fórum fiscal dos estados brasileiros – ffeb programa de estudos 2011

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FÓRUM FISCAL DOS ESTADOS BRASILEIROS FFEB PROGRAMA DE ESTUDOS 2011

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  • FRUM FISCAL DOS ESTADOS

    BRASILEIROS FFEB

    PROGRAMA DE ESTUDOS 2011

  • FRUM FISCAL DOS ESTADOS

    BRASILEIROS FFEB

    PROGRAMA DE ESTUDOS 2011

  • Escola de Administrao Fazendria EsafAlexandre Ribeiro MottaDiretor-Geral

    Lucola Maurcio de ArrudaDiretora de Educao

    Ftima GuerreiroAuditora Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado da BahiaFrum Fiscal dos Estados Brasileiros

    RevisorasYana PalankofRejane de Meneses

    DiagramaoHeonir Soares Valentim

  • FRUM FISCAL DOS ESTADOS

    BRASILEIROS FFEB

    PROGRAMA DE ESTUDOS 2011

    Escola de Administrao Fazendria Esaf

    Braslia-DF, 2012

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Forum Fiscal dos Estados Brasileiros FFEB : programa de estudos Braslia: Esaf, 2012.

    736 p. : il. color ; 23 cm.

    ISBN 978-85-7202-053-4

    1. Poltica Fiscal 2. Finanas Pblicas 3. Tributao I. Escola de Administrao Fazendria

    CDD 336.3

    Permitida a reproduo parcial ou total desta obra desde que citada a fonte.O contedo e as opinies desta obra, so de responsabilidade exclusiva de seus autores e no expressam, necessariamente, a opinio da Escola de Administrao Fazendria Esaf.

    ESCOLA DE ADMINISTRAO FAZENDRIAEstrada para Una, km 4, BR 251Braslia-DFCEP 71686-900Stio: www.esaf.fazenda.gov.br

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    SUMRIO GERAL

    PREFCIO, 7

    APRESENTAO, 9

    NCLEO 1 REFORMA TRIBUTRIA Coordenador/orientador: Marco Aurlio Valado

    01. APRIMORAMENTO DA TRIBUTAO DO CONSUMO: UMA PROPOSTA DE APRIMORAMENTO DO ICMS, 11

    02. GUERRA FISCAL EM OPERAES INTERESTADUAIS COM BENS E MERCADORIAS IMPORTADAS ANLISE E PROPOSTAS DE SOLUO, 111

    NCLEO 2 ANLISE DO DESEMPENHO DAS RECEITAS ESTADUAIS E TRANSFERNCIAS INTERGOVERNAMENTAIS Coordenador/orientador: Nelson Leito Paes

    01. ANLISE DO DESEMPENHO DAS RECEITAS: CONJUNTURA INTERNACIONAL E ESTUDO DE CASO DO DF, 291

    02. TRANSFERNCIAS INTERGOVERNAMENTAIS: FUNDO DE PARTICIPAO DOS ESTADOS FPE, 399

    NCLEO 3 CONTABILIDADE APLICADA AO SETOR PBLICO Coordenador/orientador: Heriberto Henrique Vilela do Nascimento

    01. PROCEDIMENTOS CONTBEIS RELATIVOS AOS IMPOSTOS ESTADUAIS EM CONVERGNCIA S NORMAS INTERNACIONAIS DE CONTABILIDADE DO SETOR PBLICO, 509

    NCLEO 4 SISTEMAS DE PREVIDNCIA Coordenador/orientador: Marcelo Abi-Ramia Caetano

    01. A IMPORTNCIA DA ENTIDADE GESTORA NICA NOS REGIMES PRPRIOS DE PREVIDNCIA SOCIAL: O CASO DOS ESTADOS MEMBROS DA FEDERAO, 587

    02. ALTERNATIVAS PARA CAPITALIZAO DOS REGIMES PRPRIOS DE PREVIDNCIA SOCIAL: UM ESTUDO DE CASO PARA O RIO GRANDE DO SUL, 627

    03. GUIA DE IMPLEMENTAO SOBRE O TRATAMENTO CONTBIL DO ATIVO IMOBILIZADO FACE DOS PADRES INTERNACIONAIS: UM ESTUDO DE CASO NOS REGIMES PRPRIOS DE PREVIDNCIA SOCIAL, 695

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    PREFCIO

    O Frum Fiscal dos Estados Brasileiros (FFEB) foi criado por convnio firmado entre nove estados em setembro de 2004 e concebido para funcionar como um am-biente propcio ao debate construtivo sobre federalismo fiscal. A ideia, originada da proposta para um programa de estudos fiscais com a FGV apresentada dois anos antes por Fernando Rezende, assumiu identidade prpria, inspirada em experincias inter-nacionais que apontam a importncia do papel desempenhado por instncias formais e informais voltadas para a apreciao das questes federativas. Foi tambm impul-sionada pela necessidade de equilibrar o confronto em torno de interesses regionais e locais, repartio do ICMS entre origem e destino e competio fiscal e investir nos pontos de convergncia.

    Neste contexto, o Programa de Estudos do FFEB, iniciado em 2005 com o prop-sito de sistematizar a experincia e o conhecimento estaduais na rea do federalismo fiscal, passou a representar a ao mais significativa do Frum dos Estados. At 2009, foi carreado pela FGV. A partir de 2010, quando foi acolhido pela Esaf, o FFEB recebeu a adeso dos 26 estados e do Distrito Federal. Por sua vez, o Programa foi ampliado para abranger mais reas de interesse dos estados e passou a ser custeado pela Esaf. Somente a indicao e o deslocamento dos servidores participantes continuaram sob a responsa-bilidade dos estados. Com o apoio do Ministrio da Fazenda, a Esaf, fazendo jus tradi-o de excelncia, tem aberto as portas aos estados sem impor condies nem restries ao objetivo maior de produzir conhecimento num espao de integrao federativa.

    Desde que foi criado, o Programa assumiu uma natureza hbrida, ou seja, tran-sita entre a teoria e a prtica. Nasce da demanda concreta dos estados em busca de alternativas para solucionar questes que se apresentam, respalda-se em fundamentos tericos em busca dessas solues e retorna ao pragmatismo quando prope os ca-minhos possveis. Nas palavras de um ex-secretrio estadual de Fazenda, os estudos devem ser feitos para sair da prateleira. Ao mesmo tempo, se pretendem ser consisten-tes, precisam manter alguma distncia do puramente circunstancial em benefcio da anlise abrangente, sem prejuzo da legitimidade de eventual tomada de posio pelos autores. este espao que o Programa tem procurado suprir.

    Poder publicar os estudos elaborados no mbito do Programa Esaf-FFEB repre-senta uma imensa satisfao. A partir de 2010, novos participantes foram indicados e se

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    fizeram autores. O Programa passou por ajustes, o nmero de temas contemplados foi ampliado, e o saldo, ainda assim, mais do que positivo. verdade que h trabalhos mais consistentes e outros mais fragmentados. Porm, todos os que contriburam me-recem cumprimentos pelos resultados alcanados, especialmente os orientadores, a Di-retoria de Educao da Esaf e os servidores estaduais participantes, de fato os autores, cujo entusiasmo, como eu j havia mencionado, se deve, principalmente, ao interesse pelo conhecimento e ao ideal de justia federativa.

    Ftima Guerreiro Auditora Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia

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    APRESENTAO

    A Escola de Administrao Fazendria (Esaf) tem grande satisfao de apresentar sociedade a publicao dos trabalhos resultantes do Programa de Estudos Esaf Frum Fiscal dos Estados Brasileiros, que tem como objetivo promover, realizar e divulgar estudos sobre temas ligados s finanas pblicas e que sejam relevantes para o fortalecimento das relaes federativas no Brasil.

    Em 2011 foram quatro ncleos de estudo: o primeiro, Reforma Tributria, com orientao de Marcos Aurlio Pereira Valado, resultou em dois trabalhos: Aprimo-ramento da tributao do consumo: uma proposta de aprimoramento do ICMS, que perpassa um dos principais temas da reforma tributria o aprimoramento da tributa-o do consumo no mbito do ICMS. O segundo trabalho, Guerra fiscal em operaes interestaduais com bens e mercadorias importadas anlise e propostas de soluo, trata da denominada guerra fiscal, que vem prejudicando as finanas estaduais e, consequentemente, o ajuste fiscal, bem como a proviso pblica de bens e servios, muitos deles importantes insumos do processo de produo.

    No segundo ncleo Anlise do Desempenho das Receitas Estaduais e Transfe-rncias Governamentais, com orientao de Nelson Leito Paes, foram desenvolvidos dois trabalhos: o primeiro, Anlise do desempenho das receitas: conjuntura interna-cional e estudo de caso do DF, trata da anlise do desempenho da receita sob duas ticas bastante distintas o enfoque internacional, relacionando a conjuntura exterior com seus possveis impactos econmicos sobre os estados brasileiros, e o enfoque da questo do hiato (ou gap) tributrio, sugerindo uma metodologia para sua estimao calcada em uso intensivo de bases de dados externas s dos sistemas oficiais das Se-cretarias de Fazenda. O segundo trabalho, Transferncias intergovernamentais: Fundo de Participao dos Estados FPE, procura avanar no estudo de uma nova formulao para a distribuio do FPE a partir de 2013.

    No ncleo de Contabilidade Aplicada ao Setor Pblico, o terceiro, orientado por Heriberto Henrique Vilela do Nascimento, foi apresentado o trabalho sobre Procedi-mentos contbeis relativos aos impostos estaduais em convergncia s normas interna-cionais de contabilidade do setor pblico, no qual foram delineados os procedimentos de integrao contbil com o sistema de contas a receber nos Fiscos Estaduais, para possibilitar a contabilizao dos impostos estaduais pelo regime de competncia e avanar na transparncia requerida pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

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    No quarto ncleo Sistemas de Previdncia , orientado por Marcelo Abi-Ra-mia Caetano, foram elaborados trs trabalhos. O primeiro, A importncia da entidade gestora nica nos regimes prprios de previdncia social: o caso dos estados membros da Federao, analisa as experincias dos estados membros da Federao na criao, na implantao e no funcionamento das entidades previdencirias dos seus regimes prprios de previdncia social (RPPS). O segundo trabalho, Alternativas para capitali-zao dos regimes prprios de previdncia social: um estudo de caso para o Rio Grande do Sul, teve como finalidade, alm de evidenciar a situao dos RPPS dos estados bra-sileiros, apresentar e discutir alternativas de capitalizao realizando uma simulao para o caso do RPPS do Rio Grande do Sul. O terceiro trabalho, Guia de implementao sobre o tratamento contbil do ativo imobilizado em face dos padres internacionais: um estudo de caso nos regimes prprios de previdncia social, tem como escopo ela-borar um guia de implementao para o tratamento contbil do ativo imobilizado dos RPPS ante os padres internacionais.

    Os trabalhos aqui apresentados do Programa de Estudos Esaf-FFEB 2011 de-monstram a importncia e a pertinncia deste programa, que se pauta na teoria para identificar solues de questes relevantes para os estados, tendo ainda como resul-tante o desenvolvimento das competncias dos servidores envolvidos e o compartilha-mento do conhecimento para todos os entes federativos.

    Alexandre Ribeiro MottaDiretor-Geral da Esaf

  • APRIMORAMENTO DA TRIBUTAO DO CONSUMO: UMA PROPOSTA DE APRIMORAMENTO DO ICMS

    Programa de estudos 2011

    FRUM FISCAL DOS ESTADOS BRASILEIROS FFEB

    NCLEO 1

    Escola de Administrao Fazendria Esaf

    Jos Ronaldo Carlos de Almeida Mendona Secretaria de Estado de Fazenda/AL

    Coordenador do Subgrupo

    Carlos BrandoSecretaria de Estado de Fazenda/RO

    Marco Antonio Lima Lincoln Secretaria de Estado de Fazenda/DF

    Maria Terezinha de Moura Secretaria de Estado de Fazenda/DF

    Rubens Bezerra Soares Secretaria de Estado de Fazenda/BA

    Coordenador/Orientador: Marcos Aurlio Pereira ValadoAuditor Fiscal da Receita Federal do Brasil Doutor em Direito Southern Methodist University/[email protected]

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    RESUMO

    A pesquisa verificou um dos principais temas da reforma tributria o aprimoramento da tributao do consumo no mbito do ICMS. Para atingir os objetivos previamente identifica-dos sero verificados, alm do aspecto geral para embasar os argumentos a serem apresentados, os principais aspectos especficos que apresentam problemas em relao cumulatividade do ICMS e a problemas de implementao, creditamento e arrecadao: 1) prestao de servios de transportes interestadual e intermunicipal; 2) prestao de servios de comunicao; 3) in-cidncia sobre energia eltrica; 4) prestao de servios de transportes; 5) ICMS nas operaes de exportao; 6) o princpio da no cumulatividade e o problema dos crditos do ICMS; 7) creditamento dos bens do ativo imobilizado e dos bens de uso e consumo; 8) ICMS e comrcio eletrnico; 9) o princpio do destino na alocao da receita e sua repercusso tributria e econ-mica. Considerando os aspectos relativos sua efetiva viabilidade de implementao, diversas solues, para cada problema identificado, foram apresentadas. Com relao cumulatividade decorrente de no creditamento de bens de uso e consumo, ativo imobilizado, energia eltrica e servios de comunicao, a soluo mais simples aponta no sentido do aumento de alquota, de forma que seja mantida a mesma arrecadao, mesmo se admitindo o aproveitamento de todos os crditos mencionados, sendo uma aproximao razovel um aumento geral de alquota da ordem de 3,5%. Outra alternativa a transformao do ICMS em um IVA mais puro, com ampliao de bases hoje no cobertas pelo imposto, de forma que a admisso desses crditos no tivesse como contrapartida aumento de alquota do ICMS.

    No caso dos crditos acumulados na exportao, diversas solues foram propostas (securitizao, pagamento de fornecedores com desgio, etc.) e apontam para a necessidade de dar liquidez a esses crditos, ficando claro que o avano da NF-e e do Sped contbil e fiscal ir facilitar a implementao dessas solues, especialmente pela facilidade que poder se ter no futuro para atribuir a responsabilidade pela devoluo do crdito ao estado onde foi gerado.

    No caso das operaes pela internet, a concluso que a nica soluo administra-tivamente recomendvel e, sob o ponto de vista jurdico, constitucionalmente vivel para a questo a aprovao de uma emenda Constituio que altere o sistema tributrio nacional para determinar a partilha do ICMS entre os estados de origem e destino nas operaes com consumidor final via internet, reconfigurando tais operaes e distinguindo-as das operaes de aquisio com presena fsica efetiva do consumidor final. No que diz respeito mudana para a tributao no estado de consumo, uma soluo apenas parcial, mas vivel neste momento, seria promover, a alterao da Resoluo n. 22, de 19 de maio de 1989, relativamente adoo de novas alquotas interestaduais, reduzindo todas as alquotas interestaduais a 4%. Outra soluo, mais complexa e mais difcil de ser implementada, porm mais eficiente, mas que depende de emenda constitucional, seria a reduo a 2% da alquota do ICMS para o estado de origem, mas com tributao total na origem pela aplicao da alquota correspondente ao consumo interno do estado destinatrio a ser recolhido pelo estado remetente, equalizando as diferenas por meio de uma cmara de compensao.

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    ABSTRACT

    The research addressed a major theme of tax reform in Brazil which is the improvement of consumption taxation under the ICMS.

    The main aspects that present specific problems in relation to cumulative ICMS, and problems related to crediting and revenue collection are: 1) transportation services, 2) commu-nication services, 3) electricity services, 4) ICMS on exports; 5) the non-cumulative principle and the problem of credits of ICMS; 6) crediting of fixed assets, 7) crediting of goods for use and consumption; 8) ICMS and electronic commerce; 9) the destination principle and its impact on allocation of tax revenue among States.

    Considering all the aspects, and the feasibility of implementation, several solutions for each problem are identified. Regarding the cumulative result of not crediting for the use and consumption of goods, property, electricity, and communication services, the simplest solution points towards higher a tax rate, but keeping the same revenue, even assuming the use all aforementioned tax credits. For this purpose, a general increase in the ICMS rate of 3.5% is reasonable approximation. Another alternative is the transformation of the ICMS tax on a more pure value added tax (VAT), by broadening the tax base, so that the admission of such cre-dits would not have demand an increase in the tax rate, in order to keep the same revenue level.

    In the case of accumulation of tax credits derived from exports, various solutions have been proposed (securitization, payments to suppliers at a discount, etc.), being clear the need to provide liquidity to these claims. It is assumed that the advance of the NF-e and accounting and tax SPED will facilitate the implementation of these solutions. It is because these techno-logies will make easier in the future to assign responsibility for tax refunding to those States where the tax credits were generated.

    For transactions over the internet, the conclusion is that the only administratively feasi-ble and recommended solution, and also constitutionally viable, is the approval of an Amend-ment to the Constitution to amend the National Tax System to modify of the division of the ICMS revenue between States of origin and of destination in internet operations. It can be made by reconfiguring such operations, and by distinguishing them from transactions with actual physical presence of the consumer.

    Regarding the change to destination principle, only a partial solution, but feasible at present moment, would be to promote the amendment of Senate Resolution No. 22, dated May 19, 1989, by reducing all interstate rates to four percent. Another solution, much more difficult to put into practice, although more efficient, which also demands a Constitutional Amendment, would be achieved by reducing the interstate tax to two percent for the State of origin, but with full taxation at source by applying the tax rate corresponding to domestic consumption of the destination State, to be collected by the State of origin, being the differences to be equalized through a clearinghouse.

    Keywords: State Goods and Service Tax (ICMS). Non-cumulative tax. ICMS credits: goods and services, fixed assets, goods for use and consumption, electricity, transportation and communication services. ICMS on exports: credit accumulation. ICMS and elec-tronic commerce. Destiny principle for ICMS and State revenue allocation.

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    SUMRIO

    1 INTRODUO, 19

    2 O ICMS, 21

    2.1 Aspectos gerais, 21

    2.2 mbito de incidncia do ICMS, 21

    2.3 Caractersticas do ICMS, 22

    2.3.1 Operaes relativas circulao de mercadorias, 23

    2.3.2 Prestao de servio de transporte interestadual ou intermunicipal, 25

    2.3.3 Prestao de servio de comunicao, 25

    2.3.4 Entrada de mercadoria importada do exterior, ainda que para uso ou

    ativo fixo do estabelecimento, 27

    2.3.5 Fornecimento de mercadorias com servios no compreendidos na com-

    petncia tributria dos municpios, ou, se compreendidos, com expressa

    indicao de incidncia do ICMS em lei complementar relativa merca-

    doria, 27

    2.3.6 Servio prestado no exterior ou cuja prestao se tenha iniciado no exterior, 28

    3 A NO CUMULATIVIDADE E O PROBLEMA DO CRDITO DO ICMS, 28

    3.1 Introduo, 28

    3.2 Mercadorias e servios a regra geral, 32

    3.2.1 Regimes de crdito fsico e de crdito financeiro, 33

    3.2.2 Consideraes relativas sua aplicabilidade, 34

    3.2.3 Iseno e no incidncia, 40

    3.2.4 A expresso montante cobrado nas anteriores, 41

    3.2.5 O cotejamento com as Constituies de 1967 e 1969, 45

    3.2.6 O regramento por lei complementar, 46

    3.3 Bens do ativo imobilizado, 49

    3.3.1 Natureza jurdica do crdito decorrente da aquisio de bens do ativo

    permanente, 49

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    3.3.2 A disciplina da Lei Complementar n. 87/1996, 51

    3.3.3 Os limites e a forma de creditamento dos bens do ativo, 54

    3.4 Bens de uso e consumo, 57

    3.4.1 O direito ao crdito de bens de uso e consumo no tempo, 57

    3.4.2 O que so bens de uso e consumo, 58

    3.5 Energia eltrica, 61

    3.6 Prestao de servios de transportes, 65

    3.6.1 Iseno nas operaes intermunicipais, 68

    3.6.2 Os crditos fiscais para as empresas de transporte, 69

    3.7 Prestao de servio de comunicao, 69

    3.8 ICMS na exportao acmulo de crditos, 71

    3.8.1 A Lei Complementar n. 87/1996 e os crditos das mercadorias exportadas, 73

    3.9 Resumo comparativo entre os diversos nveis de cumulatividade, 76

    3.10 Solues propostas, 79

    3.10.1 Cumulatividade decorrente de no creditamento de bens de uso e consu-

    mo, ativo imobilizado, energia eltrica e servios de comunicao, 79

    3.10.2 79Crditos acumulados na exportao, 79

    4 O ICMS E O COMRCIO ELETRNICO, 82

    4.1 Previso na Constituio de 1988, 84

    4.2 Previso na Lei Complementar n. 87/1996, 85

    4.3 Aplicao pelos estados, 86

    4.4 O efeito da concentrao de receita nos estados produtores, 87

    4.5 A quebra do princpio da distribuio da receita, 87

    4.6 Solues correntes Protocolo ICMS 21/2011, de 1 de abril de 2011, 88

    4.6.1 Problemas apresentados, 89

    4.7 Solues propostas, 90

    5 PRINCPIO DO DESTINO NA ALOCAO DA RECEITA E SUA REPERCUSSO

    TRIBUTRIA E ECONMICA, 91

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    5.1 O modelo brasileiro, 93

    5.2 O controle nas divisas interestaduais, 94

    5.3 Saldo do ICMS nas operaes interestaduais, 95

    5.4 Solues propostas, 99

    REFERNCIAS, 99

    ANEXO 1, 103

    ANEXO 2, 108

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1. Estimativa para 2010 dos crditos por entradas de bens de uso e consumo

    prprio, energia eltrica, servios de comunicao e ativo permanente

    (valores em R$), 77

    Tabela 2. Estimativa para 2010 dos crditos dos ICMS de exportadores (valores em

    R$), 78

    Tabela 3. Exemplificativa, 80

    Tabela 4. Perdas de receita do ICMS em funo do comrcio eletrnico, 87

    Tabela 5. ICMS interestadual. Saldo do imposto nas operaes interestaduais em

    2005 e 2010 (estimativa). Valores em R$ mil (valores negativos indicam

    saldo credor), 96

    Tabela 6. ICMS interestadual. Variao do saldo do imposto nas operaes

    interestaduais em 2005 e 2010 (estimativa). Decorrentes da reduo

    das alquotas interestaduais de 12% e 7% para 2%. Valores em R$ mil

    (valores negativos indicam saldo credor), 98

    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1. Vendas, 83

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1. Mandado de segurana, 103

    Quadro 2. Consulta fiscal, 105

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    REFORMA TRIBUTRIA NCLEO 11 INTRODUO

    A este grupo coube a tarefa de estudar o tema da reforma tributria, tema este que perpassa por diversos eixos, envolvendo a tributao das esferas federal, estadual e municipal. A reforma tributria pode ser vista como uma reforma estrutural, como a da Emenda 18, de 1965, e pode ser considerada relativamente a tpicos especficos. Nas discusses do grupo concluiu-se que no h espao para se pensar temas muito amplos, de natureza estrutural em relao a todo o sistema tributrio. Assim, a opo, considerando-se que se trata do Frum dos Estados, foi analisar a tributao do consu-mo a cargo dos estados, que justamente o ICMS, o principal imposto da Federao.

    Em um contexto especfico, na perspectiva de que uma reforma tributria no ir extinguir o ICMS e que, pelo menos, esta possibilidade no existe no curto ou no mdio prazo, optou-se por trabalhar aspectos especficos da tributao do ICMS visan-do ao aperfeioamento de sua atual sistemtica, analisando seus aspectos mais preju-diciais do ponto de vista da eficincia econmica e estudando solues.

    Assim, o Subgrupo 11 concentra-se em aspectos relativos tributao do con-sumo, com foco no ICMS (principal tributo dos estados), cuja administrao encontra diversos problemas de ordem prtica. Para tanto, procurar-se- evitar repetir pesquisas e trabalhos j existentes, no intuito de colaborar com propostas de soluo dos proble-mas apontados.

    Durante as pesquisas, surgiu a ideia de verificar quais os principais temas que afetam as administraes tributrias estaduais em relao ao ICMS (considerando-se aes judiciais em procedimento de mandado de segurana e consultas fiscais). Dez estados responderam, conforme se pode verificar no Anexo 1. Dentre as cinco questes mais recorrentes, observa-se que uma est pacificada pelos tribunais e diz respeito base de clculo do ICMS (demanda contratada de energia eltrica), outras remetem o problema questo da no cumulatividade do imposto, tratada neste trabalho, que tambm analisar a questo afeita ao comrcio via internet, tambm mencionada na pesquisa, o que mostra o acerto na escolha dos temas que afetam o ICMS, devendo ser estudados para seu aperfeioamento.

    1 O outro subgrupo tratar do tema guerra fiscal.

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    Dentre as matrias citadas na pesquisa, deixa-se de tratar neste trabalho do efeito da substituio tributria e do Simples Nacional na no cumulatividade, temas tambm frequentes nos estados, mas que podem ser objeto de estudos futuros (inclu-sive o caso da demanda contratada, mencionado antes).

    Para atingir os objetivos previamente identificados pelo grupo no I Encontro do Frum Fiscal em 2011, sero verificados, alm do aspecto geral para embasar os argumen-tos a serem apresentados, os seguintes aspectos especficos que apresentam problemas em relao cumulatividade do ICMS e a problemas de implementao, creditamento e arrecadao: 1) prestao de servios de transportes interestadual e intermunicipal; 2) prestao de servios de comunicao; 3) incidncia sobre energia eltrica; 4) prestao de servios de transportes; 5) ICMS nas operaes de exportao; 6) o princpio da no cumulatividade e o problema dos crditos do ICMS; 7) creditamento dos bens do ativo imobilizado e dos bens de uso e consumo; 8) ICMS e comrcio eletrnico; 9) o princpio do destino na alocao da receita e sua repercusso tributria e econmica. Outros diver-sos aspectos podero (devero) ser abordados em estudos futuros.

    So objetivos deste trabalho: 1) elaborar um diagnstico do quantitativo de cr-ditos acumulados no mbito do ICMS, identificando suas causas e sugerindo ajustes necessrios a sua utilizao, quando necessrios, relativamente s operaes com bens do ativo imobilizado, energia eltrica, exportao, alm de prestaes de servios de transporte e comunicao; 2) analisar o impacto no desenvolvimento das atividades econmicas da vedao apropriao do crdito relativo aquisio de bens de uso ou consumo; 3) elaborar diagnstico do volume de operaes relativas ao comrcio eletrnico interestadual e seu impacto na arrecadao dos estados exportadores e im-portadores; 4) elaborar estudo relativo adoo do princpio de destino nas operaes e nas prestaes sujeitas ao ICMS e o impacto de sua adoo com alquota de 2% e alquota zero.

    Nesse sentido, no captulo 2 sero analisados os aspectos especficos do ICMS que serviro de suporte para a discusso nos captulos seguintes. No captulo 3 cui-dar-se- da questo da no cumulatividade e das questes relativas acumulao de crdito do ICMS. No captulo 4 ser verificado um problema que vem se agravando cada vez mais: o tratamento do comrcio eletrnico no mbito do ICMS. No captulo 5 ser estudada a repercusso econmica e tributria da mudana para o princpio do destino no ICMS e ser abordado seu impacto na alocao da receita.

    Em vez de um captulo final com as proposies, para manter a organicidade op-tou-se por colocar as solues indicadas ao final da anlise de cada aspecto estudado.

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    2 O ICMS

    2.1 Aspectos gerais

    O Imposto sobre Operaes Relativas Circulao de Mercadorias e sobre Pres-taes de Servios de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicao (ICMS) vige desde 01/03/1989, com a entrada em vigor do novo sistema tributrio nacional, advindo com a Constituio Federal de 1988.

    O ICMS consiste numa ampliao do antigo Imposto sobre Operaes Relativas Circulao de Mercadorias (ICM) com a agregao dos antigos impostos federais sobre energia eltrica, minerais, combustveis e lubrificantes lquidos e gasosos, alm dos extintos tributos federais sobre servios de transporte e de comunicao.

    O ICMS teve sua vigncia inicial sob o regramento provisrio do Convnio ICMS 66, de 16 de dezembro de 1988, por autorizativo do 8 do art. 34 do Ato das Disposies Constitucionais e Transitrias da Constituio Federal de 1988, para atendimento ao art. 146 da referida Constituio, que visava a viabilizar a instituio do ICMS pelos estados.

    Nos termos do art. 146, III, a, da vigente Constituio Federal, cabe lei com-plementar estabelecer normas gerais em matria de legislao tributria, especialmen-te sobre definio de tributos e de suas espcies, bem como em relao aos impostos discriminados na Constituio, seus respectivos fatos geradores, bases de clculos e contribuintes.

    Com base no Convnio ICMS 66/1988, em virtude da no edio da lei com-plementar a que se refere o art. 146 da CF/1988, que os estados passaram a legislar sobre ICMS em seus respectivos territrios.

    Em setembro de 1996 foi editada a Lei Complementar 87/1996, que finalmente regulou a matria, revogando o Convnio ICMS 66/1988 e estabelecendo normas a serem observadas por todos os estados no que pertine ao ICMS.

    2.2 mbito de incidncia do ICMS

    Para efeitos deste estudo, importa lembrar que nos termos do art. 155, II, e seu 2, da CF/1988, e da Lei Complementar 87/1996 o ICMS tem o seguinte campo de incidncia:

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    a) operaes relativas circulao de mercadorias;

    b) prestaes de servios de transporte interestadual e intermunicipal, ainda que iniciadas no exterior;

    c) prestaes onerosas de servios de comunicao, ainda que iniciadas no exterior;

    d) entrada de bem ou mercadoria importada do exterior, por pessoa fsica ou jurdica, contribuinte ou no do ICMS, qualquer que seja sua finalidade (ainda que para uso ou ativo fixo do estabelecimento);

    e) fornecimento de mercadorias com servios no compreendidos na compe-tncia tributria dos municpios, ou, se compreendidos, com expressa indi-cao de incidncia do ICMS em lei complementar relativa mercadoria.

    A par disso, necessrio ao nosso estudo fazer exposies bsicas relativas ao ICMS, sempre trilhando o entendimento das Fazendas Pblicas Estaduais a respeito da matria e deixando de lado o posicionamento meramente doutrinrio.

    Registre-se que Carraza (2005, p. 34-35) admite que a sigla ICMS alberga pelo menos cinco impostos diferentes, a saber: a) imposto sobre operaes mercantis (ope-raes relativas circulao de mercadorias), que, de algum modo, compreende o que nasce da entrada de mercadorias importadas do exterior; b) imposto sobre servios de transporte interestadual e intermunicipal; c) imposto sobre servios de comunicao; d) imposto sobre produo, importao, circulao, distribuio ou consumo de lu-brificantes e combustveis lquidos e gasosos e de energia eltrica; e e) imposto sobre extrao, circulao, distribuio ou consumo de minerais. Diz-se diferentes porque esses tributos tm hipteses de incidncia e bases de clculo diferentes. H, pois, pelo menos cinco ncleos distintos de incidncia do ICMS.

    No entanto, h tambm o entendimento de que o ICMS seria um IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) imperfeito, ou parcial. Ou seja, sem base de incidncia ampla (exclui servios em geral) e com vinculao ao crdito fsico. Esse entendimento, que parece ser o mais correto, tende a simplificar a soluo dos problemas decorrentes da cobrana do imposto.

    2.3 Caractersticas do ICMS

    O ICMS um imposto:

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    a) no cumulativo: compensa o que for devido em cada operao com o mon-tante cobrado na operao anterior;

    b) plurifsico: incide em cada fase de circulao da mercadoria, desde a produ-o at o consumo;

    c) indireto: o nus do imposto repassado para o consumidor da mercadoria ou para o tomador do servio.

    Considerando o ICMS, Souza e Mendona (2002, p. 6) admitem que a regra ma-triz de incidncia tributria do ICMS pode ser assim discriminada: se algum realizar a venda de mercadorias (critrio material) dentro dos limites geogrficos do estado (critrio espacial), reputando-se acontecido o fato naquele instante em que a merca-doria deixou o estabelecimento (critrio temporal), ento aquele que realizou a ope-rao (sujeito passivo) deve pagar ao estado (sujeito ativo) uma determinada quantia composta pela multiplicao do valor da operao pela alquota (critrio quantitativo).

    2.3.1 Operaes relativas circulao de mercadorias

    O termo operaes foi usado para no vincular a circulao de mercadorias a qualquer dos contratos ou negcios jurdicos, como no antigo IVC (Imposto sobre Vendas e Consignaes), que tinha como base de incidncia os negcios jurdicos de venda e de consignao.

    O IVC foi substitudo, por intermdio da EC 18/1965, pelo ICM (Imposto sobre Circulao de Mercadorias), que, por sua vez, com o advento da CF/1988 foi substi-tudo pelo ICMS.

    No ICMS, operaes relativas circulao de mercadorias so quaisquer atos ou negcios, independentemente da natureza jurdica especfica de cada um deles, que implicam circulao de mercadorias. o que expressa o 2 do art. 2 da LC 87/1996 ao dispor que a caracterizao do fato gerador independe da natureza jurdica da operao ou prestao que o constitua ou do ttulo jurdico pelo qual a mercadoria efetivamente sada do estabelecimento estava na posse do respectivo titular. Assim, o termo operao no se restringe a ato ou negcio jurdicos apenas, mas a qualquer ato material que anime a circulao de mercadorias.

    Alvitre-se que a doutrina tem veiculado trs tipos de circulao: a) a circulao fsica, exemplificada como mudana de localizao, quando ocorre a efetiva sada do objeto de incidncia do imposto de um estabelecimento, denominado A, para

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    outro estabelecimento, denominado B; b) a circulao econmica, exemplificada como a passagem de um estgio para outro do processo econmico, quando, ainda que no mesmo estabelecimento, venha a ocorrer a mudana do objeto de incidncia do imposto de um processo produtivo para um processo industrial, mesmo que essa mudana ocorra em reas contnuas do mesmo proprietrio; c) a circulao jurdica, exemplificada como mudana de titularidade do objeto de incidncia do imposto, que deixa de pertencer a determinado contribuinte para pertencer a outro sem que, neces-sariamente, venha a ocorrer sua mudana fsica.

    No contexto da legislao tributria, a expresso circulao pode alcanar os aspectos fsicos, econmicos e jurdicos, como se observa da leitura dos arts. 2 e 12 da LC 87/1996, sendo a regra geral a circulao fsica. Nesses termos, quem determina a feio da referida expresso so a lei complementar (CF/1988, art. 146) e a lei ordi-nria instituidora do tributo.

    Portanto, entende-se por circulao a srie de operaes que impulsionam as mercadorias desde a fonte de produo at o consumo, sendo irrelevante que, em sua marcha, a mercadoria tenha sofrido ou no transferncia de posse ou de propriedade. Para que se configure a circulao basta apenas que a mercadoria saia do estabeleci-mento do contribuinte, ainda que para outro estabelecimento seu, nos termos do art. 12, I, da LC 87/1996.

    Contudo, Melo (2002, p. 13-15) adverte que Geraldo Ataliba e Clber Giardino analisaram o significado do termo operaes, admitindo que, embora o termo possa ser compreendido num sentido econmico, num sentido fsico ou num sentido jurdi-co, para o intrprete do direito s interessa o sentido jurdico. E continua informando que Ataliba ressalta ser a operao e apenas esta o fato tributado pelo ICMS. Logo, a circulao e a mercadoria so consequncias e meros aspectos adjetivos da operao tributada, prestando-se to-s a qualificar dentro do universo possvel das operaes mercantis realizveis aquelas sujeitas ao tributo, ex vi de uma eficaz qualificao legislativa.

    Assim, no qualquer operao realizada que se sujeita ao ICMS, podendo ser tributadas apenas as operaes que digam respeito circulao atinente a uma especial categoria de bens: as mercadorias. Nesse contexto, pode-se admitir que o tex-to constitucional compreende unicamente circulao jurdica, atrelada mercadoria, conceito exclusivo aos lindes do direito mercantil, como espcie do gnero produto, como bem econmico que algum, com o propsito de lucro, produz para vender ou compra para revender.

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    2.3.2 Prestao de servio de transporte interestadual ou intermunicipal

    Prestao de servio consiste na execuo de uma utilidade a algum, portanto prestar servio de transporte executar uma utilidade, ou seja, o servio de transporte, a algum. Trata-se de uma obrigao de fazer.

    O servio de transporte pode ser de pessoas, bens, mercadorias ou valores, sen-do realizado por qualquer meio ou via, a exemplo dos transportes rodovirio, aquavi-rio, ferrovirio, areo, dutovirio, etc.

    O qualificativo interestadual ao transporte quer dizer que seu percurso trans-cende as fronteiras do estado onde foi iniciado. Por sua vez, o qualificativo intermu-nicipal indica que o percurso do transporte vai alm das fronteiras do municpio onde foi iniciado.

    O servio de transporte intramunicipal prestado dentro de um mesmo munic-pio no abrangido pela incidncia do ICMS. Contudo, h incidncia do ICMS ainda que a prestao tenha sido iniciada no exterior.

    Para verificar-se a incidncia preciso saber onde o transporte se inicia e onde se encerra, vale dizer, o trajeto percorrido para a realizao da entrega da coisa ou pessoa que determina se o transporte intramunicipal, intermunicipal, interestadual ou internacional.

    Em 26/11/2001, apreciando a Ao Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 1600-8, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o transporte areo de passageiros inter-municipal, interestadual e internacional, alm do transporte areo internacional de cargas, no se inclui no campo de incidncia do ICMS.

    2.3.3 Prestao de servio de comunicao

    Prestar servio de comunicao executar uma utilidade, o servio de comuni-cao, a algum. Trata-se tambm de uma obrigao de fazer. Segundo Aurlio Buar-que de Holanda, o termo comunicao significa

    ato ou efeito de comunicar-se. Ato ou efeito de emitir, transmitir e receber mensagens

    por meio de mtodo e/ou processos convencionados, quer atravs da linguagem falada

    ou escrita, quer de outros sinais, signos ou smbolos, quer de aparelho tcnico especiali-

    zado, sonoro e/ou visual.

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    Segundo o mesmo autor, o termo pode referir-se tambm engenharia eletrni-ca: Transmisso de informao de um ponto a outro por meio de sinais sem fios ou de ondas eletromagnticas; ou informtica: Transmisso de mensagens entre uma fonte e um destinatrio.

    O conceito legal de comunicao apresenta o seguinte teor: Transferncia unila-teral ou bilateral de informao por meio de sinais convencionados (art. 6 do Decre-to n. 97.057, de 10/11/1988 Regulamento do Cdigo Brasileiro de Telecomunicaes). O conceito tcnico encontra-se no Glossrio de termos de telecomunicaes, do Federal Standard 1037 americano, que diz:

    1) transferncia (ou movimento) de informao entre usurios e processos de acordo

    com convenes preestabelecidas; 2) ramo da tecnologia relacionado representao,

    transferncia, interpretao e ao processamento de dados entre pessoas, lugares e

    mquinas.

    Por sua vez, prestao de servio de comunicao significa: a) fornecer a tercei-ros os meios necessrios para que a comunicao ocorra; b) levar uma mensagem de uma fonte para o destino; c) conjunto de atividades realizadas em benefcio de tercei-ros, mediante remunerao, para que a comunicao ocorra. So espcies de servios de comunicao:

    a) telecomunicao segundo o 1 do art. 60 da Lei Federal n. 9.472/1997, a transmisso, a emisso ou a recepo, por fio, radioeletricidade, meios pticos ou qualquer outro processo eletromagntico, de smbolos, caracte-res, sinais, escritos, imagens, sons ou informaes de qualquer natureza. A lei referida relaciona os tipos de servios de telecomunicaes, dos quais citamos alguns: telefonia fixa ou mvel (celular); radiochamada; radiotxi; radioamador; TV a cabo; radiodifuso de sons e imagens (rdio e televiso); televiso por assinatura, etc.;

    b) servios postais e de telegrama prestados pela Empresa Brasileira de Cor-reios e Telgrafos (ECT);2

    c) comunicao visual refere-se a painis urbanos publicitrios aplicados em veculos e semoventes. Por exemplo: back lights (caixas iluminadas por

    2 Contudo, no REsp n. 407.099/RS, Relator: Ministro Carlos Velloso, DJ de 06/08/2004, o STF firmou enten-dimento no sentido de que a ECT beneficiria da imunidade tributria recproca prevista no art. 150, VI, a, da CF/1988.

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    dentro com anncios nas faces externas); front lights (telas de vinil com ilu-minao frontal); painel trifsico (telas de vinil fatiadas que giram no eixo de um suporte triangular ao mudar imagens); busdoor.3

    2.3.4 Entrada de mercadoria importada do exterior, ainda que para uso ou ativo fixo do estabelecimento

    O ICMS incide tambm sobre a entrada de mercadoria ou bem importado do exterior por pessoa fsica ou jurdica. Vale dizer: se o objeto (coisa, bem, mercadoria) for adquirido para comercializao ou para uso ou consumo, sobre ele incidir o ICMS. Nesse sentido foi editada a Emenda Constitucional 33/2001, que alterou o 2 do art. 155 nesta parte, encerrando uma controvrsia judicial que se havia firmado no sentido de que no haveria incidncia se no houvesse etapa posterior de comercializao.

    2.3.5 Fornecimento de mercadorias com servios no compreendidos na competncia tributria dos municpios, ou, se compreendidos, com expressa indicao de incidncia do ICMS em lei complementar relativa mercadoria

    Trata-se de operaes mistas em que ocorrem simultaneamente o fornecimento de mercadorias e a prestao de servios, que podero se sujeitar incidncia do ICMS ou do ISS, conforme o caso. Nesta hiptese, h de se levar em conta o seguinte:

    a) prestao de servio constante na lista prevista no art. 1 da Lei Comple-mentar n. 116, de 31 de julho de 2003, sem ressalvas, na prpria lista, da incidncia do ICMS no fornecimento de mercadorias: incidncia do ISS;

    b) prestao de servio no constante na lista da LC n. 116/2003, com forneci-mento de mercadorias: incidncia somente do ICMS;

    c) prestao de servio constante na lista da LC n. 116/2003, com fornecimento de mercadorias e ressalva de incidncia do ICMS inserida na prpria lista: incidncia do ICMS e do ISS.

    3 Matria dotada de certa controvrsia, com decises do STJ no sentido de que, sobre os servios de publici-dade e propaganda, incide o ICMS, e no o ISS, a exemplo do REsp n. 114.171/SP, Relator: Ministro Hum-berto Gomes de Barros, DJ de 25/08/1997, e do REsp n. 895.84/SP, Relator: Ministro Demcrito Reinaldo, DJ de 29/10/1996, e AgRg no REsp 737.263/SP, Relator: Ministro Francisco Falco, DJ 26/06/2006, p. 121.

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    2.3.6 Servio prestado no exterior ou cuja prestao se tenha iniciado no exterior

    Segundo o texto constitucional, incide o ICMS no servio de transporte ou de comunicao iniciado no exterior desde que contratado no Brasil (art. 155, 2, X, a, da CF/1988).

    3 A NO CUMULATIVIDADE E O PROBLEMA DO CRDITO DO ICMS

    3.1 Introduo

    Apesar de grande parte da doutrina tratar a no cumulatividade como um prin-cpio constitucional, entende-se que ela no pode ser considerada como tal. Os prin-cpios esto a meio caminho entre os valores e as regras expressas no texto. Eles do eficcia e positivao aos valores, tais como justia, segurana jurdica, liberdade, etc. Para Torres (2005, p. 195), os princpios se situam no espao compreendido entre os valores e as regras, exibindo em parte a generalidade e abstrao daqueles e a con-cretude das regras. Este autor classifica a no cumulatividade como subprincpio do princpio da capacidade contributiva, que, por sua vez, est ligado ao valor justia.

    Entretanto, entende-se que a no cumulatividade no tem status de princpio, ou mesmo de subprincpio, caracterizando-se como mera tcnica de tributao. Ana-lisando essa questo no III Simpsio Nacional de Direito Tributrio, em 1978, Martins (1997, p. 140),concluiu ter entendido ser o princpio da no cumulatividade elemento no componente do fato imponvel do tributo, mas tcnica de arrecadao constitu-cionalmente assegurada. Contudo, em funo do contexto, aqui, por vezes a no cumulatividade referida como princpio, no sendo porm esta a posio dos autores.

    A no cumulatividade consiste em permitir a deduo do imposto devido em uma etapa da comercializao do montante cobrado na etapa anterior, evitando a in-cidncia do imposto por mais de uma vez sobre a mesma base econmica, que carac-teriza o efeito cascata, como comumente conhecido. Dito de outra forma, como o fizeram Derzi e Santiago (2011, p. 11), acontece a cumulatividade do imposto

    [...] quando uma mesma base onerada duas vezes, o que prprio dos tributos plurif-

    sicos, porm sem possibilidade de anulao da incidncia anterior, isto , com restrio

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    ao direito de crdito, ou sem a possibilidade de transferncia para a frente do nus da

    incidncia atual.

    Em relao ao abatimento do imposto devido do montante cobrado nas etapas anteriores, tem-se em mente o modelo de no cumulatividade adotado no Brasil, tax on tax (imposto contra imposto), que ser objeto de anlise posterior. Todavia, pode-se conseguir efeito semelhante, no cumulatividade, abatendo-se diretamente as bases de clculo (basis on basis). Mas esta sistemtica, em alguns casos, pode provocar distor-es, por exemplo, quando a venda se realiza por valor inferior, caso em que a base tributria se torna negativa.

    Outro modelo possvel consiste em aplicar diretamente a alquota sobre o mon-tante acrescido. Este modelo melhor caracteriza o tipo de imposto sobre valor agregado (IVA), pois efetivamente incide sobe o valor que se soma ao anteriormente tributado, porm no a metodologia comumente utilizada para o IVA, especialmente em virtu-de das srias dificuldades tcnicas para sua implementao. Mas, repita-se, a opo brasileira foi o cotejamento de imposto contra imposto, que permite a incidncia da tributao mesmo nos casos de vendas por valor inferior ao da aquisio.

    Essa caracterstica ganha especial relevncia no Brasil em face das diferentes alquotas adotadas no sistema, como nas vendas interestaduais. Como as alquotas internas so superiores s interestaduais, mesmo sendo a base de clculo da venda inferior da compra (venda com prejuzo), em certos casos h imposto a pagar. Caso a opo do constituinte tivesse sido pelo abatimento das bases de clculo, no exemplo no haveria como tributar em razo da ausncia de base imponvel.

    Essa forma de tributar, uma espcie de imposto sobre valor agregado (IVA), com a ressalva supramencionada, foi uma evoluo da tributao plurifsica cumulativa, visando a aperfeioar a tributao em busca de neutralidade, justia fiscal, autofisca-lizao e produtividade fiscal.

    Atribui-se aos economistas a paternidade dessa forma engenhosa de tributar, havendo controvrsia quanto origem dos estudos que fundamentaram a concepo do IVA. Alemanha e Estados Unidos reivindicam-na, mas a maioria das citaes dou-trinrias atribui Frana a primazia de sua aplicao prtica. Comentando a incerteza quanto origem do IVA, Baratto (2005, p. 54) pondera: De uma forma ou de outra o economista que se destacou no estudo do IVA foi o francs Maurice Laur. Em 1954, a Frana incluiu o estgio atacadista no IVA.

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    O IVA demonstrou superar as deficincias da tributao plurifsica cumulativa apontadas pelos economistas, tais como falta de neutralidade, provocando distoro da alocao dos recursos econmicos, alterando os preos desde o produtor at o consu-midor final; desestmulo s exportaes e estmulo s importaes, etc.

    A neutralidade proporcionada pela IVA contribui para que os empresrios no alterem a forma de organizar seus negcios e operaes com o fito de evitar a tributa-o, como, por exemplo, verticalizar a produo da empresa, restringindo o nmero de fases sobre as quais incidiriam o imposto. Isso possvel porque, conforme acentua Derzi, comentando o ICMS, na obra de Baleeiro, que nosso imposto mais prximo ao IVA, mesmo que imperfeito:

    [...] a Constituio de 1988 no autoriza que o ICMS onere o contribuinte de iure. Ao

    contrrio, por meio do princpio da no cumulatividade, garante-se que o contribuinte,

    nas operaes de venda que promova, transfira ao adquirente o nus do imposto que

    adiantara ao Estado e, ao mesmo tempo, possa ele creditar-se do imposto que suportou

    nas operaes anteriores. A Lei Fundamental somente se concilia com um s entendi-

    mento: o ICMS no deve ser suportado pelo contribuinte (comerciante, industrial ou

    produtor) (BALEEIRO, 2007, p. 419).

    Na prtica ocorre, ou deveria ocorrer, como se fosse aplicada a alquota sobre o preo final de venda no varejo. Por exemplo, se tivssemos uma alquota uniforme de 10% aplicada em cada uma das fases (produo, distribuio e consumo) utilizando o mtodo da no cumulatividade (modelo de tributar plurifsico e no cumulativo), o resultado seria equivalente aplicao da mesma alquota sobre o valor da venda no varejo (modelo monofsico).

    Indubitavelmente, o modelo monofsico mais simples e transparente, mas tambm mais vulnervel sonegao, em virtude da pulverizao das vendas no vare-jo, de menor produtividade fiscal, visto que o estado demora a receber o imposto, e de maior dificuldade na recuperao do crdito em caso de evaso fiscal.

    O IVA, por sua vez, apresenta grande potencial arrecadatrio e de autocontrole fiscal. A capacidade de arrecadar decorrente da forma plurifsica de tributar associa-da a no cumulatividade, que permitem a aplicao de alquotas mais elevadas desde a produo. Outro aspecto proporcionado por essa conjuno de caractersticas a an-tecipao pelos empresrios de parte do imposto, que, ao final, ser suportado em sua integralidade pelo consumidor. Ou seja, o estado no precisa esperar que a mercadoria perfaa todas as fases de comercializao para receber seu quinho. No percurso, des-

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    de a produo at o consumo, o empresrio cobra o imposto da empresa compradora e o repassa ao fisco. Quem comprou, por sua vez, repercute o imposto no preo de sua venda, cobrando do comprador seguinte, alm de abater a parcela que adiantou (crdi-to fiscal), recuperando o que pagou e recolhendo a diferena ao estado. Essa operao se repete at o consumidor final, que suporta o nus integral da tributao.

    Tudo ocorre como uma conta corrente fiscal que se desenvolve em paralelo s operaes comerciais. a sistemtica de dbitos pelas vendas e crditos pelas compras que faz o imposto percorrer a cadeia comercial at o consumidor, sem influenciar, em tese, os preos relativos. E o direito ao crdito pelas compras que provoca o auto-controle fiscal nos impostos tipo IVA. Como o crdito se torna uma moeda de abati-mento do imposto a pagar, a empresa compradora tender a exigir o documento fiscal que lhe confira o direito ao creditamento. Dessa forma, ocorrer um autocontrole do sistema, contribuindo para o combate sonegao.

    Outra caracterstica benfica administrao tributria proporcionada por essa metodologia consiste na disponibilizao de vrios patrimnios para garantir uma ope-rao. Cada contribuinte responde pela montante do imposto referente sua fase. As-sim, em caso de sonegao em algum dos estgios o fisco no sofrer todo o prejuzo, mas especificamente sobre aquele dbito. Na prtica, ter tantos patrimnios quantas forem as fases de comercializao para realizar a execuo fiscal, assegurando a recu-perao do imposto devido.

    Abordagem diferente faz o Canad em relao sujeio passiva. Por no one-rar o contribuinte de direito (comerciante, industrial, etc.), mas o contribuinte de fato (consumidor), o Canad no reconhece aos atores econmicos o status de contribuin-te. Na verdade, considera-os meros intermedirios, com a funo de reter o imposto e repass-lo aos cofres pblicos. Esta nuance jurdica faz grande diferena em caso de evaso do imposto, notadamente porque os empresrios, ao serem considerados apenas intermedirios, no so responsveis pessoais pelo recolhimento do imposto, ficando caracterizada de plano, na falta do recolhimento, a apropriao indbita, que receber o tratamento jurdico devido, inclusive na esfera penal.

    Em face de suas inegveis virtudes, a experincia francesa rapidamente se es-praiou pelo mundo. Hoje, mais de 130 pases a utilizam. Digno de nota que uma das condies para a permanncia de um membro da Unio Europeia que o pas adote o chamado IVA comunitrio. O Brasil foi o terceiro pas a implant-lo, depois da Frana e da Costa do Marfim. Isso ocorreu em 1958, conforme acentuou Baratto (2005, p. 54):

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    [...] Brasil o terceiro, quando em 1958 adotou experincia com imposto no cumulativo

    atravs do ento Imposto de Consumo, que passou a ser denominado IPI a partir da EC

    18/65, e, principalmente, quando substituiu o IVC, imposto cumulativo de competncia

    dos estados, pelo ICM (EC 18/65 o ICM teve o incio de sua vigncia em 1967).

    Apesar de sua implantao precoce, o Brasil o fez de maneira precria, ne-gligenciando algumas caractersticas do modelo de valor agregado, mitigando dessa forma sua plena eficcia. As restries ao uso do crdito, a substituio tributria, os benefcios fiscais, as isenes, as redues de base de clculo concedidos em etapas intermedirias bem como a negativa de restituio dos crditos acumulados tm tra-zido cumulatividade ao modelo, comprometendo sua capacidade de contribuir para a criao de um ambiente de negcio saudvel ao desenvolvimento produtivo.

    A forma de implantao e administrao do ICMS, um IVA parcial, tem influen-ciado na alocao de recursos, nas decises empresariais, mormente na escolha do local onde instalar a empresa, na concorrncia e na tomada de deciso dos consumido-res, anulando em parte as grandes vantagens proporcionadas pela IVA como parmetro facilitador do desenvolvimento econmico.

    Nesta etapa do trabalho sero analisadas as questes relativas ao uso e ao apro-veitamento do crdito, com foco nos pontos polmicos ainda pendentes de soluo.

    3.2 Mercadorias e servios a regra geral

    Antes de iniciarmos os comentrios acerca do regramento do ICMS na Consti-tuio Federal, na Lei Complementar n. 87/1996 e legislao ordinria, revisaremos alguns conceitos j mencionados ligeiramente, pois serviro de premissas s ideias que sero apresentadas no decorrer do trabalho.

    Como foi dito, o ICMS um imposto sobre o consumo, plurifsico e no cumula-tivo. Os impostos sobre o consumo oneram o contribuinte de fato, que o consumidor. Logo, devem ser neutros para o produtor, o industrial, o distribuidor, o importador, os varejistas, etc. Se, por uma distoro do sistema, vier a recair sobre um dos agentes econmicos, seu valor reverter-se- em custo para a empresa, que o repassar ao pre-o, tornando-se elemento da base de clculo a ser tributada na venda da mercadoria. Isso distorce o preo de venda, onerando a mercadoria.

    Assim, a premissa bsica para se conseguir a neutralidade assegurar o ressarci-mento dos agentes econmicos de qualquer imposto que venham a suportar tempora-

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    riamente, evitando que o valor do imposto migre da conta corrente de dbito e crdito, que se realiza paralelamente s operaes comerciais, para o custo da mercadoria, trazendo efeitos indesejveis atividade comercial.

    Para melhor explicitar os argumentos anteriores, faz-se necessrio esclarecer a natureza jurdica do crdito fiscal e, posteriormente, fazer a distino entre crdito fsico e crdito financeiro.

    Para Mattos (2006, p. 275):

    [...] a Constituio Federal foi exaustiva e minuciosa quando atribuiu aos Estados com-

    petncia para instituir o ICMS, estabelecendo duas regras jurdicas distintas: 1) uma de

    natureza tributria, qual seja, a hiptese de incidncia que consiste na realizao de ope-

    raes relativas circulao de mercadorias e na prestao de certos servios, gerando

    dbito de imposto, e 2) outra, de natureza econmica ou financeira autnoma, determi-

    nando que tais dbitos sejam compensados com crditos correspondentes ao montante

    cobrado nas operaes e prestaes anteriores.

    Observa-se, portanto, que o crdito tem natureza distinta da hiptese de incidn-cia, uma vez que possui natureza econmica ou financeira. Na verdade, um direito subjetivo do contribuinte, com sede constitucional, que assegura ao agente econmico compensar o que for devido com o montante cobrado nas operaes precedentes.

    Enfrentando essa questo no III Simpsio Nacional de Direito Tributrio em 1978, Martins (1997, p. 140) havia asseverado tratar-se a no cumulatividade de tc-nica de arrecadao constitucionalmente assegurada. Feita essa distino, enfrenta-remos a questo dos crditos fsico e financeiro para demonstrar, frente, a posio assumida pela atual Constituio.

    3.2.1 Regimes de crdito fsico e de crdito financeiro

    Entende-se por regime de crdito fsico o que s admite o crdito, para abati-mento do imposto devido pelas vendas, relativos entrada de mercadoria que ser objeto de sada subsequente, ou, no caso de fabricao, aos insumos que integraro os produtos fabricados ou, ao menos, que so consumidos no processo de produo. V-se, por isso, como o prprio nome sugere, que a vinculao fsica: ou a prpria mercadoria, ou o que nela venha a se integrar materialmente.

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    Por sua vez, o regime de crdito financeiro admite o crdito fiscal de todas as mercadorias e servios que entraram no estabelecimento e foram tributados pelo im-posto. Ele pressupe que tudo vira custo para a empresa e inevitavelmente ir compor o preo de venda. Dessa forma, ao negar-se o crdito, o valor do produto ou do servio diludo no preo das mercadorias vendidas ser tributado outra vez, caracterizando-se a cumulatividade do imposto.

    Machado (1999, p. 133) assim segregou os dois regimes:

    Entende-se por regime de crdito financeiro aquele no qual todos os custos, em sentido

    amplo, que vierem onerados pelo ICMS ensejam o crdito respectivo. Sempre que a em-

    presa suportar um custo, seja ele consubstanciado no preo de um servio, ou de um

    bem, e quer seja este destinado revenda, utilizao como matria-prima, produto

    intermedirio, embalagem, acondicionamento ou mesmo ao consumo ou imobilizao,

    o nus do ICMS respectivo configura um crdito deste imposto.

    Entende-se como regime de crdito fsico aquele segundo o qual somente geram crdito

    as entradas de bens que se destinem a sair do estabelecimento, tal como entraram, ou a

    integrarem, fisicamente, o produto em cuja fabricao constituem insumo.

    Assim, entende-se que os dois regimes perderam a exclusividade com a entrada dos servios no campo de incidncia do ICMS, os quais, naturalmente, no podem agregar-se s mercadorias e nem por isso deixam de fazer jus ao crdito. Todavia, didaticamente necessrio delinear os conceitos que sero teis no deslinde e no en-tendimento de outras questes.

    3.2.2 Consideraes relativas sua aplicabilidade

    A Constituio Federal de 1988 consagrou a no cumulatividade do ICMS no art. 155, 2, I:

    2 O imposto previsto no inciso II atender ao seguinte:

    I - ser no cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operao relativa

    circulao de mercadorias ou prestao de servios com o montante cobrado nas anterio-

    res pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

    Alvitre-se que regra semelhante se encontra inserta no art. 153, 3, II, relativa ao IPI.

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    Ao estabelecer que seja compensado do imposto devido o que tiver sido cobrado nas operaes anteriores, a regra constitucional fez nascer para o sujeito passivo da obrigao tributria o direito subjetivo ao crdito fiscal. Esse direito, de compensar ou abater, oponvel ao estado, mesmo porque esta norma cogente, sendo de aplicao obrigatria tanto para o contribuinte como para o fisco. H quem advogue se tratar de norma de eficcia plena, imediata, na consagrada classificao de Silva (2000), o que precisa ser relativizado, haja vista que a prpria Constituio estabeleceu a necessidade de disciplinamento por lei complementar para estabelecer, em especial, a forma de com-pensao e manuteno de crdito nas operaes de exportao e para outros estados.

    Logo em sequncia, no inciso II do 2 do art. 155, o texto constitucional tra-tou de prever os casos em que no seria admitido o repasse do crdito para operao subsequente, bem como deveriam ser glosados os crditos relativos s operaes ante-riores, nos seguintes termos:

    II - a iseno ou no incidncia, salvo determinao em contrrio da legislao:

    a) no implicar crdito para compensao com o montante devido nas operaes ou

    prestaes seguintes;

    b) acarretar a anulao do crdito relativo s operaes anteriores;

    Entende a grande maioria da doutrina que o princpio da no cumulatividade foi suficientemente insculpido no texto constitucional, que tambm cuidou de definir as excees nas quais seria admitida a cumulatividade do imposto. Advoga que o Brasil, com base nos dispositivos citados, acolheu a sistemtica do crdito financeiro, contemplando o direito ao crdito fiscal para todos os casos de entrada de mercadorias e servios nos quais haja incidncia do imposto, ressalvando-se apenas as excees previstas na prpria Constituio. Os seguidores desta corrente afirmam que nenhuma legislao infraconstitucional, nem mesmo lei complementar, pode mitigar o alcan-ce do princpio, considerando inconstitucionais as limitaes trazidas pelo Convnio ICMS 66/1988 bem como as previstas na Lei Complementar n. 87/1996, que o suce-deu. Assim entendem Carraza (2007, p. 320), Baleeiro (2007, p. 419), Mattos (2006, p. 276). Por sua vez, Machado (1999, p. 137) enxergou margem para atuao da lei com-plementar, entendendo que o texto constitucional admite mais de uma interpretao:

    [...] para realizao do princpio da no cumulatividade tem que se considerar entrada e

    sada dos bens que esto em circulao. Pode-se certo argumentar que o bem do ativo

    permanente, utilizado no comrcio ou na indstria, de certa forma tambm segue circu-

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    lando, porque, como utilidade, do ponto de vista financeiro, o seu valor se vai aos poucos

    incorporando ao valor dos bens vendidos pelo estabelecimento. Este o entendimento

    que fundamentou a doutrina do denominado crdito financeiro, em oposio doutrina

    do crdito fsico, que tem predominncia no Brasil.

    Voz destoante, e com muita nfase, a de Beija (2001, p. 154), que, analisando as normas relativas ao ICMS encartadas na Constituio, concluiu:

    [...] as regras constantes no derrogado Convnio 66/88 (art. 31, inciso II) eram perfeita-

    mente legtimas. Por outro lado, considerando-se a edio da Lei Complementar 87/96 e

    suas alteraes, chega-se concluso que esta lei extrapolou os limites constitucionais,

    mas que, no obstante, continua vlida e eficaz no nosso mundo jurdico ptrio.

    Para embasar seu entendimento, esse autor estabeleceu duas premissas: a pri-meira vem da anlise da regra matriz de incidncia do ICMS, constante no art. 155, II, da Constituio Federal, a quem chamou de comando me:

    Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

    [...]

    II - operaes relativas circulao de mercadorias e sobre prestaes de servios de

    transporte interestadual e intermunicipal e de comunicao, ainda que as operaes e as

    prestaes se iniciem no exterior;

    Atendo-se apenas s operaes mercantis da norma supra, Beija assevera que esta se refere exclusivamente s operaes com mercadorias e que o conceito de mercadoria clssico, estabelecido pelo direito privado, no podendo ser transmutado pelo direito tributrio, conforme preceitua o Cdigo Tributrio Nacional, alargando o sentindo e o alcance do termo para contemplar outras realidades. Assim, referido ar-qutipo constitucional somente alcana as operaes com mercadorias (coisas mveis) que o contribuinte est colocando in commercium, em direo ao seu consumo pelo adquirente (BEIJA, 2001, p. 155). O autor conclui a primeira premissa dizendo que o ICMS somente pode ser exigido nas operaes relativas circulao de mercadorias enquanto estas estiverem no seu iter em direo ao consumo.

    A segunda premissa advm da anlise do papel da lei complementar. Aduz o art. 146, incisos I, II, e III, que estabelece o papel da lei complementar em matria tribut-ria, combinado com o art. 155, 2, XII, que firma a competncia da lei complementar relativa ao ICMS para demonstrar que a norma infraconstitucional deve cingir-se ao que foi estabelecido na Constituio.

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    Como base nas premissas levantadas, o autor advoga que, ao disciplinar o princ-pio da no cumulatividade (art. 155, 2, I), ao qual denominou de comando filho, a lei deveria faz-lo em consonncia com a regra matriz de imposio do imposto, en-cartada no art. 155, II. Se assim houvesse procedido haveria de respeitar o conceito de mercadoria ao qual est afeta a regra de incidncia (comando me), no deferindo direito a crdito relativo aquisio de bens para o ativo permanente e materiais para uso e consumo, por estarem fora do comrcio e no se coadunarem com o conceito de mercadoria, que o objeto do ICMS. Beija entende que o princpio da no cumulativida-de est submisso regra matriz de incidncia, devendo com esta se conformar.

    Um aspecto que robustece a tese supra a inegvel inspirao econmica da Lei Complementar n. 87/1996, conhecida nos meios econmicos como Lei Kandir em referncia ao ento deputado federal Antnio Kandir, autor do projeto de lei e que viria a ser ministro do Planejamento do governo Fernando Henrique. A matria foi ampla-mente veiculada pela imprensa especializada.

    As principais novidades trazidas pela lei foram: 1) desonerar as exportaes para realizar a mxima econmica de no se exportar imposto, com vistas a aumentar a competitividade dos produtos no mercado externo; 2) desonerar os investimentos em ativos a fim de promover a renovao do parque industrial brasileiro; e 3) diminuir o custo de produo, diminuindo a carga tributria sobre bens de uso e consumo, ener-gia eltrica e servios de comunicao.

    Foi efetivamente nesse cenrio que a Lei Complementar n. 87/1996 inaugurou o sistema de crdito financeiro, que, adicionado ao sistema de crdito fsico insculpido pelo constituinte original, redundou em um sistema misto de crdito para o ICMS.

    Data venia, e com todo respeito aos ilustres doutrinadores que pensam diversa-mente, no h como vislumbrar no texto constitucional a assuno ao regime de cr-dito financeiro, aambarcando como crdito fiscal todos os custos da empresa. Alm do respeito regra matriz de incidncia do ICMS (art. 155, II), a mera anlise do texto constitucional que materializou o princpio da no cumulatividade (art. 155, 2, I) demonstra haver um vnculo lgico, um liame, entre as operaes de sada e as ante-riores, as de entrada:

    2 O imposto previsto no inciso II atender ao seguinte:

    I - ser no cumulativo, compensando-se o que for devido, em cada operao relativa

    circulao de mercadorias ou prestao de servios, com o montante cobrado nas ante-

    riores, pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

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    Assim, para a Constituio de 1988, o direito ao crdito relativo s operaes anteriores estava vinculado ao dbito quando da sada da mercadoria, compensando-se o que for devido em cada operao relativa circulao de mercadorias [...] com o montante cobrado nas anteriores

    No foi por outro motivo que o constituinte determinou o estorno de crdito nas operaes isentas ou com no incidncia do tributo. Isso foi feito justamente pela ausncia do dbito: se no h dbito na sada, tambm no h crdito pela entrada.

    Ao contrrio do que defende a doutrina majoritria, que enxerga nos comandos previstos no art. 155, 2, II, b (estorno do crdito nas sadas isentas ou no tributa-das) uma exceo ao regime de crdito financeiro, vemos a confirmao do regime de crdito fsico, pois em consonncia com a essncia do princpio da no cumulativida-de: se no h dbito a compensar, no h direito ao crdito para abater.

    No se trata de interpretao retrospectiva, tambm afastada por Mattos (2006, p. 276), defendendo tese oposta, segundo a qual a inteligncia do ordenamento an-terior projeta-se no ordenamento novo, como se fosse mero desdobramento daquele. No isso, a dico do atual Texto Magno aponta que o constituinte no tencionou quebrar a tradio do regime de crdito adotado nas constituies anteriores. Se essa fosse sua inteno, em face do carter analtico do texto constitucional, certamente o constituinte teria marcado seu propsito de maneira mais clara e contundente.

    Entende-se que, como mencionado repetidas vezes, o ICMS um imposto sobre o consumo e, como tal, s deve onerar o consumidor final. Tem-se, todavia, que em alguns casos a prpria empresa o consumidor final e deve suportar o nus. No que o faa de forma definitiva, pois seria contrrio sua natureza. Quando suporta um custo, qualquer que seja, buscar sua recuperao pelas vias normais, qual seja, por meio do preo de venda de suas mercadorias. Alm do mais, os custos, de forma geral, so abatidos das receitas da empresa, diminuindo o lucro, com reflexo na tributao do Imposto de Renda.

    A constatao de que a empresa tida como consumidora final em certas situa-es est na prpria Constituio, conforme consta abaixo:

    Art. 155 [...]

    2 [...]

    VII - em relao s operaes e prestaes que destinem bens e servios a consumidor

    final localizado em outro Estado, adotar-se-:

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    a) a alquota interestadual, quando o destinatrio for contribuinte do imposto;

    b) a alquota interna, quando o destinatrio no for contribuinte dele;

    VIII - na hiptese da alnea a do inciso anterior, caber ao Estado da localizao do des-

    tinatrio o imposto correspondente diferena entre a alquota interna e a interestadual.

    V-se que o texto utiliza as expresses: destinem bens e servios a consumi-dor final [...] e quando o destinatrio for contribuinte do imposto. Logo, assume a Constituio que a empresa pode ser consumidora final, recebendo o tratamento de contribuinte de fato, ou seja, deve suportar o nus do imposto.

    Para arrematar e reforar a tese de que a Constituio, em seu texto original, assumiu o critrio de crdito fsico, analisando o inciso VIII supracitado, no haveria razo de o legislador exigir o pagamento da diferena de alquota nas compras de bens e servios a consumidor final, quando este for contribuinte do ICMS, se este, poca, tivesse direito ao crdito, pois, na prtica, no teria de pagar o tributo. Tudo seria ape-nas um jogo contbil.

    Todavia, a dvida sobre que regime de compensao de crdito a Constituio adotou originalmente foi dirimida completamente pelo 1 Turma do STF ao julgar o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 229.045-6/RS, tendo como Relator o Ministro Seplveda Pertence, conforme consta abaixo:

    Firme entendimento do Supremo Tribunal no sentido de no reconhecer o direito de

    creditamento do valor do ICMS quando pago em razo de operaes de consumo de

    energia eltrica, ou de utilizao de servio de comunicao, ou ainda, de aquisio de

    bens destinados ao uso e/ou integrao, no ativo fixo, do seu prprio estabelecimento.

    O julgamento ocorreu em 19/10/2004, afastando definitivamente qualquer d-vida que ainda remanescia.

    Para encerrar este tpico, ressalve-se que no estamos firmando posio contra o direito ao crdito para bens do ativo e material de uso e consumo, que ser objeto de anlise mais frente. O que se quer demonstrar que o texto original do Constituio de 1988 no fez uma opo clara e definitiva pelo regime de crdito financeiro, como advoga a maioria da doutrina. Pelo contrrio, as referncias apontam para a manuten-o do entendimento clssico, optando pelo regime de crdito fsico. Assim tambm entendeu o STF, a quem cabe, em ltima anlise, o controle interpretativo final do Texto Maior.

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    3.2.3 Iseno e no incidncia

    Atendo-se ao Texto Magno, o certo que este ressalvou apenas a iseno e a no incidncia como institutos tributrios inibidores do crdito, tanto para frente, para compensao com o montante devido nas operaes ou prestaes seguintes, como para trs, acarretando a anulao do crdito relativo s operaes anteriores (art. 155, 21, II). Mesmo assim, deixou a critrio do legislador ordinrio dispor sobre sua re-gulamentao quando estabeleceu salvo determinao em contrrio da legislao. Ou seja, fica ao talante do legislador ordinrio levar o dispostivo em conta, ou no, quando da elaborao da norma beneficiadora.

    Essa norma parece ter pouca relevncia prtica, pois apenas baliza o alcance do benefcio. Deve-se atentar para a fase na cadeia comercial em que a iseno concedi-da. Se no final, j no consumo, ter o efeito de beneficiar o consumidor, pelo fato de o imposto no onerar o preo de venda final. Contudo, se for exigido o estorno do crdito relativo s operaes anteriores, o benefcio ser de menor monta, uma vez que, na impossibilidade de se ressarcir do imposto anteriormente pago, o comerciante dar ao valor pago nas compras o tratamento de custo da mercadoria, repassando-o ao preo.

    Ao contrrio, podendo abater o imposto pago pelas aquisies de outras opera-es tributadas, ele compor o preo de venda final sem o imposto pela venda, visto que a operao ser isenta, tampouco agregando ao preo o valor do imposto anterior-mente pago. Dessa forma, o consumidor fruir o benefcio em sua integralidade.

    Considere-se que isenes no meio da cadeia comercial devem ser olhadas com muito critrio, pois, em alguns casos, podem at prejudicar o consumidor. Exemplo antigo, mas elucidativo, que nos apresenta Derzi ao comentar a obra de Baleeiro (BALEEIRO, 2007, p. 428) conforme se visualiza na tabela a seguir:

    Exemplo A (inexistncia de iseno)

    FABRICANTE ATACADISTA VAREJISTA

    Preo R$ 900,00 + R$100,00 R$ 1.000,00 + R$ 200,00 R$ 1.200,00 + R$ 300,00

    Margem/lucro R$ 100,00 R$ 200,00 R$ 300,00

    Imposto 18,6% R$ 186,00 R$ 223,00 R$ 279,00

    Deduo - R$ 186,00 R$ 223,00

    A recolher R$ 186,00 + R$ 37,00 + R$ 56,00

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    Preo final: R$ 1.500 + R$ 279,00 = R$ 1.779,00

    Imposto total = R$ 279, 00

    Exemplo B (iseno da operao do atacadista)

    FABRICANTE ATACADISTA VAREJISTA

    Preo R$ 900,00 + R$ 100,00 R$ 1.186,00 + R$ 200,00 R$ 1.386,00 + R$ 300,00

    Margem/lucro R$ 100,00 R$ 200,00 R$ 300,00

    Imposto R$ 186,00 - R$ 313,00

    Deduo - - -

    A recolher R$ 186,00 + - R$ 313,00

    Preo final: R$ 1.686,00 + R$ 313,00 = R$1.999,00

    Imposto total = R$ 499,00

    E segue a explicao da autora:

    O atacadista, no segundo exemplo dado, calcular sua margem tomando como base o

    preo de compra + imposto, porque no ter direito deduo. O varejista, por sua vez,

    calcular sua margem sobre 1.386, porque o atacadista no lhe faturar TVA dedutvel.

    Com isso, no exemplo B, o preo final mais elevado e a Fazenda recebe mais do que

    receberia se no houvesse iseno (exemplo extrado de Jean-Yves Mercier e outros, op.

    cit.) (BALEEIRO, 2007, p. 429).

    3.2.4 A expresso montante cobrado nas anteriores

    Uma fonte de acaloradas discusses entre os fiscos e os contribuintes o sentido exato da expresso montante cobrado nas anteriores. Entende a doutrina que no h necessidade de o imposto ser efetivamente cobrado para ensejar o direito de crdito do comprador ou do tomador do servio. Basta que haja a previso legal de incidncia do imposto na operao de aquisio para fazer nascer o direito ao crdito fiscal. Nesse caso, pouco importa se o imposto foi ou no cobrado e repassado ao estado pelo ven-dedor. Note-se que o legislador evitou usar o vocbulo pago, como outrora j fizera (Decreto-Lei 406/1968), o que limitaria ainda mais o direito ao uso do crdito.

    Mas mesmo optando pelo termo cobrado, recebeu ressalvas da doutrina, como o fez Martins (1997, p. 57)

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    [...] continua o constituinte a incidir na mesma terminologia incorreta do texto anterior.

    A compensao no se d por fora do imposto cobrado na operao anterior, mas do impos-

    to incidente. O imposto poder nunca ser cobrado, mas gerar direito a crdito, pois a inci-

    dncia aquela determinadora do crdito, como bem j decidiu o Supremo Tribunal Federal

    nas questes que lhe foram levadas ou como j demonstrei em pareceres sobre a matria.

    Argumentam os defensores dessa teoria que o fisco no pode exigir que o com-prador monitore todas as suas aquisies, verificando em cada operao se houve a real cobrana do tributo.

    Essa polmica ganhou maior destaque com o acirramento da denominada guer-ra fiscal, em que os estados concederam uma srie de benefcios para indstrias e atacados sem o aval das demais unidades da Federao, nos termos previstos na Cons-tituio Federal. Alega-se que estes buscaram usar o ICMS para fazer poltica de de-senvolvimento econmico e social com o propsito de atrair investimentos produtivos para seus territrios, gerando empregos e renda para sua populao.

    Na prtica, os benefcios concedidos crdito presumido, reduo da base de clculo, diferimento do imposto, etc. reduzem o montante a pagar na sada das mer-cadorias. No entanto, preserva o valor do crdito a transferir, como se o imposto fosse pago integralmente. Assim, quem compra mercadoria das empresas beneficiadas paga o preo com o imposto reduzido e se apropria do crdito cheio.

    Essa situao fez nascerem vrias modalidades de planejamento tributrio com o fito de baixar a carga do imposto, notadamente pela utilizao de estratgia que possibilitasse empresa apropriar-se de crdito fictcio ou no pago.

    Por isso, a diferena das alquotas interestaduais, acrescida dos benefcios fis-cais, criou o ambiente favorvel engenharia tributria, com o fito de reduzir a carga do imposto por meio do aumento do crdito transferido. Utilizando-se, por exemplo, uma venda de So Paulo para o Nordeste, com alquota de 7%, o vendedor pode si-mular uma passagem por um estado que tenha um programa de incentivo fiscal para atacadistas. Nesses casos, a venda seria taxada a 12% e, consequentemente, o crdito a ser aproveitado tambm seria nesse montante, mas, na prtica, com a aplicao do benefcio, a operao entre o segundo estado e o destino final seria taxada com valor bem menor, proporcionando um ganho extra para a empresa.

    Na prtica, ocorre de a mercadoria no ir fisicamente ao estado de destino, acontecendo apenas o jogo contbil da troca das notas fiscais, o que ficou conhecido vulgarmente por cross doc.

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    Alguns estados, em especial os mais industrializados, repudiam essa prtica, alegando que todo benefcio s poder ser concedido nos termos do art. 155, 2, XII, g, da Constituio Federal e da Lei Complementar n. 24, de 07/01/1975. Esses disposi-tivos dispem sobre a obrigatoriedade da celebrao de acordos especficos entre os se-cretrios das Fazendas estaduais no mbito do Conselho Nacional de Poltica Fazend-ria (Confaz) para a concesso de quaisquer isenes, benefcios fiscais ou incentivos.

    H estados, a exemplo de So Paulo, que fazem restries ao aproveitamento do crdito, ainda quando o imposto esteja destacado em documento fiscal, mas existam benefcios fiscais concedidos em desacordo com a legislao a qual estiverem sujeitos todos os estados e o Distrito Federal, ou seja, fora do Confaz.

    Nesses termos, o Estado de So Paulo marcou sua irresignao com a edio do Comunicado CAT n. 36, de 29/07/2004, no qual listou expressamente benefcios concedidos por outros estados, margem das regras previstas na Constituio Federal e na Lei Complementar n. 24/1975, os quais teriam, por consequncia, de ser glosados pelos contribuintes adquirentes localizados no Estado de So Paulo.4

    Nessa esteira de entendimento, outros estados adotaram procedimento seme-lhante, a exemplo de Minas Gerais, Pernambuco e Cear. Ressalte-se que alguns es-tados adotaram esse tipo de expediente mesmo tendo editado leis de incentivo para estabelecimentos industriais e atacadistas revelia de autorizao pelo Confaz.

    Segundo Borges e Sadi (2006), muitos contribuintes se insurgiram contra as iniciativas de So Paulo, ingressando com demandas judiciais. O Estado do Amazonas props a Adin n. 3.350, com o intuito de afastar a aplicao do comunicado CAT n. 36. Todavia, o Supremo Tribunal Federal (STF) no reconheceu o mrito desta Adin sob o argumento de que o Comunicado era apenas informativo, visando a prestar esclare-cimento aos contribuintes de So Paulo. Posteriormente, o Distrito Federal ingressou com a Adin n. 3.692 sobre a mesma questo, mas atacando diretamente a previso do art. 36, 3, da Lei n. 6.374/1989, dispositivo que amparava a edio do referido comunicado.

    A questo intrincada. Se de um lado merece reparo a atitude unilateral dos estados menos industrializados, que, mngua de uma poltica industrial nacional que leve em conta suas caractersticas, lanam mo de benefcios fiscais do ICMS para atrair investimento de forma irregular e ao arrepio da Constituio, do outro h quem

    4 Para maiores detalhes ver Granjeiro (2011), Marques (2010) e Borges e Sadi (2006).

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    considere reprovvel tambm a atitude dos estados que glosam os crditos dos contri-buintes que adquiriram mercadorias oriundas das unidades federadas que concederam tais benefcios.5 Note-se que, com essa atitude, ferem o princpio da no discriminao, por estabelecer diferena tributria entre bens e servios de qualquer natureza em ra-zo de sua procedncia, conforme o art. 152, alm do princpio da no cumulatividade, previsto no art. 155, 2, I, ambos da Constituio Federal.

    Argumenta Oliveira (2010, p. 223-224) que, em obedincia ao princpio da no cumulatividade (o qual, no custa lembrar, a quase totalidade do fisco considera ser mera regra de apurao do imposto), se deve observar a existncia de trs diferentes momentos. No primeiro ocorre a incidncia do ICMS, seja na operao de circulao de mercadoria, seja nas prestaes de servios de transporte interestadual e inter-municipal e de comunicao, oportunidade na qual nasce a obrigao tributria que torna a Fazenda estadual, como sujeito ativo, portadora do direito subjetivo de exigir o pagamento do imposto pelo contribuinte, que, como sujeito passivo, tem o dever de pag-lo. No segundo momento surge o crdito do ICMS, mais especificamente quan-do o adquirente da mercadoria ou do servio tributado se torna portador do direito subjetivo de se apropriar do crdito do imposto destacado em documentos hbeis e comprobatrios da operao ou prestao, que permite registr-lo em seus livros fis-cais, possibilitando sua apropriao. No terceiro momento surge o direito ao crdito do imposto, que autoriza o contribuinte a compensar os crditos apropriados pela entrada de mercadorias e servios com os dbitos apurados na sada decorren