formação política e movimentos sociais: o curso realidade ... · formação política voltado...

14
Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro” ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013 GT 5. Lutas sociais urbanas 79 GT 5. Lutas sociais urbanas Formação política e movimentos sociais: o curso Realidade Brasileira como instrumento de resistência e luta Georgia Kessia Cavalcanti da Silva* Maria José Marcelino da Silva** Resumo: O trabalho ora apresentado resulta do projeto de extensão intitulado “Analisando a Realidade Brasileira: educação popular com movimentos sociais”, realizado no período de maio de 2012 a maio de 2013, na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). O projeto, vinculado ao departamento do curso de Serviço Social da UFPB, foi planejado e executado por uma comissão política pedagógica composta por professores e alunos do curso de Serviço Social, Direito, Pedagogia e Ciências Sociais. Trata-se de um curso de formação política voltado para educadores populares e lideranças de movimentos sociais. Alia um estudo teórico e prático sobre a formação histórica, econômica e social do Brasil, fundamentado sobre as obras de pensadores sociais brasileiros, como: Florestan Fernandes, Caio Prado Jr., Celso Furtado, entre outros. Constitui-se como instrumento político entre a universidade pública e os movimentos sociais, capaz de intervir através de ações concretas na transformação da realidade social. Palavras-chave: Formação Política; movimentos sociais; extensão universitária; Serviço Social; pensamento social brasileiro. Introdução Diferente da pobreza existente antes do capitalismo, que embora também mantivesse suas bases determinada socialmente pela divisão de classes, mas antes se devia principalmente ao baixo desenvolvimento das forças produtivas (ligada a um quadro geral de escassez), datada desde o século XIX a atualidade é a sua generalização acentuada o pauperismo produzida nos marcos das mesmas condições que supunha a sua redução ou

Upload: buithuan

Post on 10-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 5. Lutas sociais urbanas 79

GT 5. Lutas sociais urbanas

Formação política e movimentos sociais: o curso Realidade Brasileira como instrumento de resistência e luta

Georgia Kessia Cavalcanti da Silva*

Maria José Marcelino da Silva**

Resumo: O trabalho ora apresentado resulta do projeto de extensão intitulado “Analisando a Realidade Brasileira: educação popular com movimentos sociais”, realizado no período de maio de 2012 a maio de 2013, na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). O projeto, vinculado ao departamento do curso de Serviço Social da UFPB, foi planejado e executado por uma comissão política pedagógica composta por professores e alunos do curso de Serviço Social, Direito, Pedagogia e Ciências Sociais. Trata-se de um curso de formação política voltado para educadores populares e lideranças de movimentos sociais. Alia um estudo teórico e prático sobre a formação histórica, econômica e social do Brasil, fundamentado sobre as obras de pensadores sociais brasileiros, como: Florestan Fernandes, Caio Prado Jr., Celso Furtado, entre outros. Constitui-se como instrumento político entre a universidade pública e os movimentos sociais, capaz de intervir através de ações concretas na transformação da realidade social. Palavras-chave: Formação Política; movimentos sociais; extensão universitária; Serviço Social; pensamento social brasileiro.

Introdução

Diferente da pobreza existente antes do capitalismo, que embora também mantivesse

suas bases determinada socialmente pela divisão de classes, mas antes se devia

principalmente ao baixo desenvolvimento das forças produtivas (ligada a um quadro geral de

escassez), datada desde o século XIX a atualidade é a sua generalização acentuada – o

pauperismo – produzida nos marcos das mesmas condições que supunha a sua redução ou

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 5. Lutas sociais urbanas 80

mesmo a supressão (revolução industrial) que denota o grau da desigualdade mundial, onde a

produção é socialmente produzida, mas o seu lucro é privado e apropriado indevidamente.

Segundo Dias, (2005, p. 153), “A desigualdade social é uma condição na qual os

membros de uma sociedade possuem quantias diferentes de riqueza, prestígio ou poder, onde

toda sociedade é caracterizada por algum grau de desigualdade social”. Trata-se aqui das

circunstâncias sobre as quais se inscrevem as relações de uma determinada sociedade.

Em todas as épocas da humanidade (escravismo, feudalismo e capitalismo) sempre

houvera algum tipo de desigualdade, porém, construída ao longo dos últimos 500 anos

(mesmo período de desenvolvimento da economia mundial), essa situação de extrema

desigualdade relaciona-se intimamente com o período do colonialismo, que por sua vez teve

as suas bases assentadas sobre a escravidão, a servidão e a exploração subumana, ou seja,

essencialmente nenhuma diferença, apenas modos mais sofisticados de dominação. É por essa

razão primária que os países considerados hoje em desenvolvimento estiveram, e permanecem

submetidos às imposições dos países desenvolvidos. Assinale aqui a América Latina e o

Brasil – celeiros do mundo. Países que mantém profunda dependência comercial, tecnológica,

financeira e política.

Sendo assim, é através de algumas questões objetivas, quais sejam, a ocasião das

novas tecnologias, da globalização e da intensificação das mudanças provocadas pela

revolução científico-tecnológica no modo de produção que vimos contraditoriamente que,

embora estejamos vivendo num período de grande produtividade agrícola e na produção de

alimentos, as populações de países com um PIB (Produto Interno Bruto) consideravelmente

alto vivem na miséria por causa de um repasse que nunca chega aos grupos menos

favorecidos. Em outras palavras, á má distribuição de renda é um problema presente em

várias nações, que por sua vez impede consciente e determinadamente a constituição de uma

sociedade igualitária onde se estabeleça as condições para a almejada equidade social, dando

origem à questão social, e aos seus desdobramentos sociopolíticos. Assim é que as lutas de

classe são ineliminavelmente constitutivas da questão social, que a seu turno, através da

classe trabalhadora e da luta popular passou a exigir a formulação de políticas sociais que

visem atender ou mesmo minorar, o sofrimento dos mais pobres.

Luta popular: Formação política e movimentos sociais.

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 5. Lutas sociais urbanas 81

A ideia da luta popular deve ser gestada e maturada com base em pressupostos de ação

conjunta: coerente com um movimento que venha a funcionar como um corpo vivo –

orgânico – e que tenha como meta principal a compreensão das características, os desafios e

limites do movimento popular. Nas palavras de Peloso:

A luta popular não é um evento que nasce grande. Ao contrário: uma luta que nasce

monstra tende a morrer, assim como a luta que não cresce, tende a desaparecer. A

luta como uma fonte de água, no processo, precisa virar riacho, tornar-se rio e

chegar ao mar. A experiência local deve irradiar-se e alcançar a dimensão nacional e

até internacional. Por isso, a luta popular que tem como horizonte a transformação

prioriza a parte, como ponto de partida, porque seu objetivo é a inclusão do todo,

como ponto de chegada. Uma luta popular torna-se referência por sua

exemplaridade, quer dizer, quando é capaz de universalizar-se. É nessa irradiação

que a luta popular articula os resultados quantitativos e qualitativos, a eficiência e a

eficácia, a dimensão econômica e a dimensão política. Nesse aprendizado ela se

multiplica e se reproduz, em recriação constante, conforme os tempos e culturas.

Esse processo produz impacto na realidade, influencia o contexto e cria a força

própria de um Movimento (PELOSO,2012, p.1).

Assim, podemos inferir o quão importante faz-se justa e necessária à adoção de certa

organicidade à formação política da população e dos segmentos que visam à integração de

uma agenda política reivindicatória no seio dos movimentos sociais, em face dos reclamos da

classe trabalhadora em contraposição ao acirramento e desdobramentos da questão social

perante o Estado. Nesse sentido, “a capacidade que tem um Movimento de fazer com que as

ideias, discussões e orientações comuns percorram e se articulem em todo o corpo da

organização, de forma permanente” (PELOSO, 2012, p.1), de modo tal que ao mesmo tempo

em que possibilite uma determinada autonomia, mantenha a unidade de pensamento e ação,

além de sua capacidade de autoreprodução.

No entanto “esse tipo de organicidade só alcança sua finalidade quando favorece

espaços de debate e cria instâncias horizontais de decisão coletiva, combinadas com

mecanismos de comando”. (PELOSO 2012, p.1). Ou seja, insurgir a força de um povo

consciente, organizado, atuante e mobilizado implica, sob essa acepção, compreender que

para a conquista de espaços que permitam sua ascensão é preciso uma direção política e

ideológica.

Destarte, é sob essa perspectiva que, dentre os vários problemas sócio histórico que

conformaram o espaço geopolítico e econômico da realidade brasileira, qual seja o sentido da

colonização no Brasil, o peso do escravismo e o desenvolvimento desigual e combinado

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 5. Lutas sociais urbanas 82

(Behring;Boschetti, 2007:72): a subordinação, a opressão, a violação dos direitos ou mesmo a

sua negação comum a classe trabalhadora, onde:

Na verdade, o liberalismo é filtrado pelas elites nativas por meio de uma lente

singular: a equidade configura-se como emancipação das classes dominantes e

realização de um certo status desfrutado por elas, ou seja, sem a incorporação das

massas; na visão de soberania, supõe-se que há uma interdependência vantajosa

entre nações, numa perspectiva passiva e complacente na relação com o capital

internacional; o Estado é visto como meio de internalizar os centros de decisão

política e de institucionalizar o predomínio da elites nativas dominantes, numa forte

confusão entre público e privado. (Behring;Boschetti, 2007:73)

Bem como, aos desdobramentos da questão social que atualmente ultrapassa a esfera

material e econômica da reprodução da vida social, e se resvala no âmbito da discriminação

generalizada, quer seja de gênero, sexual e étnica, que os movimentos sociais e as mais

diversas organizações não governamentais intentam dar conta desta complexa rede de

agressões e danos contra os princípios da igualdade (ver Constituição Federal de 1988: art. 5º,

caput.), onde se estabeleça as condições para a almejada equidade social, questionando e

combatendo-as. Uma organização política capaz de despertar e conduzir o povo no intuito de

transformar a realidade.

Portanto, é dentro desse contexto que surge o CRB: Curso da Realidade Brasileira;

Educação Popular com movimentos Sociais. Ou seja, da percepção da necessidade de se

retomar a formação de militantes de forma mais sistemática e criteriosa, “investindo na sua

qualificação política, técnica e cultural para atuar em qualquer lugar ou conjuntura e sob

quaisquer condições”. (PELOSO 2012, p.1), para pensar o Brasil e o Projeto Popular.

Uma experiência seminal de educação popular que congrega movimentos sociais e a

universidade aponta oportunamente para a construção de uma nova história e de um projeto

popular para o Brasil. Ou melhor dizendo: a história do Brasil precisa ser reescrita, de modo

que possamos concretamente discutir a viabilidade do Brasil nação; seus limites, desvios, e

equívocos, visando a superação da conformação histórica social, cultural e econômica do seu

povo, submetido aos interesses do capital - culturalmente sustentável e circunscrito sob a

ideologia e contradições do capital-trabalho. Enfim, repensar o Brasil e a organização popular.

Dessa maneira, o CRB é um espaço de formação que cumpre uma função social

voltado aos interesses dos movimentos sociais (e que ultrapassam os do agente) para entender

a realidade social brasileira em seus aspectos político, econômico e sócio cultural, para a

qualificação das lutas. Logo, “a finalidade da organização é despertar e juntar a parte do povo

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 5. Lutas sociais urbanas 83

que se dispõe a entrar no processo de luta, organizar uma base social, elevar seu nível de

consciência e mobilizar o conjunto da classe visando alcançar seus objetivos imediatos e

interesses históricos.” (PELOSO, 2012, p.3). Posto isso, todo o arcabouço teórico é composto

e selecionado a partir do estudo de obras sobre o pensamento social brasileiro; tanto de

pensadores brasileiros, como latino-americanos, que se dedicaram a compreensão das

especificidades da nossa realidade local – um país historicamente explorado sob os ditames

do capital e as regulações econômicas da ordem mundial, em que ainda persistem intensas

desigualdades sociais – numa perspectiva de e para uma educação popular.

Educação Popular

Numa acepção própria destas palavras: educação e popular, podemos,

respectivamente, começar pensando de uma sobre; o princípio comunicativo utilizado pelas

sociedades para desenvolver no indivíduo a consciência, a partir da sua interação com a

realidade, e das suas potencialidades de dar significado e interpretação a ela à construção de

um conhecimento que favoreça o desenvolvimento de um raciocínio comportamental e

disciplinar, na sua individualidade, diante de um grupo social e no meio em que vive, e da

outra; aquilo que é próprio do povo, ao mesmo tempo em que é agradável a ele, onde além de

autor, o povo é difusor. Portanto, diferente da univocidade dos termos, ou mesmo da ditadura

semântica das palavras, o que ora pretendemos é dar-lhe uma lupa para nos distanciarmos das

compreensões comuns, pois em sendo a educação uma das principais instituições básicas

entre povos e sociedades, não podemos admiti-la como mera transmissão de conhecimento e

cultura, destinada ao povo, ou pré-fabricado para a massa, muito menos como um simples

processo de assimilação para um receptor passivo. Para além destas considerações, a

educação popular aqui se trata de um processo de reconhecimento, interpretação,

questionamento e ponderações, que pode e deve renovar-se continuamente. Assim,

substantivo e adjetivo se complementam e se confundem numa fusão que pode ser

compreendida entre comportamento e ação numa proposta capaz de criar e desenvolver

condições para que indivíduos e grupos se apropriem do patrimônio cultural de uma

civilização, tornando-os capazes de transforma-los. Essencialmente, precisam estar

conectados para se alimentarem mutuamente tendo em vista que para o sucesso ao que se

pretende de um movimento social exige-lhes a complementaridade que lhe é fundamental.

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 5. Lutas sociais urbanas 84

Análogo a este princípio e sob uma perspectiva didática, dessemelhante ao tipo de

educação que educa para a resignação, inferioridade, e subserviência, partindo de autores

substanciais como Darcy Ribeiro (O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil.), Caio

Prado Jr. (a nacionalização do marxismo no Brasil) Celso Furtado (O capitalismo global),

Florestan Fernandes (Pensando com Florestan Fernandes, o que é revolução?), Paulo Freire

(Educação como prática da liberdade), ademais Marx e Engels (O Manifesto comunista), o

CRB busca debater, facilitar e trabalhar os temas que traduzem o Brasil de fato,

respectivamente; a formação do seu povo; a formação econômica; classes sociais e

transformação social; opressão; conceitos fundamentais para análise desta realidade; Dentre

outros temas como gênero e sexualidade; questão agrária e conjuntura, desde a sua

colonização, até os dias atuais, circunscritos e determinados por ocasião do capitalismo,

donde ao final de cada etapa todo o grupo saía com uma agenda concreta de ações e

manifestações de lutas que serão realizadas nacional e regionalmente. Ou seja, a sua proposta

baseia-se na práxis direcionada e na efetiva transformação do homem, da sociedade e do

Estado: na lucidez, decisão, compromisso, união e solidariedade, com vistas à construção de

um projeto popular para o Brasil.

Dito de outra maneira, as etapas do curso consistirão de temas interdisciplinares sob o

método da educação popular, que a seu turno, entendemos que seja um conjunto de elementos

teóricos que fundamentam ações educativas, relacionadas entre si, e ordenados segundo

princípios e experiências que, por sua vez, formam um todo ou uma unidade. Mesmo

expressando uma unidade, contudo, é um sistema aberto que relaciona ambiente de

aprendizagem e sociedade, a educação e o popular, e de trabalho educacional detentor de uma

filosofia que, por sua vez, pressupõe uma teoria do conhecimento, metodologias dessa

produção de conhecimento, conteúdos e técnicas de avaliações processuais, sustentadas por

uma base política. Uma teoria de conhecimento que se externa pela busca de conhecimento

que caminha no sentido do fazer história. Segundo Paulo Freire “também se faz história

quando, ao surgirem os novos temas, ao se buscarem valores inéditos, o homem sugere uma

nova formulação, uma mudança na maneira de atuar, nas atitudes e nos comportamentos”

(FREIRE, 1984.).

Portanto, numa autêntica proposta de educação popular, o CRB combina educação, o

popular, metodologia e democracia, nas palavras de Rodrigues (2001, p.286):

Professores e líderes comportam-se coerentemente conforme a compreensão de que

as pessoas, frequentando a escola, as classes, a sede do sindicato e outras quaisquer

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 5. Lutas sociais urbanas 85

organizações, não são súditos ou subalternos seus, porque toda autoridade legítima e

democrática é que é súdita e subalterna do povo. Educador popular é aquele que

serve ao grupo, unindo seus integrantes na solidariedade e ajuda mútua, jamais

fomentando entre eles a competição e a hostilidade; fazendo com que todos

desenvolvam o conhecimento, na troca contínua de informações relevantes;

robustecendo-lhe a autonomia.

No mais, pode-se inferir que o modus operandi do CRB do ponto de vista da análise

da educação como uma instituição básica da superestrutura, em oposição a infra-estrutura -

modeladora da primeira - tem a pretensão e por objetivo disseminar conhecimento,

multiplicar informações e capacitar militantes, estudantes e cidadãos a fim de superação desta

condicionalidade, com o sério propósito educativo à construção de novos processos e

comportamentos, através da relação quadro-massa, bem como, ao papel que o indivíduo pode

imprimir no processo de tecitura da história.

Da relação quadro-massa

Na concepção popular, a relação quadro e massa são apreendidas como órgãos

distintos que contribuem para a mesma causa e objetivos. De acordo com Peloso (2012, p. 4),

O modelo orgânico popular incorpora o conceito de Quadro e de Massa enquanto

divisão de papéis e relação de poder. Quadro significa maior qualificação politica

(tem uma utopia, análise da realidade, elaboração estratégica, condução política,

capacidade de formular propostas de mudança...). Só se entende quadro político

como parte da organização e destaca-se por seu reconhecimento e compromisso. A

massa significa o conjunto da classe que trabalha, é a quantidade que, em geral, tem

um baixo nível de consciência e de elaboração política e se move pela necessidade

do cotidiano.

À vista disso a experiência do CRB ocorre em todo país coordenada por organizações

populares ligadas ao campo de esquerda no âmbito político. O primeiro CRB do Brasil

ocorreu em 2001, na cidade mineira de Juiz de Fora, numa parceria entre o Movimento

Consulta Popular, MST, e a Universidade Federal de Juiz de Fora/UFJF, onde aglutinou mais

de 100 militantes do Brasil inteiro das mais diversas e diferentes organizações.

O sucesso deste primeiro curso estimulou a organização de novas turmas em cursos

regionais e ou estaduais, em todo Brasil, algumas delas sob a condição de curso de Extensão

pela Universidade Pública Federal.

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 5. Lutas sociais urbanas 86

Na Paraíba, já vivenciamos a realização de três turmas, sendo a primeira em 2002, a

segunda em 2006 e a terceira entre parte de 2010, 2011 e março de 2012. Esta última

assumiu o desafio de os integrantes (comissão política pedagógica), e parte dos cursistas que

se integraram a comissão, tornarem-se multiplicadores do CRB nas três regiões do Estado

(Litoral, Borborema e Sertão) somando forças no mutirão que busca entender e transformar

nossa realidade.

Foi assim que o presente curso - leia-se: 1º CRB LITORAL 2012 foi viabilizado

enquanto curso de Extensão pela Universidade Federal da Paraiba/UFPB, no departamento de

serviço social, em parceria com o Centro Luiz Carlos Prestes de Estudos Sociais – CEMPRE,

e o Movimento Consulta Popular, cumprindo regiamente com o projeto a que se destina; onde

para além da formação, arregimenta, dissemina, fomenta e, prepara o indivíduo, o grupo e a

sociedade para a resistência e luta. Senão vejamos.

Esse projeto abrange dois espaços metodológicos:

1 – Um espaço de estudo da realidade brasileira a partir de autores brasileiros,

organizados nos moldes de um curso preparado para a formação de representantes de

movimentos sociais e organizações de cunho popular;

2- Um espaço de organização interna, reunindo a comissão executora para a discussão

periódica do andamento do projeto (CPP/Extensionistas/Parceiros): aperfeiçoamento,

metodologia, elaboração material, formação teórica e subsídios para a produção de artigos e

materiais didáticos na área dos pensadores brasileiros.

Cada educando é inserido num grupo o qual denominamos de núcleos de base – a base

de sustentação do CRB. Nele os participantes exercem as atividades e tarefas didáticas

pedagógicas que garantem sua realização, além de ser um espaço de discussão e organização

do curso. Cada núcleo terá um/a coordenador e um/a relator; um para coletar e registrar, e o

outro para garantir o cumprimento dos objetivos de cada momento das etapas, além da

socialização dos estudos do seu grupo. Estes por sua vez serão feitos a partir dos textos pré-

selecionados, segundo a indicação bibliográfica para aquele módulo, com aulas expositivas,

dialógica e sobre tudo discutidas. O curso é organizado por módulos mensais, totalizando 08

módulos ao final do projeto.

Quanto à avaliação, ao término do curso cada educando deverá apresentar um trabalho

de conclusão de curso, a partir de um tema/questão da realidade atual, escolhido pelo mesmo,

e fundamentado nos autores/as estudados.

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 5. Lutas sociais urbanas 87

No 1º CRB LITORAL 2012 fizeram-se presentes inúmeros representantes de diversos

movimentos sociais da Paraíba (Desentoca, Marcha Mundial das Mulheres, Movimento do

Espírito Lilás, Movimento dos Trabalhadores Desempregados, Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra, Movimento dos Atingidos por Barragens, Movimento Levante, Levante

Popular da Juventude, Núcleo de Extensão Popular Flor de Mandacaru, Pastoral da Juventude

do Meio Popular, Rede de Educação Cidadã, Sindicato dos Trabalhadores/as da Extensão

Rural, entre outros). Com base na premissa de que através da formação destas lideranças o

CRB atingirá o movimento a cada qual participante do curso representa, segue abaixo

conforme as tabelas 1 e 2, o número estimado em detrimento do número real alcançado.

Tabela 1 –

Nº ESTIMADO DE PÚBLICO: 1435

Público - Alvo A B C D E Total

Instituições Governamentais Federais 20 500 20 5 545

Instituições Governamentais Estaduais 5 30 35

Instituições Governamentais Municipais 5 50 55

Organizações de Iniciativa Privada 500 500

Movimentos Sociais 0

Organizações Não-Governamentais

(ONGs/OSCIPs) 200 200

Organizações Sindicais 50 50

Grupos Comunitários 50 50

Total Geral 530 580 20 5 300 1435

Tabela 2 –

Nº REAL ESTIMADO DE PÚBLICO ALCANÇADO: 3345*

Público - Alvo A B C D E Total

Instituições Governamentais Federais 20 700 20 1 741

Instituições Governamentais Estaduais 1 1

Instituições Governamentais Municipais 2 2

Organizações de Iniciativa Privada 0

Movimento dos Atingidos por Barragens - 100 100

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 5. Lutas sociais urbanas 88

MAB

Frente Paraibana em defesa da Terra, dos

Povos e das Águas do Nordeste 100 100

Consulta Popular 100 100

Comissão Pastoral da Terra – CPT 100 100

Movimento dos Sem Terra - MST 100 100

Grupo de Mulheres Lésbicas Maria Quiteria 100 100

Levante Popular da Juventude 100 100

Movimento dos Trabalhadores

Desempregados – MTD 100 100

Movimento do Espírito Lilás – MEL 100 100

Sindicato dos Trabalhadores Rurais 100 100

Rede Nacional de Advogados Populares/PB 100 100

Movimentos dos Pequenos Agricultores –

MPA 100 100

Fórum Estadual em Defesa do SUS e Contra

as Privatizações 100 100

Fórum Estadual LGBT 100 100

CRESS/PB 100 100

Centro de Referencia e Direitos Humanos da

UFPB 100 100

União da Juventude Comunista 100 100

Movimento Estudantil 100 100

ADUF/PB 100 100

Sindicato das Trabalhadoras Domesticas 100 100

Desentoca 100 100

Marcha Mundial das Mulheres 100 100

Assembléia Popular na Paraíba 100 100

Núcleo de extensão Popular Flor de

Mandacaru 100 100

Organizações Não-Governamentais

(ONGs/OSCIPs) 200 200

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 5. Lutas sociais urbanas 89

Organizações Sindicais 1 1

Grupos Comunitários 0

Total Geral 22 700 20 2 2601 3345

*O número real estimado foi determinado a partir da presença real concreta de representantes que participaram do 1º CRB LITORAL 2012,

levando-nos a projeção do número a ser alcançado, enquanto multiplicadores, em suas áreas de atuação junto à sociedade e perante os seus

integrantes, por parte dos mesmos.

Portanto, fazendo um contraponto com o pensamento de Peloso (2012, p. 6) onde:

O pressuposto essencial para a existência de um quadro no Movimento popular é a

convicção de que a revolução é uma ação das massas e que a força real que dá corpo

a uma organização, são os grupos de base conscientes e organizados. A relação

quadro-massa é buscada quando existe uma cumplicidade e complementariedade,

porque ambos são indispensáveis na mesma organização. O quadro existe dentro de

uma direção coletiva e se orienta por uma ideologia, um projeto, uma estratégia,

uma organização e pela prática do convencimento, paciente e revolucionário. Um

quadro, dentro dos limites humanos, se distingue por seu amor ao povo, sua clareza

do rumo, seu profissionalismo, sua capacidade de repartir o poder e seu tino em

fazer propostas justas. ** “Em vez de colocar-se acima do povo, a militância deve

penetrar profundamente no seio das massas, despertá-las, contribuir para elevar sua

consciência política... É preciso ajudar cada camarada a compreender que enquanto

estivermos apoiados no povo, e acreditarmos no inesgotável poder criador das

massas populares, confiar no povo e nos identificar com ele, poderemos vencer as

dificuldades...” (**) Mao Tse Tung.

O CRB se apresenta como forte instrumento político pedagógico, de resistência, luta e

emancipação ideológica. Segundo Freire (1999) "A educação como prática da liberdade, ao

contrário daquela que é a prática da dominação, implica a negação do homem abstrato,

isolado, solto, desligado do mundo, assim também a negação do mundo como uma realidade

ausente dos homens”. Ao total, desde 2001, aconteceram mais de cinquenta cursos.

Considerações Finais

Com esta publicação pretendemos levar ao público a importância de se formar

lideranças populares, fundamentada em conhecimentos teóricos e político, com competência

para articular forças e construir novas estratégias de fortalecimento das lutas e dos

movimentos sociais em defesa dos interesses das classes trabalhadoras. Principalmente se

pensarmos nos rumos que as políticas públicas e sociais - dentro da lógica neoliberal do

processo de contra reforma do Estado - vêm seguindo, desde os anos de 1990 até os dias

atuais, ignorando os pactos sociais e os mecanismos democráticos redirecionando as

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 5. Lutas sociais urbanas 90

conquistas inscritas na Constituição de 1988 a favor do crescimento econômico em

detrimento do social. Isso significa corte para as políticas sociais nas áreas da saúde,

educação, aposentadoria e seguro desemprego. Nesse sentido a implantação da política social

tem se dado ao longo do tempo como um mecanismo compensatório, que atingem apenas

alguns setores da população (os mais pobres entre os pobres), ferindo o princípio

constitucional da política de abrangência universal e o do direito de todo cidadão.

Os movimentos sociais se constituíram em elementos de grande importância na história das

conquistas sociais no Brasil e vêm desde seu surgimento ganhando novos integrantes. Assim

como o CRB, nascido e gestado da iniciativa popular, motivado pelas mazelas a que são

submetidos e condicionados em virtude da dialética capita/trabalho. E foi através do projeto

de extensão: Analisando a Realidade Brasileira: educação popular com movimentos sociais,

que pudemos enquanto graduandos/as e extensionistas do curso de Serviço Social, ter um

contato direto com o universo de lutas comuns a classe trabalhadora de cada um dos

movimentos sociais e organizações populares, presentes no nosso Estado e outras localidades.

Neste contexto, a mobilização dos homens e mulheres, através da universidade se constitui

como forma de atenção do Estado aos segmentos excluídos. Por isso, o projeto em tela faz-se

necessário e desafiador não somente as estudantes, mas todos que dele tomam parte.

Academicamente, o projeto possibilita o contato com o público fora da unidade acadêmica, de

modo a permitir um processo de formação continuada entre os estudantes e os atores

sociais. Como Também, enquanto prestação de serviço de responsabilidade ética e social da

universidade, através de seus discentes, docentes e técnicos, para com a comunidade em geral.

Compreendendo que é indiscutível no exercício da profissão o compromisso ético,

político e profissional com a sociedade para a ampliação e fortalecimento da cidadania;

contribuindo para a defesa e garantia dos direitos sociais, expressos no Código de Ética

Profissional, na Lei de Regulamentação da Profissão e nas Diretrizes Curriculares da

ABEPSS em 1996, principalmente se pensarmos no Serviço Social enquanto profissão

inserida no âmbito das desigualdades sociais, representadas pelas expressões multifacetadas

da questão social, afuniladas pelas contradições econômicas e sociais presentes na sociedade

brasileira é que se torna imprescindível essa aproximação com as mais diversas realidades dos

movimentos sociais e outras organizações populares.

Lutar por um governo democrático-popular é um direito e dever de toda sociedade. É

somente com a organização das camadas populares que conseguiremos avançar e disputarmos

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 5. Lutas sociais urbanas 91

os espaços por um projeto de sociedade. Nas palavras de Behring (2011, p.198), explorar as

contradições é disputar espaços e lutar por hegemonia, é buscar construir a contra hegemonia.

Bibliografia

a) Livros:

BEHRING, Elaine Rossetti. Política Social: fundamentos e história/Elaine Rossetti Behring,

Ivanete Boschetti. – 3.ed. – São Paulo: Cortez, 2007. – (Biblioteca básica de serviço social; v.

2).

CHESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.

DIAS, Reinaldo. Desigualdade Social no Mundo e no Brasil. IN:_____ Introdução à

sociologia/Reinaldo Dias. 2ª Reimpressão. Ed. Pearson Prentice Hall: SP, 2005. Cap. 11. P

161-170.

FERNANDES, Florestan. O Mito Revelado. In: Revista Espaço Acadêmico (Fonte:

FOLHETIM de 08.06.1980), Ano III, Nº 26 – Julho de 2003, Mensal – ISSN, 15196186.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 23ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1999. Pedagogia do oprimido.

FURTADO, Celso. O capitalismo global. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

MANDEL, E. A crise do capital: os fatos e a interpretação marxista. São Paulo: Editora

Ensaio, 1990.

MANDEL, E. O capitalismo tardio. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Coleção os

economistas)

MARX, K. Capítulo VI Inédito de O Capital. LECH: São Paulo. 1988a.

MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos. Editora Boitempo: São Paulo, 2004.

MARX, K. O 18 Brumário de Louis Bonaparte, Lisboa, 2a edição, Editora Avante, 1984.

MARX, Kark e Friedrich Engels, 1818-1883. O Manifesto comunista; Tradução Maria Lucia

Camo. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.

MOURA, A. Neoliberalismo, precarização do trabalho e a desconstrução da classe operária

no Brasil 1990-2005. Monografia defendida na Universidade Estadual Paulista - Faculdade de

Filosofia e Ciências (UNESP/Marília). 2007.

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia

das Letras, 1995 e 1996.

RICUPERO, Bernardo. Caio Prado Junior e a nacionalização do marxismo no Brasil. São

Paulo: Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo; Fapesp; Ed. 34, 2000.

P. 229/236.

RODRIGUES, Luiz Dias. Questões e textos de metodologia da pesquisa e metodologia do

ensino superior/ Luiz(ito) Dias Rodrigues. – João Pessoa: ideia, 2001. p.343.

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 5. Lutas sociais urbanas 92

SACCHETTA, Vladimir. Pensando com Florestan Fernandes /[autores: Vladimir Sacchetta e

Carmen Castro]. -Guararema: Escola Nacional Florestan Fernandes, 2012. - 68 p. il.

THOMPSON, E. P. A formação da classe trabalhadora inglesa. Paz e Terra. Rio de Janeiro,

1987.

b) Cartilha:

PELOSO, Ranuldo. Cartilha “Luta popular e modelo orgânico”. Centro de Educação Popular

do Instituto Sedes Sapientiae – Cepis, 2012.

c) Páginas da Internet:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:

Senado, 1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em:

19 mai. 2013.