ato que implica a ruptura de um nexo social pelo uso

da força. Nega-se, assim, a possibilidade da relação social que se instala

pela comunicação, pelo uso da palavra, pelo diálogo e pelo conflito.”

(SPOSITO, 1998, p. 60)

Durante as entrevistas, os alunos da Classe de Progressão narraram

eventos de brigas entre colegas onde o uso da força prevalecia em relação ao

diálogo.

Carlos

Só brigo quando alguém implica comigo.

Tem um menino que fica batendo na gente toda hora.

É o Plínio. Ele é o mais chato que tem na sala. É o

mais levado que tem na sala.

Eles chegaram e começaram a bagunça. Gustavo,

Plínio e a irmã dele, Renata.

O que eles te diziam? Xingamentos, aquelas

coisas. E aí se a gente xingar, aí ele já bate na gente,

ele bate na gente. Plínio, Marcos, Rodrigo, aquele

que saiu daqui agora.

Guilherme

Tem gente que bate na gente. O Leandro, porque a

gente brinca com ele, taca as coisas na cabeça dele. É

brincadeira.

107

Eu fico com o Grego que me defende de todo mundo,

que ele é o mais... que ele quebra o capitão, o

Leandro, ele me defende do Leandro. Tem três

garotos querendo me pegar, ele já falou que não vai

deixar. Eles querem pegar meu dinheiro, aí eu não

deixava, é o Plínio e o Jefferson. Aí eu não deixei.

Gustavo

Quando um começa a implicar, o outro vai e bate, e o

outro sai lá pra fora, vai beber água e vai lá na tia

pra falar que tem sempre um que agride. E a gente

fica até quatro e meia... Ou ficamos sem recreio, sem

almoçar.

É um grupo, eles brigam assim de porrada, pegam o

outro na gravata. O Márcio pegou o Edson na

gravata e quase matou ele. Ele ficou roxo. Ele tava

brigando, o Márcio não queria devolver a bola do

Edson.

Plínio

Minha tia de vez em quando ela tá alegre, de vez em

quando ela não tá. Tá de mau humor. Aí ela briga,

né? Ela me bota pra fora de sala, aí eu fico com raiva.

Ontem aconteceu. Tinha um menino do meu lado, aí

eu falei. Aí o menino me deu um pouco de guaraná

pra ele, aí ele bebeu, aí eu fiz assim, aí ele bebeu,

derramou e foi falar com a tia. Aí a tia me botou pra

fora de sala. Aí ela falou que só podia entrar com a

minha mãe. Aí ontem eu vim pra escola, ela falou

que não podia. Aí na hora do recreio eu fui pra trás

do menino, aí eu fiquei com raiva e desci lá embaixo

108

e meti a porrada nele. Bati nele. Aí um colega dele

veio me bater, aí ele desceu. Aí de tarde a tia falou

que só podia entrar com a minha mãe.

Renata

Uns meninos fazem muita bagunça e ficam pro lado

de fora, batem nas meninas. Batem nas meninas,

chutam. Tem um garoto que até já xingou a

professora, garota também, fica aqui pro lado de fora.

O garoto já xingou a professora. Falou assim... Um

garoto gordo, acho que ele nem estuda mais aqui,

mas ele mandou a professora ir tomar naquele lugar,

e a professora foi e falou pra diretora, e ficou de

castigo. Mas já não sei se ele tá estudando aqui por

que ele xingou a professora.

A professora chega e leva pra secretaria. A professora

só falou assim ‘Se brigarem na sala, vão pra

secretaria’.

Porque toda aula é briga, briga, briga, briga. Toda

aula. Porque eles ficam brigando porque eles ficam

brigando pensando que é algum adversário, achando

que bate em todo mundo do colégio. Tem algumas

pessoas que ficam achando que bate em todo mundo.

Que quer brigar de mais. Que implica com os outros.

(Falando sobre o irmão, Plínio) Ele é muito chato,

ele bate em todo mundo. Aí a professora chamou até

109

a minha mãe aqui. Porque ele brigou, a professora

pegou e botou ele de castigo. O outro ela não botou,

aí ele foi e bateu no outro. Aí a tia botou ele de

castigo. Mas a minha mãe não veio, não. Aí a

diretora mandou minha mãe assinar o nome dela,

falar que ela já sabe. Porque ela trabalha muito.

Janaína

Tem uns jogos lá que a professora Maria deu, e um

jogo de sinuca que tem os tacos, só que quebraram...

Agora, ele quebrou sem querer. Agora, lá na minha

sala tem um garoto gordão que a gente chama ele de

Faustão. Aí ele pegou e foi bater nos meninos, ficou

fazendo bagunça na frente da professora, e eu tava

lá, tranqüilona na minha, que eu tava doente. Aí eu

acabei e levei o meu caderno lá na professora. Aí ele

foi e me chamou de gorda, filha da ..., de tudo que é

nome. Aí eu peguei e falei ‘Professora, eu vou dar

um soco nele’, aí ela falou ‘Não dá, não’. Aí eu

peguei e fiquei quieta na minha. Aí eu peguei e falei

assim ‘Ele vai ficar me xingando tudo isso e eu não

vou fazer nada’. Ele tacou a cadeira no garoto, se não

fosse a professora pra tirar, ele ia machucar o garoto.

Jaime

Os garotos são muito brigões. Os garotos quase não

fazem nada, aí eles começam a implicar, dá raiva,

começam a bater um no outro. Os garotos ficam

implicando com todo mundo, os maiores: o Plínio, o

Marcos e o Fabiano, também, gostam de bater.

110

“As brigas são consideradas acontecimentos corriqueiros, sugerindo a

banalização da violência e sua legitimação como mecanismo de

resolução de conflitos. Muitas vezes, as brigas ocorrem como

continuidade de brincadeiras entre alunos, podendo ter ou não

conseqüências mais graves. Entretanto, verifica-se que há brincadeiras

cuja própria natureza envolve a violência que começam na brincadeira e

acabam na pancadaria.” (ABRAMOVAY, 2002, p. 51)

As brigas no CIEP C, portanto, parecem fazer parte do cotidiano dos

alunos. São, para alguns, motivo de queixas e reclamações, e para outros

decorrência natural da convivência entre colegas, pretexto inclusive para a

diversão.

COMPORTAMENTO

Destaco, abaixo, as falas mais relevantes acerca do comportamento dos

alunos. Estes falaram sobre seu próprio comportamento em sala e avaliaram o

desempenho dos demais colegas, deixando clara sua visão sobre a

personalidade de cada um dentro da escola.

Carlos

Eu era bem quietinho. Ah, ficaram mexendo comigo

lá na sala, aí eu fiquei quase levado. É que é mais ou

menos levado.

Fabiano

Na segunda eu bagunçava, eu não ficava quieto, não

fazia nada. Só bagunçava.

A minha vida melhorou um pouco. Às vezes eu me

comporto, às vezes eu faço uma bagunça, às vezes.

Às vezes eu fico com dor de cabeça, não durmo. Às

111

vezes eu fico com dor de cabeça e fico querendo ir ao

banheiro.

Às vezes eu faço bagunça, às vezes eu me comporto,

aí eu fico de castigo, aí eu não faço o dever, faço

várias coisas. Pra fazer uma prova de teste eu faço.

Fabiano (cont.)

Se comportar, às vezes eu tento quando a tia faz

barulho. Eu não sou de briga, eu era de briga, agora

não sou mais. Os garotos fazem a maior bagunça, aí

eu fico assim, oh... (coloca as mãos no rosto), e

minha cabeça fica doendo.

Tem várias coisas lá que me bagunça, aí eu fico

assim, aí eu abaixo a cabeça pra dormir, aí geral fica

assim ‘Oh, vou falar com a professora, então’, ‘Vai,

pode chamar a professora, pode até chamar o Papa.

Guilherme

Eu fugia lá, aí eu faltava muito. Aí eu repeti duas

vezes.

Mas por que você fugia?

Não sei bem, os meninos me chamavam para ir para

a rua. Pra brincar. É porque todo dia a minha mãe

me botava lá, aí eu pulava o muro e ia fugir. Aí a

diretora ligava para minha mãe: ‘Seu filho fugiu’. Aí

ela ia lá me procurar.

E te achava?

112

(Guilherme balança a cabeça afirmativamente)

Ela me batia.

Sou bagunceiro, mais ou menos. Faço muito dever.

Mas eu já vi que a tia te separa de todo mundo

do grupo, por quê?

Ah, eles implicam comigo, aí eu também implico com

eles.

113

Gustavo

Eu gosto dos meus amigos, gosto de brincar, fazer

dever, de brincar de pique-pega, de pique-ajuda,

subir nas árvores e a gente jogar bola.

E o que você mais gosta de fazer aqui?

Aprender a ler. Eu gosto de estudar.

Quando fico nervoso, aí como muito, aí bate a minha

cabeça, já bateu minha cabeça cinco vezes. Eu como,

aí eu tropeço e caio... Quando eu quero brincar de

pique-pega, aí eu como muito, eu fico nervoso, aí eu

bato com a cabeça. Quando eu como muito, minha

mãe fala que não é para eu correr.

Plínio

Eu sou o que bota apelido em todo mundo. Eu gosto

de ficar botando apelido.

Sou forte. Tenho medo da minha mãe, só. Quando

ela tá com raiva de mim, aí eu tenho medo. Ela me

bate.

Renata

Eu sou, acho que sou chata.

Como é ser chata?

É assim: ‘Me empresta o dever, me empresta uma

coisa’, aí eu falo assim ‘Não quero emprestar, não, tu

tem’, aí eu falo ‘Não quero emprestar, não’.

114

Renata (cont.)

Você não gosta de emprestar seu dever?

Não por que algumas pessoas querem copiar, aí eu

falo ‘Não copia”. Eu não deixo. Porque é feio copiar,

aí a tia vai brigar comigo e com a outra pessoa.

Porque se você tá assim ‘Ah, deixa eu copiar esse

dever’, aí senta aqui do meu lado e fica copiando. Eu

falo ‘Não, não vai copiar, não’, e boto embaixo da

mesa. ‘Aí, tu é muito chata!’ Falam que sou chata.

Rodrigo

(Falando da Janaína) Ela é doente. Ela tem catorze,

entrou atrasada na creche e foi pra progressão.

Quando ela tava com treze anos, ela tava no jardim

ou então na segunda. Aí depois passou pra

progressão. Não escreve bem. Ela tem um jeito de

andar, e ela é a mais esquisita de todas. É a Janaína.

Timóteo

(Falando do Plínio) Ele é bom só que tem vezes que

ele bagunça. Ele é o mais implicante de lá da sala. A

gente fala com a tia aí ele ‘Sai daí, seu otário!’ Ele

fica xingando a gente. A tia vai e manda a mãe dele

vir aqui.

115

Janaína

A única pessoa que respeita a professora sou eu. É,

porque eu sou a representante da sala, e tem que

botar moral na sala... Sou eu e o Leandro, mas o

Leandro é o maior mané. Ele só sabe ficar batendo

nos outros e eu não gosto disso. Eu já chego

conversando e falo assim ‘Tem que respeitar a

professora, vamos lá, dá queixa só quando ela tiver

na sala, não tem que ir na diretora, tem que resolver

com a professora, a diretora não tem nada a ver com

o nosso assunto, é a professora Maria quando ela tá

na sala que tem que resolver com a gente’.

A professora que me escolheu (representante),

porque era a Tamares, só que como ela faltava, aí a

professora me escolheu. E eu tenho mais cabeça que

todo mundo da sala.

Como é ter mais cabeça que todo mundo?

É prestar mais atenção em todo mundo. É porque eu

não brigo, tinha uma época que eu era brigona, que

metia a porrada em todo mundo, batia nos meus

irmão, metia a porrada em todo mundo, saia pra

brigar. Agora, não.

Eles são diferentes... porque eu sou gente, né? Sou

mais gente. Porque eu paro e penso nos outros,

porque eu não saio brigando no tapa com outra

turma, não. São os bichos da turma.

116

Jaime

Eu faço bagunça, um pouco.

É interessante notar que, de uma maneira geral, a visão que os alunos

tem sobre seu comportamento em sala é equivalente a de seus colegas, o que

demonstra um bom entendimento acerca do papel social que desenvolvem na

escola.

VIOLÊNCIA EXTERNA

Os entornos da escola e da residência dos alunos se constituem local de

existência da violência a qual rotineiramente são expostos e, através da qual,

influenciados os estudantes.

“A violência na escola pode ser associada a três dimensões (...) ao

contexto, ou seja, uma violência que se origina de fora para dentro das

escolas, que as torna sitiadas e que se manifesta por meio da penetração

das gangues, do tráfico de drogas e da visibilidade crescente da exclusão

social na comunidade escolar.” (ABRAMOVAY, 2002, p.49)

117

Carlos

(falando sobre a blusa)... É, tá pichada. Isso daqui

foi meu amigo. A.D.A. É aquilo que é de bandido. É

dos caras lá que são A.D.A. É da bandidagem. Eles

fazem tiroteio, às vezes eles matam os próprios

bandidos deles. Isso aqui vai virar pano de chão.

Fabiano

Tem gente que faz bagunça. Mas não é esse Luís

não, é um outro lá do Vidigal. A minha mãe ajuda

ele e ele empurra a minha mãe. A minha mãe

chamou o cara do Conselho Tutelar.

Você já viu alguém do Conselho Tutelar?

Nunca vi.

Quem vai para o Conselho Tutelar? Como

funciona?

Ninguém já foi. Lá é uma cadeia assim de criança,

assim que apronta, bate na mãe, responde a mãe,

quebra tudo dentro de casa, faz várias coisas,

bagunça, bate no pai, bate na mãe. Mas eu não bato

na minha mãe, não. Eu nunca apanhei da minha

mãe, não. Antes, quando eu era menorzinnho, eu

apanhava. Agora não, eu faço tudo para ela.

E as crianças que batem na mãe...

Vão para o Conselho Tutelar. A mãe liga pro

118

Conselho Tutelar, o Conselho Tutelar vai em casa,

vai buscar o menino, dá paulada, o menino entra e

vai pro Conselho Tutelar. Eu fiquei sabendo. Eu já vi

aqui, também, um garoto já tomou muita paulada

aqui, tinha dois mendigos aqui.

Fabiano (cont.)

Tomou paulada de quem?

Do Conselho Tutelar. Aí o guarda falou ‘Tu é

maluco de subir aí na escola?’ Aí o guarda começou

a dar paulada nele.

O mendigo estava subindo na escola?

Não, já tava dormindo lá em cima. O garoto falou

para a diretora ‘Olha lá dois mendigos dormindo’. Aí

chamaram o Conselho Tutelar e falaram ‘Desce,

desce’. Aí começaram a bater, levaram pro Conselho

Tutelar. Quem vai para o Conselho Tutelar nunca

mais volta. Os mendigos ficam, tem uns que sai.

Minha mãe tem até pena dos filhos dos mendigos,

minha mãe dá maior medo, minha mãe dá dez reais

para ele. Aí minha mãe vai jogar fora a comida

boazinha, aí eu falo, ela fala, eu falo ‘Joga fora, não,

mãe, dá pro mendigo ali. Aí minha mãe dá.

Guilherme

Eu repeti dois anos, eu fugia. Meu pai foi preso. Ele

119

foi roubar outro cara.

...

Vai pegar três anos. Já fui lá três vezes, minha irmã

foi também só uma vez, e meus outros irmãos

pequenos só vão ver o meu pai quando ele sair.

Guilherme (cont.)

Eu fugia... Aí ela (mãe) me levou de lá, aí eu quase

fui pro Conselho Tutelar, eu e minha irmã porque

minha irmã respondia minha mãe... Com o tio lá da

prefeitura, que lá na prefeitura tem um tio mauzão.

Eu fui lá, aí um negão grandão lá falou ‘Bora!’ Aí eu

‘Não, não, não!’ Chorei muito, aí ele falou ‘Não, não,

não vai não’.

Tem um monte de negócio lá, tem um monte de

garoto de rua, lá, eles tão fugindo ainda. Eles tão

fugindo, aí eles vão pro Conselho Tutelar se

continuar.

Rodrigo

Meu pai liga pra mim, ele vem aqui, me leva pra

comprar roupa. Eu fico lá na casa dele. Lá é melhor

que a Rocinha. Lá eu ando de cavalo, essas coisas. Na

Rocinha, não, só tem tiro, as pessoas morrendo. Meu

tio era bandido e saiu da boca. Se ele morresse minha

avó ia chorar, todo mundo ia chorar.

120

Janaína

Eu não queria ficar aqui, não, tenho uma tia que

mora em São Paulo. Aqui é muito violento. Eu vejo

muita gente morrendo, na Rocinha.

121

Janaína (cont.)

Moro com a minha mãe e com os meus irmãos... Um

trabalha, o outro tá com a minha avó, e o outro tá

dodói, tá no médico. Veio todo mundo pra cima dele,

armaram pra ele... Aí na cadeia chamaram ele pra

roubar. Aí ele tomou três tiros. Acho que na Kombi.

Aí levaram ele e falaram que ele tava quase

morrendo. Aí falaram que foi Deus que salvou ele,

que ele tava quase morrendo. Eu não acreditei, não,

tia, professora. Eu não acreditei, não. Porque ele era

meu melhor irmão. Pra mim não era meu irmão, era

outra pessoa que tava morrendo. Depois que eu fui

saber que era meu irmão. E depois, de manhã cedo, lá

para as sete e meia, foi o exame dele lá no hospital.

Mas tenho fé em Deus que ele vai sair livre, aí depois

vem o julgamento. Ele vai para o julgamento com o

juiz. Ele era um bom trabalhador... Ele carregava o

material, levava cerveja para os outros. Ele entrou

na boca pra seguir o exemplo do meu outro irmão.

Eu não quero mais viver aqui, eu não quero seguir o

exemplo da família. O sonho da minha mãe é ver

todo mundo casado. Aí eu tenho que seguir o

exemplo dela, tenho fé em Deus que meu filho vai ser

jogador de futebol.

122

Jaime

No ano que vem, eu não vou estar aqui. Vou estudar

em outro colégio, aqui é muito chato. Brigam muito,

minha mãe vai me tirar daqui, pedi desde o começo

do ano porque aqui é muito chato... O garoto tacou o

lápis na minha cabeça.

E nas outras escolas isso não acontece?

Eu acho que acontece, mas na escola que eu

estudava, não. É porque aqui tem vários filhos de

bandido, tem muito filho de bandido. Tem alguns

pais que vem com arma na cintura... Quando a

professora vai fazer uma reclamação, aí ele quer

pegar a professora ou o filho dele. Teve uma mãe que

queria bater na minha professora porque a filha dela

fazia muita bagunça.. Aí juntou com as outras mães

e quase deu porrada.

Conforme afirmado nas entrevistas, a insegurança, as gangues, o

tráfico, o consumo de entorpecentes, entre outros fatores, expõem os alunos do

CIEP C e de tantas escolas a situações de violência extrema que invadem o

cotidiano escolar.

SENTIDO SOCIAL DA ESCOLA

Senna (2004) afirma que:

“O sentido social da escola – tal como o concebemos ainda hoje – está

fortemente associado, tanto ao dogma da Razão, quanto ao princípio do

banimento, ambos solidariamente agregados como ícones de uma

cultura que não tolera as diferenças e se sente ameaçada por elas. Ainda

123

é muito forte em nosso imaginário o princípio sintetizado no dito

popular em que se declara ser preciso ir à escola para ser gente na vida,

aludindo-se, assim, aos não escolarizados como não-gentes, como

sujeitos desprovidos de Razão, como os outros. (SENNA, 2004, p.54).

Vejamos o que os alunos do CIEP C falam acerca do sentido social da

escola.

Fabiano

Vai ser mendigo quem não estuda, não sabe ler, não

sabe escrever. Não sabe o que é um mais um, não

sabe fazer continha. Quando o professor vira e fala:

‘Lê o que está escrito ali para mim’, não sabe ler.

Agora tu vai lá, quando crescer não tem casa para

morar. Vira mendigo, não vai ter casa para morar.

Eu estudo para ser trabalhador quando crescer,

sustentar minha casa, minha família.

A tia às vezes enche o quadro de dever, a gente gosta

de estudar. Têm alguns que não estão nem aí: ‘Tô

nem aí, quando eu crescer vou ter a minha casa.’ Aí

eu falei ‘Tu vai ter que ter várias coisas, carteira

assinada, CPF, documento de nasci... nascimento,

sei lá, cartão de vacina’. Eu falei ‘Duvido que eu não

vou ter minha casa’, ‘Vou desmontar e quebrar a tua

casa todinha’. É mesmo, não tô nem aí se tu for

mendigo, vai ser melhor ainda pra mim’.

124

Gustavo

Eu gosto de estudar... pra poder trabalhar, pra poder

fazer as contas.

Timóteo

(Tem que aprender...) porque algum dia quando a

gente, pra não passar vergonha. Um dia a tia passou

um negócio pra eu ler que eu não consegui ler.

Contrariando as expectativas, os jovens parecem ignorar a relação entre

o desempenho escolar e o pertencimento a determinada classe social, e insistem

em reconhecer a escola como agente transformador capaz de garantir um futuro

de sucesso.

COTIDIANO FORA DA ESCOLA

O dia-a-dia dos alunos da Classe de Progressão do CIEP C é permeado

por outras atividades. Embora eles passem a maior parte do dia na escola,

muitos ainda carregam a responsabilidade de trabalhar e ajudar em casa.

Fabiano

Minha mãe trabalha com esse negócio de Tribunal de

Justiça... Ela ajuda as senhoras que querem se

aposentar e ela ganha uma grana. Às vezes eu vou e

trabalho com ela. Às vezes eu trabalho também

sábado e domingo, entregando coxinha e ganho

trinta. Trinta de uma moça, trinta da outra, e cinco

de outra. Vai ficar trinta e cinco.

125

Fabiano (cont.)

Trinta de uma mulher que eu levo coxinha, aí tem

outra que mora embaixo, aí tem a outra que mora em

cima. Aí tem um garoto que eu busco de manhãzinha

para a escola. Minha mãe leva, aí recebe. Trinta e

cinco... trinta e cinco, não, setenta e cinco.

Porque às vezes eu faço esses trabalho para a minha

mãe, não gosto de ficar com muito dinheiro na mão,

não. Eu vou jogar dinheiro fora, aí eu dou para

minha mãe.

Não gosto de dinheiro, não. Ficar gastando assim...

Aí vão ficar tomando da nossa mão. Aí não gosto de

ficar com dinheiro na mão. Aí me dá vontade de

jogar fora, mas eu guardo e dou para minha mãe.

Depois quando eu acordo, quatro horas da manhã,

me arrumo. A minha mãe acorda às três horas. Às

quatro minha mãe me acorda. Aí quatro e meia, não,

quatro e vinte eu vou buscar o garoto. Depois vou na

casa da mulher pegar as coxinhas e descer lá embaixo

para entregar. Aí depois ela me manda o dinheiro

do... que eu peguei da coxinha e aí eu pego e levo e

dou o dinheiro para a mulher. Depois a gente se fala

do dinheiro. Depois a gente conversa do dinheiro,

quanto vai dar das coxinhas para pagar.

126

Fabiano (cont.)

É rapidinho. É lá no Vidigal, é só descer. Lá tem

várias coisas, é só descer, eu desço. Entrego a

coxinha, guardo o dinheiro. Depois eu subo de moto

rapidinho, entrego o dinheiro para a mulher, depois a

gente acerta para pagar as coisas.

Subo de moto, o motoqueiro tá assim... faço sinal,

subo em cima dele e dou dois reais.

Aí desço e vou entregar o dinheiro e aí vou para a

escola.

Aí eu ajudo a minha mãe a limpar a casa, ajudo a

minha mãe em várias coisas. Ajudo a minha mãe a

lavar a cozinha, ajudo a minha mãe a arrumar o

quarto, lavar o banheiro.

Guilherme

Eu ensino a minha avó, eu ensino. Ensino a escrever.

Ainda tem a minha prima, ela tá grávida de uma

garotinha e o pai da garota, que é minha prima,

morreu. O pai da garota morreu. E tem outro cara

que tá com o neném que é o... o homem na barriga

não sabia e fugiu. Ela tem um casal agora. Tem

outra prima que ela teve filho, era homem, é Cauã, aí

ela queimava ele com gimba de cigarro. Aí minha

avó foi lá na justiça e tirou o filho dela. É porque a

minha prima, ela começa a xingar a minha avó.

127

Gustavo

Você quer trabalhar com o que quando crescer?

Ambulância. Aí se alguém tiver ferido, a gente vai

medicar e levar pro hospital. Vou ser a pessoa que

dirige.

Você conhece alguém que dirige ambulância?

Conheço, meu padrasto... Ele disse que vai me levar

para passear. Quando eu cortei a cabeça, ele me

levou pro hospital. Eu caí de cima da laje, num

buraco que tem lá, aí quebrou aqui. Eu fui pegar a

chave, aí tava chovendo, a escada é de madeira e eu

escorreguei e caí. A chave tava na minha irmã, ela

mora embaixo da minha casa, aí quando eu fui pegar

a chave eu caí e o ferro passou na minha cabeça.

Minha mãe trabalha em casa de família. Ela faz

comida, limpa a casa, às vezes a patroa dela me dá

dinheiro. O patrão um dia me deu sete e cinqüenta.

Eu compro roupa para mim e para minha sobrinha.

Plínio

(Se eu repetisse de ano)... ficaria triste, minha mãe

também. Porque ela depende de mim. Minha mãe

não sabe ler, nem escrever... Eu tento ajudar ela.

Ajudar em casa, ela falou que é para eu aprender

para ensinar a ela.

Sem dúvida, o cotidiano dos alunos fora da escola os influencia dentro

128

dela, na medida em que agrega valor à aprendizagem e sua utilidade no futuro.

APRENDIZAGEM

De maneira geral, os alunos de CIEP C parecem relacionar o sucesso na

aprendizagem à realização de tarefas, ao exercício da mesma. Vejamos o que

dizem acerca do tema.

Guilherme

Ano passado você repetiu. E esse ano, o que

você fez diferente para passar?

Eu não sabia nem fazer nada, aí depois eu comecei a

fazer as coisas. Eu nem sabia direito a ler, agora eu

tô começando a escrever. Eu pegava um livro e ficava

em casa. Aí eu comecei a estudar, aí eu comecei a ler.

Quando meu pai tava aí, ele mandava eu escrever

meu nome umas vinte vezes.

Karina

Antes eu tirava nota boa, agora não tô tirando mais

por que a minha mãe me tirou do colégio, eu tava

aprendendo a ler, fazer continha, tudo isso. Aí depois

me tirou, aí eu comecei a ficar, aí eu entrei aqui.

Timóteo

Com o dever a gente aprende mais do que a bagunça.

Janaína

Minha mãe falou que errou porque eu tô aqui desde

criança. Porque aqui não era um colégio bom.

Porque ela disse que aqui eu não ia aprender nada e

agora eu tô aprendendo um monte de coisa aqui.

Mudou porque agora eu tenho uma professora boa,

tenho uma professora que gosta de mim, que dá

atenção pra gente ler e escrever.

129

Hugo

Mas só que eu não sei ler, não. Algumas coisas eu

sei, ainda ler eu não sei, não. Por isso que eu presto

atenção. Bom, escrever e estudar eu sei fazer, mas ler

eu só sei mais ou menos.

Jaime

No outro ano eu não fazia nada, nenhum dever. Aí

esse ano, minha mãe me botou no reforço. Aí eu

comecei a aprender as coisas. Comecei a fazer o

dever, a aprender a ler. No reforço lá na Rocinha...

11 horas da manhã, nas férias.

Essas e outras tantas falas dos alunos levam a reflexão acerca da

produção do fracasso escolar, das alternativas ao mesmo e da atuação dos

pesquisadores da área de educação em torno do tema. A seguir, concluo este

estudo apresentando algumas destas reflexões.

130

Conclusão

Este estudo de dissertação estruturou-se da seguinte maneira: 1) uma

introdução contendo considerações iniciais acerca do tema da pesquisa; 2) um

capítulo dedicado ao referencial teórico-metodológico, que analisou a produção

teórica acerca da exclusão, do fracasso escolar e da violência, e considerações

referentes à abordagem metodológica de pesquisa utilizada; 3) um capítulo

descritivo sobre a pesquisa de campo realizada, onde destacou-se novamente o

objetivo da mesma, seus processos de coleta e análise de dados, e as falas mais

relevantes de seus participantes. Faz-se necessário agora, entretanto, concluir

este estudo de maneira a refletir seus desdobramentos e analisar suas

contribuições.

O objetivo do desenvolvimento desta pesquisa não foi esgotar o tema

do fracasso escolar. Sei, inclusive, que isto não seria possível nos estreitos limites

deste trabalho, principalmente por tratar-se de questão tão complexa. Mesmo o

passar do tempo e as inúmeras políticas educacionais implementadas não

131

foram, ainda, suficientes para solucioná-lo.

Ao contrário, minha meta foi refletir o fracasso sob os olhares dos

alunos que o experimentam, no caso desta pesquisa, os alunos da Classe de

Progressão do CIEP C. Neste sentido, a primeira constatação que me chama

atenção e que vale ser analisada é a maneira como estes jovens falavam do

fracasso. Muitas vezes sem compreender a proposta da Progressão, sem saber a

série em que estavam, preocupados em narrar os casos de brigas e bagunças, em

falar sobre o comportamento dos outros colegas, enfim, em todas essas e em

muitas outras situações eles falavam do fracasso com a mesma atitude: como

algo inerente, certo, contingente a eles, transmitido por gerações.

Sabemos que em países como o Brasil, também em termos de educação,

a determinação e a contingência são obstáculos difíceis de serem superados. As

exclusões social e educacional parecem serem deixadas como herança entre

gerações (SCALON, 1999). Apesar deste fato, contrariando todas as

expectativas, as famílias menos favorecidas parecem ignorar a relação ente o

desempenho escolar e o pertencimento a tal classe social. Concluo, pelo que

ouvi dos alunos entrevistados, que suas famílias insistem em reconhecer a

escola como agente transformador, mantendo seus filhos nela e demonstrando a

eles o valor que atribuem a mesma. Os alunos, consequentemente, passam a

confiar nesse valor. Fabiano confirma minha interpretação ao afirmar:

“Vai ser mendigo quem não estuda, não sabe ler, não sabe escrever. Não

sabe o que é um mais um, não sabe fazer continha. Quando o professor

vira e fala: ‘Lê o que está escrito ali para mim’, não sabe ler. Agora tu vai

132

lá, quando crescer não tem casa para morar. Vira mendigo, não vai ter

casa para morar... Eu estudo para ser trabalhador quando crescer,

sustentar minha casa, minha família.” (Fabiano)

Entendo que a compreensão do sentido social que os alunos e as

famílias tem da escola pode auxiliar na superação do fracasso na medida em

que os pesquisadores e profissionais da área se mobilizem para minimizar a

visão piegas e esvaziada de conteúdo do ir à escola para ser alguém na vida. Ao

contrário, o movimento deve ser de canalização dos esforços no

desenvolvimento do interesse genuíno dos estudantes pela aprendizagem, na

valorização real da educação e na promoção da confiança dos alunos em suas

próprias habilidades e capacidades. A partir daí, será possível construir um

ambiente escolar motivador, atento às necessidades sócio-emocionais de seus

estudantes.

Outra contribuição deste estudo é a reflexão acerca da violência a que

estão, frequentemente, expostos os alunos do CIEP C e de tantas outras

instituições escolares espalhadas pelo país. Fora da escola, estes indivíduos

convivem com situações de violência que lhe foram impostas, possibilidades as

quais lhes foram dadas, sem que as escolhessem. Esta violência se reproduz na

casa, rua, bairro e comunidade em que vivem e invade os portões da escola

através de ações violentas internalizadas por alunos e professores. Lutar contra

o fracasso escolar implica lutar, também, contra a violência que castiga dia após

dia o ambiente educacional e suas tentativas de ensino e aprendizagem. As falas

dos jovens expostas nesse estudo podem guiar pesquisas futuras que objetivem

auxiliar a escola no processo de reconhecimento da exposição à violência e

133

inserção da mesma em seus projetos educativos (SPOSITO, 1981).

Entendo que muito já se tenha sido produzido acerca do fracasso

escolar e que este já tenha sido, de diversas maneiras, justificado (PATTO, 1996).

Penso, entretanto, que urge nos dias de hoje a necessidade de sobrepujá-lo e que

as pesquisas da área da educação devem se debruçar sobre ele com novos

olhares. Propus neste estudo o olhar daquele que o vivencia e creio ter

contribuído, assim, para o movimento de sua superação.

134

Referências Bibliográficas

ARENDT, H. A crise na educação: entre o passado e o futuro. São Paulo:

Perspectiva, 1972.

_________. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.

BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Petrópolis:

Editora Vozes, 2003.

BOURDIEU, P. (Coord.). A miséria do mundo. Petrópolis: Editora Vozes, 1997.

BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

BOUDIEU, P.; PASSERON, J. A reprodução: elementos para uma teoria do

sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982.

BRASIL. MEC/INEP. SAEB. Dados 2004.

BRASIL. IBGE. Dados 2007.

BRASIL. INEP. Censo Escolar 2006.

135

CASTEL, R. As armadilhas da exclusão. In Desigualdade e a questão social. São

Paulo: EDUC, 1997, p. 15-48.

DUBET, F. A escola e a exclusão. Tradução de Neide Rezende. Cadernos de

Pesquisa, n. 119, p. 29-45, julho/2003.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.

São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989.

IRELAND, V. E. (Coord.). Repensando a escola: um estudo sobre os desafios de

aprender, ler e escrever. Brasília: UNESCO, MEC/INEP, 2007.

MARTINS, J. S. Exclusão sócia e a nova desigualdade. São Paulo: Paulus, 1997.

_________. Reflexão crítica sobre o tema da exclusão social. In A sociedade vista

do abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais. Petrópolis:

Vozes, 2002, p.25-47.

MACBEATH, J.; GRAY, J.; CULLEN, J.; FROST, D.; STEWARD, S.; SWAFFIELD,

S. Schools on the edge: responding to challenging circumstances. London:

P.C.P., 2007.

MATTOS, C. L. G. A abordagem etnográfica na investigação científica. Espaço

Informativo Técnico do Ines. Rio de Janeiro, v. sem. nº. 16, p. 53-58, 2001.

_________. Imagens da Exclusão. Projeto de Pesquisa (2002-2005) apresentado

ao Departamento de Estudos Aplicados ao Ensino em março de 2002,

desenvolvido pelo grupo de pesquisa Linguagem, Processos Educacionais e

Etnografia na linha de pesquisa Linguagem e Processos Educacionais no

Proped/UERJ, Rio de Janeiro, 2002.

PATTO, M. H. S. A Produção do Fracasso Escolar. São Paulo, T. A. Queiroz

Editor, 1996, 4ª ed.

PATTO, M. H. S.; ANGELUCCI, C. B.; KALMUS, J.; PAPARELLI, R. O estado

da arte da pesquisa sobre o fracasso escolar (1991 – 2002): um estudo

introdutório. Educação e Pesquisa (USP). São Paulo, v.30, p. 52-72, 2004.

136

PEREGRINO, M. D. Desigualdade numa escola em mudança: trajetórias e

embates na escolarização pública de jovens pobres. Tese de Doutorado em

Educação. Universidade Federal Fluminense. Niterói/RJ, 2006.

RIBEIRO, L. C.; BREGUNCI, M. G. C. Interação em sala de aula: questões

conceituais e metodológicas. Belo Horizonte: UFMG, 1986.

SCALON, M. C. Mobilidade social no Brasil: padrões e tendências. Rio de

Janeiro: IUPERJ/Revan, 1999.

SOUSA, S. M. Z. L.; BARRETO, E. S. S. (Coord.). Estado do Conhecimento –

ciclos de progressão escolar (1990 – 2002): relatório final. São Paulo:

Universidade de São Paulo, 2004. [Relatório de Pesquisa].

SPOSITO, M. A instituição escolar e a violência. São Paulo: Caderno de

Pesquisa da Fundação Carlos Chagas, n. 1, julho 1981.

SPRADLEY, J. The ethnographic interview. Forth Worth: Hancourt Brace

Jovanovich College, 1979.

WEBER, M. Ensaios de Sociologia. Tradução de Waltensir Dutra. 5ª. ed. Rio de

Janeiro: Guanabara, 1982.

ZALUAR, A. Um debate disperso: violência e crime no Brasil da

redemocratização. São Paulo: Perspectiva, Set. 1999, vol. 13, nº, 3, p. 3-17.