forte de são joão da bertioga

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56 ANO XI / Nº 18 PAULO ROBERTO RODRIGUES TEIXEIRA Bertioga Forte de São João da

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Page 1: Forte de São João da Bertioga

56 ANO XI / Nº 18

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PAULO ROBERTO RODRIGUES TEIXEIRA

BertiogaForte de São João da

Page 2: Forte de São João da Bertioga

57ANO XI / Nº 18

Em 1551, os índios atacaram e destruíram a paliçada,

edificada em 1532. O Rei D. João III mandou

reconstruir no mesmo local, o que seria a primeira fortaleza

real com projeto arquitetônico enviado de Portugal.

As obras foram iniciadas no ano seguinte para

atender às condições locais e ao novo povoamento.

Page 3: Forte de São João da Bertioga

58 ANO XI / Nº 18

Após o descobrimento do Brasil, a política de Por-

tugal estava voltada para o investimento no lu-

crativo comércio das Índias.

A existência de ouro e prata a oeste da linha

de Tordesilhas provocou o interesse imediato da

Espanha nos seus territórios. A costa brasileira,

sem esses atrativos imediatos de lucro, foi entre-

gue à administração privada com a implantação

do regime das capitanias hereditárias.

Os investimentos na colonização das terras

portuguesas foram muito incipientes, não haven-

do interesse da metrópole em construir fortes e

fortalezas para proteger o território, entretanto,

Portugal tinha um objetivo estratégico: o domí-

nio do Atlântico Sul.

Bertioga revestia-se de grande importância

para a defesa das Vilas de Santos e de São Vicente,

eram colônias que haviam prosperado muito na

época. O Canal de Bertioga, de aproximadamen-

te trinta quilômetros, era o melhor acesso para

atingi-las, uma vez que o mar aberto era de difícil

navegação. Assim, os portugueses decidiram en-

viar uma expedição, com o propósito de edificar

um forte naquele local.

O Forte

Está localizado no Canal de Bertioga, no con-

tinente, nas proximidades da Bacia de Santos, em

frente à Ilha de Santo Amaro, na atual região su-

deste, no Estado de São Paulo.

A sua primeira instalação era uma paliçada

e foi construída por Martin Afonso de Souza, em

1532, que partira de Portugal, por ordem do Rei

D. João III, comandando a primeira expedição

Localização

do Forte

de São João

da Bertioga.

FOTO: RENATA DE BRITO

Page 4: Forte de São João da Bertioga

59ANO XI / Nº 18

colonizadora ao território brasileiro, e recebeu

o nome de São Tiago de Bertioga.

O seu objetivo era protegê-los contra os ín-

dios, os quais consideravam os portugueses inva-

sores das suas terras.

Tem o formato de um polígono retangular

com guaritas nos vértices, um terrapleno e o edi-

fício dos quartéis. Sua construção foi feita com

argamassa, produzida com a mistura de óleo de

baleia, conchas e areia. Em 1751, o terrapleno, onde

os canhões estavam posicionados, foi ampliado

de 100m2 para 250m2.

A substituição do nome Forte São Tiago para

Forte de São João ocorreu a partir de 1765, devido à

presença de uma pequena capela, próxima ao forte,

construída em homenagem a São João. Por motivo

D. João III, Rei de Portugal.

Acima, o Forte antes das obras de restauração iniciadas em 1997. Abaixo, a restauração concluída

em 2000, baseada na obra do Engenheiro Rufino Felizardo da Costa, em 1817.

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de uma forte ressaca, os moradores transferiram a

imagem de São João, que era abrigada dentro da

capela, para dentro do Forte de São Tiago. Desde

então, os moradores da região passaram a se re-

ferir ao forte que abrigava o santo pelo seu nome.

Assim, o forte que era denominado São Tiago, pas-

sou a ser intitulado e conhecido até os dias atuais,

como Forte de São João da Bertioga.

Em 1871, foi executada a última grande re-

forma. Houve modificação no antigo desenho

do edifício dos quartéis, do telhado de duas para

quatro águas, sendo acrescentadas uma cozinha

e uma despensa. No século XX, foi tombado pelo

IPHAN que executou uma restauração, situação

em que se encontra até hoje, incorporando as

modificações ocorridas no século XIX. A restau-

ração foi concluída em 2000, baseada na obra do

engenheiro Rufino Felizardo e Costa, em 1817.

História

A história do Forte de São João da Bertioga

teve início no ano de 1531, quando Portugal enviou

Expedição

armada

chefiada por

Martim Afonso

de Souza, no

ano de 1532,

quando fundou

a Vila de

São Vicente.

Ao lado,

Hans Staden,

arcabuzeiro

e aventureiro,

lutando contra

os índios.

Os combates

com os índios

eram

constantes.

Page 6: Forte de São João da Bertioga

61ANO XI / Nº 18

ao Brasil uma expedição armada comandada por

Martin Afonso de Souza, fidalgo português que

recebeu plenos poderes do rei para atuar na terra

do Brasil. O grande objetivo era o de atingir e con-

quistar o Rio da Prata pelas informações do aces-

so a regiões de imensas riquezas. A colonização

de São Vicente, nos limites meridionais das terras

portuguesas, fazia parte desse plano.

Martin Afonso de Souza teria chegado ao

Canal de Bertioga no dia 22 de janeiro de 1532,

denominando o local de Rio São Vicente, em

homenagem ao santo do dia. Ali edificou uma

instalação de defesa muito precária, para dar

proteção contra os indígenas, ameaça presen-

te à segurança dos colonizadores, cujos confli-

tos prosseguiriam durante vários anos. Os ín-

dios eram hostis, praticavam a antropofagia e

fizeram muitas vítimas entre os portugueses.

O forte aquartelou o alemão Hans Staden,

arcabuzeiro e aventureiro que embarcou para o

Brasil em busca de riqueza, em 1547. Prisioneiro

dos índios, convenceu-os a não devorá-lo, usan-

do de astúcias para mudar os planos dos tupinam-

bás. Conseguiu ser resgatado por uma nau fran-

cesa. Na Alemanha, escreveu um livro contando

todas as aventuras vividas no Brasil. É conside-

rado o primeiro e mais importante historiador do

início da colonização brasileira.

Em 1551, os índios atacaram e destruíram a

paliçada. Levaram as peças de artilharia e puseram

fogo nas casas de palha. Ainda nesse ano, o Rei

D. João III mandou construí-la e foi a primeira

A Expedição

chefiada por

Estácio de Sá,

partiu em

1565 para

fundar a

Cidade do

Rio de Janeiro

e combater os

franceses.

Page 7: Forte de São João da Bertioga

62 ANO XI / Nº 18

fortaleza real com projeto arquitetônico enviado

de Portugal e foi edificada em alvenaria. As obras

foram iniciadas no ano seguinte com algumas

modificações no projeto original, para atender às

condições locais e ao novo povoamento que se

pretendia reedificar.

A realidade local vivenciada pelo governa-

dor-geral, onde os indígenas ainda desconheciam

a balestra ou catapulta, levou-o a construir um

forte de transição que defendesse tanto das ar-

mas de fogo das naus francesas, como das fle-

chas dos tamoios.

Em 1557, foi construído o Forte de São Felipe,

no outro lado do canal, destinado a cruzar fogos

com o de Bertioga.

Em 1563, visando à pacificação dos índios,

foi firmado um tratado que ficou conhecido

como “Armistício de Iperoig”, na época da pri-

meira invasão francesa. Seus mentores foram os

padres Manuel da Nóbrega e José Anchieta que

contaram com a ação decisiva do Governador

Geral Mem de Sá e seu sobrinho Estácio de Sá.

Em 1o de março de 1565, Estácio de Sá fun-

dou a cidade do Rio de janeiro. A expedição par-

tiu de Bertioga, no dia 27 de janeiro, um marco

de grande importância histórica para o forte. O

principal objetivo da fundação da cidade era dar

início à expulsão dos franceses que já estavam na

área há dez anos e servir de base de operações para

os portugueses.

A expulsão dos franceses do Rio de Janei-

ro, em 1567, transformou a área de conflito em

região de grande calmaria nos anos seguintes.

Com a união das coroas portuguesa e espa-

nhola, no período de 1580 a 1640, a costa brasi-

leira ficou exposta aos ataques dos ingleses e ho-

landeses, inimigos da Espanha. O cenário dos con-

flitos foi transferido para o Canal da Barra Gran-

de, que era o principal acesso ao Porto de Santos.

Em 1583, foi construída a Fortaleza de Santo

O amanhecer no forte. Abaixo, no final da muralha, a guarita

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Amaro e a partir daí pouca importância se deu

ao Canal de Bertioga e ao seu forte.

No século XVII, a incipiente economia pau-

lista estava voltada ao comércio escravo e aprisio-

namento de índios, trazendo, como consequência,

uma despreocupação com respeito à segurança da

área, permanecendo quase inalterada, com as mes-

mas fortificações construídas no século anterior,

dentre as quais, a primeira delas, o Forte de São João.

A descoberta do ouro em Minas pelos pau-

listas, em 1638, e o ataque dos espanhóis à Colô-

nia Portuguesa de Sacramento em 1735 levariam

a coroa a reforçar as defesas militares das capita-

nias do sul no decorrer do século XVIII e também

mudar a capital do Vice-reinado de Salvador para

o Rio de Janeiro, em 1763, ficando mais próxima

do escoamento e controle do ouro e das ameaça-

das fronteiras do sul, cobiçadas pelos espanhóis.

Entre 1712 e 1714, o governo português en-

viou o Brigadeiro João Massé a Santos para proje-

tar um sistema de defesa do porto e reformar as insta-

lações militares existentes. Bertioga era uma delas.

Em 1738, foi enviado o Brigadeiro Silva Paes,

pelo Rei D. João V, para fortificar o sul do país. Nessa

ocasião, esteve no Canal de Bertioga e ali encon-

trou instalações em péssimas condições de defe-

sa. O Forte de São Felipe, defronte ao de São Tiago,

estava completamente destruído, como também

o de Bertioga.

Em 1751, o governador da Praça de Santos,

Luís Antonio de Sá Queiroga, reedificou a torre

do forte. A pequena plataforma de armas qui-

nhentista com cerca de 100m2 foi demolida e subs-

tituída pela atual com cerca de 250m2. A tenalha

voltada para o norte foi elevada para nove pal-

mos e complementada por uma estacada para-

lela. O edifício do quartel foi apenas reformado.

Em 1871, o Engenheiro Rufino José Felizar-

do e Costa projetou e executou a última grande

obra da reforma do forte. Esquecido durante os

Canhões em posição de tiro. Abaixo, a vigilância pelas guaritas alertava a ameaça do inimigo

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séculos XVII e XVIII, somente no século XIX é

que foi concluída. Alterou-se o antigo desenho do

telhado e houve o acréscimo de outras instalações.

No início do século XX, as fortificações da

Barra de Bertioga estavam esquecidas e arrui-

nadas. O escritor e jornalista Euclides da Cu-

nha fez referência em artigos publicados, mos-

trando as péssimas condições do forte. Outros

autores também expuseram seus comentários.

Em 1940 foi tombado pelo IPHAN e dois

anos depois iniciaram-se obras de reparação das

cortinas e do terrapleno. O estrago do maremo-

to de 1769 foi solucionado, sendo construída

uma residência com três quartos para o zelador

do forte. O restante das paredes antigas perma-

neceu descoberto.

A partir de 1960, a administração do forte

ficou a cargo do Instituto Histórico e Geográ-

fico Guarujá-Bertioga e hoje a responsabili-

dade é da Secretaria de Turismo. A residência

Vista parcial

do Forte de

São João

da Bertioga.

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FOTO: DU ZUPPANI

Page 10: Forte de São João da Bertioga

65ANO XI / Nº 18

do zelador foi adaptada e transformou-se

num espaço cultural, passando a chamar-se

Museu João Ramalho.

Foram realizadas também obras à re-

velia do IPHAN, contrariando a autentici-

dade do projeto original, tornando-se um

falso documento da história.

Em 1997, foi demolido o telhado da

casa do zelador. O forte foi reaberto no dia

22 de abril de 2000, readquirindo a confi-

guração do projeto do engenheiro militar

Rufino José Felizardo e Costa.

Desde o início da colonização, os ín-

dios sempre foram muito agressivos. A po-

lítica de Portugal não era de aliminá-los, pelo

contrário, era de integrá-los aos coloniza-

dores. Os jesuítas, dentre os quais destaca-

mos José de Anchieta e Manoel da Nóbre-

ga, tiveram papel importante na educação e

catequização indígena.

A população nativa, na época, era bas-

tante homogênea em termos culturais, lin-

guísticos e distribuída ao longo de toda a

costa e na Bacia Paraná-Paraguai. Os tupi-

niquins e tupinambás pertenciam a mes-

ma etnia, ou seja, falavam a mesma língua,

possuíam costumes similares e eram fisica-

mente parecidos. Entretanto, eram adver-

sários obstinados e estavam sempre em

guerra entre si. Os tupiniquins apoiavam os

portugueses e os tupinambás os franceses.

Ambos os grupos realizavam rituais

antropofágicos. Os prisioneiros eram leva-

dos para as suas tribos, onde eram recebi-

dos hostilmente e, após cumprirem ritual

macabro, eram abatidos e comidos pelos opo-

nentes. A execução pública do rival era o even-

to central da vida social dos grupos tupis.

A ameaça dos índios era uma preo-

cupação na segurança dos colonizadores.

Acima, quartel do

forte, após restauração

no período

de 1997/2000.

A observação

dos índios ao forte

era constante.

Abaixo, silhueta do forte,

ao entardecer.

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Bibliografia

BARRETO, Anibal. Fortificações do Brasil. Biblioteca do Exército Editora, RJ, 1958.

CASTRO, Carlos Eduardo de – História de Bertioga.

CORREIA, João Rosado. Fortificações portuguesas no Brasil, Monsaraz: Centro de Estudos

Patrimoniais Lusófonos da Fundação Convento da Orada, 1998.

FROTA, Guilherme de Andrea. Quinhentos anos da História do Brasil. Biblioteca do Exército

Editora, RJ: 2000.

MORI, Vitor Hugo – Arquitetura Militar: Um panorama Histórico a partir do Porto de Santos.

São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: 2003.

Encerramento

O Forte de São João da Bertioga, construído em 1551, é o mais antigo

das fortificações coloniais. Foi o primeiro forte real construído no

Brasil, cujo projeto arquitetônico foi enviado de Portugal. Ocupou

uma área de grande importância estratégica nos primeiros anos da

colonização do Brasil.

Ao longo da história, passou por um processo de transfor-

mação e reparos, melhorando a sua capacidade de defesa, com a

ampliação do forte, reforço na sua estrutura e aumento do número

de peças de artilharia.

Hoje, a Prefeitura de Bertioga, por intermédio da Secretaria

de Turismo, administra o forte, cuja direção realiza excelente traba-

lho de conservação e manutenção, proporcionando ao turista a opor-

tunidade de conhecer o precioso legado deixado pelos portugueses.

Atualmente, aproveitando o valioso acervo cultural, a Prefei-

tura tem-se empenhado na divulgação do forte. Um dos projetos, já

em execução, envolve três secretarias: Educação, Turismo e Meio

Ambiente. Recebeu o nome de Forte Expressão. O seu objetivo é o

de fomentar o turismo e a cultura por intermédio de eventos, cursos

e palestras técnicas e culturais, direcionados a diferentes públicos e

segmentos da sociedade, proporcionando diversas atividades volta-

das para atrair o visitante durante todo o ano. Dessa maneira, toda a

riqueza natural, cultural e histórica de Bertioga tem sido divulgada.

Até hoje, o Forte de São João da Bertioga guarda as suas ca-

racterísticas originais e está aberto para visitação, acolhendo diaria-

mente expressivo número de turistas que se encantam com o belís-

simo patrimônio e o valioso acervo, que caracterizam os momentos

históricos vividos pelos colonizadores, rememorando um passado

de lutas e vitórias que marcaram a colonização na Baixada Santista.

PAULO ROBERTO RODRIGUES TEIXEIRA – Coronel de Infantaria e Estado-Maior,

é natural do Rio de Janeiro. Tem o curso de Estado-Maior e da Escola Superior de Guerra.

Atualmente é assessor da FUNCEB e redator-chefe da revista DaCultura.

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Panorâmica

do Forte

de São João

da Bertioga.

Ao fundo,

parte central

da cidade.

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