formação profissional no século vinte e um

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Resumo

Reflexão sobre a educação no século XXI com enfoque especialà educação dos bibliotecários. Destaca os quatros pilaresbásicos e essenciais, preconizados pela Unesco, a um novoconceito de educação: aprender a conhecer, aprender a viverjuntos, aprender a fazer e aprender a ser. Apresenta asponderações elaboradas por Morin , a pedido da Unesco, quepoderão melhorar a educação do futuro. Com base em taisfundamentos, discute o papel e a formação do bibliotecário noséculo XXI. Declara que os dilemas dos educadores, nessesnovos tempos, estão centrados em três questionamentos: O queensinar? Como ensinar? Para que ensinar? Pondera que aformação do bibliotecário deverá enfatizar sua função educativae que a base deve ser polivalente alicerçada em um conjunto devalores que possibilite alterar percepções, maneiras de pensar einstaure a cooperação e a sabedoria em detrimento dotecnicismo hoje privilegiado. Conclui que o papel maisimportante do bibliotecário no século XXI parece ainda ser o degerenciador da informação.

Palavras-chave

Educação dos bibliotecários; Profissional da informação.

The professional education in the XXI century:challengs and dilemmas

Abstract

Reflection on education in the 21th century with specialattention on librarians’ education. It emphasizes the four basicpoints, praised by Unesco, to a new concept of education: tolearn to know, to learn to live together, to learn to do and tolearn to be. It presents the points developed by Morin, forUNESCO, that will be able to improve the education of thefuture. On the bases of such points examine the role oflibrarians education in 21th century. The educators’ dilemas inthese times are centered in three questions: What to teach?How to teach? and Why to teach? It suggests that theLibrarianship curricula must privilegie librarians’ educative roleand that this role must be founded in a set of values in order tomodify perceptions, and emphasize cooperation in detriment oftechnology. The paper concludes that the most importantfunction of librarians in 21th century will be the one ofinformation managers.

Keywords

Librarians’ education; Information professionals.

A formação profissional no século XXI:desafios e dilemas

Edna Lúcia da SilvaDoutora em Ciência da Informação – UFRJ-Eco/CNPQ-IbictProfessora do Departamento de Ciência da Informação. Centro deCiências da Educação. Universidade Federal de Santa Catarina.E-mail: [email protected]

Miriam Vieira da CunhaDoutora em Ciência da Informação – CNAM, Paris. Professora doDepartamento de Ciência da Informação. Centro de Ciências daEducação. Universidade Federal de Santa Catarina.E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

A chegada do século XXI vem marcada com algumas ca-racterísticas: o mundo globalizado e a emergência de umanova sociedade que se convencionou chamar de socie-dade do conhecimento. Tal cenário traz inúmeras trans-formações em todos os setores da vida humana. O pro-gresso tecnológico é evidente, e a importância dada àinformação é incontestável. O progresso tecnológicoatua, principalmente, como facilitador no processocomunicacional. Agora é possível processar, armazenar,recuperar e comunicar informação em qualquer forma-to, sem interferência de fatores como distância, tempoou volume. Para González de Gómez1, “trata-se de umarevolução que agrega novas capacidades à inteligênciahumana e muda o modo de trabalharmos juntos e viver-mos juntos”.

O mundo globalizado da sociedade do conhecimentotrouxe mudanças significativas ao mundo do trabalho.O conceito de emprego está sendo substituído pelo detrabalho. A atividade produtiva passa a depender de co-nhecimentos, e o trabalhador deverá ser um sujeito cria-tivo, crítico e pensante, preparado para agir e se adaptarrapidamente às mudanças dessa nova sociedade.

O diploma passa a não significar necessariamente umagarantia de emprego. A empregabilidade está relaciona-da à qualificação pessoal; as competências técnicas de-verão estar associadas à capacidade de decisão, de adap-tação a novas situações, de comunicação oral e escrita,de trabalho em equipe. O profissional será valorizadona medida da sua habilidade para estabelecer relações ede assumir liderança. Para Drucker2, “os principais gru-pos sociais da sociedade do conhecimento serão os ‘tra-balhadores do conhecimento”’, pessoas capazes de alocarconhecimentos para incrementar a produtividade e ge-rar inovação.

Na perspectiva do trabalho na sociedade do conheci-mento, a criatividade e a disposição para capacitaçãopermanente serão requeridas e valorizadas. Astecnologias de informação e comunicação estão modifi-cando as situações de trabalho, e as máquinas passaram aexecutar tarefas rotineiras em substituição aos seres hu-manos. Neste ambiente de mudanças, “a construção do

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conhecimento já não é mais produto unilateral de sereshumanos isolados, mas de uma vasta colaboraçãocognitiva distribuída, da qual participam aprendenteshumanos e sistemas cognitivos artificiais”3. Constata-se, também, que esse é um processo sem possibilidade dereversão. O que fazer? Os seres humanos terão de alterarsuas expectativas de emprego e modificar as suas rela-ções com o trabalho.

Nesta conjuntura, em que a mudança tecnológica é aregra, buscar condições para ancorar a preparação do pro-fissional do futuro requer uma estratégia diferenciada.Este profissional deverá interagir com máquinas sofisti-cadas e inteligentes, será um agente no processo de to-mada de decisão. Além disso, o seu valor no mercadoserá estimado com base em seu dinamismo, em suacriatividade e em seu empreendedorismo. Todas essesfatores evidenciam que só a educação será capaz de pre-parar as pessoas para enfrentar os desafios dessa novasociedade.

Além disso, segundo De Masi4, existem alguns valoresemergentes, nesta nova sociedade, que merecem ser le-vados em consideração quando tratamos de formação eeducação profissional. Um deles é a intelectualidade (va-lorização das atividades cerebrais em detrimento às ati-vidades braçais); outro é a criatividade (tarefas repetitivase chatas serão feitas pelas máquinas); outro é a estética(o que distingue hoje não é mais a técnica, e sim a estéti-ca, o design). Para este autor, ainda, a subjetividade, aemotividade, a desestruturação e a descontinuidade tam-bém são valores importantes e, por isso, deverão, tam-bém, estar na mira dos processos educativos do futuro.

Esta realidade parece apontar para uma educação básicae polivalente que valorize a cultura geral, a postura pro-fissional, a ética e a responsabilidade social.

Refletir sobre a formação do bibliotecário para atuar nocenário do século XXI é o objetivo deste trabalho. Nestareflexão, merecerão destaque: a educação e o século XXIe a educação dos bibliotecários.

A EDUCAÇÃO E O SÉCULO XXI

Na sociedade do conhecimento, os indivíduos são fun-damentais. Druker5 alerta que o conhecimento moedadesta nova era não é impessoal como o dinheiro. “Co-nhecimento não reside em um livro, em um banco dedados, em um programa de software: estes contêm infor-mações. O conhecimento está sempre incorporado poruma pessoa, é transportado por uma pessoa, é criado,

ampliado ou aperfeiçoado por uma pessoa, é aplicado,ensinado e transmitido por uma pessoa e é usado, bem oumal, por uma pessoa. Para ele, a sociedade do conheci-mento coloca a pessoa no centro, e isso levanta desafiose questões a respeito de como preparar a pessoa paraatuar neste novo contexto.

Para Delors6, “face aos múltiplos desafios do futuro, aeducação surge como um trunfo indispensável à huma-nidade na construção dos ideais da paz, da liberdade e dajustiça social. Para ele, só a educação conduzirá “a umdesenvolvimento humano mais harmonioso, mais au-têntico, de modo a fazer recuar a pobreza, a exclusão so-cial, as incompreensões, as opressões, as guerras...”

Com base nesta visão, a Unesco, por meio de sua Comis-são Internacional sobre a Educação para o século XXI,presidida por Jacques Delors6, estabelece os quatro pila-res de um novo tipo de educação com enfoque em apren-der a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver junto eaprender a ser.

Aprender a viver junto é considerado uns dos pilares maisimportantes do processo educativo desses novos tem-pos. Ressalta a interdependência do mundo moderno e aimportância das relações. Tudo está interligado e tudoque acontece afetará a todos de uma forma ou de outra. Oque o mundo precisa mais é de compreensão mútua, in-tercâmbios pacíficos e harmonia. “Trata-se de aprendera viver conjuntamente, desenvolvendo o conhecimentodos outros, de sua história, de suas tradições e de suaespiritualidade. E, a partir disso, criar um espírito novoque, graças precisamente a essa percepção de nossasinterdependências crescentes e a uma análise partilhadados riscos e desafios do futuro, promova a realização deprojetos comuns, ou melhor, uma gestão inteligente eapaziguadora dos inevitáveis conflitos...”.

Aprender a conhecer é um pilar que tem como pano defundo o prazer de compreender, de conhecer e de desco-brir. Aprender para conhecer supõe aprender para apren-der, exercitando a atenção, a memória e o pensamento.Uma das tarefas mais importantes no processo educa-cional, hoje, é ensinar como chegar à informação. Parteda consciência de que é impossível estudar tudo, de que oconhecimento não cessa de progredir e se acumular. En-tão o mais importante é saber conhecer os meios para sechegar até ele.

Aprender a fazer significa que a educação não pode aceitara imposição de opção entre a teoria e a técnica, o saber eo fazer. A educação para o novo século tem a obrigação

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de associar a técnica com a aplicação de conhecimentosteóricos.

Aprender a ser é um pilar que foi preconizado pelo Rela-tório Edgard Faure, preparado para a Unesco, na décadade 70. O mundo atual exige de cada pessoa uma grandecapacidade de autonomia e uma postura ética. Conside-ra-se que os atos e as responsabilidades pessoais interfe-rem no destino coletivo. Refere-se ao desenvolvimentodos talentos do ser humano: memória, raciocínio, ima-ginação, capacidades físicas, sentido estético, facilidadede comunicação com os outros, carisma natural etc. Con-firma a necessidade de “cada um se conhecer e se com-preender melhor”.

A educação no século XXI deverá ser uma educação aolongo da vida. Este conceito permite “ordenar as dife-rentes seqüências de aprendizagem (educação básica, se-cundária e superior), gerir as transições, diversificar ospercursos, valorizando-os”. A educação deverá se preo-cupar com a formação do cidadão, da pessoa em seu sen-tido amplo, e não somente com a formação profissional.

Igualmente importante para o entendimento dos cami-nhos da educação do futuro é o documento elaboradopor Morin7, a pedido da Unesco. Este autor, neste docu-mento, apresenta reflexões a respeito de questões funda-mentais para melhorar a educação no próximo século.

A primeira ressalta que o conhecimento comporta errose ilusões. A mente humana é sujeita a falhas de memó-ria, enganos e, por isso, a escola deve preparar a mentehumana para conhecer o que é conhecer como forma deestar apta para o combate e identificação permanentede erros. Portanto, “é necessário introduzir e desenvol-ver na educação o estudo das características cerebrais,mentais, culturais dos conhecimentos humanos, de seusprocessos e modalidades, das disposições tanto psíquicasquanto culturais” com forma de identificar o que leva aoerro ou à ilusão.

A segunda refere-se ao que Morin chama de “conheci-mento pertinente”. Trata da necessidade de promover oconhecimento capaz de apreender problemas globais efundamentais para neles inserir os conhecimentos par-ciais e locais”. O conhecimento deve estar voltado paraapreender os objetos em seu contexto, sua complexida-de, seu conjunto. Para Morin, é preciso “ensinar os mé-todos que permitam estabelecer as relações mútuas e asinfluências recíprocas entre as partes e o todo em ummundo complexo”.

A terceira reflexão defende que a educação do futurodeverá ser centrada na condição humana. Ensinar a con-dição humana significa situar/questionar nossa posiçãono mundo no plano físico, biológico, psíquico, cultural,social e histórico. “Para a educação do futuro, é necessá-rio promover grande remembramento dos conhecimen-tos oriundos das ciências naturais, a fim de situar a con-dição humana no mundo, dos conhecimentos derivadosdas ciências humanas para colocar em evidência amuldimensionalidade e a complexidade humanas, bemcomo integrar (na educação do futuro) a contribuiçãoinestimável das humanidades, não somente a filosofia ea história, mas também a literatura , a poesia, as artes...”.

Na quarta reflexão, Morin enfatiza que a educação dofuturo também deverá estar comprometida em ensinar a“identidade da terra”. É preciso aprender a “estar aqui”,o que significa aprender a viver, a dividir, a comunicar, acomungar nas culturas singulares e, também, aprender aser, viver, dividir e comunicar-se como ser humano doplaneta terra. O mundo global necessita de seres humanosque tenham “consciência antropológica”, “consciênciaecológica”, “consciência cívica terrena” e “consciênciaespiritual da condição humana”.

Na quinta, Morin enfoca que a educação deve mostrarque na atualidade a lógica determinística deve ser subs-tituída pela lógica da incerteza. Por isso, a educação deveensinar “princípios de estratégia que permitam enfren-tar os imprevistos, o inesperado e a incerteza e modificarseu desenvolvimento, em virtude das informações ad-quiridas ao longo do tempo”. Para Morin, “é precisoaprender a navegar em um oceano de incertezas em meioa arquipélagos de certeza”.

Na sexta, Morin afirma que a educação deve “ensinar acompreensão”. A educação para a compreensão é funda-mental em todos os níveis educativos e em todas as ida-des. Considera a compreensão mútua fundamental paraa educação do futuro. Por isso, estudar a incompreensãoa partir de suas raízes, suas modalidades e efeitos possibi-litaria a identificação das causas do racismo, da xenofo-bia, do desprezo e traria uma base mais consistente à“educação para a paz”.

Finalmente, Morin levanta a questão da “ética do gêne-ro humano”. A educação do futuro deve conduzir à“antropoética”. A ética, neste sentido, para Morin, temtrês dimensões: uma do indivíduo, uma social e outra daespécie. Estas três dimensões estão inter-relacionadas edeveriam ser vistas de maneira integrada. A antropoéticasupõe a decisão consciente de “assumir a condição hu-

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mana indivíduo/sociedade/espécie na complexidade donosso ser; alcançar a humanidade em nós mesmos emnossa consciência pessoal e assumir o destino humanoem suas antinomias e plenitude”. A antropoética pres-supõe “trabalhar para a humanização da humanidade;efetuar a dupla pilotagem do planeta: obedecer à vida,guiar a vida; alcançar a unidade planetária na diversida-de; respeitar no outro, ao mesmo tempo, a diferença e aidentidade quanto a si mesmo; desenvolver a ética dasolidariedade; desenvolver a ética da compreensão; en-sinar a ética do gênero humano”.

Em resumo, a educação no século XXI estará atrelada aodesenvolvimento da capacidade intelectual dos estudan-tes e a princípios éticos, de compreensão e de solidarie-dade humana. A educação visará a prepará-los para li-dar com mudanças e diversidades tecnológicas, econô-micas e culturais, equipando-os com qualidades comoiniciativa, atitude e adaptabilidade. A universidade, nestecontexto, tem seu papel ampliado. A globalização, se-gundo a Unesco8, mostra que o “moderno desenvolvi-mento de recursos humanos implica não somente umanecessidade de perícia em profissionalismo avançado,mas também de consciência nos assuntos culturais, demeio ambiente e social envolvidos”. Para isso, a univer-sidade deverá reforçar seus papéis no aumento dos valo-res éticos e morais da sociedade e no desenvolvimentodo espírito cívico ativo e participativo de seus futurosgraduados. A universidade precisa dar “maior ênfase parao desenvolvimento pessoal dos estudantes, juntamentecom a preparação de sua vida profissional”.

A EDUCAÇÃO DO BIBLIOTECÁRIO: ALGUMASREFLEXÕES

Jamais a evolução da ciência e da técnica foi tão rápida ecom tantas conseqüências diretas sobre a vida cotidiana,o trabalho, as formas de comunicação e a relação com ocorpo e com o espaço. É no universo do saber e do saberfazer (o universo das técnicas) que estas mudanças sãomais fortes. Por esta razão, o saber condiciona todas asoutras dimensões da vida em sociedade.

A quantidade de mensagens em circulação nunca foi tãogrande. Entretanto, dispomos de poucos instrumentospara filtrar a informação pertinente, para estabelecercomparações, enfim, para nos encontrarmos nos espaçosdos fluxos informacionais. A distância entre a quantida-de dos fluxos, das mensagens e as formas tradicionais dedecisão e de orientação é cada vez maior.

Ora, como vimos anteriormente, para ser um ator efeti-vo na sociedade do conhecimento, cada indivíduo deveaprender a manejar sua riqueza de conhecimento, comogerar novos conhecimentos e como traduzir o conheci-mento em informação útil para o desenvolvimento dasociedade de forma a agir e se adaptar a esta realidade.A era do conhecimento demanda mentes questionadorase imaginativas que devem ser cultivadas através de umaeducação adequada e com conteúdos pertinentes e con-seqüentes.

O conceito de sociedade do conhecimento se baseia nocrescente reconhecimento do papel que ocupam a aqui-sição, a criação, a assimilação e a disseminação do co-nhecimento em todas as áreas da sociedade. “A verdadenão é dada pronta [...], mas está constantemente em jogo,através de processos abertos e coletivos de pesquisa, deconstrução e de crítica9.

Ora, para construir e criticar, é necessário buscar infor-mação, disponibilizar informação, criar e transformarinformação. Estas práticas são intimamente ligadas aofazer dos profissionais da informação e especificamentedos bibliotecários.

A realidade em que vivemos, dentro de um contextoglobalizado, exige dos profissionais de todas as áreas me-lhor desempenho e mais eficiência. Dentro deste con-texto, os bibliotecários devem estar preparados de formaa responder às novas exigências da sociedade do conhe-cimento.

Nesta sociedade onde a utilização eficaz da informação edo conhecimento tornou-se fundamental, a competên-cia destes profissionais tem sido submetida à pressão denovas formas de demanda, conseqüência da necessidadede as pessoas e as instituições operarem de forma maiseficaz em termos de tomada de decisão, de inovação e deaquisição de conhecimento.

De que forma se transmitem estas competências? Comopreparar profissionais para lidar com esta nova realida-de, para serem atores efetivos nesta nova realidade, parainteragir nesta nova sociedade?

O valor e a organização do conhecimento dependem damotivação e dos objetivos de cada indivíduo em um de-terminado momento. Somente o exercício em situaçõesreais dá sentido e valor ao conhecimento.

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Segundo Levy10, “o conhecimento que vive de invençãocoletiva, de transformação, de interpretação e de troca éum dos lugares onde a solidariedade do homem pode termais sentido, transformando-se em um dos laços maisfortes entre os indivíduos”.

Parece-nos importante incutir na educação dos biblio-tecários o princípio de “conhecimento pertinente”, pre-conizado por Morin, levando-os a estabelecer relaçõesrecíprocas entre as partes e o todo.

Ora, os bibliotecários são levados cada vez mais a parti-cipar ativamente do fluxo internacional de informaçõespor meio da prestação de serviços a usuários virtuais quepodem estar localizados em qualquer local do planeta.Em contrapartida, estes mesmos profissionais se benefi-ciam e utilizam serviços provenientes deste fluxo inter-nacional. É essencial que estes profissionais sejam for-mados no sentido de compartilhar serviços colaboran-do, desta forma, em um sistema global de informações.Seu fazer é, portanto, essencialmente um fazer de trocar,de pôr à disposição informações a partir de um contextolocal – o da instituição e da unidade de informação –para um contexto planetário e deste contexto planetá-rio para o individual.

Além disso, parece fundamental que a formação destesprofissionais que lidam basicamente com informação econhecimento os leve a adquirir uma consciência de suaimportância.

A diversidade e o fluxo dos conhecimentos disponíveisatualmente são tais que nenhum indivíduo pode possuira totalidade do conhecimento. A inteligência e o pensa-mento estão condenados ao trabalho em comum, à aber-tura, à transparência, à troca. Como afirma Levy10, “nasnossas interações com as coisas, desenvolvemos compe-tências. Nas nossas relações com os signos e com a infor-mação, adquirimos conhecimento. Na relação com osoutros, através da iniciação e da transmissão, fazemosviver o saber. Competência, conhecimento e saber (quepodem estar relacionados com os mesmos objetos) sãotrês formas complementares da transação cognitiva quese confundem todo o tempo. Cada atividade, cada ato decomunicação, cada relação humana implica um aprendi-zado.”

Ora, trabalho em comum, cooperação, transparência,troca são, no nosso entender, princípios fundamentaisdo fazer bibliotecário.

Vivemos em um movimento de fragmentação e de dis-persão que se instala no mundo do trabalho. As mudan-ças neste universo em direção a um trabalho mais quali-ficado enfatizam a necessidade de novos modelos de qua-lificação profissional.

Que modelos são esses?

No nosso entender, esses modelos devem estar baseadosnos princípios enfatizados por Morin sobre a educaçãodo futuro. Neste sentido, a educação dos bibliotecáriosdeverá, no século XXI, priorizar a condição humana,enfatizando princípios como o “conhecimento pertinen-te”, o aprender a ser, a comunicar-se e a compreenderoutros indivíduos. É fundamental enfatizar a necessida-de de articulação do acervo cognitivo com o mundo dotrabalho em paralelo ao investimento individual em trei-namento e capacitação.

Os novos perfis profissionais privilegiam a criatividade,a interatividade, a flexibilidade e o aprendizado contí-nuo. Além disso, os novos profissionais devem ser capa-zes de operacionalizar seu conhecimento de modo inte-grado às suas aptidões e vivências culturais.

É necessário enfatizar que o bibliotecário é em sua essên-cia um mediador, um comunicador, alguém que põe emcontato informações com pessoas, pessoas com informa-ções.

Uma das questões centrais da sociedade da informação éque o objeto de trabalho do homem passa a ser a interaçãocom outros homens. O saber e a comunicação passam aocupar a maioria das atividades humanas. Além disso, énecessário lembrar que “a informação é um fator intrín-seco a qualquer atividade, fator este que deve ser conhe-cido, processado, compreendido e utilizado contribuin-do para ampliar de forma segura as atividades humanas”11.

Os bibliotecários, profissionais que privilegiam a infor-mação no seu fazer cotidiano, têm um papel importantea cumprir na sociedade do conhecimento. Incutir a cons-ciência da importância deste papel juntamente com prin-cípios como ética, solidariedade humana, capacidadecrítica e de questionamento pode fazer o diferencial ne-cessário na construção de uma sociedade mais justa eequilibrada.

Esperamos que, com uma educação baseada em princí-pios éticos e solidários, os bibliotecários sejam atores fun-damentais neste processo.

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CONCLUSÃO

Os dilemas dos educadores do século XXI parecem estarresumidos em três questionamentos: O que ensinar?Como ensinar? Para que ensinar?

Dertouzos12 alerta que a educação é muito mais que atransferência de conhecimentos de professores para alu-nos. Acender a “chama da vontade de aprender no cora-ção dos estudantes, dar o exemplo e criar vínculos entreprofessores e alunos” são fatores essenciais para o suces-so do aprendizado. E este é um papel que a tecnologianão poderá cumprir.

Em A cabeça bem-feita, Morin13 defende que o ensinoeducativo deve buscar não a mera transmissão do saberacumulado, mas uma cultura que possibilite a compre-ensão da condição humana e nos ajude a viver, e quefavoreça um modo de pensar aberto e livre. A educação,para o autor, deve propiciar a compreensão do contexto,o todo em relação às partes , as partes em relação ao todo.Para ele, o excesso de especialização do saber leva ao en-fraquecimento da responsabilidade e da solidariedade.Cada um faz a sua parte, e não há consciência da co-responsabilidade pelo todo. Ensinar não é distribuir cer-tezas, mas instigar dúvidas; não é inculcar a aceitaçãopassiva do estabelecido, mas instrumentalizar para a con-testação; não é formar iguais, mas diferentes, unidos pelorespeito e aceitação das próprias diversidades. A educa-ção “pode ajudar a nos tornarmos melhores, se não maisfelizes, e nos ensinar a assumir a parte prosaica e viver aparte poética de nossas vidas”.

O papel mais importante do bibliotecário no século XXIparece ainda ser o de gerenciador da informação. A im-portância dessa tarefa pode ser assim colocada: o gran-de problema desse século é a superabundância de infor-mação. Então, se não possuirmos sistemas e estratégiasadequadas de acesso à informação ou estivermosdespreparados para acessá-las, de que servirá tanta infor-mação? Do que servirá a tecnologia, se a maioria daspessoas não saberá utilizá-la ou não terá acesso a elas? Oscomputadores e os sistemas inteligentes deprocessamento de dados podem até assumir parte dessatarefa. No entanto, a organização e a manipulação detoda essa informação requer instruções, e aqui é que obibliotecário poderá contribuir. Tal tarefa influenciarádiretamente a vida de todas as pessoas e irá requerer com-petências de cunho educativo, intelectual, social etecnológico.

REFERÊNCIAS

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