formação de professores, saberes, reflexividade e apropriação da … · 2019. 7. 28. ·...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO AKYNARA AGLAÉ RODRIGUES SANTOS DA SILVA BURLAMAQUI Formação de professores, saberes, reflexividade e apropriação da cultura digital no Projeto Um Computador por Aluno (UCA) Natal / RN 2014

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

    CENTRO DE EDUCAÇÃO

    AKYNARA AGLAÉ RODRIGUES SANTOS DA SILVA BURLAMAQUI

    Formação de professores, saberes, reflexividade e apropriação da cultura

    digital no Projeto Um Computador por Aluno (UCA)

    Natal / RN

    2014

  • AKYNARA AGLAÉ RODRIGUES SANTOS DA SILVA BURLAMAQUI

    Formação de professores, saberes, reflexividade e apropriação da cultura

    digital no Projeto Um Computador por Aluno (UCA)

    Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

    Educação do Centro de Ciências Sociais Aplicadas

    da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    como requisito parcial para obtenção do título de

    Doutora em Educação.

    Orientadora: Profª. Drª. Maria das Graças Pinto

    Coelho.

    Natal / RN

    2014

  • UFRN. Biblioteca Central Zila Mamede.

    Catalogação da Publicação na Fonte.

    Burlamaqui, Akynara Aglaé Rodrigues Santos da Silva.

    Formação de professores, saberes, reflexividade e apropriação da cultura digital no projeto Um Computador por

    Aluno (UCA). / Akynara Aglaé Rodrigues Santos da Silva Burlamaqui. – Natal, RN, 2014.

    159 f.: il.

    Orientadora: Profa. Dra. Maria das Graças Pinto Coelho.

    Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Educação. Programa de Pós-

    Graduação em Educação.

    1. Saberes docentes – Tese. 2. Um Computador por Aluno (UCA) – Tese. 3. Apropriação – Educação - Tese.

    4. Reflexibilidade – Educação – Tese. 5. Cultura digital – Tese. I. Coelho,Maria das Graças Pinto. II. Universi-

    dade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

    RN/UF/BCZM CDU 37.026

  • AKYNARA AGLAÉ RODRIGUES SANTOS DA SILVA BURLAMAQUI

    Formação de professores, saberes, reflexividade e

    apropriação da cultura digital no Projeto Um

    Computador por Aluno (UCA)

    Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Ciências Sociais

    Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para

    obtenção do título de Doutora em Educação pela Banca Examinadora composta pelos

    membros:

    BANCA EXAMINADORA

    Profª. Drª. Maria das Graças Pinto Coelho

    Orientadora

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    Profª. Drª. Karla Rosane do Amaral Demoly

    Examinador Externo

    Universidade Federal de Pernambuco

    Profª. Drª. Marcília Luzia Gomes da Costa Mendes

    Examinador Externo

    Universidade Federal da Paraíba

    Prof. Dr. Adir Luiz Ferreira

    Examinador Interno

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    Profª. Drª. Luciane Terra dos Santos Garcia

    Examinador Interno

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    Natal, RN _______ de _________________ de ________.

  • DEDICATÓRIA

    Ao meu marido, Aquiles Burlamaqui, pelo incentivo e

    atenção em todos os momentos, e ao meu filho Athos,

    minha inspiração.

    Aos meus pais, Akita Aglaé e Jesaías Rodrigues, e ao meu

    avô, Raimundo Germano dos Santos (in memoriam), por

    acreditarem e investirem sem medirem esforços em minha

    jornada de eterna aprendiz.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeço a Deus, por me conceder a dádiva da vida e por em alguns momentos de cansaço e

    desânimo me indicar o caminho da paz e da serenidade para enfrentar os obstáculos, ajudando

    a superar os desafios postos.

    Aos meus pais, Akita Aglaé e Jesaías Rodrigues, por me ofertarem todo amor e felicidade que

    um ser necessita para manter uma vida saudável, além de me proporcionar cuidados e

    ensinamentos éticos e morais, os quais eu levarei por toda minha vida. Agradeço

    especialmente ao meu avô, Raimundo Germano dos Santos (in memoriam), o qual, enquanto

    esteve entre nós, nunca mediu esforços para manter meus estudos, acreditando no meu

    potencial enquanto estudante.

    Agradeço ao meu marido, Aquiles Burlamaqui, e ao meu filho, Athos dos Santos Burlamaqui,

    pessoas a quem amo e com quem divido minha vida. Reconheço e agradeço todos os

    momentos de alegrias, compreensão e cumplicidade.

    Aos meus tios, tias e primas, que sempre incentivaram e deram apoio para que eu

    prosseguisse com meus estudos.

    A todos os professores e professoras que passaram por minha vida escolar e acadêmica, cujos

    ensinamentos construídos ao longo desta trajetória de aprendizado colaboraram na minha

    formação de profissional da educação, carreira que admiro profundamente e que escolhi para

    a minha vida.

    À minha estimada Professora-orientadora Maria das Graças Pinto Coelho, por me receber

    como sua orientanda, pelos ensinamentos transmitidos nesta jornada, pelas discussões

    valiosas e conversas despretensiosas entre uma orientação e outra e pelas parcerias

    significativas em artigos científicos apresentados durante esse tempo de convívio acadêmico.

    À Professora Apuena Vieira Gomes e a Adja Andrade, por oportunizarem meu contato com o

    Projeto Um Computador por Aluno. São meus exemplos profissionais por demonstrarem,

    através de seus atos, serem grandes professoras-amigas - e por vezes amigas-professoras.

    Agradeço pelo apoio e ensinamentos dados em todo esse tempo de convívio

    acadêmico/profissional.

  • À professora Marly Amarilha, pela participação em banca de seminário doutoral. Agradeço

    pelas contribuições valiosas para o presente trabalho .

    Aos meus queridos colegas pós-graduandos, Zoraia Assunção, Patrícia Gallo e Dalvaci Bento,

    por estarmos todos juntos na Academia compartilhando objetivos comuns, trocando

    experiências e contribuições teóricas, em encontros bastante significativos e motivadores para

    o processo de efetivação da pesquisa. Agradeço pelas conversas, pelos momentos de lazer nas

    viagens para congressos, pela cumplicidade, pelas indicações de leituras e pela amizade.

    A todos que compõem a Escola Estadual Maria Cristina, lócus empírico desta pesquisa.

    Agradeço pela acolhida e por acreditarem e contribuírem para a efetivação deste trabalho.

    Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN e à CAPES, pelo apoio e

    financiamento, respectivamente, deste trabalho.

    Finalizo com um agradecimento a todos os amigos que, de forma direta ou indireta, me

    incentivaram e apoiaram nesta jornada permeada de construções permanentes.

    Muito obrigada.

    Akynara Aglaé Burlamaqui

  • “Produzir conhecimento por meio de uma pesquisa

    sistemática é criar as possibilidades de interpretar o

    mundo no seu instante de criação. Ao produzir

    conhecimento, criamos o mundo, os mundos, as

    interpretações, os significados, os sentidos e a própria

    existência de um modo de ser.”

    (PIMENTA, p. 13, 2006)

  • Formação de professores, saberes, reflexividade e

    apropriação da cultura digital no Projeto Um

    Computador por Aluno (UCA)

    RESUMO

    Este estudo investiga a formação de professores e a prática cognitiva dos docentes em uma

    escola de Educação Básica que adotou o Projeto Um Computador por Aluno (UCA) em seu

    cotidiano escolar. Sua relevância consiste em fornecer direções para a continuação das ações

    de formação do projeto e nortear o fazer e o pensar docentes junto às suas práticas

    pedagógicas com uso do laptop no modelo um para um. Defende-se que a formação do

    educador para uso social das mídias digitais (em especial, os laptops provenientes do UCA)

    abre espaços para o estabelecimento de novas relações sociotécnicas, de novas práticas socais

    e profissionais, novas pertenças identitárias e de um processo de reflexividade e reconstrução

    de saberes para ensinar. Reafirmamos a importância da reflexividade e da apropriação da

    cultura digital para melhor desenvolvimento da prática docente com uso das Tecnologias da

    Informação e Comunicação (TICs), enfocando os aspectos de uso social e profissional da

    tecnologia. O estudo alinha-se à vertente qualitativa e trata-se de um rastreamento processual

    com base em princípios da pesquisa etnográfica. Como procedimentos e instrumentos

    metodológicos, foram adotados: a observação intensiva dos ambientes escolares, a análise

    documental, o grupo focal, questionários semiestruturados e entrevistas individuais

    semiestruturadas. A pesquisa realizou-se em uma escola pública do município de Parnamirim

    – RN. A amostra de sujeitos refere-se a 17 docentes, procedentes do ensino fundamental I e II,

    Educação de Jovens e Adultos e Ensino Médio que passaram pelo processo de formação UCA

    e que inseriram os laptops em sua prática pedagógica. O corpus da pesquisa está estruturado

    com base nas mensagens construídas no processo de coleta de dados e é analisado com base

    em princípios da Análise de Conteúdos, especificados por Laurence Bardin (2011). Tomou-se

    como referencial teórico os estudos de Tardif (2000; 2011), Pimenta (2009), Gorz (2004,

    2005), Giddens (1991), Dewey, J. (1916), Boudieu (1994; 1999), Freire (1996; 2005), entre

    outros. A análise aponta um processo de reconstrução/revisão de saberes para ensinar e atuar

    na cultura digital, saberes esses pautados na experiência dos sujeitos investigados. Os saberes

    reconstruídos serão desvendados a partir de um processo de categorização. Os seguintes

    grupos de saberes: “saberes da técnica”, “saberes didático-metodológicos” e “saberes da

    profissionalização” foram construídos na premissa da apropriação da cultura digital em

    contexto educacional. A análise confirma o surgimento de novas formas de sociabilidades ao

    adquirirem outras formas de agir e de pensar as TICs, apesar do ambiente adverso à

    reflexibilidade compartilhada entre os docentes. Revela, ainda, com base no conceito de

    apropriação presente na análise dos dados, a construção de sentidos de pertencimento e de

    transformação do sujeito no percurso social a partir do entrelaçamento da prática docente com

    a cultura digital. Ressalta, por fim, a importância de uma formação para uso das TICs que

    ultrapasse a instrumentalização, ou seja, o que denominamos “saberes da técnica”, mas que

    tenha em sua base estrutural a reflexividade compartilhada, a abertura para a ressignificação e

    (re)construção de saberes e fazeres e que permita realmente, ao professor, a vivência de uma

    experiência capaz de propiciar transformações de suas relações sociotécnicas.

    Palavras-Chave: Um Computador por Aluno (UCA), Apropriação, Reflexibilidade, Cultura

    Digital, Saberes Docentes.

  • Teacher training, knowledge, reflexivity and appropriation of

    digital culture at the Project One Computer per Student (UCA)

    ABSTRACT

    This study investigates teacher training and cognitive practice of teachers in a Basic

    Education school that adopted the Project One Computer per Student (OCS) in their school

    routine. Its relevance consists in provide directions for the continuation of training activities

    on the Project and guide the teachers with their pedagogical practices using the laptop model

    one to one. The thesis defended is that the educator formation for social using of digital media

    (specially the laptops from the Project UCA) gives space to establish new sociotechnical

    relationships, of new social and professionals practices, new identitary components and a

    process of reflexivity and knowledge reconstruction to teach. We reaffirm the importance of

    reflexivity and appropriation of digital culture for the better development of teaching practice

    using the Information and Communication Technologies (ICTs), giving focus to the aspects of

    social and professional use of the technology. The study is part of the qualitative aspect and is

    a procedural tracking based on principles of ethnographic research. As procedures and

    methodological tools, were used: intensive observation of school environments, documental

    analysis, focal group, semi-structured questionnaires and semi-structured individual

    interviews. The research was held in a public school in the city of Parnamirim - RN. The

    subject sample relates to 17 teachers, coming from the elementary school I and II, Youth and

    Adult Education and High School, who went through the process of training UCA and having

    entered the laptops in their teaching. The research corpus is structured based on the messages

    built into the process of data collection and is analyzed based on principles of Content

    Analysis, specified by Laurence Bardin (2011). Was taken as theoretical reference studies by

    Tardif (2000; 2011), Pimenta (2009), Gorz (2004, 2005), Giddens (1991), Dewey, J. (1916),

    Boudieu (1994; 1999), Freire (1996; 2005), among others. The analysis indicates a process of

    reconstruction / revision of knowledge to teach and work in digital culture, being these

    knowledges guided by the experience of the subjects investigated. The reconstructed

    knowledges will be revealed from a categorization process. The following groups of

    knowledges: "technical knowledges", "didactic-methodological knowledges” and

    “knowledges of professionalization" were built on the assumption of ownership of digital

    culture in the educational context. The analysis confirms the appearance of new ways of

    sociability when acquiring other forms of acting and thinking ICTs, despite the environment

    adverse to the reflexivity shared among the teachers. Also reveals, based on the ownership

    concept present on the data analysis, the construction of meanings of belonging and

    transformation of individuals into social routes from the interweaving of the teaching practice

    with the digital culture. Emphasizes, finally, the importance of a training for use of ICTs that

    exceeds the instrumentation, in other words, what we call "technical knowledges", but taking

    on its structural basis the shared reflection, the opening for the ressignificance (new meaning)

    and reconstruction of new knowledges and practices and that really allows, to the teacher, the

    living of an experience capable of providing socio-technical transformations of their

    relationships.

    Keywords: One Computer per Student (UCA), Appropriation, Reflectivity, Digital Culture,

    Knowledges Docents.

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    EJA Programa de Educação de Jovens e Adultos

    GTUCA Grupo de Trabalho de Assessores Pedagógicos

    IES Instituto de Ensino Superior

    LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

    MEC Ministério da Educação e Cultura

    NTE Núcleo de Tecnologia Estadual

    NTM Núcleo de Tecnologia Municipal

    OCS Project One Computer per Student

    PPP Programa Político Pedagógico

    RECOMPE Regime Especial de Aquisição de Computadores para Uso

    RN Rio Grande do Norte

    SE Secretaria Estadual

    SEED Secretaria de Educação à Distância

    TIC Tecnologia da Informação e Comunicação

    UCA Um Computador por Aluno

    UFC Universidade Federal do Ceará

    UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    UNDIME União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 01 Novas salas de aula do Projeto UCA – Escola Estadual Maria Cristina -

    Parnamirim – RN............................................................................................ 81

  • LISTA DE GRÁFICOS

    Gráfico 01 Domínio de conhecimento geral dos professores sobre ferramentas

    da informática................................................................................................... 96

    Gráfico 02 Nível de conhecimento específico.................................................................... 96

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 01 Sistemática de observação das aulas com uso dos laptops do Projeto

    UCA.................................................................................................................103

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 01 Detalhamento de dados referentes às primeiras experiências do

    Projeto UCA..................................................................................................... 62

    Tabela 02 Tabela criada a partir de dados contidos no site do PROJETO

    UCA/MEC........................................................................................................ 63

    Tabela 03 Número de escolas, alunos e professores beneficiados com o UCA................ 64

    Tabela 04 Municípios e escolas contempladas com a implantação do Projeto

    Um Computador por Aluno no RN................................................................... 74

  • SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 18

    1.1 QUESTÕES DE ESTUDO.......................................................................................... 18

    1.2 ORIGEM DO ESTUDO............................................................................................... 19

    1.3 O ESTADO DA ARTE................................................................................................. 22

    1.4 JUSTIFICATIVA.......................................................................................................... 25

    1.5 ESTRUTURAÇÃO DA TESE.................................................................................... 31

    2 NOVOS TEMPOS, NOVOS DIRECIONAMENTOS PARA A EDUCAÇÃO E

    ATIVIDADE DOCENTE........................................................................................... 33

    2.1 BREVE PANORAMA DAS TRANSFORMAÇÕES E MODELOS DO PROCESSO

    FORMADOR............................................................................................................... 44

    2.2 TICS, SABERES, APROPRIAÇÃO DIGITAL, REFLEXIVIDADE

    E TRANSFORMAÇÃO NAS RELAÇÕES SOCIOTÉCNICAS............................... 48

    3 O PROJETO UM COMPUTADOR POR ALUNO E O PROCESSO DE

    FORMAÇÃO DE PROFESSORES......................................................................... 60

    3.1 CONCEPÇÃO E FUNCIONAMENTO...................................................................... 60

    3.2 O PLANO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO PROJETO UCA.................. 67

    3.2.1 Princípios e organização estrutural do plano de formação e professores no Projeto

    UCA............................................................................................................................. 68

    3.2.2 A sistematização dos módulos de formação e dos conteúdos...................................... 70

    3.3 UCA NO RIO GRANDE DO NORTE........................................................................ 73

    3.3.1 A Escola Estadual Maria Cristina e o projeto de formação UCA................................ 75

    3.3.2 Algumas considerações sobre o desenvolvimento do projeto um computador por

    aluno na escola estadual maria cristina........................................................................ 78

    3.3.3 Quanto aos conteúdos, atividades e módulo I (Apropriação Tecnológica).................. 78

    3.3.4 Quanto à infraestrutura e o desenvolvimento das ações de formação.......................... 80

    4 O CAMINHO TRILHADO: ASPECTOS METODOLÓGICOS.......................... 84

    4.1 O DESENHO DAS ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS DA PESQUISA: A FASE

    EXPLORATÓRIA E A (RE)DESCOBERTA DO PROBLEMA DA

    PESQUISA................................................................................................................... 93

    4.1.1 Análise documental e aplicação de questionário: Professor e sua relação com o

    universo da informática................................................................................................ 94

    4.1.2 O grupo focal e as trajetórias dos professores...............................................................97

  • 4.1.3 Observando o espaço de compartilhamento da tecnologia.......................................... 99

    4.1.4 As entrevistas............................................................................................................. 107

    4.2 A BASE TEÓRICA PARA ANÁLISE DOS DADOS............................................... 109

    5 EM BUSCA DOS SABERES DECORRENTES DA APROPRIAÇÃO

    TECNOLÓGICA DO PROFESSOR...................................................................... 111

    5.1 O QUADRO DA ANÁLISE DE CONTEÚDO: OS SABERES DECORRENTES

    DA APROPRIAÇÃO TECNOLÓGICA EM CATEGORIAS.............................. 111

    5.2 OS SABERES ADVINDOS DA APROPRIAÇÃO DA CULTURA DIGITAL

    UCA........................................................................................................................... 117

    5.2.1 O saber técnico........................................................................................................... 117

    5.2.2 Os saberes didático-metodológicos............................................................................ 121

    5.2.3 Os saberes da profissionalização................................................................................ 124

    5.3 A REFLEXIVIDADE E AS MARCAS DE TRANSFORMAÇÃO DAS

    RELAÇÕES SOCIOTÉCNICAS............................................................................. 127

    6 CONSIDERAÇÔES FINAIS.................................................................................. 134

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................145

    APÊNDICES..............................................................................................................153

    APÊNDICE 01: Questionário aplicado aos professores da Escola Estadual Maria

    Cristina que aderiram à proposta do Projeto UCA.....................................................153

    APÊNDICE 02: Guia utilizado para orientar as discussões do grupo focal junto aos

    professores da Escola Estadual Maria Cristina...........................................................157

    APÊNDICE 03: Roteiro utilizado para realização de entrevista com os professores da

    Escola Estadual Maria Cristina...................................................................................159

  • 18

    1 INTRODUÇÃO

    A pesquisa “Formação de professores, saberes, reflexividade e apropriação da cultura

    digital no Projeto Um Computador por Aluno (UCA)” enfoca a interface Tecnologias da

    Informação e Comunicação (TICs), formação e saberes docentes e apropriação da cultura

    digital, dentro do contexto do Projeto Um Computador por Aluno (UCA). Esse projeto foi

    instituído com intuito de promover uma inclusão digital mediante a aquisição e a utilização de

    laptops de baixo custo, doados a instituições públicas de ensino localizadas em diversos

    Estados do Brasil.

    O estudo ocorreu na Escola Estadual Maria Cristina, no município de Parnamirim, Rio

    Grande do Norte. Contamos com a participação de um grupo-sujeito, composto por 17

    docentes, que aderiram à proposta de utilização de um laptop por aluno em sua dinâmica de

    sala de aula.

    Temos como objetivo geral conhecer o plano de formação de professores no contexto do

    Projeto UCA na Escola Estadual Maria Cristina, investigando se essa formação possibilita a

    (re)construção de saberes para ensinar com uso das TICs, saberes estes decorrentes do

    processo de reflexividade e apropriação da cultura digital.

    Sua relevância consiste em fornecer direções para continuação das ações de formação do

    Projeto e nortear o fazer e o pensar docentes junto às suas práticas pedagógicas com uso do

    laptop, no modelo um para um.

    1.1 Questões de Estudo

    Traçamos a abordagem sobre o conceito de apropriação da cultura digital associada à

    reflexividade e saberes para ensinar. O recorte analítico foi amparado em duas questões

    norteadoras:

    Observar a dinâmica abrangente do fluxo interacional envolvendo 17

    professores da Escola Estadual Maria Cristina, em Parnamirim, e os novos recursos

    sociotécnicos (laptops) no ambiente escolar em que se insere o “Projeto Um

    Computador um Aluno” (UCA). Dentro da ambiência do projeto, questionou-se: quais

    as inferências que identificam a reconstrução de saberes requeridos pela

    apropriação da cultura digital no ambiente escolar? Qual a tipologia desses

    saberes?

  • 19

    Sabemos que a interação se confronta com a mediação, mas dela se distingue,

    ao estabelecer um processo cognitivo que se manifesta em diferentes movimentos de

    percepção, reflexão e pertencimento. Desse modo, como são apresentadas as marcas

    de interação e transformação das relações sociotécnicas no ambiente educacional

    analisado, o qual adere à cultura digital na experiência do Projeto UCA?

    Podemos expor, ainda, que foi a vivência da pesquisadora, durante os últimos anos, como

    formadora do Projeto Um Computador por Aluno que desencadearam as inquietações quanto

    à atenção que é dada aos professores na elaboração e efetivação desse tipo de projeto, além de

    nossa preocupação com a concepção de formação docente que está sendo desenvolvida nas

    escolas beneficiadas pelo Projeto, especialmente em relação à redefinição e alargamento do

    papel do professor no contexto de uso das TICs na escola e aos saberes para ensinar,

    decorrentes da sistemática de formação realizada.

    1.2 Origem do Estudo

    O interesse pela temática surgiu com a inserção da pesquisadora no Projeto Um

    Computador por Aluno no Rio Grande do Norte (RN), na condição de tutora. A entrada nesse

    projeto despertou indagações relacionadas à maneira como os docentes compreendem e

    utilizam a tecnologia, especificamente os laptops provenientes do Projeto UCA.

    Acreditávamos que tais indagações estariam ligadas a uma concepção de formação continuada

    pela qual os professores passariam, e uma dessas formações estaria sendo proporcionada pelo

    Projeto UCA.

    Nesse sentido, a concepção de formação docente dentro do Programa Governamental de

    inclusão digital UCA vem sendo elemento motivador para empreendermos o estudo nesta

    pesquisa.

    Em nossa dissertação de mestrado, nos preocupamos com a temática da inclusão /

    apropriação da cultura digital dentro de projetos que envolviam o uso da robótica educacional,

    contestando a dimensão conceitual do termo inclusão dentro da proposta de uso da robótica

    educacional em contexto de educação não-formal. Evidenciamos que, apesar do programa de

    robótica no locus empírico analisado entender a inclusão dentro de uma visão mais

    pragmática e instrumental, os alunos investigados proferiram discursos onde integraram a

    tecnologia ao seu contexto social de forma harmônica, desfrutando da sua cidadania cultural

    de forma plena.

  • 20

    As análises empreendidas na dissertação de mestrado foram essenciais para percebermos a

    dimensão do conceito de inclusão, entendida não como a simples capacitação técnica do

    indivíduo para utilizar a tecnologia, mas como um processo amplo, que envolve mais do que a

    dimensão técnica. São incluídas, nesse aprendizado, dimensões afetivas, sociais e

    psicológicas, que resultam em uma possível mudança de habitus (BOURDIEU,1999; 2011),

    de mobilidade, de novas sociabilidades e de estabelecimento de novas relações sociotécnicas.

    A compreensão adquirida durante o período do mestrado acadêmico em torno do processo

    de apropriação sócio-digital nos fez analisar o contexto do Projeto Um Computador por

    Aluno (UCA) - lócus empírico desta tese - com uma visão aprofundada sobre o significado do

    termo, pois acreditamos que todo e qualquer processo de apropriação cultural, seja ela social

    ou digital, envolve a possibilidade de o indivíduo adquirir saberes (entendido aqui como um

    conjunto de competências e habilidades) necessários para participação e análise crítica da

    sociedade.

    Tendo em vista que a formação continuada é fator importante para a atualização de

    saberes docentes para ensinar ao indivíduo a atuar na sociedade, enfatizamos nesta pesquisa

    que as mudanças sociais, especialmente marcadas “pela emergência de um novo paradigma

    tecnológico, baseado nas tecnologias de comunicação e informação” (CASTELLS, 2013, p.

    17), resultam no poder fértil da informação, capaz de concretizar uma nova estrutura social.

    Compreendemos, desta forma, que essa nova estrutura social formada a partir da

    influência de novas tecnologias acaba determinando, entre outros aspectos, uma metamorfose

    na concepção de trabalho. Surge, nesse sentido, um “trabalho imaterial” (GORZ, 2004; 2005),

    que se refere a toda e qualquer atividade que exija do profissional o uso do conhecimento.

    Esse trabalho imaterial baseia-se em um “capitalismo cognitivo”, surgido de uma “Sociedade

    Inteligência” (knowledgesociety). Em tal capitalismo, na visão de Gorz (2005), o(s) saber(es)

    ocupa(m) uma função de destaque nas forças produtivas.

    Estaríamos, portanto, na visão desse autor, conciliando dois tipos de modos de produção

    no seio da sociedade capitalista. De um lado, teríamos um modo de produção baseado no

    valor-trabalho, o qual tem como medida unidades de tempo de produção. Do outro lado,

    teríamos um modo de produção baseado na cognição, no qual o processo de valorização do

    trabalho e do profissional estaria ligado a um tipo de trabalho imaterial, a um “capital-

    humano” ou “capital-conhecimento”.

    Portanto, nas palavras de André Gorz (2005), o componente saber presente no modo de

    produção cognitivo privilegia saberes originados da experiência, o discernimento e a

  • 21

    capacidade de coordenação, de auto-organização e de comunicação, diferentemente de um

    tipo de saber técnico. Esses saberes não podem ser formalizados e medidos.

    Com a transformação na concepção de trabalho e ao devir da Sociedade de Informação,

    baseada na produção e no uso das TICs, ou mesmo da Sociedade Inteligência, as quais

    destacam o papel do capital-conhecimento, compreendemos ser imperativa a restruturação no

    trabalho do profissional da educação. A (re)constituição de saberes para ensinar a atuar na

    sociedade atual são premissas importantes a serem incorporadas à prática pedagógica.

    Defendemos, nesta tese, que a formação do educador para uso social das mídias digitais

    abre caminhos para o estabelecimento de novas relações sociotécnicas, de novas práticas

    sociais e profissionais e de novas pertenças identitárias. Contudo, acreditamos que tais

    mudanças ocorrem pela reconstrução de saberes, resultando em uma nova compreensão da

    ordem social.

    A necessidade de renovação de saberes por parte da categoria docente surge, entre outros

    aspectos, pela massificação das mídias digitais. Para a renovação desses saberes, pressupõe-se

    a capacitação docente contínua, o estudo, a curiosidade e o interesse em estar atualizado pois,

    ensinar, aprender e agir ao mesmo tempo como professor e aprendiz são desafios e requisitos

    fundamentais para os que se dedicam e querem uma restruturação no saber-fazer docente.

    Nesse sentido, os saberes reconstruídos através da atividade docente com o uso dos

    laptops do Projeto UCA, sob as primícias da apropriação da cultura digital e da reflexividade,

    serão o problema de nossa investigação.

    Os saberes pautados em nossas discussões referem-se aos saberes provenientes do caráter

    dinâmico da profissão docente em sua prática social, ou seja, de sua experiência. Apesar de

    reconhecermos que os saberes da docência decorrem de vários matizes (como por exemplo, os

    saberes formalizados advindos da Academia, os saberes que compõem cada disciplina

    curricular, etc.), defendemos um tipo de saber produzido no cotidiano profissional em um

    processo que denote autorreflexividade e uma reflexividade coletiva entre educadores sobre

    suas práticas, suas vivências e sobre os novos saberes/informações adquiridos por meio do

    processo de midiatização por diferentes meios (colegas de profissão, recursos digitais, família,

    comunidade, etc.).

    Nesse contexto, acordamos com Pimenta (1997), a qual nos esclarece que estamos em um

    momento de “reinventar os saberes pedagógicos a partir da prática social da educação, no

    caso da formação de professores, a partir de sua prática social de ensinar.” (PIMENTA, 1997,

    p.10). Assim sendo, nos ancoramos, além de Pimenta (2009; 1997), em autores como Tardif

    (2000; 2011), Gauthier (1998) e Freire (2011, 2005; 1996), para estarmos discutindo e

  • 22

    analisando os saberes (re)construídos através da prática com uso dos laptops no contexto do

    Projeto Um Computador por Aluno.

    Além de tratarmos sobre os saberes da docência, incluímos em nossas discussões o

    conceito da Reflexividade (GIDDENS, 1991), (LIBÂNEO, 2010), que diz respeito a uma

    nova maneira de entender as mudanças trazidas pela vida moderna.

    Com base no pensamento de Giddens (1991), a Reflexividade sugere uma autorreflexão

    acerca da mutação intrínseca dos processos sociais. Isso consiste no fato de que o sujeito está

    constantemente examinando as práticas sociais e reformulando-a, à luz da interiorização de

    saberes renovados sobre essas mesmas práticas, consequentemente alterando o caráter e a

    maneira com que o ser humano enxerga determinada sociedade.

    Para nos orientarmos ainda sobre conceito de Reflexividade abordado nessa pesquisa

    recorremos também a Libâneo (2010), o qual entende a reflexividade como um processo de

    autoanálise sobre nossas próprias ações, análise empreendida de forma interpessoal ou com

    apoio de outros sujeitos. O conceito de reflexividade clarifica nossa compreensão sobre o

    modo como os docentes entendem, adquirem e/ou reconstroem saberes na experiência UCA.

    Evidenciamos que o conceito de Reflexividade surge ao percebemos, durante o

    desenvolvimento da pesquisa, que para reconstruir seus saberes, os professores passaram por

    um processo de autorreflexividade. Desta forma, observamos que os docentes, apesar de

    reconhecerem a grandiosa mudança social provocada pelo devir das tecnologias digitais,

    salvaguardam o direito de possuir limites pessoais de entendimento e uso dessas tecnologias,

    decorrentes de sua reflexividade, preservando assim, suas individualidades.

    O problema de pesquisa e conceitos teóricos apresentados foi esboçado ao mesmo tempo

    em que excursionávamos sobre temáticas que abordassem o contexto apresentado nesta

    investigação. Observamos que existem academicamente poucas pesquisas que evidenciam o

    contexto do Projeto Um Computador por Aluno. A incipiente amostra de pesquisas que

    delimitamos como nosso estado da arte não alia saberes docentes, apropriação da cultura

    digital e reflexividade social ao contexto UCA, fato que nos motivou a dissertar acerca desta

    problemática de pesquisa.

    1.3 O estado da arte

    Poucos trabalhos acadêmicos no Brasil atentaram para o desenvolvimento dos programas

    de uso de laptops no modelo um para um. Na revisão bibliográfica que dimensionou o estado

    da arte, observamos que os trabalhos acadêmicos, publicados a partir do ano de 2008,

  • 23

    enfocaram basicamente a implantação do projeto, contemplando o impacto inicial e as

    repercussões causadas pela inserção deste modelo de uso da tecnologia aos docentes, alunos e

    currículo, considerando escolas específicas em cada região.

    Silva (2009), em sua dissertação de mestrado, denominada “O impacto inicial do laptop

    educacional no olhar de professores da rede pública de ensino”, nos revela o impacto inicial

    do laptop educacional do projeto UCA no olhar dos professores da rede pública de ensino.

    Como resultado, a pesquisa mostra que na escola analisada o uso do laptop favoreceu a

    relação entre professores e alunos, pelas ações de respeito, colaboração e comprometimento

    envolvidos nas atividades desenvolvidas com o uso da ferramenta.

    Com o trabalho intitulado “Repercussões do projeto Um Computador por Aluno no

    Colégio Estadual Dom Alano Marie Du Noday (Tocantins)”, Silva (2009) investiga possíveis

    contribuições do projeto UCA em uma escola no Estado do Tocantins, Brasil. A autora

    apresenta, em seus resultados obtidos por meio de técnicas de entrevista e observações,

    mudanças em relação à organização do trabalho pedagógico advindos com a inserção do

    Projeto UCA na escola, enfocando a dinamicidade das aulas e maior interação entre

    professores e alunos e destes com seus pares. A autora ainda evidencia na pesquisa a

    necessidade de se criarem práticas de planejamento e que esse seja fruto das reflexões das

    experiências vividas pelos professores no próprio ambiente escolar.

    Moreira (2010) ainda é um dos autores que foca em sua pesquisa o impacto e as

    repercussões do Projeto UCA. Em sua dissertação “Análise das reações dos professores face

    à introdução do computador na educação: O caso do Projeto UCA, Um Computador por

    Aluno no Colégio Estadual Dom Alano Marie Du Noday, Tocantins”, Moreira (2010) analisa

    as reações dos professores com a introdução do computador na educação. A pesquisa

    evidencia maior interação na relação educativa entre os professores e os alunos através da

    troca de conhecimentos por meio do uso dos laptops. Ressalta ainda que a inserção do projeto

    na escola não se dá de forma total, devido a problemas com o suporte técnico-pedagógico e

    com a estrutura física.

    Ainda seguindo a mesma temática de trabalhos (impacto e repercussões do Projeto UCA),

    Santos (2010) faz uma análise sobre o processo de implantação dos laptops em uma escola em

    Palmas (TO), verificando ocorrências de mudanças no currículo depois da implantação do

    Projeto UCA. O estudo demonstra que o currículo da escola investigada não apresentou

    mudanças, contudo foram realizadas práticas isoladas que abrangiam o uso dos laptops em

    algumas propostas pedagógicas. As práticas decorriam das possibilidades de interação e de

    fácil acesso ao conhecimento que o laptop do Projeto UCA possibilitava.

  • 24

    Encontramos, ainda, em um estudo de caso com o uso dos laptops no modelo 1:1 (um

    para um, ou seja, um computador por aluno), a prática de leitura e escrita de crianças de seis

    anos em processo de alfabetização (KIST, 2008). O estudo teve como objetivo investigar as

    práticas de leitura das crianças, bem como as possibilidades e condições necessárias para que

    o laptop fosse instrumento para inscrevê-los no mundo letrado. Verificou-se que a utilização

    cotidiana do laptop permitia a exploração da língua e situações reais, construindo ambiente

    propício para a compreensão da função e do sentido da língua escrita.

    Há ainda um estudo que trata da construção de diretrizes e regras que devem ser seguidas

    pelos elaboradores dos editais para a contratação da instalação da internet sem fio nas escolas

    que possuem o Projeto UCA (GOMES, 2010).

    São acrescentadas ainda duas pesquisas, as quais focalizam a formação de professores

    pensada pelo Projeto Um Computador por Aluno. Um dos trabalhos destaca as impressões

    dos professores sobre sua formação, revelando que o plano traçado para formação dos

    docentes na escola analisada é deficiente, ou seja, se torna insuficiente para uma prática

    pedagógica significativa com o uso dos laptops em sala de aula (MARQUES, 2009).

    Outro trabalho trata da apropriação da Web 2.0 pelos professores por meio do Projeto Um

    Computador por Aluno e as consequências pedagógicas para o campo didático (PONTES,

    2011). Os resultados dessa pesquisa assinalaram que os docentes não conheciam as

    possibilidades pedagógicas da Web 2.0, mas que no decorrer da investigação obtiveram

    mudanças positivas no uso instrumental das ferramentas utilizadas.

    O que observamos nas pesquisas que agrupamos como estado da arte, especialmente nas

    duas últimas que tratam da formação de professores, as quais possuem uma filiação maior

    com o presente estudo, é que ora retratam de forma panorâmica a implantação do Programa

    em determinados contextos de uso dos laptops, ora expõem as consequências da apropriação

    (técnica) do artefato digital para o âmbito profissional (sala de aula) do docente.

    Percebemos, dessa forma, que as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs)

    revelam-se mais plásticas às práticas educacionais e às atividades do sistema de educação.

    Contudo, evidenciamos que uma interação importante está acontecendo, que não se limita ao

    uso do computador em sala de aula, mas que penetra em todas as atividades educativas. Para

    entender o processo interativo, é necessário discutir o papel dos professores, a atividade direta

    - no caso, o fazer no âmbito escolar. Tal relação direta está associada à apropriação da cultura

    digital. Esse é um processo diferente do que aconteceu com os suportes técnicos que

    chegaram à escola com a expansão da mídia de massa. Anteriormente, esses suportes não

    conseguiram produzir saberes cognitivos ao penetrar na instituição educacional. De fato,

  • 25

    reproduziam efeitos imediatos nas suas emissões a partir de um sistema de significados

    ideologizados.

    Nessa perspectiva, inferimos que as práticas profissionais e sociais dos professores

    investigados nessa tese estão sendo transformadas, mas que somente podem ser

    compreendidas criticamente e paulatinamente na experiência do cotidiano, no

    acompanhamento das novas informações aprendidas com a participação no Projeto Um

    Computador por Aluno.

    1.4 Justificativa

    O debate em curso sobre a natureza da cultura tecnológica e os seus benefícios ou

    malefícios nas práticas sociais é, sem sombra de dúvidas, um dos temas mais disputados nos

    campos epistemológicos da mídia e da educação. Nas análises e recomendações relacionadas

    ao tema, temos visto, principalmente nas últimas décadas, várias iniciativas em políticas

    públicas por parte dos governos e de outros agentes interessados na interação mídia-cognição.

    Muitas iniciativas são acadêmicas, como é o caso dos estudos sobre letramento midiático

    (JENKINS, 2009). Outras são intervenções políticas por parte de organizações socioculturais

    que, invariavelmente, propõem a apropriação da natureza da mídia como lócus de consenso

    para impulsionar reconfigurações sociais.

    Ao direcionarmos o nosso olhar sobre as intervenções e políticas públicas empreendidas

    com o propósito da apropriação da cultura digital pelo professor, especialmente sobre o

    Projeto Um Computador por Aluno (UCA), consideramos fundamental termos em mente que

    essa apropriação está intrinsecamente ligada à aquisição de saberes específicos e à

    transformação das maneiras de aquisição do saber, para assim atuar e reconfigurar os

    processos sociais.

    Vivemos uma mutação contemporânea da relação do ser humano com o saber (LÉVY,

    1993), especialmente no contento do ciberespaço, onde residem tecnologias das inteligências

    individual e coletiva, criadas para propiciar o compartilhamento de saberes e sua construção

    colaborativa. Ao materializarmos essas tecnologias da inteligência, temos diversificados

    recursos digitais com a capacidade de amplificar e transformar numerosas funções cognitivas

    humanas, como nossa memória, percepção, imaginação, etc.

    Com a mudança da relação que se estabelece com o saber, especificamente no que tange a

    sua aquisição, produção e disseminação/compartilhamento, a educação e a formação humana

    como um todo se transfiguram. As necessidades de aprendizagem estão diferenciadas e não

  • 26

    condizem mais com a construção de um currículo escolar estanque, precisamente pré-

    definido. Moreira (1997) nos afirma que:

    Pensar o conhecimento como produto atomizável, natural, neutro e objetivo implica

    renunciar à compreensão de currículo como cultura. Entendemos cultura em seu

    sentido crítico de produção simbólica, como um espaço de luta por hegemonias de

    posições no âmbito social, como um terreno de manutenção ou de superação da

    divisão social. Nessa acepção, a prática curricular transforma-se em um processo de

    significações e ressignificações ativas dos conteúdos recebidos. Trata-se de entender

    o currículo como prática social concreta, contextualizada tanto no âmbito estrutural

    quanto no sociocultural. Tal contextualização torna-se impossível, à medida que o

    currículo é tomado como produto e homogeneamente aplicado a diferentes grupos.

    (MOREIRA, 1997, p. 45)

    A contextualização curricular, nos seus âmbitos estrutural, social e cultural, como sugere

    Moreira (1997), possibilita entender que o saber, dentro de uma dada proposta curricular, não

    é mais hierarquizado, organizado pela definição de pré-requisitos e preso a muros e períodos

    específicos. Ao contrário, ele hoje se mostra aberto, volátil e personalizado. Essa nova lógica

    do saber é construída em grande parte pelo surgimento das Tecnologias da Informação e

    Comunicação (TICs), que nos apresentam novos modelos e espaços de conhecimento.

    Nesse sentido, entendemos que a nova conjuntura de obtenção e mobilização de saberes

    também está ligada ao advento das chamadas tecnologias da inteligência, e isso nos faz inferir

    que a nova sistemática do saber, em parte, relaciona-se com o nível de apropriação

    tecnológica do sujeito.

    Tomando como base o conjugado entre a nova sistemática de aquisição e

    produção/disseminação de saberes e as TICs, surgem diversificadas iniciativas

    governamentais para a inclusão digital, entre elas esta o Projeto Um Computador por Aluno,

    contexto no qual se realiza nossa pesquisa. Contudo, há ainda programas/projetos que

    sintonizam a perspectiva da inclusão digital, com base na obtenção de saberes através do

    acesso às novas tecnologias.

    O Programa de Governo Eletrônico Brasileiro (BRASIL, 2013) reúne iniciativas

    governamentais que fazem uso das Tecnologias da Informação e Comunicação para

    democratizar o acesso à informação, ampliar discussões e dinamizar a prestação de serviços

    públicos. Inseridos nesse Programa, há diferentes iniciativas de inclusão digital. Segundo

    informações do próprio Programa de Governo Eletrônico Brasileiro, as iniciativas nessa área

    visam garantir a disseminação e o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação

    orientadas ao desenvolvimento social, econômico, político, cultural, ambiental e tecnológico,

    centrados nas pessoas, em especial nas comunidades e segmentos excluídos. (BRASIL, 2013).

  • 27

    São exemplos dessas iniciativas o Projeto Banda Larga nas Escolas, o qual tem como

    objetivo conectar escolas públicas urbanas à internet, por meio de tecnologias que propiciem

    qualidade, velocidade e serviços para incrementar o ensino público no País; o Projeto

    Computadores para Inclusão, que visa à inclusão digital através da oferta de oficinas, cursos,

    treinamentos e outras atividades formativas, com foco no recondicionamento e manutenção de

    equipamentos de informática a jovens de baixa renda. Esse Projeto atende apenas nas regiões

    metropolitanas de Porto Alegre, Brasília, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Belém e

    Recife; o Projeto Cidadão Conectado – Computador para Todos, instituído no ano de 2005,

    com o intuito de promover a inclusão digital mediante a aquisição em condições facilitadas de

    computadores, programas de computador (softwares) neles instalados e de suporte e

    assistência técnica necessários ao seu funcionamento.

    Faz parte ainda das iniciativas de Inclusão Digital do Governo Brasileiro o Programa de

    Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais. Que foi iniciado no ano de 2005 para

    disponibilizar aos sistemas públicos de ensino equipamentos de informática, mobiliários,

    materiais pedagógicos e de acessibilidade, com vistas a apoiar a ampliação da oferta do

    atendimento educacional especializado. No ano de 2008, esse Programa atingiu a marca de

    4.300 salas com recursos multifuncionais disponibilizados;

    Além desses, há ainda o Programa Telecentros Comunitários, que são espaços públicos

    providos de computadores conectados à internet em banda larga, onde são realizadas

    atividades com uso das TICs, com o objetivo de promover o desenvolvimento social e

    econômico das comunidades atendidas, reduzindo a exclusão social.

    O Programa de Inclusão Digital do Governo Brasileiro ainda conta com o Projeto

    Territórios Digitais, o qual oferece gratuitamente o acesso à informática e à internet para

    populações rurais, por meio da implantação de Casas Digitais. As Casas Digitais são

    escolhidas pela própria comunidade para se tornar um ponto de acesso comunitário gratuito.

    Elas devem dispor de energia elétrica e de segurança adequada para receber computadores,

    servidor, antena via satélite, roteador wireless, projetor multimídia e mobiliário.

    Além desses programas, há ainda o PROINFO Integrado (Programa Nacional de

    Formação Continuada em Tecnologia Educacional). Esse programa concentra suas atividades

    na formação de professores para o uso didático-pedagógico das Tecnologias da Informação e

    Comunicação no cotidiano escolar, articulado à distribuição dos equipamentos tecnológicos

    nas escolas e à oferta de conteúdos e recursos multimídia e digitais oferecidos pelo Portal do

    Professor, pela TV Escola e DVD Escola, pelo Domínio Público e pelo Banco Internacional

    de Objetos Educacionais.

  • 28

    O PROINFO Integrado oferta cursos como: Introdução à Educação Digital (60 horas),

    Tecnologias na Educação (60 horas), Elaboração de Projetos (40 horas) e Redes de

    Aprendizagem (40 horas). Além desses cursos, este Programa também é responsável pelas

    ações de formação do Projeto Um Computador por Aluno, com vistas a propor atividades que

    proporcionem um melhor entendimento de suas potencialidades.

    Todos os programas apresentados fazem parte de um Programa Geral de Inclusão Digital

    do Governo Brasileiro (BRASIL, 2013) e estão reunidos, como mencionado no Programa de

    Governo Eletrônico do Brasil.

    No breve mapeamento que fizemos sobre as iniciativas governamentais mostradas,

    podemos constatar dois seguimentos de ações nos programas analisados: o primeiro segmento

    refere-se a iniciativas que buscam oferecer espaço público de uso coletivo das tecnologias e

    facilidades para aquisição delas, como é o caso dos programas: Projeto Banda Larga nas

    Escolas, Projeto Cidadão Conectado, Programa de Implantação de Salas de Recursos

    Multifuncionais, Programa Telecentros Comunitários e Projeto Territórios Digitais.

    O segundo segmento diz respeito a iniciativas que, além de propiciarem acesso, investem

    em recursos humanos para a capacitação de pessoal. O Projeto Computadores para Inclusão e

    o PROINFO Integrado são exemplos de iniciativas de formação/instrução de jovens e

    profissionais de educação para uso das TICs, de forma orientada e sistematizada para a

    mobilização de saberes, a fim de atuar na sociedade digital.

    A análise que fazemos desses programas nos faz observar que a lógica que subjaz a

    concepção de algumas dessas intervenções políticas em torno da temática da cultura

    tecnológica e inclusão/apropriação digital pouco tem se dedicado à formação de caráter

    reflexivo do sujeito para sua participação ativa nos processos socais que envolvem as novas

    tecnologias. Os discursos de iniciativas governamentais enfatizam apenas o acesso por meio

    da supervalorização do saber técnico e instrumental, em detrimento de uma formação

    conscientizadora- libertadora, reflexiva, participativa, e crítica da ambiência digital.

    Acreditamos que, desse modo crítico-reflexivo, a formação será integradora, fazendo com que

    o sujeito se torne parte da sociedade contemporânea de forma significativa.

    Martins e Lucas (2009) trazem duas visões acerca do processo de inclusão digital. As

    autoras discutiram acerca da concepção de inclusão informacional e inclusão digital presentes

    nos programas de inclusão digital do Governo Brasileiro nos últimos dez anos e analisam que

    parte desses programas segue a premissa da inclusão digital focada no desenvolvimento de

    saberes puramente mecânicos. Nestes, a competência informacional, com ênfase nas TICs, é

    obtida através do oferecimento de uma infraestrutura tecnológica e de um processo de

  • 29

    aprendizagem voltado basicamente ao entendimento do funcionamento de hardware e

    software.

    Em detrimento disso, Martins e Lucas (2009) dialogam acerca de programas de inclusão

    que seguem a perspectiva do que as autoras denominam “inclusão informacional”. Nessa

    perspectiva, elencam programas governamentais que, incorporados à sociedade do

    conhecimento, prezam pela competência informacional, ou seja, uma inclusão na qual existe a

    preocupação com a “construção do saber, abrangendo conteúdos informativos com mais

    profundidade, englobando habilidades e conhecimentos de busca e uso da informação para a

    realização de tarefas e tomada de decisão”. (MARTINS; LUCAS, 2009, p. 87).

    Corroboramos com Martins e Lucas (2009), uma vez que apresentam a inclusão

    informacional como parte de uma apropriação cultural do sujeito através da reflexão e da

    construção de saberes para atuar no mundo tecnológico.

    Dentro desse contexto, observamos que parte desses programas de inclusão digital

    também adentra as escolas em busca de unir forças para contribuir no processo de apropriação

    da cultura digital, como é o caso do Projeto Um Computador por Aluno e do PROINFO

    Integrado. Nesse ponto, a escola se coloca como uma das instâncias sociais em que as

    intervenções políticas de inclusão digital se fazem presentes, justamente pelo fato de que é

    nessa instância que o cidadão será “preparado” para sua participação social.

    Apesar de alguns programas de inclusão digital colocarem em evidência uma lógica de

    formação instrumental, entendemos que a escola e seus agentes precisam direcionar suas

    ações de modo a construir e lidar com a multiplicidade de saberes e suas relações, dentro de

    um contexto em que envolva as TICs. Até porque é também na escola que encontramos um

    público que opera com lógicas temporais diferenciadas e com múltiplos processamentos de

    informações.

    Nesse processo, o professor é um agente essencial para proporcionar aos educandos

    habilidades que os possibilitem lidar de forma seletiva e crítica com a quantidade, a

    velocidade e a diversidade de saberes advindos de uma nova estrutura social, esteada pelas

    Novas Tecnologias da Informação e Comunicação.

    Para tanto, é importante frisarmos que para lidar com as novas situações educativas, onde

    as formas de conhecimento têm se alterado fortemente pela inserção cada vez maior das TICs,

    o professor precisa se atualizar, repensar sua prática e seu contexto de trabalho. Nesse sentido,

    Pretto (2006) acrescenta que:

  • 30

    Intensifica-se dessa forma o trabalho do professor, já que a escola e todo o sistema

    educacional passam a funcionar com outros tempos e em múltiplos espaços,

    diferenciados. Não deixa de ser, no entanto, esse um rico momento para

    repensarmos as políticas educacionais na perspectiva de resgatar a dignidade do

    trabalho do professor, com a retomada de sua autonomia e, com isso, experimentar

    novas possibilidades com a presença de todos os novos elementos tecnológicos da

    informação e comunicação. (PRETTO; PINTO, 2006, p. 24)

    Pretto e Pinto (2006) nos fazem pensar a existência da necessidade de atualização da

    prática docente e compreender que experimentar as novas possibilidades que decorrem do uso

    dos elementos tecnológicos da informação e comunicação é de fato imperativo no contexto de

    aprendizagem atual. Propiciar a democratização do acesso ao conhecimento, à produção e a

    interpretação das tecnologias, suas linguagens e consequências faz hoje parte do papel do

    professor e da escola como um todo.

    Para isso, torna-se necessária uma postura aberta e uma motivação por parte do professor

    para enfrentar os desafios de aprender a lidar com novas situações de aprendizagem,

    especialmente ao introduzir as TICs em sua prática pedagógica. Estar aberto a mudanças

    significa ter convicção da “necessidade de não temer e, sim, dominar a máquina e aproveitar o

    potencial da tecnologia em proveito de um ensino e uma aprendizagem mais criativa,

    autônoma, colaborativa e interativa” (FARIA, 2004, p. 04).

    Para aproveitar todo o potencial das tecnologias em sala de aula, segundo Sampaio (1999),

    o educador deve se preparar para utilizá-la pedagogicamente e assim contribuir de fato na

    formação de cidadãos que deverão produzir e interpretar as novas linguagens do mundo atual

    e futuro, e isso resulta, portanto, na mudança do saber-fazer do professor.

    Entendemos que a compreensão desse novo saber-fazer docente deveria permear de forma

    efetiva os pressupostos das iniciativas governamentais de inclusão digital que se preocupam

    com a formação do educador para atuar com as TICs na escola. Entendemos ser primordial

    que essas iniciativas tenham abarcadas em sua sistemática de desenvolvimento de projetos

    tempos e espaços de formação diversificados, adaptáveis às necessidades do educador e do

    contexto de uso das tecnologias na escola.

    Serão esses momentos diversificados de formação que propiciarão a construção e/ou a

    redefinição de saberes docentes para ensinar na ambiência tecnodigital. Acrescentamos, ainda,

    que a (re)construção ou (re)definição de saberes para ensinar se solidificam na experiência, na

    prática pedagógica de cada dia e no diálogo e compartilhamento de saberes entre pares, e não

    apenas em discussões teóricas, pautadas em uma visão mecânica de uso da tecnologia.

    A inclusão digital que buscamos descobrir no Projeto UCA relaciona-se não só a saberes

    provenientes da manipulação do hardware utilizado e dos recursos digitais nele disponíveis,

  • 31

    mas também envolve a aprendizagem de saberes que possibilitem ao sujeito analisar

    criticamente a sociedade e seu contexto digital, como também seu papel, enquanto cidadão

    que tem direitos de usufruir desse contexto.

    Como se trata de um projeto de inclusão destinado não só a alunos, mas também a

    professores de escolas públicas, acreditamos que esse entendimento sobre inclusão – ou até

    mesmo de apropriação – da cultura digital cabe também aos docentes. Nesse sentido, a

    apropriação da cultura digital propicia ao professor compreender e utilizar as tecnologias e

    suas diferentes linguagens, com o intuito de entender e atingir o universo do alunado e suas

    necessidades para, assim, transformá-los em cidadãos também capazes de compreenderem as

    mensagens veiculadas pelas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) a que estão

    expostos.

    O presente estudo sobre a formação de professores no contexto do Projeto Um

    Computador por Aluno compreende o processo de apropriação da cultura digital e os saberes,

    para ensinar com uso dos laptops decorrentes dessa apropriação e reflexividade.

    1.5 Estruturação da tese

    Como forma de expor brevemente a presente tese, faremos a apresentação dos cinco

    capítulos e das considerações finais da pesquisa. O presente capítulo constitui-se o primeiro

    da tese. Nele evidenciamos a problemática e objeto de estudo, o objetivo da pesquisa, as

    questões norteadoras, a justificativa da escolha desse objeto, o estado da arte, bem como

    apresentamos a sistematização da tese, que ora discorremos.

    O segundo capítulo expõe uma concisa visão acerca das transformações sociais no âmbito

    do trabalho, especialmente no momento em que encontramos a massificação das Tecnologias

    da Informação e Comunicação, e as consequências dessas alterações para formação, atuação

    profissional e saberes do professor. Incide sobre o ser e fazer docentes em seu âmbito social e

    profissional a mudança de cognição, a reflexividade e a apropriação da cultura digital.

    Discutimos, ainda, a transformação das relações sociotécnicas deste professor quando se faz

    uso de tecnointerações1.

    No terceiro capítulo, será exposto o funcionamento do Projeto UCA no seu âmbito

    estrutural, tomando como base alguns dos seus documentos oficiais, destacando a proposta de

    1

    Silogismo que remete ao letramento digital, que permite aos sujeitos se apropriarem dos significados da cultura digital e dos

    artefatos tecnológicos, produzindo interações socialmente compartilhadas.

  • 32

    formação de professores. Apresentamos o modelo de formação de professores UCA para uso

    dos laptops no molde “um laptop para um aluno”, destacando a forma de organização

    curricular e a sistematização de conteúdos, especialmente no que tange a sua aplicação na

    escola-alvo desta investigação. Em seguida, trataremos dos dilemas dos professores enquanto

    participantes da formação de professores do UCA, na Escola Estadual Maria Cristina.

    O quarto capítulo diz respeito à metodologia da pesquisa, cuja abordagem é qualitativa, na

    qual foi realizado um “rastreamento descritivo” (LATOUR, 2008) e processual, com base

    etnográfica. Nosso objetivo foi desenvolver o que Geertz (1973) chama de “descrições

    densas”, as quais detalham o modo como os professores investem no significado do próprio

    mundo e negociam e competem por outros sistemas de significados, quando produzem

    interações midiatizadas. Como procedimentos metodológicos, foi feito o uso de aplicação de

    questionários, entrevistas individuais, grupo focais e observações do contexto escolar, no qual

    o Projeto UCA estava sendo desenvolvido. Por fim, será destacado o modo como será o

    tratamento dos dados.

    O quinto capítulo se refere à análise dos dados. Através da análise de conteúdo é feito um

    apanhado dos discursos dos professores analisados, que são enquadrados em categorias de

    saberes que foram (re)construídos na premissa da apropriação da cultura digital. Os discursos

    dos docentes refletem uma nova forma de pensar e agir com as Tecnologias da Informação e

    Comunicação no contexto profissional e social. Além disso, o capitulo mostra que a

    reconstrução de saberes, decorrente do processo de apropriação da cultura digital, foi

    configurada por meio de um processo de autorreflexividade dos professores investigados.

    No último capítulo são apresentadas as considerações finais, destacando os aspectos

    fundamentais que a pesquisa mostrou serem relevantes na análise do curso de formação de

    professores do Projeto Um Computador por Aluno, entre esses a necessidade tanto de

    autorreflexividade como de um processo de reflexividade comunitária, em prol da

    socialização das práticas/experiências dos docentes, ao utilizarem os laptops em sala de aula e

    da aprendizagem e compartilhamento de saberes que estão sendo construídos nessa ambiência

    digital. Além disso, são apontadas algumas possibilidades para trabalhos futuros, dentro da

    temática da pesquisa.

  • 33

    2 NOVOS TEMPOS, NOVOS DIRECIONAMENTOS PARA A EDUCAÇÃO E

    ATIVIDADE DOCENTE

    O presente capítulo tem como intuito apresentar um breve panorama acerca das

    transformações sociais no âmbito do trabalho, especialmente no momento em que

    encontramos a massificação das Tecnologias da Informação e Comunicação e as

    consequências dessas alterações para a formação, atuação profissional e saberes do professor.

    Incide sobre o ser e fazer docentes em seu âmbito social e profissional o habitus, a

    reflexividade e a apropriação da cultura digital. Discutimos, ainda, a transformação das

    relações sociotécnicas deste professor quando fazem uso de tecnointerações.

    As transformações sociais que colocamos em destaque decorrem do entrelaçamento das

    tecnologias com as relações sociais. Essas transformações sociais advindas por um processo

    de tecnização, informatização e globalização desencadearam uma restruturação no sistema

    econômico, afetando formas e meios de produção, distribuição e consumo. De acordo com

    Castells (1999), essa restruturação decorre do desenvolvimento e da repercussão da revolução

    da tecnologia da informação, a qual foi projetada pela lógica e interesse do sistema capitalista.

    Criou-se, então, um ambiente propício para a formação de uma nova economia, sociedade e

    cultura.

    Essa revolução, denominada por Castells (1999) de Revolução da Tecnologia da

    Informação, tem origem na Segunda Guerra Mundial e no seu período seguinte, com o

    advento das principais descobertas tecnológicas em eletrônica. Contudo, o marco da

    Revolução Tecnológica ocorre a partir da década de 1970, onde ocorre de fato a disseminação

    ampla e acelerada das tecnologias da informação.

    Contudo, o que podemos observar é que dentro de toda premissa do avanço tecnológico o

    que está em jogo é o papel do conhecimento e da informação. Nesse sentido, a mente humana

    está diretamente conectada à produção de bens e serviços na sociedade atual.

    Corroborando com o exposto, Castells (1999) acrescenta que:

    O que caracteriza a atual revolução tecnológica não é a centralidade de

    conhecimentos e informação, mas a aplicação desses conhecimentos e dessa

    informação para a geração de conhecimentos e de dispositivos de

    processamento/comunicação da informação, em um ciclo de realimentação

    cumulativo entre inovação e seu uso. (CASTELLS, 1999, p. 69)

  • 34

    É com esse quadro teórico que Castells (1999; 2013) evidencia uma nova estrutura social.

    Com ela, um novo modo de desenvolvimento econômico se agrega, o qual caracteriza-se por

    ser informacional, global e em rede. O autor nos informa que:

    É informacional, porque a produtividade e a competitividade de unidades ou agentes

    nessa economia (sejam empresas, regiões ou nações) dependem basicamente de sua

    capacidade de gerar, processar, e aplicar de forma eficiente a informação baseada em

    conhecimentos. É global, porque as principais atividades produtivas, o consumo e a

    circulação, assim como seus componentes (capital, trabalho, matéria-prima,

    administração, informação, tecnologia e mercados) estão organizados em escala

    global, diretamente ou mediante uma rede de conexões entre agentes econômicos. É

    rede, porque nas novas condições históricas, a produtividade é gerada, e a

    concorrência é feita em uma rede global de interação entre redes empresariais.

    (CASTELLS, 1999, p. 119)

    Observamos, desta forma, que essa nova estrutura que subjaz à ação e às instituições

    sociais denota um mundo multicultural, interconectado, globalizado. Mundo este que exerce

    total influência nas formas de configuração do trabalho e na qualificação do trabalhador.

    Portanto, a estruturação dessa Sociedade da Informação ou Sociedade em Rede para

    Castells (1999), ou ainda, Sociedade do Conhecimento na visão de Gorz (2005), requerem um

    novo perfil profissional. As mudanças no perfil do profissional estão relacionadas à aquisição

    de novas habilidades, as quais devem dar conta das recentes demandas sociais, econômicas e

    culturais geradas pelo avanço das tecnologias e das ciências.

    Marshall Berman (1982) expõe esse momento de transição social comparando-o a um

    “turbilhão da vida moderna”. Nesse turbilhão, encontramos um mundo em contínua

    transformação nas ciências, na industrialização da produção, na expansão demográfica, no

    desenvolvimento das comunicações de massa e em outros aspectos que interferem

    intrinsecamente na maneira de ser e de atuar no mundo.

    São estabelecidas novas relações, novas necessidades pautadas em um ambiente instável.

    Estamos diante de uma sociedade que gera oportunidades inovadoras e que abre espaço para

    possibilidades e perigos relacionados à má utilização da ciência e das tecnologias. Segundo

    Berman (1982), vivenciamos a modernidade, um conjunto de novas experiências decorrentes

    de processos sociais que dão sustentação a esse turbilhão da vida moderna, conservando um

    ininterrupto estado de vir-a-ser. Para o autor, somos:

    (…) todos movidos, ao mesmo tempo, pelo desejo de mudança – de

    autotransformação e de transformação do mundo em redor – e pelo terror da

    desorientação e da desintegração, o terror da vida que se desfaz em pedaços. Todos

    conhecem a vertigem e o terror de um mundo no qual “tudo o que é sólido

    desmancha no ar”. (BERMAN, 1982, p. 07)

  • 35

    Berman (1982), em sua obra “Tudo que sólido desmancha no ar”, sintetiza a era moderna.

    Revela-nos um mundo em transformação contínua onde vivenciamos situações de incertezas.

    A obra nos faz refletir acerca da brevidade dos processos sociais e do imperativo de

    atualização e melhoramentos, nos incutindo uma dinâmica de renovação contínua.

    Acreditamos que as transformações que assistimos na contemporaneidade trazem consigo

    características peculiares que marcam a constituição de “um novo mundo” - um mundo capaz

    de romper paradigmas que estavam a priori estabelecidos, desfazendo antigos moldes de

    organização social. Isso gera um apelo de mudança, sugere a busca do novo e ainda a

    qualificação do ser humano para acompanhar a nova ordem social. O mundo do trabalho e das

    profissões não está ileso a essa metamorfose social.

    Como resultado desta metamorfose social, podemos pensar que, hoje em dia, o

    conhecimento ocupa lugar de destaque na força produtiva, o que coloca o capital humano na

    atualidade como a mola propulsora da economia. Nesse sentido, o capitalismo moderno que

    tem como base a valorização de capital fixo material, está cada vez mais sendo sobreposto por

    um capital “imaterial”, segundo Gorz (2005), qualificado também como “capital humano”,

    “capital conhecimento” ou “capital inteligência”. Estamos, então, inseridos em uma economia

    do conhecimento, pois todo trabalho, seja em termos de oferta de produtos ou em serviços,

    abarca o componente do saber, cuja relevância se intensifica cada vez mais.

    O processo de mutação econômica também desencadeia mudanças no trabalho. Ao invés

    do trabalho de produção material mensurável, temos o trabalho imaterial, em que o

    conhecimento é base de sustentação econômica. Nesta forma de trabalho, os padrões de

    medida não podem ser aplicados, pois estamos tratando de aquisição de saberes para melhor

    desempenho de produção e de oferta de serviços.

    Entre os saberes adquiridos para e na inserção no trabalho, evidenciamos a importância

    do saber prático, adquirido na experiência profissional, por compreendermos que hoje não

    será o conhecimento técnico, especificamente formalizado, que garantirá o êxito profissional.

    Não duvidamos de sua importância. Entretanto, o saber construído na vivência profissional e

    o investimento para qualificação do trabalhador serão base para o desenvolvimento e a

    sustentação do “capital-humano”, pois o que está em jogo não é a quantidade de saberes, mas

    sim a forma de coordená-los.

    Observamos que junto às transformações sociais, especialmente por vivenciarmos a

    modernidade, foram empreendidas as informatizações dos sistemas. Essa informatização foi

    um acontecimento importante na restruturação dos tipos e das formas de transmissão de

    saberes, como veremos adiante na próxima seção. Hoje, a experiência, o discernimento, a

  • 36

    improvisação, a capacidade de coordenação e de gerenciamento, a organização, a

    colaboração, a comunicação e a instrumentalização para uso dos recursos da informática

    formam um saber vivo adquirido no cotidiano, nas especializações e nas atualizações que o

    trabalhador empreende no decorrer da vida laboral.

    São esses saberes pontos decisivos no processo de construção da profissão e desempenho,

    gerando o diferencial do trabalhador, pois:

    O trabalhador não se apresenta mais apenas como o possuidor de uma força de

    trabalho hetero-produzida (ou seja, de capacidades predeterminadas inculcadas pelo

    empregador), mas como um produto que continua, ele mesmo, a se produzir.

    (GORZ, 2005, p. 19).

    De acordo com o pensamento de André Gorz (2005) - a preeminência do trabalho

    imaterial, baseado no contínuo progresso do “capital inteligência” -, a evidência já não está

    mais essencialmente no valor medido pelo tempo de trabalho e sim no proveito do valor que é

    produzido pelo trabalho cooperativo, que se torna cada vez mais presente através do

    compartilhamento de informações e de conhecimentos nas redes sociais.

    Portanto, ao vivenciarmos a “Sociedade em Rede” (CASTELLS, 1999), surgem novas

    formas de pensar e agir no mundo do trabalho e isso faz com que o oficio de professor

    também seja repensado, transformado; ressignificado à luz de um novo modelo de cultura e de

    sociedade. Segundo Castro (2013):

    Essas transformações provocaram mudanças nos padrões de intervenção estatal que

    resultou na emergência de novos mecanismos e novas formas de gestão,

    redirecionando as políticas públicas e, particularmente, as educacionais. Nessa

    perspectiva, importantes mudanças vêm ocorrendo na política educacional brasileira,

    principalmente no que se refere à formação dos profissionais da educação, no

    sentido de adaptá-la às novas exigências do mercado de trabalho. (CASTRO, 2013,

    p. 03)

    Podemos dizer, desta forma, que tais mudanças no mundo do trabalho docente foram

    consideradas e nos últimos vinte anos os estudos sobre o ofício de professor ganharam mais

    destaque no meio das pesquisas acadêmicas, sobretudo, quando relacionamos a formação

    docente aos saberes para ensinar (BORGES, 2001). Os estudos sobre a temática docente

    nascem a partir da problemática da profissionalização do ensino e desenvolvem-se sob a

    necessidade de renovação dos fundamentos epistemológicos do ofício de professor.

    Nesse sentido, verificamos cada vez mais uma preocupação quanto ao aperfeiçoamento

    profissional do docente. É possível perceber que as modificações socioeconômicas foram

    sentidas também pelos órgãos federais que regem a educação nacional. A Lei de Diretrizes e

    Bases da Educação Nacional, a LDB 9.994/96, a qual regulariza o sistema de educação

  • 37

    brasileiro, no seu artigo 62º, determina que os docentes tenham curso superior para atuar na

    educação básica:

    A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em

    curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores

    de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na

    educação infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida

    em nível médio na modalidade normal. (BRASIL, 2013, Art. 62)

    A LDB9.394/96 é apenas um dos determinantes para que o profissional da educação

    conscientize-se da necessidade de restruturação da categoria. Há ainda outros incentivos

    governamentais para qualificação do professor. A instauração da Universidade Aberta do

    Brasil, a qual abre oportunidade para professores de Ensino Básico se qualificarem por meio

    de especializações na modalidade à distância, a estruturação do plano de carreira e a

    implantação da lei 11.738/98, que institui o piso salarial profissional nacional para os

    profissionais da Educação Básica – uma luta histórica dos educadores brasileiros –, são

    exemplos de iniciativas que conjecturam uma nova fase de desenvolvimento e sustentação da

    economia. Isso tudo reflete a preocupação governamental em acompanhar as mudanças de

    paradigmas sociais, investindo, assim, na formação de “capital-humano” também no âmbito

    da educação.

    O fato é que estamos imersos em um processo acelerado de desenvolvimento das ciências

    e tecnologias e essa condição requer saberes peculiares para lidar com a situação. Mas, como

    explicitamos, tais saberes superam o conhecimento instrumental, técnico e especializado. O

    que está em jogo é o saber adquirido no cotidiano profissional, na experiência do dia a dia e

    na desenvoltura do cidadão para gerenciar e/ou coordenar uma gama de conhecimentos

    necessários à sua atuação profissional, especialmente ao educador que pode estar diante de

    situações imprevistas diariamente. Segundo Morin (2003), “o desenvolvimento de aptidão

    para contextualizar e globalizar os saberes torna-se um imperativo na educação” (MORIN,

    2003, p. 24).

    São mudanças substanciais que, pouco a pouco, são agregadas ao contexto educacional.

    Elas exigem que a escola proporcione ao aluno uma sólida formação cultural, conhecimentos

    que permitam inserção, adaptação e permanência no mercado de trabalho. Além disso,

    esperam alunos participativos, críticos e reflexivos, que sejam coautores de sua aprendizagem

    e não apenas receptores passivos. São demandas educacionais da nova era, as quais o

    professor precisa acompanhar e buscar ininterruptamente sua educação continuada.

  • 38

    A qualificação permanente do educador / trabalhador está relacionada à preparação para

    um fazer multifacetado, ágil, reflexivo e criativo, capaz de responder aos anseios do mundo

    moderno:

    O perfil do trabalhador vem sofrendo alterações, e em pouco tempo a sobrevivência

    no mercado de trabalho dependerá da aquisição de novas qualificações profissionais.

    Cada vez mais torna-se necessário que o trabalhador tenha conhecimentos

    atualizados, iniciativa, flexibilidade mental, atitude crítica, competência técnica,

    capacidade para criar novas soluções e para lidar com a quantidade crescente de

    novas informações, em novos formatos e com novas formas de acesso. A tendência

    mundial é a de que tarefas mecânicas sejam realizadas por máquinas. (BRASIL,

    1998, p.138)

    Sendo assim, um novo leque de saberes entra em campo. O entendimento que tínhamos

    sobre aluno, professor, escola e ensino ganharam novos contornos, principalmente com a

    informatização, o acúmulo de informações e a velocidade de desenvolvimento de novas

    tecnologias. Atravessamos mudanças constantes e velozes. São situações decorrentes da

    modernidade, as quais influenciam profundamente o trabalho do profissional da educação e

    trazem desafios contínuos, o que acaba estimulando o educador a repensar sua atuação.

    Acompanhando tais modificações, surgem novas maneiras de produzir conhecimento, novas

    condições de trabalho e de vida. Conhecer, capacitar-se, torna-se, portanto, primordial para

    acompanhar as transformações no campo de trabalho.

    Dentro dessa perspectiva, a concepção de aluno também sofre mudanças. Se existe a

    necessidade de um professor atualizado com conhecimentos a par do tempo em que estamos

    vivendo, é porque existem alunos com novas necessidades educacionais.

    O mundo muda rapidamente e os alunos também. A ideia de aluno passivo, observador e

    obediente não é mais aclamada na escola contemporânea. Está em evidência o aluno

    questionador, curioso, imerso em uma cultura digital, ou seja, que cresce usando os múltiplos

    meios tecnológicos.

    Salvaguardando exceções, os alunos de hoje lidam com informações descontinuadas, por

    meio do uso de hipertextos; têm acesso a uma infinidade de informações, permutam entre

    comunidades reais e virtuais, estabelecem comunicação em rede, etc. Convém imaginar que a

    escola, nos moldes tradicionais de ensino, torna-se defasada para atender aos novos processos

    cognitivos dos alunos.

    Desta feita, a educação, na atualidade, alinhada com os avanços tecnológicos, segue

    exponencialmente o ritmo da contextualização, da globalização, da multidimensionalidade e

    da complexidade (Morin, 2006), e não mais dos saberes compactados, fragmentados, de

    caráter conteudista. O objetivo é alcançar uma formação que fuja do modelo bancário,

  • 39

    libertando e conscientizando o aluno para sua atuação nas esferas sociais. Freire (1993) nos

    coloca que:

    Há uma pluralidade nas relações do homem com o mundo, na medida em que

    responde à ampla variedade dos seus desafios. Em que não se esgota num tipo

    padronizado de resposta. A sua pluralidade não é só em face dos diferentes desafios

    que partem do seu contexto, mas em face de um mesmo desafio. No jogo constante

    de suas respostas, altera-se no próprio ato de responder. Organiza-se. Escolhe a

    melhor resposta. Testa-se. Age. Faz tudo isso com a certeza de quem usa uma

    ferramenta, com a consciência de quem está diante de algo que o desafia. (FREIRE,

    1993, p.40)

    Nesse sentido, acreditamos que o perfil do aluno na atualidade converge para formação de

    um ser plural, que saiba discernir, escolher o melhor caminho a seguir e que tenha consciência

    do seu eu e de sua relação dialética com o mundo que o cerca. Ao agregar as Tecnologias da

    Informação e Comunicação em sua formação, ampliam-se as possibilidades de atuação social

    e cobra-se do aluno conhecimentos que o amparem e o orientem dentro dessa cultura digital.

    A escola também é um órgão em transformação. A modernização, além de afetar o

    processo de trabalho do educador, alavancou profundas discussões acerca da escola que temos

    na atualidade. Nessa perspectiva, podemos pensar se realmente o formato tradicional em que

    concebemos a escola hoje é suficiente para atender as demandas educacionais insurgidas pelo

    advento da era digital.

    Corroboramos com Freire e Guimarães (2003) no sentido de que a escola precisa aceitar e

    incorporar o tempo histórico em que vivemos, revolucionar-se em função do surgimento dos

    instrumentos tecnológicos. Para eles, a escola obriga-se:

    A deixar de ser um espaço preponderantemente fabricador de memórias repetitivas,

    para ser um espaço comunicante e, portanto, criador. E, para isso, então, ela não

    poderia jamais deixar de ter, como auxiliares extraordinários, todos os meios de

    comunicação. (FREIRE e GUIMARÃES, 2003, p. 37)

    Manter-se intacta e passiva às demandas de um novo tempo não é a função da escola. Esta

    precisa congregar em suas ações pedagógicas as exigências sociais e históricas que

    vivenciamos.

    Observamos que, de uma forma geral, tal questão vem sendo intensificadamente alvo de

    grandes discussões entre gestores, pesquisadores e educadores. Notamos uma mobilização em

    torno de compreender o significado e as consequências da utilização das Tecnologias da

    Informação e Comunicação no âmbito escolar, especialmente no que tange ao ensino e à

    aprendizagem.

    O ato de ensinar, portanto, sofre alterações. Criam-se novas formas de construir