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12 JORNAL DA UNICAMP Campinas, 4 a 10 de agosto de 2008 50 v ANGUARDA Galeria da Unicamp inau- gura neste dia 4, às 12h30, a exposição 50 anos do Grupo Van- guarda. A mostra reúne 20 obras, 15 das quais perten- centes ao acervo da Unicamp. As de- mais são das coleções particulares de Francisco Biojone e de Thomaz Perina, remanescentes do grupo de onze artistas que, na segunda meta- de da década de 1950, mudou o pa- norama das artes plásticas de Cam- pinas, alcançando projeção nacional. Além de Perina e Biojone, integra- vam o Vanguarda os seguintes artis- tas: Maria Helena Motta Paes, Bernardo Caro, Enéas Dedecca, Ge- raldo Jürgensen, Raul Porto, Mário Bueno, Geraldo de Souza, Franco Sacchi e Edoardo Belgrado. O poe- ta Alberto Amêndola Heinzl e o ensaísta José Armando Pereira da Silva se juntaram ao grupo. A expo- sição, cuja curadoria é dos professo- res Geraldo Porto e Marco do Valle, vai até o dia 28 de agosto. Um manifesto, publicado em ju- nho de 1958 no jornal do Centro de Ciências, Letras e Artes, é tido como o marco inicial do movimento. Fora com os burgomestres falantes & vazios/ fora com os fritadores de bolinhos, pregavam os artistas en- tre citações de Erza Pound (artists are the antennas of the race) e palavras de ordem contra o estabe- lecido (cumpre livrar a arte do mis- ticismo inoculado pelos meda- lhões). No dia 29 do mesmo mês, a II Exposição de Arte Contemporâ- nea de Campinas, realizada no tér- reo do Edifício Catedral, selaria de vez a ruptura com os acadêmicos. Esse movimento, contudo, já vi- nha se delineando na órbita de Thomaz Perina – tido como aglu- tinador do grupo – desde o início da década de 50. Se havia alguma dúvi- da quanto ao rumo a ser seguido, a I Bienal de São Paulo, em 1951, tra- tou de dissipá-la. Ademais, engros- savam o contorno do círculo que se formava dois italianos – Sacchi e Belgrado –, um arquiteto recém-for- mado no Rio – Jürgensen – e o em- presário Raul Porto, cujas relações com os concretistas paulistanos eram intensas. Não por acaso, os poetas Décio Pignatari, Haroldo de Cam- pos e Ronaldo Azevedo visitaram exposição promovida pelos cam- pineiros em novembro de 1958 no saguão do teatro Carlos Gomes. Antes disso, o próprio Pignatari e os artistas Waldemar Cordeiro e Fiaminghi trocavam impressões com os integrantes do Vanguarda. Esse intercâmbio com os pau- listanos viabilizou em 1959 a exposi- ção Artistas de Campinas, realiza- da na Galeria de Artes das Folhas, em São Paulo. A difusão das obras dos artistas na capital logo desperta- ria o reconhecimento dos críticos. Ao longo dos anos subseqüentes, nomes como Mário Schemberg, Geraldo Ferraz e Olney Krüse, entre outros, elogiariam a produção dos cam- pineiros. (A.K.) Marco do Valle A Unicamp comemora com esta exposição os 50 anos do Grupo Vanguarda (1958-1966). Trata-se de uma homenagem bem modesta, perto da contribuição que este valoroso grupo de artistas deu pela introdução da arte contemporânea na cidade de Campinas. Vanguarda não era apenas uma referência aos movimentos modernos, mas dizia também respeito à própria implantação da arte contemporânea em um novo terreno após a bomba atômica e a Segunda Guerra. Os artistas foram fiéis aos princípios que norteavam seus trabalhos até as últimas atividades do grupo, que coincidiram com a criação em 1966 do Museu de Arte Contemporânea de Campinas, do qual foram mentores. Eles sabiam que o nome “Vanguarda” não fazia mais sentido para os teóricos da arte. As questões pós-modernas já haviam sido levantadas por Robert Venturi. Fizeram de tudo em arte contemporânea. Foram educadores, fundaram o Instituto de Artes e a Galeria de Arte da Unicamp – como foi o caso de Bernardo Caro –, abriram novos espaços, como o Centro de Convivência, com Francisco Biojone, e apoiaram jovens artistas. Eu aprendi muito com alguns de seus integrantes, inclusive com o grande líder do grupo, Thomaz Perina, que, com toda sua modéstia, era amigo de todos – desde os tempos em que saía para pintar com Mário Bueno pela Vila Industrial. Falta agora a cidade de Campinas fazer uma homenagem digna aos artistas responsáveis pelo primeiro museu de arte da cidade. O grupo, cuja maior marca era heterogeneidade – abrigava do ferroviário ao arquiteto –, precisa ter o devido reconhecimento. Devemos aqui lembrar da filosofia de Schiller, que preconizava a educação pela arte. Este foi, certamente, um dos legados do Vanguarda. E ele não pode ser esquecido. Uma modesta homenagem Marco do Valle é escultor, professor do Instituto de Artes e diretor da Galeria de Arte da Unicamp Obra de Raul Porto cedida por Francisco Biojone para a exposição Obra de Bernardo Caro Abaixo, na seqüência, telas de Thomaz Perina, Francisco Biojone e Mário Bueno A Fotos: Reprodução

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Page 1: Fotos: Reproduçãolecido (cumpre livrar a arte do mis-ticismo inoculado pelos meda-lhões). No dia 29 do mesmo mês, a II Exposição de Arte Contemporâ-nea de Campinas, realizada

12 JORNAL DA UNICAMP Campinas, 4 a 10 de agosto de 2008

50vANGUARDAGaleria da Unicamp inau-

gura neste dia 4, às12h30, a exposição 50

anos do Grupo Van-guarda. A mostra

reúne 20 obras, 15 das quais perten-centes ao acervo da Unicamp. As de-mais são das coleções particularesde Francisco Biojone e de ThomazPerina, remanescentes do grupo deonze artistas que, na segunda meta-de da década de 1950, mudou o pa-norama das artes plásticas de Cam-pinas, alcançando projeção nacional.Além de Perina e Biojone, integra-vam o Vanguarda os seguintes artis-tas: Maria Helena Motta Paes,Bernardo Caro, Enéas Dedecca, Ge-raldo Jürgensen, Raul Porto, MárioBueno, Geraldo de Souza, FrancoSacchi e Edoardo Belgrado. O poe-ta Alberto Amêndola Heinzl e oensaísta José Armando Pereira daSilva se juntaram ao grupo. A expo-sição, cuja curadoria é dos professo-res Geraldo Porto e Marco do Valle,vai até o dia 28 de agosto.

Um manifesto, publicado em ju-nho de 1958 no jornal do Centro deCiências, Letras e Artes, é tido comoo marco inicial do movimento. Foracom os burgomestres falantes &vazios/ fora com os fritadores debolinhos, pregavam os artistas en-tre citações de Erza Pound (artistsare the antennas of the race) epalavras de ordem contra o estabe-lecido (cumpre livrar a arte do mis-ticismo inoculado pelos meda-lhões). No dia 29 do mesmo mês, aII Exposição de Arte Contemporâ-nea de Campinas, realizada no tér-reo do Edifício Catedral, selaria devez a ruptura com os acadêmicos.

Esse movimento, contudo, já vi-nha se delineando na órbita deThomaz Perina – tido como aglu-tinador do grupo – desde o início dadécada de 50. Se havia alguma dúvi-da quanto ao rumo a ser seguido, a IBienal de São Paulo, em 1951, tra-tou de dissipá-la. Ademais, engros-savam o contorno do círculo que seformava dois italianos – Sacchi eBelgrado –, um arquiteto recém-for-mado no Rio – Jürgensen – e o em-presário Raul Porto, cujas relaçõescom os concretistas paulistanos eramintensas. Não por acaso, os poetasDécio Pignatari, Haroldo de Cam-pos e Ronaldo Azevedo visitaramexposição promovida pelos cam-pineiros em novembro de 1958 nosaguão do teatro Carlos Gomes.Antes disso, o próprio Pignatari e osartistas Waldemar Cordeiro eFiaminghi trocavam impressões comos integrantes do Vanguarda.

Esse intercâmbio com os pau-listanos viabilizou em 1959 a exposi-ção Artistas de Campinas, realiza-da na Galeria de Artes das Folhas,em São Paulo. A difusão das obrasdos artistas na capital logo desperta-

ria o reconhecimento dos críticos. Aolongo dos anos subseqüentes, nomescomo Mário Schemberg, GeraldoFerraz e Olney Krüse, entre outros,elogiariam a produção dos cam-pineiros. (A.K.)

Marco do Valle

A Unicamp comemora com estaexposição os 50 anos do GrupoVanguarda (1958-1966). Trata-se de umahomenagem bem modesta, perto dacontribuição que este valoroso grupode artistas deu pela introdução da artecontemporânea na cidade deCampinas.

Vanguarda não era apenas umareferência aos movimentos modernos,mas dizia também respeito à própriaimplantação da arte contemporânea emum novo terreno após a bombaatômica e a Segunda Guerra. Osartistas foram fiéis aos princípios quenorteavam seus trabalhos até asúltimas atividades do grupo, quecoincidiram com a criação em 1966 doMuseu de Arte Contemporânea deCampinas, do qual foram mentores.Eles sabiam que o nome “Vanguarda”não fazia mais sentido para os teóricosda arte. As questões pós-modernas jáhaviam sido levantadas por RobertVenturi.

Fizeram de tudo em artecontemporânea. Foram educadores,fundaram o Instituto de Artes e aGaleria de Arte da Unicamp – como foio caso de Bernardo Caro –, abriramnovos espaços, como o Centro deConvivência, com Francisco Biojone, eapoiaram jovens artistas. Eu aprendimuito com alguns de seus integrantes,inclusive com o grande líder do grupo,Thomaz Perina, que, com toda suamodéstia, era amigo de todos – desdeos tempos em que saía para pintar comMário Bueno pela Vila Industrial.

Falta agora a cidade de Campinasfazer uma homenagem digna aosartistas responsáveis pelo primeiromuseu de arte da cidade. O grupo, cujamaior marca era heterogeneidade –abrigava do ferroviário ao arquiteto –,precisa ter o devido reconhecimento.

Devemos aqui lembrar da filosofiade Schiller, que preconizava aeducação pela arte. Este foi,certamente, um dos legados doVanguarda. E ele não pode seresquecido.

Uma modestahomenagem

Marco do Valle é escultor, professor doInstituto de Artes e diretor da Galeria deArte da Unicamp

Obra deRaul Portocedida porFrancisco

Biojone paraa exposição

Obra de Bernardo Caro

Abaixo, naseqüência,telas de ThomazPerina, FranciscoBiojone e MárioBueno

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Fotos: Reprodução