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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO MESTRADO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA FORMAS LINGÜÍSTICAS ERUDITAS E POPULARES EM MENINO DE ENGENHO ALBINO PAULINO DA SILVA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO ORIENTADORA: Profa. Dra. ADAIR PIMENTEL PALÁCIO Apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Mestrado em Letras e Lingüística da UFPE para obtenção do Grau de Mestre em Lingüística. Recife, junho de 1986

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Page 1: FORMAS LINGÜÍSTICAS ERUDITAS E POPULARES EM … · aspectos telúricos em José Lins do Rego. De fato, a consagração de um artista, sob esse ponto de observação, pode desviar

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO

MESTRADO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA

FORMAS LINGÜÍSTICAS ERUDITAS E POPULARES EM MENINO DE ENGENHO

ALBINO PAULINO DA SILVA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

ORIENTADORA: Profa. Dra. ADAIR PIMENTEL PALÁCIO Apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Mestrado em Letras e Lingüística da UFPE para obtenção do Grau de Mestre em Lingüística.

Recife, junho de 1986

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Examinadores:

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À minha esposa, SUELY, e a meus filhos, WLADMIR E SUMAYA,

pelo estímulo permanente e pela renúncia

a muitas horas de lazer5 a fim de que este

trabalho chegasse a bom termo.

À meus pais, JOSÉ PAULINO E MARIA JOSÉ (já convidada pelo

Criador), pela maior riqueza que me herdaram:

a orientação segura para a vida e o exemplo

de honestidade e lealdade.

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Agradecimentos

- À Profa. ADAIR PALÁCIO, pela sua capacidade e paciên-

cia na orientação deste trabalho e também pela con-

tribuição significativa na minha formação lingüísti-

ca.

- Ao Sr. Diretor da Escola Técnica Federal de Pernambu-

co, Prof. ROMULO DE LACERDA JGNIOR, pelo apoio, in -

centivo e assistência efetiva ao longo do Mestrado

até à impressão desta Dissertação.

- Aos Profs. FERNANDO CASTIM e JANILTO ANDRADE, pela

leitura crítica, comentários e incentivo, que me en-

corajaram ainda mais a tornar público o resultado da

pesquisa.

- Ao Prof. JOSE BRASILEIRO VILANOVA (in memoriam) , sob

cuja regência na disciplina Estilística da Língua

Portuguesa descortinei o tema aqui desenvolvido e cuja

rica biblioteca me foi posta à disposição.

- A todos os colegas, amigos e parentes que, direta ou

indiretamente, me estimularam e me apoiaram nos mo -

mentos mais difíceis.

- A Sra. ANA ELIZABETH M. SILVA, pelo esmero e dedicação

demonstrados nos serviços datilográficos neste e

em outros trabalhos de minha autoria.

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Resumo

Após um certo período submetido a análises da crítica

especializada, é perfeitamente natural um e outro escritor adqui-

rir uma reputação por determinados aspectos marcantes em sua obra:

escárnio e sensualismo em Gregório de Matos; ironia e pessimismo em

Machado de Assis; injustiças sociais em Graciliano Ramos; e os

aspectos telúricos em José Lins do Rego. De fato, a consagração de

um artista, sob esse ponto de observação, pode desviar a pesquisa

ou estudo de outros pontos relevantes numa obra.

O romance examinado, embora ratifique a crítica literá-

ria,revela ainda fortes características de outras influências lin-

güísticas lexicais e sintáticas, sofridas pelo autor ao longo de

sua atividade intelectual. Ao mesmo tempo em que emergem traços de

uma linguagem popular e regional, abundam os de variantes cultas.

Assim, descortina-se outro campo de investigação na obra de José

Lins do Rego.

Aqui a análise lingüística, além de confirmar, pelo lê-

xico e pela sintaxe, o que os especialistas na literatura brasilei-

ra até hoje têm manifestado sobre o autor em questão, mostra mui

tas ocorrências de traços ainda não estudados em Menino de Engenho.

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S U M Á R I O

Pág.

1. INTRODUÇÃO ...............................................

i

2. 1ª PARTE: Situação da publicação do romance e posicionamen-

..........to teórico sobre formas lingüísticas eruditas e

..........populares ......................................

l

Capítulo I: Panorama histórico-cultural da origem E publi-

............cação de Menino de Engenho ...................

2

Capítulo II: O erudito e o popular: um posicionamento ....

17

3. 2ª PARTE: Análise das formas lingüísticas eruditas e popu-

..........1are s de Menino de Engenho ....................

37

Traços marcadores mais freqüentes em Menino de Engenho ...

38

Capítulo III: Formas lingüísticas eruditas ...............

39

Capítulo IV: Formas lingüísticas populares ...............

85

4. CONCLUSÃO ................................................

100

BIBLIOGRAFIA ................................................ 104

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I N T R O D U Ç A O

Quando cursávamos a disciplina Estilística da Língua

Portuguesa durante o Mestrado, começamos a observar, nas concei -

tuações de termos como "erudito", "popular", "regionalismo", perti-

nentes à linguagem dos indivíduos, inconsistência, dada a ausência

de critérios lingüísticos previamente estabelecidos. Tal observa -

ção ia-se tornando mais aguçada, à medida que consultávamos a bi -

bliografia necessária à consecução do trabalho "Alguns Aspectos da

Estilística Léxica em Menino de Engenho", apresentado à época como

avaliação para a disciplina referida. Menos que um simples levanta-

mento estatístico, visávamos à análise do léxico como recurso ex -

pressivo da linguagem registrada na obra. Concluído o trabalho,

dois fatos se acrescentariam à nossa inquietação inicial:

a) os termos "erudito", "popular", "regionalismo", "gíria", "neolo-

gismo", não se opõem; são diferentes e se interpenetram; poderia-

mos, talvez, opor "erudito" X "popular";

b) o léxico e a sintaxe o autor naquela obra apresentavam marcas

bem cristalinas da modalidade escrita normativa, linguagem diferen-

te da esperada de um modernista da 2ª Geração.

De modo contrário ao fato b) por nós detectado, a cri-

tica especializada em literatura brasileira, sobretudo no que con-

cerne a Menino de Engenho e seu autor, José Lins do Rego (daqui por

diante J.L. do Rego), destaca-os, com muita ênfase, entre as gera-

ções '30-'45, pela linguagem e temática relacionadas à região nor-

destina (como mostraremos adiante no Capo I). Na realidade, a crí-

tica tem dissecado a temática regional, apontando, no texto do ro-

mancista, os aspectos sócio-culturais que envolvem o homem e a zo-

na canavieira do Nordeste. Todavia, quanto à linguagem, sente-se a

ausência de uma análise mais profunda, de modo que venham à luz, a

partir da confrontação texto X realidade lingüística X gramática

..................................i

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normativa, aqueles aspectos que caracterizam a manifestação lin-

güística do escritor. Em decorrência disso, deparamo-nos com algu-

mas questões: Como definir, a partir de critérios lingüísticos

termos tradicionais como "erudito", "popular", "regionalismo", "gí-

ria", neologismo"? Seria possível opor "erudito" X "popular"? Que

traços caracterizariam o "erudito" e o "popular"? Que critérios se-

riam estabelecidos para defini-los?"

De imediato, notamos que "regionalismo", "gíria", "neo-

logismo", podem estar presentes tanto no "erudito", como no "popu-

lar", e que estes, por sua vez, geralmente são fundados em concei-

tos genéricos, pouco claros, para melhor constatação, muitas vezes

não se considerando o dinamismo da língua, os diversos usos, a

maior ou menor freqüência de determinada forma lingüística: convém

considerar, por exemplo, certa palavra como "erudita" apenas por

ser de origem latina e incorporada ao léxico ,português no Renasci-

mento? Achamos esse critério inconsistente e bastante restrito,Poe

que outros aspectos a considerar seriam imprescindíveis. Da mesma

maneira que estruturas tradicionalmente consideradas "eruditas" pó-

dem estar disseminadas no uso popular, as "populares" podem ter si-

do absorvidas pelo uso de nível sócio-cultural prestigioso. Em cir-

cunstância semelhante,há lugar para se classificar determinado ter-

mo como "erudito" ou I", quando é de uso geral?

Então, fixamos o primeiro grande problema:

• Delimitação de critérios para que se definam, lingüisticamente,

"erudito" e "popular" (Cap. II).

Para resolvê-lo, detivemo-nos no léxico e na sintaxe

- esta ao nível intrafásico e interfrásico -, em razão de serem os

dois aspectos de análise lingüística mais objetivos, além de o tex-

to sob estudo pertencer à modalidade escrita. Como, tradicionalmen-

te, os manuais normativos têm sido a fonte do "bem falar" e do "bem

escrever" entre as pessoas cultas, relacionamos do léxico e da sin-

ii

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taxe aqueles fatos lingüísticos característicos na modalidade es-

crita no meio da classe culta. Observados esses fatos, comparando-

-os com a diversidade da língua em sua realidade plena, sentimos

necessidade de mais uma vez alertarmos sobre a importância de dis-

tinguir MODALIDADE: escrita e oral; e USO: tenso, distenso e popu-

lar. Assim, depois que verificamos, como professor de Língua Portu-

guesa nos 1º, 2º e 3º Graus, a utilização da língua por pessoas de

classes distintas e por alguns escritores de maior prestígio da li-

teratura brasileira, introduzimos outras características ocorren -

tes nas modalidades e nos usos1. O conjunto dessas características

levarão aos traços marcadores que, em última análise, delimitarão

os critérios para a definição de "erudito" e "popular".

Logicamente, após essa definição, seria necessário o

objeto, o material, para comprovação e análise: Menino de Engenho,

de J. L. do Rego, aos quais demos preferência porque:

1. a pesquisa já havia sido iniciada em "Alguns Aspectos da Esti -

lística Léxica em Menino de Engenho", trabalho a que nos referi -

mos;

2. o autor do romance é natural de nossa região;

3. o romance retrata uma realidade sócio-cultural de uma sub-re -

gião por nós conhecida;

4. é uma obra, segundo a crítica, autobiográfica;

5. trata-se de uma leitura sugerida nos 1º e 2º Graus.

Assim, pudemos estabelecer o segundo grande problema:

• Descrição lingüística do "erudito" e do "popular" em Menino de

Engenho (Cap. III e IV)

Definidos os traços marcadores de "erudito" e "popu -

lar" (Cap. 11), destacamos os de maior freqüência na obra em análi-

se. Em seguida, procuramos definir cada traço marcador "erudito"

(Cap. 111) e "popular" (Cap. IV), constatando a ocorrência de cada

um com passagens de boa parte dos capítulos do romance. Não nos li-

iii

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mitamos à exemplificação2; ao contrário, fizemos questão de,em mui-

tas situações, descer a detalhes analíticos não só em relação ao

contexto lingüístico, como também ao contexto sócio-cultural.

Quanto ao arcabouço teórico, respaldamo-nos numa linha

estruturalista, bastante distribucional, mas, uma e outra vez, re-

corremos a explicações conforme a gramática prescritiva.

No que tange à metodologia, adaptamos o descritivo ao

didático -descritivo-didático; em outras palavras, procedemos à

descrição dos fatos lingüísticos lexicais e sintáticos em quatro

usos da Língua Portuguesa e à descrição de "erudito" e "popular"

no romance (o descritivo) acompanhada por explicações elucidativas

(o didático).

De tudo isso, achamos que fica bem evidente ser a nos-

sa pesquisa uma tentativa de descrever o "erudito" e o "popular" em

dois aspectos lingüísticos- léxico e sintático - em obra literá-

ria3. Quando preciso, fazemos referência a aspectos estilísticos ,

mas sem fornecer qualquer interpretação pessoal; apenas, aqui, aço-

lá, apresentamos questões estilísticas, abertas a interpretações.

De propósito, deixamos para o final desta breve intro-

dução comentário a respeito do Capo I: PANORAMA HISTORICO-CULTURAL

DA ORIGEM E PUBLICAÇÃO DE "MENINO DE ENGENHO". Nele, transcreve-

mos, em primeiro plano, depoimentos de críticos literários sobre o

homem-escritor J.L. do Rego e sua obra (em especial Menino de En -

genho) - retrato de sentimento e linguagem telúricos. Em seguida,

discorremos acerca das várias etapas que o romancista perlustrou ,

desde sua infância até o romance vir à luz para o grande público.

Esse capítulo, consideramo-lo de importância capital, haja vista

servir de fundamentação à nossa afirmativa de que as influências

sócio-culturais4 do autor-personagem emergem acentuadamente na

obra, por meio da língua escrita.

iv

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NOTAS E REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1)

Não temos conhecimento de publicação de pesquisa, no Brasil,

que demonstre as características da língua oral em oposição à

escrita. Por isso, valemo-nos de três fontes:

a) nossa experiência de quatorze anos como professor de Língua

Portuguesa nos 1º, 2º e 3º Graus;

b) Gillian Brown e George Yule. Discours analysis. (Cambridge,

1983) p. 4-19;

c) Projeto NURC, U.F.PE.

(2)

A exemplificação sob análise se circunscreve à linguagem do

narrador-personagem, porque retrata de modo mais fiel a lingua-

gem de José Lins do Rego no romance. Só em situações excepcio-

nais, aludimos à manifestação lingüística de outros persona -

gens, mesmo assim para demonstrar a inadequação de uso de de -

terminada forma lingüística em relação ao contexto sócio-cultu-

ral do personagem.

(3) “A descrição pode tomar para objeto qualquer modalidade lin-

güística, desde a mais popular ou remotamente regional até a

mais elaborada como, por exemplo, a língua da literatura. Im -

porta, apenas, para ser exata e lúcida, concentrar-se no obje-

to especificamente escolhido.” (Cf.: Joaquim Mattoso Câmara Jr.

Problemas de lingüística descritiva. 9 ed (Rio de Janeiro, Vo-

zes, 1978) p. 12).

(4) Essas influências sócio-culturais transparecem de tal modo em

Menino de Engenho, que, na sua linguagem, destaca-se não só o

popular, como, sobretudo, o erudito.

v

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1ª PARTE

SITUAÇÃO DA PUBLICAÇÃO DO ROMANCE E POSICIONAMENTO TEÓRICO SOBRE

FORMAS LINGUÍTICAS ERUDITAS E POPULARES.

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CAPÍTULO I

PANORAMA HISTÓRICO-CULTURAL DA ORIGEM E PUBLICAÇÃO DE

“MENINO DE ENGENHO”

1. UMA VISÃO CRITICA SOBRE A OBRA E O AUTOR

Para se fazer uma análise da linguagem de Menino de En-

genho como a que pretendemos, é preciso, antes de tudo, situá-1os,

obra e autor, no tempo, é preciso expor, em linhas gerais, que ba-

ses culturais os tocaram no momento de elaboração e publicação. Se,

por um lado, a linguagem utilizada na obra pode retratar as varian-

tes ou variante lingüística de suas origens¹, onde o autor adqui –

riu² e desenvolveu a linguagem; por outro, as influências lingüís-

ticas recebidas e o conhecimento adquirido até a feitura do roman-

ce vão ampliar, enriquecer as possibilidades de manifestação do ar-

tista. Sem dúvida, essa teia de influências é que, filtrada, sele-

cionada, caracterizará o estilo de sua linguagem.

Então tracemos um panorama histórico-cultural dessa

obra em dois momentos: um, a situação na infância do autor, até

mais ou menos aos doze anos de idade; outro, seus primeiros conta-

tos com a atividade literária e seus gostos pela leitura até ã pu-

blicação de Menino de Engenho.

A infância do escritor desenrola-se num estado de cri-

se de uma estrutura social patriarcal e escravocrata em uma região

agrária, marcada pela presença do sub-humanismo, da miséria. É o

que atesta a crítica especializada e os conhecedores da vida e obra

de J.L. do Rego.

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1.1. Depoimentos de críticos

Carlos Drummond de Andrade, ao assegurar que "Coube a José

Lins nascer e passar a infância num período de crise [...] em que uma

forma de viver se despedia de toda uma região"3 bem defi-ne o estado

de transição e instabilidade da comunidade onde o futu- ro escritor

vive sua infância.

E é Tristão de Athayde que, ao se referir a J.L. do Rego,

ratifica as primeiras declarações sobre o que cercava os doze

primeiros anos de vida do nosso autor:

"[...] o nosso sertanejo do Pilar, filho desse pa-

triarcado rústico (o grifo é nosso) vinha refletir

nos painéis do seu grande mural a morte dos

bangüês, a agonia dos engenhos, o domínio crescen-te

das usinas, em suma a desumanização da economia

pela mecanização da lavoura e com isso a ruína do

patriarcado e a dispersão de um povo, descendente

dos escravos de outrora, e ainda não fixado no

trabalho livre."4

O crítico José Maurício Gomes de Almeida, ao traçar um

perfil de Menino de Engenho, nos enriquece também de informações que

envolviam a infância do romancista, ou melhor, os elementos típicos

na feitura da obra:

" [...] forma autobiográfica [...] em que o narrador

coloca-se na posição de observador para retratar

[...] o mundo em que viveu; no caso de J. L. do Rego,

o mundo dos engenhos de açúcar, com suas atividades

produtivas, tipos humanos característicos, costumes

[...] Tendo buscado a matéria da narrativa em

vivências pessoais de infância no engenho do avô

José Lins, o escritor vê-se efetivamente envolvido

pela realidade evocada."5

Um outro crítico, Adolfo Casais Monteiro, vai muito

mais além quanto à impregnação em J.L. do Rego daquele mundo de sua

infância:

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4“José Lins do Rego nunca assimilou outro mundo

além daquele da sua infância, de modo que as no -

tas autênticas da sua voz são sempre as dum mundo

primitivo cheio de lendas, de mistério [...]”6

Agora, a linguagem e a percepção são objeto do

comentário de Adonias Filho:

“[...] José Lins do Rego tem em sua obra novelís-

tica uma espécie de mural regional que se valori-

za na linguagem tão aproximada da fala C.] con-

seqüência talvez da vizinhança que sempre manteve

com o complexo cultural do Nordeste [...]”7

Já Alfredo Bosi, ao comentar a vida e a obra de J.L.do

Rego, afirma:

“[...] o romancista soube fundir, numa 1inguagem de

forte e poética oralidade, as recordações da

infância e da adolescência com o registro intenso

da vida nordestina colhida por dentro,através dos

processos mentais de homens e mulheres que repre-

sentam a gama étnica e social da região.”8

Adiante, relacionando-se às memórias de um menino de

engenho, assegura que são as memórias.

“[...] de um menino de engenho, feito à imagem e

semelhança de um mundo que, prestes a desagregar-

-se, conjura todas as forças de resistência emoti-

va e fecha-se na autofruição de um tempo sem ama-

nhá.”9

Esses depoimentos são suficientes para nos levar a em-

tender que a obra de J.L. do Rego, e em particular Menino de Enge-

nho se volta para o passado, retratando quase fielmente as expe -

riências de infância e adolescência vividas pelo escritor, bem co-

mo aquele menino de engenho. Assim, a história do personagem se

confunde com a da infância do próprio autor.

O próprio romancista, no prefácio de Meus Verdes Anos,

confessa-se presente na obra de ficção ao expor todas aquelas si -

tuações e fatos vivenciados no engenho do "avô José Lins. Observe -

......

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5

mos, então, parte de seu depoimento, procurando associá-lo ao que

sucede em Menino de Engenho:

‘Chamei de verdes anos os tempos de minha primei-

ra infância. E em livros de memórias procurei re-

ter tudo o que ainda me resta [...]dos campos flo-

ridos, das borboletas azuis. Em meu caso as borbo-

letas estiveram misturadas a tormentos de saúde,

a ausência de mãe (Carlinhos também perde a mãe

aos quatro anos de idade,tempo em que é levado pa-

ra o engenho), a destemperos de sexo (situação

idêntica à de Carlinhos) [...] O neto de um homem

rico (o velho José Paulino era o dono do engenho

no romance). A separação violenta de minha segun-

da mãe (a Tia Maria a quem dedicava afeto mater -

nal) marcou-me [...] A ausência do pai que não era

bem visto pelos parentes maternos (no romance, es-

tá ausente, no hospita, por loucura) fez de mim

uma criatura sem verdadeiro lastro doméstico [...]

A vida não me libertou de certos modos (o que se

confirma em todo o romance). A asma fez de mim um

menino sem fôlego [...] Tinham cuidados demasia -

dos com a criança franzina (situação igual à de

Carlinhos no romance) [...] Tinha vontade de cor-

rer os campos como os de minha idade. E se saía

dos limites impostos, acontecia o ataque de puxa-

do e teria que sofrer as agonias de um afogado. E

mais ainda as reclusões forçadas com as negrotas

a me aguçarem desejos e concupiscência.’10

Ora, a fusão autor-personagem e as influências sócio -

-culturais emergem acentuadamente na obra, por meio da língua es

crita11, que é o instrumento por excelência do escritor, para mani-

festar sua realidade artística. Por exemplo, no léxico, utilizando

um vocabulário caracterizador da região12, das atividades nos enge-

nhos, das crendices, etc. como se pode observar em algumas passa -

gens do romance em tela:

“ - Quase que você pega o engenho safrejando”

(Cap. 5, p. 12)

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6

"O mestre Cândido com uma cuia de água de cal"

(Cap. 5, p. 12)

"Lá é mais baixo, deve haver precisão de socorro"

(Cap. 13, p. 27) "necessida" de urgente"

"Tomou ate purga de batata" (Cap. 16, p. 37)

"purgante"

"Chico Pereira era cambiteiro, moleque chibante"

"transportador de lenha" "valentão"

de bagaceira" (Cap. 18, p. 43)

"Lá vem o papa-figo: - era assim que botavam a

gen- te para correr de qualquer parte." (Cap.

20,p.47)

No nível sintático, através de construções e comparações que indi-

cam a influência da região e da língua oral:

"E quando o meu pai chegava nas suas crises, exas-

perado como um pé-de-vento" (Cap. 3, p. 6)

" [...] um deles trepou pelo pé-de-pau numa ligei-

reza de macaco." (Cap. 11, p. 22)

"Uma moléstia horrível que me deixava sem fôlego,

com o peito chiando, como se houvesse pintos so-

frendo dentro de mim." (Cap. 29, p. 80)

"Eram os homens que faziam os meninos. Tudo igual

ao que a gente via nos cercados." (Cap. 29, p.8l)

Comparações como essas, em que se reflete apenas a visão daquele

pequeno mundo da infância, são arroladas em quase toda a obra em

questao. Mas, vejamos outras construções:

"Os moleques estavam me esperando" (Cap. 4, p.1 O)

"Você precisa ficar matuto." (Cap. 4, p. 10)

"Meus dois primos, bem afoitos, sabiam nadar, mon-

tar a cavalo no osso [...]" (Cap. 6, p. 13)

"No outro dia de manhã veio um portador nos cha-

mar. O rio já estava no caixão." (Cap. 13, p. 30)

"Vou pra cadeia, crio bicho na peia, mas não vivo

com a descarada daquela quenga." (Cap. 18, p. 43)

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7E assim, ao longo do romance, a força da expressividade lingüísti-

ca vai promovendo a definição do estilo.

2. POSSÍVEIS INFLUÊNCIAS LINGÜÍSTICAS E CULTURAIS: ETAPAS

Se a linguagem revela, de modo tão contundente, as rea-

lidades lingüística e cultural de J.L. do Rego na infância, também

deverá espelhar a aquisição lingüístico-cultural que o enriqueceu

desde o ginásio até à elaboração da obra.

“[...] os artistas da palavra sempre se mostram

sensíveis à problemática do seu tempo: são criado-

res, sim, mas sofrem influência do ambiente cultu-

ral, a ação ou sugestão do meio físico, a força

das heranças étnicas, a atuante presença do mo-

mento, ou seja, as idéias, ideais e idiossincra -

sias de cada época.”13

A isso acrescentaríamos que Língua-instrumento essencial do ho -

mem - que permite perenizar ou transmitir de uma geração a outra

as idéias ou ideais, também absorve todas as situações; e só atra-

vés dela o usuário mostra sua criação, as mudanças do seu tempo, a

atuante presença do momento.

Logo, J.L. do Rego não poderia ficar à margem dessa for-

ça centrípeta, posto que sua obra se volta para o passado, confor-

me assinalamos anteriormente.

Alinhemos, então, as mudanças e os momentos responsá -

veis pelo desempenho lingüístico diferente daquele que o menino J.

L. do Rego demonstrara em sua pequena cidade interiorana e que

avul-ta no romance (como analisaremos mais adiante):

2.1. No colégio

Wilson Lousada afirma que é ainda no ginásio, na capi-

.......

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8

tal do Estado, João Pessoa

"[...] onde também começam a revelar-se seus pen-

dores literários, seus gostos iniciais de lei -

tor. E de 1916, por exemplo, o primeiro. Contato

com a Ateneu, de Raul Pompéia [...] Em 1918 [...]

trava conhecimento com Machado de Assis, através

de Dom Casmurro, e publica seu primeiro artigo,

tendo como tema Rui Barbosa. Nesse mesmo ano faz

amizade com alívio Montenegro que lhe revela as

obras de Rousseau e Stendhal."14

Inegavelmente, o aparato 1ingtiístico-1iterário, adqui-

rido já aos dezessete anos, é bastante considerável, haja vista a

extensão de leitura realizada -conduzindo-o a um conhecimento de

culturas diversas, de classes sociais diferentes, de outros costu-

mes e crenças, de indivíduos com anseios e problemas diferentes dos

de sua cidadezinha do Pilar - e o ambiente intelectual a que muito

cedo aderiu. Portanto, é bem provável que, no jovem J.L. do Rego,

a essa altura, estivesse configurando-se uma variante 1ingüística

mais polida sobre a de origem.

2.2. No curso universitário

Em 1920, matriculando-se na Faculdade de Direito do Re-

cife, - continua Wilson Lousada -

"[...] José Lins amplia seus contatos com o meio

literário pernambucano, tornando-se amigo de José

Américo de Almeida, asório Borba, Luís Delgado,

Aníbal Fernandes e outros."15

Além disso, no mesmo período, sofreu profunda influência de Gilber-

to Freyre a respeito das novas idéias sobre a formação social bra-

sileira. Seu campo de leitura, em decorrência do novo convívio

intelectual ampliou-se de tal maneira, que alcançou o mundo da

1ite- ratura inglesa. Desse modo,

"Em 1923, José Lins começa a assinar os primeiros

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9

trabalhos reveladores de autêntica vocação de es-

critor, pubicando-os no semanário de crítica poli-

tica e literária DOM CASMURRO, fundado por Osório

Borba, e recebe o diploma de bacharel em Direi –

to."16

2.3. Na vida pública

Paralelamente à Primeira Guerra Mundial, que sacudiu

as bases sócio-econômicas do mundo ocidental, vinham-se germinando

no Brasil transformações radicais no ambiente cultural entre 1916-

1922. Em 1922 explode a Semana de Arte Moderna como uma síntese de

um processo intelectual renovador em maturação nas duas primeiras

décadas deste século.

É inoportuno aqui e agora analisar a metamorfose inte-

lectual desse vintênio, pois fugiríamos ao escopo da pesquisa; en-

tretanto cabe pelo menos lembrar o que representou a Semana para a

inteligência brasileira:

"[...] o Modernismo já está ‘madurol’, se não no

grande público, pelo menos entre os intelectuais

que compunham, naquele momento, a parte mais viva

e criadora da inteligência brasileira. A Semana

introduzia loficialmentel um novo estado de espí-

rito e foi, com toda a certeza, a mais profunda de

todas as nossas revoluções literárias."17

A revolução literária modernista trouxe em seu bojo al-

gumas premissas críticas essenciais, adotadas como plataforma por

ilustres partidários do movimento. Como o núcleo de nossa pesquisa

reside na análise de aspectos da linguagem numa obra literária, de-

ter-nos-emos apenas na referente à linguagem.

Uma das premissas -língua e liberdade de expressão -

se volta contra a convenção da língua portuguesa oficial do Brasil:

"Os gritos da nova vanguarda ecoam contra a coa -

ção das normas lingüísticas clássicas e contra a

.....

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10

falta de independência e criatividade do escritor

brasileiro.”18

A partir daí - explicando melhor - exigia-se um direi-

to de expressão livre e adequado à realidade lingüística brasilei-

ra. O homem brasileiro deveria ser independente para retratar os

nossos problemas através da linguagem viva, dinâmica; aquela lin -

guagem que se envolve e evolve com o dia a dia. Só assim a fala bra-

sileira poder-se-ia concretizar como uma norma “latu sensu” com

“status” diante da usada em Portugal.

Em decorrência dos gritos iniciais que ecoavam nos

principais centros culturais do país - São Paulo, Rio, Porto-Ale -

gre, Belo-Horizonte e Recife -, advieram grandes modificações na

língua escrita e, sobretudo, no uso literário, quanto ao léxico e

à sintaxe.

J.L. do Rego acompanha de perto a ebulição literária

desencadeada, além de travar conhecimento, por meio de leituras, com

nomes do movimento revolucionário.

Por essa época (1925), após ser nomeado promotor públi-

co em Minas Gerais -assinala Wilson Lousada -

“[...] suas leituras favoritas eram Thomas Hardy

e Marcel Proust, a que se acrescentariam natural-

mente alguns nomes novos do modernismo já vitório-

so.”19

No ano seguinte, já em Maceió, J.L. do Rego

“[...] passa a fazer parte de um grupo, o grupo de

Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Aurélio Buar-

que de Holanda, Jorge de 1ima, Valdemar Cavalcan-

ti, Aloísio Branco, Carlos Maurílio e outros. E

foi ainda em Maceió que 1ins do Rego escreveu seu

primeiro livro -Menino de Engenho ...”20

Pudemos observar que, após a conclusão do curso de Di-

reito, J.L. do Rego se insere mais intensamente na cultura brasi -

leira e, em conseqüência, nas várias tendências do Modernismo ins-

........

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11

taurado com a Geração 22. Todavia a linguagem em que a obra em es-

tudo está vazada não deságua no exagero de alguns seguidores do mo-

vimento cultural de 22. O Autor impregna na obra a língua viva, di-

nâmica, regional, e aspectos da língua culta, aproveitando, pois,

as virtudes do tradicional e do "novo" no que tange à linguagem do

texto literário. Em suma, consciente ou não, tenta um equilíbrio

na utilização de formas lingüísticas eruditas e populares (termos

que tentaremos definir no capítulo 11). Espraia-se, em quase toda

a obra, o tom coloquial apresentado de uma maneira lógica em que,

na maioria das vezes, predominam as normas tradicionais da gramáti-

ca prescritiva. Vejamos, por exemplo, como o nosso escritor repro-

duz em estilo direto a fala de personagens simples:

a) Manuel Severino:

“-Eu vi o vulto partir pra cima de mim, e lar -

guei as pernas num carreirão de cavalo desembesta-

do. Olhei pra trás, e só vi o mato bulindo com um

pé-de-vento de arrancar raiz.” (Cap. 20, p. 46)

b) A velha Generosa:

“ - Quem quisesse mandar na cozinha que viesse para

a boca do fogo.”

E quando iam reclamar qualquer coisa, saía-se

com quatro pedras na mão:

“ - Que se quisessem era assim. Tempos de cativeiro

já tinham passado.” (Cap. 22, p. 59)

c) As negras:

“ - Judiar com passarinho bota as pessoas pro in-

ferno, menino. Deus Nosso Senhor fez os pássaros

foi pra cantar no mato, saltinhos.” (Cap.25,p.69)

d) José Felismino:

“ – A terra molhou mais de um palmo. Tirou-se

quatro cinqüentas na planta do roçado. Acabou-se o

partido de baixo. O inverno deste ano vai ser pe-

sado. O Crumataú já desceu com muita água. Inver-

não." (Cap. 37, p. 110)

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Presumimos que, quanto à sintaxe, os personagens acima

arrolados não se expressassem tal qual o narrador retrata. A se-

qüência lógica de pensamentos nesses personagens bem como a concor-

dância nominal e a verbal, parecem-nos, marcam a influência do eru-

dito. Na verdade, a linguagem deles não aparece desnudada como pro-

puseram os modernistas da Geração 22; mas, ao contrário, o narra -

dor procura aqui, acolá, dar um polimento à linguagem local. Pela

não escolarização, pelo distanciamento de estrutura social lingüis-

ticamente mais bem informada e pelo tempo que viviam naquele am -

biente, podemos duvidar de construções como:

- na letra a) "as pernas": concordância do artigo com o substan-

...............................tivo.

- na letra b) "tempos de cativeiro já tinham passado": concor -

...............................dância do verbo com o sujeito.

- na letra c) "bota as pessoas" e "fez os pássaros": concordân-

...............................cia do artigo com o substantivo.,

"os pássaros [...] soltinhos": concordância do ad-

...............................jetivo com o substantivo.

Por outro lado, nessas mesmas passagens, a língua vi -

va, dinâmica, isto é, a do uso cotidiano emerge impondo o nível de

linguagem que, ao lado de outros aspectos da estrutura da obra, ca-

racteriza de modo peculiar o romance Menino de Engenho: simplicida-

de na construção das frases, o que se confirma na ordem direta de

seus termos, na predominância da coordenação e, quando ocorre o

processo de subordinação, usam-se os conectivos QUANDO, QUE, QUEM,

PARA (QUE) e a reduzida de gerúndio - alguns traços correntes na

língua oral. Acrescentem-se a isso construções peculiares a uma re-

gião ou indivíduos circunscritos a determinados meios de sobrevi -

vência:

"larguei as pernas num carreirão de cavalo desem-

bestado." (Cap. 20, p. 46)

"um pé-de-vento de arrancar raiz" (id.)

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"A terra molhou mais de um palmo." (Cap. 37, p.

110)

"Tirou-se quatro cinqüentas na planta do roçado."

(id.)

Por fim arremataríamos este capítulo reafirmando que

todas as influências lingüístico-culturais até aqui referidas irão

contribuir para definir o que chamamos "manifestações lingüísticas

eruditas e populares", termos cuja delimitação de conceito e de

aplicabilidade tentaremos demonstrar no capítulo seguinte.

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NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1)

José Lins do Rego Cava1canti nasceu aos três de Junho de 1901,

no Engenho Corredor, município do Pilar, Estado da Paraíba ;

aprendeu as primeiras letras ainda no interior da Paraíba; só

em 1912 é que se transfere para a capital, onde faz os estudos

ginasiais. (Cf.: Wilson Lousada. "Breve notícia-vida de José

Lins do Rego", in Menino de Engenho, José Lins do Rego, 20 ed

(Rio de Janeiro, J. 01ympio, 1974), Coleção Sagarana, vo1 22 ,

p. xv)

(2) A aquisição da língua materna, isto é, as estruturas fundamen-

tais para a comunicação ocorreu em ambiente rural -até aos on-

ze anos de idade.

(3) Car1os Drummond de Andrade. "José Lins", in Menino de Engenho,

José Lins do Rego, op. cit., p. xxix.

(4) Tristão de Athayde. "Zé Lins", In Menino de Engenho, José Lins

do Rego, op. cit., p. xxxv.

(5) José Maurício Gomes de Almeida. A tradição regionalista no ro-

mance brasileiro (1857-1945). (Rio de Janeiro, Achiamé, 1980)

p. 186-187 e 191.

(6) Ado1fo Casais Monteiro. O romance (teoria e crítica). (Rio de

Janeiro, J. 01ympio, 1964) p. 187.

(7) Adonias Filho. O romance brasileiro de 30. (Rio de Janeiro,

B1och, 1969) p. 47.

(8) A1fredo Bosi. História concisa da literatura brasileira. 2 ed

(São Paulo, Cu1trix, 1975) p. 446-447.

(9) Ibidem, p. 448.

(10) José Lins do Rego. Meus verdes anos. (Rio de Janeiro, Nova

.........

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15

Aguillar, 1976) Ficção completa, vol. II.

(11) Língua escrita é usada no sentido de uma das duas modalidades

de língua.A outra modalidade é a oral. Cada uma delas apresen-

ta vários usos, variantes ou normas, entre as quais se situa a

norma culta padrão, ainda não muito bem definida na Língua Por-

tuguesa do Brasil.

(12) É imprescindível esclarecermos aqui o que se entende por REGIO-

NALISMO. Segundo Zélio dos Santos Jota, em seu Dicionário de

lingüística. (Rio de Janeiro, Presença, 1976), é o "traço

lingüístico característico de uma região em relação língua co -

mum." Todavia, em obras por nós consultadas, os critérios uti-

lizados são geográficos, econômicos ou sociais, o que pode mas-

carar alguma classificação, uma vez que, por exemplo, inexiste

coincidência perfeita entre área dialetal e fronteira geográfi-

ca. Desse modo, na falta de meios (Atlas lingüístico da região

considerada) e como a atividade principal, os costumes e a re-

ligião espelham-se na linguagem dos usuários (principalmente

léxico), adotaremos tais critérios (econômico-sociais) para

julgarmos tal ou qual palavra como um REGIONALISMO. Sendo as -

sim, comprovaremos a classificação recorrendo ao romance em es-

tudo, confrontando com a realidade, ao glossário nele inserido

e aos dicionários brasileiros de língua portuguesa. Na citação

abaixo, invocamos ao próprio romance e ao glossário referido.

Detalhes sobre REGIONALISMO encontram-se no item 1. Capo IV.

(13) Gladstone Chaves de MeIo. Origem, formação e aspectos da cul -

tura brasileira. (Rio de Janeiro, Padrão, 1974) p. 141.

(14) Wilson Lousada, op. cit., p. xvi.

(15) Ibidem.

(16) Ibidem.

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16

(17) Wilson Martins. O modernismo: a literatura brasileira. 5 ed

(São Paulo, Cu1trix, 1977), vo1. VI, p. 17.

(18) Sílvio Castro. Teoria e política do modernismo brasileiro.

(Petrópolis, Vozes, 1979) p. 106.

(19) Wilson Lousada, op. cit., p. xvi-xvii.

(20) Ibidem.

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CAPITULO II

O ERUDITO E O POPULAR: UM POSICIONAMENTO

1. UMA CRÍTICA À GRAMÁTICA TRADICIONAL

É sabido que a gramática tradicional (também conhecida

como gramática prescritiva ou normativa) visa ao bem falar e ao bem

escrever, o que vai constituir, para os gramáticos, “língua ofi-

cial”. Quanto a esse aspecto, eis como se manifesta Evanildo Becha-

ra:

“[...] dentro da diversidade das línguas ou fala-

res regionais se sobrepõe um uso comum a toda a

área geográfica,fixada pela escola e utilizada pe-

las pessoas cultas: isto é o que constitui a lín-

gua geral,língua padrão ou língua oficial do país.

Cabe à gramática registrar os fatos da língua ge-

ral ou padrão, estabelecendo os preceitos de como

se fala e escreve bem ou de como se pode falar e

escrever bem uma 1íngua.”1

Celso Cunha afirma de outra maneira o que se deve re-

gistrar na gramática normativa:

“Uma gramática que pretenda registrar e analisar

os fatos da língua culta deve fundar-se num claro

conceito de norma e de correção idiomática.”2

E ainda Celso Cunha, após discorrer sobre os critérios

estabelecidos por Adolf Noreen e Otto Jespersen, parece abraçar o

deste último:

‘[...] falar correto significa o falar que a comu-

nidade espera, e erro em linguagem equivale a de-

vios desta norma. [...] A linguagem expressa o in-

divíduo por seu caráter de criação. mas expressa

...............

......

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18

também o ambiente social e nacional, por seu cará-

ter de repetição, de aceitação de uma norma, que

é ao mesmo tempo histórica e sincrônica. [...]3

Já Rocha Lima define a gramática normativa como “dis-

ciplina, didática por excelência, que tem por finalidade codificar

o 'uso idiomático', dele induzindo, por classificação e sistemati-

zação as normas que, em determinada época, representam o ideal da

expressão correta.”4 E, mais adiante, fundamenta essas normas “[...]

nas obras dos grandes escritores,em cuja linguagem as classes ilus-

tradas põem o seu ideal de perfeição. [...]5

O depoimento dos três gramáticos para nós é suficiente

para lançarmos uma crítica, uma vez que se trata de fontes a que

muito se recorre nos 2º e 3º graus, no ensino de Língua Portugue -

sa.

Há, de fato, um denominador comum nos três grandes grã-

máticos: a necessidade de normatização de leis que regulem um uso

da língua. Mas, a partir de que critérios o gramático deve estabe-

lecer as normas? E exatamente neste ponto em que a confusão começa

a tomar corpo. Senão vejamos.

Segundo Evanildo Bechara, quem fixa a "língua oficial é

a escola conforme a utilização pelas pessoas cultas; para Celso

Cunha, a "língua culta" equivaleria às repetições e fenômenos lin-

güísticos em um determinado ambiente social, portanto um critério

mais aberto; e de acordo com Rocha Lima, a gramática normativa de-

ve registrar as normas decorrentes das obras dos grandes escrito -

res, por isso um critério mais fechado, porque se fundamenta no

uso escrito literário da língua.

Feitas essas colocações, cumpre-nos relacionar e comen-

tar o que consideramos pertinente à crítica relativamente ao esta-

belecimento da gramática e à definição de "Língua culta":

a) ausência de definição e delimitação de termos como "língua ofi-

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19

cial”, “língua culta”, “pessoas cultas”;

b) critérios diferentes para se descreverem fenômenos lingüísticos

(isso vai gerar resultados diferentes, tornando praticamente impos-

sível a normatização);

c) não se levaram em consideração as duas modalidades de língua -

oral e escrita -nos critérios para as normas, fato que conduzirá o

usuário, ao consultar a gramática normativa, a poder utilizar-se

daquelas normas indiferentemente nos usos escrito e oral.

Finalmente, embora a gramática tradicional vise ao bem

falar e escrever, as nossas gramáticas normativas não estão adequa-

das para cumprir tais objetivos. Por que não se registram regras

para a “boa fala” e regras para a “boa escrita”? Isso não é apenas

essencial, como principalmente necessário ao usuário. A indiferen-

ça de tratamento aqui apontada vem alimentando a desorientação de

professores (os mal informados) e alunos no ensino da língua verná-

cula.

Por ter o nosso trabalho o objetivo de mostrar mais

adiante manifestações lingüísticas eruditas e populares, somos im-

pulsionados a adotar as duas modalidades de língua. considerando e

adaptando as regras prescritas pela gramática normativa às varia

ções de modalidade e uso.

2. UNIDADE E DIVERSIDADE LINGUÍSTICAS

Admitindo-se que a língua “[...] está em toda parte. Im-

pregna pensamentos, é intermediária em nossas relações com os ou -

tros,[...] O volume esmagador de conhecimentos é guardado e trans-

mitido pela linguagem”6, e admitindo-se ainda os vários níveis so-

ciais em que a determinada comunidade lingüística inevitavelmen-

te se divide, é-nos lícito asseverar que, por seu intermédio,se ex-

.....

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primem comportamentos, anseios, crenças, artes, características dos

mais diferentes segmentos de uma sociedade. Ora, se b processo com-

plexo físico-mental, que é a linguagem, constitui-se uma proprieda-

de da natureza humana; se os homens se distinguem ou se identifi -

cam, quer individual, quer grupalmente; como conseqüência natural,

as formas lingUísticas7 utilizadas vão contribuir para diferenciar e

identificar os usuários, de acordo com a seleção de formas cons-

tantes no desempenho lingüístico:

“O português da Bahia é o mesmo português do Rio

Grande do Sul? Não está cada um deles sujeito a

influências diferentes - lingüísticas, climáti -

cas, ambientais? O português de um médico é igual

ao de seu cliente? O ambiente social e o cultural

não determinam a língua? Estas questões levam à

constatação de que existem níveis de linguagem. O

vocabulário, a sintaxe e mesmo a pronúncia variam

segundo esses níveis.”8

Uma outra realidade lingüística, a que não se pode fu-

gir, é a das influências recíprocas, isto é, do mesmo modo que as

diversas camadas da sociedade não subsistem isoladas,as formas lin-

güísticas também não se circunscrevem a grupos de usuários. Dentro

de uma comunidade lingüística qualquer, por mais marginalizados ou

“fechados” que sejam os membros, o contato com outros segmentos da

sociedade é inevitável e, portanto,as múltiplas influências se rea-

lizam. Ademais, ao nosso ver inexistem, por exemplo, formas lin-

güísticas exclusivas de determinadas classes sociais ou atividades

profissionais; na verdade, isto sim, a língua, como um grande sis-

tema, dispõe ou permite realizações, transformações e criações as

mais diversas possíveis, a partir das quais cada grupo de usuários

elege algumas. Então, é a aceitação e a repetição de vocabulário,

construções e até de certas pronúncias por parte de cada grupo que

vão caracterizar ou, pelo menos, indicar, de certa forma, a língua-

gem das classes sociais, das atividades profissionais, etc. São es-

......

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sas mesmas possibilidades permitidas pela "langue" que levam um

poeta famoso, um técnico altamente capacitado, um homem simples do

povo a manifestarem lingUisticamente, de modos diferentes, um sen-

timento. Mas, como, em termos lingüísticos, um indivíduo não é uma

ilha inacessível, o seu desempenho, sem dúvida, influenciará ou -

tros, da mesma maneira que outros o influenciarão.

Ao aludir sobre as 'tendências padronizadoras' da lín-

gua (embora o falante se submeta também a forças positivas obstrui-

doras da padronização), Ronald Langacker assim se expressa:

“Sejam quais forem as motivações psicológicas, ge-

ralmente, as pessoas moldam sua fala (o grifo é

nosso) de acordo com a das pessoas com quem se co-

municam.”9

Tal testemunho releva a atuação lingüística de um indivíduo sobre

o outro.

Ao contrário, há ainda a diversidade lingüística, re -

sultante da “aplicação do sistema lingüístico abstrato em situa -

ções concretas [...]”10

Isso posto, podemos inferior o seguinte caso: numa de-

terminada sociedade, quando um grupo de indivíduos fala, cada mem-

bro, de acordo com suas peculiaridades, estará aplicando o sistema

lingüístico abstrato - diversidade lingüística. Simultaneamente,

cada membro, consciente ou inconscientemente, amolda sua fala à do

grupo - tendência padronizadora. Daí, naturalmente, o esforço ao

amoldamento faz sobressaírem certos traços lingüísticos – fonológi-

cos, 1exicais, sintáticos, semânticos - que poderão indicar, por

exemplo, uma marca social “prestigiosa” ou “não-prestigiosa” daque-

le grupo diante da sociedade.

A “diversidade lingüística”, permite, por um lado, ve-

rificar as diferenças individuais e coletivas (entre grupos na mês-

ma comunidade lingüística); e a “tendência padronizadora” permite,

........

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por outro, mostrar os traços comuns e decisivos marcadores de gru-

pos e indivíduos de uma mesma comunidade lingüística Não nos inte-

ressam aqui as diferenças individuais, mas exclusivamente destacar

dois fatos, na Língua Portuguesa do Brasil (de modo particular en -

tre os Estados de Pernambuco e Paraíba), - erudito e popular - cu-

jos traços marcantes emergem na linguagem do romance Menino de En-

genho.

3. MODALIDADES E USOS DE LÍNGUA

Sabe-se que entre os povos que conhecem a escrita, a

língua apresenta duas modalidades: oral e escrita, nas quais cada

uma dispõe de características próprias. Aqueles que, com constân -

cia, se preocupam com o ensino ou o estudo da língua como instru -

mento comunicativo reconhecem grandes diferenças entre a comunica-

ção oral e a escrita, sobretudo em relação ao léxico e à organiza-

ção das frases. O mestre Mattoso Câmara Jr., após dizer com tanta

simplicidade que uma é percebida pelo ouvido e a outra pela visão,

traça, genericamente, a distinção entre exposição oral:

“[...] quem fala em público tem de atentar para o

timbre de voz [...] para o complexo fenômeno que

se chama entoação das frases. [...] Finalmente, há

a questão da boa apreensão das nossas palavras,en-

volvendo um ajustamento delicado da sua enuncia -

ção e até da sua escolha, sob o aspecto acústico,

em vista das condições do auditório.”11

e exposição escrita que

“[...] pode parecer mais simples, dada a falta

desse complexo conjunto de elementos. A realida -

de, porém, é que eles têm de ser substituídos por

uma série de outros, cujo conhecimento e manu -

seio exigem estudo e experiência. Grande número

I

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de regras e orientações gramaticais decorre das

exigências a língua escrita. ...”12

3.1. Usos da Língua Escrita

Pelo menos três usos destacam-se na língua escrita:

3.1.1. O Literário - em que o usuário procura construir seu texto

em direção a uma camada social prestigiosa ou mesmo a diversas ca-

madas sociais. Nele há possibilidade de incidência da modalidade

oral, bem como dos diversos usos da escrita, resultando um texto

cuja finalidade é o lazer, o prazer estético, a crítica,o humor.13 E

O uso escrito literário, sem dúvida, pode variar de época para épo-

ca e, dentro de um mesmo lapso de tempo, haver profundas diferen-

ças entre um grupo e outro na comunidade lingüística em questão.

Ninguém pode negar, por exemplo, existirem diferenças considerá -

veis entre a linguagem parnasiana e a simbolista - estilos contem-

porâneos, mas distintos. Igualmente, não era uniforme a linguagem

literária das primeira e segunda fases do Modernismo brasileiro,

apesar de seus líderes pregarem exacerbadamente algumas normas de

comportamento literário.14 Aderaldo Castello assegura que o pró -

prio J.L. do Rego se insurge contra a linguagem, de Mário de Andra-

de em Macunaíma:

“A linguagem de Mário de Andrade em Macunaíma lhe

parece (para José Lins do Rego) ‘tão arrevesada

quanto a dos sonetos de Alberto de Oliveira’. Fa-

bricada, antes ‘arranjo de filósofo erudito do que

um instrumento e comunicação ora ou escrito.”15

Por fim, no uso escrito literário, percebe-se a tenta-

tiva de se elaborar artisticamente uma linguagem, haja vista a no-

vidade que o texto literário -propenso à perenização - conduz a

cada geração, servindo, muitas vezes, como modelo a outros neo-ar-

tistas da palavra.

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3.1.2. O Tenso - resulta de um conjunto de normas 1inguísticas con-

tro1adoras para se redigir com clareza e correção. Tais normas,por

sua vez, originam-se no desempenho 1ingüístico de uma classe sócio-

culturalmente prestigiosa, entre cujos indivíduos destacam-se as

pessoas cultas16, e um modo geral, os professores e críticos que

se inspiram em escritores - considerados clássicos de sua cultura -

em gramáticos e fi1ólogos de formação tradicional.

A língua escrita tensa, entre outras situações, funcio-

na (ou deveria funcionar) como instrumento comunicativo nas corres-

pondências interna e externa oficiais de uma empresa privada ou pú-

b1ica; nas instituições escolares através de trabalhos de alunos e

professores, como também na comunicação entre os seus vários seto-

res; nos documentos oficiais; nos relatórios de trabalhos científi-

cos e de congressos e simpósios ou encontros; enfim, na edição de

livros, jornais e revistas. Em todas essas situações, o responsá –

vel ou usuário esmera sua linguagem, procurando, dentro do seu li-

mite de conhecimento das normas gramaticais, selecionar as formas

lingüísticas para seu desempenho.17

Logo podemos definir a escrita tensa como a que decor-

re - nas situações acima descritas - de pessoas esco1arizadas (não

simplesmente alfabetizadas) que passaram por um processo mais ou,

menos longo de aprendizagem18 da língua escrita, quer em institui-

ção formal, quer através do autodidatismo. Consequentemente devem

predominar, na escrita tensa, a correção e a clareza, para o que

se exige do usuário o cumprimento de certas "regras" não somente

do sistema 1inguístico, mas sobretudo do uso em questão, isto é ,

deverá (o usuário) selecionar sempre a "melhor", a "correta", a

"mais elegante" palavra ou construção, sem, no entanto, haver uma

preocupação persistente em tornar artística sua linguagem.

3.1.3. O Distenso - Consideremos, de início, que a informa1idade na

.....

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25

maior parte das pessoas no cotidiano emerge da aproximação mais es-

treita de indivíduos gerada por certos vínculos que os unem ou ni-

velam. O resultado de um relacionamento humano direto e freqüente

possibilitará, na comunicação escrita, em semelhante situação, grau

de informalidade idêntico: assim como no relacionamento social in-

formal os indivíduos tendem ao à-vontade, à distensão, ao afrouxa-

mento, na comunicação escrita há, quando se tratar de pessoas cul-

tas, certo despoliciamento na linguagem.19 Por conseguinte, a cons-

trução das frases tornam-se menos artificiais, ou seja, afigura-se

a ordem do pensamento em detrimento da ordem inversa consciente;

avultam as sintaxes de concordância,de regência e de colocação sim-

ples e comuns em lugar das complexas e pouco usuais; a eleição do

vocabulário geralmente não advém de seleção rigorosa, mas de uma

necessidade imediata: presentificam-se, alguma vez, gírias e ex -

pressões de uso mais comum na modal idade oral. Ainda por cima, pe-

lo fato de o escrito distenso atender a necessidades imediatas e

se inserir em situações psicologicamente informais, acrescentem-se

alguns "deslizes" normativo-gramaticais.20

3.2. Usos da Língua Oral

Se compararmos o desempenho lingüístico oral, em idên-

tica situação, de um indivíduo culto com um não-culto (nos termos

definidos na nota 16 deste capítulo), com certeza sobressairão di-

ferenças marcantes bem como pontos comuns igualmente relevantes. De

início, algumas questões podem ser levantadas: de onde proviriam

as diferenças? Por que ocorrem simultaneamente as diferenças e pon-

tos comuns? Quais são as diferenças e igualdades relevantes entre

essas duas classes de indivíduos? Quais as conseqüências da dife -

renciação no desempenho lingüístico?

Em primeiro lugar, a língua, por ser uma entidade de

.........

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26

caráter social e um instrumento indispensável ao homem, vai sendo

adaptada, amoldada, à proporção que o indivíduo a utiliza. Ora, co-

mo a sociedade não é homogênea, isto é, sempre apresenta diversos

segmentos grupais, a língua tende a uma diversificação suficiente

para observarmos os traços mais relevantes entre os diversos usos

também da língua oral.21 Em segundo lugar, cada classe de indiví -

duos aqui aventada - culta e não-culta - por sua vez recebe influ-

ências lingüísticas distintas: enquanto à primeira se concede aces-

so a outros indivíduos também proeminentes, a instituições cultu-

rais de maior prestígio sócio-cultural, à segunda, de um modo ge -

ral, não se concedem tais oportunidades, ficando,neste caso, sob

influência preponderante de sua própria classe, daquilo que o cer-

ca.

Um outro fato a que aludimos de grande peso é a influ-

ência da língua escrita no desempenho oral por parte das pessoas

cultas e, por que não dizer, de alguns poucos indivíduos não-cul -

tos, isto porque “[...] Grande número de regras e orientações gra-

maticais decorre das exigências da língua escrita para a comunica-

ção ser plenamente eficiente [...]”22. Assim, como o indivíduo cul-

to é posto com mais intensidade em contato com a escrita,seja atra-

vés da leitura, seja no exercício redacional, exigindo dele maior

reflexão e cuidados normativo-gramaticais na expressão de suas

idéias, provavelmente a sua exposição oral se vá enriquecendo com

aquelas estruturas. Em síntese, enquanto à língua oral de um se so-

mam regras e estruturas da língua escrita, à língua oral de outro

se acumulam formas correntes da própria língua oral.

Em virtude disso, visualizamos dois usos bastante con-

cretos da modalidade oral: o oral tenso e o oral popular.

3.2.1. O Tenso - corresponde àquele desempenho as pessoas cultas,

mesmo em contextos23 variados. Posto que o usuário culto conscien-

........

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27

temente procure amoldar sua linguagem - o que nem sempre consegue-

a cada situação de fala, muitas vezes inserindo certas formas mais

comuns à língua oral do não-culto, ainda assim a classificamos co-

mo tenso, uma vez que mantém vivas as normas gerais da gramática

normativa na fonologia,na morfologia e na sintaxe. Tal atitude lin-

güística procede de influência da escola e, sobretudo, da forte

ação da língua escrita e do ambiente sócio-cultural. Isso quer di-

zer que, não raras vezes, a língua escrita serve como espelho ao

desempenho lingüístico oral do indivíduo culto. Então, respeitadas

as peculiaridades da língua oral, o uso oral tenso, em linhas ge -

rais, possui as mesmas características estruturais do escrito ten-

so. (Veja adiante Quadro de Traços Marcadores, p. 28.)

3.2.2. O Popular - denominamos oral popular ao desempenho lingüís-

tico oral de pessoas não-cultas, nas mais diferentes situações. Ca-

racteriza-se pela inobservância aos ditames da gramática normati -

va, além de seu usuário manifestar, nas formas lingüísticas do dia-

a-dia, limitação de cultura. Em outras palavras, o oral popular,

além de desviar-se da norma gramatical, carrega grande quantidade

de palavras, e organizações sintáticas de utilização imediata,

predominante de um grupo ou de uma região.

3.3. Traços marcadores quanto aos aspectos lexical e sintático24

pedro
pedro
pedro
pedro
pedro
pedro
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28

QUADRO DE TRAÇOS MARCADORES LEGENDA

E S C R I T A O R A L T R A Ç O S

Tensa Distensa Tensa Popular

1. Regionalismo, arcaísmo e gíria25. - - - + 2. Palavras utilizadas na comunicação coloquial. - + + + 3. palavras de formação clássica (especialmente do L. Clássico). + + + - 4. Item lexical das ciências,artes,tecnologia e das camadas consideradas sócio-culturamente privilegiada. + + + - 5. Criação de neologismo26 + - + - 6. Compatibilização semântica estilística entre itens lexicais. + + + - 7. Incorrelação entre tempos e modos verbais. - - - + 8. Uso do mais-que-perfeito e futuro do pretérito simples de indicativo. + + + - 9. Confusão do emprego entre futuro do subjuntivo e infinitivo pessoal. - - - +

10. HAVER na acepção de TER, CONSEGUIR, PROCEDER, JULGAR. + + + - 11. Transformação de certos verbos transitivos indiretos em direito. - - + + 12. Concordância de alguns verbos impessoais com o nome que se lhe segue. - - - + 13. Impessoalização de TER em lugar do verbo HAVER(= “EXISTIR”). - - + + 14. Frase de estrutura complexa, inclusive construção pleonástica. + + - - 15. Aposto referindo-se a toda uma oração e emprego adequado de CUJO. + + + - 16. PREP. + SUBST. em lugar de CONJUNÇÃO ADJETIVA equivalente. - + + + 17. Uso do processo de coordenação. - - - + 18. Incidência, na subosrdinação, dos conectivos QUE, COMO, PORQUE, QUANDO, SE, EMBORA. - + + + 19. Inflexibilidade das construções É BOM, É PRECISO, etc. e flexão de MEIO (adv.) e MENOS. - - - + 20. Ocorrência da subordinada reduzida e de conectivos como CONQUANTO, POSTO QUE, etc. + + + - 21. Adjetivo anteposto a um ou mais de um substantivo. + - - - 22. SUJ. COLETIVO + VERBO PLURAL e pron. ELE/ELA como OBJ. DIRETO. - - - + 23. Duplicação de negação. - - + + 24. Confusão no emprego de certas preposições como EM, DE, PARA, e A. - - - + 25. Comparações restritas ao ambiente cultural do usuário. - - - + 26. Posicionamento do pronome obliquo átono conforme a gramática prescritiva e a utilização dele com valor ....e função de possessivo. + + + -

+ Boa ou alta freqüência

- Baixa ou nenhuma freqüência

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29

Além da oposição fundamental ESCRITA x ORAL, podemos

inferir outras oposições entre os usos em uma mesma modalidade e

entre os usos das duas modalidades. Seguem-se, então, as oposições

com a quantidade de traços diferenciadores em cada par opositivo ,

segundo os vinte e seis itens discriminados no quadro anteriormen-

te apresentado:

OPOSIÇOES Nº DE TRAÇOS DIFERENCIADORES

Escrita tensa X Escrita distensa

Oral tensa X Oral popular

Escrita tensa X Oral tensa

Escrita tensa X Oral popular

Escrita distensa X Oral tensa

Escrita distensa X Oral popular

05

18

08

26

05

21

A quantidade de traços diferenciadores é diretamente

proporcional à clareza de distinção entre os membros de um mesmo

par, ou seja, quanto maior o numero de traços,mais evidente se tor-

na a diferença entre os usos; quanto menor o número, mais obscura

a distinção.

Por conseguinte, os números do quadro acima revelam a

dificuldade de se determinar com precisão as características lin-

güísticas - nos aspectos lexical e sintático - de alguns usos, em

virtude de, numa análise profunda, dever-se dar atenção a um núme-

ro de traços bastante reduzido como, por exemplo, no par ESCRITA

tensa x ESCRITA distensa. Mas, se por um lado, convém ao analista

não desprezar os poucos traços nesse tipo de oposição, por outro,

num trabalho como o nosso, é imprescindível estabelecer regras ge-

rais ou determinar traços de maior freqüência, de um modo que se

englobem no uso mais abrangente outros em que há poucos traços di

ferenciadores.

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Coerente com tal procedimento, houvemos por bem redu -

zir aqueles pares opositivos a apenas três:

- ESCRITA tensa x ORAL popular - 26

- ORAL tensa x ORAL popular - 18

- ESCRITA distensa x ORAL popular - 21

Considerando ainda a coincidência da maioria de traços

(mais de 60%) entre os usos ESCRITO tenso, ESCRITO distenso e ORAL

tenso, resta, nas duas modalidades, a oposição mais claramente de-

finida e de comprovação viável, ou seja

1 2

ESCRITA tensa

ESCRITA distensa X ORAL POPULAR

ORAL tensa

Como resultado, chamaremos ao membro 1 ERUDITO; ao

membro 2, POPULAR. Definindo, agora, 1 e 2:

1 ERUDITO - é qualquer forma lingüística que apresenta o traço

positivo (+) nos três usos ou nos dois da modalidade ESCRITA.

2 POPULAR - é qualquer forma lingüística que apresenta, ao mesmo

tempo, o traço positivo (+) no uso ORAL POPULAR, e o traço negati-

vo (-) na modalidade ESCRITA.

Tomando-se os traços arrolados no QUADRO DE TRAÇOS MAR-

CADORES e aplicando-os às definições de ERUDITO e POPULAR, estes

se caracterizarão assim:27

A. ERUDITO

A.l Palavra de formação clássica;

A.2 Item lexical das ciências, artes, tecnologia e das camadas con-

sideradas sócio-culturalmente privilegiadas;

A.3 Compatibilização semântica estilística entre itens lexicais;

A.4 Uso do mais-que-perfeito e futuro do pretérito simples do indi-

cativo;

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A.5 HAVER na acepção de TER, CONSEGUIR, PROCEDER, JULGAR;

A.6 Frase de estrutura complexa, inclusive construção pleonástica;

A.7 Aposto referindo-se a toda uma oração e emprego adequado de CU

JO;

A.8 Ocorrência da subordinada reduzida e de conectivos como CON -

QUANTO, POSTO QUE, etc.;

A.9 Posicionamento do pronome oblíquo átono conforme a gramática

prescritiva e a utilização dele com valor e função de possessivo.

B. POPULAR

B.l Regionalismo, arcaísmo e gíria;

B.2 Incorrelação entre tempos e modos verbais;

B.3 Confusão de emprego entre futuro do subjuntivo e infinitivo

pessoal;

B.4 Transformação de certos verbos transitivos indiretos em dire -

tos;

B.5 Concordância de alguns verbos impessoais com o nome que se

lhes segue;

B.6 Impessoalização de TER em lugar de HAVER (= "EXISTIR");

B.7 Uso do processo da coordenação;

B.8 Inflexibilidade das construções E BOM, E PRECISO, etc. é fle-

xão de MEIO (adv.) e MENOS;

B.9 SUJEITO COLETIVO + VERBO PLURAL e pronome ELE/ELA como OBJETO

DIRETO;

B.lO Duplicação de negação;

B.ll Confusão no emprego de certas preposições como EM, DE, PARA e

A;

B.12 Comparações restritas ao ambiente cultural do usuário.

De acordo com nossos critérios que definem o ERUDITO e

o POPULAR, cinco traços ficaram à margem: 2., 5., 16., 18. e 21. .

Isso porque não nos foi possível registrar uma predominância de

...........

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32

freqüência que justifique classificá-los como ERUDITO ou POPULAR.

Mesmo assim o traço 2. será considerado como POPULAR, uma vez que o

romance sob análise nos mostra uma alta freqüência de um vocabulá-

rio utilizado na comunicação coloquial dos usuários daquela região.

De propósito, deixamos para o final deste capítulo refe-

rências mais detalhadas quanto ao uso literário em relação às for-

mas eruditas. Analisando-se atentamente o item 3.3., admite-se que

o ERUDITO "caminha" na modalidade escrita e na oral. Segundo nos -

sas argumentações no item 3.1.1., ainda no presente capítulo, o li-

terário absorve estruturas lingüísticas características da língua

oral e da escrita, o que significa possibilidade de ocorrência de

ERUDITO e POPULAR simultaneamente, com a finalidade de transformar

o texto -através da linguagem -em artístico, perene, sempre ge -

rando novidades após cada leitura.

Observando-se, então, o uso literário, podemos con-

cluir que nele ressalta-se uma síntese de usos para uma finalidade

artística; vemo-lo, pois, como um “supra-uso”.

Eis aí a razão de não incluirmos, no QUADRO DE TRAÇOS

MARCADORES, o literário.

Em suma, para se analisar o "supra-uso" literário, con-

vém partir-se dos usos e formas lingüísticas nele implicados, bus-

cando ou a função estilística ou a descrição lingüística de cada

um. É sob esse último aspecto que tentaremos analisar, no capítulo

seguinte, a obra Menino de Engenho, de J.L. do Rego, ou seja, mos-

trar as manifestações das formas ERUDITAS e POPULARES - nos termos

aqui definidos -no uso literário.

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33NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1) Evanildo Bechara. Moderna gramática portuguesa. 4 ed. (São Pau-

......lo, Cia. Ed. Nacional, 1963) p. 25

(2) Celso Cunha. Gramática do português contemporâneo. 3 ed. (Belo

......Horizonte, Ed. Bernardo Álvares, 1972) p. 10.

(3) Ibidem. p. 12-13.

(4) Rocha Lima. Gramática normativa da língua portuguesa. 17 ed.

......(Rio de Janeiro, José Olympio, 1974) p. 5-6.

(5) Ibidem. p. 6.

(6) Ronald W. Langacker. A linguagem e sua estrutura. Trad.: Gilda

......Maria Correia de Azevedo. 4 ed. (Petrópolis, Vozes, 1980) p.

......11.

(7) Empregamos "forma lingüística" como designação geral para um

....fonema ou seqüência fonêmica com função distintiva dentro do

....sistema (língua) em estudo. Sob esse enfoque, consideramos co-

....mo "forma lingüística" o fonema, o morfema, a palavra, a perí-

....frase, a frase, o texto oral ou escrito.

(8) Francis Vanoye. Usos da linguagem: problemas e técnicas na

......produção oral e escrita. Trad.: Clarisse Madureira Sabóia et

......alii. (São Paulo, Martins Fontes, 1979) p. 31.

(9) Ronald W. Langacker, op. cit., p. 62.

(10) Ibidem, p. 61.

(11) Joaquim Mattoso Câmara Jr. Manual de expressão oral e escrita.

.......4 ed. (Petrópolis, Vozes, 1977) p. 16-17.

(12) Ibidem, p. 17.

(13) Embora a linguagem literária obedeça, de um certo modo,às nor-

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.....mas da gramática prescritiva, nota-se a tendência de aproximá-

.....-la (a linguagem) da realidade lingüística cotidiana.

.....Esse fato encorpou-se aqui, no Brasil, a partir da Geração mo-

.....dernista de 1922,na poesia e na prosa. (Cf. Cap. I, item 2.3.)

(14) Cf. Cap. I, item 2.3.

(15) José Aderaldo Castello, op. cit., p. 99.

(16) Consideramos culto o indivíduo que, pelo menos, possui certo

.....nível de escolaridade, bagagem de conhecimento acumulado dura~

.....te anos e atividade intelectual dinâmica e atuante nos segmen-

.....tos decisivos da sociedade.O não-culto é o indivíduo desprovi-

.....do de escolaridade secundária (inclusive 1º Grau Menor) e de

.....bagagem cultural acumulada por autodidatismo ou influência de

.....outros ambientes onde poderia adquirir alguma cultura.

(17) A instituição escolar é a grande responsável pela disseminação

.....da escrita tensa, numa tentativa de imposição dessa variante

.....lingüística a todos os segmentos da sociedade: "tendência pa -

.....dronizadora". Vemos, porém, neste aspecto, dois pontos negati-

.....vos: alguns professores só ensinam (quando ensinam) essa vari-

.....ante, como se isso representasse a língua em questão; por ou -

.....tro lado, os mesmos, não raras vezes, tentam forçar os alunos

.....a usarem dessas mesmas normas na língua oral.

(18) O termo "aprendizagem" é usado aqui no sentido de aquisição de

.....um novo aspecto de sua língua. (Cf. Tatiana Slama-Cazacu. Psi-

.....colingüística aplicada ao ensino de línguas. Trad.: Leonor

.....Scliar Cabral.(São Paulo, Pioneira, 1978)p.77,nota 1 e p. 84).

(19) Não vale a pena exemplificar a língua escrita distensa com pes

.....soas não-cultas, uma vez que seu desempenho lingüístico escri-

.....to apresenta apenas diferenças bastante sutis mesmo em momen -

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tos diversos. (Verdadeiramente, não fizemos qualquer 1evanta-

mento de dados para tentar provara afirmação nesta nota; toda-

via, permitimo-nos inferir que se o indivíduo ainda não se en-

contra seguro na utilização da escrita, em situações concretas

distintas em oposição à língua oral, que consciência ele terá

para a seleção de formas adequadas?) A tltu10 de exemplo, po -

deríamos citar grande número de alunos recém-chegados à univer-

sidade cuja utilização da língua escrita é bem próxima à 1ín -

gua oral.

(20) Apesar de não ter incluído o indivíduo não-culto nesta c1assi-

ficação, é possível identificar-se um texto escrito distenso em

oposição a um texto escrito de um indivíduo não-culto. Enquan-

to, no primeiro, as regras mais gerais da gramáticaprescriti-

va são obedecidas, no segundo elas são, constantemente, trans-

gredidas. Isso foi o que pudemos observar, numa proporção con-

sideráve1 de pessoas, como professor de Língua Portuguesa e

como auxiliar direto na administração escolar,em 2º e 3º Graus.

(21) Por uma questão de economia e viabilidade, fixaremos a classi-

ficação da modalidade oral em uso culto e não-cu1to os quais

chamaremos adiante de, respectivamente, uso oral tenso e uso

oral popular.

(22) Joaquim Mattoso Câmara Jr., op. cit., p. 17.

(23) Contexto no seu sentido mais amplo: 1ingüístico e/ou extra1in-

güístico.

(24) Cada traço marcador, diferenciador ou identificador, assina1ado

num determinado uso, por exemplo, não indica exclusividade da-

quele uso, mas sim maior freqüência.

(25) Gíria, como usamos neste trabalho, caracteriza-se por um neo1o-

gismo quase sempre popular, as vezes restrito apenas a area se-

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mântica, ora como preocupação de comunicação diferente daquela

da comunidade, ora como marcador de grupos sociais. (Apud José

Brasileiro Vilanova. Aspectos estilísticos da língua portugue-

sa. Edição revista e melhorada. (Recife, Ed. Universitária -

UFPE, 1979) p. 64-66).

(26) Neologismo é empregado conforme Joaquim Mattoso Câmara Jr. :"Em

regra, porém; são composições ou derivações por certos sufixos.

...Acrescem os helenismos eruditos e as adoções de estrangei-

rismos." (Cf.: Joaquim Mattoso Câmara Jr. Dicionário de filo -

logia e gramática. 6 ed. (Rio de Janeiro, J. Ozon, 1974) p.

278).

(27) A relação de formas lingüísticas eruditas e populares trans -

critas a seguir, respectivamente, em A. e B., pode-se aplicar

a análise de qualquer obra de Língua Portuguesa, de autor nas-

cido e criado no Brasil. Porém, uma advertência: nem todas as

características de formas eruditas e/ou populares, obrigatória-

mente, serão encontradas. De outra parte, essa relação deverá

ser atualizada ã proporção que a freqüência de um determinado

uso baixe ou se eleve, ou ainda, que determinado traço de um

uso se insira em boa freqüência de outro uso.

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2ª P A R T E

ANÁLISE DAS FORMAS LINGÜISTICAS ERUDITAS E POPULARES NA LINGUAGEM

DE “MENINO DE ENGENHO”

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Traços marcadores mais freqüentes em Menino de Engenho

Na nota (27) do Capo 11, tentamos esclarecer que nem

todos os traços marcadores - eruditos ou populares -, obrigatoria-

mente, aparecem em uma obra. Agora, acrescentamos que, embora Al-

guns traços se façam presentes, não os consideramos relevantes pa-

ra a análise por causa de sua baixa freqüência. Dessa maneira,o es-

tudo se restringirá aos observados no romance, com boa freqüência1.

Eis, pois, a relação dos traços marcadores, identificados em Menino

de Engenho, de J. L. do Rego, de acordo com as letras A. e B. , do

item 3.3., capítulo anterior:

1. Eruditos

1.1. Palavras de formação clássica.

1.2. Item lexical das camadas consideradas sócio-culturalmente pri-

vilegiadas.

1.3. Compatibilização semântica estilística entre itens lexicais.

1.4. Uso do pretérito mais-que-perfeito e futuro do pretérito sim-

ples do indicativo.

1.5. Frase de estrutura complexa.

1.6. Frase com termos empregados pleonasticamente.

1.7. Posicionamento do pronome pessoal oblíquo átono conforme as

normas gerais da gramática prescritiva da Língua Portuguesa.

1.8. Utilização do pronome pessoal oblíquo átono com valor e fun -

ção de possessivo..

2. Populares

2.1. Regionalismo.

2.2. Gíria.

2.3. Palavras utilizadas na comunicação coloquial.

2.4. Uso do processo de coordenação.

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CAPÍTULO III

FORMAS LINGÜÍSTICAS ERUDITAS

1. PALAVRAS DE FORMAÇÃO CLÁSSICA

São as de proveniência latina literária, incorporadas

à Língua Portuguesa por intermédio dos meios sociais cultos, a par-

tir do Renascimento, “[...] quando se processou verdadeira 1atini-

zação da língua portuguesa”2 Essas palavras, segundo J.Mattoso

Câmara Jr.,

“[...] não apresentam mudanças fonéticas em con-

fronto com a forma originária. Houve apenas a

adaptação da parte final aos modelos mórficos

portugueses e uma ou outra alteração para evitar

grupos anoma10s e fonemas, em português.”3

No romance de J.L. do Rego, constatamos boa freqüência

de palavras de formação c1ássica4:

a) No capítulo 3:

“[...]eu fico a pintar o retrato dessa mãe angé-

1ica.” (p. 6)

angélica < 1at. Diagonale -. Houve apenas uma adaptação ao modelo

mórfico português.

b) No capítulo 5:

"Um enorme edifício [...]e um bueiro branco, com

a boca cortada em diagona1." (p. 12)

diagona1 < 1at. diagona1e -. Uma adaptação à forma portuguesa.

c) No capítulo 14:

"Fui ali recebido com os agrados e as condescen-

dências [...]” (p. 32)

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condescendência < lato condescendere + sufixo latino ENTIA. Aqui até

o morfema derivacional é de origem latina. Todavia, o elemento

de maior relevo repousa na forma verbal, que gerou a portuguesa.

d) No capítulo 16:

"O velho José Paulino gostava de percorrer sua

propriedade, [...]" (p. 36)

percorrer < lato percurrere. Para a forma portuguesa, algumas alte-

rações fonéticas.

“Andávamos muito nessas visitas de patriarca.”(p.

36)

patriarca < do grego através do lato patriarcha.

“E as nossas conversas avançavam até em corrigen-

da à vontade de Deus.” (p. 42)

corrigenda < lat. corrigenda (= que deve ser corrigida)

e) No capítulo 22:

“Eu não tivera estes irmãos porque nascera na ci-

dade, longe da salubridade daqueles úberes de boas

turinas.” (p. 55)

salubridade < lato salubritate -.Pequenas alterações para a forma

portuguesa.

úberes < lat. ubere -. Sem comentário por causa da semelhança.

f) No capítulo 25:

“Enquanto os canários vinham e voltavam, eu me-

tia comigo mesmo, nos meus íntimos solilóquios de

caçador.” (p. 66)

solilóquio < lato soliloquiu -. Sem comentário por causa da seme -

lhança.

g) No capítulo 28:

"E Dona Amélia, pequenina, petrificara-se também,

na etiqueta.” (p. 77)

petrificar < lato petra + ficare. A forma portuguesa atual é resul-

tado de algumas poucas mudanças fonéticas recorrentes na Língua Por-

tuguesa.

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41

h) No capítulo 29:

“O velho José Paulino tratava de tudo, fazia si-

napismos de mostarda, [...] lancetava furúnculos."

(p. 81)

sinapismo < do grego pelo lat. sinapismu -. Apenas adaptação for -

mal à Língua Portuguesa.

furunculo < lat. furunculu-. Sem comentário por causa da semelhan-

ça.

i) No capítulo 34:

“Procurávamos a sombra dos cajueiros para os nos-

sos colóquios.” (p. 94)

colóquio < lat. colloquio-. Sem comentário por causa da semelhança.

j) No capítulo 35:

“A negra Luísa [...] arrastava-me a coisas ignó-

beis” (p. 102)

ignóbil < lat. ignobile-. Pequena alteração fonética em relação à

forma portuguesa.

Muitas outras palavras de proveniência latina literá-

ria se espalham pela obra, porém não as registramos, porque hoje

estão no uso geral. Isso significa o cuidado em apresentarmos o lé-

xico, em Menino de Engenho, que indicia o lado erudito de J.L. do

Rego.

2. ITENS LEXICAIS DAS CAMADAS CONSIDERADAS SOCIO-CULTURALMENTE PRI-

VILEGIADAS.5

No léxico de uma língua, principalmente a considerada

“civilizada”, as palavras se organizam em grupos também de confor-

midade com os usuários, ou seja, um determinado grupo de formas

lingüísticas apresenta maior freqüência de utilização em um certo

grupo de usuários. Ora, as camadas sócio-culturalmente privilegia-

.....

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das, por terem tido a experiência de envolvimento com a Escola du-

rante anos ou de trabalhar com a cultura do seu povo, quer no as -

pecto profissional, quer no artístico, em tudo isso atuando a lín-

gua como instrumento de comunicação, vão expressar certas palavras

cuja freqüência, em outro grupo de pessoas - por exemplo, o não -

-culto6 -, e baixíssima.

J.L. do Rego, a quem se atribui “[...] uma linguagem

tão aproximada da fala [...]”7, nos revela uma boa freqüência de

itens lexicais caracterizadores do usuário culto. Observemos, en -

tão, as passagens (e não são poucas) através das quais o autor de

Menino de Engenho denuncia essa outra faceta de sua linguagem:8

a) No capítulo 1:

“[...] caí num choro convulso.” (p. 4)

b) No capltulo 3:

“[...] cheia de pudor e de recato, [...]” (p. 7)

c) No capítulo 4:

“Quando chegava numa estação, ainda mais se agu-

çada minha curiosidade." (p. 7)

“[...] de um açude coberto de uma camada espessa

de verdura.” (p. 8)

d) No capítulo 5:

“O mestre Cândido com uma cuia de água de cal dei-

tando nas tachas [...]” (p. 12

(= derramando)

“E os tanques de mel-de-furo, com sapos ressequi-

dos por cima de uma borra amarela [...]” (p. 13)

“[...] o que mais me interessava ali era [...] e

agitação febril das duas bolas do regulador."

(p. 13)

e) No capítulo 7:

“ Era um temperamento esquisito e turbulento.”(p.

14)

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“[...] tomava conta da casa do meu avô, mas com

um despotismo sem entranhas." (p. 14)

“E quando saía [...] era como se um povo tivesse

perdido o seu verdugo.” (p. 15)

f) No capítulo 9:

“Esta conversa me tomava inteiramente, [...]”(p.

17) (= absorvia)

“Vinham [...] muito no alto, a espreitar um poço

de água [...]” (p. 17)

g) No capítulo 10:

“Naquela noite íamos tê-lo em carne e osso.” (p.

18) (= ver)

“A velha sinhazinha [...] gritando [...] com

a mesma arrogância incontentável.” (p. 18)

h) No capítulo 11:

“Pela estrada, [...] recendia um cheiro ácido de

cajá maduro." (p. 21)

“Foi uma festa de exclamações:”(p. 21)

i) No capítulo 13:

“Lá um dia, [...] via-se, [...] um abrir longín-

quo e espaçado relâmpago:”(p. 24)

“[...] pensava tanto na cheia do Paraíba, como em

coisa inédita para mim.” (p. 25)

“[...] um fio d'água apontava, numa ligeireza co-

leante e espantosa de cobra.” (p. 25)

“Mas não levantavam o braço para imprecar, [...]”

p. 30)

j) No capítulo 15:

“Ninguém soube no engenho deste crime com a minha

cumplicidade.” (p. 35) ,

“Tínhamos as nossas cabras e as nossas vacas para

encontros de lubricidade." (p. 35)

“A promiscuidade selvagem do curral arrastava

[...]” (p. 35)

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“Nós todos ficávamos de longe, mudos e sôfregos

como se fôssemos cúmplices de um crime.” (p. 36)

Além das passagens acima registradas, muitas outras há

em quase todos eles. Vejamo-las:

“[...] e criava-os até grandes com o leite de

seus úberes de mochila.” (p. 36)

“Corri até Chico Pereira, com ânsia de encontrar

o meu constituinte inocente." (p. 44)

“O que fazia a velha Totonha mais curiosa era a

cor local que ela punha nos seus descritivos."(p.

(= aspecto) 51)

“Não conheci marido de nenhuma, e no entanto vi -

viam de barriga enorme, perpetuando a espécie[...]

(p. 56) (= homem)

“Dali fazíamos uma espécie de lupanar para jardim

de infância." (p. 56)

“Aquele rosto lívido e molhado, [...]” (p. 67)

“[...] cada um no seu carneiro arreado, esquipando

pela estrada." (p. 72)

“[...] nunca vi uma imagem tão pungente da dor.”

(p. 78)

“Tenho uma impressão de terror [...] dos vomitó -

rios abomináveis que me davam." (p. 80)

“E o vento insuflando este apetite diabólico,[...]

(p. 84)

“Não era subserviente como os outros.” (p. 87)

“Os foreiros e os lavradores, [...] desciam de

suas ordens para este contato ombro a ombro com

os párias.” (p. 88)

“Fizemos os idílios derradeiros, [...]”(p. 96)

“Punha-me triste com estes pensamentos sombrios.

(= ficar, tornar-se) (p. 98)

“Criava uma raiva bem viva a todos os que se opu-

nham às minhas vontades.” (p. 99)

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“A negra 1uísa [...] arrastava-me a coisas ignó-

beis.” (p. 102)

“Só pensava nos meus retiros lúbricos com o meu

anjo mau, [...] (p. 103)

“[...] a bátega d'água amolecendo o barro duro

dos partidos, a enverdecer a folha amarela das ca-

nas novas." (p. 109)

“[...] a chuva [...] era a mesma coisa de sempre,

engrossando e afinando numa intermitência monóto-

na e impertinente.” (p. 110)

“[...] essa carga de bacilos que o amor deixara

pelo meu corpo imberbe.” (p. 116)

“[...] os pássaros [...] Tocavam dobrados ao meu

bota-fora.” (p. 119)

3. COMPATIBILIZAÇÃO SEMÂNTICA ESTILÍSTICA ENTRE ITENS 1EXICAIS

Entendemos por “compatibilização semântica" a adequa -

ção de sentido entre palavras em um determinado contexto. Isso se

fundamenta na noção de “campo associativo”9, mas sem tomar a pala-

vra isoladamente. O que nos anima, nesta análise, é a busca da

constatação de que o escritor, ao codificar sua mensagem, conscien-

te ou inconscientemente, seleciona certas formas às quais outras

se vão associar ou pelo assunto tratado ou pelo contexto puramente

1ingüístico. Fique bem claro, pois, que as explicações emergirão

sempre do contexto (lingüístico ou não-lingüístico) do romance de

J. L. do Rego. Recorreremos a alguma teoria semântica formal, quan-

do e se for imprescindível. Nossa intenção é apresentar a análise

sem muita complicação, sem fórmulas. Além disso, nosso estudo dará

conta exclusivamente das compatibilizações que revelem marca erudi-

ta no romancista e que expressem coesão entre os itens lexicais.

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46a) No capítulo 1:

“A gente toda que estava ali, olhava para o qua-

dro como se estivesse em um espetáculo.” (p. 3)

“Pareciam-me tão longe, já, os fatos da manhã que

aquela narrativa me interessava como se não fos -

sem os meus pais os protagonistas." (p. 4)

A compatibilização existente nessas duas passagens en-

contra-se em “quadro”: “espetáculo” e “narrativa”: “protagonistas”.

Na primeira, "espetáculo" (= o que atrai a atenção, a vista) é su-

gerido pelo sentido, no contexto, de "quadro" (= acontecimento cau-

sador de admiração); na segunda, "protagonistas" (= pessoas que de-

sempenham os primeiros lugares num acontecimento) se encaixa bem

com "narrativa" (= exposição de fatos enredados), urna vez que, na

linguagem técnico-literária, “narrativa” implica em “protagonista”.

b) No capítulo 3:

“[...] mansa e terna como urna menina de internato

[...] parecia mais [...] uma dama nascida para re-

clusão.” (p. 6)

Para apontarmos a compatibilização nessa passagem, é

necessário recorrermos ao contexto extralingüístico, isto é, ao mo-

mento histórico de escritura do romance. Só assim poderemos enten-

der certas comparações e justificar nossa análise. Pois bem: tradi-

cionalmente, em nossa região, o internato abrigava filhos das mais

nobres famílias, porque se lhe atribuía urna instituição de forma -

ção cultural primorosa. Ademais, o aspecto neles transparente apa-

rentava tranqüilidade, paz. Dessa maneira, é que justificamos a

compatibilização entre “mansa”, “terna” : “internato” e “dama” :

reclusão” .

c) No capítulo 4:

“[...] eles olhavam para o meu pijama, para os

meus alamares, encantados, talvez com a minha pom-

ba”(p. 10)

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47“alamares” (= enfeite de seda, lã, etc. na frente do vestuário)

“pompa” (= ostentação)

Os dois itens lexicais se associam, por isso se compa-

tibiliza, porque a “pompa”, a ostentação. justifica o luxo, a

suntuosidade implícita em “alamares”.

d) No capítulo 7:

“Logo que vi pela primeira vez, com aquele rosto

enrugado e aquela voz áspera, senti que qualquer

coisa ruim se aproximava de mim.” (p. 15)

De fato, pode-se admitir que “áspera”, mesmo como modi-

ficador de "voz", associa-se a “enrugado”, uma vez que o sentido da

visão em “rosto enrugado” e da audição em “voz” são superados pelo

sentido táctil expresso em “áspera”, sugerido pelo aspecto do ros-

to.

“Minha tia assumia a direção da casa - e todos iam

conhecer a mansidão e a paz de uma regência de fa-

da.” (p. 15)

Dois itens empregados em sentido próprio, denotativo ,

e, além de compatíveis, utilizados numa seqüência lógica, já que

a “regência” (= ato de reger, dirigir) pressupõe “assumir”.

e) No capítulo 9:

“Depois, no colégio, quando [...] eu 1ia uns ver-

sos falando dos pássaros da Bretanha, [...], vinha

-me a saudade das pobres rolas sertanejas que tru-

cidávamos.” (p. 18)

O modificador “pobres”, na Língua Portuguesa, quando

antecede ao seu núcleo substantivo, ganha outro sentido – “coita –

do”. Já a forma verbal “trucidávamos” se apresenta, no contexto,

com sentido denotativo – “matar barbaramente”. Assim, há compatibi-

lização entre “pobres” e “trucidávamos”, porque a ação violenta con

tida neste resulta no estado deplorável implícito naquele.

f) No capítulo 13:

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48“[...] um fio d'água apontava, numa ligeireza co-

leante e espantosa de cobra.” (p. 25)

O adjetivo “coleante” (= que desliza fazendo curvas co-

mo serpente) justifica-se na utilização do substantivo “cobra” da

qual descreve o modo de se deslocar. Daí, a compatibilização “co –

leante” : “cobra”.

“Era um mar d'água roncando. O meu avô com aquele

seu capote de lã comandava o pessoal como capitão

de navio em tempestade.” (p. 27)

Nesse contexto, o item lexical “mar” vai permitir a as-

sociaçao de vários itens lexicais compatíveis com a narrativa cujo

assunto - uma enchente do Rio Paraíba - é comparado à situação de

uma tripulação, em alto mar, sob a tempestade. Resumindo, temos:

MAR

tempestade

capitão comanda navio

g) No capítulo 15:

“Eram assim as minhas lições de porcaria com aque-

le mestre que não se contentava com o lado teóri-

co de seu magistério e também dava as suas lições

de coisas.” (p. 35)

Esses itens se compatibilizam porque se associam a en-

sino-aprendizagem, além de constituírem uma situação sócio-cultu -

ral: “magistério” implica em “mestre” do qual se depreendem dois

aspectos - o “teórico” e o prático, implícito em “lições de coi –

sas” e “1ições de porcaria”.

h) No capítulo 20:

“Os bois que morriam [...] ficavam para o repasto

dos urubus. De longe sentia-se o hálito podre da

carniça, e a gente via os comensais disputando os

pedaços de carne e as tripas do defunto.” (p. 48)

No nosso entender, o item “repasto” (= banquete), embo-

..

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49ra se refira à grande quantidade de urubus disputando a carniça,

está bem adequado, porque o sentido figurado o permite. Já que “co-

mensais" são as pessoas que comem juntas; em sentido figurado são

os urubus que comem juntos. Por isso “repasto” é compatível com

“comensais” .

i) No capítulo 21:

“Havia uma nota pessoal nas modulações de sua voz

[...] A velha Totonha era uma grande artista para

dramatizar. Ela subia e descia ao sublime sem for-

çar as situações [...] Recitava contos inteiros em

versos, intercalando de vez em quando pedaços de

prosa como notas explicativas.” (p. 50)

A compatibilização semântica que retrata o erudito de

J. L. do Rego nessa passagem reside em:

“nota” : “modulações” : “voz”;

“artista” : “dramatizar”;

"Recitava” : “versos”.

Na primeira, os três itens se associam a “musicalida –

de”; na segunda, os dois se associam a “representação”; enquanto na

terceira, além de “musicalidade” e “representação”, o verbo “reci-

tar” pressupõe leitura ou narração de um modo especial que geral -

mente se us a na forma de “verso”.

j) No capítulo 24:

“Havia uma caixa de música [...] Aquela monotonia

de canto de igreja tocava a minha precoce melan -

colia. Pensava sempre em minha mãe diante de qual-

quer coisa triste da vida.” (p. 65)

Observando-se o contexto, a situação é de tristeza. Pa-

ra o narrador, triste fora a música da caixa; monótono, e por isso

triste, é o canto de igreja. Como a música da caixa era tão monóto-

na e triste quanto o canto de igreja e como ele fora marcado pela

melancolia desde cedo, com a morte de sua mãe, justifica-se a com-

....

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50patibilização semântica entre “monotonia”:“canto de igreja”:“me-

lancolia” : “triste”.

Outras passagens, em quase todos os capítulos restan -

tes, corroboram o lado erudito de J.L. do Rego no que tange à com-

patibilização semântica. Para evitarmos as explicações em cada pas-

sagem, porque nos alongaríamos bastante, destacaremos apenas os

itens lexicais relevantes que se compatibilizam:

“Mas os meus canários não cantavam [...] Nas gaio-

las, irremediavalmente mudos.[...]Dependurava-os

então pelos pés-de-pau, para ver se os enganava

com esse contato com os palcos dos seus dias de

festa.” (p. 68)

“palcos” : “festa”

“Senhor feudal ele foi, mas os seus párias não

traziam a servidão como um ultraje.” (p. 76)

“feudal” : “parias” : “servidão”

“O diabo daquele doutor me fechara num inferno,

ali, a dois passos de um paraíso de portas aber-

tas.” (p. 101)

“diabo” : “fechara” : “inferno”

“paraíso” : “portas abertas”

“A moleca me iniciava [...] nas suas concupiscên-

cias de mulata incendiada de luxúria.” (p. 102)

“concupiscências” : “luxúria”

"A negra Generosa ficava assim destronada de seu

reino, [...]” (p. 104)

“destronada” : “reino”

“Agora o colégio iria consertar o desmantelo des-

ta alma descida demais para a terra. Iriam podar

os galhos de uma árvore, para que os seus brotos

crescessem para cima." (p. 119)

“galhos” : “arvore” : “brotos”

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4. USO DO PRETÉRITO MAIS-QUE-PERFEITO E FUTURO DO PRETÉRITO SIM -

...PLES DO INDICATIVO

Muito pouco se registra a ocorrência do pretérito

mais-que-perfeito simples na língua oral tensa, mormente na popu -

lar. Na escrita, modernamente, vemo-lo em textos cuja construção

exige elaboração mais cuidada, por isso requer do usuário conheci-

mento do seu emprego adequado. A dificuldade maior é que ele, com

uma única forma,se refere a uma ação passada antes de outra tam -

bém passada. O usuário deve ter em mente essa dupla temporalidade.

No entanto, em lugar da forma simples é largamente usada a forma

composta (pretérito imperfeito de TER ou HAVER + particípio do ver-

bo principal) que é mais expressiva por causa da presença de duas

formas verbais10.

Desse modo, podemos concluir que, na prática, o empre-

go adequado limita-se à língua escrita tensa ou ao uso literário,

os quais primam na elaboração do texto escrito. Assim, a boa fre-

qüência do mais-que-perfeito simples, em Menino de Engenho, traduz

também a face erudita de J. L. do Rego, uma vez que nesta região

(Paraíba e Pernambuco), onde o escritor viveu até sua formação uni-

versitária, não consta aquele tempo verbal como uso freqüente na

língua oral popular ou mesmo tensa.

Apesar da boa freqüência na língua oral tensa, o futu-

ro do pretérito é outro tempo quase em desuso na oral popular, nes-

ta região. Talvez o banimento da língua oral popular decorra da di-

ficuldade de emprego: “[...] um fato se dará, agora, ou no futuro,

dependendo de certa condição: [...]”11 O que mais se ouve, entre -

tanto, como substituto é o pretérito imperfeito do indicativo. Re-

sumindo: enquanto na oral tensa se usa o futuro do pretérito e,ain-

da, o pretérito imperfeito do indicativo como equivalente daquele,

.....

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Na oral popular aparece, com maior freqüência, o equivalente.

Agora mesmo com fama de ter usado uma linguagem popu-

lar, mostraremos que J.L. do Rego usou e abusou desses dois tempos

verbais - pretérito mais-que-perfeito e futuro do pretérito sim -

ples - que marcam, em oposição ao popular, o erudito.

a) No capítulo 1:

“O criado, pálido, contava que ainda dormia quan-

do ouvira uns tiros no primeiro andar. E, corren-

do para cima, vira o meu pai com o revólver na

mão [...]” (p. 3)

Aqui o uso do mais-que-perfeito cheira a artificialida-

de; embaralhou a compreensão do tempo exato em que ocorre a ação.

Na verdade, o “ouvir” se processa ao mesmo tempo do “dormir”. As-

sim como o “ver” é simultâneo ao “correr”. O tempo adequado seria o

pretérito perfeito do indicativo: “ainda dormia quando ouviu” e

“correndo para cima viu”. Nosso romancista, posto que tenha usado

uma forma erudita, empregou-a, inadequadamente.

“Mas a porta do quarto estava fechada, e o homem

sério que entrara não permitia que ninguém se

aproximasse dali.” (p. 3)

Agora o mais-que-perfeito aparece usado de modo absolu-

tamente perfeito: o processo de “entrar” se passou antes de “a por-

ta do quarto se fechar”.

Para comprovarmos essa precisão de J.L. do Rego, por-

tanto seu lado erudito, transcreveremos mais algumas passagens, de-

monstrando o passado anterior a outro passado:

b) No capítulo 2:

"Depois é que vim a saber muita coisa a seu res-

peito: que era um temperamento excitado um nervo-

so, para quem a vida só tivera o seu lado amargo."

(p. 5)

“vim a saber” (passado)

“tivera” (passado anterior)

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c) No capítulo 3:

“Falava para todos com um tom de voz de quem pe -

disse um favor, mansa e terna como uma menina de

internato. Criara-se em colégio de freiras, sem

mãe, pois o pai ficara viúvo quando ela ainda não

falava.” (p. 6)

“Falava” (passado)

“Criara” (passado anterior)

“ficara” (passado anterior mais remoto)

Nesse passo,a ordem temporal caminha do mais recente

ao mais remoto.

“O seu destino fora cruel: morrer como morreu, vi-

tima de um excesso de cólera do homem que tanto

amara; [...]” (p. 7)

“morreu” (passado)

“amara” (passado anterior)

Quanto à forma “fora” nos parece inadequada: melhor se-

ria “foi”.

d) No capítulo 4:

“Lembro-me da viagem de trem e de uns homens que

iam conosco no mesmo carro. O Tio Juca, que me fo-

ra buscar, contava a história, afirmando que o meu

pai estava doido. Todos olhavam para mim com um

grande pesar.” (p. 7)

“viagem de trem” (passado)

“fora buscar” (passado anterior)

“A minha mãe sempre me falava do engenho como de

um recanto do céu.E uma negra que ela trouxera pa-

ra criada” (p. 8)

“falava” (passado)

“trouxera” (passado anterior)

e) No capítulo 7:

“A minha Tia Sinhazinha [...] vivia separada do

marido desde os começos do matrimônio. [...] Con-

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tava-se que um dia amanhecera num engenho de seu

pai, amarrada num carro de boi, com. uma carta do

marido fazendo voltar ao sogro a sua filha.” (p.

14)

“vivia separada” (passado)

“amanhecera” (passado anterior)

f) No capítulo 13:

“Eu aguardava com uma ansiedade medonha essa cheia

de que tanto se fa1ava. No Recife, vira o Capiba-

ribe nos seus dias de enchente, [...]” (p. 25)

“aguardava” e “falava” (passado)

“vira” (passado anterior)

“Meu avô, em pé, olhava [...] a sua safra quase

toda perdida. [...] Mas não se lastimava, porque

sabia que riqueza lhe trouxera o rio para suas

terras.” (p. 28)

“olhava” (passado)

“trouxera” (passado anterior)

g) No capítulo 14:

“Botaram-me para aprender as primeiras letras em

casa dum Dr. Figueiredo, que viera da capital pas-

sar tempos na vila do Pilar." (p. 32)

“Botaram” (passado)

“viera” (passado anterior)

h) No capltu10 18:

“O meu avô mandou botar o cabra no tronco. [...]

Raramente eu tinha visto gente no tronco. Somente

um negro ladrão de cavalos ficara ali até que che-

gassem os soldados da vila, [...]” (p. 42)

“mandou botar” (passado)

“ficara” (passado anterior)

Neste ponto, convém mostrar e analisar algumas passa -

gens em que J.L. do Rego, além de recorrer muito bem ao futuro do

pretérito, usa magistralmente o pretérito imperfeito do subjuntivo

....

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55

indicador de condição.

a) No capítulo 6:

“Tinham chegado para passar tempo no engenho uns

meus primos, mais velhos do que eu: dois meninos e

uma prima. Agora não era só com os moleques que me

acharia.” (p. 13)

Uso perfeito: o fato (achar-se) se dará, porque o nar-

rador já sabe da condição, isto é,a presença dos primos.

b) No capítulo 10:

“Era um recado do Coronel Anísio, de Cana Brava,

prevenindo que Antônio Silvino naquela noite es-

taria entre nós.” (p. 18)

Posto que não haja a condição, o “estaria” está adequa-

do, porque o narrador, no momento presente, liga o passado (“um

recado”) ao futuro (estar “entre nós”).

c) No capítulo 13:

"As experiências confirmavam que com duas semanas

de inverno o Paraíba apontaria na várzea com a sua

primeira cabeça d'água." (p. 24)

A condição se evidencia em "As experiências"

d) No capítulo 17:

"As negras [...] diziam que se o padre na missa

do sábado não achasse a Aleluia, o mundo se aca-

baria de uma vez." (p. 41)

Fato futuro: "acabar"

Condição: "achar". Portanto, uso perfeito e correlação

de tempos verbais rara na língua oral.

e) No capítulo 18:

"E no tronco ele ficaria até se resolver a casar

com a sua vítima." (p. 43)

Fato futuro: "ficar"

Condição: "resolver a casar"

f) No capítulo 19:

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"Muito de longe o trem apitava. E banhado pelas

lágrimas andei para casa. Nunca mais em minha vi-

da o heroísmo me tentaria por essa forma." (p.46)

Aqui o uso também está perfeito: o narrador descreve

o passado e afirma, categoricamente, o que acontecerá, porque sabe

o que ocorreu até o momento da escritura da narrativa.

Observemos ainda outras passagens em que J.L. do Rego

usa o pretérito mais-que-perfeito e o futuro do pretérito simples,

o que ratifica a alta freqüência desse traço erudito no romancista

paraibano.

"Mas Jesus Cristo era para nós diferente de Deus.

Deus era um homem de barbas grandes, e Jesus era

um rapaz. Deus nunca nascera, e Jesus tivera uma

mãe, aprendera a ler, levava carão, fora como os

outros. [...] Só depois o catecismo viria destru-

ir a minha crença absoluta nos bichos perigosos do

engenho." (p. 49)

"Pelo curral começavam a tirar o leite; ouvia-se

o bate-boca dos moleques na manjedoura. Mas o car-

ro já deixara o cercado do engenho, [...]" (p.63)

"Perguntavam por tudo. E a Tia Nenen, magrinha,

querendo saber de José Paulino e por que não vie-

ra a Sinhazinha. Falavam ao mesmo tempo. Mas Tia

Maria saltaria na volta." (p. 64)

"As mulheres [...] Na volta não se esqueciam das

lembranças, dos remédios que a Tia Maria promete-

ra" (p. 75)

"As meninas do Tio João já estavam em despedidas.

Para a semana voltariam para o Recife. [...] De -

pois de amanhã não veria mais a minha companhei -

ra." (p. 95/96)

"O casamento da Tia Maria estava marcado para o

São Pedro. Ela fora ao Recife comprar muita coi -

sa. Trouxera-me um velocípede e uma roupa bonita

de marinheiro. Comprara com estes presentes a mi-

nha vontade de ir com ela também." (p. 104)

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“Saí da matança com a alma doente, e teria chora-

do muito se não fosse o alvoroço do povo da casa-

-grande.” (p. 106)

“No dia seguinte tomaria o trem para o colégio. O

meu Tio Juca me levaria para os padres, [...]” (p.

118)

5. FRASES DE ESTRUTURA COMPLEXA12

Serão analisadas adiante as construções da oração, ou

seja, o relacionamento entre os termos da oração, no que se refere

àquilo que mais nos chamou a atenção na obra Menino de Engenho. J.

L. do Rego,mesmo usando de uma organização sintática até certo pon-

to coloquial, não esconde a sua formação literária, nem tampouco o

cuidado de expressar-se de acordo com as pessoas mais cultas de

sua época. Não raro, na obra de J.L. do Rego,deparamo-nos com cons-

truções de baixa freqüência na língua oral tensa e de pouca proba-

bilidade na oral popular. Mostremos, então, esse outro aspecto eru-

dito na linguagem do nosso romancista.

a) Regência conforme a norma culta da língua.

"Eu tinha uns quatro anos no dia em que minha mãe

morreu ." (Cap. 1, p. 3)

A preposição regendo o pronome relativo na oração su -

bordinada configura uma construção requintada, pois a maior fre-

qüência se dá em indivíduos cultos, que ou foram influenciados pe-

la língua escrita ou pela gramática prescritiva através da Escola.

Na língua oral tensa - e muito mais na popular -, a construção fre-

qüente é: Eu tinha uns quatro anos no dia que minha mãe morreu.

Passagens semelhantes ocorrem em vários capítulos:

No capítulo 1:

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"As crianças é que conversavam muito [...], con -

tando umas às outras coisas a que eu não prestava

atenção, pois no que eu cuidava era nos meus brin-

quedos [...]" (p. 4)

No capítulo 8:

"Entrei no quarto onde ela estava." (p. 16)

Freqüência maior: Entrei no quarto que ela estava.

No capítulo 11:

“OS moleques caíam em cima do pobre com pancadas,

a que ele respondia descompondo.” (p. 20)

No capítulo 13:

“Eu aguardava com uma ansiedade medonha essa cheia

de que tanto se falava.” (p. 25)

No capítulo 15:

“E eu ia sabendo que o meu Tio Juca tinha mulata

em quem mandava.” (p. 34)

Freqüência maior no uso popular: E eu ia sabendo que

o meu Tio Juca tinha mulata que mandava nela.

No cap1tulo 28:

“Os seus marcos de pedra estavam ali nos mesmos

lugares de que falavam os papéis.” (p. 76)

No capítulo 30:

“No dia em que ele me deixou sozinho, [...]” (p.

83)

No capítulo 35:

“OS pensamentos ruins [...] vinham sempre termi -

nar comigo [...] nos ódios a que me arrastavam.”

(p. 101)

No capítulo 40:

“Este outro, de que tanto falavam, seria o sonho

da minha mãe.” (p. 119)

a.l) Observemos as três passagens a seguir:

“Vi então que minha mãe estava toda banhada em

.....

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sangue." (Cap. 1, p. 3)

"E minha mãe saía para o quarto aos soluços."

(Cap. 2, p. 5)

"Depois é que vim a saber muita coisa a seu res -

peito:" (Cap. 2, p. 5)

Nelas, J.L. do Rego retrata a sua preocupação também em

esmerar a linguagem, por meio do uso adequado da preposição, con -

forme a gramática prescritiva, exigida por certas palavras. Em “ba-

nhada em sangue”, optou pelo uso menos freqüente, posto que, na

língua oral, a preferência parece recair em “banhada de sangue”13.

Já em "saía aos soluços", usou-a em lugar da forma gerundiva "solu-

çando", que, além de popular, estaria de acordo com a norma culta.

Na terceira passagem, preferiu o uso erudito ao popular e mais ge-

ral "vim saber".

Analisemos, então, outros trechos similares:

No capítulo 4:

"Eu ia reparando em tudo, achando tudo novo e bo-

nito." (p. 8)

Nosso romancista preferiu empregar a regência indire –

ta, que é a adotada pela norma culta e pelos puristas, em lugar da

direta, de uso bastante generalizado.14

No capítulo 9:

"Falavam sempre de outros engenhos, [...] contan-

do das intimidades das famílias." (p. 17)

A regência do verbo "contar" (= narrar) é direta – mês-

mo no uso popular -; no entanto. J.L. do Rego, nessa passagem, re-

solveu empregá-lo com a preposição enfática "de", caracterizando,

assim, preocupação muito mais estilística que informativa.

No capítulo 10:

"Tia Maria ficava no seu quarto a rezar." (p. 18/

19)

"Antônio Silvino vinha ao engenho [...]" (p. 19)

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"À noitinha chegava o bando à porta da casa-gran-

de." (p. 19)

Na primeira passagem, nota-se a locução "ficava a re -

zar" pela formada de AUX + GERUNDIO - "ficava rezando" - de uso ge-

ral na 1íngua oral. De modo semelhante, "vinha ao engenho" e "che-

gava à porta" alternam, respectivamente, na língua oral popular,

com "vinha para o engenho" e "chegava na porta". Vale ressaltar que

isso é uma constante na obra em analise.

No capítulo 13:

"O chefe da estação de Pilar recebeu um aviso de

que a cheia já vinha em Itabaiana." (p. 25)

A presença da preposição "de" introduzindo a oração su-

bordinada substantiva completiva nominal é fato raro na língua

oral.Por isso, mais uma prova do aspecto erudito do nosso escritor.

No capítulo 16:

"Meu avô me 1evava sempre em suas visitas de cor-

regedor às terras de seu engenho." (p. 36)

"Doutras vezes batíamos a uma porta [...J" (p.37)

Com referência ã primeira passagem, na língua oral po-

pular, pelo menos, dispomos de duas construções paralelas: "levava

para as terras" e "levava nas terras". Quanto à segunda, na oral

popular, ocorre a construção "batíamos numa porta". Apesar disso,

selecionou as cultas.

No cap1tulo 20:

"Deus fizera o mundo [...] e nós não o víamos co-

mo a José Cutia com o seu cesto de ovos." (p. 48/

49)

Mais uma vez, constatamos o emprego da preposição com

um verbo transitivo direto: "víamos (elíptico na comparação) a José

Cutia". Não resta dúvida de que o objeto direto preposicionado -

classificação da gramática normativa - constitui-se numa construção

rara, com freqüência maior na língua escrita literária, com finali-

....

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61

dade estilística.

No capítulo 27:

"O carneirinho, com o passo miúdo, andava os meus

caminhos, [...]" (p. 74)

Construção pouco comum: o verbo "andar" (= percorrer)

como transitivo direto.

No capítulo 28:

"Diziam, então, que ele vivia de uma botija que

arrancara ao avô." (p. 77).

Posto que o verbo "arrancar", nesse sentido, admita tam-

bém a preposição "de" - "arrancara do avô" - J. L. do Rego preferiu

"a", tal vez para não imprimir à frase a idéia de violência na ação

de "arrancar", a qual, no contexto, significa aproximadamente "her-

dar". De qualquer modo, caracteriza uma construção erudita.

Alinhemos. agora, algumas outras passagens que conside-

ramos eruditas quanto à Regência, mas mostrando paralelamente suas

variantes mais usadas, entre as quais algumas não endossadas pela

gramática prescritiva:

"Vim a compreender com o tempo, [...]" (Cap. 2, p.

5)

Variante: "Vim compreender com o tempo".

"Não reparei mais em nada." (Cap. 5, p. 12)

Variante: "Não reparei mais nada."

"Depois que vim a saber as histórias de rainhas

cruéis, [...]" (Cap. 7, p. 15)

Variante: "Depois que vim saber [...]"

"Comigo ela sempre se abria. Eu lhe era menos

agressivo que os irmãos." (Cap. 8, p. 16)

Variante: “Eu era menos agressivo para ela [...]”

"À hora do jantar foram todos para a mesa." (Cap.

10. p. 19)

Variante: "Na hora do jantar [...]"

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"E uma tarde um moleque chegou às carreiras, gri-

tando: [...]" (Cap. 13, p. 25)

Variante: "[...] chegou nas carreiras [...]"

"Mas não se lastimava, porque sabia que riqueza

em limo lhe trouxera o rio [...]" (Cap. 13, p.28)

Variante: "[...] que riqueza em 1imo para ele trouxera o rio [...]"

"Via chegando ao engenho os meninos do zé Medei -

ros, [...]" (Cap. 27, p. 73)

Variante: “Via chegando para o engenho [...]”

"O meu avô cortou à tesoura aquele pedaço de car-

ne dependurada, [...]" (Cap. 29, p. 81)

Variante: "O meu avô cortou com a tesoura [...]"

"Ali só entrava a negra que lhe fazia limpeza e

mudava as roupas da cama." (Cap. 30, p. 82)

Variante: "Ali só entrava a negra que fazia limpeza para ele [...]"

"Mas quando aos domingos descansava na sua grande

rede do Ceará [...]" (Cap. 30, p. 82)

Variante: "Mas quando nos domingos descansava [...]"

"O meu avô costumava à noite, depois da ceia, com-

versar para a mesa toda calada." (Cap. 33, p. 89)

Variante: "O meu avô costumava de noite, [...]"

"Voltei-me para os canários e o carneiro. [...]

não tinham medo de que eu morresse." (Cap. 35, p.

99)

Variante: “[...] não tinham medo que eu morresse”

"A sombra negra do pecado se juntava aos meus de-

sesperos de menino contrariado, [...]" (Cap. 35 ,

p. 102)

Variante: "[...] se juntava com os meus desesperos [...]"

"[...] vivia a desejar o dia de minha partida."

(Cap. 37, p. 109)

Variante: "[...]vivia desejando [...]"

"E o coração de um menino depravado só batia ao

compasso de suas depravações." (Cap. 39, p. 118)

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Variante: "[...] só batia no compasso [...]"

b) Concordância conforme a norma culta.

Um outro aspecto sintático igualmente verificado foi a

relação SUJEITO-VERBO. J.L. do Rego não ousou, de modo geral,recor-

rer às concordâncias não prescritas pela gramática normativa; ao

contrário, Menino de Engenho constitui-se num repositório de passa-

gens que poderão ser citadas pelos maiores puristas brasileiros,com

relação à concordância verbal.

b.l) Há uma tendência, na língua oral, para se deixar o ver-

bo no singular, quando o sujeito posposto estiver distante daquele,

uma vez que o falante, ao enunciar o verbo em primeiro lugar, não

definira ainda o número do sujeito colocado a distância,para reali-

zar a concordância. Entretanto, o romancista não se deixou influen-

ciar por essa tendência generalizadora da língua oral: cuidou mais

uma vez de sua forma de expressão. Vejamos:15

"Pareciam-me tão longe,já, os fatos da manhã[...]"

(Cap. 1, p. 4)

"Não havia capela no Santa Rosa como nos outros

engenhos, talvez porque ficassem pertinho dali as

duas matrizes do Pilar e de São Miguel." (Cap. 17,

p. 39)

"E ficávamos [...] olhando como se fosse uma coi-

sa nunca vista os horários que vinham de Recife

voltavam da Paraíba." (Cap. 19, p. 45)

"Da calçada da casa-grande viam-se no meio do ca-

navial aquelas cabeças de chapéu de palha ve1ha

[...]" (Cap. 32, p. 85)

"Estavam no engenho passando uns tempos umas pa_-

rentas de Recife." (Cap. 34, p. 92)

"[...] e na cozinha não podiam mais entrar os me-

ninos." (Cap. 36, p. 104)

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"[...] enquanto a chuva derramava-se [...], vol-

tavam-me outra vez os pensamentos do diabo."(Cap.

37, p. 111)

b.2) Outra tendência generalizadora, agora, especialmente na

língua oral popular, é a manutenção do verbo na 3ª pessoa do singu-

lar, quando:

- o sujeito (simples no plural ou composto) estiver - mesmo próxi -

mo - posposto ao verbo;

- o verbo transitivo direto se encontrar na forma passiva sintética

com sujeito plural.

Mesmo assim, J.L. do Rego manteve-se fiel às normas

prescritivas,apesar das fortes influências da geração modernista de

'22 :

"Daí a impressão extraordinária que me iam cau –

sando os mais insignificantes aspectos [...]"

(Cap. 5, p. 12)

“[...] é pela minha prima Lili que me chegam lá-

grimas aos olhos." (Cap. 8, p. 16) .

"Nestes pequenos açudes se pescava, lavavam-se ca-

valos, tomava-se banho." (Cap. 13, p. 24)

"Havia um quarto dos carros onde iam ficando os

veículos velhos do engenho." (Cap. 22, p. 56)

"Pela estrada iam passando os matutos que volta -

vam das feiras." (Cap. 23, p. 61)

"Faltavam-me a sela e os arreios." (Cap. 27,p.73)

"Não se sentiam, porém, rivais o Santa Fé e o San-

ta Rosa." (Cap. 28, p. 76)

"Quando o sol se abria, chegavam as réstias no

meu quarto." (Cap. 29, p. 82)

"De noite cortavam o coração os seus gritos ago -

niados." (Cap. 35, p. 97)

"Vinham meninos, vinham negras, vinha o baú com

ovestido novo [...]" (Cap. 36, p. 105)

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"Mais tarde chegavam a mulher e os filhos [...] "

(Cap. 38, p. 113)

"Já não tinham para mim as condescendências que

se reservavam às crianças." (Cap. 39, p. 117)

"Na porta de Zefa Cajá só se viam uns panos es -

tendidos no sol." (Cap. 40, p. 120)

c) Inversão determos ou orações.

A concatenação dos elementos de uma frase se rege

por dois princípios gerais de informação latentes no usuário: in-

formação intelectiva e informação ou manifestação emotiva. Para a

primeira, quase sempre se organiza um tipo de frase cujas unidades

são dispostas de tal modo, que há uma seqüência lógica e coerente

de raciocínio. É um tipo de frase predominante na língua oral tensa

e na escrita tensa. Já para a segunda, organizam-se "[...] constru-

ções inteiramente refratárias ao exercício mental da análise lógica

a posteriori,ou construções 'lógicas' contaminadas pelas forças ex-

pressivas a manifestação psíquica e o apelo16. ,presentes nos

vários usos das duas modalidades da língua.

É sabido, por outro lado, que a seqüência natural dos

termos de uma oração obedece ao esquema SVO (Sujeito-Verbo-Objeto)

considerando-se, pois,inversa a frase cujos elementos não se encon-

trem nessa ordem. Essa inversão, embora possa retratar marca erudi-

ta de uso lingüístico, abrange os diversos usos de ambas as modali-

dades. Entretanto, achamos conveniente distinguir, nos enunciados,

duas espécies de inversão: a habitual e a artística.

INVERSÃO HABITUAL é aquela utilizada espontaneamente,

na comunicação oral ou escrita, sem qualquer pretensão do usuário

em "polir" sua 1inguagem ou em invocar, conscientemente, a atenção

do interlocutor/leitor.

INVERSÃO ARTISTICA é aquela utilizada para "polir'" a

....

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66

linguagem ou invocar, conscientemente, a atenção do interlocutor /

eitor.

A inversão habitual, para nós, corresponde a uma das

estruturas superficiais de uma única estrutura profunda. A inversão

artística, além disso, tem-lhe acrescentada a consciência do recur-

so lingüístico a fim de impressionar.

Com efeito, adotando-se tais fundamentos, à inversão

artística exige-se do usuário bom domínio da língua, isto é, conhe-

cimento dos seus recursos mais expressivos o que caracteriza marca

erudita por parte de quem a utiliza.

Ao lado da inversão habitual, na obra em análise, a fa-

ce erudita do romancista nos premia com a inversão artística, em

construções requintadas. Analisemo-las:

"Pareciam-me tão longe, já, os fatos da manhã que

aquela narrativa me interessava [...]" (Cap. l, p.

4)

A inversão de posição de sujeito e predicado gerou uma

construção bem elaborada, cuidada, porque o sujeito da oração prin-

cipal ficou inserido entre dois elementos sintáticos de uma locução

conjuncional – tão ... que - iniciadora da consecutiva "aquela nar-

rativa me interessava". Agora, poder-se-ia perguntar: Por que o es-

critor não colocou o sujeito no início da frase? Não tivera ele a

intenção de,ao deslocar o sujeito para o fim da 1ª oração, corrobo-

rar o distanciamento dos "fatos"?

"Às vezes, porém, ele entrava em casa calado."

(Cap. 2, p. 5)

Não parece popular, ou mesmo de uso geral no meio cul-

to, o deslocamento do conectivo adversativo para o interior de uma

oração17 ; ao contrário, vemo-lo com boa freqüência apenas na escri-

ta culta.

" - a doce fisionomia daquele seu rosto, daquela

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melancólica beleza de seu olhar.” (Cap. 3, p. 6)

Nossas gramáticas normativas ensinam que a posição do

adjetivo deve ser posposta ao substantivo.De fato é o que se obser-

va nas duas modalidades de língua. Por outro lado, afirmam estilis-

tas e gramáticos que a "anteposição impregna o adjetivo de afetivi-

dade, resultando daí a subjetividade que lhe é atribuída."18 Ade -

mais,essa anteposição se apresenta como um recurso artístico dispo-

nível cuja utilização é manifesta,predominantemente, no usuário co-

nhecedor daquele recurso lingüístico. Tal fenômeno,como a anteposi-

ção de "melancólica", ocorre com boa freqüência em Menino de Enge-

nho.

"Por que teria sido com ela tão injusto o desti -

no, [...]" (Cap. 3, p. 7)

E essa uma construção de um simples contador de está -

rias? A frase transcrita, mesmo com um léxico simples, denota, pelo

menos, labor, esmero na sintaxe. Comparemos com sua variante dire -

ta:"Por que o destino teria sido tão injusto com ela?" Quais as in-

versões? Sujeito="o destino"; complemento nominal="com ela" e pré-

dicativo = "injusto".

"Desconfiados, eles olhavam para o meu pijama..."

(Cap. 4, p. 10)

Muito raro também é o uso do predicativo - "Desconfia-

dos" - no início de frase. Por isso mesmo, afigura-se como marca de

elegância de expressão oral ou escrita, alem de, segundo a Estilís-

tica, denotar, de acordo com o contexto, algum traço afetivo, emoti

vo, sobre o significado intelectivo.

"Daquele banho ainda hoje guardo uma lembrança à

flor da pele." (Cap. 4, p. 11)

A inversão, nessa passagem', que nos mostrou melhor a

marca artística e de elaboração do autor foi a do complemento de

"lembrança" para o início da frase.

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"E um preá-da-índia que me deram, eu lhe ofereci de

presente." (Cap. 8, p. 16)

Note-se que o objeto direto de “ofereci” – “um preá-da-

-índia que me deram” -,deslocado para o início da frase, embora co-

mum na língua oral, no contexto nos parece intencional, portanto,

inversão artística.

"Com ele, porém, contavam os padres das duas fre-

guesias [...]" (Cap. 17, p. 39)

Dentre as diversas inversões ocorrentes nessa transcri-

ção, no contexto, a mais importante - como prova de intencionalida-

de artística - reside na do complemento preposicionado "Com ele" ,

haja vista a referência feita pelo narrador ao avô, que, no trecho,

constitui o núcleo da narrativa.

"Na minha sensibilidade ia crescendo este terror

pelo desconhecido, [...]" (Cap. 20, p. 47)

O deslocamento, para o início da frase, do adjunto ad-

verbial "Na minha sensibilidade" reflete-nos a preocupação artísti-

ca de J.L. do Rego em relevar o sentimento de medo causado por estó

rias misteriosas narradas pelo povo.

"Mandavam ao meu quarto, para brincar comigo, os

moleques menores, [...]" (Cap. 29, p. 80)

Observe-se aqui a inserção de oração subordinada entre

os complementos verbais, construção caracterizadora de esmero ex -

pressivo.

Agora, relacionaremos algumas outras passagens nas

quais ocorrem inversões artísticas,colocando ao lado de cada passa-

gem uma das construções equivalentes (variantes) mais comuns na

língua oral:

"Na grande sala de jantar estendia-se uma mesa com-

prida, com muita gente sentada para a refeição.

[...] Não era, porém, somente a gente da família

que ali se via." (Cap. 4, p. 11)

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VARIANTE:"Porém, não era somente a gente da família que se via ali"

"Magrinha e branca, a prima Lili parecia mais de

cera, de tão pálida." (Cap. 8, p. 15)

VARIANTE: "A prima Lili, magrinha e branca, parecia mais de cera,de

..........tão pálida."

"Aquele seu ar de tranqüilidade poucas vezes eu

via alterar-se." (Cap. 10, p. 18)

VARIANTE: "Poucas vezes, eu via aquele seu ar de tranqüilidade alte

..........rar-se. "

"[...] quando passava pelos sombrios recantos dos

lobisomens, [...]" (Cap. 20, p. 48)

VARIANTE: "[...] quando passava pelos recantos sombrios dos lobiso-

..........mens, [...]"

"Os versos que esse menino recitava, a velha Toto-

nha declamava com uma expressão de dor de arre -

piar." (Cap. 21, p. 51)

VARIANTE:"A velha Totonha declamava os versos que esse menino reci-

..........tava com uma expressão de dor de arrepiar."

"Pela estrada iam passando os matutos que volta-

vam das feiras." (Cap. 23, p. 61)

VARIANTE: "Os matutos que voltavam das feiras iam passando pela es-

..........trada. "

"Porém os grandes dias de glória da minha infân –

cia me dera o meu alçapão, [...]" (Cap. 25, p. 69)

VARIANTE: "Porém o meu alçapão me dera os grandes dias de glória da

..........minha infância."

"Os grandes dias de sua vida, lhe davam as escri-

turas de compra, [...]" (Cap. 28, p. 76)

VARIANTE: "As escrituras de compra lhe davam os grandes dias de sua

..........vida."

"Espalhavam que enquanto aquele sangue não se su-

misse,o defunto ficaria aparecendo por ali."

(Cap. 38, p. 114)

VARIANTE: "Espalhavam que o defunto ficaria aparecendo por ali, en-

.....

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70

quanto aquele sangue não se sumisse."

"Cortava-me a alma a saudade do meu engenho."

(Cap. 40, p. 121)

VARIANTE: “A saudade do meu engenho cortava-me a alma.”

"O pavor do inferno, eu confundia com os castigos

dos contos de Trancoso." (Cap. 40, p. 119)

VARIANTE: "Eu confundia o pavor do inferno com os castigos dos con-

..........tos de Trancoso."

d) Além do que analisamos até agora, outros aspectos sin-

táticos eruditos também nos atestam certo apuro na linguagem de J.

L. do Rego. Senão vejamos:

"D. Clarisse, como lhe chamavam os criados, pare-

cia mesmo figura de estampa." (Cap. 3, p. 6)

Vê-se aí a presença de uma oração, mediando o sujeito

e o predicado.

" - E aqui onde se cozinha o açúcar." (Cap. 5,p.

12)

É pouco provável que um personagem como o Tio Juca, ho-

mem criado naquele rincão, tivesse empregado tão bem "onde" em vez

do "que", muito mais comum no uso oral popular daquela sub-região.

“[...] era por isso que os meninos de Emí1ia nin-

guém podia com eles, porque não lhes davam cria -

ção." (Cap. 12, p. 23)

O emprego do anacoluto e o uso do pronome "lhes" nessa

construção atestam a influência erudita em J.L. do Rego. O primei-

ro destaca “os meninos de Emília” já que o predicado não foi enun-

ciado; o segundo, em lugar de “a eles” ou mesmo a elipse, no uso

popular, uma vez que "eles" apareceu anteriormente.

"E se ouvia por toda aquela extensão de águas um

como gemido soturno." (Cap. 13, p. 27)

Essa é mais uma construção muito requintada para quem

.......

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71

se atribui uma linguagem popular: o núcleo do sujeito passivo de

"ouvir" está elíptico, mostrado apenas pelo determinante "um" e pe-

lo contexto.

"Noutra casa o povo todo estava caído de sezão.Ti-

nham voltado da várzea de Goiana amarelos e incha-

de paludismo." (Cap. 16, p. 38)

Destacamos a concordância com "povo". O romancista se-

gue a gramática prescritiva: na 1ª oração, procede a uma concordân-

cia puramente gramatical; na 2ª, o verbo "ter", cujo sujeito é "po-

vo", e os adjetivos "amarelo'" e "inchado" se flexionam segundo a

idéia sugerida no nome "povo". Portanto, uma concordância psicoló-

gica ou estilística, denominada Silepse.

"Sonhei também [...] com o meu corcel todo metido

nos seus arreios de luxo. Queria-os e, por fim,

mandaram fazê-los em Itabaiana." (Cap. 27, p. 73)

Não é o uso do pronome "(l)os" em referência a "arrei-

os" marca do erudito?

6. FRASES COM TERMOS EMPREGADOS PLEONASTICICAMENTE.

Num texto exclusivamente informativo, o autor se preo-

cupa em ser objetivo, de modo que ao leitor não se permitam inter-

pretações subjetivas ou a cada leitor não sobrevenha uma interpre-

tação diferente. Entretanto, no literário, a linguagem - o léxico

e a sintaxe -, não tem essa transparência límpida; é preciso que

o usuário domine alguns recursos de sua língua - fonológicos, lexi-

cais, sintáticos e semânticos -, a fim de transformar seu texto nu-

ma arte, ou seja, num texto aberto. Para que o autor domine tais

recursos, torna-se imprescindível a convivência com pessoas, ou

instituições, ou obras, capazes de, algum modo, iniciá-lo na escri-

tura.

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Um dos meios encontrados - poucos, mas bastante signi-

ficativos - em Menino de Engenho é o pleonasmo19. Nas frases em

que há ocorrência, transparece o cuidado do romancista, haja vista

o deslocamento de um termo para o início da frase e a conseqüente

redundância com uma palavra diferente. Isso quer dizer que a redun-

dância, a nível sintático, se torna necessária com relação à inten-

cionalidade estilística. Compare-se, então, cada passagem com a

sua correspondente variante desprovida desse aspecto estilístico.

"Os meus primos, esses, ninguém podia com eles."

(Cap. 9, p. 17)

VARIANTE: “Ninguém podia com os meus primos.”

“0 seu rifle pequeno, não o deixava, [...]” (Cap.

10, p. 19)

VARIANTE: “Não deixava o seu rifle pequeno.”

“0 meu avô, nunca o vi rezando.”(Cap. 17, p. 39)

VARIANTE: “Nunca vi o meu avô rezando.”

“[...] deu-me uma agonia dentro de mim que eu não

soube explicar." (Cap. 19, p. 45)

VARIANTE: “Deu-me uma agonia que eu não soube explicar.”

OU

“Deu uma agonia dentro de mim que eu não soube exp1icar.”

“Estes passeios a outros engenhos de bem perto eu

os fazia com alegria, [...]” (Cap. 24, p. 62)

VARIANTE: "Eu fazia estes passeios a outros engenhos de bem perto

..........com alegria."

"João Rouco, respeitavam-no de verdade." (Cap.32,

p. 88)

VARIANTE: “Respeitavam João Rouco de verdade.”

"Havia, porem, doidos que o eram por influência do

diabo." (Cap. 35, p. 98)

VARIANTE: “Havia, porém, doidos por influência do diabo.”

Nas duas passagens que seguem não há deslocamento por-

........

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que o termo redundante não tem a mesma função, embora o objeto es-

teja contido no verbo:

"E chorei [...] lágrimas que o amor faria ainda

muito correr dos meus olhos." (Cap. 34, p. 97)

"Por debaixo dos sapotizeiros, [...] só pensava

pensamentos maus." (Cap. 35, p. 101)

7. POSICIONAMENTO DO PRONOME PESSOAL OBLIQUO ÁTONO CONFORME AS NOR-

...MAS GERAIS DA GRAMÁTICA PRESCRITIVA DA LÍNGUA PORTUGUESA.

Ao iniciar seus comentários a respeito da colocação dos

pronomes pessoais oblíquos átonos, Evanildo Bechara20 refere-se a

pesquisadores notáveis, como Said Ali, que passaram a considerar o

assunto pelo aspecto fonético em lugar da falsa idéia da 'atração'

vocabular. Desse modo,

"Abriram-se [...] os horizontes, estudou-se a

questão dos vocábulos átonos e tônicos, e chegou-

-se à conclusão de que muitas regras estabeleci -

das pelos puristas ou estavam erradas, ou se apli-

cavam em especial atenção ao falar lusitano. A

Gramática, alicerçada na tradição literária, ain-

da não se dispõe a fazer concessões a algumas ten-

dências do falar de brasileiros cultos, e não le-

va em conta as possibilidades estilísticas que os

escritores conseguem extrair da colocação dos pro-

nomes átonos."21

Analogamente, Celso Cunha assim se expressa:

"A colocação dos pronomes átonos no Brasil difere

apreciavelmente da atual colocação portuguesa e

encontra, em alguns casos, similar na língua me -

dieval e clássica. Em Portugal, esses pronomes se

tornaram extremamente átonos, em virtude do rela-

xamento e ensurdecimento de sua vogal. Já no Bra-

sil, embora os chamemos átonos, são eles, em ver-

.....

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74

dade, semitônicos.”22

Essa distinção de pronúncia, aliada à entoação e aos

vários fatores extralingüísticos interferentes na frase, contrasta

com a colocação do português lusitano.

“Infelizmente - continua Celso Cunha - certos gramáti-

cos nossos [...] preconizam [...] a obediência cega às atuais nor-

mas portuguesas, sendo mesmo inflexíveis no exigirem o cumprimento

de algumas delas, que violentam duramente a realidade lingüística

brasileira.”23

A discussão em torno do assunto tomou maior vulto a

partir do movimento modernista de '22, cujos adeptos propunham re-

tratar a linguagem brasileira nos textos escritos. Ocorre, porém,

que, impulsionados pela ânsia de reformaria cultura brasileira da

época, chegaram ao exagero por não considerarem as duas modalida -

des de língua: oral e escrita.

“[...] a linguagem escrita é muito mais infensa a

tolerâncias e a inovações do que o linguajar fala-

do, sobretudo em se tratando da língua literária.

E que esta é reflexo da cultura e da civilização

de um povo, é produto da tentativa consciente do

homem [...], cabendo-lhe [...] escolher cuidadosa-

mente o material lingüístico, selecioná-lo, disci-

pliná-lo, pela reflexão e pelo esforço.”24

Isso significa que, apesar de o escritor receber influ-

ências do uso popular e, por isso mesmo, influírem em seu texto es-

crito, neste, as mutabilidades e interpretações do uso popular não

se introduzem com igual constância, uma vez que o uso literário re-

quer disciplina e seleção.

Os dois professores citados - Evanildo Bechara e Celso

Cunha -, no que tange à colocação do pronome oblíquo átono, não fa-

zem qualquer distinção de uso nas duas modalidades de língua (o que

é lamentável), conduzindo, pois, o leitor incauto a aplicar as nor-

......

~.

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75

mas da topologia pronominal às várias situações de comunicação. Na

obra, há pouco citada, Evanildo Bechara, antes de orientar o lei -

tor, afirma que “Daremos aqui apenas aquelas normas que, sem exage-

ro, são observadas na linguagem escrita e falada das pessoas cul –

tas.”25

Mesmo tendo recorrido a algumas colocações do uso popu-

lar, de modo especial em obras posteriores - por exemplo Fogo Mor-

to , J.L. do Rego em Menino de Engenho obedeceu, com muita fre-

qüência, às normas de que trata Evanildo Bechara e outros gramáti-

cos bastante conceituados. Tal obediência reflete a face erudita

do paraibano do Pilar.

Transcreveremos adiante apenas as passagens cuja maior

probabilidade de freqüência ocorra entre as pessoas cultas (nos

termos definidos no Cap. II) no uso oral e/ou escrito, a partir

das regras prescritas, pelas gramáticas normativas da Língua Portu-

guesa do Brasil.

Consideramos traço erudito a ênclise ou a mesóclise do

pronome oblíquo átono quando o verbo inicia período ou oração.26

"Criara-se em colégio de freiras [...]" (Cap. 3 ,

p. 6)

“[...] e vejo-a assim, ainda tomando conta de

mim, dando-me banho [...] (idem)

“Lembro-me do seu caixão [...]” (Cap. 8, p. 16)

“Proibiu-me da 1iberdade [...]” (Cap. 9. p. 16)

“Falava-se dele baixinho.” (Cap. 10, p. 18)

“E ficavam [...] contando dos seus aperreios à Tia

Maria, chamando-a para madrinha [...]” (Cap. 23 ,

p. 60)

“Quando a família saía a passeio, chamava-se ele

para carrear.”(Cap. 24, p. 62)

“Levaram-me para vê-lo, [...]” (Cap. 25, p. 67)

“Era todo agora para o meu carneiro chamado Jas –

.......

bd9
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mim. Conduzia-o de manhã para o pasto, [...], da-

va-lhe banho com sabonete, penteava-lhe a lã.”

(Cap. 27, p. 73)

“E o diabo daquele puxado tomando-me a respiração,

deixando-me sem ar [...]” (Cap. 29, p. 81)

"[...] ganhava dois cruzados, davam-me a mesma

diária das mulheres [...]" (Cap. 32, p. 86)

"Ele me contava as histórias c:..], pintava-me o

vapor, os camarotes, [...] (Cap. 34, p. 94)

“[...] o primo Silvino queria uma coisa que eu tam-

bém desejava. Deram-me, [...]” (Cap. 35, p. 99)

"Iam matar também o meu carneiro. Dar-me-iam ou -

tro, [...]" (Cap. 36, p. 105)

“Levava as coisas do engenho para ela [...]; dava-

-lhe o, dinheiro [...]” (Cap. 39, p. 115)

Outro traço erudito é a posição enclítica do pronome

quando, admitindo a gramática normativa a proclítica ou a enclíti-

ca, o escritor preferiu a segunda, embora a tendência generalizado-

ra, no Brasil, no uso oral, seja a primeira.

"Chorei, fiz o possível para livrar-me." (Cap. 1,

p. 3)

"Depois do café mandaram-me para o engenho, [...]”

(Cap. 5, p. 12)

“As negras odiavam-na.” (Cap. 7, p. 15)

"As noites pareciam-me uma eternidade." (Cap. 29,

p. 82)

"Maria Clara, [...] encontrara um bedéquer amoro-

so para mostrar-lhe os recantos do Santa Rosa."

(Cap. 34, p. 93)

"As lágrimas chegaram-me aos olhos." (idem, p.96)

"Na casa de Maria Pitu demorava-me tardes intei

ras, [...]" (Cap. 35, p. 100)

“A negra Luísa fizera-se de comparsa das minhas

depravações antecipadas.” (idem, p. 102)

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"O sexo impunha-me essa escravidão abominável."

(id. , p. 104)

"O velho José Paulino então passou-me uns gritos:

[...]" (Cap. 39, p. 115)

"As negras faziam-me de homem." (idem, p. 117)

"Agora o engenho oferecia-me o amor por toda a

parte: [...]" (idem, idem)

"Os lobisomens faziam-me mais medo." (Cap. 40, p.

119)

"O engenho dava-me assim as suas despedidas,[...]"

(idem, p. 120)

Ocorrem, no romance, outras situações que mostram J.L.

do Rego obedientíssimo às regras estabe1ecidas pela gramática nor-

mativa,mesmo diante de colocações de uso ,geral não só na língua

popular como também na tensa oral.

"Daí a impressão que me iam causando [...]" (Cap.

5, p. 12) : =

que iam me causando

"Apenas, aqui e ali, pelo seu leito, formavam-se

grandes poços, [...]" (Cap.13, p.24) : =

se formavam

“As duas filhas e netas iam-1hes sucedendo na ser-

vidão, [...]” (Cap. 22, =

p. 55) iam 1hes sucedendo

"A minha compreensão da vida fazia-me ver nisto

uma obra de Deus." (Cap. 32, =

p. 88) fazia me ver

"E comecei a querer-lhe um bem esquisito." (Cap .

. = 35, p. 103)

comecei a lhe querer27

8. UTILIZAÇÃO DO PRONOME PESSOAL OBLÍQUO ÁTONO COM VALOR E FUNÇÃO

DE POSSESSIVO.

Há de fato, na Língua Portuguesa, construções nas quais

........

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a forma pronominal átona, em lugar de, anaforicamente, referir-se

a um nome substantivo, surge como substituto de um sintagma posse-

sivo equivalente a este em sentido e, para nós, em função. Exempli-

ficando:

“O que se passou depois não me ficou bem na memó-

ria.”(Cap. 1, p. 4)

Partindo-se do contexto maior - o capítulo -, o "me"

equivale a "minha", ligado semanticamente a "memória". Essa busca

de equivalência de sentido é imprescindível em semelhante caso,por-

que a estrutura sintática não pode prescindir do aspecto semânti -

co. Em outras palavras, a relação entre sintagmas pressupõe a rela-

ção de sentido. Desse modo, no passo transcrito, apesar de o "me"

estar, morfológica e foneticamente, 1igado a "ficou", funciona co-

mo indicador de "posse" e, sintaticamente, como, determinante de

"memória". Portanto, podemos afirmar que a frase tem um sentido

aproximado de "O que se passou depois não ficou bem na minha memó-

ria" que, no português do Brasil, ocorre com muito mais freqüên-

cia, na modalidade oral.

A construção adotada por J.L. do Rego é bastante res -

trita inclusive no uso escrito tenso, o que nos leva a admiti-la

como traço erudito, porque, para isso, exige-se bom conhecimento

das várias possibilidades dos pronomes oblíquos átonos, bem como

adequação de utilização. Passagens semelhantes àquela perpassam to-

do o romance:

"A morte de minha mãe me encheu a vida inteira de = Minha uma melancolia desesperada." (Cap. 3, p. 7) "Da minha maleta tirou um pijama e me vestiu, me penteou os cabelos assanhados." (Cap. 4, = p. 10) meus

"[...] é pela minha prima Lili que me chegam lá - grimas aos olhos." (Cap.8, p .16) = ............ .................................. meus

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"A seca comera-lhes o instinto natural de defesa." .(instinto) = (Cap. 9. .p. 18) delas "[...] e com o seu chinelo de couro encheu-me o corpo de palmadas terríveis." = (Cap. 12. p. 23) meu

"E o barulho das águas que cresciam em ondas nos enchendo os ouvidos." (Cap.13.p.25) = nossos "Mas fiquei quieto na cadeira. escutando-lhe o so-.. = luço abafado." (Cap.14, p.33) seu I "Ninguém lhe tocava num capão de mato. [...]" = dele (Cap. 16. p. 38) "As lágrimas vinham-me aos olhos [...]" (Cap. 21, p. 51) = . meus (a velha Generosa) "dava remédios [...] e remenda-va-lhe os farrapos das roupas." (Cap.22. p.59) = deles (roupas) "Então começava a ver a minha inimiga trucidada, com os cavalos desembestados puxando-lhe o corpo pelos espinhos." (Cap. 25, p. 68) = seu “Era todo agora para o meu carneiro chamado Jas –mim. [...] penteava-lhe a lã.” (cap. 27, p. 73) = sua "[...] os 'bilhetes de sisa' que pagava, os bens de raiz, que lhe caíam nas mãos." (Cap.28, p.76) = (mãos) dele "E o diabo daquele puxado tomando-me a respiração, [...]” (Cap. 29, p. 80/81) = Minha “Estas histórias do meu avô me prendiam a aten- cão [...]” (Cap. 33, p.91) = minha “A grita de suas primas devotas não lhe doía na consciência.” (Cap. 34, p.93) = sua “[...] meteu o chapéu de couro no focinho da onça ....

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e enfiou-lhe a arma no coração." (Idem, p. 94) = dela "[...] este ácido corrosivo que me secava a ale -gria de viver." (Cap.35,p.10) = minha "Zé Guedes [...] Sacudiu-lhe o cacete na cabeça, [...]" (Cap.36,p.106) = (cabeça) dele “Cortava-me a alma a saudade do meu engenho." = minha (Cap. 40, p. 121)

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81NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1) A "boa freqüência", para nós, se dá quando o fenômeno 1ingüís-

tico se repete em um percentual suficiente para mostrar a in -

ternalização de determinadas formas da língua, caracterizado -

ras de região, classe sócio-cultural, ou mesmo, de estilo indi-

vidual. Cremos, no entanto, em relação a um texto escrito, em

que os critérios, para se estabelecer percentual, possam va -

riar de conformidade com o tipo de análise e a organização da

obra. Em nosso caso, como o romance consta de quarenta capítu-

los (de modo geral, curtos), fixamos 20%, ou seja, é preciso

que o traço se manifeste, no mínimo, em oito capítulos.

(2) José Brasileiro Vilanova, op. cit., p. 50-51.

(3) Joaquim Mattoso Câmara Jr. Dicionário de filologia e gramáti-

ca. 6 ed. (Rio de Janeiro, J. Ozon, 1974) p. 163.

(4) Para comprovar a proveniência latina,apoiamo-nos em duas obras:

a) José Pedro Machado. Dicionário etimológico da língua portu-

...guesa. 2 ed. (São Paulo e Lisboa, Editorial Confluência Li-

...vros Horizonte, 1967, 03 volumes).

b) Francisco da Silveira Bueno. Grande dicionário etimológico-

...prosódico da língua portuguesa. (São Paulo, Ed. Brasília,

...1974, 09 volumes).

(5) Convém advertir que analisamos a palavra ou item lexical, para

efeito de freqüência, como um signo lingüístico com sua polis-

semia, e não observando apenas a substância da expressão. Ex.:

A forma TOMAR é de uso geral, mas em determinados contextos ta-

vez seja de utilização rara: "Esta conversa me tomava inteira-

mente, [...]", em que "tomava" tem sentido aproximado a "absor-

via". Neste caso, abaixo da palavra em destaque, utilizaremos

....

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82 o sinal = (equivalente a), seguido do sentido aproximado, as -

sim:”[...] tomava [...]”

(= absorvia)

(6) Ver nota 16, Cap. II

(7) Ver parte do depoimento de Adonias Filho no Cap. I (item

1.1.).

(8) Considerar tal ou qual palavra de baixa ou alta freqüência me-

receria uma pesquisa no meio dos grupos de pessoas envolvidas

na nossa explanação. Entretanto, por causa de ausência de con-

dições materiais e financeiras, valemo-nos da nossa experiên -

cia, já que o autor deste trabalho conviveu, por alguns anos,

ao mesmo tempo, com classes sócio-culturalmente distintas,além

de, nos dez últimos anos, vir atuando como professor de Língua

Portuguesa nos 2º e 3º Graus, o que lhe confere condição

de,ho-je, prever a possibilidade de uma freqüência maior ou

menor de certos itens lexicais. Em todo caso, fica aqui um

desafio a quem se achar em condições de executar uma pesquisa

que, acre-ditamos, seria muito enriquecedora para a

lingüística aplicada do português.

(9) “Campo associativo” - "conjunto de relações associativas de

uma palavra. A palavra CANETA, por exemplo, pode sugerir

ESCRE-VER, PAPEL, LÁPIS, etc., o que constitui seu campo

associativo.” (Zélio dos Santos Jota. Dicionário de

lingüística. (Rio de Janeiro, Presença, 1976).

(10) “0 uso indevido do mais-que-perfeito, [...], dá ao discurso um

tom remoto e artificial. Essa impressão é ainda agravada pelo

uso que os escritores fazem do mais-que-perfeito simples, que

é hoje, salvo em algumas regiões do falar provinciano,uma for-

ma banida da língua corrente,a qual só conhece a forma compos-

ta, muito mais expressiva, devido à presença do imperfeito e

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83 do particípio adjetivo." (M. Rodrigues Lapa. Estilística da

língua portuguesa. (Rio de Janeiro, Livraria Acadêmica. 1968 )

p. 160.

(11) Evanildo Bechara. Moderna gramática portuguesa. 27 ed. São Pau-

lo, Cia. Ed. Nacional, 1982) p. 276.

(12) Incluímos neste item, os seguintes aspectos sintáticos da Lín-

gua Portuguesa, preconizados pela Gramática Prescritiva:

-Regência verbal e nominal;

-Concordância verbal;

-Inversão de termos ou orações;

-Outros aspectos que mais chamaram a atenção do autor deste

trabalho.

(13) Cf.: Francisco Fernandes. Dicionário de regiões de substanti-

vos e adjetivos. 17 ed. (Porto Alegre, Globo, 1989).

(14) Cf.: Francisco Fernandes. op. Cit.

(15) Cf.: Luiz Carlos Lessa. O modernismo brasileiro e a língua por-

tuguesa. 2 ed. (Rio de Janeiro. Grifo, 1976) p. 219-220.

(16) J. Mattoso Câmara Jr. Contribuição à estilística portuguesa.

3 ed. (Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico. 1977) p. 70-71.

(17) “Oração” aqui não é equivalente a "Frase". Adotamos a noção de

que "Frase" é qualquer enunciado que estabelece comunicação.

Desse modo, a oração pode aparecer como fragmento de uma fra -

se: caso da oração subordinada.

(18) José Brasileiro Vilanova. op. cit., p. 126.

(19) "Nome tradicional que se dá à redundância ... no âmbito das

palavras. É essencialmente motivado por uma intenção estilísti-

ca [...]" (J. Mattoso Câmara Jr. Dicionário de filologia e gra-

mática, op. cit., p. 307). Embora, nesta pesquisa, não proceda-

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84 mos à análise estilística, não deixamos de descrever fatos

lin-güísticos lexicais e sintáticos que podem ser analisados

pela estilística. É o caso dos termos pleonásticos. Mesmo

assim, só anotamos os motivados "por uma intenção

estilística".

(20) Evanildo Bechara, op. cit., p. 325.

(21) Ibidem, p. 325-326.

(22) Celso Cunha, op. cit., p. 225.

(23) Ibidem.

(24) Luiz Carlos Lessa, op. cit., p. 27.

(25) Evanildo Bechara, op. cit., p. 326.

(26) Mesmo entre pessoas cultas. e corriqueiro, no uso oral, o pro-

nome oblíquo átono vir iniciando oração ou período. Todavia,

acreditamos em que, ã época da publicação do romance em análi-

se,esse fenômeno sintático não ocorresse com tanta freqüência,

a não ser no uso popular. Semelhante hipótese nos sobreveio

após verificarmos que, sendo o primeiro romance a vir à luz, o

escritor, literariamente imaturo, estivesse preso a certos di-

tames, posto que os ventos do movimento modernista também lhe

soprassem fortemente. Por isso, aqui, acolá, com ares de hesi-

tação, um e outro desvio gramatical sobressai. Diferente, no

entanto, e Fogo Morto, publicado em 1943, no qual o escritor,

maduro, usa dos desvios gramaticais - porém, sem exagero – no

momento que lhe apraz.

(27) A posição proclítica do pronome ao verbo principal (no infini-

tivo) só é aceita pela gramática normativa por causa da prepo-

sição. (Cf.: Evanildo Bechara, op. cit., p. 328)

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CAPÍTULO IV

FORMAS LINGUÍSTICAS POPULARES

1. REGIONALISMO

Na nota (12), Capo I, deste trabalho, posicionamo – nos

sobre a conceituação de Regionalismo. Naqueles termos, é que apon-

taremos as palavras de uso regional emergentes no romance em estu-

do, isto é, ao classificarmos certo elemento lexica1 como "de uso

regional", estaremos baseados no aspecto econômico-social caracte-

rístico da região Pernambuco-Paraíba. Somos daqueles que não acre-

dita, em termos lingüísticos, em exclusividade de formas para uma

determinada camada social ou região, mas na freqüência maior ou me-

nor condicionada por fatores étnicos, sociais, políticos. Ademais,

o Regionalismo, embora seja marcador dos usuários de uma região,

por apresentar ou alta freqüência ou indicar atividades peculiares

àquele território, pode estar disseminado.

Mário Marroquim admite a opinião de Raja Gabaglia para

quem 'Pernambuco difundiu a civilização pela Parahyba, pelo Rio

Grande do Norte e pelo Ceará, que por sua vez a levou ao Acre'.1

Ora, sabe-se que a viga do desenvolvimento de Pernambuco nos sécu-

los XVI e XVII foi a cana-de-açúcar e a criação de gado:

“ Assim, apesar das notícias vindas do Sul, porta-

doras de névoas de minas e de ouro, Pernambuco não

abandonou a lavoura nem a criação, e foi a grande

força consolidadora que formou o alicerce de sua

prosperidade.”2

Além disso, só no século passado é que a zona da mata

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se interligou, pela estrada de ferro, com a faixa litorânea.

Então três fatos - a influência exercida por Pernambu-

co, as atividades açucare ira e agro-pecuária, além da dificuldade

de comunicação até meados do século XVIII - levaram o falante des-

ta região a gerar formas lingüísticas e a adequar outras existen -

tes capazes de manifestar sua atividade primária.

Alinhemos, pois, as passagens em que aparecem palavras

denotadoras das atividades açucareira e pecuária:

"Ali mandava o purgador [...]" (Cap. 5, p. 13)

"purgador" (= operário de purgar o açúcar nos engenhos). É criação

vernácula (purgar + dor), característica do Nordeste, como atesta

o Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, de Aurélio

Buarque de Holanda (P.D.B.L.P.).

"E os tanques de mel-de-furo, com sapos ressequi-

dos [...]" (idem, idem)

"mel-de-furo" (= mel que escorre das formas de açúcar nos bangüês).

Considerada regionalismo, conforme Glossário de Menino de Engenho,

da edição aqui citada.

"Chico Pereira era cambiteiro, moleque chibante

da bagaceira, [...]" (Cap. 18, p. 43)

"cambiteiro" (= indivíduo contratado para transporte de lenha, ca-

na,etc., no lombo de animais). Regionalismo conforme Glossário alu-

dido.

"bagaceira" (= local situado próximo ao engenho de açúcar, onde se

acumula o bagaço de cana. Cremos em que esta palavra é urna criação

vernácula (bagaço + eira) regional, haja vista referir-se a uma

parte do engenho de açúcar.

" [...] pedindo de quando em vez a Miguel Targino

a macaca para tanger os bois de coice." (Cap. 24,

p. 63)

"boi de coice" (= animal que, no carro de boi, compõe a dupla dire-

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tamente ligada ao veículo). Cf. Glossário citado.

"[...] Estrela e Labareda os (bois) do cambão, pe-

quenos e de pescoços compridos [...]" (idem, idem)

"boi do cambão" (= boi acostumado a puxar o carro). Consideramos

regionalismo por analogia a "boi de coice".

"Cresciam, e eram os homens que ficavam de sol a

sol, no eito puxado do meu avô." (Cap. 27, p. 75)

"eito" (= limpeza de uma plantação à enxada). Cf. Glossário.

"Os demais raspavam a junça dos partidos [...]"

(Cap. 32, p. 86)

"junça" (= plantação típica nos terrenos de cana-de-açúcar). Cf.

Glossário.

Outras passagens há cujos termos regionais servem para

denominar plantas e doenças:

"Nós íamos colhendo cabrinhas amarelas e arreben-

ta-bois vermelhos [...]" (Cap. 11, p. 21)

"cabrinhas" (= espécie de manga);

"arrebenta-bois" (= planta nociva ao gado). Regionalismo conforme

Glossário.

"Quando estivera no Jaburu, apanhara uma carga de

gálico que lhe deixara o corpo numa chapa." (Cap.

26, p. 69/70)

"gálico" (= blenorragia). Regionalismo conforme Glossário.

"As mães davam jaracatiá, e eles passavam o dia

obrando ralo como passarinho." (Cap. 27, p.74/75)

"jaracatiá" (= planta medicinal que funciona como purgante). Regio-

nalismo conforme Glossário.

"Na bagaceira, crescendo, o mata-pasto de cobrir

gente, [...]" (Cap. 28; p. 76)

"mata-pasto" (= arbusto de casca medicinal). Regionalismo conforme

Glossário.

"As moléstias do engenho tinham o seu diagnóstico

e a sua medicina certa: sarampo, bexiga-doida, pa-

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peira sangue-novo.” (Cap. 29. p. 81)

“bexiga-doida” (= espécie de varíola);

“sangue-novo” (= erupção na pele). Regionalismo conforme Glossá -

rio.

“Bebia refresco de pega-pinto em jejum. [...]”

(Cap. 39, p. 117)

“pega-pinto” (= planta medicinal). Regionalismo conforme G1ossá -

rio.

Certas palavras traduzem ainda hábitos alimentares (co-

mida e bebida) e lendas e crendices da região. Mais uma vez, J. L.

do Rego, através da linguagem, mostra sua face popular:

"E almoçamos com eles a boa carne-de-ceará com

farofa." (Cap. 15, p. 28).

“carne-de-ceará” (= charque). Regionalismo conforme Glossário.

"Andávamos pelos botequins no capi1é." (Cap. 17 ,

p. 41)

"capi1é" (= bebida feita com água açucarada com xarope). Regiona -

1ismo conforme Glossário.

"Punham-nos a dormir nos embalando com o bicho -

-carrapatu. A cabra-cabriola, a caipora, encontra-

-vam na mata os caçadores solitários. A burra-do-

-padre andava tinindo as correntes de suas patas

pelas porteiras distantes." (Cap. 20, p. 49)

“bicho-carrapatu”, "cabra-cabrio1a", "caipora", "burra-do-padre"

são protagonistas das estórias fantásticas que povoam e apavoram

engenho, o mundo das crianças. Regionalismos conforme Glossário.

2. GÍRIA

Adotamos, neste trabalho,a conceituação de “gíria”

sugerida por José Brasi1eiro Vi1anova (v. nota 25, Cap. II). Como

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nossa intenção, no presente capítulo, é analisar e demonstrar as

formas lingüísticas populares, restringir-nos-emos ã gíria de cará-

ter popular, utilizada por J. L. do Rego.

Segundo, Mattoso Câmara Jr.3, a gíria abrange o vocabu-

lário e a sintaxe. Sua origem está em:

"a) derivações anômalas [...],

.b) deformação de vocábulos usuais [...],

.c) metáforas ou metonímias [...],

.d) especialmente digna de nota a gíria dos mal -

....feitores, designada calão.”4

De um modo geral, a gíria se acentua no léxico e no

aspecto semântico da palavra. Tal fato também ocorre em Menino de

Engenho:

"Vivia a [...] encontrar malfeitos, [...] para

pretexto de suas pancadas nas crias de casa."(Cap.

7, p. 15)

ampliação de senti- do, abrangendo. Os animais racionais.

"Eu o (Antônio Silvino) fazia outro, arrogante e

impetuoso, e aquela fala bamba viera desmanchar em

mim a figura de herói."

(Cap. 10, p. 20) derivação da forma "bam-..........................bolear"5

"Fui dormir imaginando tudo o que era vingança con

tra o diabo da velha." (Cap. 12, p. 23)

ampliação de sentido decorrente da semelhan- ça comportamental entre "anjo mau" e ve -lha".

"Nós todos dormíamos, pensando na cabeça da cheia

[...]" (Cap. 13, p. 25)

................................transferência do sentido "o que comanda" para o "primeiro volume d'água que surge na enchente do rio". "O rio já estava no caixão." (idem, p. 38)

....................no contexto, significa "área inundada pelas águas da enchente e represadas pe-lo acúmulo de areia trazida pela correnteza"; por-tanto parece-nos, aqui, existir a similaridade com a expressão "caixão de defunto", na qual "caixão" equivale à área que retém as águas e "defunto" ....

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equivale as águas represadas.

"Tinha parido há oito dias, e o marido no mundo ."

(Cap. 16, p. 38)

...........................................a1tera-ção semântica de "mundo" para "lugar desconheci - do"; muito freqüente na modalidade oral com senti-do bastante variado ,como, por exemplo, "comer no fundo, pé no mundo"; "Fulano ganhou o mundo"; "A menina deu pro mundo", etc. "A velha Totonha de quando em vez batia no enge -

nho." (Cap. 21, p. 49)

a1teraçao semân-tica, para significar "ir", bastante freqüente na língua oral. "A nossa doce inocência perdia-se assim nessas

conversas besta.[...]" (Cap. 128 p. 56)

........alteração semântica de "animal quadrúpede" para "tolo, simplório". "O pai do Seu Lula era unha-de-fome." (Cap. 28,

p. 78)

composição vernácula po-pular para significar "avaro, mesquinho", freqUen te na língua oral.

3. PALAVRAS UTILIZADAS NA COMUNICAÇÃO COLOQUIAL.

Observa-se, na língua oral, de modo especial no uso po-

pular, um vocabulário pouco variado, "apesar de ele (o povo) estar-

sempre criando palavras novas ou dando a palavras antigas sentido

novo.”6 Esse léxico 1imitadíssimo conduz o falante a gerar pala -

vras novas - por meio dos processos de derivação e composição – a-

partir das pré-existentes na língua; a utilizar determinadas pala-

vras em sentido diverso, provocando assim as alterações semânti -

cas; e, finalmente, a repetir, nas diferentes situações de comuni-

cação o mesmo universo 1exica1.

Além disso, no uso oral popular, em oposição ao oral

culto, registram-se expressões cuja freqüência é marcante, e, por

isso mesmo, constituem um dos- traços marcadores de "forma 1ingüís-

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tica popular".

Sendo um romance de conteúdo memorialista e de assunto

regional e popular, o narrador recorreu, não raro, a um léxico ade-

quado, a fim de tornar o texto o mais possível próximo à realidade

1ingüística do povo. Nas passagens abaixo, destacamos as palavras

e expressões - que denominamos “formas 1ingUísticas popu1ares” -

indicadoras do aspecto popular de J. L. do Rego:

"Vi então que minha mãe estava [...]" (Cap.1, p.3)

A marca popular é a excessiva repetição.

"E um peso de carne, me1ado de terra, [...]" (Cap.

11, p. 20) (= sujo)

"[...] perguntando pelos porcos, que elas criavam

de meia, comendo umas goiabas de vez [...]”(idem,

(= para duas pessoas) (= pouco maduras) p. 21)

“[...] um deles trepou pelo pé-de-pau [...]”

(idem, p.22) (= no texto jenipa -

.............................peiro,mas pode refe -

.............................rir-se a qualquer ar-

.............................vore ou arbusto)

"Mas a propósito de nada, lá vinha com beliscões

e cocorotes. (Capo 12, p. 22)

(= pancada na cabeça com o nó dos dedos)

“[...] para contrariar as nossas gu1odices e fa -

zer raiva à gente grande da casa." (idem, p.22/23)

.............(= adulto)

"Passaram para o alto para mais de cem pessoas, e

cacarecos, [...]" (Cap. 13, p. 28)

(= trastes velhos)

"[...] era a cabeça melada de lama do negro, en-

galhada num pé de cabreira." (idem, p. 30)

(= entrançada)

Embora, no contexto, a forma "encalhada" esteja empre-

gada de modo adequado (no meio de galhos), no uso oral popular alu-

de-se a um objeto em qualquer ponto de difícil acesso.

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"E era uma conversa comprida, cheia de ditos e de

sem-vergonhices." (Cap.15, p. 34) (= ditados

.. (= obscenidades).......................obscenos)

"[...] com um menino pequeno engatinhando [...] e

o outro de peito, nos braços: [...]" (Cap.16,p.38)

........(= lactente)

"Trazia numa das mãos um longo bastão de ouro e

na outra a bola do mundo." (Cap. 17, p. 40)

...........(= globo terrestre)

"A mãe ofendida viera dar queixas ao meu avô, bo-

tando a coisa pra cima de Chico Pereira." (Cap.

.......(= culpa) (= para) (= Francisco)

18, p. 43)

No uso popular, a forma "coisa" funciona como uma espé-

cie de "coringa lexical", isto ê, pode substituir substantivos e

adjetivos na falta destes. Com relação a "Chico", com freqüência

os antropônimos são empregados de modo abreviado, reduzido ou de -

formado: Zê, Zefa, Tião, Tonho, etc.

"E os sabiás pinicaram os figos da figueira." (Cap.

21, p.52) (= picaram)

"Ali vivíamos [...] levando, carão das negras mais

velhas, [...]" (Cap.22,p.55) (= repreensão)

Como as citações são suficientes para comprovar esse

aspecto popular na linguagem de Menino de Engenho,a seguir rela-

cionaremos as palavras ou expressões, omitindo o contexto lingüís-

tico em que se encontram:

"bate-boca" = conversa (Cap. 15. p. 34)

"porcaria" = obscenidade (idem. p. 35)

"pegado" = junto a (idem, idem)

"ouças" = audição (Cap. 21. p. 52)

"feito" = conjunção comparativa COMO (idem. p.53)

"fedorentas" = mal cheirosas (Cap. 22. p. 56)

"quatro pedras na mão" = modo agressivo (idem, p.

59)

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"troços" = pertences (Cap. 23, p. 60)

"deus-dará" = abandono (Cap. 24, p. 62)

"desembestados" = em grande disparada (Cap. 25 ,

p. 68)

“mangação” = zombaria (Cap. 28, p. 79)

"cabroeira" = conjunto de indivíduos de nível so-

cial inferior (idem, idem)

"puxado" = asma (Cap. 29, p. 80)

"danada" = grande, muito grande (Cap. 31, p. 84)

"remanchando" = demorando-se (Cap. 32, p. 86)

"maneiros" = que exigem pouco esforço (idem.p.87)

"com a boca cheia" = com satisfação orgulhosamen-

te (Cap. 33, p. 92)

"chiliques" = modos estranhos ao ambiente (Cap.34,

p. 93)

"de boca aberta" = admirado, boquiaberto (Cap. 36,

p. 107)

"fazer os filhos" = manter relações sexuais (Cap.

37, p. 111)

"de barriga empinada" = ventre avolumado (idem,

idem)

"prenha" = grávida (idem,. idem)

"bunda" = nádegas (idem, p. 112)

"enganjentas" = cheias de si (idem, p. 112)

"fazer coisa ruim" = ato libidinoso (Cap. 39. p.

115)

"doença do mundo" = mal venéreo (idem, idem)

"entrava por uma perna de pinto e saía por uma per

na de pato" = sem importância (Cap. 40, p. 119)

Para ,concluir o assunto, fazemos questão de destacar

um fenômeno lexical muito importante que ratifica o aspecto popular

na linguagem de J.L. do Rego: a repetição excessiva de verbos copu-

lativos, vazios de conteúdo, como SER, ESTAR, IR, FICAR, muito fre-

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qüentes não só no uso oral, como também nas narrativas populares.

4. USO DO PROCESSO DE COORDENAÇÃO.

Dentre os dois processos - coordenação e subordinação-

utilizados para a construção do período composto, no uso oral popu-

lar, o da coordenação parece ser o mais freqüente. A explicação re-

side no fato de que, enquanto ao processo de subordinação exige-se

dependência sintático-semântica entre as orações, no da coordena -

ção justapõem-se orações independentes, embora relacionadas seman-

ticamente no contexto. Na subordinação, torna-se quase essencial o

uso de conectivo adequado ao encaixe das orações; na coordenação,

com um ou outro conectivo - que pode assumir valores diversos – ou

mesmo sem ele, o período estabelece pensamento completo. Ademais,

naquela, há uma grande variedade de relação de dependência sintáti-

co-semântica; ao contrario, nesta podem funcionar, basicamente,cin-

co tipos de relação semântica: adição, alternância, explicação, opo

sição/contraste e conclusão/conseqüência.

Podemos inferir, então, que o uso oral, por não permi-

tir ao falante muito tempo de reflexão e por dispensar certos tor-

neios lingüísticos, da preferência ao processo de coordenação. Além

disso, principalmente no uso oral popular, esse processo sintático

abre ao ouvinte possibilidade de melhor compreensão da mensagem

mesmo tratando-se de período longo. De modo contrário, o período

longo na subordinação, além de impor ao falante o uso do conecti -

vo - geralmente repetição dos mesmos -, reclama do ouvinte esforço

ingente para a compreensão da mensagem.

Pois bem: em todos os capítulos de Menino de En-

genho, entre orações e mesmo entre períodos, ocorre uma freqüência

.....

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muito alta do processo sintático da coordenação. A subordinação

também se faz presente, mas com estruturas e conectivos bastante

comuns (e muito repetidos) na língua oral, conforme mostraremos

adiante. Por isso, após várias leituras analíticas, chegamos à con-

clusão de que esse fato é o traço fundamental do aspecto popular

na linguagem do romance. Em outras palavras, a incidência constan-

te e quase ininterrupta da justaposição dos períodos e a subordina-

ção inter-oracional a nível do uso oral popular constituem, por

excelência, a forma lingüística popular mais evidente. Vejamo-las à

luz dó romance:

"Eu tinha uns quatro anos no dia em que minha mãe

morreu. Dormia no meu quarto, quando pela manhã

me acordei com um enorme barulho na casa toda.Eram

gritos e gente correndo para todos os cantos. O

quarto de dormir de meu pai estava cheio de pes -

soas que eu não conhecia. Corri para lá, e vi mi-

nha mãe estendida no chão e meu pai caído em cima

dela como um louco." (Cap. 1, p. 3)

"Uma tarde, chegou um portador num cavalo cansado

de tanto correr, com um bilhete para o meu avô.

Era um recado do Coronel Anísio, de Cana Brava,

prevenindo que Antônio Silvino naquela noite esta-

ria entre nós. A casa toda ficou debaixo do pa-

vor."(Cap. 10, p. 18)

“Depois do jantar o meu avô sentava-se numa cadei-

ra perto do grande banco de madeira do alpendre.

O gado não havia chegado do pastoreador. Lia os,

telegramas do DIÁRIO DE PERNAMBUCO ou dava as suas

audiências públicas aos moradores. Era gente que

vinha pedir ou enredar. Chegavam sempre de chapéu

na mão com um 'Deus guarde a Vossa Senhoria'. Que-

riam terras para botar roçados, [...]. Alguns vi-

nham fazer queixas dos vizinhos." (Cap.23, p.60)

"Acordei com os pássaros cantando no gameleiro.To-

cavam dobrados ao meu bota-fora. E uma saudade na-

tecipada do engenho me pegou em cima da cama. Vie-

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ram-me acordar. Há tempo que estava de olhos aber-

tos [...]. Uma outra vida ia começar para mim."

(Cap. 40, p. 119)

Os quatro excertos retratam fielmente um aspecto predo-

minante em todos os capítulos: a justaposição de períodos. Observe-

-se que os períodos se sucedem sem elemento de coesão sintática7 ,

como se fossem compartimentos colocados uns ao lado dos outros.Ape-

nas no quarto excerto, o segundo período se inicia com o conectivo

E.

Pouco freqüente, no entanto, é a ocorrência de passa -

gens em que o elemento de coesão sintática se apresente como, por

exemplo, nos seguintes passos:

"A velha ,Sinhazinha não gostava de ninguém. Tinha

umas preferências temporárias por certas pessoas

a quem passava a fazer gentilezas com presentes e

generosidades. Isto somente para fazer raiva aos

outros. Depois mudava. E vivia, [...]. De mim nun-

ca se aproximou. E eu mesmo fugia, sempre que po-

dia, de sua proximidade. Mas a propósito de nada,

lá vinha com beliscões e cocorotes." (Cap. 12, p.

22)

"Olhava para as réstias que as telhas de vidro

espalhavam pelo quarto. Elas iam fugindo devagari-

nho, até subirem pelas paredes, redondas ou ovais,

e, enfim, desapareciam, quando não havia mais sol

no te1heiro. Às vezes vinham de cima,como uma f1e-

cha, e se enfincavam num canto." (Cap. 29, p. 80)

"Da calçada da casa-grande viam-se no meio do ca-

navial aquelas cabeças de chapéu de palha velho

subindo e descendo, no ritmo do manejo da enxada:

[...] Às vezes eu ficava por lá, entretido com o

bate-boca dos cabras. Traba1havam conversando, bu-

lindo uns com os outros; os mais moços com pabula-

gem de mulheres. Outros bem calados, olhando para

o chão, tirando a sua tarefa com a cara fechada .

Assim, poucos. Os demais raspavam a junça dos par-

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tidos [...]" (Cap. 32, p. 85/86)

Os elementos acima grifados estabelecem uma relação sin-

tática mais íntima de modo a permitirem maior fluência de pensamen-

to. Acrescente-se a isso, dentre os conectivos utilizados por J.L.

do Rego, entre períodos, a altíssima freqüência dos coordenativos

dos quais se sobressai o "E", que só não aparece no capítulo 30 ,

dando lugar ao "MAS".

Apesar de estarmos enfatizando o processo da coordena-

ção, achamos ser oportuna alguma explicação ou exemplificação a

respeito do aspecto da subordinação a que aludimos anteriormente:

No capítulo 1

(1) "Dormia no meu quarto, quando pela manhã me acordei [...]" (p.

....3)

(2) "Eram gritos e gente correndo para todos os cantos." (p. 3)

(3) "O quarto. [...] estava cheio de pessoas que eu não conhecia."

...(p. 3)

(4) "A gente toda que estava ali, [...]" (p. 3)

(5) "Vi então que minha mãe estava toda banhada em sangue, e corri

....para beijá-la, quando me pegaram pelo braço com força." (p. 3)

(6) "Um homem que chegou com uns soldados mandou que todos saís -

....Sem,[...]" (p. 3)

(7) "O criado, pálido, contava que ainda dormia quando ouvira uns

....tiros no primeiro andar." (p. 3)

(8) "[...] o homem sério que entrara não permitia que ninguém se

....aproximasse dali." (p. 4)

(9) "Levaram-me então para a praça que ficava perto de minha casa."

....(p. 4)

Esses passos do capítulo 1, - aliás muito curto – de

Menino de Engenho, revelam os aspectos do processo da subordinação

de maior freqüência em todos os outros capítulos do romance:

a) a relativização excessiva introduzida pelo pronome QUE conforme

se vê nas passagens (3), (4), (6), (8) e (9). Tal fenômeno chega

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a um ponto que, no capítulo 4, ocorre dezoito vezes, e, no capítu-

lo 13, trinta e duas vezes;

b) oração adverbial temporal introduzida por QUANDO e final reduzi-

da iniciada com PARA, presentes em (1), (5) e (7). Em nenhum capí-

tulo, há uma freqüência tão alta quanto a anterior, todavia ê uma

constante em todos os capítulos;

c) oração reduzida de gerúndio ora com valor temporal ou causal,

ora com valor de uma relativa, e, não raro, de uma coordenada. Em

(2), a reduzida equivale à relativa "que corria para todos os can-

tos. “Em "O Tio Juca [...] contava a história, afirmando que o meu

pai estava doido." (Cap. 4, p. 7), a reduzida equivale à coordena-

da "e afirmava que o meu pai estava doido". Essas duas situações

são uma constante na obra.

d) oração substantiva introduzida por QUE, presente em (5), (6) ,

(7) e (8), ocorrente em todos os capítulos com alta freqüência.

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99NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1) Mário Marroquim. A língua do nordeste. 2 ed. (São Paulo, Cia.

Ed. Nacional, 1945) p. 22.

(2) Ibidem, p. 139.

(3) Joaquim Mattoso Câmara Jr. Dicionário de filologia e gramáti-

ca. 6 ed. (Rio de Janeiro, J. Ozon, 1974) p. 197.

(4) Ibidem.

(5) José Pedro Machado. Dicionário etimológico da língua portugue-

as. 2 ed. (São Paulo e Lisboa, Ed. Confluência Livros Horizon-

tes. 1967), vol I. p. 381.

(6) Jose Brasileiro Vilanova. Linguagem e estilo de "um menino de

engenho". Edição atualizada (Recife, 1983) p. 19.

(7) Como elemento de coesão sintática, consideramos os conectivos,

as palavras de referência (anáforas e catáforas) e palavras ou

locuções de transição.

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C O N C L U S Ã O

E sabido que o resultado de uma pesquisa jamais se tor-

na inacabado, porquanto o conhecimento humano permanentemente evo-

lui. De maior dinamismo e polemicidade se reveste o assunto, quan-

do está inserido nas ciências humanas, que, por natureza, permitem

ao estudioso doses subjetivas, seja na escolha do assunto, seja na

análise, seja na interpretação de dados empíricos. Por isso, a pre-

sente pesquisa não fugiu à regra, ou seja, o modelo de descrição da

linguágem do romance, com ênfase para as influências lingüísticas

sofridas pelo autor, vale como um ponto de partida para a consoli-

dação futura de um modelo ideal.

No entanto, fazemos questão de sublinhar, sem falsa mo-

déstia a resolução da maior parte das questões levantadas e o di-

recionamento de outras para futuras soluções. Senão vejamos:

1. constatamos, no desempenho escrito, que o autor sofre forte in-

fluência lingüística da Escola e dos ambientes cultos que freqüen-

tou (cf.: Cap. I e IV), o que nos fez "descobrir" a faceta erudita

de J.L. do Rego em Menino de Engenho;

2. conseguimos estabelecer critérios lingüísticos para se defini -

rem formas eruditas e populares e distinguimos o erudito do literá-

rio (cf.: Cap. II);

3. mostramos a necessidade imperiosa de, numa descrição de formas

lingüísticas, dar relevo às modalidades e usos (cf.: Cap. II);

4. demonstramos ser indispensável a confrontação, texto X realidade

sócio-cultural em determinado momento, para se classificar certo

termo como "erudito" ou "popular" (cf.: Cap. III e IV);

5. descrevemos, com abundância de exemplos analisados, as formas

lingüísticas eruditas e populares de J.L. do Rego em Menino de En-

genho, nos níveis lexical e sintático (cf.: Cap. III e IV).

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Pelo exposto, acreditamos haver contribuído, embora em

pequena parcela, com a análise lingüística da modalidade escrita

de obra literária, principalmente do ponto de vista ensino-aprendi-

zagem da Língua Portuguesa, a nível de 2º e 3º Graus, em relação à

análise, compreensão e interpretação de texto, em razão dos seguin-

tes resultados que, na prática, não podem ser desprezados:

a) qualquer comentário sobre a linguagem numa obra literária deve

ser precedido de critérios lingüísticos definidos, para, em segui-

da, relacioná-la ao contexto sócio-cultural onde se desenrola a

ação do romance, conto, etc., sob análise1; para isso, pode-se uti-

lizar o modelo proposto no Capo II e observar a analise nos Caps.

III e IV;

b) deve-se considerar, mesmo numa análise do desempenho escrito,

as duas modalidades de língua bem como seus respectivos usos mais

concretos2;

c) definição clara daquilo que se busca na obra, tal qual fizemos

com "erudito" e "popular" nos níveis lexical e sintático;

d) elaboração de um modelo para uma descrição lingüística de obra

literária;

e) constatação e análise, na obra, do que foi definido - no caso

formas lingüísticas eruditas e populares;

f) distinção entre "literário" e "erudito" no âmbito da linguagem.

No decorrer deste trabalho até essas conclusões, a pes-

quisa nos ratificou e comprovou quanto, no desempenho lingüístico,

o usuário retrata suas origens e influências sócio-culturais, que

tanto assinalamos no Cap. I. Eis, portanto,a maior contribuição pa-

ra o ensino/aprendizagem do vernáculo: meio para perceber o contex-

to sócio-cultural do indivíduo através da linguagem. Tal processo

só será posto em prática, caso os professores de Língua Portuguesa

orientem os alunos não só no sentido da norma culta, mas igualmen-

........

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te no sentido de despertar neles a língua como instrumento de comu-

nicação eficaz e como uma das fontes de manifestação sócio-cultu-

ral.

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N O T A S

(1) Para que pudéssemos considerar tal ou qual forma "erudita" ou

"popular", foi indispensável, recorrendo-se à gramática pres -

critiva e às modalidades e usos, - elaborar o QUADRO DE TRAÇOS

MARCADORES que nos permitiram chegar à definição de "erudito"

e "popular".

(2) Por motivos estruturais do nosso sistema educacional ou por

formação dos professores, tem-se priorizado, no ensino do ver-

náculo, a moda1idade escrita. Sem querermos po1emizar a impor-

tância da língua falada e escrita, é inadmissível que, no ensi-

no atua1, se desprezem as influências não só da língua oral co-

mo também das variantes traz idas pelos alunos, quando chegam à

Escola.

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