foucault, michel - o que é o autor

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7/23/2019 FOUCAULT, Michel - O Que é o Autor http://slidepdf.com/reader/full/foucault-michel-o-que-e-o-autor 1/63 O que é um autor?, de Michel Foucault duas traduções para o português Notas de tradução Nathália Campos Belo Horizonte FALE/UFMG 2011 Organizadora Sônia Queiroz

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O que é um autor?,de Michel Foucaultduas traduções para o português

Notas de tradução

Nathália Campos

Belo Horizonte

FALE/UFMG

2011

Organizadora

Sônia Queiroz

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Diretor da Faculdade de Letras

Luiz Francisco Dias

Vice-Diretora

Sandra Maria Gualberto Braga Bianchet

Comissão editorial

Eliana Lourenço de Lima ReisElisa Amorim Vieira

Fábio Bonm DuarteLucia Castello BrancoMaria Cândida Trindade Costa de SeabraMaria Inês de AlmeidaSônia Queiroz

Capa e projeto gráco

Glória CamposMangá – Ilustração e Design Gráco

Digitação

Débora LeiteErinilton Gomes

Preparação de originais

Flávia MoratoMariana Pithon

Diagramação

Mariana Pithon

Revisão de provasGuilherme ZicaTatiana Chanoca

Endereço para correspondência

Laboratório de Edição – FALE /UFMGAv. Antônio Carlos, 6627 – sala 408131270-901 – Belo Horizonte/MGTel.: (31) 3409-6072e-mail : [email protected]: www.letras.ufmg.br/labed

  5 O autor entrevisto

Adilson A. Barbosa Jr.

  15 Qu’est-ce qu’un auteur?

Michel Foucault

  51 O que é um autor?

Tradução de Antônio Fernando Cascais e

Eduardo Cordeiro

  83 O que é um autor?

Tradução de Inês Autran Dourado

Barbosa

  121 Edições de “O que é um autor?”, de

Michel Foucault em francês, inglês e português

Sumário

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O autor entrevisto

Adilson A. Barbosa Jr.

O ano de 1969, no qual, em 22 de fevereiro, Michel Foucault profere a

conferência “O que é um autor?” na Sociedade Francesa de Filosoa,

marca signicativas mudanças na postura política do lósofo. Foucault

havia permanecido distante dos acontecimentos de maio de 1968, o que

lhe rendia a reprovação da maior parte da esquerda francesa. Nomeado,

em 1º de dezembro de 1968, para a cátedra na recém-criada Universidade

de Vincennes, o lósofo volta-se para a política e se incorpora ao movi-

mento contestador que ali eclodia. No entanto, essas mudanças, bastante

nítidas na atuação do professor de Vincennes, onde permaneceu por dois

anos, revelam-se graduais na produção intelectual de Foucault, ainda por

se consolidar como um “genealogista do poder”.1 Didier Eribon, um dos

principais biógrafos do lósofo, destaca esse descompasso: “Seus artigos

ou conferências desse período continuam supreendentemente marcadas

por suas preocupações teóricas e por seu estilo anteriores”.2

Embora Roberto Machado, em Foucault, a losoa e a literatura,

aponte “O que é um autor?” como um dos exemplos do movimento de

abandono da literatura como tema por parte de Foucault,3 a marcante

presença, nessa fala, da visão foucaultiana do espaço da linguagem li-

terária4 torna inquestionável a importância dessa conferência para os

1 MACHADO. Foucault, a losoa e a literatura , p. 123.2 ERIBON. Foucault : 1926-1984, p. 195.3 MACHADO. Foucault, a losoa e a literatura , p. 121-122.4 Ver PELBART. O desaparecimento do homem, a literatura e a loucura, p. 179.

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estudos de teoria da literatura. Ademais, as considerações feitas então, por

Michel Foucault, mereceram ampla recepção e ainda se fazem presentes

na obra de pensadores e teóricos contemporâneos, como Giorgio Agamben

e Antoine Compagnon.

Roland Barthes, em 1968, deu a lume o artigo “A morte do autor”,

cujo teor seria tão impactante quanto o título. A força da terminologia,

entretanto, não deixaria de ensejar interpretações excessivamente radicais

das ideias expostas por Barthes, que, na verdade, concluía pela “morte”

de uma determinada concepção de Autor – assim grafado, inclusive, com

letra maiúscula – em favor do que ele pretendia, coerentemente, deno-

minar escritura, em lugar de obra. Foucault, na palestra de 1969, procura

prevenir-se da redundância em relação a Barthes. Alega a insuciência de

se repetir que o autor desapareceu, de se pretender uma concentração

de esforços sobre a obra – conceito cuja indeterminação denuncia – e

defende a necessidade de se vericar “o espaço assim deixado vago pela

desaparição do autor”, seja qual for a dimensão desse desaparecimento.

E, naquele espaço “deixado vago”, se formaria o que Foucault denomina

a função autor . Como Barthes, Foucault assume um posicionamento anti-

humanista, já expresso em  As palavras e as coisas, ao tratar da morte

do homem.5 Outro ponto comum, e de suma importância, entre “A morte

do autor” e “O que é um autor?” é a abertura para o inuxo do papel do

leitor. Conforme Barthes, o leitor é o lugar onde se reúne “o ser total da

escritura”.6 Foucault é menos explícito, mas arma o “trabalho efetivo” –

e transformador – do “retorno ao texto”.7 Em consonância com a recusa

de uma concepção autoritária de autoria, os dois teóricos refutam a ideia

de um “sentido oculto”,8 a “ser decifrado”.9 À época, já ganhavam corpo

os estudos que culminariam nas teorias contemporâneas das Estéticas da

5 À semelhança do que foi dito em relação à morte do autor para Roland Barthes, aqui também cabe

ponderar que Foucault trata, em  As palavras e as coisas, do ocaso de uma concepção humanista do

homem no âmbito do pensamento ocidental.6 BARTHES. A morte do autor, p. 64.7  As citações de Michel Foucault sem indicação bibliográca pertencem à tradução brasileira da

conferência “O que é um autor?”.8 Apesar do esclarecimento da nota anterior, frisa-se aqui a expressão como também proveniente da

conferência “O que é um autor?”, de Michel Foucault, a m de evitar maiores confusões de indicação

bibliográca com o artigo de Roland Barthes.9 BARTHES. A morte do autor, p. 63. (Grifo do autor).

Recepção e do Efeito, cujo marco temporal convencionado é a aula inaugural

de Hans Robert Jauss na Universidade de Constança (Alemanha) em 1967.10 

É importante observar que a reviravolta empreendida por Barthes

e Foucault no âmbito conceitual da autoria revela-se, inevitavelmente,

tributária do cânone literário moderno. Autores como Stéphane Mallarmé,

Franz Kafka, James Joyce, Samuel Beckett, dentre outros, operam um des-

dobramento sucessivo – e innito – da palavra. Dotam-na de exterioridade,

no passo em que a libertam das funções de representação do mundo e de

expressão da subjetividade autoral. Em outros termos, a palavra não de-

signa, existe. E existe enquanto o autor desaparece: “Mallarmé não cessa

de apagar-se na sua própria linguagem, a ponto de não mais querer aí

gurar senão a título de executor numa pura cerimônia do Livro, em que

o discurso se comporia por si mesmo”.11

Editada, a conferência “O que é um autor?” suscitou – e ainda sus-

cita – signicativa recepção crítica. Antoine Compagnon dedica ao conceito

de autor  um longo capítulo em O demônio da teoria, no qual as ideias de

Foucault são discutidas.12 Todavia, nessas páginas Compagnon encarcera a

discussão sobre a autoria nos limites de uma dicotomia: de um lado, situa

concepções que adotam, para a abordagem da obra, a busca da intenção

autoral; de outro, correntes que rejeitariam essa intenção. Nesse segun-

do grupo, Compagnon inscreve o Formalismo Russo, o New Criticism e o

Estruturalismo. Aqui alinhados, estariam também Roland Barthes e Michel

Foucault. Ao tratar especicamente de “O que é um autor?”, Compagnon

simplica em excesso o conceito foucaultiano de função autor  para armá-lo

como exemplo da confusão do “autor biográco ou sociológico, signicando

um lugar no cânone histórico, com o autor, no sentido hermenêutico de sua

intenção, ou intencionalidade, como critério da interpretação”.13 Na verda-

de, ao expor a noção de função autor , Foucault antes separa nitidamente

do que confunde autor biográco e intenção do autor. E assim procede

para descartar ambos como parâmetros hermenêuticos. A função autor ,

10 O texto dessa aula e mbasaria, posteriormente, a obra de Jauss intitulada A história da literatura como

 provocação à teoria literária.11 FOUCAULT. As palavras e as coisas, p. 421.12 Antoine Compagnon também ofereceu recentemente, na Sorbonne, um curso intitulado Qu’est-ce qu’un

auteur? (O que é um autor?), cujo conteúdo encontra-se no site Fabula, la recherche en littérature.13 COMPAGNON. O demônio da teoria, p. 52.

6  O que é um autor?   O autor entrevisto  7

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denida como “característica do modo de existência, de circulação e de

funcionamento de certos discursos no interior de uma sociedade”, engen-

dra e se exerce na potencialidade do texto; não se funda na “atribuição

de um discurso a um indivíduo”, tampouco se coaduna com a procura de

uma intenção autoral como “sentido oculto”.

Compagnon também indaga se a atuação do leitor ante o ocaso

do autor não resultaria em uma mera substituição: do autor pelo leitor.14 

Certamente que não. A relevância dada à leitura como ato emanador de

sentido – não apenas em Barthes e Foucault, mas também na já mencio-

nada Estética da Recepção – não impede que o espaço do texto literário,

por mais polissêmico que este se apresente, seja um limite para o leitor.

Assim, o jogo do retorno ao texto, segundo Foucault, oferece o que “aí

[no texto] estava, bastaria ler” ou “o que é dito através das palavras, em

seu espaçamento, na distância que as separa”.

Um outro equívoco presente em O demônio da teoria acerca de “O

que é um autor?” encontraria resposta quase trinta anos antes 15 na in-

dignada réplica que Foucault dirigiu a Lucien Goldmann durante o debate

que, na ocasião, se seguiu à palestra: “não disse que o autor não existia;

eu não disse e estou surpreso que meu discurso tenha sido usado para

um tal contra-senso”. Estranhamente, Compagnon tece suas considerações

como se partisse da premissa contrária, qual seja, a de que Foucault – e

também Barthes – inrmasse a própria existência do autor. Isso ocorre, por

exemplo, quando questiona a suposta substituição do autor pelo leitor. 16 

Ao nal do capítulo “O autor”, Compagnon ainda defende como “garantia

do sentido” 17 do texto a intenção do autor, parâmetro que, se abandonado,

conguraria a obra como “resultante do acaso”.18

O desaparecimento do autor – tal como o entendeu Foucault – e

a noção de função autor  não implicam na inexistência do próprio autor.

Giorgio Agamben, no ensaio “O autor como gesto”, percebe essa diferença a

partir da frase de Beckett que serve de mote à palestra de Foucault – “Que

importa quem fala, alguém disse, que importa quem fala”. Para o lósofo

14 COMPAGNON. O demônio da teoria, p. 52.15 A primeira edição francesa de O demônio da teoria data de 1998.16 COMPAGNON. O demônio da teoria, p. 52.17 COMPAGNON. O demônio da teoria, p. 94.18 COMPAGNON. O demônio da teoria, p. 94.

italiano, a citação de Beckett é contraditória, mas lembra “ironicamente o

tema secreto da conferência”.19 Agamben esclarece:

Há, por conseguinte, alguém que, mesmo continuando anônimo esem rosto, proferiu o enunciado, alguém sem o qual a tese, quenega a importância de quem fala, não teria podido ser formulada.O mesmo gesto que nega qualquer relevância à identidade do autorarma, no entanto, a sua irredutível necessidade.20

Sem negar o autor, Foucault distingue o sujeito empírico – esma-

ecido no espaço da escritura – da função autor . Agamben também relata

que “dois21 anos depois, ao apresentar na Universidade de Buffalo uma

versão modicada da conferência, Foucault opõe ainda mais drasticamente

o autor-indivíduo real à função-autor”.22 Ainda em 1970, na aula inaugural

do Collège de France, proferida a 2 de dezembro, Foucault traz mais luzes

à questão:

Seria absurdo negar, é claro, a existência do indivíduo que escrevee inventa. Mas penso que – ao menos desde uma certa época – oindivíduo que se põe a escrever um texto no horizonte do qualpaira uma obra possível retoma por sua conta a função do autor:aquilo que ele escreve e o que não escreve, aquilo que desenha,mesmo a título de rascunho provisório, como esboço da obra, e oque deixa, vai cair como conversas cotidianas. Todo este jogo dediferenças é prescrito pela função do autor, tal como ele a recebede sua época ou tal como ele, por sua vez, a modica. Pois emborapossa modicar a imagem tradicional que se faz de um autor, seráa partir de uma nova posição do autor que recortará, em tudo oque poderia ter dito, em tudo o que diz todos os dias, a todo omomento, o perl ainda trêmulo de sua obra.23

Se na literatura moderna o autor desaparece, a teoria literária da

década de 1960 atesta e endossa essa ocultação. Foucault o faz em grande

medida por ver aí uma oposição ao humanismo. Contudo, tão relevante

quanto constatar esse ocaso é reconhecer a importância de que, em dado

momento, o autor haja surgido. Seja esse surgimento relacionado ao

19 AGAMBEN. O autor como gesto, p. 55.20 AGAMBEN. O autor como gesto, p. 55. (Grifo do autor).21 Embora Agamben registre esse intervalo – dois anos –, a palestra em Buffalo ocorreu em 1970, já no

ano subsequente ao da conferência na Sociedade Francesa de Filosoa.22 AGAMBEN. O autor como gesto, p. 56.23 FOUCAULT. A ordem do discurso, p. 28-29.

8  O que é um autor?   O autor entrevisto  9

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advento dos direitos do autor ou, como faz Foucault, à possibilidade de

transgressão via discurso – e punição de seu autor –, a gura autoral foi

vital para a constituição do próprio campo literário e da literatura como

instância autônoma. Ao tratar da institucionalização e da autonomização

da literatura, assim reete Silvina Rodrigues Lopes:

Sendo a denição da identidade do autor decisiva para a consti-tuição e garantia de preservação de um corpus, ela está na baseda fundação da instituição literária, que existe por conseguinteem sincronia com instâncias e processos de legitimação: trata-se não só da legislação sobre direitos de autor, mas também doaparecimento da crítica, da formação teórica de que depende acompetência da avaliação das obras, e ainda da constituição deuma opinião pública.24

Ao longo da história da escrita, as inovações no tocante aos suportes

inuenciaram a noção de autoria. Somente na transição do manuscrito

para o livro impresso o produtor intelectual do texto passou a predominar

na compleição da ideia de autor. Como lembra Hans Ulrich Gumbrecht, a

palavra “auctor”, do latim medieval, era surpreendemente polissêmica:

[...] auctor  era, antes de tudo, Deus, provedor de toda signicação;mas auctor  era também o patrono que patrocinava um manuscrito;mas auctor  era, provavelmente, também o “inventor” do conteúdode um texto (embora a questão dicilmente fosse levantada); auctor  era a pessoa que copiava o texto no pergaminho; nalmente, eratambém a pessoa que emprestava sua voz ao texto recitando-o.25

Contemporaneamente, o suporte digital induz a mais um impulso de

rarefação da identidade autoral, que poderia gurar como uma continui-

dade do apagamento apontado por Michel Foucault. Na internet, os textos

circulam de um modo vertiginoso e a atribuição de autoria é simultanea-

mente fácil e incerta. Evidentemente, grande parte dos feixes dessa malha

hipertextual é, de qualquer forma, desprovida da função autor  nos moldes

em que Foucault a concebeu. Ainda assim, o ambiente virtual não deixa de

se constituir como uma poderosa inexão na evolução da práxis autoral.

Na direção inversa da diluição do indivíduo no hipertexto, os estudos

literários comportam, nos tempos atuais, uma valorização da subjetivida-

de. A crítica genética é exercida com base na pessoa do autor e em tudo

24 LOPES. A legitimação em literatura, p. 124.25 GUMBRECHT. Modernização dos sentidos, p. 74.

que o circunda e lhe diz respeito: cartas, diários, fotograas, objetos,

anotações marginais em livros, enm, um minucioso “museu” para se

 “mapear” a origem da obra. Também os estudos culturais se voltam para

o autor. Buscam identicá-lo como pertencente a um determinado grupo,

segmento social, racial, político, para que esse pertencimento edulcore

certos matizes da obra. Por m, o gênero autobiográco e a chamada

 “escrita de si”, embora não sejam tão recentes, vêm experimentando um

momento de certo destaque.

Mas, na cção contemporânea, escritores de linhagem borgeana

– como, por exemplo, Ricardo Piglia, Georges Perec e Enrique Vila-Matas

– parecem reiterar o diagnóstico foucaultiano: adotam uma concepção de

escrita que dissimula referências, subtraindo do leitor a possibilidade de

distinção entre dados da realidade e componentes ccionais.

O jogo metaccional de Vila-Matas manifesta-se, sobretudo, na

criação de uma zona fronteiriça entre autor empírico e narradores que

gozam de voz autoral. Esse artifício corrobora o argumento de Foucault

a respeito da localização da função autor : “Seria igualmente falso buscar

o autor tanto do lado do escritor real quanto do lado do locutor ctício: a

função autor é efetuada na própria cisão – nessa divisão e nessa distância.” 

No romance Doutor Pasavento, Vila-Matas tematiza precisamente o

desaparecimento do autor pelo ato da escritura. Referencia Rober Walser,

sobre quem Walter Benjamin armou que “para ele tudo o que tem a dizer

recua totalmente diante da signicação da escrita em si mesma”. 26 Um

exato corolário da armação de Foucault de que “a marca do escritor não

é mais que a singularidade de sua ausência”. Doutor Pasavento se encerra

com a descrição oblíqua de uma hesitação tendente ao silêncio:

E se vai. Mas ca, mas se vai. Acaso cou? Vejo-o seguir seucaminho e vejo como dá um passo adiante e, pela ruela úmida,escura e estreita, acaba chegando ao seu recanto, e lá, sem somnem palavras, ca à parte.27

Essa passagem metaforiza o claudicante périplo do autor tal como

entrevisto por Michel Foucault.

26 BENJAMIN. Robert Walser, p. 51.27 VILA-MATAS. Doutor Pasavento, p. 410.

10  O que é um autor?   O autor entrevisto  11

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Referências

AGAMBEN, Giorgio. O autor como gesto. In: ______. Profanações. Tradução de Selvino José

Assmann. São Paulo: Boitempo, 2007. p. 55-63.

BARTHES, Roland. A morte do autor. In: ______. O rumor da língua. Tradução de Mário Laranjeira.

2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

BENJAMIN, Walter. Robert Walser. In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre

literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

p. 51-53. (Obras escolhidas, 1).

COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução de Cleonice Paes

Barreto de Mourão, Consuelo Fontes Santiago. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.

COMPAGNON, Antoine. Qu’est-ce qu’un auteur?. Disponível em: http://www.fabula.org/compagnon/

auteur.php. Acesso em: 27 de junho de 2010.

ERIBON, Didier. Michel Foucault : 1926-1984. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia

das Letras, 1990.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 15. ed.

São Paulo: Loyola, 2007.

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Tradução de Salma Tannus Muchail. 9. ed. São Paulo:

Martins Fontes, 2007.

FOUCAULT, Michel. O que é um autor? In: ______; MOTTA, Manoel Barros da (Org.). Estética:

literatura e pintura, música e cinema. Trad. Inês Autran Dourado Barbosa. 2 ed. Rio de Janeiro:

Editora Forense Universitária, 2009. (Ditos e Escritos). v. 3.

GUMBRECHT, Hans Ulrich. Modernização dos sentidos. Tradução de Lawrence Flores Pereira. São

Paulo: Ed. 34, 1998.

LOPES, Silvina Rodrigues. A legitimação em literatura. Lisboa: Cosmos, 1994.

MACHADO, Roberto. Michel Foucault, a losoa e a literatura. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

PELBART, Peter Pál. O desaparecimento do homem, a literatura e a loucura. In: ______. Vida

capital : ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, 2009. p. 177-179.

VILA-MATAS, Enrique. Doutor Pasavento. Tradução de José Geraldo Couto. São Paulo: Cosac Naify,

2009.

Essa edição consiste na recolha de duas traduções para o por-

tuguês – uma brasileira e uma portuguesa – da célebre palestra de

Foucault precedidas do original francês. À tradução brasileira, acres-

centamos notas comparando brevemente as escolhas tradutórias entre

as duas versões. Optamos ainda por manter as escolhas de realce dos

textos assim como eles foram editados para que o leitor mais atento e

interessado nesses pormenores possa comparar a opção de representa-

ção feita por cada tradutor/editor.

Ao m dos textos, apresentamos uma cronologia das publica-

ções desse texto, périplo que muito signica para perceber a própria

recepção do pensamento de Michel Foucault.

12  O que é um autor?

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 “Qu’est-ce qu’un auteur?”, Bulletin de la Societé Française de Philosophie, 63º  anné, n. 3, juillet-septembre 1969, p. 73-104. (Societé française de philosophie, 22 février 1969; débat avec Maurice de

Gandillac, Lucien Goldman, Jacques Lacan, Jean d’Ormesson, Jean Ullmo, Jean Wahl).

En 1970, à l’Université de Buffalo, Michel Foucault donne de cette conférence une version modiée

publiée en 1979 aux États-Unis.1 Les passages entre cochets ne guraient pas dans le texte lu par Michel

Foucault à Buffalo. Les modications qu’il avait apportées sont signalées par une note. Michel Foucault

autorisa indifféremment la réédition de l’une ou l’autre version, celle du Bulletin de la Societé Française

de Philosophie dans la revue de psychanalyse Littoral (n. 9, juin 1983), celle de Textual Strategies dans

The Foucault Reader  (éd. P. Rabinow. New York: Pantheon Books, 1984).

Monsieur Michel Foucault, professeur au Centre Universitaire

Expérimental de Vincennes, se proposait de développer devant les mem-

bres de la Societé Française de Philosophie les arguments suivants:

 “Qu’importe qui parle?” En cette indifférence s’afrme le princi-

pe éthique, le plus fondamental peut-être, de l’écriture contemporaine.

L’effacement de l’auteur est devenu, pour la critique, un thème désormais

quotidien. Mais l’essentiel n’est pas de constater une fois de plus sa dispa-

rition; il faut repérer, comme lieu vide – à la fois indifférent et contraignant

–, les emplacements où s’exerce sa fonction.

1º) Le nom d’auteur. impossibilité de le traiter comme une descrip-

tion dénie; mais impossibilité également de le traiter comme un nom

propre ordinaire.

1 What is an author? (“Qu’est-ce qu’un auteur?”)

Qu’est-ce qu’un auteur?

Michel Foucault

Dits Et Ecrits,

Editora Gallimard,

2001.

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2º) Le rapport d’appropriation. l’auteur n’est exactement ni le pro-

priétaire ni le responsable de ses textes; il n’en est ni le producteur ni

l’inventeur. Quelle est la nature du speech act  qui permet de dire qu’il y

a œuvre?

3º) Le rapport d’attribution. L’auteur est sans doute celui auquel on

peut attribuer ce qui a été dit ou écrit. Mais l’attribution – même lorsqu’il

s’agit d’un auteur connu – est le résultat d’opérations critiques complexes

et rarement justiées. Les incertitudes de l’ opus.

4º) La position de l’auteur. Position de l’auteur dans le livre (usage

des embrayeurs; fonctions des préfaces; simulacres du scripteur, du réci-

tant, du condent, du mémorialiste). Position de l’auteur dans les différents

types de discours (dans le discours philosophique, par exemple). Position

de l’auteur dans un champ discursif (qu’est-ce que le fondateur d’une

discipline? Que peut signier le “retour à…” comme moment décisif dans

la transformation d’un champ de discours?).

Compte rendu de la séance

La séance est ouverte à 16h45  au Collége de France, salle n. 6 , sous

la présidence de Monsieur Jean Wahl.

 Jean Wahl : Nous avons le plaisir d’avoir aujourd’hui parmi nous

Michel Foucault. Nous avons été un peu impatients de sa venue, un peu

inquiets de son retard, mais il est là. Je ne vous le présente pas, c’est le

 “vrai” Michel Foucault, celui des Mots et les choses, celui de la thèse sur

la folie. Je lui laisse tout de suite la parole.

Michel Foucault : Je crois – sans en être d’ail leurs très sûr – qu’il est

de tradition d’apporter à cette Société de philosophie le résultat de tra-

vaux déjà achevés, pour les proposer à votre examen et à votre critique.

Malheureusement, ce que je vous apporte aujourd’hui est beaucoup trop

mince, je le crains, pour mériter votre attention : c’est un projet que je

voudrais vous soumettre, un essai d’analyse dont j’entrevois à peine en-

core les grandes lignes; mais il m’a semblé qu’en m’efforçant de les tracer

devant vous, en vous demandant de les juger et de les rectier, j’étais,

 “en bon névrosé”, à la recherche d’un double bénéce: celui d’abord de

soustraire les résultats d’un travail qui n’existe pas encore à la rigueur de

vos objections, et celui de le faire bénécier, au moment de sa naissance,

non seulement de votre parrainage, mais de vos suggestions.

Et je voudrais vous adresser une autre demande; c’est de ne pas

m’en vouloir si, en vous écoutant tout à l’heure me poser des questions,

 j’éprouve encore, et ici surtout, l’absence d’une voix qui m’a été jusqu’ici

indispensable; vous comprendrez bien que tout à l’heure c’est encore mon

premier maître que je chercherai invinciblement à entendre. Après tout, de

mon projet initial de travail c’est à lui que j’avais d ’abord parlé; à coup sûr,

 j’aurais eu grand besoin qu’il assiste à l’ébauche de celui-ci et qu’il m’aide

une fois encore dans mes incertitudes. Mais après tout, puisque l’absence

est le lieu premier du discours, acceptez, je vous en prie, que ce soit à lui,

en premier lieu, que je m’adresse ce soir.

Le sujet que j’ai proposé: “Qu’est-ce qu’un auteur?”, il me faut,

évidemment, le justier un peu devant vous.

Si j’ai choisi de traiter cette question peut-être un peu étrange,

c’est d’abord que je voulais faire une certaine critique de ce qu’il m’est

arrivé autrefois d’écrire. Et revenir sur un certain nombre d’imprudences

qu’il m’est arrivé de commettre. Dans Les Mots et les choses, j’avais tenté

d’analyser des masses verbales, des sortes de nappes discursives, qui

n’étaient pas scandées par les unités habituelles du livre, de l’œuvre et

de l’auteur. Je parlais en général de l’“histoire naturelle”, ou de l’“analyse

des richesses”, ou de l’“économie politique”, mais non point d’ouvrages ou

d’écrivains. Pourtant, tout au long de ce texte, j’ai utilisé naïvement, c’est-

à-dire sauvagement, des noms d’auteurs. J’ai parlé de Buffon, de Cuvier,

de Ricardo etc., et j’ai laissé ces noms fonctionner dans une ambiguïté

fort embarrassante. Si bien que deux sortes d’objections pouvaient être

légitimement formulées, et l’ont été en effet. D’un côté, on m’a dit: vous

ne décrivez pas comme il faut Buffon, ni l’ensemble de l’œuvre de Buffon,

et ce que vous dites sur Marx est dérisoirement insufsant par rapport à

la pensée de Marx. Ces objections étaient évidemment fondées, mais je

ne pense pas qu’elles étaient tout à fait pertinentes par rapport à ce que

 je faisais; car le problème pour moi n’était pas de décrire Buffon ou Marx,

ni de restituer ce qu’ils avaient dit ou voulu dire: je cherchais simplement

à trouver les règles selon lesquelles ils avaient formé un certain nombre

de concepts ou d’ensembles théoriques qu’on peut rencontrer dans leurs

textes. On a fait aussi une autre objection: vous formez, m’a-t-on dit, des

familles monstrueuses, vous rapprochez des noms aussi manifestement

16  O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 17

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opposés que ceux de Buffon et de Linné, vous mettez Cuvier à côté de

Darwin, et cela contre le jeu le plus visible des parentés et des ressem-

blances naturelles. Là encore, je dirais que l’objection ne me semble pas

convenir, car je n’ai jamais cherché à faire un tableau généalogique des

individualités spirituelles, je n’ai pas voulu constituer un daguerréotype

intellectuel du savant ou du naturaliste du XVIIe et du XVIIIe siècle; je n’ai

voulu former aucune famille, ni sainte ni perverse, j’ai cherché simplement

– ce qui était beaucoup plus modeste – les conditions de fonctionnement

de pratiques discursives spéciques.

Alors, me direz-vous, pourquoi avoir utilisé, dans Les Mots et les

Choses, des noms d’auteurs? Il fallait, ou bien n’en utiliser aucun, ou bien

dénir la manière dont vous vous en servez. Cette objection-là est, je

crois, parfaitement justiée: j’ai essayé d’en mesurer les implications et

les conséquences dans un texte qui va paraître bientôt; j’essaie d’y donner

statut à de grandes unités discursives comme celles qu’on appelle l’His-

toire naturelle ou l’Économie politique; je me suis demandé selon quelles

méthodes, quels instruments on peut les repérer, les scander, les analyser

et les décrire. Voilà le premier volet d’un travail entrepris il y a quelques

années, et qui est achevé maintenant.

Mais une autre question se pose: celle de l’auteur – et c’est de

celle-là que je voudrais vous entretenir maintenant. Cette notion d’auteur

constitue le moment fort de l’individualisation dans l’histoire des idées, des

connaissances, des littératures, dans l’histoire de la philosophie aussi, et

celle des sciences. Même aujourd’hui, quand on fait l’histoire d’un concept,

ou d’un genre littéraire, ou d’un type de philosophie, je crois qu’on n’en

considère pas moins de telles unités comme des scansions relativement

faibles, secondes, et superposées par rapport à l’unité première, solide et

fondamentale, qui est celle de l’auteur et de l’œuvre.

Je laisserai de côté, au moins pour l’exposé de ce soir, l’analyse

historico-sociologique du personnage de l’auteur. Comment l’auteur s’est

individualisé dans une culture comme la nôtre, quel statut on lui a donné,

à partir de quel moment, par exemple, on s’est mis à faire des recherches

d’authenticité et d’attribution, dans quel système de valorisation l’auteur a

été pris, à quel moment on a commencé à raconter la vie non plus des héros

mais des auteurs, comment s’est instaurée cette catégorie fondamentale

de la critique “l’homme-et-l’œuvre”, tout cela mériterait à coup sûr d’être

analysé. Je voudrais pour l’instant envisager le seul rapport du texte à

l’auteur, la manière dont le texte pointe vers cette gure qui lui est exté-

rieure et antérieure, en apparence du moins.

Le thème dont je voudrais partir, j’en emprunte la formulation à

Beckett: “Qu’importe qui parle, quelqu’un a dit qu’importe qui parle.” Dans

cette indifférence, je crois qu’il faut reconnaître un des principes éthiques

fondamentaux de l’écriture contemporaine. Je dis “éthique”, parce que cette

indifférence n’est pas tellement un trait caractérisant la manière dont on

parle ou dont on écrit; elle est plutôt une sorte de règle immanente, sans

cesse reprise, jamais tout à fait appliquée, un principe qui ne marque pas

l’écriture comme résultat mais la domine comme pratique. Cette règle est

trop connue pour qu’il soit besoin de l’analyser longtemps; qu’il sufse ici

de la spécier par deux de ses grands thèmes. On peut dire d’abord que

l’écriture d’aujourd’hui s’est affranchie du thème de l’expression: elle n’est

référée qu’à elle-même, et pourtant, elle n’est pas prise dans la forme de

l’intériorité; elle s’identie à sa propre extériorité déployée. Ce qui veut

dire qu’elle est un jeu de signes ordonné moins à son contenu signié qu’à

la nature même du signiant; mais aussi que cette régularité de l’écriture

est toujours expérimentée du côté de ses limites; elle est toujours en

train de transgresser et d’inverser cette régularité qu’elle accepte et dont

elle joue; l’écriture se déploie comme un jeu qui va infailliblement au-delà

de ses règles, et passe ainsi au-dehors. Dans l’écriture, il n’y va pas de

la manifestation ou de l’exaltation du geste d’écrire; il ne s’agit pas de

l’épinglage d’un sujet dans un langage; il est question de l’ouverture d’un

espace où le sujet écrivant ne cesse de disparaître.

Le second thème est encore plus familier; c’est la parenté de l’écri-

ture à la mort. Ce lien renverse un thème millénaire; le récit, ou l’épopée

des Grecs, était destiné à perpétuer l’immortalité du héros, et si le héros

acceptait de mourir jeune, c’était pour que sa vie, consacrée ainsi, et

magniée par la mort, passe à l’immortalité; le récit rachetait cette mort

acceptée. D’une autre façon, le récit arabe – je pense aux Mille et une

nuits – avait aussi pour motivation, pour thème et prétexte, de ne pas

mourir: on parlait, on racontait jusqu’au petit matin pour écarter la mort,

pour repousser cette échéance qui devait fermer la bouche du narrateur.

18  O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 19

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Le récit de Shéhérazade, c’est l’envers acharné du meurtre, c’est l’ef-

fort de toutes les nuits pour arriver à maintenir la mort hors du cercle

de l’existence. Ce thème du récit ou de l’écriture faits pour conjurer la

mort, notre culture l’a métamorphosé; l’écriture est maintenant liée au

sacrice, au sacrice même de la vie; effacement volontaire qui n’a pas

à être représenté dans les livres, puisqu’il est accompli dans l’existence

même de l’écrivain. L’œuvre qui avait le devoir d’apporter l’immortalité a

reçu maintenant le droit de tuer, d’être meurtrière de son auteur. Voyez

Flaubert, Proust, Kafka. Mais il y a autre chose: ce rapport de l’écriture à

la mort se manifeste aussi dans l’effacement des caractères individuels du

sujet écrivant; par toutes les chicanes qu’il établit entre lui et ce qu’il écrit,

le sujet écrivant déroute tous les signes de son individualité particulière;

la marque de l’écrivain n’est plus que la singularité de son absence; il lui

faut tenir le rôle du mort dans le jeu de l’écriture. Tout cela est connu; et

il y a beau temps que la critique et la philosophie ont pris acte de cette

disparition ou de cette mort de l’auteur.

Je ne suis pas sûr, cependant, qu’on ait tiré rigoureusement toutes

les conséquences requises par ce constat, ni qu’on ait pris avec exactitude

la mesure de l’événement. Plus précisément, il me semble qu’un certain

nombre de notions qui sont aujourd’hui destinées à se substituer au privi-

lège de l’auteur le bloquent, en fait, et esquivent ce qui devrait être dégagé.

Je prendrai simplement deux de ces notions qui sont, je crois, aujourd’hui,

singulièrement importantes.

La notion d’œuvre, d’abord. On dit, en effet (et c’est encore une

thèse bien familière), que le propre de la critique n’est pas de dégager les

rapports de l’œuvre à l’auteur, ni de vouloir reconstituer à travers des textes

une pensée ou une expérience; elle doit plutôt analyser l’œuvre dans sa

structure, dans son architecture, dans sa forme intrinsèque et dans le jeu

de ses relations internes. Or il faut aussitôt poser un problème: Qu’est-ce

qu’une œuvre? Qu’est-ce donc que cette curieuse unité qu’on désigne du

nom d’œuvre? De quels éléments est-elle composée? Une œuvre, n’est-ce

pas ce qu’a écrit celui qui est un auteur? On voit les difcultés surgir. Si un

individu n’était pas un auteur, est-ce qu’on pourrait dire que ce qu’il a écrit,

ou dit, ce qu’il a laissé dans ses papiers, ce qu’on a pu rapporter de ses

propos, pourrait être appelé une “œuvre”? Tant que Sade n’a pas été un

auteur, qu’étaient donc ses papiers? Des rouleaux de papier sur lesquels,

à l’inni, pendant ses journées de prison, il déroulait ses fantasmes.

Mais supposons qu’on ait affaire à un auteur: est-ce que tout ce qu’il

a écrit ou dit, tout ce qu’il a laissé derrière lui fait partie de son œuvre?

Problème à la fois théorique et technique. Quand on entreprend de publier,

par exemple, les œuvres de Nietzsche, où faut-il s’arrêter? Il faut tout pu-

blier, bien sûr, mais que veut dire ce “tout”? Tout ce que Nietzsche a publié

lui-même, c’est entendu. Les brouillons de ses œuvres? Évidemment. Les

projets d’aphorismes? Oui. Les ratures également, les notes au bas des

carnets? Oui. Mais quand, à l’intérieur d’un carnet rempli d’aphorismes, on

trouve une référence, l’indication d’un rendez-vous ou d’une adresse, une

note de blanchisserie: œuvre, ou pas œuvre? Mais pourquoi pas? Et cela

indéniment. Parmi les millions de traces laissées par quelqu’un après sa

mort, comment peut-on dénir une œuvre? La théorie de l’œuvre n’existe

pas, et ceux qui, ingénument, entreprennent d’éditer des œuvres manquent

d’une telle théorie et leur travail empirique s’en trouve bien vite paralysé.

Et on pourrait continuer: est-ce qu’on peut dire que Les mille et une nuits

constituent une œuvre? Et les Stromates2  de Clément d’Alexandrie ou

les Vies3 de Diogène Laërce? On aperçoit quel foisonnement de questions

se pose à propos de cette notion d’œuvre. De sorte qu’il est insufsant

d’afrmer: passons-nous de l ’écrivain, passons-nous de l’auteur, et allons

étudier, en elle-même, l’œuvre. Le mot “œuvre” et l’unité qu’il désigne

sont probablement aussi problématiques que l’individualité de l’auteur.

Une autre notion, je crois, bloque le constat de disparition de l’auteur

et retient en quelque sorte la pensée au bord de cet effacement; avec sub-

tilité, elle préserve encore l’existence de l’auteur. C’est la notion d’écriture.

En toute rigueur, elle devrait permettre non seulement de se passer de la

référence à l’auteur, mais de donner statut à son absence nouvelle. Dans

le statut qu’on donne actuellement à la notion d’écriture, il n’est question,

en effet, ni du geste d’écrire ni de la marque (symptôme ou signe) de ce

qu’aurait voulu dire quelqu’un; on s’efforce avec une remarquable profon-

deur de penser la condition en général de tout texte, la condition à la fois

de l’espace où il se disperse et du temps où il se déploie.

2 D’ALEXANDRIE. Les Stromates; Stromate I ; Stromate II ; Stromate V .3 LAËRCE. De vita et moribus philosophorum.

20  O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 21

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Je me demande si, réduite parfois à un usage courant, cette notion

ne transpose pas, dans un anonymat transcendantal, les caractères em-

piriques de l’auteur. Il arrive qu’on se contente d’effacer les marques trop

visibles de l’empiricité de l’auteur en faisant jouer, l’une parallèlement à

l’autre, l’une contre l’autre, deux manières de la caractériser: la modalité

critique et la modalité religieuse. En effet, prêter à l’écriture un statut origi-

naire, n’est-ce pas une manière de retraduire en termes transcendantaux,

d’une part, l’afrmation théologique de son caractère sacré, et, d’autre part,

l’afrmation critique de son caractère créateur? Admettre que l’écriture est

en quelque sorte, par l’histoire même qu’elle a rendue possible, soumise à

l’épreuve de l’oubli et de la répression, est-ce que ce n’est pas représenter

en termes transcendantaux le principe religieux du sens caché (avec la

nécessité d’interpréter) et le principe critique des signications implicites,

des déterminations silencieuses, des contenus obscurs (avec la nécessité

de commenter)? Enn, penser l’écriture comme absence, est-ce que ce

n’est pas tout simplement répéter en termes transcendantaux le principe

religieux de la tradition à la fois inaltérable et jamais remplie, et le pr incipe

esthétique de la survie de l’œuvre, de son maintien par-delà la mort, et

de son excès énigmatique par rapport à l’auteur?

Je pense donc qu’un tel usage de la notion d’écriture risque de

maintenir les privilèges de l’auteur sous la sauvegarde de l’ a priori : il fait

subsister, dans la lumière grise de la neutralisation, le jeu des représen-

tations qui ont formé une certaine image de l’auteur. La disparition de

l’auteur, qui depuis Mallarmé est un événement qui ne cesse pas, se trouve

soumise au verrouillage transcendantal. N’y a-t-il pas actuellement une

ligne de partage importante entre ceux qui croient pouvoir encore penser

les ruptures d’aujourd’hui dans la tradition historico-transcendantale du

XIXe siècle et ceux qui s’efforcent de s’en affranchir dénitivement?

*

Mais il ne suft pas, évidemment, de répéter comme afrmation

vide que l’auteur a disparu. De même, il ne suft pas de répéter indé-

niment que Dieu et l’homme sont morts d’une mort conjointe. Ce qu’il

faudrait faire, c’est repérer l’espace ainsi laissé vide par la disparition de

l’auteur, suivre de l’œil la répartition des lacunes et des failles, et guetter

les emplacements, les fonctions libres que cette disparition fait apparaître.

Je voudrais d’abord évoquer en peu de mots les problèmes posés

par l’usage du nom d’auteur. Qu’est-ce que c’est qu’un nom d’auteur? Et

comment fonctionne-t-il? Bien éloigné de vous donner une solution, j’in-

diquerai seulement quelques-unes des difcultés qu’il présente.

Le nom d’auteur est un nom propre; il pose les mêmes problèmes

que lui. (Je me réfère ici, parmi différentes analyses, à celles de Searle 4).

Il n’est pas possible de faire du nom propre, évidemment, une référence

pure et simple. Le nom propre (et le nom d’auteur également) a d’autres

fonctions qu’indicatrices. Il est plus qu’une indication, un geste, un doigt

pointé vers quelqu’un; dans une certaine mesure, c’est l’équivalent d’une

description. Quand on dit “Aristote”, on emploie un mot qui est l’équivalent

d’une description ou d’une série de descriptions dénies, du genre de:

 “l’auteur des Analytiques”,5 ou : “le fondateur de l’ontologie” etc. Mais on

ne peut pas s’en tenir là; un nom propre n’a pas purement et simplement

une signication; quand on découvre que Rimbaud n’a pas écrit La Chasse

spirituelle, on ne peut pas prétendre que ce nom propre ou ce nom d’auteur

ait changé de sens. Le nom propre et le nom d’auteur se trouvent situés

entre ces deux pôles de la description et de la désignation; ils ont à coup

sûr un certain lien avec ce qu’ils nomment, mais ni tout à fait sur le mode

de la désignation, ni tout à fait sur le mode de la description: lien spécique.

Cependant – et c’est là qu’apparaissent les difcultés particulières du nom

d’auteur –, le lien du nom propre avec l’individu nommé et le lien du nom

d’auteur avec ce qu’il nomme ne sont pas isomorphes et ne fonctionnent

pas de la même façon. Voici quelques-unes de ces différences.

Si je m’aperçois, par exemple, que Pierre Dupont n’a pas les yeux

bleus, ou n’est pas né à Paris, ou n’est pas médecin etc., il n’en reste pas

moins que ce nom, Pierre Dupont, continuera toujours à se référer à la

même personne; le lien de désignation ne sera pas modié pour autant.

En revanche, les problèmes posés par le nom d’auteur sont beaucoup plus

complexes: si je découvre que Shakespeare n’est pas né dans la maison

qu’on visite aujourd’hui, voilà une modication qui, évidemment, ne va

pas altérer le fonctionnement du nom d’auteur; mais si on démontrait que

Shakespeare n’a pas écrit les Sonnets qui passent pour les siens, voilà un

4 SEARLE. Speech Acts. An Essay in the Philosophy of Language.5 ARISTOTE. Les premiers analytiques; Les seconds analytiques.

22  O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 23

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changement d’un autre type: il ne laisse pas indifférent le fonctionnement

du nom d’auteur. Et si on prouvait que Shakespeare a écrit l’Organon6 

de Bacon tout simplement parce que c’est le même auteur qui a écrit les

œuvres de Bacon et celles de Shakespeare, voilà un troisième type de

changement qui modie entièrement le fonctionnement du nom d’auteur. Le

nom d’auteur n’est donc pas exactement un nom propre comme les autres.

Bien d’autres faits signalent la singularité paradoxale du nom d’au-

teur. Ce n’est point la même chose de dire que Pierre Dupont n’existe pas

et de dire qu’Homère ou Hermès Trismégiste n’ont pas existé; dans un cas,

on veut dire que personne ne porte le nom de P ierre Dupont; dans l’autre,

que plusieurs ont été confondus sous un seul nom ou que l’auteur véritable

n’a aucun des traits rapportés traditionnellement au personnage d’Homère

ou d’Hermès. Ce n’est point non plus la même chose de dire que Pierre

Dupont n’est pas le vrai nom de X, mais bien Jacques Durand, et de dire

que Stendhal s’appelait Henri Beyle. On pourrait aussi s’interroger sur le

sens et le fonctionnement d’une proposition comme “Bourbaki, c’est untel,

untel etc.” et “Victor Eremita, Climacus, Anticlimacus, Frater Taciturnus,

Constantin Constantius, c’est Kierkegaard”.

Ces différences tiennent peut-être au fait suivant: un nom d’auteur

n’est pas simplement un élément dans un discours (qui peut être sujet ou

complément, qui peut être remplacé par un pronom etc.); il exerce par rap-

port aux discours un certain rôle: il assure une fonction classicatoire; un

tel nom permet de regrouper un certain nombre de textes, de les délimiter,

d’en exclure quelques-uns, de les opposer à d’autres. En outre, il effectue

une mise en rapport des textes entre eux; Hermès Trismégiste n’existait

pas, Hippocrate non plus – au sens où l’on pourrait dire que Balzac existe

–, mais que plusieurs textes aient été placés sous un même nom indique

qu’on établissait entre eux un rapport d’homogénéité ou de liation, ou

d’authentication des uns par les autres, ou d’explication réciproque, ou

d’utilisation concomitante. Enn, le nom d’auteur fonctionne pour caracté-

riser un certain mode d’être du discours: le fait, pour un discours, d’avoir

un nom d’auteur, le fait que l’on puisse dire “ceci a été écrit par un tel”,

ou “un tel en est l’auteur”, indique que ce discours n’est pas une parole

6 BACON. Novum organum scientiarum.

quotidienne, indifférente, une parole qui s’en va, qui otte et passe, une

parole immédiatement consommable, mais qu’il s’agit d’une parole qui

doit être reçue sur un certain mode et qui doit, dans une culture donnée,

recevoir un certain statut.

On en arriverait nalement à l’idée que le nom d’auteur ne va pas

comme le nom propre de l’intérieur d’un discours à l’individu réel et ex-

térieur qui l’a produit, mais qu’il court, en quelque sorte, à la limite des

textes, qu’il les découpe, qu’il en suit les arêtes, qu’il en manifeste le

mode d’être ou, du moins, qu’il le caractérise. Il manifeste l’événement

d’un certain ensemble de discours, et il se réfère au statut de ce discours

à l’intérieur d’une société et à l’intérieur d’une culture. Le nom d’auteur

n’est pas situé dans l’état civil des hommes, il n’est pas non plus situé dans

la ction de l’œuvre, il est situé dans la rupture qui instaure un certain

groupe de discours et son mode d’être singulier. On pourrait dire, par con-

séquent, qu’il y a dans une civilisation comme la nôtre un certain nombre

de discours qui sont pourvus de la fonction “auteur”, tandis que d’autres

en sont dépourvus. Une lettre privée peut bien avoir un signataire, elle

n’a pas d’auteur; un contrat peut bien avoir un garant, il n’a pas d ’auteur.

Un texte anonyme que l’on lit dans la rue sur un mur aura un rédacteur, il

n’aura pas un auteur. La fonction auteur est donc caractéristique du mode

d’existence, de circulation et de fonctionnement de certains discours à

l’intérieur d’une société.

*

Il faudrait maintenant analyser cette fonction “auteur”. Dans notre

culture, comment se caractérise un discours porteur de la fonction auteur?

En quoi s’oppose-t-il aux autres discours? Je crois qu’on peut, si on con-

sidère seulement l’auteur d’un livre ou d’un texte, lui reconnaître quatre

caractères différents.

Ils sont d’abord objets d’appropriation; la forme de propriété dont

ils relèvent est d’un type assez particulier; elle a été codiée voilà un cer-

tain nombre d’années maintenant. Il faut remarquer que cette propriété

a été historiquement seconde, par rapport à ce qu’on pourrait appeler

l’appropriation pénale. Les textes, les livres, les discours ont commencé

à avoir réellement des auteurs (autres que des personnages mythiques,

autres que de grandes gures sacralisées et sacralisantes) dans la mesure

24  O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 25

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où l’auteur pouvait être puni, c’est-à-dire dans la mesure où les discours

pouvaient être transgressifs. Le discours, dans notre culture (et dans bien

d’autres sans doute), n’était pas, à l’origine, un produit, une chose, un

bien; c’était essentiellement un acte – un acte qui était placé dans le champ

bipolaire du sacré et du profane, du licite et de l’illicite, du religieux et du

blasphématoire. Il a été historiquement un geste chargé de risques avant

d’être un bien pris dans un circuit de propr iétés. Et lorsqu’on a instauré un

régime de propriété pour les textes, lorsqu’on a édicté des règles strictes

sur les droits d’auteur, sur les rapports auteurs-éditeurs, sur les droits

de reproduction etc. – c’est-à-dire à la n du XVIIIe siècle et au début du

XIXe siècle – c’est à ce moment-là que la possibilité de transgression qui

appartenait à l’acte d’écrire a pris de plus en plus l’allure d’un impératif

propre à la littérature. Comme si l’auteur, à partir du moment où il a été

placé dans le système de propriété qui caractérise notre société, compen-

sait le statut qu’il recevait ainsi en retrouvant le vieux champ bipolaire du

discours, en pratiquant systématiquement la transgression, en restaurant

le danger d’une écriture à laquelle d’un autre côté on garantissait les bé-

néces de la propriété.

D’autre part, la fonction-auteur ne s’exerce pas d’une façon univer-

selle et constante sur tous les discours. Dans notre civilisation, ce ne sont

pas toujours les mêmes textes qui ont demandé à recevoir une attribution.

Il y eut un temps où ces textes qu’aujourd’hui nous appellerions “littérai-

res” (récits, contes, épopées, tragédies, comédies) étaient reçus, mis en

circulation, valorisés sans que soit posée la question de leur auteur; leur

anonymat ne faisait pas difculté, leur ancienneté, vraie ou supposée,

leur était une garantie sufsante. En revanche, les textes que nous dirions

maintenant scientiques, concernant la cosmologie et le ciel, la médecine

et les maladies, les sciences naturelles ou la géographie, n’étaient reçus

au Moyen Âge, et ne portaient une valeur de vérité, qu’à la condition d’être

marqués du nom de leur auteur. “Hippocrate a dit”, “Pline raconte” n’étaient

pas au juste les formules d’un argument d’autorité; c’étaient les indices

dont étaient marqués des discours destinés à être reçus comme prouvés.

Un chiasme s’est produit au XVIIe, ou au XVIIIe siècle; on a commencé à

recevoir les discours scientiques pour eux-mêmes, dans l’anonymat d’une

vérité établie ou toujours à nouveau démontrable; c’est leur appartenance

à un ensemble systématique qui leur donne garantie, et non point la ré-

férence à l’individu qui les a produits. La fonction-auteur s’efface, le nom

de l’inventeur ne servant tout au plus qu’à baptiser un théorème, une

proposition, un effet remarquable, une propriété, un corps, un ensemble

d’éléments, un syndrome pathologique. Mais les discours “littéraires” ne

peuvent plus être reçus que dotés de la fonction auteur: à tout texte de

poésie ou de ction on demandera d’où il vient, qui l’a écrit, à quelle date,

en quelles circonstances ou à partir de quel projet. Le sens qu’on lui accor-

de, le statut ou la valeur qu’on lui reconnaît dépendent de la manière dont

on répond à ces questions. Et si, par suite d’un accident ou d’une volonté

explicite de l’auteur, il nous parvient dans l’anonymat, le jeu est aussitôt

de retrouver l’auteur. L’anonymat littéraire ne nous est pas supportable;

nous ne l’acceptons qu’à titre d’énigme. La fonction auteur joue à plein

de nos jours pour les œuvres littéraires. (Bien sûr, il faudrait nuancer

tout cela: la critique a commencé, depuis un certain temps, à traiter les

œuvres selon leur genre et leur type, d’après les éléments récurrents qui

y gurent, selon leurs variations propres autour d’un invariant qui n’est

plus le créateur individuel. De même, si la référence à l’auteur n’est plus

guère en mathématiques qu’une manière de nommer des théorèmes ou

des ensembles de propositions, en biologie et en médecine, l’indication

de l’auteur, et de la date de son travail, joue un rôle assez différent: ce

n’est pas simplement une manière d’indiquer la source, mais de donner

un certain indice de “abilité” en rapport avec les techniques et les objets

d’expérience utilisés à cette époque-là et dans tel laboratoire).

Troisième caractère de cette fonction-auteur. Elle ne se forme pas

spontanément comme l’attribution d’un discours à un individu. Elle est le

résultat d’une opération complexe qui construit un certain être de raison

qu’on appelle l’auteur. Sans doute, à cet être de raison, on essaie de don-

ner un statut réaliste: ce serait, dans l’individu, une instance “profonde”,

un pouvoir “créateur”, un “projet”, le lieu originaire de l’écriture. Mais en

fait, ce qui dans l’individu est désigné comme auteur (ou ce qui fait d’un

individu un auteur) n’est que la projection, dans des termes toujours plus

ou moins psychologisants, du traitement qu’on fait subir aux textes, des

rapprochements qu’on opère, des traits qu’on établit comme pertinents,

des continuités qu’on admet, ou des exclusions qu’on pratique. Toutes

26  O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 27

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ces opérations varient selon les époques, et les types du discours. On

ne construit pas un “auteur philosophique” comme un “poète”; et on ne

construisait pas l’auteur d’une œuvre romanesque au XVIIIe siècle comme

de nos jours. Pourtant, on peut retrouver à travers le temps un certain

invariant dans les règles de construction de l’auteur.

Il me paraît, par exemple, que la manière dont la critique littéraire a,

pendant longtemps, déni l’auteur – ou p lutôt construit la forme-auteur à

partir des textes et des discours existants – est assez directement dérivée

de la manière dont la tradition chrétienne a authentié (ou au contraire

rejeté) les textes dont elle disposait. En d’autres termes, pour “retrouver”

l’auteur dans l’œuvre, la critique moderne use de schémas fort voisins de

l’exégèse chrétienne lorsqu’elle voulait prouver la valeur d’un texte par la

sainteté de l’auteur. Dans le De viris illustribus,7 saint Jérôme explique que

l’homonymie ne suft pas à identier d’une façon légitime les auteurs de

plusieurs œuvres: des individus différents ont pu porter le même nom, ou

l’un a pu, abusivement, emprunter le patronyme de l’autre. Le nom comme

marque individuelle n’est pas sufsant lorsqu’on s’adresse à la tradition

textuelle. Comment donc attribuer plusieurs discours à un seul et même

auteur? Comment faire jouer la fonction-auteur pour savoir si on a affaire

à un ou plusieurs individus? Saint Jérôme donne quatre critères: si, parmi

plusieurs livres attribués à un auteur, l’un est inférieur aux autres, il faut le

retirer de la liste de ses œuvres (l’auteur est alors déni comme un certain

niveau constant de valeur); de même, si certains textes sont en contra-

diction de doctrine avec les autres œuvres d’un auteur (l’auteur est alors

déni comme un certain champ de cohérence conceptuelle ou théorique); il

faut également exclure les œuvres qui sont écrites dans un style différent,

avec des mots et des tournures qu’on ne rencontre pas d’ordinaire sous la

plume de l’écrivain (c’est l’auteur comme unité stylistique); enn, on doit

considérer comme interpolés les textes qui se rapportent à des événements

ou qui citent des personnages postérieurs à la mort de l’auteur (l’auteur est

alors moment historique déni et point de rencontre d’un certain nombre

d’événements). Or la critique littéraire moderne, même lorsqu’elle n’a pas

de souci d’authentication (ce qui est la règle générale), ne dénit guère

7 SAINT JÉRÔME. De viris illustribus.

l’auteur autrement: l’auteur, c’est ce qui permet d’expliquer aussi bien

la présence de certains événements dans une œuvre que leurs transfor-

mations, leurs déformations, leurs modications diverses (et cela par la

biographie de l’auteur, le repérage de sa perspective individuelle, l’analyse

de son appartenance sociale ou de sa position de classe, la mise au jour

de son projet fondamental). L’auteur, c’est également le principe d’une

certaine unité d’écriture – toutes les différences devant être réduites au

moins par les principes de l’évolution, de la maturation ou de l’inuence.

L’auteur, c’est encore ce qui permet de surmonter les contradictions qui

peuvent se déployer dans une série de textes: il doit bien y avoir – à un

certain niveau de sa pensée ou de son désir, de sa conscience ou de son

inconscient – un point à partir duquel les contradictions se résolvent, les

éléments incompatibles s’enchaînant nalement les uns aux autres ou

s’organisant autour d’une contradiction fondamentale ou originaire. Enn,

l’auteur, c’est un certain foyer d’expression qui, sous des formes plus ou

moins achevées, se manifeste aussi bien, et avec la même valeur, dans

des œuvres, dans des brouillons, dans des lettres, dans des fragments etc.

Les quatre critères de l’authenticité selon saint Jérôme (critères qui parais-

sent bien insufsants aux exégètes d’aujourd’hui) dénissent les quatre

modalités selon lesquelles la critique moderne fait jouer la fonction auteur.

Mais la fonction auteur n’est pas en effet une pure et simple recons-

truction qui se fait de seconde main à partir d’un texte donné comme un

matériau inerte. Le texte porte toujours en lui-même un certain nombre

de signes qui renvoient à l ’auteur. Ces signes sont bien connus des gram-

mairiens: ce sont les pronoms personnels, les adverbes de temps et de

lieu, la conjugaison des verbes. Mais il faut remarquer que ces éléments

ne jouent pas de la même façon dans les discours qui sont pourvus de la

fonction auteur et dans ceux qui en sont dépourvus. Dans ces derniers, de

tels “embrayeurs” renvoient au locuteur réel et aux coordonnées spatio-

temporelles de son discours (encore que certaines modications puissent

se produire: ainsi lorsqu’on rapporte des discours en première personne).

Dans les premiers, en revanche, leur rôle est plus complexe et plus varia-

ble. On sait bien que dans un roman qui se présente comme le récit d’un

narrateur, le pronom de première personne, le présent de l’indicatif, les

signes de la localisation ne renvoient jamais exactement à l’écrivain, ni au

28  O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 29

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moment où il écrit ni au geste même de son écriture; mais à un alter ego

dont la distance à l’écrivain peut être plus ou moins grande et varier au

cours même de l’œuvre. Il serait tout aussi faux de chercher l’auteur du

côté de l’écrivain réel que du côté de ce locuteur ctif; la fonction-auteur

s’effectue dans la scission même – dans ce partage et cette distance. On

dira, peut-être, que c’est là seulement une propriété singulière du dis-

cours romanesque ou poétique: un jeu où ne s’engagent que ces “quasi-

discours”. En fait, tous les discours qui sont pourvus de la fonction-auteur

comportent cette pluralité d’ego. L’ego qui parle dans la préface d’un traité

de mathématiques – et qui en indique les circonstances de composition –

n’est identique ni dans sa position ni dans son fonctionnement à celui qui

parle dans le cours d’une démonstration et qui apparaît sous la forme d’un

 “Je conclus” ou “Je suppose” : dans un cas, le “je” renvoie à un individu

sans équivalent qui, en un lieu et un temps déterminés, a accompli un

certain travail; dans le second, le “je” désigne un plan et un moment de

démonstration que tout individu peut occuper, pourvu qu’il ait accepté le

même système de symboles, le même jeu d’axiomes, le même ensemble

de démonstrations préalables. Mais on pourrait aussi, dans le même traité,

repérer un troisième ego; celui qui parle pour dire le sens du travail, les

obstacles rencontrés, les résultats obtenus, les problèmes qui se posent

encore; cet ego se situe dans le champ des discours mathématiques déjà

existants ou encore à venir. La fonction-auteur n’est pas assurée par l’un

de ces ego (le premier) aux dépens des deux autres, qui n’en seraient

plus alors que le dédoublement ctif. Il faut dire au contraire que, dans

de tels discours, la fonction-auteur joue de telle sorte qu’elle donne lieu à

la dispersion de ces trois ego simultanés.

Sans doute l’analyse pourrait-elle reconnaître encore d’autres traits

caractéristiques de la fonction-auteur. Mais je m’en tiendrai aujourd’hui

aux quatre que je viens d’évoquer, parce qu’ils paraissent à la fois les plus

visibles et les plus importants. Je les résumerai ainsi: la fonction-auteur est

liée au système juridique et institutionnel qui enserre, détermine, articule

l’univers des discours; elle ne s’exerce pas uniformément et de la même

façon sur tous les discours, à toutes les époques et dans toutes les formes

de civilisation; elle n’est pas dénie par l’attribution spontanée d’un discours

à son producteur, mais par une série d’opérations spéciques et complexes;

elle ne renvoie pas purement et simplement à un individu réel, elle peut

donner lieu simultanément à plusieurs ego, à plusieurs positions-sujets

que des classes différentes d’individus peuvent venir occuper.

*

Mais je me rends compte que jusqu’à présent j’ai limité mon thème

d’une façon injustiable. À coup sûr, il aurait fallu parler de ce qu’est la

fonction-auteur dans la peinture, dans la musique, dans les techniques

etc. Cependant, à supposer même qu’on s’en tienne, comme je voudrais

le faire ce soir, au monde des discours, je crois bien avoir donné au terme

 “auteur” un sens beaucoup trop étroit. Je me suis limité à l’auteur en-

tendu comme auteur d’un texte, d’un livre ou d’une œuvre dont on peut

légitimement lui attribuer la production. Or il est facile de voir que, dans

l’ordre du discours, on peut être l’auteur de bien plus que d’un livre – d’une

théorie, d’une tradition, d’une discipline à l’intérieur desquelles d’autres

livres et d’autres auteurs vont pouvoir à leur tour prendre place. Je dirais,

d’un mot, que ces auteurs se trouvent dans une position “transdiscursive”.

C’est un phénomène constant – aussi vieux à coup sûr que notre

civilisation. Homère et Aristote, les Pères de l’Église ont joué ce rôle; mais

aussi les premiers mathématiciens et ceux qui ont été à l’origine de la

tradition hippocratique. Mais il me semble qu’on a vu apparaître, au cours

du XIXe siècle en Europe, des types d’auteurs assez singuliers et qu’on ne

saurait confondre ni avec les “grands” auteurs littéraires, ni avec les au-

teurs de textes religieux canoniques, ni avec les fondateurs de sciences.

Appelons-les, d’une façon un peu arbitraire, “fondateurs de discursivité”.

Ces auteurs ont ceci de particulier qu’ils ne sont pas seulement les

auteurs de leurs œuvres, de leurs livres. Ils ont produit quelque chose de

plus: la possibilité et la règle de formation d’autres textes. En ce sens, ils

sont fort différents, par exemple, d’un auteur de romans, qui n’est jamais,

au fond, que l’auteur de son propre texte. Freud n’est pas simplement

l’auteur de la Traumdeutung ou du Mot d’esprit ;8 Marx n’est pas simplement

l’auteur du Manifeste ou du Capital :9 ils ont établi une possibilité indénie

de discours. Évidemment, il est facile de faire une objection. Il n’est pas

vrai que l’auteur d’un roman ne soit que l’auteur de son propre texte; en

8 FREUD. Die Traumdeutung; Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten.9 MARX; ENGELS. Manifest der kommunistischen Partei ; Das Kapital . Kritik der politischen Oekonomie.

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un sens, lui aussi, pourvu qu’il soit, comme on dit, un peu “importante”,

régit et commande plus que cela. Pour prendre un exemple très simple, on

peut dire qu’Ann Radcliffe n’a pas seulement écrit Les Visions du château

des Pyrénées10 et un certain nombre d’autres romans, elle a rendu possible

les romans de terreur du début du XIXe siècle, et, dans cette mesure-là, sa

fonction d’auteur excède son œuvre même. Seulement, à cette objection,

 je crois qu’on peut répondre: ce que rendent possible ces instaurateurs de

discursivité (je prends pour exemple Marx et Freud, car je crois qu’ils sont à

la fois les premiers et les plus importants), ce qu’ils rendent possible, c’est

tout autre chose que ce que rend possible un auteur de roman. Les textes

d’Ann Radcliffe ont ouvert le champ à un certain nombre de ressemblances

et d’analogies qui ont leur modèle ou principe dans son œuvre propre.

Celle-ci contient des signes caractéristiques, des gures, des rapports, des

structures qui ont pu être réutilisés par d’autres. Dire qu’ Ann Radcliffe a

fondé le roman de terreur veut dire en n de compte: dans le roman de

terreur du XIXe siècle, on retrouvera, comme chez Ann Radcliffe, le thème

de l’héroïne prise au piège de sa propre innocence, la gure du château

secret qui fonctionne comme une contre-cité, le personnage du héros

noir, maudit, voué à faire expier au monde le mal qu’on lui a fait etc. En

revanche, quand je parle de Marx ou de Freud comme “instaurateurs de

discursivité”, je veux dire qu’ils n’ont pas rendu simplement possible un

certain nombre d’analogies, ils ont rendu possible (et tout autant) un certain

nombre de différences. Ils ont ouvert l’espace pour autre chose qu’eux et

qui pourtant appartient à ce qu’ils ont fondé. Dire que Freud a fondé la

psychanalyse, cela ne veut pas dire (cela ne veut pas simplement dire) que

l’on retrouve le concept de la libido, ou la technique d’analyse des rêves

chez Abraham ou Melanie Klein, c’est dire que Freud a rendu possibles un

certain nombre de différences par rapport à ses textes, à ses concepts, à

ses hypothèses qui relèvent toutes du discours psychanalytique lui-même.

Aussitôt surgit, je crois, une difculté nouvelle, ou du moins un

nouveau problème: est-ce que ce n’est pas le cas, après tout, de tout

fondateur de science, ou de tout auteur qui, dans une science, a introduit

une transformation qu’on peut dire féconde? Après tout, Galilée n’a pas

10 RADCLIFFE. Les visions du château des Pyrénées.

rendu simplement possibles ceux qui ont répété après lui les lois qu’il avait

formulées, mais il a rendu possibles des énoncés bien différents de ce que

lui-même avait dit. Si Cuvier est le fondateur de la biologie, ou Saussure

celui de la linguistique, ce n’est pas parce qu’on les a imités, ce n’est pas

parce qu’on a repris, ici ou là, le concept d’organisme ou de signe, c’est

parce que Cuvier a rendu possible dans une certaine mesure cette théorie

de l’évolution qui était terme à terme opposée à son propre xisme; c’est

dans la mesure où Saussure a rendu possible une grammaire générative

qui est fort différente de ses analyses strurcturales. Donc, l’instauration

de discursivité semble être du même type, au premier regard, en tout cas,

que la fondation de n’importe quelle scienticité. Cependant, je crois qu’il

y a une différence, et une différence notable. En effet, dans le cas d’une

scienticité, l’acte qui la fonde est de plain-pied avec ses transformations

futures; il fait, en quelque sorte, partie de l’ensemble des modications

qu’il rend possibles. Cette appartenance, bien sûr, peut prendre plusieurs

formes. L’acte de fondation d’une scienticité peut apparaître, au cours

des transformations ultérieures de cette science, comme n’étant après tout

qu’un cas particulier d’un ensemble beaucoup plus général qui se découvre

alors. Il peut apparaître aussi comme entaché d’intuition et d’empiricité; il

faut alors le formaliser de nouveau, et en faire l’objet d’un certain nombre

d’opérations théoriques supplémentaires qui le fonde plus rigoureusement

etc. Enn, il peut apparaître comme une généralisation hâtive, qu’il faut

limiter et dont il faut retracer le domaine restreint de validité. Autrement

dit, l’acte de fondation d’une scienticité peut toujours être réintroduit à

l’intérieur de la machinerie des transformations qui en dérivent.

Or je crois que l’instauration d’une discursivité est hétérogène à

ses transformations ultérieures. Étendre un type de discursivité comme

la psychanalyse telle qu’elle a été instaurée par Freud, ce n’est pas lui

donner une généralité formelle qu’elle n’aurait pas admise au départ, c’est

simplement lui ouvrir un certain nombre de possibilités d’applications. La

limiter, c’est, en réalité, essayer d’isoler dans l’acte instaurateur un nombre

éventuellement restreint de propositions ou d’énoncés, auxquels seuls on

reconnaît valeur fondatrice et par rapport auxquels tels concepts ou thé-

orie admis par Freud pourront être considérés comme dérivés, seconds,

accessoires. Enn, dans l’œuvre de ces instaurateurs, on ne reconnaît pas

32  O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 33

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certaines propositions comme fausses, on se contente, quand on essaie

de saisir cet acte d’instauration, d’écarter les énoncés qui ne seraient pas

pertinents, soit qu’on les considère comme inessentiels, soit qu’on les con-

sidère comme “préhistoriques” et relevant d’un autre type de discursivité.

Autrement dit, à la différence de la fondation d’une science, l’instauration

discursive ne fait pas partie de ces transformations ultérieures, elle demeu-

re nécessairement en retrait ou en surplomb. La conséquence, c’est qu’on

dénit la validité théorique d’une proposition par rapport à l’œuvre de ces

instaurateurs – alors que, dans le cas de Galilée et de Newton, c’est par

rapport à ce que sont, en leur structure et leur normativité intrinsèques, la

physique ou la cosmologie qu’on peut afrmer la validité de telle proposition

qu’ils ont pu avancer. Pour parler d’une façon très schématique: l’œuvre de

ces instaurateurs ne se situe pas par rapport à la science et dans l’espace

qu’elle dessine; mais c’est la science ou la discursivité qui se rapporte à

leur œuvre comme à des coordonnées premières.

On comprend par là qu’on rencontre, comme une nécessité inévitable

dans de telles discursivités, l’exigence d’un “retour à l’origine”. [Ici encore,

il faut distinguer ces “retours à....” des phénomènes de “redécouverte” et

de “réactualisation” qui se produisent fréquemment dans les sciences. Par

 “redécouvertes”, j’entendrai les effets d’analogie ou d’isomorphisme qui,

à partir des formes actuelles du savoir, rendent perceptible une gure qui

a été brouillée, ou qui a disparu. Je dirai par exemple que Chomsky, dans

son livre sur la grammaire cartésienne,11 a redécouvert une certaine gure

du savoir qui va de Cordemoy à Humboldt: elle n’est constituable, à vrai

dire, qu’à partir de la grammaire générative, car c’est cette dernière qui en

détient la loi de construction; en réalité, il s’agit d’un codage rétrospectif

du regard historique. Par “réactualisation”, j’entendrai tout autre chose: la

réinsertion d’un discours dans un domaine de généralisation, d’application

ou de transformation qui est pour lui nouveau. Et là, l’histoire des ma-

thématiques est riche de tels phénomènes (je renvoie ici à l’étude que

Michel Serres a consacrée aux anamnèses mathématiques).12 Par “retour

à”, que faut-il entendre? Je crois qu’on peut ainsi désigner un mouvement

qui a sa spécicité propre et qui caractérise justement les instaurations

11 CHOMSKY. Cartesian Linguistics. A Chapter in the History of Rationalist Thought.12 SERRES. Les anamnèses mathématiques.

de discursivité. Pour qu’il y ait retour, en effet, il faut, d’abord, qu’il y ait

eu oubli, non pas oubli accidentel, non pas recouvrement par quelque in-

compréhension, mais oubli essentiel et constitutif. L’acte d’instauration, en

effet, est tel, en son essence même, qu’il ne peut pas ne pas être oublié.

Ce qui le manifeste, ce qui en dérive, c’est, en même temps, ce qui établit

l’écart et ce qui le travestit. Il faut que cet oubli non accidentel soit investi

dans des opérations précises, qu’on peut situer, analyser, et réduire par

le retour même à cet acte instaurateur. Le verrou de l’oubli n’a pas été

surajouté de l’extérieur, il fait partie de la discursivité en question, c’est

celle-ci qui lui donne sa loi; l’instauration discursive ainsi oubliée est à

la fois la raison d’être du verrou et la clef qui permet de l’ouvrir, de telle

sorte que l’oubli et l’empêchement du retour lui-même ne peuvent être

levés que par le retour. En outre, ce retour s’adresse à ce qui est présent

dans le texte, plus précisément, on revient au texte même, au texte dans

sa nudité, et, en même temps, pourtant, on revient à ce qui est marqué

en creux, en absence, en lacune dans le texte. On revient à un certain

vide que l’oubli a esquivé ou masqué, qu’il a recouvert d’une fausse ou

d’une mauvaise plénitude et le retour doit redécouvrir cette lacune et ce

manque; de là, le jeu perpétuel qui caractérise ces retours à l’instauration

discursive – jeu qui consiste à dire d’un côté: cela y était, il sufsait de lire,

tout s’y trouve, il fallait que les yeux soient bien fermés et les oreilles bien

bouchées pour qu’on ne le voie ni ne l’entende; et, inversement: non, ce

n’est point dans ce mot-ci, ni dans ce mot-là, aucun des mots visibles et

lisibles ne dit ce qui est maintenant en question, il s’agit plutôt de ce qui

est dit à travers les mots, dans leur espacement, dans la distance qui les

sépare.] Il s’ensuit naturellement que ce retour, qui fait partie du discours

lui-même, ne cesse de le modier, que le retour au texte n’est pas un

supplément historique qui viendrait s’ajouter à la discursivité elle-même

et la redoublerait d’un ornement qui, après tout, n’est pas essentiel; il est

un travail effectif et nécessaire de transformation de la discursivité elle-

même. Le réexamen du texte de Galilée peut bien changer la connaissance

que nous avons de l’histoire de la mécanique, jamais cela ne peut changer

la mécanique elle-même. En revanche, le réexamen des textes de Freud

modie la psychanalyse elle-même et ceux de Marx, le Marxisme. [Or pour

caractériser ces retours, il faut ajouter un dernier caractère: ils se font vers

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une sorte de couture énigmatique de l’œuvre et de l’auteur. En effet, c’est

bien en tant qu’il est texte de l’auteur et de cet auteur-ci que le texte a

valeur instauratrice, et c’est pour cela, parce qu’il est texte de cet auteur,

qu’il faut revenir vers lui. Il n’y a aucune chance pour que la redécouverte

d’un texte inconnu de Newton ou de Cantor modie la cosmologie classi-

que ou la théorie des ensembles, telles qu’elles ont été développées (tout

au plus cette exhumation est-elle susceptible de modier la connaissance

historique que nous avons de leur genèse). En revanche, la remise au jour

d’un texte comme l’ Esquisse13 de Freud – et dans la mesure même où c’est

un texte de Freud – risque toujours de modier non pas la connaissance

historique de la psychanalyse, mais son champ théorique – ne serait-ce

qu’en en déplaçant l’accentuation ou le centre de gravité. Par de tels re-

tours, qui font partie de leur trame même, les champs discursifs dont je

parle comportent à l’égard de leur auteur “fondamental” et médiat un ra-

pport qui n’est pas identique au rapport qu’un texte quelconque entretient

avec son auteur immédiat].

Ce que je viens d’esquisser à propos de ces “instaurations discursi-

ves” est, bien entendu, très schématique. En particulier, l’opposition que

 j’ai essayé de tracer entre une telle instauration et la fondation scientique.

Il n’est peut-être pas toujours facile de décider si on a affaire à ceci ou à

cela: et rien ne prouve que ce sont là deux procédures exclusives l’une de

l’autre. Je n’ai tenté cette distinction qu’à une seule n : montrer que cette

fonction-auteur, déjà complexe quand on essaie de la repérer au niveau d’un

livre ou d’une série de textes qui portent une signature dénie, comporte

encore de nouvelles déterminations, quand on essaie de l’analyser dans des

ensembles plus vastes – des groupes d’œuvres, des disciplines entières.

*

[Je regrette beaucoup de n’avoir pu apporter, au débat qui va suivre

maintenant, aucune proposition positive: tout au plus des directions pour

un travail possible, des chemins d’analyse. Mais je vous dois au moins

de dire, en quelques mots, pour terminer, les raisons pour lesquelles j’y

attache une certaine importance].

Une pareille analyse, si elle était développée, permettrait peut-être

13 FREUD. Entwurf einer Psychologie.

d’introduire à une typologie des d iscours. Il me semble en effet, au moins

en première approche, qu’une pareille typologie ne saurait être faite seule-

ment à partir des caractères grammaticaux des discours, de leurs structures

formelles, ou même de leurs objets; sans doute existe-t-il des propriétés

ou des relations proprement discursives (irréductibles aux règles de la

grammaire et de la logique, comme aux lois de l’objet), et c’est à elles

qu’il faut s’adresser pour distinguer les grandes catégories de discours.

Le rapport (ou le non-rapport) à un auteur et les différentes formes de ce

rapport constituent – et d’une manière assez visible – l’une de ces pro-

priétés discursives.

Je crois d’autre part qu’on pourrait trouver là une introduction à

l’analyse historique des discours. Peut-être est-il temps d’étudier les dis-

cours non plus seulement dans leur valeur expressive ou leurs transfor-

mations formelles, mais dans les modalités de leur existence: les modes

de circulation, de valorisation, d’attribution, d’appropriation des discours

varient avec chaque culture et se modient à l’intérieur de chacune; la

manière dont ils s’articulent sur des rapports sociaux se déchiffre de façon,

me semble-t-il, plus directe dans le jeu de la fonction-auteur et dans ses

modications que dans les thèmes ou les concepts qu’ils mettent en œuvre.

N’est-ce pas également à partir d’analyses de ce type qu’on pourrait

réexaminer les privilèges du sujet? Je sais bien qu’en entreprenant l’analyse

interne et architectonique d’une œuvre (qu’il s’agisse d’un texte li ttéraire,

d’un système philosophique, ou d’une œuvre scientique), en mettant

entre parenthèses les références biographiques ou psychologiques, on a

déjà remis en question le caractère absolu, et le rôle fondateur du sujet.

Mais il faudrait peut-être revenir sur ce suspens, non point pour restaurer

le thème d’un sujet originaire, mais pour saisir les points d’insertion, les

modes de fonctionnement et les dépendances du sujet. Il s’agit de retourner

le problème traditionnel. Ne plus poser la question: comment la liberté d’un

sujet peut-elle s’insérer dans l’épaisseur des choses et lui donner sens,

comment peut-elle animer, de l’intérieur, les règles d’un langage et faire

 jour ainsi aux visées qui lui sont propres? Mais poser plutôt ces questions:

comment, selon quelles conditions et sous quelles formes quelque chose

comme un sujet peut-il apparaître dans l’ordre des discours? Quelle place

peut-il occuper dans chaque type de discours, quelles fonctions exercer,

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et en obéissant à quelles règles? Bref, il s’agit d’ôter au sujet (ou à son

substitut) son rôle de fondement originaire, et de l’analyser comme une

fonction variable et complexe du discours.

[L’auteur – ou ce que j’ai essayé de décrire comme la fonction-auteur

– n’est sans doute qu’une des spécications possibles de la fonction-sujet.

Spécication possible, ou nécessaire? À voir les modications historiques

qui ont eu lieu, il ne paraît pas indispensable, loin de là, que la fonction-

auteur demeure constante dans sa forme, dans sa complexité, et même

dans son existence. On peut imaginer une culture où les discours circule-

raient et seraient reçus sans que la fonction-auteur apparaisse jamais].14 

Tous les discours, quel que soit leur statut, leur forme, leur valeur, et quel

que soit le traitement qu’on leur fait subir, se dérouleraient dans l’anonymat

du murmure. On n’entendrait plus les questions si longtemps ressassées:

14 Variante: “Mais il y a aussi des raisons qui tiennent au statut ‘idéologique’ de l’auteur. La question

devient alors: comment conjurer le grand péril, le grand danger par lesquels la ction menace notre

monde? La réponse est qu’on peut les conjurer à travers l’auteur. L’auteur rend possible une limitation

de la prolifération cancérisante, dangereuse des signications dans un monde où l’on est économe

non seulement de ses ressources et richesses, mais de ses propres discours et de leurs signications.

L’auteur est le principe d’ économie dans la prolifération du sens. En conséquence, nous devons

procéder au renversement de l’idée traditionnelle d’auteur. Nous avons coutume de dire, nous l’avons

examiné plus haut, que l’auteur est l’instance créatrice jaillissante d’une œuvre où il dépose, avec

une innie richesse et générosité, un monde inépuisable de signications. Nous sommes accoutumés

à penser que l’auteur est si différent de tous les autres hommes, tellement transcendant à tous les

langages, qu’aussitôt qu’il parle le sens prolifère et prolifère indéniment.

La vérité est tout autre: l’auteur n’est pas une source indénie de signications qui viendraient

combler l’œuvre, l’auteur ne précède pas les œuvres. Il est un certain principe fonctionnel par lequel,

dans notre culture, on délimite, on exclut, on sélectionne: bref, le principe par lequel on entrave

la libre circulation, la libre manipulation, la libre composition, décomposition, recomposition de la

ction. Si nous avons l’habitude de présenter l’auteur comme génie, comme surgissement perpétuel de

nouveauté, c’est parce qu’en réalité nous le faisons fonctionner sur un mode exactement inverse. Nous

dirons que l’auteur est une production idéologique dans la mesure où nous avons une représentation

inversée de sa fonction historique réelle. L’auteur est donc la gure idéologique par laquelle on conjure

la prolifération du sens.

En disant cela, je semble appeler une forme de culture où la ction ne serait pas raréée par

la gure de l’auteur. Mais ce serait pur romantisme d’imaginer une culture où la ction circulerait

à l’état absolument libre, à la disposition de chacun, se développerait sans attribution à une gure

nécessaire ou contraignante. Depuis le XVIIIe siècle, l’auteur a joué le rôle de régulateur de la ction,

rôle caractéristique de l’ère industrielle et bourgeoise, d’individualisme et de propriété privée. Pourtant,

compte tenu des modications historiques en cours, il n’y a nulle nécessité à ce que la fonction-

auteur demeure constante dans sa forme ou sa complexité ou son existence. Au moment précis où

notre société est dans un processus de changement, la fonction-auteur va disparaître d’une façon qui

permettra une fois de plus à la ction et à ses textes polysémiques de fonctionner à nouveau selon un

autre mode, mais toujours selon un système contraignant, qui ne sera plus celui de l’auteur, mais qui

reste encore à déterminer ou peut-être à expérimenter.” (Traduction de D. Defert.)

 “Qui a réellement parlé? Est-ce bien lui et nul autre? Avec quelle authenti-

cité, ou quelle originalité? Et qu’a-t-il exprimé du plus profond de lui-même

dans son discours?” Mais d’autres comme celles-ci: “Quels sont les modes

d’existence de ce discours? D’où a-t-il été tenu, comment peut-il circuler,

et qui peut se l’approprier? Quels sont les emplacements qui y sont mé-

nagés pour des sujets possibles? Qui peut remplir ces diverses fonctions

de sujet?” Et, derrière toutes ces questions, on n’entendrait guère que le

bruit d’une indifférence: “Qu’importe qui parle.” 

 J. Wahl : Je remercie Michel Foucault de tout ce qu’il nous a dit et

qui appelle la discussion. Je vais demander tout de suite qui veut prendre

la parole.

 Jean d’Ormesson: Dans la thèse de Michel Foucault, la seule chose

que je n’avais pas bien comprise et sur laquelle tout le monde, même la

grande presse, avais mis l’accent, c’était la n de l’homme. Cette fois,

Michel Foucault s’est attaqué au maillon le plus faible de la chaîne: il a

attaqué, non plus l’homme, mais l’auteur. Et je comprends bien ce qui a

pu le mener, dans les événements culturels depuis cinquante ans, à ces

considérations: “La poésie doit être faite par tous”, “ça parle” etc. Je me

posais un certain nombre de questions: je me disais que, tout de même, il y

a des auteurs en philosophie et en li ttérature. On pourrait donner beaucoup

d’exemples, me semblait-il, en littérature et en philosophie, d’auteurs qui

sont des points de convergence. Les prises de position politique sont aussi

le fait d’un auteur et on peut les rapprocher de sa philosophie.

Eh bien, j’ai été complètement rassuré, parce que j’ai l’impression

qu’en une espèce de prestidigitation, extrêmement brillante, ce que Michel

Foucault a pris à l’auteur, c’est-à-dire son œuvre, il le lui a rendu avec

intérêt, sous le nom d’instaurateur de discursivité, puisque non seulement

il lui redonne son œuvre, mais encore celle des autres.

Lucien Goldmann: Parmi les théoriciens marquants d’une école qui

occupe une place importante dans la pensée contemporaine et se carac-

térise par la négation de l’homme en général et, à partir de là, du sujet

sous tous ses aspects, et aussi de l’auteur, Michel Foucault, qui n’a pas

explicitement formulé cette dernière négation mais l’a suggérée tout au

long de son exposé en terminant sur la perspective de la suppression de

l’auteur, est certainement l’une des gures les plus intéressantes et les

38  O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 39

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plus difciles à combattre et à cri tiquer. Car, à une position philosophique

fondamentalement antiscientique, Michel Foucault allie un remarquable

travail d ‘historien, et il me paraît hautement probable que, grâce à un

certain nombre d’analyses, son œuvre marquera une étape importante

dans le développement de l’histoire scientique de la science et même de

la réalité sociale.

C’est donc sur le plan de sa pensée proprement philosophique, et

non pas sur celui de ses analyses concrètes, que je veux aujourd’hui placer

mon intervention.

Permettez-moi cependant, avant d’aborder les trois parties de

l’exposé de Michel Foucault, de me référer à l’intervention qui vient d’avoir

lieu pour dire que je suis absolument d’accord avec l’intervenant sur le fait

que Michel Foucault n’est pas l’auteur, et certainement pas l’instaurateur de

ce qu’il vient de nous dire. Car la négation du sujet est aujourd’hui l’idée

centrale de tout un groupe de penseurs, ou plus exactement de tout un

courant philosophique. Et si, à l’intérieur de ce courant, Foucault occupe une

place particulièrement originale et brillante, il faut néanmoins l’intégrer à

ce qu’on pourrait appeler l’école française du structuralisme non génétique

et qui comprend notamment les noms de Lévi-Strauss, Roland Barthes,

Althusser, Derrida etc.

Au problème particulièrement important soulevé par Michel Foucault:

 “Qui parle?”, je pense qu’il faut en adjoindre un second: “Qu’est-ce qu’il dit?” 

 “Qui parle?” À la lumière des sciences humaines contemporaines,

l’idée de l’individu en tant qu’auteur dernier d’un texte, et notamment d’un

texte important et signicatif, apparaît de moins en moins soutenable.

Depuis un certain nombre d’années, toute une série d’analyses concrètes

ont en effet montré que, sans nier ni le sujet ni l’homme, on est obligé de

remplacer le sujet individuel par un sujet collectif ou transindividuel. Dans

mes propres travaux, j’ai été amené à montrer que Racine n’est pas le seul,

unique et véritable auteur des tragédies raciniennes, mais que celles-ci sont

nées à l’intérieur du développement d’un ensemble structuré de catégories

mentales qui était œuvre collective, ce qui m’a amené à trouver comme

 “auteur” de ces tragédies, en dernière instance, la noblesse de robe, le

groupe jansénite et, à l’intérieur de celui-ci, Racine en tant qu’individu

particulièrement important…15 

Lorqu’on pose le problème “Qui parle?”, il y a aujourd’hui dans les

sciences humaines au moins deux réponses, qui, tout en s’opposant ri-

goureusement l’une à l’autre, refusent chacune l’idée traditionnellement

admise du sujet individuel. La première, que j’appellerai structuralisme non

génétique, nie le sujet qu’elle remplace par les structures (linguistiques,

mentales, sociales etc.) et ne laisse aux hommes et à leur comportement

que la place d’un rôle, d’une fonction à l’intérieur de ces structures qui

constituent le point, nal de la recherche ou de l’explication.

À l’opposé, le structuralisme génétique refuse lui aussi, dans la di-

mension historique et dans la dimension culturelle qui en fait partie, le sujet

individuel; il ne supprime cependant pas pour autant l’idée de sujet, mais

remplace le sujet individuel par le sujet transindividuel. Quant aux struc-

tures, loin d’apparaître comme des réalités autonomes et plus ou moins

ultimes, elles ne sont dans cette perspective qu’une propriété universelle

de toute praxis et de toute réalité humaines. Il n’y a pas de fait humain

qui ne soit structuré, ni de structure qui ne soit signicative, c’est-à-dire

qui, en tant que qualité du psychisme et du comportement d’un sujet, ne

remplisse une fonction. Bref, trois thèses centrales dans cette position: il y

a un sujet; dans la dimension historique et culturelle, ce sujet est toujours

transindividuel; toute activité psychique et tout comportement du sujet

sont toujours structurés et signicatifs, c’est-à-dire fonctionnels.

J’ajouterai que j’ai, moi aussi, rencontré une difculté soulevée par

Michel Foucault: celle de la dénition de l’œuvre. Il est en effet difcile,

voire impossible, de dénir celle-ci par rapport à un sujet individuel. Comme

l’a dit Foucault, s’il s’agit de Nietzsche ou de Kant, de Racine ou de Pascal,

où s’arrête le concept d’œuvre? Faut-il l’arrêter aux textes publiés? Faut-

il inclure tous les papiers non publiés jusqu’aux notes de blanchisserie?

Si l’on pose le problème dans la perspective du structuralisme gé-

nétique, on obtient une réponse qui vaut non seulement pour les œuvres

culturelles mais aussi pour tout fait humain et historique. Qu’est-ce que la

Révolution française? Quels sont les stades fondamentaux de l’histoire des

sociétés et des cultures capitalistes occidentales? La réponse soulève des

15 GOLDMANN. Le Dieu caché. Étude sur la vision tragique dans les Pensées de Pascal et dans le théâtre

de Racine.

40  O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 41

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difcultés analogues. Revenons cependant à l’œuvre: ses limites, comme

celles de tout fait humain, se dénissent par le fait qu’elle constitue une

structure signicative fondée sur l’existence d’une structure mentale co-

hérente élaborée par un sujet collectif. À partir de là, il peut arriver qu’on

soit obligé d’éliminer, pour délimiter cette structure, certains textes publiés

ou d’intégrer, au contraire, certains textes inédits; enn, il va de soi qu’on

peut facilement justier l’exclusion de la note de blanchisserie. J’ajouterai

que, dans cette perspective, la mise en relation de la structure cohérente

avec sa fonctionnalité par rapport à un sujet transindividuel ou – pour em-

ployer un langage moins abstrait – la mise en relation de l’interprétation

avec l’explication, prend une importance particulière.

Un seul exemple: au cours de mes recherches, je me suis heurté

au problème de savoir dans quelle mesure Les Provinciales et les Pensées 

de Pascal peuvent être considérées comme une œuvre16 et, après une

analyse attentive, je suis arrivé à la conclusion que ce n’est pas le cas et

qu’il s’agit de deux œuvres qui ont deux auteurs différents. D’une part,

Pascal avec le groupe Arnauld-Nicole et les jansénistes modérés pour Les

Provinciales; d’autre part, Pascal avec le groupe des jansénistes extrémis-

tes pour les Pensées. Deux auteurs différents, qui ont un secteur partiel

commun: l’individu Pascal et peut-être quelques autres jansénistes qui ont

suivi la même évolution.

Un autre problème soulevé par Michel Foucault dans son exposé

est celui de l’écriture. Je crois qu’il vaut mieux mettre un nom sur cette

discussion, car je présume que nous avons tous pensé à Derrida et à son

système. Nous savons que Derrida essaie – gageure qui me semble pa-

radoxale – d’élaborer une philosophie de l’écriture tout en niant le sujet.

C’est d’autant plus curieux que son concept d’écriture est, par ailleurs, très

proche du concept dialectique de praxis. Un exemple entre autres: je ne

saurais qu’être d’accord avec lui lorsqu’il nous dit que l’écriture laisse des

traces qui nissent par s’effacer; c’est la propriété de toute praxis, qu’il

s’agisse de la construction d’un temple qui disparaît au bout de plusieurs

siècles ou plusieurs millénaires, de l’ouverture d’une route, de la modi-

cation de son trajet ou, plus prosaïquement, de la fabrication d’une paire

16 PASCAL. Les Provinciales; Les Pensées.

de saucisses qui est mangée par la suite. Mais je pense, comme Foucault,

qu’il faut demander: “Qui crée les traces? Qui écrit?” 

Comme je n’ai aucune remarque à faire sur la deuxième partie

de l’exposé, avec laquelle je suis dans l’ensemble d’accord, je passe à la

troisième.

Il me semble que, là aussi, la plupart des problèmes soulevés

trouvent leur réponse dans la perspective du sujet transindividuel. Je ne

m’arrêterai qu’à un seul: Foucault a fait une distinction justiée entre ce

qu’il appelle les “instaurateurs” d’une nouvelle méthodologie scienti-

que et les créateurs. Le problème est réel, mais, au lieu de lui laisser le

caractère relativement complexe et obscur qu’il a pris dans son exposé,

ne peut-on pas trouver le fondement épistémologique et sociologique de

cette opposition dans la distinction, courante dans la pensée dialectique

moderne et notamment dans l’école lukacsienne, entre les sciences de la

nature, relativement autonomes en tant que structures scientiques, et

les sciences humaines, qui ne sauraient être positives sans être philoso-

phiques? Ce n’est certainement pas un hasard si Foucault a opposé Marx,

Freud et, dans une certaine mesure, Durkheim à Galilée et aux créateurs

de la physique mécaniste. Les sciences de l’homme – explicitement pour

Marx et Freud, implicitement pour Durkheim – supposent l’union étroite

entre les constatations et les valorisations, la connaissance et la prise de

position, la théorie et la praxis, sans pour cela bien entendu abandonner

en rien la rigueur théorique. Avec Foucault, je pense aussi que très sou-

vent, et notamment aujourd’hui, la réexion sur Marx, Freud et même

Durkheim se présente sous la forme d’un retour aux sources, car il s’agit

d’un retour à une pensée philosophique, contre les tendances positivistes

qui veulent faire des sciences de l’homme sur le modèle des sciences de

la nature. Encore faudrait-il distinguer ce qui est retour authentique de

ce qui, sous la forme d’un prétendu retour aux sources, est en réalité une

tentative d’assimiler Marx et Freud au positivisme et au structuralisme non

génétique contemporain qui leur sont totalement étrangers.

C’est dans cette perspective que je voudrais terminer mon interven-

tion en mentionnant la phrase devenue célèbre, écrite au mois de mai par

un étudiant sur le tableau noir d’une salle de la Sorbonne, et qui me paraît

exprimer l’essentiel de la critique à la fois philosophique et scientique du

42  O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 43

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structuralisme non génétique: “Les structures ne descendent pas dans la

rue”, c’est-à-dire: ce ne sont jamais les structures qui font l’histoire, mais

les hommes, bien que l’action de ces derniers ait toujours un caractère

structuré et signicatif.

M. Foucault : Je vais essayer de répondre. La première chose que je

dirai, c’est que je n’ai jamais, pour ma part, employé le mot de structure.

Cherchez-le dans Les Mots et les Choses, vous ne le trouverez pas. Alors,

 j’aimerais bien que toutes les facilités sur le structuralisme me soient

épargnées, ou qu’on prenne la peine de les justier. De plus: je n’ai pas

dit que l’auteur n’existait pas; je ne l’ai pas dit et je suis étonné que mon

discours ait pu prêter à un pareil contresens. Reprenons un peu tout cela.

J’ai parlé d’une certaine thématique que l’on peut repérer dans

les œuvres comme dans la critique, qui est, si vous voulez: l’auteur doits’effacer ou être effacé au prot des formes propres aux discours. Cela

étant entendu, la question que je me suis posée était celle-ci: qu’est-ce

que cette règle de la disparition de l’écrivain ou de l’auteur permet de

découvrir? Elle permet de découvrir le jeu de la fonction-auteur. Et ce

que j’ai essayé d’analyser, c’est précisément la manière dont s’exerçait la

fonction-auteur, dans ce qu’on peut appeler la culture européenne depuis

le XVIIe siècle. Certes, je l’ai fait très grossièrement, et d’une façon dont

 je veux bien qu’elle soit trop abstraite parce qu’il s’agissait d’une mise en

place d’ensemble. Dénir de quelle manière s’exerce cette fonction, dans

quelles conditions, dans quel champ etc., cela ne revient pas, vous en

conviendrez, à dire que l’auteur n’existe pas.

Même chose pour cette négation de l’homme dont Monsieur

Goldmann a parlé: la mort de l’homme, c’est un thème qui permet de

mettre au jour la manière dont le concept d’homme a fonctionné dans le

savoir. Et si on dépassait la lecture, évidemment austère, des toutes pre-mières ou des toutes dernières pages de ce que j’écris, on s’apercevrait

que cette afrmation renvoie à l’analyse d’un fonctionnement. Il ne s’agit

pas d’afrmer que l’homme est mort, il s’agit, à partir du thème – qui n’est

pas de moi et qui n’a pas cessé d’être répété depuis la n du  XIXe siècle –

que l’homme est mort (ou qu’il va disparaître, ou qu’il sera remplacé par

le surhomme), de voir de quelle manière, selon quelles règles s’est formé

et a fonctionné le concept d’homme. J’ai fait la même chose pour la notion

d’auteur. Retenons donc nos larmes.

Autre remarque. Il a été dit que je prenais le point de vue de la

non-scienticité. Certes, je ne prétends pas avoir fait ici œuvre scientique,

mais j’aimerais connaître de quelle instance me vient ce reproche.

Maurice de Gandillac : Je me suis demandé en vous écoutant selon

quel critère précis vous distinguiez les “instaurateurs de discursivité”, non

seulement des “prophètes” de caractère plus religieux, mais aussi des

promoteurs de “scienticité” auxquels il n’est certainement pas incongru

de rattacher Marx et Freud. Et, si l’on admet une catégorie originale, située

en quelque sorte au-delà de la scienticité et du prophétisme (et relevant

pourtant des deux), je m’étonne de n’y voir ni P laton ni surtout Nietzsche,

que vous nous présentâtes naguère à Royaumont, si j’ai bonne mémoire,

comme ayant exercé sur notre temps une inuence du même type que

celle de Marx et de Freud.

M. Foucault : Je vous répondrai – mais à titre d’hypothèse de travail,

car, encore une fois, ce que je vous ai indiqué n’était, malheureusement,

rien de plus qu’un plan de travail, un repérage de chantier – que la situation

transdiscursive dans laquelle se sont trouvés des auteurs comme Platon

et Aristote depuis le moment où ils ont écrit jusqu’à la Renaissance doit

pouvoir être analysée; la manière dont on les citait, dont on se référait

à eux, dont on les interprétait, dont on restaurait l’authenticité de leurs

textes etc., tout cela obéit certainement à un système de fonctionnement.

Je crois qu’avec Marx et avec Freud on a affaire à des auteurs dont la po-

sition transdiscursive n’est pas superposable à la position transdiscursive

d’auteurs comme Platon ou Aristote. Et il faudrait décrire ce qu’est cette

transdiscursivité moderne, par opposition à la transdiscursivité ancienne.

L. Goldmann: Une seule question: lorsque vous admettez l’exis-

tence de l’homme ou du sujet, les réduisez-vous, oui ou non, au statut

de fonction?

M. Foucault : Je n’ai pas dit que je les réduisais à une fonction,

 j’analysais la fonction à l’intér ieur de laquelle quelque chose comme un

auteur pouvait exister. Je n’ai pas fait ici l’analyse du sujet, j’ai fait l’analyse

de l’auteur. Si j’avais fait une conférence sur le sujet, il est probable

que j’aurais analysé de la même façon la fonction-sujet, c’est-à-dire fait

l’analyse des conditions dans lesquelles il est possible qu’un individu rem-

plisse la fonction du sujet. Encore faudrait-il préciser dans quel champ le

44  O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 45

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sujet est sujet, et de quoi (du discours, du désir, du processus économique

etc.). Il n’y a pas de sujet absolu.

 Jean Ullmo: J’ai été profondément intéressé par votre exposé, parce

qu’il a réanimé un problème qui est très important dans la recherche scien-

tique actuellement. La recherche scientique et en particul ier la recherche

mathématique sont des cas limites dans lesquels un certain nombre des

concepts que vous avez dégagés apparaissent de façon très nette. C’est

en effet devenu un problème assez angoissant dans les vocations scien-

tiques qui se dessinent vers la vingtième année, de se trouver en face

du problème que vous avez posé initialement: “Qu’importe qui parle?”

Autrefois, une vocation scientique c’était la volonté de parler soi-même,

d’apporter une réponse aux problèmes fondamentaux de la nature ou de

la pensée mathématique; et cela justiait des vocations, justiait, on peut

le dire, des vies d’abnégation et de sacrice. De nos jours, ce problème

est beaucoup plus délicat, parce que la science apparaît beaucoup plus

anonyme; et, en effet, “qu’importe qui parle”, ce qui n’a pas été trouvé par

x en juin 1969, sera trouvé par y en octobre 1969. Alors, sacrier sa vie à

cette anticipation légère et qui reste anonyme, c’est vraiment un problème

extraordinairement grave pour celui qui a la vocation et pour celui qui doit

l’aider. Et je crois que ces exemples de vocations scientiques vont éclairer

un peu votre réponse dans le sens, d’ailleurs, que vous avez indiqué. Je vais

prendre l’exemple de Bourbaki;17 je pourrais prendre l’exemple de Keynes,

mais Bourbaki constitue un exemple limite: il s’agi t d’un individu multiple;

le nom de l’auteur semble s’évanouir vraiment au prot d’une collectivité,

et d’une collectivité renouvelable, car ce ne sont pas toujours les mêmes

qui sont Bourbaki. Or pourtant, il existe un auteur Bourbaki, et cet auteur

Bourbaki se manifeste par les discussions extraordinairement violentes,

et même je dirai pathétiques, entre les participants de Bourbaki: avant de

publier un de leurs fascicules – ces fascicules qui paraissent si objectifs,

si dépourvus de passion, algèbre linéaire ou théorie des ensembles, en

fait il y a des nuits entières de discussion et de bagarre pour se mettre

d’accord sur une pensée fondamentale, sur une intériorisation. Et c’est là

17 Nicolas Bourbaki: pseudonyme collectif pris par un groupe de mathématiciens français contemporains

qui ont entrepris la refonte des mathématiques sur des bases axiomatiques rigoureuses (Henri Cartan,

Claude Chevalley, Jean Dieudonné, Charles Ehresmann, André Weil etc.).

le seul point sur lequel j’aurais trouvé un désaccord assez profond avec

vous, parce que, au début, vous avez éliminé l’intériorité. Je crois qu’il n’y

a auteur que lorsqu’il y a intériorité. Et cet exemple de Bourbaki, qui n’est

pas du tout un auteur au sens banal, le démontre d’une façon absolue. Et

cela étant dit, je crois que je rétablis un sujet pensant, qui est peut-être

de nature originale, mais qui est assez clair pour ceux qui ont l’habitude de

la réexion scientique. D’ailleurs, un très intéressant article de Critique 

de Michel Serres, “La tradition de l’idée”, mettait cela en évidence. Dans

les mathématiques, ce n’est pas l’axiomatique qui compte, ce n’est pas la

combinatoire, ce n’est pas ce que vous appelleriez la nappe discursive, ce

qui compte, c’est la pensée interne, c’est l’aperception d’un sujet qui est

capable de sentir, d’intégrer, de posséder cette pensée interne. Et si j’avais

le temps, l’exemple de Keynes serait encore beaucoup plus frappant au

point de vue économique. Je vais simplement conclure: je pense que vos

concepts, vos instruments de pensée sont excellents. Vous avez répondu,

dans la quatrième partie, aux questions que je m’étais posées dans les trois

premières. Où se trouve ce qui spécie un auteur? Eh bien, ce qui spécie

un auteur, c’est justement la capacité de remanier, de réorienter ce champ

épistémologique ou cette nappe discursive, qui sont de vos formules. En

effet, il n’y a auteur que quand on sort de l’anonymat, parce qu’on réo-

riente les champs épistémologiques, parce qu’on crée un nouveau champ

discursif qui modie, qui transforme radicalement le précédent. Le cas le

plus frappant, c’est celui d’Einstein: c’est un exemple absolument saisissant

sous ce rapport. Je suis heureux de voir M. Bouligand qui m’approuve, nous

sommes entièrement d’accord là dessus. Par conséquent, avec ces deux

critères: nécessité d’intérioriser une axiomatique, et critère de l’auteur

en tant que remaniant le champ épistémologique, je crois qu’on restitue

un sujet assez puissant, si j’ose dire. Ce qui, d’ailleurs, je crois, n’est pas

absent de votre pensée.

 Jacques Lacan: J’ai reçu très tard l’invitation. En la lisant, j’ai noté,

dans le dernier paragraphe, le “retour à”. On retourne peut-être à beau-

coup de choses, mais, enn, le retour à Freud c’est quelque chose que j’ai

pris comme une espèce de drapeau, dans un certain champ, et là je ne

peux que vous remercier, vous avez répondu tout à fait à mon attente. En

évoquant spécialement, à propos de Freud, ce que signie le “retour à”,

46  O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 47

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tout ce que vous avez dit m’apparait, au moins au regard de ce en quoi

 j’ai pu y contribuer, parfaitement perttinent.

Deuxièmement, je voudrais faire remarquer que, structuralisme ou

pas, il me semble qu’il n’est nulle part question, dans le champ vague-

ment déterminé par cette étiquette, de la négation du sujet. Il s’agit de

la dépendance du sujet, ce qui est extrêmement différent; et tout parti-

culièrement, au niveau du retour à Freud, de la dépendance du sujet par

rapport à quelque chose de vraiment élémentaire, et que nous avons tenté

d’isoler sous le terme de “signiant”.

Troisièment – je limiterai à cela mon intervention –, je ne considére

pas qu’il soit d’aucune façon légitime d’avoir écrit que les structures ne

descendent pas dans la rue, parce que, s’il y a quelque chose que démon-

trent le événements de mai, c’est précisément la descente dans la rue des

structures. Le fait qu’on l’écrive à la place même où s’est opérée cette

descente dans la rue ne prouve rien d’autre que, simplement, ce qui est

très souvent, et même le plus souvent, interne à ce qu’on appelle l’acte,

c’est qu’il se méconnaît lui-même.

 J. Wahl : Il nous teste à remercier Michel Foucault d’être venu, d’avoir

parlé, d’avoir d’abord écrit sa conférence, d’avoir répondu aux questions qui

ont été posées, et qui, d’ailleurs, on toutes été intéressantes. Je remercie

aussi ceux qui sont intervenus et les auditeurs. “Qui écoute, qui parle?”:

nous porrrons répondre “à la maison” à cette question.

48  O que é um autor?

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O que é um autor?

 Jean Wahl : Temos o prazer de ter hoje entre nós Michel Foucault. Está-

vamos um pouco impacientes pela sua vinda, inquietos pelo seu atraso,

mas ele aqui está. Não vou apresentá-lo, é Michel Foucault ele próprio, o

de Les Mots et les Choses, o da tese sobre a loucura. Dou-lhe imediata-

mente a palavra.

Michel Foucault : Creio – sem estar, de resto, muito seguro – que é

de tradição trazer a esta Sociedade de Filosoa o resultado de trabalhos já

acabados, para os propor à vossa apreciação e à vossa crítica. Infelizmente,

receio que o que vos trago hoje seja demasiado insignicante para merecer

a vossa atenção: é um projeto que gostaria de submeter à vossa opinião,

um ensaio de análise de que ainda mal entrevejo as grandes linhas: mas

pareceu-me que ao esforçar-me por traçá-las diante de vós, ao pedir-vos

para as julgarem e reticarem estaria, tal como um neurótico, à procura de

um duplo benefício: primeiro, o de subtrair os resultados de um trabalho

que ainda não existe ao rigor das vossas objeções e, por outro lado, o de

fazer usufruir, logo à nascença, não somente do vosso “apadrinhamento”,

mas também das vossas sugestões.

Gostaria ainda de vos dirigir um outro pedido: não me levem a mal

se, quando daqui a pouco me colocarem questões, eu sentir ainda, e so-

bretudo aqui, a ausência de uma voz que me foi até agora indispensável;

compreenderão que, daqui a pouco, é ainda o meu primeiro mestre que

procuro ouvir inelutavelmente. Anal, foi com ele que primeiro falei do meu

projeto inicial de trabalho; teria tido com certeza necessidade que ele as-

sistisse ao seu esboço e me ajudasse uma vez mais nas minhas incertezas.

Tradução de Antônio Fernando Cascais e Eduardo Cordeiro

O que é um autor? 

Editora Passagens,

1992.

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Mas, apesar de tudo, na medida em que a ausência é o lugar primeiro do

discurso, permitam que esta noite me dirija a ele em primeiro lugar.

O tema que propus, “O que é um autor?”, preciso evidentemente

de justicá-lo diante de vós.

Se escolhi tratar esta questão talvez um pouco estranha foi, antes

de mais, porque queria fazer uma certa crítica ao que noutros tempos

me aconteceu escrever, corrigindo assim um certo número de imprudên-

cias que então cometi. Em Les Mots et les Choses, tinha tentado analisar

massas verbais, espécies de tecidos discursivos que não eram escondidos

pelas unidades habituais do livro, da obra e do autor. Falava, em geral, da

 “história natural”, ou da “análise das riquezas”, ou da “economia política”,

mas quase nada de obras ou de escritores. No entanto, ao longo de toda

essa obra, utilizei inocentemente, ou seja, de forma selvagem, nomes de

autores. Falei de Buffon, de Cuvier, de Ricardo etc., e permiti que estes

nomes funcionassem com uma ambiguidade muito embaraçante. Se bem

que dois tipos de objeções pudessem ser legitimamente formulados, como

aliás o foram. Por um lado, disseram-me: o senhor não descreve Buffon

nem o conjunto da sua obra como deve ser, e o que diz sobre Marx é

irrisoriamente insuciente em relação ao pensamento de Marx. Estas ob-

 jeções eram evidentemente fundamentadas, mas não penso que fossem

muito pertinentes relativamente ao que então fazia; porque, para mim, o

problema não consistia em descrever Buffon ou Marx, nem em restituir o

que eles tinham dito ou querido dizer: procurava simplesmente encontrar

as regras pelas quais eles tinham formado um certo número de concei-

tos ou de teorias que se podem encontrar nas suas obras. Fizeram uma

outra objeção: o senhor forma famílias monstruosas, aproxima nomes

tão manifestamente opostos com os de Buffon e de Lineu, põe Cuvier

ao lado de Darwin, e tudo isso contra o jogo mais óbvio do parentesco e

das semelhanças naturais. Ainda aqui, diria que a objeção não me parece

 justa, porque nunca procurei fazer um quadro genealógico das individu-

alidades espirituais, nunca pretendi constituir um daguerreótipo intelec-

tual do sábio ou do naturalista dos séculos XVII e XVIII; não quis formar

nenhuma família, nem santa nem perversa, procurei simplesmente – o

que é muito mais modesto – as condições de funcionamento de práticas

discursivas especícas.

Dir-me-ão: então por que utilizar em Les Mots et les Choses, nomes

de autores? Conviria ou não utilizar nenhum, ou então denir o modo

como são utilizados. Esta objeção já me parece perfeitamente justicada:

tentei medir-lhe as implicações e as consequências num texto a aparecer

em breve; tento agora conferir-lhe o estatuto das grandes unidades dis-

cursivas, como as que chamamos História Natural ou Economia Política;

interroguei-me sobre os métodos e os instrumentos que as podem delimitar,

dividir, analisar e descrever. Eis a primeira parte de um trabalho começado

há alguns anos e que agora está terminando.

Mas uma outra questão se põe: a do autor – e é dela que gostaria

agora de tratar. A noção de autor constitui o momento forte da individuali-

zação na história das ideias, dos conhecimentos, das literaturas, na história

da losoa também, e na das ciências. Mesmo hoje, quando se faz a história

de um conceito, de um gênero literário ou de um tipo de losoa, creio que

tais unidades continuam a ser consideradas como recortes relativamente

fracos, secundários e sobrepostos em relação à unidade primeira, sólida

e fundamental, que é a do autor e da obra.

Deixarei de lado, pelo menos pela exposição desta tarde, a análise

histórico-sociológica da personagem do autor. Como é que o autor se

individualizou numa cultura como a nossa, que estatuto lhe foi atribuído,

a partir de que momento, por exemplo, se iniciaram as pesquisas sobre

a autenticidade e a atribuição, em que sistema de valorização foi o autor

 julgado, em que momento se começou a contar a vida dos autores de pre-

ferência a dos heróis, como é que se instaurou essa categoria fundamental

da crítica que é “o-homem-e-a-obra” – tudo isto mereceria seguramente

ser analisado. Gostaria, para já, de debruçar-me tão só sobre a relação

do texto com o autor, a maneira como o texto aponta para essa gura que

lhe é exterior e anterior, pelo menos em aparência.

Peço emprestada a Beckett a formulação para o tema de que gos-

taria de partir: “Que importa quem fala, disse alguém, que importa quem

fala”. Creio que se deve reconhecer nesta indiferença um dos princípios

éticos fundamentais da escrita contemporânea. Digo “ético”, porque tal

indiferença não é inteiramente um traço que caracteriza o modo como se

fala ou como se escreve; é sobretudo uma espécie de regra imanente,

constantemente retomada, nunca completamente aplicada, um princípio

52  O que é um autor? O que é um autor? 53

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7/23/2019 FOUCAULT, Michel - O Que é o Autor

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que não marca a escrita como resultado, mas a domina como prática. Não

é necessário analisar com pormenor esta regra, dado que é por demais

conhecida; basta especicá-la aqui através de dois dos seus grandes te-

mas. Primeiro, pode dizer-se que a escrita de hoje se libertou do tema da

expressão: só se refere a si própria, mas não se deixa porém aprisionar

na forma da interioridade; identica-se com a sua própria exterioridade

manifesta. O que quer dizer que a escrita é um jogo ordenado de signos

que se deve menos ao seu conteúdo signicativo do que à própria natureza

do signicante; mas também que esta regularidade da escrita está sempre

a ser experimentada nos seus limites, estando ao mesmo tempo sempre

em vias de ser transgredida e invertida; a escrita desdobra-se como um

 jogo que vai infalivelmente para além das suas regras, desse modo as

extravasando. Na escrita, não se trata da manifestação ou da exaltação

do gesto de escrever, nem de xação de um sujeito numa linguagem; é

uma questão de abertura de um espaço onde o sujeito de escrita está

sempre a desaparecer.

O segundo tema é ainda mais familiar; trata-se do parentesco da

escrita com a morte. Esta ligação põe em causa um tema milenar; a nar-

rativa ou a epopeia dos Gregos destinava-se a perpetuar a imortalidade do

herói, e se o herói aceitava morrer jovem, era para que a sua vida, assim

consagrada e gloricada pela morte, passasse à imortalidade; a narrativa

salvava esta morte aceite. De modo distinto, a narrativa árabe – estou a

pensar nas Mil e uma noites – tinha também como motivação, como tema

e pretexto, adiar a morte: contavam-se histórias até de madrugada para

afastar a morte, para evitar o momento em que o narrador se calaria. A

narrativa de Xerazade é o denodado reverter do assassínio, é o esforço de

todas as noites para manter a morte fora do círculo da existência. A nossa

cultura metamorfoseou este tema da narrativa ou da escrita destinadas a

conjurar a morte; a escrita está agora ligada ao sacrifício, ao sacrifício da

própria vida; apagamento voluntário que não tem de ser representado nos

livros, já que se cumpre na própria existência do escritor. A obra que tinha

o dever de conferir a imortalidade passou a ter o direito de matar, de ser a

assassina do seu autor. Vejam-se os casos de Flaubert, Proust, Kafka. Mas

há ainda outra coisa: esta relação da escrita com a morte manifesta-se

também no apagamento dos caracteres individuais do sujeito que escreve;

por intermédio de todo emaranhado que estabelece entre ele próprio e o

que escreve, ele retira a todos os signos a sua individualidade particular;

a marca do escritor não é mais do que a singularidade da sua ausência;

é-lhe necessário representar o papel do morto no jogo da escrita. Tudo isto

é conhecido; há já bastante tempo que a crítica e a losoa vêm realçando

este desaparecimento ou esta morte do autor.

Não estou, porém, muito seguro de que se tenha extraído todas

as consequências que a constatação exigiria, nem que se tenha avaliado

com exatidão o alcance do acontecimento. Mais, precisamente, parece-me

que um certo número de noções que hoje se destinam a substituir-se ao

privilégio do autor acabam por bloqueá-lo, fazendo esquecer o que deveria

ser evidenciado. Abordarei apenas duas destas noções, que, a meu ver,

são hoje singularmente importantes.

Primeiro, a noção de obra. Diz-se, com efeito (e estamos ainda

em presença de uma tese muito familiar), que a função da crítica não é

detectar as relações da obra com o autor, nem reconstituir através dos

textos um pensamento ou uma experiência; ela deve, sim, analisar a

obra na sua estrutura, na sua arquitetura, na sua forma intrínseca e no

 jogo das suas relações internas. Ora, é preciso levantar de imediato um

problema: “O que é uma obra? Em que consiste essa curiosa unidade que

designamos por obra? Que elementos a compõem? Uma obra não é o que

escreveu aquele que se designa por autor?” Vemos surgir as diculdades.

Se um indivíduo não fosse um autor, o que ele escreveu ou disse, o que

ele deixou nos seus papéis, o que dele se herdou, poderia chamar-se uma

obra? Se Sade não foi um autor, que eram então os seus papéis? Rolos

de papel sobre os quais, durante os dias de prisão, ele inscrevia os seus

fantasmas até ao innito.

Mas suponhamos que nos ocupamos de um autor: será que tudo

o que ele escreveu ou disse, tudo o que ele deixou atrás de si, faz parte

da sua obra? É um problema simultaneamente teórico e técnico. Quando

se empreende, por exemplo, a publicação das obras de Nietzsche, onde é

que se deve parar? Será com certeza preciso publicar tudo, mas que quer

dizer este tudo? Tudo o que o próprio Nietzsche publicou, sem dúvida. Os

rascunhos das suas obras? Evidentemente. Os projetos de aforismos? Sim.

As emendas, as notas de rodapé? Também. Mas quando, no interior de um

54  O que é um autor? O que é um autor? 55

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caderno cheio de aforismos, se encontra uma referência, uma indicação de

um encontro ou de um endereço, um recibo de lavandaria: obra ou não?

Mas por que não? E isto indenidamente. Como denir uma obra entre os

milhões de vestígios deixados por alguém depois da morte? A teoria da

obra não existe, e os que ingenuamente empreendem a edição de obras

completas sentem a falta dessa teoria e depressa o seu trabalho empírico

ca paralisado. E poderíamos continuar: As mil e uma noites constituem

uma obra? E os Stromata de Clemente de Alexandria ou as Vidas de

Diógenes Laércio? Apercebemo-nos da crescente quantidade de questões

que se põem a propósito da noção de obra. De tal forma que não basta

armar: deixemos o escritor, deixemos o autor, e estudemos a obra em si

mesma. A palavra “obra” e a unidade que ela designa são provavelmente

tão problemáticas como a individualidade do autor.

Creio haver outra noção que bloqueia a vericação do desapare-

cimento do autor e que de algum modo retém o pensamento no limiar

dessa supressão; com sutileza, ela preserva ainda a existência do autor.

É a noção de escrita. Em rigor, ela deveria permitir não apenas que se

dispensasse a referência ao autor, mas também que se desse estatuto

à sua nova ausência. De acordo com o estatuto que se dá atualmente à

noção da escrita, está fora de questão, com efeito, quer o gesto de escre-

ver, quer qualquer marca (sintoma ou signo) do que alguém terá querido

dizer; esforçamo-nos por pensar com notória profundidade a condição de

qualquer texto, simultaneamente a condição do espaço onde se dispersa

e do tempo em que se desenrola.

Pergunto-me se, reduzida por vezes ao uso corrente, esta noção

não transpõe para um anonimato transcendental os caracteres empíricos

do autor. Por vezes contentamo-nos em apagar as marcas demasiado vi-

síveis do empirismo do autor, pondo em ação uma paralela à outra, uma

contra a outra, duas maneiras de o caracterizar: a modalidade crítica e a

modalidade religiosa. Com efeito, atribuir à crítica um estatuto originário,

não será uma maneira de retraduzir em termos transcendentais, por um

lado, a armação teológica do seu caráter sagrado e, por outro lado, a

armação crítica do seu caráter criador? Admitir que a escrita está, em

certa medida pela própria história que ela tornou possível, submetida à

prova do esquecimento e da repressão, não será representar em termos

transcendentais o princípio religioso do sentido oculto (com a necessi-

dade de interpretar) e o princípio crítico das signicações implícitas, das

determinações silenciosas, dos conteúdos obscuros (com a necessidade

de comentar)? Enm, pensar a escrita como ausência não será muito

simplesmente repetir em termos transcendentais o princípio religioso da

tradição, simultaneamente inalterável e nunca preenchida, e o princípio

estético da sobrevivência da obra, da sua manutenção para além da morte

e do seu excesso enigmático relativamente ao autor?

Penso, portanto, que um tal uso da noção de escrita arrisca-se

a manter os privilégios do autor sob a salvaguarda do a priori : ela faz

subsistir, na luz cinzenta da neutralização, o jogo das representações que

conguraram uma certa imagem do autor. O desaparecimento do autor, que

desde Mallarmé é um acontecimento incessante, encontra-se submetido

à clausura transcendental. Não haverá atualmente uma importante linha

de partilha entre os que creem poder ainda pensar as rupturas de hoje na

tradição histórico-transcendental do século XIX e os que se esforçam por

se libertar denitivamente dessa tradição?

Mas não chega, evidentemente, repetir a armação oca de que o

autor desapareceu. Do mesmo modo, não basta repetir indenidamente

que Deus e o homem morreram de uma morte conjunta. Trata-se, sim, de

localizar o espaço deixado vazio pelo desaparecimento do autor, seguir de

perto a repartição das lacunas e das ssuras e perscrutar os espaços, as

funções livres que esse desaparecimento deixa a descoberto.

Queria primeiro evocar em poucas palavras os problemas postos

pelo uso do nome do autor. O que é um nome de autor? E como funciona?

Bem longe de vos dar uma solução, limitar-me-ei a indicar algumas das

diculdades que ele apresenta.

O nome de autor é um nome próprio; põe os mesmos problemas

que todos os nomes próprios (rero-me aqui, entre outras análises, às de

Searle). Evidentemente, não é possível fazer do nome próprio uma referên-

cia pura e simples. O nome próprio (tal como o nome do autor) tem outras

funções que não apenas as indicadoras. É mais do que uma indicação, um

gesto, um dedo apontado para alguém; em certa medida, é o equivalente

a uma descrição. Quando dizemos “Aristóteles”, empregamos uma palavra

que é o equivalente a uma só ou a uma série de descrições denidas, do

56  O que é um autor? O que é um autor? 57

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gênero: “o autor dos Analíticos”, ou “o fundador da ontologia” etc. Mas não

podemos car-nos por aqui; um nome próprio não tem uma signicação

pura e simples; quando se descobre que Rimbaud não escreveu La Chasse

Spirituelle, não se pode pretender que esse nome próprio ou esse nome

de autor tenha mudado de sentido. O nome próprio e o nome de autor

encontram-se situados entre os pólos da descrição e da designação; têm

seguramente alguma ligação com o que nomeiam, mas nem totalmente à

maneira da designação, nem totalmente à maneira da descrição: ligação

especíca. No entanto – e daqui derivam as diculdades particulares do

nome de autor –, a ligação do nome próprio com o indivíduo nomeado

e a ligação do nome de autor com o que nomeia, não são isomórcas e

não funcionam da mesma maneira. Vejamos algumas dessas diferenças.

Se me aperceber, por exemplo, que Pierre Dupont não tem os olhos

azuis, ou não nasceu em Paris, ou não é médico etc., mesmo assim Pierre

Dupont continuará sempre a referir-se à mesma pessoa; a l igação de desig-

nação não será por isso afetada. Pelo contrário, os problemas postos pelo

nome de autor são muito mais complexos: se descubro que Shakespeare

não nasceu na casa em que se visita hoje como tal, a modicação não vai

alterar o funcionamento do nome de autor; mas se se demonstrasse que

Shakespeare não escreveu os Sonetos que passam por seus, a mudança

seria de outro tipo: já não deixaria indiferente o funcionamento do nome

de autor. E se se provasse que Shakespeare escreveu o Organon de Bacon

muito simplesmente porque o mesmo autor teria escrito as obras de Bacon

e as de Shakespeare, teríamos um terceiro tipo de mudança que alteraria

inteiramente o funcionamento do nome de autor. O nome de autor não é,

portanto, um nome próprio exatamente como os outros.

Muitos outros dados assinalam a singularidade paradoxal do nome

de autor. Armar que Pierre Dupont não existe não é a mesma coisa que

dizer que Homero ou Hermes Trimegisto não existiram; num caso, arma-se

que ninguém tem o nome Pierre Dupont; noutro caso, que vários indivíduos

foram confundidos sob um mesmo nome ou que o autor verdadeiro não tem

nenhum dos traços tradicionalmente atribuídos às personagens de Homero

ou de Hermes. Também não é a mesma coisa armar que Pierre Dupont

não é o verdadeiro nome de X, mas sim Jacques Durand, tal como dizer

que Stendhal se chamava Henri Beyle. Poderíamos também, interrogar-nos

sobre o sentido e o funcionamento de uma proposição como “Bourbaki

é este tal, ou aqueloutro etc.” e “Victor o Eremita, Clímaco, Anticlímaco,

Frater Taciturnus, Constantin Constantius são Kierkegaard.” 

Estas diferenças talvez se devam ao seguinte facto: um nome de

autor não é simplesmente um elemento de um discurso (que pode ser

sujeito ou complemento, que pode ser substituído por um pronome etc.);

ele exerce relativamente aos discursos um certo papel: assegura uma

função classicativa; um tal nome permite reagrupar um certo número

de textos, delimitá-los, selecioná-los, opô-los a outros textos. Além disso,

o nome de autor faz com que os textos se relacionem entre si; Hermes

Trimegisto não existia, Hipócrates também não – no sentido em que pode-

ríamos dizer que Balzac existe –, mas o facto de vários textos terem sido

agrupados sob o mesmo nome indica que se estabeleceu entre eles uma

relação seja de homogeneidade, de liação, de mútua autenticação, de

explicação recíproca ou de utilização concomitante. Em suma, o nome de

autor serve para caracterizar um certo modo de ser do discurso: para um

discurso, ter um nome de autor, o facto de se poder dizer “isto foi escrito

por fulano” ou “tal indivíduo é o autor”, indica que esse discurso não é

um discurso quotidiano, indiferente, um discurso utuante e passageiro,

imediatamente consumível, mas que se trata de um discurso que deve ser

recebido de certa maneira e que deve, numa determinada cultura, receber

um certo estatuto.

Chegaríamos nalmente à ideia de que o nome de autor não transi-

ta, como o nome próprio, do interior de um discurso para o indivíduo real

e exterior que o produziu, mas que, de algum modo, bordeja os textos,

recortando-os, delimitando-os, tornando-lhes manifesto o seu modo de

ser ou, pelo menos, caracterizando-lho. Ele manifesta a instauração de

um certo conjunto de discursos e refere-se ao estatuto desses discursos

no interior de uma sociedade e de uma cultura. O nome de autor não está

situado no estado civil dos homens nem na cção da obra, mas sim na

ruptura que instaura um certo grupo de discursos e o seu modo de ser

singular. Poderíamos dizer, por conseguinte, que, numa civilização como a

nossa, uma certa quantidade de discursos são providos da função “autor”,

ao passo que outros são dela desprovidos. Uma carta privada pode bem ter

um signatário, mas não tem autor; um contrato pode bem ter um ador,

58  O que é um autor? O que é um autor? 59

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mas não um autor. Um texto anônimo que se lê numa parede da rua terá

um redator, mas não um autor. A função autor é, assim, característica do

modo de existência, de circulação e de funcionamento de alguns discursos

no interior de uma sociedade.

Será necessário analisar agora a função “autor”. Como é que se

caracteriza, na nossa cultura, um discurso portador da função autor? Em

que é que se opõe aos outros discursos? Creio que podemos, se conside-

rarmos apenas o autor de um livro ou de um texto, reconhecer-lhe quatro

características diferentes.

Antes de mais, trata-se de objetos de apropriação; a forma de pro-

priedade de que relevam é de tipo bastante particular; está codicada desde

há anos. Importa realçar que esta propriedade foi historicamente segunda

em relação ao que poderíamos chamar a apropriação penal. Os textos, os

livros, os discursos começaram efetivamente a ter autores (outros que não

personagens míticas ou guras sacralizadas e sacralizantes) na medida em

que o autor se tornou passível de ser punido, isto é, na medida em que os

discursos se tornaram transgressores. Na nossa cultura (e, sem dúvida,

em muitas outras), o discurso não era, na sua origem, um produto, uma

coisa, um bem; era essencialmente um acto – um acto colocado no cam-

po bipolar do sagrado e do profano, do lícito e do ilícito, do religioso e do

blasfemo. Historicamente, foi um gesto carregado de riscos antes de ser

um bem preso num circuito de propriedades. Assim que se instaurou um

regime de propriedade para os textos, assim que se promulgaram regras

estritas sobre os direitos de autor, sobre as relações autores-editores, sobre

os direitos de reprodução etc. – isto é, no nal do século XVIII e no início

do século XIX –, foi nesse momento que a possibilidade de transgressão

própria do acto de escrever adquiriu progressivamente a aura de um im-

perativo típico da literatura. Como se o autor, a partir do momento em que

foi integrado no sistema de propriedade que caracteriza a nossa sociedade,

compensasse o estatuto de que passou a auferir com o retomar do velho

campo bipolar do discurso, praticando sistematicamente a transgressão,

restaurando o risco de uma escrita à qual, no entanto, fossem garantidos

os benefícios da propriedade.

Por outro lado, a função autor não se exerce de forma universal

e constante sobre todos os discursos. Na nossa civilização, nem sempre

foram os mesmos textos a pedir uma atribuição. Houve um tempo em que

textos que hoje chamaríamos “literários” (narrativas, contos, epopeias,

tragédias, comédias) eram recebidos, postos em circulação e valorizados

sem que se pusesse a questão da autoria; o seu anonimato não levantava

diculdades, a sua antiguidade, verdadeira ou suposta, era uma garantia

suciente. Pelo contrário, os textos que hoje chamaríamos cientícos,

versando a cosmologia e o céu, a medicina e as doenças, as ciências na-

turais ou a geograa, eram recebidos na Idade Média como portadores do

valor de verdade apenas na condição de serem assinalados com o nome

do autor. “Hipócrates disse”, “Plínio conta” não eram, em rigor, fórmulas

de um argumento de autoridade; eram indícios que assinalavam os discur-

sos destinados a ser recebidos como provados. No século XVII ou no XVIII 

produziu-se um quiasma; começou-se a receber os discursos cientícos por

si mesmos, no anonimato de uma verdade estabelecida ou constantemente

demonstrável; é a sua pertença a um conjunto sistemático que lhes con-

fere garantias e não a referência ao indivíduo que os produziu. Apaga-se

a função autor, o nome do inventor serve para pouco mais do que para

batizar um teorema, uma proposição, um efeito notável, uma propriedade,

um corpo, um conjunto de elementos, um síndroma patológico. Mas os

discursos “literários” já não podem ser recebidos se não forem dotados da

função autor: perguntar-se-á a qualquer texto de poesia ou de cção de

onde é que veio, quem o escreveu, em que data, em que circunstâncias

ou a partir de que projeto. O sentido que lhe conferirmos, o estatuto ou o

valor que lhe reconhecermos dependem da forma como respondermos a

estas questões. E se, na sequência de um acidente ou da vontade explícita

do autor, um texto nos chega anónimo, imediatamente se inicia o jogo de

encontrar o autor. O anonimato literário não nos é suportável; apenas o

aceitamos a título de enigma. A função autor desempenha hoje um papel

preponderante nas obras literárias (é claro que seria preciso matizar tudo

isto: a crítica começou, desde há um certo tempo, a tratar as obras se-

gundo o seu género e o seu tipo, partindo dos seus elementos recorrentes,

de acordo com as suas próprias variações decorrentes de uma invariável

que deixou de ser o criador individual. Do mesmo modo, se na matemá-

tica a referência ao autor pouco mais é do que uma maneira de nomear

os teoremas ou conjuntos de proposições, em biologia e em medicina a

60  O que é um autor? O que é um autor? 61

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indicação do autor e da data do trabalho têm um papel bastante diferente:

não se trata simplesmente de indicar a fonte, mas de dar algum indício de

 “abilidade” relativamente às técnicas e aos objetos de experimentação

utilizados num dado momento e num determinado laboratório).

Terceira característica desta função autor. Ela não se forma espon-

taneamente como a atribuição de um discurso a um indivíduo. É antes o

resultado de uma operação complexa que constrói um certo ser racional

a que chamamos o autor. Provavelmente, tenta-se dar a este ser racional

um estatuto realista: seria no indivíduo uma instância “profunda”, um

poder “criador”, um “projeto”, o lugar originário da escrita. Mas, de facto,

o que no indivíduo é designado como autor (ou o que faz do indivíduo um

autor) é apenas a projeção, em termos mais ou menos psicologizantes,

do tratamento a que submetemos os textos, as aproximações que opera-

mos, os traços que estabelecemos como pertinentes, as continuidades que

admitimos ou as exclusões que efetuamos. Todas estas operações variam

consoante as épocas e os tipos de discurso. Não se constrói um “autor

losóco” como um “poeta”; e no século XVIII não se construía o autor de

uma obra romanesca como hoje. No entanto, podemos encontrar através

dos tempos uma certa invariável nas regras de construção do autor.

Parece-me, por exemplo, que o modo como a crítica literária durante

muito tempo deniu o autor – ou melhor, construiu a forma autor a partir

de textos e de discursos existentes –, deriva diretamente do modo como

a tradição cristã autenticou (ou, pelo contrário, rejeitou) os textos de que

dispunha. Noutros termos, para “reencontrar” o autor na obra, a crítica

moderna utiliza esquemas muito próximos da exegese cristã quando esta

queria provar o valor de um texto através da santidade do autor. Na obra

De Viris Illustribus, São Jerónimo explica que a homonímia não chega para

identicar de forma legítima os autores de várias obras: indivíduos dife-

rentes podiam ter o mesmo nome, ou um deles poderia ter-se apoderado

abustivamente do patronímico do outro. Quando nos referimos à tradição

textual, o nome não é suciente como marca individual. Então como atri-

buir vários discursos a um só e mesmo autor? Como pôr em ação a função

autor para saber se estamos perante um ou vários indivíduos? São Jerónimo

apresenta quatro critérios: se entre vários livros atribuídos a um autor,

houver um inferior aos restantes, deve-se então retirá-lo da lista das suas

obras (o autor é assim denido como um certo nível constante de valor);

do mesmo modo, se alguns textos estiverem em contradição de doutrina

com as outras obras de um autor (o autor é assim denido como um certo

campo de coerência conceptual ou teórica); deve-se igualmente excluir as

obras que são escritas num estilo diferente, com palavras e maneiras que

não se encontram habitualmente nas obras de um autor (trata-se aqui do

autor como unidade estilística); nalmente, devem ser considerados como

interpolados os textos que se referem a acontecimentos ou que citam

personagens posteriores à morte do autor (aqui o autor é encarado como

momento histórico denido e ponto de encontro de um certo número de

acontecimentos). Ora, a crítica literária moderna, mesmo quando não tem

a preocupação de autenticação (o que é a regra geral), não dene o autor

de outra maneira: o autor é aquilo que permite explicar tanto a presença

de certos acontecimentos numa obra como as suas transformações, as suas

deformações, as suas modicações diversas (e isto através da biograa

do autor, da delimitação da sua perspectiva individual, da análise da sua

origem social ou da sua posição de classe, da revelação do seu projeto

fundamental). O autor é igualmente o princípio de uma certa unidade

de escrita, pelo que todas as diferenças são reduzidas pelos princípios

da evolução, da maturação ou da inuência. O autor é ainda aquilo que

permite ultrapassar as contradições que podem manifestar-se numa série

de textos: deve haver – a um certo nível do seu pensamento e do seu

desejo, da sua consciência ou do seu inconsciente – um ponto a partir do

qual as contradições se resolvem, os elementos incompatíveis encaixam

nalmente uns nos outros ou se organizam em torno de uma contradição

fundamental ou originária. Em suma, o autor é uma espécie de foco de

expressão, que, sob formas mais ou menos acabadas, se manifesta da

mesma maneira, e com o mesmo valor, nas obras, nos rascunhos, nas

cartas, nos fragmentos etc. Os quatro critérios de autenticidade, segundo

São Jerónimo (critérios que parecem insucientes aos exegetas de hoje),

denem as quatro modalidades segundo as quais a crítica moderna põe

em ação a função autor.

Mas a função autor não é, com efeito, uma pura e simples recons-

trução que se faz em segunda mão a partir de um texto tido como um

material inerte. O texto traz sempre consigo um certo número de signos

62  O que é um autor? O que é um autor? 63

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7/23/2019 FOUCAULT, Michel - O Que é o Autor

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que reenviam para o autor. Esses signos são muito conhecidos dos gra-

máticos: são os pronomes pessoais, os advérbios de tempo e de lugar, a

conjugação verbal. Mas importa notar que esses elementos não atuam da

mesma maneira nos discursos providos da função autor e nos que dela são

desprovidos. Nestes últimos, tais “embraiadores” reenviam para o locutor

real e para as coordenadas espácio-temporais do seu discurso (ainda que

se possam produzir algumas modicações: como por exemplo os discursos

na primeira pessoa). Nos primeiros, pelo contrário, o seu papel é mais

complexo e variável. Sabemos que num romance que se apresenta como

uma narrativa de um narrador o pronome de primeira pessoa, o presente

do indicativo, os signos de localização nunca reenviam exatamente para o

escritor, nem para o momento em que ele escreve, nem para o gesto da sua

escrita; mas para um “alter-ego” cuja distância relativamente ao escritor

pode ser maior ou menor e variar ao longo da própria obra. Seria tão falso

procurar o autor no escritor real como no locutor ctício; a função autor

efetua-se na própria cisão – nessa divisão e nessa distância. Dir-se-á talvez

que se trata somente de uma propriedade singular do discurso romanesco

ou poético: um jogo que respeita apenas a esses “quase discursos”. De

facto, todos os discursos que são providos da função autor comportam

esta pluralidade de “eus”. O eu que fala no prefácio de um tratado de

matemática – e que indica as circunstâncias da sua composição – é dife-

rente, tanto na sua posição como no seu funcionamento, daquele que fala

numa demonstração e que surge sob a forma de um “Eu concluo” ou “Eu

suponho”: num caso, o “eu” reenvia para um indivíduo sem equivalente

que, num lugar e num tempo determinados, fez um certo trabalho; no

segundo caso, o “eu” designa um plano e um momento de demonstração

que qualquer indivíduo pode ocupar, desde que tenha aceitado o mesmo

sistema de símbolos, o mesmo jogo de axiomas, o mesmo conjunto de de-

monstrações prévias. Mas poderíamos ainda, no mesmo tratado, delimitar

um terceiro eu; aquele que fala do signicado do trabalho, dos obstáculos

encontrados, dos resultados obtidos, dos problemas que ainda se põem;

este eu situa-se no campo dos discursos matemáticos já existentes ou a

existir. A função autor não é assegurada por um destes “eus” (o primeiro)

à custa dos outros dois, que aliás não seriam então senão o seu desdo-

bramento ctício. Importa dizer, pelo contrário, que em tais discursos a

função autor desempenha um papel de tal ordem que dá lugar à dispersão

destes três “eus” simultâneos.

Provavelmente, a análise poderia ainda reconhecer outros traços

característicos da função autor. Limitar-me-ei hoje aos quatro que acabei

de evocar porque me parecem simultaneamente os mais visíveis e os mais

importantes. Resumi-los-ei assim: a função autor está ligada ao sistema

 jurídico e institucional que encerra, determina, articula o universo dos

discursos; não se exerce uniformemente e da mesma maneira sobre todos

os discursos, em todas as épocas e em todas as formas de civilização; não

se dene pela atribuição espontânea de um discurso ao seu produtor, mas

através de uma série de operações especícas e complexas; não reenvia

pura e simplesmente para um indivíduo real, podendo dar lugar a vários

 “eus” em, simultâneo, a várias posições-sujeitos que classes d iferentes

de indivíduos podem ocupar.

*

Mas apercebo-me que até ao momento limitei o meu tema de uma

forma injusticável. Teria sido com certeza necessário falar do que é a fun-

ção autor na pintura, na música, nas técnicas etc. No entanto, atendo-nos

ao mundo dos discursos, como gostaria de o fazer esta tarde, creio ter dado

mesmo assim ao termo autor  um sentido demasiado restrito. Limitei-me

ao autor entendido como autor de um texto, de um livro ou de uma obra

a quem se pode legitimamente atribuir a produção. Ora, é fácil de ver que

na ordem do discurso se pode ser autor de mais do que um livro – de uma

teoria, de uma tradição, de uma disciplina, no interior das quais outros

livros e outros autores vão poder, por sua vez, tomar lugar. Diria, numa

palavra, que tais autores se encontram numa posição “transdiscursiva”.

Trata-se de um fenômeno constante, seguramente tão antigo quanto

a nossa civilização. Homero ou Aristóteles, os autores da Patrística, desem-

penharam esse papel; mas também os primeiros matemáticos e os que

estiveram na origem da tradição hipocrática. Agura-se-me porém que,

ao longo do século XIX europeu, apareceram tipos de autor bastante sin-

gulares, que não se podem confundir com os “grandes” autores li terários,

nem com os autores de textos religiosos canónicos, nem com os funda-

dores de ciências. Chamemos-lhes então, de forma um pouco arbitrária,

 “fundadores de discursividade”.

64  O que é um autor? O que é um autor? 65

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7/23/2019 FOUCAULT, Michel - O Que é o Autor

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Estes autores têm isto de particular: não são apenas os autores das

suas obras, dos seus livros. Produziram alguma coisa mais: a possibilidade

e a regra de formação de outros textos. Neste sentido, eles são muito di-

ferentes, por exemplo, de um autor de romances, que nunca é, no fundo,

senão o autor do seu próprio texto. Freud não é simplesmente o autor da

Traumdeutung ou do Mot d’Esprit ; Marx não é simplesmente o autor do

Manifesto ou de O Capital : eles estabeleceram uma possibilidade indenida

de discursos. Evidentemente, é fácil fazer uma objeção. Não é verdade que

o autor de um romance seja apenas o autor do seu próprio texto; num certo

sentido, também ele, desde que seja, como se diz, “importante”, orienta

e comanda mais do que isso. Para dar um exemplo muito simples, pode

dizer-se que Ann Radcliffe não escreveu somente Le Château des Pyrénées 

e alguns outros romances, ela tornou possível os romances de terror do

começo do século XIX e, nessa medida, a sua função de autor excede a

sua própria obra. Mas creio que se pode responder a essa objeção assim:

o que os instauradores da discursividade tornaram possível (tomo como

exemplo Marx e Freud, porque penso que são simultaneamente os primeiros

e os mais importantes) foi uma coisa completamente diferente daquilo que

um autor de romance torna possível. Os textos de Ann Radcliffe abriram o

campo a um certo número de semelhanças e analogias que têm por mo-

delo ou princípio a sua própria obra. Esta contém signos característicos,

guras, relações, estruturas que puderam ser reutilizadas por outros. Dizer

que Ann Radcliffe fundou o romance de terror signica, anal de contas,

que no romance de terror do século XIX se encontrará, como na obra de

Radcliffe, o tema da heroína que cai na armadilha da sua própria inocên-

cia, a gura do castelo secreto que funciona como uma contra-cidade, a

personagem do herói negro, maldito, votado a fazer expiar ao mundo o

mal que lhe zeram etc. Em contrapartida, quando falo de Marx e Freud

como “instauradores de discursividade”, quero dizer que eles não só tor-

naram possível um certo número de analogias como também tornaram

possível (e de que maneira) um certo número de d iferenças. Eles abriram

o espaço para outra coisa diferente deles e que, no entanto, pertence ao

que eles fundaram. Dizer que Freud fundou a psicanálise não quer dizer

(não quer simplesmente dizer) que encontramos o conceito da libido ou

a técnica de análise dos sonhos em Abraham ou Mélanie Klein, quer dizer

que Freud tornou possível um certo número de diferenças relativamente

aos seus textos, aos seus conceitos, às suas hipóteses que relevam do

próprio discurso psicanalítico.

Creio que nos surge de imediato uma diculdade nova ou, pelo

menos, um novo problema: não é o caso, anal de contas, de qualquer

fundador de ciência ou de qualquer autor que, numa dada ciência, intro-

duza uma transformação fecunda? De facto, Galileu não tornou apenas

possíveis todos os que, depois dele, vieram repetir as leis que ele tinha

formulado, mas também possibilitou enunciados muito diferentes dos

que ele mesmo havia produzido. Se Cuvier é o fundador da biologia ou

Saussure o da linguística, não é por terem sido imitados, nem porque o

conceito de organismo ou de signo foi depois, aqui ou ali, retomado, mas

porque Cuvier tornou em certa medida possível uma teoria da evolução

que era, termo a termo, oposta ao seu própr io xismo e porque Saussure

tornou possível uma gramática generativa que é muito diferente das suas

análises estruturais. Portanto, numa primeira abordagem, a instauração

de discursividade parece ser do mesmo tipo da fundação de qualquer

cienticidade. Porém, julgo haver, uma diferença, e uma diferença notória.

É que no caso de uma cienticidade, o acto que a funda está no mesmo

plano com as suas transformações futuras; faz de algum modo, parte do

conjunto de modicações que ele torna possíveis. Esta pertença pode,

claro, tomar várias formas. O acto de formação de uma cienticidade

pode aparecer no decurso de transformações ulteriores dessa ciência, e

não sendo todavia mais do que um caso particular num conjunto muito

mais geral descoberto então. Pode aparecer também como que maculado

pela intuição e pela empiricidade; é preciso então formalizá-lo de novo e

fazê-lo objeto de um certo número de operações teóricas suplementares

que o fundam mais rigorosamente etc. Finalmente, pode surgir como uma

generalização prematura, que é necessário limitar e de que importa traçar

o domínio restrito de validade. Por outras palavras, o acto de fundação de

uma cienticidade pode sempre ser reintroduzido no interior da maquinaria

das transformações que dele derivam.

Ora, creio que a instauração de uma discursividade é heterogê-

nea em relação às suas transformações ulteriores. Continuar um tipo de

discursividade como a psicanálise tal como ela foi instaurada por Freud,

66  O que é um autor? O que é um autor? 67

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não é conferir-lhe uma generalidade formal que ela não teria admitido no

início, mas antes abrir-lhe um certo número de possibilidades de aplicação.

Limitá-la é, na verdade, tentar isolar no acto instaurador um número even-

tualmente restrito de proposições ou de enunciados, somente aos quais

se reconhece valor fundador e relativamente aos quais tais conceitos ou

tal teoria admitidos por Freud poderão ser considerados como derivados,

secundários, acessórios. Finalmente, na obra destes instauradores, não

reconhecemos certas proposições como falsas; contentamo-nos, quando

tentamos apreender o acto de instauração, em afastar os enunciados que

não seriam pertinentes, quer porque os consideramos como não essenciais,

quer porque os consideramos como “pré-históricos” e relevando de outro

tipo de discursividade. Dito de outra maneira, diferentemente da fundação

de uma ciência, a instauração da discursividade não faz parte das transfor-

mações ulteriores e permanece necessariamente retraída ou em excesso.

A consequência é que denimos a validade teórica de uma proposição em

função da obra dos seus instauradores – enquanto que no caso de Galileu

e de Newton é em relação àquilo que é, na sua estrutura e normatividade

intrínsecas, a física ou a cosmologia, que se pode armar a validade de

tal proposição avançada por eles. Para falar de forma mais esquemática:

a obra destes instauradores não se situa em relação à ciência e no espaço

que ela desenha; mas é a ciência ou a discursividade que se relaciona com

a obra deles e a toma como uma primeira coordenada.

Compreende-se, por isso, que encontremos, como uma necessidade

inevitável em tais discursividades, a exigência de um “retorno às origens”.

Aqui ainda, é preciso distinguir esses “retornos a...” dos fenômenos de

 “redescoberta” e de “reatualização” que se produzem frequentemente

nas ciências. Entendo por “redescoberta” os efeitos de analogia ou de

isomorsmo que, a partir das formas atuais do saber, tornam perceptí-

vel uma gura que foi esboçada ou que simplesmente desapareceu. Por

exemplo, Chomsky, no seu livro sobre a gramática cartesiana, redescobriu

uma certa gura do saber que vai de Cordemoy a Humboldt: a bem dizer,

ela só é constituível a partir da gramática gerativa, por ser esta última

que detém a sua lei de construção; na realidade, trata-se de uma codi-

cação retrospectiva do olhar histórico. Por “reatualização” entendo uma

coisa totalmente diferente: a reinserção de um discurso num domínio de

generalização, de aplicação ou de transformação que é para ele novo. E

aí a história da matemática é rica em tais fenômenos (reenvio aqui para

o estudo que Michel Serres consagrou às anamneses matemáticas). Por

 “retorno a...” o que é que se entende? Creio que se pode assim designar

um movimento que tem a sua própria especicidade e que caracteriza

 justamente as instaurações de discursividade. Para que haja retorno, é

necessário, primeiro, que tenha havido esquecimento, não esquecimento

acidental, não uma recuperação devido a alguma incompreensão, mas

esquecimento essencial e constitutivo. De facto, o acto de instauração

é de tal ordem, na sua própria essência, que não pode ser esquecido. O

que o manifesta, o que dele deriva, é ao mesmo tempo o que estabelece

o afastamento e o que o inverte. É necessário que este esquecimento não

acidental seja investido em operações precisas, que se possam situar,

analisar e reduzir pelo próprio retorno ao acto instaurador. A fechadura do

esquecimento não foi acrescentada do exterior, ela faz parte da discursi-

vidade em questão, é esta que lhe dá a sua lei; a instauração discursiva

assim esquecida é simultaneamente a razão de ser da fechadura e a chave

que permite abri-la, de tal modo que o esquecimento e o obstáculo do

retorno só podem ser levantados pelo retorno. Além disso, esse retorno

dirige-se ao que está presente no texto, mais precisamente, regressa-se

ao próprio texto, ao texto na sua nudez e, ao mesmo tempo, contudo,

regressa-se ao que está marcado em vazio, em ausência, em lacuna no

texto. Regressa-se a um certo vazio que o esquecimento tornou esquivo

ou mascarou, que recobriu com uma falsa ou defeituosa plenitude, e o

retorno deve redescobrir essa lacuna e essa falta; daí o jogo perpétuo que

caracteriza os retornos à instauração discursiva. É um jogo que consiste

em dizer, por um lado: isto estava cá, era só preciso ler, está lá tudo, foi

preciso os olhos estarem muito fechados e os ouvidos muito tapados para

que se não visse ou ouvisse; e, inversamente: não, não está nada nesta

palavra, nem naquela, nenhuma das palavras visíveis e legíveis diz alguma

coisa sobre o que está em questão, trata-se antes do que é dito, através

das palavras, no seu espaçamento, na distância que as separa. Depreende-

se naturalmente que este retorno, que faz parte do próprio discurso e que

incessantemente o modica, não é um suplemento histórico que venha

acrescentar-se à própria discursividade, reduplicando-a com um ornamento

68  O que é um autor? O que é um autor? 69

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anal não essencial: é um trabalho efetivo e necessário de transformação

da própria discursividade. O reexame do texto de Galileu pode muito bem

mudar o conhecimento que temos da história da mecânica, mas nunca

mudar a própria mecânica. Em contrapartida, o reexame dos textos de

Freud modica a própria psicanálise, tal como sucede com o reexame dos

textos de Marx relativamente ao Marxismo. Ora, para caracterizar tais

retornos, é preciso acrescentar um último atributo: eles fazem-se na direc-

ção de uma espécie de costura enigmática da obra e do autor. De facto, é

enquanto texto de um autor particular que um texto tem valor instaurador

e é por isso, porque se trata do texto de um autor, que é preciso regressar

de novo a ele. Não há qualquer hipótese de a redescoberta de um texto

desconhecido de Newton ou de Cantor vir a modicar a cosmologia clássica

ou a teoria dos conjuntos, tal como foram desenvolvidas (em nada essa

exumação é susceptível de modicar o conhecimento histórico que temos

da sua gênese). Pelo contrário trazer à luz do dia um texto como os Três

Ensaios de Freud – e na medida em que se trata de um texto de Freud –

pode sempre modicar, não o conhecimento histórico da psicanálise, mas

o seu campo teórico – ao deslocar-lhe a ênfase ou o centro de gravidade.

Através de tais retornos, que fazem parte da sua própria trama, os campos

discursivos de que falo comportam, a propósito do seu autor “fundamental”

e mediato, uma relação que não é idêntica à relação que um texto qualquer

mantém com o seu autor imediato.

O que acabo de esboçar a propósito das “instaurações discursivas”

é, bem entendido, muito esquemático. Em particular, a oposição que tentei

traçar entre uma tal instauração e a fundação cientíca. Nem sempre é

fácil decidir se estamos perante uma ou outra: e nada prova que aí re-

sidam dois procedimentos incompatíveis. Só intentei fazer esta distinção

com um único m: mostrar que a função autor, complexa já quando se

procura delimitá-la ao nível de um livro ou de uma série de textos que

trazem uma assinatura denida, comporta ainda novas determinações

quando se procura analisá-la em conjuntos mais vastos, como grupos de

obras ou disciplinas inteiras.

Lamento não ter podido trazer para o debate que vai agora seguir-

se nenhuma proposição positiva: quase nenhumas direcções para um

possível trabalho ou vias de análise. Mas, pelo menos, devo dizer-vos,

em poucas palavras, para terminar, as razões pelas quais atribuo a isso

alguma importância.

Semelhante análise, se fosse desenvolvida, talvez pudesse servir

de introdução a uma tipologia dos discursos. De facto, parece-me, pelo

menos numa primeira aproximação, que essa tipologia não poderia ser

feita somente a partir dos caracteres gramaticais do discurso, das suas

estruturas formais, ou mesmo dos seus objetos; sem dúvida que existem

propriedades ou relações propriamente discursivas (irredutíveis às regras

da gramática e da lógica, como às leis do objeto) e é a elas que importa

dirigirmo-nos para distinguir as grandes categorias de discurso. A relação

(ou a não relação) com um autor e as diferentes formas dessa relação cons-

tituem – e de maneira assaz visível – uma dessas propriedades discurs ivas.

Creio, por outro lado, que se poderia encontrar aí uma introdução

à análise histórica dos discursos. Talvez seja tempo de estudar os discur-

sos não somente pelo seu valor expressivo ou pelas suas transformações

formais, mas nas modalidades da sua existência: os modos de circulação,

de valorização, de atribuição, de apropriação dos discursos variam com

cada cultura e modicam-se no interior de cada uma; a maneira como se

articulam sobre relações sociais decifra-se de forma mais direta, parece-

me, no jogo da função autor e nas suas modicações do que nos temas

ou nos conceitos que empregam.

Não será igualmente a partir de análises deste tipo que se poderá

reexaminar os privilégios do sujeito? Sei bem que no empreender da análise

interna e arquitetônica de uma obra (quer se trate de um texto literário, de

um sistema losóco ou de uma obra cientíca), pondo entre parênteses

as referências biográcas ou psicológicas, já se pôs em questão o caráter

absoluto e o papel fundador do sujeito. Mas seria preciso talvez voltar a

este suspens, não tanto para restaurar o tema de um sujeito originário,

mas para apreender os pontos de inserção, os modos de funcionamento

e as dependências do sujeito. Trata-se de um regresso ao problema tra-

dicional. Não mais pôr a questão: como é que a liberdade de um sujeito

se pode inserir na espessura das coisas e dar-lhe sentido, como é que ela

pode animar, a partir do interior, as regras de uma linguagem e tornar

desse modo claros os desígnios que lhe são próprios? Colocar antes as

questões seguintes: como, segundo que condições e sob que formas, algo

70  O que é um autor? O que é um autor? 71

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como um sujeito pode aparecer na ordem dos discursos? Que lugar pode

o sujeito ocupar em cada tipo de discurso, que funções pode exercer e

obedecendo a que regras? Em suma, trata-se de retirar ao sujeito (ou ao

seu substituto) o papel de fundamento originário e de o analisar como uma

função variável e complexa do discurso.

O autor – ou o que tentei descrever como a função autor – é

com certeza apenas uma das especicações possíveis da função sujeito.

Especicação possível, ou necessária? Olhando para as modicações histó-

ricas ocorridas, não parece indispensável, longe disso, que a função autor

permaneça constante na sua forma, na sua complexidade e mesmo na sua

existência. Podemos imaginar uma cultura em que os discursos circulassem

e fossem recebidos sem que a função autor jamais aparecesse. Todos os

discursos, qualquer que fosse o seu estatuto, a sua forma, o seu valor,

e qualquer que fosse o tratamento que se lhes desse, desenrolar-se-iam

no anonimato do murmúrio. Deixaríamos de ouvir as questões por tanto

tempo repetidas: “Quem é que falou realmente? Foi mesmo ele e não ou-

tro? Com que autenticidade, ou com que originalidade? E o que é que ele

exprimiu do mais profundo de si mesmo no seu discurso?” E ainda outras,

como as seguintes: “Quais são os modos de existência deste discurso? De

onde surgiu, como é que pode circular, quem é que se pode apropriar dele?

Quais os lugares que nele estão reservados a sujeitos possíveis? Quem

pode preencher as diversas funções do sujeito?” E do outro lado pouco mais

se ouviria do que o rumor de uma indiferença: “Que importa quem fala.” 

 Jean Wahl: Agradeço a Michel Foucault por tudo o que nos disse e

que, com certeza, estimulará a discussão. Peço desde já a quem queira

intervir para tomar a palavra.

 Jean d’Ormesson: Na tese de Michel Foucault a única coisa que eu

não tinha compreendido bem, que toda a gente já acentuara, mesmo a

imprensa de grande divulgação, era o m do homem. Desta vez, Michel

Foucault agarrou-se ao elo mais fraco da cadeia; atacou, já não o homem,

mas o autor. E eu compreendo o que é que nos acontecimentos culturais

desde há cinquenta anos pode levá-lo a essas considerações: “a poesia deve

ser feita por todos”, “isso fala” etc. Poria um certo número de questões:

diria que, apesar de tudo, há autores em literatura e em losoa. Poderiam

dar-se muitos exemplos, em literatura e em losoa, de autores que são

pontos de convergências. As tomadas de posição política são também fruto

de um autor, e poderíamos aproximá-las da sua losoa.

Bem, quei absolutamente ciente, porque tenho a impressão que,

numa espécie de prestidigitação extremamente brilhante, aquilo que Michel

Foucault retirou ao autor, isto é, a sua obra, reenviou-lho com interesse sob

o nome de instaurador de discursividade, já que não somente lhe devolve

a sua obra, mas também a dos outros.

Lucien Goldmann: Entre os teóricos marcantes de uma escola que

ocupa um lugar importante no pensamento contemporâneo e se caracteriza

pela negação do homem em geral e, a partir daí, do sujeito sob todos os

seus aspectos, e portanto também do autor, Michel Foucault, que não for-

mulou explicitamente esta última negação mas sugeriu-a ao longo da sua

exposição, terminando na perspectiva da supressão do autor, é certamente

uma das guras mais interessantes e mais difíceis de combater e de criticar.

Porque, numa posição losóca fundamentalmente anti-cientíca, Michel

Foucault alia um notável trabalho de historiador e parece-me altamente

provável que, graças a algumas análises, a sua obra marcará uma etapa

importante do desenvolvimento da história cientíca da ciência e mesmo

da realidade social.

É, pois, no plano do pensamento estritamente losóco, e não no

plano das suas análises concretas, que quero situar a minha intervenção.

Permitam-me, porém, que, antes de abordar as três partes da ex-

posição de Michel Foucault, me rera à intervenção que acaba de ter lugar

para dizer que estou inteiramente de acordo sobre o facto de não ser Michel

Foucault o autor, e certamente também não o instaurador, do que acaba

de nos dizer. Porque a negação do sujeito é hoje a ideia central de todo

um grupo de pensadores ou, mais exatamente, de uma corrente losóca.

E se, no interior dessa corrente, Foucault ocupa um lugar particularmen-

te original e brilhante, é necessário, no entanto, integrá-lo naquilo que

poderíamos chamar a escola francesa do estruturalismo não genético e

que engloba, nomeadamente, os nomes de Lévi-Strauss, Roland Barthes,

Althusser, Derrida etc.

Ao problema particularmente importante levantado por Michel

Foucault, “Quem fala?”, penso ser necessário juntar um segundo: “O

que diz?” 

72  O que é um autor? O que é um autor? 73

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 “Quem fala?”À luz das ciências humanas contemporâneas, a ideia

do indivíduo como autor último de um texto e nomeadamente de um texto

importante e signicativo, torna-se cada vez menos sustentável. Desde há

alguns anos, toda uma série de análises concretas mostraram, com efeito,

que, sem negar nem o sujeito nem o homem, somos obrigados a substituir

o sujeito individual por um sujeito colectivo ou trans-individual. Nos meus

próprios trabalhos, fui levado a mostrar que Racine não é o único e verda-

deiro autor das tragédias racinianas, mas que estas nasceram no interior

de um desenvolvimento de um todo estruturado de categorias mentais

que era obra coletiva, o que me levou a encontrar como “autor” dessas

tragédias, em última instância, a nobreza de toga, o grupo jansenista e,

no interior deste, Racine enquanto indivíduo particularmente importante.

Quando colocamos o problema “Quem fala?” há hoje nas ciências

humanas pelo menos duas respostas que, rigorosamente opostas uma

à outra, recusam a ideia tradicionalmente aceita do sujeito individual. A

primeira, a que chamarei estruturalismo não genético, nega o sujeito, que

substitui pelas estruturas (linguísticas, mentais, sociais etc.) e apenas deixa

aos homens e ao seu comportamento o lugar de um papel, de uma função

no interior de tais estruturas que constituem o ponto nal da investigação

ou da explicação.

Por seu lado, o estruturalismo genético recusa também, na dimen-

são histórica e cultural de que faz parte, o sujeito individual; não suprime,

contudo, da mesma maneira radical a ideia de sujeito, mas substitui-o pela

ideia do sujeito trans-individual. Quanto às estruturas, longe de aparecerem

como realidades autónomas e mais ou menos últimas, nesta perspectiva

elas são apenas uma propriedade universal de toda a “práxis” e de toda

a realidade humana. Não há factos humanos que não sejam estruturados

nem estrutura que não seja signicativa, isto é, que enquanto qualidade

do psiquismo e do comportamento de um sujeito, não preencha uma

função. Em suma, há três teses centrais nesta posição: há um sujeito;

na dimensão histórica e cultural, este sujeito é sempre trans-individual;

toda a atividade psíquica e todo o comportamento do sujeito são sempre

estruturados e signicativos, isto é, funcionais.

Acrescento ainda que também eu encontrei uma diculdade le-

vantada por Michel Foucault: a da denição de obra. De facto, é difícil,

ou mesmo impossível, denir a obra em relação a um sujeito individual.

Como disse Foucault, se se trata de Nietzsche ou Kant, de Racine ou de

Pascal, onde é que termina o conceito de obra? Devemos circunscrevê-lo

aos textos publicados? Devemos incluir todos os papéis não publicados,

mesmo os recibos de lavandaria?

Se colocarmos o problema na perspectiva do estruturalismo gené-

tico, obtemos uma resposta que vale não só para as obras culturais, mas

também para qualquer facto humano e histórico. O que é a Revolução

Francesa? Quais são os estádios fundamentais da história das sociedades

e das culturas capitalistas ocidentais? A resposta levanta diculdades aná-

logas. Retomemos, no entanto, a obra: os seus limites, tal como os limites

de qualquer facto humano, denem-se pelo facto de a obra constituir uma

estrutura signicativa fundada na existência de uma estrutura mental

coerente elaborada por um sujeito colectivo. A partir daí, pode acontecer

que sejamos obrigados a eliminar, para delimitar essa estrutura, alguns

textos inéditos; enm, é claro que se pode facilmente justicar a exclusão

do recibo de lavandaria. Acrescentarei que, nesta perspectiva, o relacio-

namento da estrutura coerente com a sua funcionalidade relativamente

a um sujeito trans-individual ou – para empregar uma linguagem menos

abstrata – o relacionamento da interpretação com a explicação assume

uma importância particular.

Um só exemplo: no decurso das minhas pesquisas deparei com

o problema de saber em que medida Les Provinciales e Les Pensées de

Pascal podem ser consideradas como uma obra e, após uma análise atenta,

cheguei à conclusão de que se trata de duas obras que têm dois autores

diferentes. Por um lado, Pascal com o grupo Arnauld-Nicole e os jansenistas

moderados para Les Provinciales; por outro, Pascal com o grupo de jan-

senistas extremistas para Les Pensées. Dois autores diferentes, que têm

um sector parcial comum: o indivíduo Pascal e talvez outros jansenistas

que seguiram a mesma evolução.

Um outro problema levantado por Michel Foucault na sua exposição

é o da escrita. Julgo que vale mais dar um nome a esta discussão, porque

presumo que todos pensámos em Derrida e no seu sistema. Sabemos que

Derrida tenta – aposta que me parece paradoxal – elaborar uma losoa

da escrita negando o sujeito. É tanto mais curioso quanto o seu conceito de

74  O que é um autor? O que é um autor? 75

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7/23/2019 FOUCAULT, Michel - O Que é o Autor

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escrita está, de resto, muito próximo do conceito dialético de  praxis. Um

exemplo entre outros: só poderei estar de acordo com ele quando nos diz

que a escrita deixa vestígios que acabam por apagar-se; é a propriedade

de toda a praxis, quer se trate da construção de um templo que desaparece

ao m de vários milénios, da abertura de uma estrada, da modicação

do seu trajeto ou, mais prosaicamente, do fabrico de salsichas, que são

comidas logo a seguir. Mas penso, como Foucault, que é preciso perguntar

 “Quem cria os vestígios? Quem escreve?”.

Como não tenho nenhuma observação a fazer à segunda parte da

exposição, com a qual estou no geral acordo, passo à terceira.

Parece-me que, aqui também, a maior parte dos problemas le-

vantados encontra resposta na perspectiva do sujeito trans-individual.

Debruço-me sobre um só: Foucault fez uma justa distinção entre os que

chama os “instauradores” e os criadores de uma nova metodologia cien-

tíca. O problema existe, mas, em lugar de lhe atribuir o caráter relati-

vamente complexo e obscuro que tomou na exposição, não poderemos

encontrar o fundamento epistemológico na distinção, corrente no pen-

samento dialético moderno, nomeadamente na escola lukacsiana, entre

as ciências da natureza, relativamente autónomas enquanto estruturas

cientícas, e as ciências humanas, que não poderiam ser positivas sem ser

losócas (as primeiras, fundadas pela interação do sujeito e do objeto,

as segundas sobre a sua identidade total ou parcial)? Não é certamente

por acaso que Foucault opôs Marx, Freud e, em certa medida, Durkheim

a Galileu e aos criadores da física mecanicista. As ciências do homem –

explicitamente no que se refere a Marx e Freud, implicitamente no que

se refere a Durkheim – supõem a estreita união entre as constatações e

as valorizações, o conhecimento e a tomada de posição, a teoria e a pra-

xis, sem que para isso seja abandonado o rigor teórico. Como Foucault,

penso também que frequentemente, e sobretudo hoje, a reexão sobre

Marx, Freud e mesmo Durkheim se apresenta sob a forma de um retorno

às fontes, porque se trata de um retorno a um pensamento losóco,

contra as tendências positivistas que pretendem encaixar as ciências do

homem no modelo das ciências da natureza. Seria ainda preciso distinguir

o que é um autêntico retorno do que é na realidade, sob a forma de um

pretenso retorno às fontes, uma tentativa de assimilar Marx e Freud ao

positivismo e ao estruturalismo não genético contemporâneo, que lhes

são totalmente estranhos.

Nesta perspectiva, queria terminar a minha intervenção mencionan-

do a frase que se tornou célebre, escrita no mês de maio por um estudante

no quadro de uma sala da Sorbonne e que me parece exprimir o essencial

da crítica simultaneamente losóca e cientíca ao estruturalismo não ge-

nético: “As estruturas não descem à rua”, isto é, nunca são as estruturas

que fazem a história, mas os homens, ainda que a ação destes últimos

tenha sempre um caráter estruturado e signicativo.

M. Foucault  – Vou tentar responder. A primeira coisa que direi é que

nunca empreguei, pela minha parte, a palavra estrutura. Se a procurarem

em Les Mots et les Choses, não a encontrarão. Então, gostaria que todas

as facilidades sobre o estruturalismo não me fossem imputadas ou que as

 justicassem devidamente. Mais: não disse que o autor não existia; não

disse e admiro-me que o meu discurso se tivesse prestado a semelhante

contra-senso. Mas retomemos um pouco tudo isso.

Falei de uma certa temática que se pode del imitar, nas obras como

na crítica, e que é, se quiserem, a seguinte: o autor deve apagar-se ou ser

apagado em proveito das formas próprias aos discursos. Entendido isto,

a questão que me coloquei foi esta: o que é que esta regra do desapa-

recimento do escritor ou do autor permite descobrir? Permite descobrir o

 jogo da função autor. E o que procurei analisar foi precisamente a maneira

como se exercia a função autor, no contexto da cultura europeia depois

do século XVII. É certo que o z muito ligeiramente e de uma forma que

pretendo abstrata, porque se tratava de uma colocação de conjunto. Denir

a maneira como se exerce essa função, em que condições, em que domínio

etc., não quer dizer, convenhamos, que o autor não existe.

O mesmo se diga para a negação do homem de que falou Goldmann:

a morte do homem é um tema que permite esclarecer a maneira como

o conceito de homem funcionou no domínio do saber. E se se fosse mais

longe que a leitura, evidentemente austera, das primeiras ou das últimas

páginas do que escrevi, perceber-se-ia que essa armação reenvia para a

análise de um funcionamento. Não se trata de armar que o homem está

morto (ou que vai desaparecer, ou que será substituído pelo super-homem),

trata-se, a partir desse tema, que não é meu e que não cessou de ser

76  O que é um autor? O que é um autor? 77

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repetido desde o nal do século XIX, de ver de que maneira segundo que

regras se formou e funcionou o conceito de homem. Fiz a mesma coisa

para a noção de autor. Contenhamos, pois, as lágrimas.

Outra observação. Foi dito que eu perlhava o ponto de vista da

não-cienticidade. É certo que não pretendo ter feito aqui obra cientíca,

mas gostaria de conhecer de que instância vem essa acusação.

Maurice de Gandillac  – Ao ouvi-lo perguntei-me que critério preci-

so o leva a distinguir os “instauradores de discursividade”, não somente

dos “profetas” de caráter mais religioso, mas também dos promotores de

 “cienticidade”, nos quais não será incongruente incluir Marx e Freud. E, se

admitirmos uma categoria original, situada de algum modo para além da

cienticidade e do profetismo (relevando, no entanto, de ambos), admiro-

me de aí não encontrar nem Platão, nem sobretudo Nietzsche, que já nos

tinha apresentado em Royaumont, se a memória não me falha, como

tendo exercido sobre o nosso tempo uma inuência do mesmo tipo da que

exerceram Marx e Freud.

M. Foucault : Responder-lhe-ei – mas apenas a título de hipótese

de trabalho, porque, uma vez mais, aquilo que vos apresentei não era,

infelizmente, mais do que um plano de trabalho, uma delimitação de cam-

po – que a situação transdiscursiva em que se encontravam autores como

Platão e Aristóteles, desde a época em que escreveram até a Renascença,

deve poder ser analisada; a maneira como foram citados, como foram

referidos e interpretados ou como foi restaurada a autenticidade dos seus

textos,etc., tudo isso obedece certamente a um sistema de funcionamento.

Creio que, com Marx e Freud, estamos em presença de autores cuja posição

transdiscursiva não se pode sobrepor à posição transdiscursiva de auto-

res como Platão ou Aristóteles. E seria necessário descrever o que é esta

transdiscursividade moderna, em oposição à transdiscursividade antiga.

L. Goldmann: Só mais uma questão: quando admite a existência

do homem ou do sujeito, está ou não a reduzi-los ao estatuto de função?

M. Foucault : Eu não disse que reduzia o autor a uma função, mas que

analisava a função no interior da qual qualquer coisa como um autor podia

existir. Não z aqui a análise do sujeito, z a análise do autor. Se tivesse

feito uma conferência sobre o sujeito, é provável que tivesse analisado da

mesma forma a função sujeito, isto é, tivesse feito a análise das condições

que possibilitam a um indivíduo cumprir a função de sujeito. Seria ainda

necessário precisar em que domínio o sujeito é sujeito, e de quê (do dis-

curso, do desejo, do processo económico etc.). Não existe sujeito absoluto.

 J. Ullmo: A sua exposição interessou-me profundamente, porque

reanimou um problema muito importante para a investigação cientíca

actual. A investigação cientíca, e em particular a investigação matemática,

são casos limite nos quais um certo número de conceitos, evidenciados pela

sua exposição, aparecem de forma muito nítida. Com efeito, tornou-se um

problema muito angustiante para as vocações cientícas que se desenham

por volta dos vinte anos encontrarem-se perante o problema posto por si

inicialmente: “Que importa quem fala?” Antigamente, uma vocação cien-

tíca implicava a vontade de falar de si próprio, de trazer respostas para

os problemas fundamentais da natureza ou do pensamento matemático;

o que justicava as vocações, justicava, digamos, a abnegação e o sa-

crifício. Nos nossos dias, este problema é muito mais delicado, porque a

ciência se tornou muito mais anónima; e, com efeito, “Que importa quem

fala”, o que não foi descoberto por X em Junho de 1969, será descoberto

por Y em outubro de 1969. Então, sacricar a vida a esta ligeira antecipa-

ção, que cará anónima, é um problema extremamente grave para quem

possui a vocação e para quem deve ajudá-lo. Creio que estes exemplos

de vocações cientícas vão esclarecer um pouco a sua resposta, aliás no

sentido que indicou. Vou pegar no exemplo de Bourbaki; poderia escolher

Keynes, mas Bourbaki constitui um exemplo limite: é um indivíduo múltiplo;

o nome do autor parece desvanecer-se em proveito de uma coletividade, e

de uma coletividade renovável, porque Bourbaki não é sempre o mesmo.

No entanto, existe um autor Bourbaki e este autor Bourbaki manifesta-se

através das discussões extremamente violentas, diria mesmo patéticas,

entre os participantes de Bourbaki: antes de publicar um dos seus fas-

cículos – esses fascículos que parecem tão objetivos, tão desprovidos

de paixão, álgebra linear ou teoria dos conjuntos, na verdade são frutos

de noites inteiras de discussão acesa para atingir um acordo sobre um

pensamento fundamental, sobre uma interiorização. E aqui reside o único

ponto em que estou em profundo desacordo consigo, porque, no início,

eliminou a interioridade. Penso que só há autor quando existe interiorida-

de. Este exemplo de Bourbaki, que não é nada um autor no sentido banal

78  O que é um autor? O que é um autor? 79

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do termo, demonstra-o de forma absoluta. Dito isto, julgo que restabeleci

um sujeito pensante, talvez de natureza original, mas muito claro para os

que têm o hábito da reexão cientíca. Aliás, um artigo muito interessante

de Michel Serre na revista Critique, “A tradição da ideia”, evidenciava isto

mesmo. Na matemática, não é a axiomática que conta, não é a combi-

natória, não é o que Michel Foucault chamaria o tecido discursivo, o que

conta é o pensamento interno, é a percepção de um sujeito capaz de

sentir, de integrar, de possuir esse pensamento interno. Se tivesse tem-

po, o exemplo de Keynes seria ainda mais pertinente do ponto de vista

económico. Vou simplesmente concluir: penso que os seus conceitos, os

seus instrumentos de pensamento são excelentes. Respondeu, na quarta

parte, às questões que me tinha colocado nas três primeiras. Onde é que

se encontra o que especica um autor? Bem, o que especica um autor é

 justamente a capacidade de alterar, de reorientar o campo epistemológico

ou o tecido discursivo, como formulou. De facto, só existe autor quando

se sai do anonimato, porque se reorientam os campos epistemológicos,

porque se cria um novo campo discursivo que modica, que transforma

radicalemente o precedente. O caso mais gritante é o de Einstein: é um

exemplo absolutamente pertinente a este propósito. Fico feliz por ver que

Bouligand me aprova, estamos inteiramente de acordo neste particu lar. Por

conseguinte, com estes dois critérios, ou seja, a necessidade de interiorizar

uma axiomática e o autor enquanto renovador do campo epistemológico,

creio que se restitui um sujeito muito forte, se ouso dizê-lo. O que, aliás,

creio não estar ausente do seu pensamento.

Texto extraído da edição portuguesa de 1992, que leva o título da conferência e inclui dois outros ensaios

de Michel Foucault: “A vida dos h omens infames” e “A escrita de si”. (N.E.)

Trata-se do registo de uma comunicação apresentada por Foucault à Société Française de Philosophie, 

na tarde de 22 de Fevereiro de 1969, à qual se seguiu um debate – encimando o texto original, vem a

indicação: “A sessão começou às 16h 45m no Collège de France, sala nº 6, sob a presidência de Jean

Wahl”; contrariamente a versões em outras línguas, que não incluem o debate, a presente tradução

portuguesa reproduz integralmente o original. “Qu’est-ce qu’un auteur?”.Bulletin de la Société Française

de Philosophie, Paris, 63e année, n. 3, juillet-septembre 1969, p. 73-95 (suivi d’une discussion: p. 96-104).

80  O que é um autor?

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O que é um autor?

 “O que é um autor?”, Bulletin de la Société Française de Philosophie, 63º ano, n. 3, julho-setembro

de 1969, p. 73-104. (Société Française de Philosophie, 22 de fevereiro de 1969; debate com Maurice de

Gandillac, Lucien Goldmann, Jacques Lacan, Jean d’Ormesson, Jean Ullmo, Jean Wahl.)

Em 1970, na Universidade de Búfalo, Michel Foucault dá uma versão modicada dessa conferência,publicada em 1979 nos Estados Unidos.1 As passagens entre colchetes não guravam no texto lido por M.

Foucault em Búfalo. As modicações que ele tinha feito estão assinaladas por uma nota. Michel Foucault

autorizou indiferentemente a re-edição de uma ou da outra versão, a do Bulletin de la Société Française

de Philosophie na revista de psicanálise Littoral (n. 9, junho de 1983), e aquela do Textual Strategies no

The Foucault Reader (Ed. P. Rabinow, New York, Pantheon Books, 1984).

O Sr. Michel Foucault, professor do Centro Universitário Experimental

de Vincennes, propunha-se a desenvolver diante dos membros da Sociedade

Francesa de Filosoa os seguintes argumentos:

 “Que importa quem fala?” Nessa indiferença se arma o princípio

ético, talvez o mais fundamental, da escrita contemporânea. O apagamento

do autor tornou-se desde então, para a crítica, um tema cotidiano. Mas o

essencial não é constatar uma vez mais seu desaparecimento; é preciso

descobrir, como lugar vazio – ao mesmo tempo indiferente e obrigatório –,

os locais onde sua função é exercida.

1º) O nome do autor. Impossibilidade de tratá-lo como uma descri-

ção denida; mas impossibilidade igualmente de tratá-lo como um nome

próprio comum.

2º) A relação de apropriação. O autor não é exatamente nem o pro-

prietário nem o responsável por seus textos; não é nem o produtor nem

o inventor deles. Qual é a natureza do speech act  que permite dizer que

há obra?

1 What is an author? (“Qu’est-ce qu’un auteur?”)

Tradução de Inês Autran Dourado Barbosa

Estética: Literaturae Pintura, Músicae Cinema.Editora ForenseUniversitária, 2009.

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3º) A relação de atribuição. O autor é, sem dúvida, aquele a quem

se pode atribuir o que foi dito ou escrito. Mas a atribuição – mesmo quan-

do se trata de um autor conhecido – é o resultado de operações críticas

complexas e raramente justicadas. As incertezas do opus.

4º) A posição do autor. Posição do autor no livro (uso dos desen-

cadeadores; funções dos prefácios; simulacros do copista, do narrador,

do condente, do memorialista). Posição do autor nos diferentes tipos de

discurso (no discurso losóco, por exemplo). Posição do autor em um

campo discursivo (o que é o fundador de uma disciplina?, o que pode sig-

nicar o “retorno a...” como momento decisivo na transformação de um

campo discursivo?).

Relatório da sessão

 A sessão é aberta às 16:45hs no Collège de France, sala nº 6 , presidida

 por Jean Wahl.

 Jean Wahl : Temos o prazer de ter hoje entre nós Michel Foucault.

Estávamos um pouco impacientes por causa de sua vinda, um pouco in-

quietos com seu atraso, mas ele está aqui. Eu não o apresento a vocês,

é o “verdadeiro” Michel Foucault, o de As palavras e as coisas, o da tese

sobre a loucura. Eu lhe passo imediatamente a palavra.

Michel Foucault : Creio – sem estar aliás muito seguro sobre isso

– que é a tradição trazer a essa Sociedade de Filosoa o resultado de

trabalhos já concluídos, para submetê-los ao exame e à crítica de vocês.2 

Infelizmente, o que lhes trago hoje é muito pouco, eu receio, para mere-

cer sua atenção: é um projeto que eu gostaria de submeter a vocês, uma

tentativa de análise cujas linhas gerais apenas entrevejo; mas pareceu-

me que, esforçando-me para traçá-las diante de vocês, pedindo-lhes para

 julgá-las e reticá-las, eu estava, como “um bom neurótico”, à procura de

um duplo benefício: inicialmente de submeter os resultados de um traba-

lho que ainda não existe ao rigor de suas objeções, e o de beneciá-lo,

2  O pronome vous, no idioma francês, é usado em situações de formalidade, para interlocutores

desconhecidos ou com os quais não se tem intimidade. Na presente tradução, contudo, optou-se

pela forma vocês, que coincidiria com o tu francês, para referência à plateia presente na conferência,

marcando assim a situação de oralidade a que o texto se destina. Se, de um lado, esta opção confere

maior naturalidade ao texto, visto ser esta a forma corrente no português brasileiro, de outro, afasta-se

do tom original de solenidade com que Foucault dirige-se a seus interlocutores. (N.E).

no momento do seu nascimento, não somente com seu apadrinhamento,

mas com suas sugestões.

E eu gostaria de fazer a vocês um outro pedido, o de não me levar

a mal se, dentro em pouco, ao escutar vocês me fazerem perguntas, sinta

eu ainda, e sobretudo aqui, a ausência de uma voz que me tem sido até

agora indispensável; vocês hão de compreender que nesse momento é

ainda meu primeiro mestre que procurarei invencivelmente ouvir. Anal,

foi a ele que eu havia inicialmente falado do meu projeto inicial de traba-

lho; com toda certeza, seria imprescindível para mim que ele assistisse

a esse esboço e que me ajudasse uma vez mais em minhas incertezas.

Mas, anal, já que a ausência ocupa lugar primordial no discurso, aceitem,

por favor, que seja a ele, em primeiro lugar, que eu me dirija essa noite.3

Quanto ao tema que propus, “O que é um autor?”, é preciso evi-

dentemente justicá-lo um pouco para vocês.

Se escolhi tratar essa questão talvez um pouco estranha é porque ini-

cialmente gostaria de fazer uma certa crítica sobre o que antes me ocorreu

escrever. E voltar a um certo número de imprudências que acabei come-

tendo. Em As palavras e as coisas, eu tentara analisar as massas verbais,

espécies de planos discursivos, que não estavam bem acentuadas pelas uni-

dades habituais do livro, da obra e do autor. Eu falava em geral da “história

natural”, ou da “análise das riquezas”, ou da “economia política”, mas não

absolutamente de obras ou de escritores. Entretanto, ao longo desse texto,

utilizei ingenuamente, ou seja, de forma selvagem, nomes de autores. Falei

de Buffon, de Cuvier, de Ricardo etc., e deixei esses nomes funcionarem em

uma ambiguidade bastante embaraçosa. Embora4 dois tipos de objeções

pudessem ser legitimamente formuladas, e o foram de fato. De um lado,

disseram-me: você não descreve Buffon convenientemente, e o que você

disse sobre Marx é ridiculamente insuciente em relação ao pensamento

de Marx. Essas objeções estavam evidentemente fundamentadas, mas não

3 Percebe-se, aqui, a opção adotada para traduzir a palavra soir . Em francês, essa palavra corresponde

ao período do m do dia ao começo da noite. No entanto, considerando que no início do texto está

indicado que a palestra se iniciou às 16:45 hs, essa opção pode provocar a sensação de incoerência

para quem lê. (N.E.).4 A expressão original si bien que é um falso cognato. Embora facilmente confundível com algo como

se bem que, como ocorre na tradução portuguesa deste texto de Foucault, de Antônio Fernando

Cascais e Eduardo Cordeiro, ela tem sentido adversativo. Embora e não obstante parecem ser soluções

adequadas para o português. (N.E).

84  O que é um autor? O que é um autor? 85

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considero que elas fossem inteiramente pertinentes em relação ao que eu

fazia; pois o problema para mim não era descrever Buffon ou Marx, nem

reproduzir o que eles disseram ou quiseram dizer: eu buscava simplesmente

encontrar as regras através das quais eles formaram um certo número

de conceitos ou de contextos teóricos que se podem encontrar em seus

textos. Fizeram também uma outra objeção: você forma, disseram-me,

famílias monstruosas, aproxima nomes tão manifestamente opostos como

os de Buffon e de Lineu, coloca Cuvier ao lado de Darwin, e isso contra o

 jogo mais evidente dos parentescos e das semelhanças naturais. Também

aí, eu diria que a objeção não me parece convir, pois jamais procurei fazer

um quadro genealógico das individualidades espirituais, não quis constituir

um daguerreótipo intelectual do cientista5 ou do naturalista dos séculos

XVII e XVIII; não quis formar nenhuma família, nem santa nem perversa,

busquei simplesmente – o que era muito mais modesto – as condições de

funcionamento de práticas discursivas especícas.

Então, vocês me perguntarão, por que ter utilizado, em As palavras

e as coisas, nomes de autores? Era preciso ou não utilizar nenhum, ou

então denir a maneira com que vocês se servem deles. Essa objeção é,

acredito, perfeitamente justicada: tentei avaliar suas implicações e con-

sequências em um texto que logo vai ser lançado; nele tento dar estatuto

a grandes unidades discursivas, como aquelas que chamamos de história

natural ou economia política; eu me perguntei com que métodos, com que

instrumentos se pode localizá-las, escandi-las, analisá-las e descrevê-las.

Eis a primeira parte de um trabalho começado há alguns anos, e que agora

está concluído.

Mas uma outra questão se coloca: a do autor – e é sobre essa que

gostaria agora de conversar com vocês. Essa noção de autor constitui o

momento crucial da individualização na história das ideias, dos conheci-

mentos, das literaturas, e também na história da losoa, e das ciências.

Mesmo hoje, quando se faz a história de um conceito, de um gênero

literário ou de um tipo de losoa, acredito que não se deixa de consi-

derar tais unidades como escansões relativamente fracas, secundárias e

5 Na expressão original savant , que se refere ao indivíduo culto e letrado, ou o erudito. Na tradução

portuguesa, diferentemente da brasileira, optou-se por sábio, que remete mais ao status do homem

que reúne conhecimentos do âmbito da moral ou mesmo aqueles ligados à sabedoria popular. (N.E.).

sobrepostas em relação à primeira unidade, sólida e fundamental, que é

a do autor e da obra.

Deixarei de lado, pelo menos na conferência desta noite, a análise

histórico-sociológica do personagem do autor. Como o autor se individu-

alizou em uma cultura como a nossa, que estatuto lhe foi dado, a partir

de que momento, por exemplo, pôs-se a fazer pesquisas de autenticida-

de e de atribuição, em que sistema de valorização o autor foi acolhido,

em que momento começou-se a contar a vida não mais dos heróis, mas

dos autores, como se instaurou essa categoria fundamental da crítica “o

homem-e-a obra”, tudo isso certamente mereceria ser analisado. Gostaria

no momento de examinar unicamente a relação do texto com o autor, a

maneira com que o texto aponta para essa gura que lhe é exterior e

anterior, pelo menos aparentemente.

A formulação do tema pelo qual gostaria de começar, eu a tomei

emprestado de Beckett: “Que importa quem fala, alguém disse que im-

porta quem fala.” Nessa indiferença, acredito que é preciso reconhecer

um dos princípios éticos fundamentais da escrita contemporânea. Digo

 “ético”, porque essa indiferença não é tanto um traço caracterizando a

maneira como se fala ou como se escreve; ela é antes uma espécie de

regra imanente, retomada incessantemente, jamais efetivamente aplicada,

um princípio que não marca a escrita como resultado, mas a domina como

prática. Essa regra é bastante conhecida para que seja necessário analisá-

la longamente; basta aqui especicá-la através de dois de seus grandes

temas. Pode-se dizer, inicialmente, que a escrita de hoje se libertou do

tema da expressão: ela se basta a si mesma, e, por consequência, não

está obrigada à forma da interioridade; ela se identica com sua própria

exterioridade desdobrada. O que quer dizer que ela é um jogo de signos

comandado menos por seu conteúdo signicado do que pela própria natu-

reza do signicante; e também que essa regularidade da escrita é sempre

experimentada no sentido de seus limites; ela está sempre em vias de

transgredir e de inverter a regularidade que ela aceita e com a qual se

movimenta; a escrita se desenrola como um jogo que vai infalivelmente

além de suas regras, e passa assim para fora. Na escrita, não se trata

da manifestação ou da exaltação do gesto de escrever; não se trata da

86  O que é um autor? O que é um autor? 87

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amarração de um sujeito em uma linguagem; trata-se da abertura de um

espaço onde o sujeito que escreve não para de desaparecer.6

O segundo tema é ainda mais familiar; é o parentesco da escrita

com a morte. Esse laço subverte um tema milenar; a narrativa, ou a epo-

peia dos gregos, era destinada a perpetuar a imortalidade do herói, e se

o herói aceitava morrer jovem, era porque sua vida, assim consagrada e

magnicada pela morte, passava à imortalidade; a narrativa recuperava

essa morte aceita. De uma outra maneira, a narrativa árabe – eu penso

em As mil e uma noites – também tinha, como motivação, tema e pre-

texto, não morrer: falava-se, narrava-se até o amanhecer para afastar a

morte, para adiar o prazo desse desenlace que deveria fechar a boca do

narrador. A narrativa de Shehrazade é o avesso encarniçado do assassínio,

é o esforço de todas as noites para conseguir manter a morte fora do ciclo

da existência. Esse tema da narrativa ou da escrita feitos para exorcizar a

morte, nossa cultura o metamorfoseou; a escrita está atualmente ligada

ao sacrifício, ao próprio sacrifício da vida; apagamento voluntário que

não é para ser representado nos livros, pois ele é consumado na própria

existência do escritor. A obra que tinha o dever de trazer a imortalidade

recebeu agora o direito de matar, de ser assassina do seu autor. Vejam

Flaubert, Proust, Kafka. Mas há outra coisa: essa relação da escrita com

a morte também se manifesta no desaparecimento das características

individuais do sujeito que escreve; através de todas as chicanas que ele

estabelece entre ele e o que ele escreve, o sujeito que escreve despista

todos os signos de sua individualidade particular; a marca do escritor não

é mais do que a singularidade de sua ausência; é preciso que ele faça o

papel do morto no jogo da escrita. Tudo isso é conhecido; faz bastante

tempo que a crítica e a losoa constataram esse desaparecimento ou

morte do autor.

Não estou certo, entretanto, de que se tenham absorvido rigorosa-

mente todas as consequências inerentes a essa constatação, nem que se

tenha avaliado com exatidão a medida do acontecimento. Mais precisamen-

te, parece-me que um certo número de noções que hoje são destinadas a

6 A expressão no francês ne cesse de disparaître encontraria, da mesma forma que na tradução brasilera,

em está sempre desaparecendo ou a desaparecer  uma solução mais satisfatória, como vericado na

tradução portuguesa. (N.E.).

substituir o privilégio do autor o bloqueiam, de fato, e escamoteiam o que

deveria ser destacado. Tomarei simplesmente duas dessas noções que são

hoje, acredito, singularmente importantes.

Inicialmente, a noção de obra. É dito, de fato (e é também uma

tese bastante familiar), que o próprio da crítica não é destacar as rela-

ções da obra com o autor, nem querer reconstituir através dos textos um

pensamento ou uma experiência; ela deve antes analisar a obra em sua

estrutura, em sua arquitetura, em sua forma intrínseca e no jogo de suas

relações internas. Ora, é preciso imediatamente colocar um problema: “O

que é uma obra? O que é pois essa curiosa unidade que se designa com

o nome obra? De quais elementos ela se compõe? Uma obra não é aquilo

que é escrito por aquele que é um autor?” Vemos as diculdades surgirem.

Se um indivíduo não fosse um autor, será que se poderia dizer que o que

ele escreveu, ou disse, o que ele deixou em seus papéis, o que se pode

relatar de suas exposições, poderia ser chamado de “obra”? Enquanto Sade

não era um autor, o que eram então esses papéis? Esses rolos de papel

sobre os quais, sem parar, durante seus dias de prisão, ele desencadeava

seus fantasmas.

Mas suponhamos que se trate de um autor: será que tudo o que

ele escreveu ou disse, tudo o que ele deixou atrás de si faz parte de sua

obra? Problema ao mesmo tempo teórico e técnico. Quando se pretende

publicar, por exemplo, as obras de Nietzsche, onde é preciso parar? É

preciso publicar tudo, certamente, mas o que quer dizer esse “tudo”?

Tudo o que o próprio Nietzsche publicou, certamente. Os rascunhos de

suas obras? Evidentemente. Os projetos dos aforismos? Sim. Da mesma

forma as rasuras, as notas nas cadernetas? Sim. Mas quando, no interior

de uma caderneta repleta de aforismos, encontra-se uma referência, a

indicação de um encontro ou de um endereço, uma nota de lavanderia:

obra, ou não? Mas, por que não? E isso innitamente. Dentre os milhões

de traços deixados por alguém após sua morte, como se pode denir uma

obra? A teoria da obra não existe, e àqueles que, ingenuamente, tentam

editar obras falta uma tal teoria e seu trabalho empírico se vê muito rapi-

damente paralisado. E se poderia continuar: será que se pode dizer que

88  O que é um autor? O que é um autor? 89

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 As mil e uma noites constituem uma obra? E os Stromates,7 de Clément

d’Alexandrie, ou as Vidas,8 de Diogène Laёrce? Percebe-se que abundância

de questões se coloca a propósito dessa noção de obra. De tal maneira

que é insuciente armar: deixemos o escritor, deixemos o autor e vamos

estudar, em si mesma, a obra. A palavra “obra” e a unidade que ela designa

são provavelmente tão problemáticas quanto a individualidade do autor.

Uma outra noção, acredito, bloqueia a certeza da desaparição do

autor e retém como que o pensamento no limite dessa anulação; com

sutileza, ela ainda preserva a existência do autor. É a noção de escrita. A

rigor, ela deveria permitir não somente dispensar a referência ao autor,

mas dar estatuto à sua nova ausência. No estatuto que se dá atualmente

à noção de escrita, não se trata, de fato, nem do gesto de escrever nem

da marca (sintoma ou signo) do que alguém teria querido dizer; esforça-se

com uma notável profundidade para pensar a condição geral de qualquer

texto, a condição ao mesmo tempo do espaço em que ele se dispersa e

do tempo em que ele se desenvolve.

Eu me pergunto se, reduzida às vezes a um uso habitual, essa no-

ção não transporta, em um anonimato transcendental, as características

empíricas do autor. Ocorre que se contenta em apagar as marcas dema-

siadamente visíveis do empirismo do autor utilizando, uma paralelamente

à outra, uma contra a outra, duas maneiras de caracterizá-la: a modali-

dade crítica e a modalidade religiosa. Dar, de fato, à escrita um estatuto

originário não seria uma maneira de, por um lado, traduzir novamente em

termos transcendentais a armação teológica do seu caráter sagrado e,

por outro, a armação crítica do seu caráter criador? Admitir que a escrita

está de qualquer maneira, pela própria história que ela tornou possível,

submetida à prova do esquecimento e da repressão, isso não seria repre-

sentar em termos transcendentais o princípio religioso do sentido oculto

(com a necessidade de interpretar) e o princípio crítico das signicações

implícitas, das determinações silenciosas, dos conteúdos obscuros (com

a necessidade de comentar)? Enm, pensar a escrita como ausência não

seria muito simplesmente repetir em termos transcendentais o princípio

religioso da tradição simultaneamente inalterável e jamais realizada, e o

7 D’ALEXANDRIE. Les Stromates; Stromate I ; Stromate II; Stromate V .8 LAËRCE. De vita et moribus philosophorum.

princípio estético da sobrevivência da obra, de sua manutenção além da

morte, e do seu excesso enigmático em relação ao autor?

Penso então que tal uso da noção de escrita arrisca manter os

privilégios do autor sob a salvaguarda do a priori : ele faz subsistir, na luz

obscura da neutralização, o jogo das representações que formaram uma

certa imagem do autor. A desaparição do autor, que após Mallarmé é um

acontecimento que não cessa, encontra-se submetida ao bloqueio trans-

cendental. Não existe atualmente uma linha divisória importante entre os

que acreditam poder ainda pensar as rupturas atuais na tradição histórico-

transcendental do século XIX e os que se esforçam para se libertar dela

denitivamente?

*

Mas não basta, evidentemente, repetir como armação vazia que

o autor desapareceu. Igualmente, não basta repetir perpetuamente que

Deus e o homem estão mortos de uma morte conjunta. O que seria preciso

fazer é localizar o espaço assim deixado vago pela desaparição do autor,

seguir atentamente a repartição das lacunas e das falhas e espreitar os

locais, as funções livres que essa desaparição faz aparecer.

Gostaria, inicialmente, de evocar em poucas palavras os problemas

suscitados pelo uso do nome do autor. O que é o nome do autor? E como

ele funciona? Longe de dar a vocês uma solução, indicarei somente algumas

das diculdades que ele apresenta.

O nome do autor é um nome próprio; ele apresenta os mesmos pro-

blemas que ele. (Rero-me aqui, entre diferentes anál ises, às de Searle).9 

Não é possível fazer do nome próprio, evidentemente, uma referência

pura e simples. O nome próprio (e, da mesma forma, o nome do autor)

tem outras funções além das indicativas. Ele é mais do que uma indica-

ção, um gesto, um dedo apontado para alguém; em uma certa medida, é

o equivalente a uma descrição. Quando se diz “Aristóteles”, emprega-se

uma palavra que é equivalente a uma descrição ou a uma série de des-

crições denidas, do gênero de: “o autor das Analíticas” 10 ou: “o fundador

da ontologia” etc. Mas não se pode car nisso; um nome próprio não tem

pura e simplesmente uma signicação; quando se descobre que Rimbaud

9 SEARLE. Speech Acts. An Essay in the Philosophy of Language.10  ARISTOTE. Les premiers analytiques; Les seconds analytiques.

90  O que é um autor? O que é um autor? 91

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não escreveu La chasse spirituelle, não se pode pretender que esse nome

próprio ou esse nome do autor tenha mudado de sentido. O nome próprio

e o nome do autor estão situados entre esses dois pólos da descrição e

da designação; eles têm seguramente uma certa ligação com o que eles

nomeiam, mas não inteiramente sob a forma de designação, nem intei-

ramente sob a forma de descrição: ligação especíca. Entretanto – e é aí

que aparecem as diculdades particulares do nome do autor –, a ligação do

nome próprio com o indivíduo nomeado e a l igação do nome do autor com

o que ele nomeia não são isomorfas nem funcionam da mesma maneira.

Eis algumas dessas diferenças.

Se eu me apercebo,11 por exemplo, de que Pierre Dupont não tem

olhos azuis, ou não nasceu em Paris, ou não é médico etc., não é menos

verdade que esse nome, Pierre Dupont, continuará sempre a se referir à

mesma pessoa; a ligação de designação não será modicada da mesma

maneira. Em compensação, os problemas colocados pelo nome do autor

são bem mais complexos: se descubro que Shakespeare não nasceu na

casa que hoje se visita, eis uma modicação que, evidentemente, não

vai alterar o funcionamento do nome do autor. E se casse provado que

Shakespeare não escreveu os Sonnets que são tidos como dele, eis uma

mudança de um outro tipo: ela não deixa de atingir o funcionamento do

nome do autor. E se casse provado que Shakespeare escreveu o Organon12 

de Bacon simplesmente porque o mesmo autor escreveu as obras de Bacon

e as de Shakespeare, eis um terceiro tipo de mudança que modica intei-

ramente o funcionamento do nome do autor. O nome do autor não é, pois,

exatamente um nome próprio como os outros.

Muitos outros fatos assinalam a singularidade paradoxal do nome

do autor. Não é absolutamente a mesma coisa dizer que Pierre Dupont

não existe e dizer que Homero ou Hermes Trismegisto não existiram; em

um caso, quer-se dizer que ninguém tem o nome de Pierre Dupont; no

outro, que vários foram confundidos com um único nome ou que o autor

verdadeiro não possui nenhum dos traços atribuídos tradicionalmente ao

11 Esta forma parece destoar do tom geral de naturalidade da presente tradução. Perceber , em lugar

da forma aperceber , é marcadamente mais usual no português brasileiro. Si je m’aperçois encontraria

tal naturalidade, por exemplo, em se me dou conta, curiosamente, a solução adotada na tradução

portuguesa. (N.E.).12  BACON. Novum organum scientiarum.

personagem de Homero ou de Hermes. Não é de forma alguma a mesma

coisa dizer que Pierre Dupont não é o verdadeiro nome de X, mas sim

Jacques Durand, e dizer que Stendhal se chamava Henri Beyle. Seria assim

possível se interrogar sobre o sentido e o funcionamento de uma proposição

como “Bourbaki é tal, tal etc.” e “Victor Eremita, Climacus, Anticlimacus,

Frater Taciturnus, Constantin Constantius são Kierkegaard”.

Essas diferenças talvez se relacionem com o seguinte fato: um nome

de autor não é simplesmente um elemento em um discurso (que pode ser

sujeito ou complemento, que pode ser substituído por um pronome etc.);

ele exerce um certo papel em relação ao discurso: assegura uma função

classicatória; tal nome permite reagrupar um certo número de textos,

delimitá-los, deles excluir alguns, opô-los a outros. Por outro lado, ele

relaciona os textos entre si; Hermes Trismegisto não existia, Hipócrates,

tampouco – no sentido em que se poderia dizer que Balzac existe –, mas

o fato de que vários textos tenham sido colocados sob um mesmo nome

indica que se estabelecia entre eles uma relação de homogeneidade ou de

liação, ou de autenticação de uns pelos outros, ou de explicação recípro-

ca, ou de utilização concomitante. Enm, o nome do autor funciona para

caracterizar um certo modo de ser do discurso: para um discurso, o fato

de haver um nome de autor, o fato de que se possa dizer “isso foi escrito

por tal pessoa”, ou “tal pessoa é o autor disso”, indica que esse discurso

não é uma palavra cotidiana, indiferente, uma palavra que se afasta, que

utua e passa, uma palavra imediatamente consumível, mas que se trata

de uma palavra que deve ser recebida de uma certa maneira e que deve,

em uma dada cultura, receber um certo status.

Chegar-se-ia nalmente à ideia de que o nome do autor não passa,

como o nome próprio, do interior de um discurso ao indivíduo real e exte-

rior que o produziu, mas que ele corre, de qualquer maneira, aos limites

dos textos, que ele os recorta, segue suas arestas, manifesta o modo de

ser ou, pelo menos, que ele o caracteriza. Ele manifesta a ocorrência de

um certo conjunto de discurso, e refere-se ao status desse discurso no

interior de uma sociedade e de uma cultura. O nome do autor não está

localizado no estado civil dos homens, não está localizado na cção da

obra, mas na ruptura que instaura um certo grupo de discursos e seu

modo singular de ser. Consequentemente, poder-se-ia dizer que há, em

92  O que é um autor? O que é um autor? 93

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uma civilização como a nossa, um certo número de discursos que são pro-

vidos da função “autor”, enquanto outros são dela desprovidos. Uma carta

particular pode ter um signatário, ela não tem autor. Um contrato pode ter

um ador, ele não tem autor. Um texto anônimo que se lê na rua em uma

parede terá um redator, não terá um autor. A função autor é, portanto,

característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de

certos discursos no interior de uma sociedade.

*

Seria preciso agora analisar essa função “autor”. Em nossa cultura,

como se caracteriza um discurso portador da função autor? Em que ele

se opõe aos outros discursos? Acredito que se podem, considerando-se

somente o autor de um livro ou de um texto, reconhecer nele quatro ca-

racterísticas diferentes.

Elas são, inicialmente, objetos de apropriação; a forma de pro-

priedade da qual elas decorrem é de um tipo bastante particular; ela foi

codicada há um certo número de anos.13 É preciso observar que essa

propriedade foi historicamente secundária, em relação ao que se poderia

chamar de apropriação penal. Os textos, os livros, os discursos começaram

a ter realmente autores (diferentes dos personagens míticos, diferentes

das grandes guras sacralizadas e sacralizantes) na medida em que o

autor podia ser punido, ou seja, na medida em que os discursos podiam

ser transgressores. O discurso, em nossa cultura (e, sem dúvida, em mui-

tas outras), não era originalmente um produto, uma coisa, um bem; era

essencialmente um ato – um ato que estava colocado no campo bipolar

do sagrado e do profano, do lícito e do ilícito, do religioso e do blasfemo.

Ele foi historicamente um gesto carregado de riscos antes de ser um bem

extraído de um circuito de propriedades. E quando se instaurou um regime

de propriedade para os textos, quando se editoram regras estritas sobre

os direitos de reprodução etc. – ou seja, no m do século XVIII e no início

do século XIX –, é nesse momento em que a possibilidade de transgressão

que pertencia ao ato de escrever adquiriu cada vez mais o aspecto de um

13 No original: un certain nombre d’années maintenant . “Há um certo número de anos” é, claramente,

o que chamaríamos de uma tradução literal. Esta construção sugere uma passagem indeterminada de

tempo, que poderia ser expressa por há já alguns anos, situando o enunciado no presente em que o

locutor constata a passagem do tempo, além de, por estar mais próximo da oralidade, proporcionar

maior uidez à leitura. (N. E.).

imperativo próprio da literatura. Como se o autor, a partir do momento em

que foi colocado no sistema de propriedade que caracteriza nossa socie-

dade, compensasse o status que ele recebia, reencontrando assim o velho

campo bipolar do discurso, praticando sistematicamente a transgressão,

restaurando o perigo de uma escrita na qual, por outro lado, garantir-se-

iam os benefícios da propriedade.

Por outro lado, a função autor não é exercida de uma maneira uni-

versal e constante em todos os discursos. Em nossa civilização, não são

sempre os mesmos textos que exigiram receber uma atribuição. Houve

um tempo em que esses textos que hoje chamaríamos de “literários” (nar-

rativas, contos, epopeias, tragédias, comédias) eram aceitos, postos em

circulação, valorizados sem que fosse colocada a questão do seu autor;

o anonimato não constituía diculdade, sua antiguidade, verdadeira ou

suposta, era para eles garantia suciente. Em compensação, os textos que

chamaríamos atualmente de cientícos, relacionando-se com a cosmologia

e o céu, a medicina e as doenças, as ciências naturais ou a geograa, não

eram aceitos na Idade Média e só mantinham um valor de verdade com

a condição de serem marcados pelo nome do seu autor. “Hipócrates dis-

se”, “Plínio conta” não eram precisamente as fórmulas de um argumento

de autoridade; eram os índices com que estavam marcados os discursos

destinados a serem aceitos como provados. Um quiasmo produziu-se no

século XVII, ou no XVIII; começou-se a aceitar os discursos cientícos

por eles mesmos, no anonimato de uma verdade estabelecida ou sempre

demonstrável novamente; é sua vinculação a um conjunto sistemático

que lhes dá garantia, e de forma alguma a referência ao indivíduo que

os produziu. A função autor se apaga, o nome do inventor servindo no

máximo para batizar um teorema, uma proposição, um efeito notável,

uma propriedade, um corpo, um conjunto de elementos, uma síndrome

patológica. Mas os discursos “literários” não podem mais ser aceitos senão

quando providos da função autor: a qualquer texto de poesia ou de cção

se perguntará de onde ele vem, quem o escreveu, em que data, em que

circunstâncias ou a partir de que projeto. O sentido que lhe é dado, o sta-

tus ou o valor que nele se reconhece dependem da maneira com que se

responde a essas questões. E se, em consequência de um acidente ou de

uma vontade explícita do autor, ele chega a nós no anonimato, a operação é

94  O que é um autor? O que é um autor? 95

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imediatamente buscar o autor. O anonimato literário não é suportável para

nós; só o aceitamos na qualidade de enigma. A função autor hoje em dia

atua fortemente nas obras literárias. (Certamente, seria preciso amenizar

tudo isso: a crítica começou, há algum tempo, a tratar as obras segundo

seu gênero e sua espécie, conforme os elementos recorrentes que nelas

guram, segundo suas próprias variações em torno de uma constante que

não é mais o criador individual. Além disso, se a referência ao autor não

passa, na matemática, de uma maneira de nomear teoremas ou conjuntos

de proposições, na biologia e na medicina, a indicação do autor e da data

do seu trabalho desempenha um papel bastante diferente: não é simples-

mente uma maneira de indicar a origem, mas de conferir um certo índice

de “credibilidade” relativamente às técnicas e aos objetos de experiência

utilizados em tal época e em tal laboratório).

Terceira característica dessa função autor. Ela não se forma espon-

taneamente como a atribuição de um discurso a um indivíduo. É o resul-

tado de uma operação complexa que constrói um certo ser de razão que

se chama de autor. Sem dúvida, a esse ser de razão, tenta-se dar um

status realista: seria, no indivíduo, uma instância “profunda”, um poder

 “criador”, um “projeto”, o lugar originário da escrita. Mas, na verdade,

o que no indivíduo é designado como autor (ou o que faz de um indiví-

duo um autor) é apenas a projeção, em termos sempre mais ou menos

psicologizantes, do tratamento que se dá aos textos, das aproximações

que se operam, dos traços que se estabelecem, como pertinentes, das

continuidades que se admitem ou das exclusões que se praticam. Todas

essas operações variam de acordo com as épocas e os tipos de discurso.

Não se constrói um “autor losóco” como um “poeta”; e não se cons-

truía o autor de uma obra romanesca no século XVIII como atualmente.

Entretanto, pode-se encontrar através do tempo um certo invariante nas

regras de construção do autor.

Parece-me, por exemplo, que a maneira com que a crítica literária,

por muito tempo, deniu o autor –, ou, antes, construiu a forma autor a

partir dos textos e dos discursos existentes – é diretamente derivada da

maneira com que a tradição cristã autenticou (ou, ao contrário, rejeitou)

os textos de que dispunha. Em outros termos, para “encontrar” o autor na

obra, a crítica moderna utiliza esquemas bastante próximos da exegese

cristã, quando ela queria provar o valor de um texto pela santidade do

autor. Em De viris illustribus,14 São Jerônimo explica que a homonímia não

basta para identicar legitimamente os autores de várias obras: indivídu-

os diferentes puderam usar o mesmo nome, ou um pôde, abusivamente,

tomar emprestado o patronímico do outro. O nome como marca individual

não é suciente quando se refere à tradição textual. Como, pois, atribuir

vários discursos a um único e mesmo autor? Como fazer atuar a função

autor para saber se se trata de um ou de vários indivíduos? São Jerônimo

fornece quatro critérios: se, entre vários livros atribuídos a um autor, um

é inferior aos outros, é preciso retirá-lo da lista de suas obras (o autor é

então denido como um certo nível constante de valor); além disso, se

certos textos estão em contradição de doutrina com as outras obras de

um autor (o autor é então denido como um certo campo de coerência

conceitual ou teórica); é preciso igualmente excluir as obras que estão

escritas em um estilo diferente, com palavras e formas de expressão não

encontradas usualmente sob a pena do escritor (é o autor como unidade

estilística); devem, enm, ser considerados como interpolados os textos

que se referem a acontecimentos ou que citam personagens posteriores

à morte do autor (o autor é então momento histórico denido e ponto de

encontro de um certo número de acontecimentos). Ora, a crítica literária

moderna, mesmo quando ela não se preocupa com a autenticação (o que é

regra geral), não dene o autor de outra maneira: o autor é o que permite

explicar tão bem a presença de certos acontecimentos em uma obra como

suas transformações, suas deformações, suas diversas modicações (e

isso pela biograa do autor, a localização de sua perspectiva individual, a

análise de sua situação social ou de sua posição de classe, a revelação do

seu projeto fundamental). O autor é, igualmente, o princípio de uma certa

unidade de escrita – todas as di ferenças devendo ser reduzidas ao menos

pelos princípios da evolução, da maturação ou da inuência. O autor é ainda

o que permite superar as contradições que podem se desencadear em uma

série de textos: ali deve haver – em um certo nível do seu pensamento

ou do seu desejo, de sua consciência ou do seu inconsciente – um ponto

a partir do qual as contradições se resolvem, os elementos incompatíveis

14 SÃO JERÔNIMO. Des viris illustribus.

96  O que é um autor? O que é um autor? 97

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se encadeando nalmente uns nos outros ou se organizando em torno de

uma contradição fundamental ou originária. O autor, enm, é um certo

foco de expressão que, sob formas mais ou menos acabadas, manifesta-se

da mesma maneira, e com o mesmo valor, em obras, rascunhos, cartas,

fragmentos etc. Os quatro critérios de autenticidade segundo São Jerônimo

(critérios que parecem bastante insucientes aos atuais exegetas) de-

nem as quatro modalidades segundo as quais a crítica moderna faz atuar

a função autor.

Mas a função autor não é, na verdade, uma pura e simples recons-

trução que se faz de segunda mão a partir de um texto dado com um

material inerte. O texto sempre contém em si mesmo um certo número de

signos que remetem ao autor. Esses signos são bastante conhecidos dos

gramáticos: são os pronomes pessoais, os advérbios de tempo e de lugar,

a conjugação dos verbos. Mas é preciso enfatizar que esses elementos

não atuam da mesma maneira nos discursos providos da função autor e

naqueles que dela são desprovidos. Nesses últimos, tais “mecanismos”15

remetem ao locutor real e às coordenadas espaço-temporais do seu dis-

curso (embora certas modicações possam se produzir: quando se relatam

discursos na primeira pessoa). Nos primeiros, em compensação, seu papel

é mais complexo e mais variável. É sabido que, em um romance que se

apresenta como o relato de um narrador, o pronome da primeira pessoa, o

presente do indicativo, os signos da localização jamais remetem imediata-

mente ao escritor, nem ao momento em que ele escreve, nem ao próprio

gesto de sua escrita; mas a um alter  ego cuja distância em relação ao

escritor pode ser maior ou menor e variar ao longo mesmo da obra. Seria

igualmente falso buscar o autor tanto do lado do escritor real quanto do

lado do locutor ctício; a função autor é efetuada na própria cisão – nessa

divisão e nessa distância. Será possível dizer, talvez, que ali está somente

uma propriedade singular do discurso romanesco ou poético: um jogo do

qual só participam esses “quase-discursos”. Na verdade, todos os discursos

que possuem a função autor comportam essa pluralidade de ego. O ego

que fala no prefácio de um tratado de matemática – e que indica suas

15 No original: embrayeurs, conceito da linguística cuja função é ligar a mensagem propriamente dita à realidade

designada por ela; exercida, por exemplo, dos pronomes demonstrativos. Na presente tradução, optou-se pela forma

mecanismos, que não especica o conceito. (N. E.).

circunstâncias de composição – não é idêntico nem em sua posição nem

em seu funcionamento àquele que fala no curso de uma demonstração e

que aparece sob a forma de um “Eu concluo” ou “Eu suponho”: em um

caso, o “eu” remete a um indivíduo sem equivalente que, em um lugar

e em um tempo determinados, concluiu um certo trabalho; no segundo,

o “eu” designa um plano e um momento de demonstração que qualquer

indivíduo pode ocupar, desde que ele tenha aceito o mesmo sistema de

símbolos, o mesmo jogo de axiomas, o mesmo conjunto de demonstrações

preliminares. Mas se poderia também, no mesmo tratado, observar um

terceiro ego; aquele que fala para dizer o sentido do trabalho, os obstáculos

encontrados, os resultados obtidos, os problemas que ainda se colocam;

esse ego se situa no campo dos discursos matemáticos já existentes ou

ainda por vir. A função autor não está assegurada por um desses egos

(o primeiro) às custas dos dois outros, que não seriam mais do que o

desdobramento ctício deles. É preciso dizer, pelo contrário, que, em tais

discursos, a função autor atua de tal forma que dá lugar à dispersão desses

três egos simultâneos.

Sem dúvida, a análise poderia reconhecer ainda outros traços

característicos da função autor. Mas me deterei hoje nos quatro que

acabo de evocar, porque eles parecem ao mesmo tempo os mais visíveis

e importantes. Eu os resumirei assim: a função autor está ligada ao sis-

tema jurídico e institucional que contém, determina, articula o universo

dos discursos; ela não se exerce uniformemente e da mesma maneira

sobre todos os discursos, em todas as épocas e em todas formas de civi-

lização; ela não é denida pela atribuição espontânea de um discurso ao

seu produtor, mas por uma série de operações especícas e complexas;

ela não remete pura e simplesmente a um indivíduo real, ela pode dar

lugar simultaneamente a vários egos, a várias posições-sujeitos que clas-

ses diferentes de indivíduos podem vir a ocupar.

*

Mas me dou conta de que até o presente limitei meu tema de uma

maneira injusticável. Certamente, seria preciso falar do que é a função

autor na pintura, na música, nas técnicas etc. Entretanto, mesmo supondo

que se mantenha, como eu gostaria de fazer essa noite, no mundo dos

discursos, acredito ter dado ao termo autor um sentido demasiadamente

98  O que é um autor? O que é um autor? 99

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restrito. Eu me limitei ao autor cons iderado como autor de um texto, de um

livro ou de uma obra ao qual se pode legitimamente atribuir a produção.

Ora, é fácil ver que, na ordem do discurso, pode-se ser o autor de bem

mais que um livro – de uma teoria, de uma tradição, de uma disciplina

dentro das quais outros livros e outros autores poderão, por sua vez, se

colocar. Eu diria, nalmente, que esses autores se encontram em uma

posição “transdiscursiva”.

É um fenômeno constante – certamente tão antigo quanto nossa

civilização. Homero e Aristóteles, os Pais da Igreja, desempenharam esse

papel; mas também os primeiros matemáticos e aqueles que estiveram

na origem da tradição hipocrática. Mas parece-me que se viu aparecer,

durante o século XIX, na Europa, tipos de autores bastante singulares e que

não poderiam ser confundidos com os “grandes” autores literários, nem

com os autores de textos religiosos canônicos, nem com os fundadores

das ciências. Vamos chamá-los, de uma maneira um pouco arbitrária, de

 “fundadores de discursividade”.

Esses autores têm de particular o fato de que eles não são somente

os autores de suas obras, de seus livros. Eles produziram alguma coisa

a mais: a possibilidade e a regra de formação de outros textos. Nesse

sentido, eles são bastante diferentes, por exemplo, de um autor de ro-

mances que, no fundo, é sempre o autor de seu próprio texto. Freud não

é simplesmente o autor da Traumdeutung ou de O chiste;16 Marx não é

simplesmente o autor do Manifesto ou de O Capital :17 eles estabeleceram

uma possibilidade innita de discursos. É fácil, evidentemente, fazer uma

objeção. Não é verdade que um autor de um romance seja apenas o autor

de seu próprio texto; em um certo sentido, também ele, na medida em

que ele é, como se diz, um pouco “importante”, rege e comanda mais do

que isso. Para usar um exemplo muito simples, pode-se dizer que Ann

Radcliffe não somente escreveu As visões do castelo dos Pirineus18 e um

certo número de outros romances, mas ela tornou possível os romances

de terror do início do século XIX e, nesse caso, sua função de autor excede

sua própria obra. Só que, a essa objeção, creio que se pode responder:

16 FREUD. Die Traumdeutung; Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten.17 MARX; ENGELS. Manifest der kommunistischen Partei ; Das Kapital. Kritik der politischen Oekonomie.18 RADCLIFFE. Les visions du château des Pyrénées.

o que esses instauradores de discursividade tornam possível (tomo como

exemplo Marx e Freud, pois acredito que eles são ao mesmo tempo os pri-

meiros e os mais importantes), o que eles tornam possível é absolutamente

diferente do que o que torna possível um autor de romance. Os textos

de Ann Radcliffe abriram o campo a um certo número de semelhanças

e analogias que têm seu modelo ou princípio em sua própria obra. Esta

contém signos característicos, guras, relações, estruturas, que puderam

ser reutilizados por outros. Dizer que Ann Radcliffe fundou o romance de

terror quer dizer, enm: no romance de terror do século XIX, encontrar-

se-á, como em Ann Radcliffe, o tema da heroína presa na armadilha de

sua própria inocência, a gura do castelo secreto que funciona como uma

 “contra-cidade”, o personagem do herói negro, maldito, destinado a fazer

o mundo expiar o mal que lhe zeram etc. Em compensação, quando falo

de Marx ou de Freud como “instauradores de discursividade”, quero dizer

que eles não tornaram apenas possível um certo número de analogias, eles

tornaram possível (e tanto quanto) um certo número de diferenças. Abriram

o espaço para outra coisa diferente deles e que, no entanto, pertence ao

que eles fundaram. Dizer que Freud fundou a psicanálise não quer dizer

(isso não quer simplesmente dizer) que se possa encontrar o conceito da

libido, ou a técnica de análise dos sonhos em Abraham ou Melanie Klein, é

dizer que Freud tornou possível um certo número de diferenças em relação

aos seus textos, aos seus conceitos, às suas hipóteses, que dizem todas

respeito ao próprio discurso psicanalítico.

Surge imediatamente, acredito, uma nova diculdade, ou, pelo

menos, um novo problema: não será o caso, anal de contas, de todo

fundador de ciência, ou de todo autor que, em uma ciência, introduziu uma

transformação que se pode chamar de fecunda? Anal , Galileu não tornou

simplesmente possíveis aqueles que repetiram depois dele as leis que ele

havia formulado, mas tornou possíveis enunciados bastante diferentes do

que ele próprio havia dito. Se Cuvier é o fundador da biologia, ou Saussure

o da linguística, não é porque eles foram imitados, não é porque se reto-

mou, aqui ou ali, o conceito de organismo ou de signo, é porque Cuvier

tornou possível, em uma certa medida, a teoria da evolução que estava

termo a termo oposta à sua própria xidez; é na medida em que Saussure

100  O que é um autor? O que é um autor? 101

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tornou possível uma gramática gerativa que é bastante diferente de suas

análises estruturais. Portanto, a instauração da discursividade parece ser

do mesmo tipo, à primeira vista, pelo menos, da fundação de não importa

que cienticidade. Entretanto, acredito que há uma diferença, e uma di-

ferença notável. De fato, no caso de uma cienticidade, o ato que o funda

está no mesmo nível de suas transformações futuras; ele faz, de qualquer

forma, parte do conjunto das modicações que ele torna possíveis. Essa

dependência, certamente, pode tomar várias formas. O ato de fundação

de uma cienticidade pode aparecer, no curso das transformações poste-

riores dessa ciência, como sendo anal apenas um caso particular de um

conjunto muito mais geral que então se descobre. Pode parecer também

contaminado pela intuição e pelo empirismo; é preciso então formalizá-lo

de novo, e fazer dele o objeto de um certo número de operações teóricas

suplementares que o funda mais rigorosamente etc. Enm, ele pode apa-

recer como uma generalização apressada, que é preciso limitar e da qual

é preciso retraçar o campo restrito de validade. Em outras palavras, o ato

de fundação de uma cienticidade pode ser reintroduzido no interior da

maquinaria das transformações que dele derivam.

Ora, acredito que a instauração de uma discursividade é heterogê-

nea às suas transformações ulteriores. Desenvolver um tipo de discursi-

vidade como a psicanálise, tal como ela foi instaurada por Freud, não é

conferir-lhe uma generalidade formal que ela não teria admitido no ponto

de partida, é simplesmente lhe abrir um certo número de possibilidades

de aplicações. Limitá-la é, na realidade, tentar isolar no ato instaurador

um número eventualmente restrito de proposições ou de enunciados, aos

quais unicamente se reconhece valor fundador e em relação aos quais tais

conceitos ou teoria admitidos por Freud poderão ser considerados como

derivados, secundários, acessórios. Enm, na obra desses fundadores, não

se reconhecem certas proposições como falsas; contenta-se, quando se

tenta apreender esse ato de instauração, em afastar os enunciados que

não seriam pertinentes, seja por considerá-los como não essenciais, seja

por considerá-los como “pré-históricos” e provenientes de outro tipo de

discursividade. Em outras palavras, diferentemente da fundação de uma

ciência, a instauração discursiva não faz parte dessas transformações

ulteriores, ela permanece necessariamente retirada e em desequilíbrio.

A consequência é que se dene a validade teórica de uma proposição em

relação à obra de seus instauradores – ao passo que, no caso de Galileu

e de Newton, é em relação ao que são, em sua estrutura e normatividade

intrínsecas, a física ou a cosmologia, que se pode armar a validade de tal

proposição que eles puderam avançar. Falando de uma maneira bastante

esquemática: a obra desses instauradores não se situa em relação à ciência

e no espaço que ela circunscreve; mas é a ciência ou a discursividade que

se relaciona à sua obra como as coordenadas primeiras.

Compreende-se por aí que se encontre, como uma necessidade

inevitável em tais discursividades, a exigência de um “retorno à origem”.

[Aqui, ainda é preciso distinguir esses “retornos a...” dos fenômenos de

 “redescoberta” e de “reatualização” que se produzem frequentemente nas

ciências. Por “redescobertas” entenderei os fenômenos de analogia ou de

isomorsmo que, a partir das formas atuais do saber, tornam perceptível

uma gura que foi embaralhada, ou que desapareceu. Direi, por exemplo,

que Chomsky, em seu livro sobre a gramática cartesiana, 19  redescobriu

uma certa gura do saber que vai de Cordemoy a Humboldt: ela só pode

ser constituída, na verdade, a partir da gramática gerativa, pois é esta

última que detém a lei de sua construção; na realidade, trata-se de uma

codicação retrospectiva do olhar histórico. Por “reatualização” entenderei

uma coisa totalmente diferente: a reinserção de um discurso em um do-

mínio de generalização, de aplicação ou de transformação que é novo para

ele. E, nesse caso, a história das matemáticas é rica em tais fenômenos

(eu me remeto aqui ao estudo que Michel Serres consagrou às anamneses

matemáticas).20 Por “retorno a”, o que se pode entender? Acredito que se

pode designar dessa maneira um movimento que tem sua própria espe-

cicidade e que caracteriza justamente as instaurações de discursividade.

Para que haja retorno, de fato, é preciso inicialmente que tenha havido

esquecimento, não esquecimento acidental, não encobrimento por alguma

incompreensão, mas esquecimento essencial e constitutivo. O ato de ins-

tauração, de fato, é tal em sua própria essência, que ele não pode não ser

esquecido. O que o manifesta, o que dele deriva é, ao mesmo tempo, o que

estabelece a distância e o que o mascara. É preciso que esse esquecimento

19  CHOMSKY. Cartesian Linguistic . A Chapter in the H istory of Rationalist Thought.20 SERRES. Les anamnèses mathématiques.

102  O que é um autor? O que é um autor? 103

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não acidental seja investido em operações precisas, que se podem situar,

analisar e reduzir pelo próprio retorno a esse ato instaurador. O ferrolho do

esquecimento não foi acrescentado do exterior, ele faz parte da discursi-

vidade de que se trata, é esta que lhe dá sua lei; a instauração discursiva

assim esquecida é ao mesmo tempo a razão de ser do ferrolho e a chave

que permite abri-lo, de tal forma que o esquecimento e o impedimento do

próprio retorno só podem ser interrompidos pelo retorno. Por outro lado,

esse retorno se dirige ao que está presente no texto, mais precisamente,

retorna-se ao próprio texto, ao texto em sua nudez e, ao mesmo tempo,

no entanto, retorna-se ao que está marcado pelo vazio, pela ausência, pela

lacuna no texto. Retorna-se a um certo vazio que o esquecimento evitou ou

mascarou, que recobriu com uma falsa ou má plenitude e o retorno deve

redescobrir essa lacuna e essa falta; daí o perpétuo jogo que caracteriza

esses retornos à instauração discursiva – jogo que consiste em dizer por

um lado: isso aí estava, bastaria ler, tudo se encontra aí, seria preciso

que os olhos estivessem bem fechados e os ouvidos bem tapados para

que ele não seja visto nem ouvido; e inversamente: não, não está nesta

palavra aqui, nem naquela palavra ali, nenhuma das palavras visíveis e

legíveis diz do que se trata agora, trata-se antes do que é dito através das

palavras, em seu espaçamento, na distância que as separa]. Resulta que,

naturalmente, esse retorno, que faz parte do próprio discurso, não cessa

de modicá-lo, que o retorno ao texto não é um suplemento histórico que

viria se juntar à própria discursividade e a duplicaria com um ornamento

que, anal, não é essencial; é um trabalho efetivo e necessário de trans-

formação da própria discursividade. O reexame do texto de Galileu pode

certamente mudar o conhecimento que temos da história da mecânica,

mas jamais pode mudar a própria mecânica. Em compensação, o reexa-

me dos textos de Freud modica a própria psicanálise, e os de Marx, o

marxismo. [Ora, para caracterizar esses retornos, é preciso acrescentar

uma última característica: eles se fazem na direção de uma espécie de

costura enigmática da obra e do autor. De fato, é certamente enquanto ele

é texto do autor e deste autor que o texto tem valor instaurador, e é por

isso, porque ele é texto desse autor, que é preciso retornar a ele. Não há

nenhuma probabilidade de que a redescoberta de um texto desconhecido

de Newton ou de Cantor modique a cosmologia clássica ou a teoria dos

conjuntos, tais como foram desenvolvidos (no máximo, essa exumação é

suscetível de modicar o conhecimento histórico que temos de sua gênese).

Em compensação, a reedição de um texto como o Projeto21 de Freud – e

na mesma medida em que é um texto de Freud – corre sempre o risco

de modicar não o conhecimento histórico da psicanálise, mas seu campo

teórico – e isso só ocorreria deslocando sua acentuação ou seu centro de

gravidade. Através de tais retornos, que fazem parte de sua própria trama,

os campos discursivos de que falo comportam do ponto de vista do seu

autor “fundamental” e mediato uma relação que não é idêntica à relação

que um texto qualquer mantém com seu autor imediato].

O que acabo de esboçar a propósito dessas “instaurações discur-

sivas” é, certamente, muito esquemático. Em particular, a oposição que

tentei traçar entre uma tal instauração e a fundação cientíca. Nem sempre

é fácil decidir se se trata d isso ou daquilo: e nada prova que ali estão dois

procedimentos exclusivos um em relação ao outro. Tentei essa distinção

com um único m: mostrar que essa função autor, já complexa quando

se tenta localizá-la no nível de um livro ou de uma série de textos que

trazem uma assinatura denida, comporta também novas determinações,

quando se tenta analisá-la em conjuntos mais amplos – grupos de obras,

disciplinas inteiras.

*

[Lamento muito não ter podido trazer, para o debate que agora vai

se seguir, nenhuma proposição positiva: no máximo, direções para um

trabalho possível, caminhos de análise. Mas devo pelo menos dizer, em

algumas palavras, para terminar, as razões pelas quais dou a isso uma

certa importância].

Tal análise, se ela fosse desenvolvida, talvez permitisse introduzir a

uma tipologia dos discursos. Parece-me, de fato, pelo menos em uma pri-

meira abordagem, que semelhante tipologia não poderia ser feita somente

a partir das características gramaticais dos discursos, de suas estruturas

formais, ou mesmo de seus objetos; existem, sem dúvida, propriedades

ou relações propriamente discursivas (irredutíveis às regras da gramática

e da lógica, como às leis do objeto), e é a elas que é preciso se dirigir para

21  FREUD. Entwurf einer Psychologie; Esquisse d’une psychologie scientique.

104  O que é um autor? O que é um autor? 105

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distinguir as grandes categorias de discurso. A relação (ou a não-relação)

com um autor e as diferentes formas dessa relação constituem – e de uma

maneira bastante visível – uma dessas propriedades discursivas.

Por outro lado, acredito que se poderia encontrar aí uma introdução

à análise histórica dos discursos. Talvez seja o momento de estudar os

discursos não apenas em seu valor expressivo ou suas transformações for-

mais, mas nas modalidades de sua existência: os modos de circulação, de

valorização, de atribuição, de apropriação dos discursos variam de acordo

com cada cultura e se modicam no interior de cada uma; a maneira com

que eles se articulam nas relações sociais se decifra de modo, parece-me,

mais direto no jogo da função autor e em suas modicações do que nos

temas ou nos conceitos que eles operam.

Não será, igualmente, a partir de análises desse tipo que se poderiam

reexaminar os privilégios do sujeito? Sei que, empreendendo a análise

interna e arquitetônica de uma obra (quer se trate de um texto literário,

de um sistema losóco, ou de uma obra cientíca), colocando entre pa-

rênteses as referências biográcas ou psicológicas, já se recolocaram em

questão o caráter absoluto e o papel fundador do sujeito. Mas seria talvez

preciso voltar a essa suspensão, não para restaurar o tema de um sujeito

originário, mas para apreender os pontos de inserção, os modos de fun-

cionamento e as dependências do sujeito. Trata-se de inverter o problema

tradicional. Não mais colocar a questão: como a liberdade de um sujeito

pode se inserir na consistência das coisas e lhes dar sentido, como ela

pode animar, do interior, as regras de uma linguagem e manifestar assim

as pretensões que lhe são próprias? Mas antes coloca essas questões:

como, segundo que condições e sob que formas alguma coisa como o um

sujeito pode aparecer na ordem dos discursos? Que lugar ele pode ocupar

em cada tipo de discurso, que funções exercer, e obedecendo a que re-

gras? Trata-se, em suma, de retirar do sujeito (ou do seu substituto) seu

papel de fundamento originário, e de anal isá-lo como uma função variável

e complexa do discurso.

[O autor – ou o que eu tentei descrever como a função autor – é,

sem dúvida, apenas uma das especicações possíveis da função sujeito.

Especicação possível ou necessária? Tendo em vista as modicações his-

tóricas ocorridas, não parece indispensável, longe disso, que a função autor

permaneça constante em sua forma, em sua complexidade, e mesmo em

sua existência. Pode-se imaginar uma cultura em que os discursos circulas-

sem e fossem aceitos sem que a função autor jamais aparecesse].22 Todos

os discursos, sejam quais forem seus status, sua forma e, seu valor e seja

qual forma for o tratamento que se dê a eles, desenvolviam-se no anonimato

do murmúrio. Não mais se ouviriam as questões por tanto tempo repetidas:

 “Quem realmente falou? Foi ele e ninguém mais? Com que autenticidade

e originalidade? E o que ele expressou do mais profundo dele mesmo em

seu discurso?” Além destas, outras questões, como as seguintes: “Quais

os modos de existência desses discursos? Em que ele se sustentou, como

pode circular, e quem dele pode se apropriar? Quais são os locais que foram

ali preparados para possíveis sujeitos? Quem pode preencher as diversas

funções de sujeito?” E, atrás de todas essas questões, talvez apenas se

ouvisse o rumor de uma indiferença: “Que importa quem fala?” 

22 Variante: “Mas há também razões que resultam do status ‘ideológico’ do autor. A questão então se

torna: como afastar o grande risco, o grande perigo com os quais a cção ameaça nosso mundo? A

resposta é que se pode afastá-lo através do au tor. O autor torna possível uma limitação da proliferação

cancerígena, perigosa das signicações em um mundo onde se é parcimonioso não apenas em relação

aos seus recursos e riquezas, mas també m aos seus próprios discursos e suas signicações. O au tor é o

princípio de economia na proliferação do sentido. Consequentemente, devemos realizar a subversão da

ideia tradicional do autor. Temos o costume de dizer, examinamos isso acima, que o a utor é a instância

criadora que emerge de uma obra em que ele deposita, com uma innita riqueza e generosidade, um

mundo inesgotável de signicações. Estamos acostumados a pensar que o autor é tão diferente de

todos os outros homens, de tal forma transcendente a todas as linguagens, que ao falar o sentido

prolifera e prolifera innitamente.

A verdade é completamente diferente: o autor não é uma fonte innita de signicações que viriam

preencher a obra, o autor não precede as obras. Ele é um certo princípio funcional pelo qual, em

nossa cultura, delimita-se, exclui-se ou seleciona-se: em suma, o princípio pelo qual se entrava a livre

circulação, a livre manipulação, a livre composição, decomposição, recomposição da cção. Se temos

o hábito de apresentar o autor como gênio, como emergência perpétua de novidade, é porque nós

fazemos funcionar de um modo exatamente inverso. Diremos que o autor é uma produção ideológica

na medida em que temos uma representação invertida de sua função histórica real. O autor é então a

gura ideológica pela qual se afasta a proliferação do sentido.

Dizendo isso, pareço evocar uma forma de cultura na qual a cção n ão seria rarefeita pela gura do autor.

Mas seria puro romantismo imaginar uma cultura em que a cção circularia em estado absolutamente

livre, à disposição de cada um, desenvolver-se-ia sem atribuição a uma gu ra necessária e obrigatória.

Após o século 18, o autor desempenha o papel de regulador da cção, papel característico da era

industrial e burguesa, do individualismo e da propriedade privada. No entanto, levando em conta

as modicações históricas em curso, não há nenhuma necessidade que a função autor permaneça

constante em sua forma ou em sua complexidade ou em sua existência. No momento preciso em

que nossa sociedade passa por um processo de transformação, a função autor desaparecerá de uma

maneira que permitirá uma vez mais à cção e aos seus textos polissêmicos funcionar de novo de

acordo com um outro modo, mas sempre segundo um sistema obrigatório que não será mais o do

autor, mas que ca ainda por determinar e talvez por experimentar.” (Tradução de D. Defe rt.)

106  O que é um autor? O que é um autor? 107

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[ Jean Wahl : Agradeço a Michel Foucault por tudo o que e le nos dis-

se, e que provoca a discussão. Pergunto logo quem quer tomar a palavra.

 Jean d’Ormesson: Na tese de Michel Foucault, a única coisa que

eu não havia compreendido bem, e sobre qual todo mundo, até a mídia,

tinha chamado a atenção, era o desaparecimento do homem. Dessa vez,

Michel Foucault se declarou contra o elo mais fraco da cadeia: ele atacou

não mais o homem, mas o autor. E compreendo bem o que pôde levá-lo,

nos acontecimentos culturais dos últimos 50 anos, a essas considerações:

 “A poesia deve ser feita por todos”, “isso fala” etc. Eu me fazia um certo

número de perguntas: eu me dizia que, da mesma forma, há autores na

losoa e na literatura. Vários exemplos poderiam ser dados, parecia-me,

na literatura e na losoa, de autores que são pontos de convergência. As

tomadas de posição política são também o feito de um autor e é possível

aproximá-las de sua losoa.

Pois bem, estou completamente convicto, porque tenho a impressão

de que em uma espécie de prestidigitação, extremamente brilhante, o

que Michel Foucault tomou do autor, ou seja, sua obra, ele lhe devolveu

com lucro, o nome de instaurador da discursividade, já que não apenas

ele lhe restitui sua obra, mas também a dos outros.

Lucien Goldmann: Entre os teóricos notáveis de uma escola que

ocupa um lugar importante no pensamento contemporâneo e caracter iza-

se pela negação do homem em geral e, a partir daí, do sujeito em todos

os seus aspectos, e também do autor, Michel Foucault, que não formulou

explicitamente essa última negação, mas a sugeriu ao longo da exposição,

concluindo na perspectiva da supressão do autor, é certamente uma das

guras mais interessantes e difíceis de combater e criticar. Pois, a uma

posição losóca fundamentalmente anticientíca, Michel Foucault alia

um notável trabalho de historiador, e parece-me claramente provável

que, graças a um certo número de análises, sua obra marcará uma etapa

importante no desenvolvimento da história cientíca da ciência e mesmo

da realidade social.

É então no plano do seu pensamento propriamente losóco, e não

no de suas análises concretas, que quero hoje colocar minha intervenção.

Permitam-me, entretanto, antes de abordar as três partes do enun-

ciado de Michel Foucault, referir-me à intervenção que acaba de ocorrer

para dizer que estou absolutamente de acordo com o interveniente quanto

ao fato de que Michel Foucault não é o autor, nem certamente o instaurador

do que ele acaba de nos dizer. Porque a negação do sujeito é atualmente

a ideia central de todo um grupo de pensadores, ou mais exatamente de

toda uma corrente losóca. E se, no interior dessa corrente, Foucault

ocupa um lugar particularmente original e brilhante, é preciso, entretanto,

integrá-lo ao que se poderia chamar de a escola francesa do estruturalis-

mo não genético, e que inclui principalmente os nomes de Lévi-Strauss,

Roland Barthes, Althusser, Derrida etc.

Quanto ao problema particularmente importante levantado por

Michel Foucault: “Quem fala?”, penso ser preciso acrescentar um segun-

do: “O que ele diz?” 

 “Quem fala?” À luz das ciências humanas contemporâneas, a ideia

do indivíduo como autor úl timo de um texto, e principalmente de um texto

importante e signicativo, parece cada vez menos sustentável. Após um

certo número de anos, toda uma série de análises concretas mostrou

de fato que, sem negar nem o sujeito nem o homem, se é obrigado a

substituir o sujeito individual por um sujeito coletivo ou transindividual.

Em meus próprios trabalhos, fui levado a mostrar que Racine não é sozi-

nho o único e verdadeiro autor das tragédias racinianas, mas que estas

nasceram no bojo do desenvolvimento de um conjunto estruturado de

categorias mentais que era obra coletiva, o que me levou a encontrar

como “autor” dessas tragédias, em última instância, a nobreza de toga,

o grupo jansenista e, no interior deste, Racine como indivíduo particu-

larmente importante.23

Quando se coloca o problema “Quem fala?”, há atualmente nas

ciências humanas pelo menos duas respostas que, opondo-se rigorosa-

mente uma à outra, recusam cada uma a ideia tradicionalmente admitida

do sujeito individual. A primeira, que eu chamaria de estruturalismo não

genético, nega o sujeito que ela substitui pelas estruturas (linguísticas,

mentais, sociais etc.) e apenas atribui aos homens e ao seu comporta-

mento o lugar de um papel, de uma função no interior dessas estruturas

que constituem o objetivo nal da pesquisa ou da explicação.

23 GOLDMANN. Le Dieu caché. Étude sur la vision tragique dans les Pensées de Pascal et dans le théâtre

de Racine.

108  O que é um autor? O que é um autor? 109

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Opostamente, o estruturalismo genético também recusa, na dimen-

são histórica e na dimensão cultural da qual faz parte, o sujeito individual;

entretanto, ele não suprime, por isso, a ideia de sujeito, mas substitui o

sujeito individual pelo sujeito transindividual. Quanto às estruturas, longe

de aparecer como realidades autônomas e mais ou menos últimas, elas

apenas são nessa perspectiva uma propriedade universal de toda práxis e

toda realidade humanas. Não há fato humano que não seja estruturado,

nem estrutura que não seja signicativa, o que quer dizer, como qualidade

do psiquismo e do comportamento de um sujeito, que não preencha uma

função. Em suma, três teses centrais nessa posição: há um sujeito; na

dimensão histórica e cultural, esse sujeito é sempre transindividual; toda

atividade psíquica e todo comportamento do sujeito são sempre estrutu-

rados e signicativos, ou seja, funcionais.

Acrescentarei que encontrei também uma diculdade levantada por

Michel Foucault: a da denição da obra. De fato, é difícil, inclusive impossí-

vel, deni-la em relação a um sujeito individual. Como disse Foucault, quer

se trate de Nietzsche ou de Kant, de Racine ou de Pascal, qual o limite do

conceito de obra? É preciso limitá-la aos textos publicados? Ou é preciso

incluir todos os escritos não publicados, até mesmo as notas de lavanderia?

Se o problema é colocado na perspectiva do estruturalismo gené-

tico, obtém-se uma resposta que vale não somente para todas as obras

culturais, mas também para qualquer fato humano e histórico. O que foi

a Revolução Francesa? Quais foram os períodos fundamentais da história

das sociedades e das culturas capitalistas ocidentais? A resposta suscita

diculdades análogas. Voltemos, entretanto, à obra: seus limites, como os

de qualquer fato humano, denem-se pelo fato de que ela constitui uma

estrutura signicativa fundamentada na existência de uma estrutura mental

coerente elaborada por um sujeito coletivo. A partir daí, pode ocorrer que se

seja obrigado a eliminar, para delimitar essa estrutura, certos textos publi-

cados ou incluir, pelo contrário, alguns outros inéditos; enm, não é preciso

dizer que se pode facilmente justicar a exclusão da nota de lavanderia.

Acrescentarei que, nessa perspectiva, o correlacionamento da estrutura

coerente com sua funcionalidade, em relação a um sujeito transindividual,

ou – para empregar uma linguagem menos abstrata – a correlação da

interpretação com a explicação assume uma importância particular.

Apenas um exemplo: durante minhas pesquisas, eu me confrontei

com o problema de saber em que medida Les  provinciales e os Pensées 

de Pascal podem ser considerados como uma obra24 e, após uma análise

cuidadosa, cheguei à conclusão de que esse não é o caso e de que se trata

de duas obras que têm dois autores diferentes. De um lado, Pascal com o

grupo Arnauld-Nicole e os jansenistas moderados no que concerne a Les

 provinciales; de outro, Pascal com o grupo de jansenistas extremistas no

que concerne aos Pensées. Dois autores diferentes, que têm um setor

parcial comum: o indivíduo Pascal e talvez alguns outros jansenistas que

tiveram a mesma evolução.

Outro problema levantado por Michel Foucault em seu comentário

é o da escrita. Acredito ser melhor dar um nome a essa discussão, porque

presumo que todos pensamos em Derrida e em seu sistema. Sabemos que

Derrida tenta – desao que me parece paradoxal – elaborar uma losoa

da escrita negando totalmente o sujeito. Isso é tão mais curioso na medida

em que seu conceito de escrita, inclusive, aproxima-se muito do conceito

dialético de práxis. Um exemplo entre outros: eu concordaria com ele

quando nos diz que a escrita deixa traços que acabam por se apagar; é a

propriedade de qualquer práxis, quer se trate da construção de um templo

que desaparece ao cabo de vários séculos ou vários milênios, da abertura

de uma rua, da modicação de seu trajeto ou, mais prosaicamente, do

preparo de duas salsichas que são comidas a seguir. Mas penso, como

Foucault, que é preciso perguntar: quem cria os traços? Quem escreve?

Como não tenho nenhuma observação sobre a segunda parte do

comentário, com a qual estou inteiramente de acordo, passo à terceira.

Parece-me que, nesse caso também, a maior parte dos problemas

levantados encontra sua resposta na perspectiva do sujeito transidividual.

Vou deter-me apenas em um único: Foucault fez uma distinção justicada

entre o que ele chama de os “instauradores” de uma nova metodologia

cientíca e os criadores. O problema é real, mas, em vez de lhe atribuir o

caráter relativamente complexo e obscuro que ele assumiu em sua expo-

sição, não se pode encontrar o fundamento epistemológico e sociológico

dessa oposição na distinção, comum no pensamento dialético moderno e

24 PASCAL. Les provinciales; Les Pensées.

110  O que é um autor? O que é um autor? 111

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principalmente na escola lukacsiana, entre as ciências da natureza, rela-

tivamente autônomas como estruturas cientícas, e as ciências humanas,

que não poderiam ser positivas sem serem losócas? Não é certamente

por acaso que Foucault tenha oposto Marx, Freud e, em uma certa medida,

Durkheim a Galileu e aos criadores da física mecanicista. As ciências do

homem – explicitamente para Marx e Freud, implicitamente para Durkheim

– supõem a união íntima entre as constatações e as valorizações, o co-

nhecimento e a tomada de posição, a teoria e a prática sem, por isso,

certamente, abrir mão do rigor teórico. Assim como Foucault, penso que

muito frequentemente, e principalmente hoje, a reexão sobre Marx, Freud

e mesmo Durkheim se apresenta sob a forma de um retorno às fontes, pois

se trata de um retorno a um pensamento losóco, contra as tendências,

positivistas, que querem fazer as ciências do homem a partir do modelo

das ciências da natureza. Seria ainda preciso distinguir o que é o retorno

autêntico do que, sob forma de um pretenso retorno às fontes, é na rea-

lidade uma tentativa de assimilar Marx e Freud ao positivismo e ao estru-

turalismo não genético contemporâneo que lhes são totalmente estranhos.

É sob essa perspectiva que gostaria de terminar minha intervenção,

mencionando a frase que se tornou célebre, escrita no mês de maio por

um estudante no quadro-negro de uma sala de Sorbonne, e que me parece

exprimir o essencial da crítica ao mesmo tempo losóca e cientíca do

estruturalismo não genético: “As estruturas não descem para a rua”, isto é:

não são jamais as estruturas que fazem a história, mas os homens, embora

a ação destes últimos tenha sempre um caráter estruturado e signicativo.

M.Foucault : Vou tentar responder. A primeira coisa que direi é que

 jamais, de minha parte, empreguei a palavra estrutura. Procurem-na em

 As palavras e as coisas , e não a encontrarão. Então, gostaria muito que

todas as facilidades sobre o estruturalismo me sejam poupadas, ou que

se dê ao trabalho de justicá-las. Mais ainda: não disse que o autor não

existia; eu não o disse e estou surpreso que meu discurso tenha sido usado

para um tal contra-senso. Retomemos um pouco tudo isso.

Falei de uma certa temática que se pode localizar tanto nas obras

como na crítica, que é, se vocês querem: o autor deve se apagar ou ser

apagado em proveito das formas próprias ao discurso. Isto posto, a pergun-

ta que eu me fazia era a seguinte: o que essa regra do desaparecimento

do escritor ou do autor permite descobrir? Ela permite descobrir o jogo

da função autor. E o que eu tentei analisar é precisamente a maneira pela

qual a função do autor se exercia, no que se pode chamar de a cultura

europeia após o século XVII. Eu o z, certamente, de maneira muito geral,

e de uma forma que eu gostaria que fosse bem mais abstrata, porque se

tratava de uma ordenação do conjunto. Denir de que maneira se exerce

essa função, em que condições, em que campo etc., isso não signica,

convenhamos, dizer que o autor não existe.

O mesmo em relação a essa negação do homem mencionada por

Goldmann: a morte do homem é um tema que permite revelar a maneira

pela qual o conceito de homem funcionou no saber. E se avançassem na

leitura, evidentemente austera, das primeiras ou das últimas páginas do

que eu escrevi, perceber-se-ia que essa armação remete à analise de um

funcionamento. Não se trata de armar que o homem está morto, mas, a

partir do tema – que não é meu e que não parou de ser repetido após o

nal do século XIX – que o homem está morto (ou que ele vai desaparecer

ou será substituído pelo super-homem), trata-se de ver de que maneira, se-

gundo que regras se formou e funcionou o conceito de homem. Fiz a mesma

coisa em relação à noção de autor. Contenhamos então nossas lágrimas.

Outra observação. Foi dito que eu tomava o ponto de vista da não

cienticidade. Certamente, não pretendo ter feito aqui obra cientíca, mas

gostaria de conhecer de que instância me vem essa crítica.

M. de Gandillac : Eu me perguntei, ao ouvi-lo, a partir de que critério

preciso você distinguia os “instauradores de discursividade” não somente

dos “profetas” de caráter mais religioso, mas também dos promotores de

 “cienticidade”, aos quais não é certamente inconveniente juntar Marx

e Freud. E, se uma categoria original, situada de qualquer forma além

da cienticidade e do profetismo (e decorrendo, no entanto, dos dois) é

admitida, eu me surpreendo de não ver ali nem Platão nem sobretudo

Nietzsche, que você nos apresentou recentemente em Royaumont, se

minha memória não falha, como tendo exercido em nossa época uma

inuência semelhante à de Marx e Freud.

M. Foucault : Eu lhe responderei – mas como hipótese de trabalho,

pois, uma vez mais, o que eu apontei para vocês não era, infelizmente,

nada mais que um plano de trabalho, uma determinação de posição – que

112  O que é um autor? O que é um autor? 113

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a situação transdicursiva na qual se encontraram autores como Platão e

Aristóteles a partir do momento em que eles começaram a escrever até a

Renascença deve poder ser analisada; a maneira como eles eram citados,

como se referia a eles, como eram interpretados, como se restaurava a

autenticidade de seus textos etc.; tudo isso obedece certamente a um

sistema de funcionamento. Acredito que com Marx e com Freud trata-se de

autores cuja posição transdiscursiva não sobrepõe a posição transdiscursiva

de autores como Platão e Aristóteles. E seria preciso descrever o que é essa

transdiscursividade moderna, em oposição à transdiscursividade antiga.

Lucien Goldmann: Apenas uma questão: quando admite a existência

do homem ou do sujeito, você as reduz, sim ou não, ao status de função?

M. Foucault : Não disse que eu as reduzia a uma função, eu analisava

a função no interior da qual qualquer coisa como um autor poderia existir.

Não z aqui a análise do sujeito, z a anál ise do autor. Se eu tivesse feito

uma conferência sobre o sujei to, provavelmente eu teria analisado da mes-

ma maneira a função sujeito, ou seja, teria feito a análise das condições nas

quais é possível que um indivíduo preenchesse a função do sujeito. Seria

preciso ainda especicar em que campo o sujeito é sujeito, e de que (do

discurso, do desejo, do processo econômico etc.). Não há sujeito absoluto.

 J. Ullmo: Fiquei profundamente interessado em sua conferência,

porque ela reavivou um problema que é muito importante atualmente na

pesquisa cientíca. A pesquisa cientíca e, particularmente, a pesquisa

matemática são casos-limites nos quais um certo número de conceitos

que você destacou aparecem de maneira muito clara. Isso se tornou de

fato um problema bastante angustiante nas vocações cientícas que se

delineiam por volta dos 20 anos, o de confrontar-se com o problema que

você colocou no início: “Que importa quem fala?” Antigamente, uma vo-

cação cientíca era a própria vontade de falar, de trazer uma resposta aos

problemas fundamentais da natureza ou do pensamento matemático; e

isso justicava vocações, justicava, pode-se dizer, vidas de abnegação e

de sacrifício. Atualmente, esse problema é bem mais delicado, porque a

ciência parece muito mais anônima; e de fato, “que importa quem fa la”, o

que não foi encontrado por x em junho de 1969 será encontrado por y em

outubro de 1969. Então, sacricar sua vida a essa pequena antecipação

e que continua anônima é realmente um problema extraordinaramente

grave para quem tem a vocação e para quem deve ajudá-lo. E acredito

que esses exemplos de vocações cientícas vão esclarecer um pouco sua

resposta no sentido, aliás, que você indicou. Vou tomar o exemplo de

Bourbaki;25 poderia tomar o exemplo de Keynes, mas Bourbaki constitui

um exemplo-limite: trata-se de um indivíduo múltiplo; o nome do autor

parece se apagar verdadeiramente em proveito de uma coletividade, e

de uma coletividade renovável, pois não são sempre os mesmos que

são Bourbaki. Ora, no entanto, existe um autor Bourbaki, e esse autor

Bourbaki se manifesta em discussões extraordinariamente violentas, direi

mesmo patéticas, entre os participantes do Bourbaki: antes de publicar

um de seus fascículos – esses fascículos que parecem tão objetivos, tão

desprovidos de paixão, álgebra l inear ou teoria dos conjuntos – de fato há

noites inteiras de discussão e de brigas para se chegar a um acordo sobre

um pensamento fundamental, sobre uma interiorização. E aí está o único

ponto sobre o qual eu teria encontrado um desacordo muito profundo com

você, porque, no início, você eliminou a interioridade. Acredito que não

existe autor a não ser quando há interioridade. E esse exemplo Bourbaki,

que não é de forma alguma um autor no sentido banal, demonstra isso

de maneira absoluta. Tendo dito isso, acredito que restabeleça um sujeito

pensante, que talvez seja de natureza original, mas que é bastante claro

para aqueles que têm o hábito da reexão cientíca. Além disso, um artigo

muito interessante de Critique, de Michel Serres, “A tradição da ideia”,26 co-

locava isso em evidência. Nas matemáticas, não é o axioma que conta, não

é a combinatória, não é isso que você chamaria de plano discursivo, o que

conta é o pensamento interno, e a apercepção de um sujeito que é capaz

de sentir, de integrar, de possuir aquele pensamento interno. Se eu tivesse

tempo, o exemplo de Keynes seria ainda mais surpreendente do ponto de

vista econômico. Vou simplesmente concluir: penso que seus conceitos,

seus instrumentos de pensamento sejam excelentes. Você respondeu, na

quarta parte, às questões que eu me tinha feito nas três primeiras. Onde

está o que especica um autor? Pois bem, o que especica uma autor é

25 Nicolas Bourbaki: pseudônimo coletivo usado por um grupo de matemáticos franceses contemporâneos

que empreenderam o remanejamento da matemática em bases axiomáticas rigorosas (Henri Cartan,

Claude Chevalley, Jean Dieudonné, Charles Ehresmann, André Weil etc.).26 Eis uma falha muito comum em tradução: traduzir literalmente o título do artigo, dando a entender

que ele foi publicado em português na revista Critique. (N.E.).

114  O que é um autor? O que é um autor? 115

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 justamente a capacidade de remanejar, de reorientar esse campo epis-

temológico ou esse plano discursivo, que são fórmulas suas. De fato, só

existe autor quando se sai do anonimato, porque se reorientam os campos

epistemológicos, porque se cria um novo campo discursivo, que modica,

que transforma radicalmente o precedente. O caso mais surpreendente

é o de Einstein: é um exemplo absolutamente espantoso sobre essa re-

lação. Muito me agrada ver que M. Bouligand concorda comigo; estamos

inteiramente de acordo sobre isso. Consequentemente, sobre esses dois

critérios: necessidade de interiorizar uma axiomática e o critério do autor

enquanto remanejando o campo epistemológico, acredito que se restitui

um sujeito bastante potente, se ouso dizê-lo. O que, aliás, acredito não

está ausente do seu pensamento.

 J. Lacan: Recebi o convite muito tarde. Lendo-o, notei, no último

parágrafo, o “retorno a”. Retorna-se talvez a muitas coisas, mas enm,

o retorno a Freud é alguma coisa que eu tomei como uma espécie de

bandeira, em um certo campo, e aí eu só posso lhe agradecer; você cor-

respondeu inteiramente à minha expectativa. A propósito de Freud, evo-

cando especialmente o que signica o “retorno a”, tudo o que você disse

me parece, pelo menos do ponto de vista em que eu pude nele contribuir,

perfeitamente pertinente.

Em segundo lugar, gostaria de enfatizar que, estruturalismo ou

não, não me parece de forma alguma que se trate, no campo vagamente

determinado por essa etiqueta, da negação do sujeito. Trata-se da de-

pendência do sujeito, o que é completamente diferente; e muito parti-

cularmente, no nível do retorno a Freud, da dependência do sujeito em

relação a alguma coisa verdadeiramente elementar, e que tentamos isolar

com o termo “signicante”.

Em terceiro lugar – limitarei a isso minha intervenção –, não consi-

dero que seja de forma alguma legítimo ter escrito que as estruturas não

descem para a rua, porque se há alguma coisa que os acontecimentos de

maio demonstram é precisamente a descida para rua das estruturas. O

fato de que ela seja escrita no próprio lugar em que se opera essa descida

para a rua nada mais prova que, simplesmente, o que é muito frequente

e mesmo o mais frequente, dentro do que se chama de ato, é que ele se

desconhece a si mesmo.

 Jean Wahl : Resta-nos agradecer a Michel Foucault por ter vindo, por

ter falado, ter principalmente escrito sua conferência, ter respondido às

perguntas feitas, que, aliás, foram muito interessantes. Agradeço também

àqueles que zeram intervenções e aos ouvintes, “Quem escuta, quem

fala?”: poderemos responder “em casa” a essa questão].

Texto extraído do v. 3  da Coleção Ditos & Escritos (Estética:  literatura e

pintura, música e cinema), 2 ed., 2006.

116  O que é um autor? O que é um autor? 117

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118  O que é um autor? Referências  119

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Edições de “O que é um autor?”,de Michel Foucault, em francês, inglês e português

1969 – Conferência apresentada na sala 6 do Collège de France, em sessão

da Sociedade Francesa de Filosoa. A sessão, aberta às 16:45hs, foi pre-

sidida por Jean Wahl, que registrou na abertura certa inquietude quanto

à vinda do grande lósofo, provocada por um atraso.

Michel Foucault era professor no Centro Universitário Experimental de

Vicennes.

Publicação do texto integral (com apresentação e debate) às páginas 

70–104, no v.63, n. 3, do Bulletin de la Société Française de Philosophie,

de julho-setembro.

1970 – Conferência na Universidade de Buffalo, para a qual fez alterações

no texto. Essas alterações estão marcadas e anotadas na reedição francesa

em Dits et Écrits (supressões entre colchetes e alterações anotadas). Michel

Foucault autorizou a reedição das duas versões).

1983 – Reedição do texto impresso em francês no n.  9 da revista de psi-

canálise Littoral , em junho.

1984 – Reedição do texto em inglês na coletânea The Foucault Reader , or-

ganizada por Paul Rabinow e publicada em Nova York pela Pantheon Books.

1992 – Terceira edição portuguesa publicada na coleção que leva o título

do ensaio.

1994 – Reedição do texto em francês com anotações que registram as al-

terações feitas na versão em inglês no volume da coletânea Dits et Écrits,

organizada em 4 volumes por Daniel Defert e François Ewald, com a cola-

boração de Jacques Lagrande na coleção Bibliothéque des Sciences. Esta

edição informa em nota prévia as edições anteriores do texto em francês

e em inglês e apresenta uma síntese da conferência.

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2001 – Reedição do texto em francês na segunda edição da coletânea Dits

et Écrits, na coleção Quarto Gallimard.

Edição da tradução brasileira de Inês Autran Dourado no volume 3 da

coleção Ditos e Escritos.

2009 – Reedição brasileira da tradução para o português feita por Inês

Autran Dourado Barbosa, no volume 3 da coleção Ditos e Escritos, publicada

pela Forense Universitária. A seleção e a organização dos textos para a

edição brasileira foi feita por Manoel Barros da Motta.

Publicações Viva Vozde interesse para a área de tradução

A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin:quatro traduções para o português

Walter Benjamin

Traduções de Fernando Camacho, Karlheinz Barck e outros,

Susana Kampff Lages e João Barrento

Poética do traduzir, não tradutologia

Henry Meschonnic

Traduções de Márcio Werber de Faria, Levi F. Araújo e Eduardo

Domingues

Tradução, literatura e literalidade

Octavio Paz

Tradução de Doralice Alves de Queiroz

Glossário de termos de edição e tradução

Sônia Queiroz (Org).

Da transcriação:poética e semiótica da operação tradutora

Haroldo de Campos

Os livros e cadernos Viva Voz estão disponíveis em

versão eletrônica no site: www.letras.ufmg.br/vivavoz

122  O que é um autor?

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As publicações Viva Voz acolhem textos de alunos e professores da Faculdade

de Letras, especialmente aqueles produzidos no âmbito das atividades

acadêmicas (disciplinas, estudos orientados e monitorias). As

edições são elaboradas pelo Laboratório de Edição da

FALE /UFMG, constituído por estudantes de Letras –

bolsistas e voluntários – supervisionados

por docentes da área de edição.