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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Instituto de Ciências Sociais Departamento de Relações Internacionais Curso de Graduação em Relações Internacionais Rafael Bittencourt Rodrigues Lopes FORMAÇÃO E CONTINUIDADE DE COALIZÕES ENTRE POTÊNCIAS EMERGENTES: O BRICS COMO ESTUDO DE CASO Belo Horizonte 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Instituto de Ciências Sociais

Departamento de Relações Internacionais

Curso de Graduação em Relações Internacionais

Rafael Bittencourt Rodrigues Lopes

FORMAÇÃO E CONTINUIDADE DE COALIZÕES ENTRE POTÊNCIAS

EMERGENTES: O BRICS COMO ESTUDO DE CASO

Belo Horizonte

2013

Rafael Bittencourt Rodrigues Lopes

FORMAÇÃO E CONTINUIDADE DE COALIZÕES ENTRE POTÊNCIAS

EMERGENTES: O BRICS COMO ESTUDO DE CASO

Monografia apresentada ao Curso de Relações

Internacionais da Pontifícia Universidade Católica

de Minas Gerais, como requisito parcial para

obtenção do título de Bacharel em Relações

Internacionais.

Orientação: Taiane Las Casas Campos

Belo Horizonte

2013

Rafael Bittencourt Rodrigues Lopes

FORMAÇÃO E CONTINUIDADE DE COALIZÕES ENTRE POTÊNCIAS

EMERGENTES: O BRICS COMO ESTUDO DE CASO

Monografia apresentada ao Curso de Relações

Internacionais da Pontifícia Universidade Católica

de Minas Gerais, como requisito parcial para

obtenção do título de Bacharel em Relações

Internacionais.

_____________________________________________

Taiane Las Casas Campos (Orientadora) – PUC Minas

_____________________________________________

_____________________________________________

Belo Horizonte, 25 de novembro de 2013.

Ao Deus Desconhecido,

que fez o mundo e tudo o que nele existe

AGRADECIMENTOS

Esta monografia de “mono” tem pouco. Posso até ter escrito sozinho estas quase

25.000 palavras, mas seria absolutamente impossível tal feito sem tantas pessoas à minha

volta, que permitiram que eu estivesse aqui, agora, escrevendo estes agradecimentos. É muita

ousadia escrever todos os nomes aqui daqueles que de alguma maneira estiveram presentes,

mas vou me limitar a quem vem à minha memória agora. A todos os outros que eu não aqui

citar, minhas desculpas e minha sincera gratidão.

Tenho muito a agradecer à professora Taiane, que já no meu segundo ano de faculdade

me instigava a entender mais sobre o que estes tais de BRICS estão fazendo por aí, seja

através das disciplinas ofertadas, seja através do Grupo Atlântico Sul.

Agradeço também aos professores do Curso de Relações Internacionais, que de

diversas maneiras contribuíram para este trabalho.

Agradeço aos amigos feitos durante estes anos de PUC Minas e que tantas vezes me

ouviram, ora empolgado, ora desesperado! Em especial ao Pablo (pela ISA), à Camila (pela

África), ao Brener (pela filosofia), à Ana Paula (pelas conversas), ao João Gabriel (que só me

ouvia quando eu sentava à sua esquerda) e ao Dedé (pelo Metal!!!!!).

Também agradeço à minha família, que mesmo sem entender direito o que são os

BRICS, sempre me apoiam e incentivam, principalmente quando estou cansado e

desmotivado! Amo muito vocês!!

Agradeço também aos amigos do GimVi e da Comunidade Missionária de Villaregia,

em BH, São Paulo, Lima, Texcoco, Arecibo, Maputo, Abidjan e em toda a Itália, pela

amizade sincera e profunda, mesmo que a distância nos impeça de estar sempre juntos! Em

especial para os amigos do “buteco gimvi” que buscam o caminho da santidade, porque PRA

MIM JÁ DEU!

Um agradecimento também a todos os que fizeram parte da minha experiência na

Universidade de Bolonha, por terem feito parte de cada momento uma lembrança inesquecível

da minha vida!

Por fim, agradeço a Deus, causa e razão da minha vida, que me dá forças para seguir

no caminho do amor e liberdade para escolher!

“Frodo: I can't do this, Sam.

Sam: I know. It's all wrong. By rights we shouldn't even be here. But we are. It's like

in the great stories, Mr. Frodo. The ones that really mattered. Full of darkness and

danger, they were. And sometimes you didn't want to know the end. Because how

could the end be happy? How could the world go back to the way it was when so

much bad had happened? But in the end, it's only a passing thing, this shadow. Even

darkness must pass. A new day will come. And when the sun shines it will shine out

the clearer. Those were the stories that stayed with you. That meant something, even

if you were too small to understand why. But I think, Mr. Frodo, I do understand. I

know now. Folk in those stories had lots of chances of turning back, only they didn't.

They kept going. Because they were holding on to something. Frodo: What are we holding onto, Sam?

Sam: That there's some good in this world, Mr. Frodo... and it's worth fighting for.”

(JACKSON; TOLKIEN; WALSH, 2013) .

RESUMO

O acrônimo BRIC criado em 2001 se tornou um agrupamento político através de encontros

cada vez mais frequentes e de temas diversificados entre os representantes dos países,

tornando-se BRICS após convidarem a África do Sul para o grupo. Esta foi a provocação

inicial deste trabalho, que buscou entender por que o BRICS tornou-se uma coalizão entre

potências emergentes. O objetivo geral foi compreender o processo de articulações entre os

BRICS de modo a identificar os limites e potencialidades do grupo através da estratégia de

soft-balancing usada por tais países conjuntamente. Assim, executou-se pesquisa qualitativa

através de três etapas. Na primeira, busca-se um conceito dentro da literatura de Relações

Internacionais para caracterizar os países BRICS dentro do sistema internacional

contemporâneo. Na segunda, busca-se entender o BRICS enquanto coalizão através do

desenvolvimento histórico da cooperação entre os países membros. Na terceira, apresentam-se

os temas trabalhados pelos BRICS, principalmente nas agendas de segurança e economia.

Estas etapas viabilizaram realização de análise sobre o papel do BRICS no sistema

internacional, assim como de suas demandas por maior poder dentro da ordem liderada pelos

Estados Unidos. A hipótese defendida foi que Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, em

uma busca por balanceamento sem desafiar diretamente a preponderância militar dos Estados

Unidos, usam como estratégia o soft-balancing. Os resultados confirmam a hipótese, uma vez

que se entende que o papel da coalizão BRICS é viabilizar e potencializar a ação política das

cinco potências emergentes, que demandam mais poder sem se oporem à ordem.

Palavras-chave: BRICS. Coalizão. Potências emergentes. Brasil. Rússia. Índia. China. África

do Sul.

ABSTRACT

The acronym BRIC created in 2001 became a political group through meetings each time

more frequent and of diversified themes among the representatives of the countries, and

becoming BRICS after they had invited South Africa to the group. That was the starting

provocation for this thesis, that sought understand why BRICS became a coalition among

would-be great powers. The general objective was to comprehend the articulation process

among the BRICS-countries to identify limitations and potentialities of the group through

soft-balancing strategy, used collectively by the countries. Therefore, it executed a qualitative

research through three stages. In the first one, it sought a concept into the International

Relations literature to characterize BRICS-countries at current international system. In the

second stage, it sought understand BRICS as a coalition through the historical development of

cooperation among its member countries. At third stage, it presents the themes worked by

BRICS, especially in security and economic agendas. These stages enable the realization of an

analyze about the role of BRICS in international system, as well as their demands for more

power into the order led by United States. The hypothesis defended was that Brazil, Russia,

India, China and South Africa, searching for balancing United States without challenging

directly its military preponderance, use soft-balancing strategy. The results confirm this

hypothesis, once it is understood that the role of BRICS coalition is enable and increase

potential to political action of the five emerging powers, which demand more power without

make opposition to the order.

Keywords: BRICS. Coalition. Emerging Powers. Brazil. Russia. India. China. South Africa.

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Classificação conceitual dos países dos BRICS....................................................23

Quadro 2 – Valores dos BRICS................................................................................................31

Quadro 3 – Eventos entre os BRICS.........................................................................................32

Quadro 4 – Principais temas das agendas trabalhadas pelos BRICS........................................35

Quadro 5 – Síntese da “Política Externa” dos BRICS na Agenda de Segurança.....................65

Quadro 6 – Síntese da “Política Externa” dos BRICS na Agenda Econômica.........................66

Quadro 7 – Síntese da “Política Externa” dos BRICS em Outras Agendas..............................67

LISTA DE ABREVIATURAS

GT – Grupo de Trabalho

CGTEC – Grupo de Contato sobre Temas Econômicos e Sociais

LISTA DE SIGLAS

AIDS – Síndrome de Imunodeficiência Adquirida

BASIC – Brasil, África do Sul, Índia e China (Mudança Climática)

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

BRIC - Brasil, Rússia, Índia e China

BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul

CDB – Banco de Desenvolvimento da China

CRA – Arranjo Contingente de Reservas

EUA – Estados Unidos da América

FMI – Fundo Monetário Internacional

G20 Agrícola – Grupo de 23 países emergentes (Rodada de Doha)

G20 Financeiro – Grupo dos 20 maiores economias

G4 – Brasil, Índia, Alemanha e Japão (Proposta de Reforma do Conselho de Segurança)

G6 – Grupo das 6 maiores economias

G7 – Grupo dos 7

G77 – Grupo dos 77

G8 – Grupo dos 7 e Rússia

IBAS – Fórum Índia, Brasil e África do Sul

IDE – Investimento Direto Externo

IFI – Instituições Financeiras Internacionais

MNA – Movimento dos Não-Alinhados

MRE – Ministério das Relações Exteriores

NEPAD – Nova Parceria para o Desenvolvimento da África

OCX – Organização da Cooperação de Xangai

ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

OMC – Organização Mundial do Comércio

OMS – Organização Mundial de Saúde

ONU – Organização das Nações Unidas

OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte

PIB – Produto Interno Bruto

PNB – Produto Nacional Bruto

PPC – Poder de Paridade de Compra

SDR – Direitos Especiais de Saque

TIC – Tecnologias de Informação e Comunicação

UNCTAD – Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento

11

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO......................................................................................................... 13

2. CLASSIFICAÇÃO CONCEITUAL DOS PAÍSES BRICS .................................... 15

3. A COALIZÃO BRICS: DEFINIÇÃO E FORMAÇÃO .......................................... 25

3.1. Identificação do BRICS enquanto coalizão ................................................................ 25

3.2. As origens da coalizão ................................................................................................. 28

4. AS AGENDAS TRABALHADAS PELOS BRICS .................................................. 35

4.1. Agenda de segurança ................................................................................................ 36

4.1.1 Ordem do sistema internacional .............................................................................. 36

4.1.2 Terrorismo ............................................................................................................... 37

4.1.3 Reforma da ONU ..................................................................................................... 37

4.1.4 Primavera Árabe ...................................................................................................... 38

4.1.5 Guerra no Afeganistão ............................................................................................ 40

4.1.6 Papel da União Africana ......................................................................................... 41

4.1.7 Reconhecimento da Palestina .................................................................................. 41

4.1.8 Questão nuclear do Irã ............................................................................................ 41

4.1.9 Conflitos africanos (Mali, República Centro-Africana e República Democrática do

Congo)................................................................................................................................. 42

4.2 Agenda econômica .................................................................................................... 43

4.2.1 Papel do G20............................................................................................................ 43

4.2.2 Reforma das Instituições Financeiras Internacionais ............................................. 44

4.2.3 Comércio Internacional e Rodada de Doha ............................................................. 46

4.2.4 Preocupação com os países mais pobres (crise, Objetivos do Milênio, cooperação

para o desenvolvimento) ...................................................................................................... 48

4.2.5 Desenvolvimento Sustentável ................................................................................... 51

4.2.6 Crise econômica e crescimento ................................................................................ 52

4.2.7 Cooperação monetária e CRA ................................................................................. 55

4.2.8 Infraestrutura e industrialização na África ............................................................. 56

4.2.9 Banco de Desenvolvimento dos BRICS ................................................................... 57

4.2.10 Comércio intra-BRICS ............................................................................................ 58

4.3 Outras agendas ......................................................................................................... 59

4.3.1 Energia .................................................................................................................... 59

4.3.2 Assistência humanitária .......................................................................................... 61

12

4.3.3 Diversidade Cultural (Aliança das Civilizações) ...................................................... 61

4.3.4 Internet, Cyberespaço e Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) ........... 62

4.3.5 Saúde Pública e Reforma da OMS .......................................................................... 62

5. ANÁLISE DO PAPEL E DAS DEMANDAS DO BRICS ....................................... 65

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 73

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 75

APÊNDICE A – LISTA DE DECLARAÇÕES DOS BRICS ANALISADAS ................. 79

13

1. INTRODUÇÃO

Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Está é a mais curta resposta à pergunta “O

que é o BRICS?”. Mas, para entender este objeto para além de suas partes, é necessário

entender de onde surgiu a ideia de agrupar justamente estes países, e não outros. Para entender

a importância que adquiriu no cenário político e econômico, é preciso observar a evolução do

processo de cooperação entre eles e analisar os resultados obtidos até então. E para pensar o

papel do BRICS no cenário internacional, é preciso usar da literatura de Relações

Internacionais, com seus conceitos e teorias. Em suma, este é o fim deste trabalho: responder

à pergunta “O que é o BRICS?” para além do básico, com a profundidade compreensiva que

um analista internacional deve ser capaz de oferecer.

Assim, nosso objetivo geral é compreender o processo de articulações entre os BRICS

de modo a identificar os limites e potencialidades do grupo através da análise da estratégia de

soft-balancing usada por tais países conjuntamente. Três objetivos específicos auxiliam a

atingir este objetivo geral: analisar como classificar os países componentes dos BRICS em

relação à posição dos mesmos no sistema internacional, analisar o processo de formação dos

BRICS enquanto agrupamento político e buscar um conceito na literatura que ajude a

compreender este processo e, finalmente, analisar as agendas trabalhadas pelos BRICS e

apresentadas nas declarações conjuntas de reuniões e Cúpulas.

Jim O’Neill, ao criar o termo BRIC em 2001, não cogitava a ideia de ação conjunta de

tais estados, mas somente os colocava juntos por serem potenciais destaques econômicos na

primeira década do século XXI (O'NEILL, 2001). Entretanto, o grupo foi politicamente

formado e cresce tanto em quantidade de reuniões quanto abrangência e profundidade de

temas, não obstante grandes diferenças existentes entre os países envolvidos. Deste contexto

surge a pergunta de partida: por que o BRICS tornou-se um agrupamento político?

A partir da ideia trabalhada por Pape (2005) de que os Estados podem responder à

concentração de poder por vários tipos de power balancing, cogita-se, como hipótese, que

Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, em uma busca por balanceamento sem desafiar

diretamente a preponderância militar dos Estados Unidos (EUA), fazem um balanceamento

brando (soft-balancing), que considera o uso de instrumentos não militares para retardar,

frustrar e prejudicar as políticas unilaterais da superpotência.

Será considerado para este projeto que o ambiente internacional é um sistema

hierárquico (HURRELL, 2006), devido à grande liberdade de ação que a superpotência possui

em relação aos outros Estados, ainda que seja um Estado como os outros. Neste sentido, tal

14

sistema é unipolar, mas vive mudanças importantes, seja pela ascensão de países não-

ocidentais, como os BRICS, seja pela queda relativa de poder dos Estados Unidos,

consequências das crises econômicas e das guerras longas e caras no Oriente Médio

(ZAKARIA, 2008; PIETERSE, 2009).

Assim, o BRICS será visto como uma coalizão que faz parte das estratégias dos países

membros de contrabalancear a liderança estadunidense, seja por esforços por reformas de

instituições características da ordem global vigente, seja pelo reforço de suas relações

políticas e econômicas.

O trabalho se constituirá de pesquisa qualitativa através de análises que buscarão

atingir cada um dos objetivos específicos estipulados. O primeiro capítulo sobre o tema é

marcado pela busca de um conceito que seja adequado para caracterizar os cinco países

BRICS da mesma maneira dentro do sistema internacional contemporâneo. O capítulo

seguinte tem como foco o entendimento do BRICS enquanto grupo, em um primeiro

momento através de uma discussão teórica sobre conceitualização e estratégia e, em um

segundo momento, através do processo histórico do grupo até setembro de 2013, último mês

de busca de dados. O terceiro capítulo de desenvolvimento apresenta a maior parte dos temas

trabalhados pelos BRICS em várias de suas declarações conjuntas, ministeriais e de Cúpula,

nas agendas política e econômica. Por fim, o último capítulo apresenta uma análise de da

atuação do BRICS de maneira ampla, tendo em vista a caracterização dos seus membros e do

tipo de agrupamento, somada às posições compartilhadas em diversas agendas, para atender

ao objetivo de entender quais são as demandas e o papel da coalizão no sistema internacional.

15

2. CLASSIFICAÇÃO CONCEITUAL DOS PAÍSES BRICS

Este capítulo buscará apresentar o estado da arte em relação ao entendimento dos

países componentes do BRICS1 em relação ao respectivo posicionamento dos mesmos no

sistema internacional. O caráter emergente destes países leva incertezas para tal classificação,

já que ainda não é possível definir com precisão o impacto dos mesmos na ordem global

(NOLTE, 2006). Um problema da literatura de Relações Internacionais é a falta de um

conceito claro para definir países como estes, uma vez que não são grandes potências

estabelecidas nem são atores pequenos. Destarte, buscaremos a seguir apresentar algumas das

principais tentativas de se estabelecer um conceito para tais países que se encontram, de

alguma maneira, “no meio” da hierarquia de poder dos Estados.

Keohane (1969) é um dos primeiros trabalhos relevantes desta discussão após a

Segunda Guerra Mundial. Ao discutir Small States (Estados Pequenos2) no sistema

internacional, Keohane busca rejeitar uma definição baseada puramente em critérios objetivos

ou tangíveis, mas também outra baseada em critérios subjetivos, quiçá arbitrários, de

separação em grupos de países com maiores, médias e menores capabilities. Ele, enfim,

sugere um foco no papel sistêmico dos que os líderes dos Estados atuam por seus países.

Desta maneira, seria possível sair da dicotomia “pequeno-grande” para uma divisão em quatro

categorias de países. A primeira (system-determining states) corresponderia ao país (ou países

no caso de um sistema bipolar) que determina o sistema (sendo, portanto, uma Imperial

Power no sistema unipolar ou Great Powers no sistema bipolar). A segunda categoria

(System-influencing states) seria para os países que influenciam o sistema, que não esperam

individualmente dominá-lo, mas que são significantemente aptos a influenciar a natureza do

mesmo através de ações tanto unilaterais quanto multilaterais. A terceira categoria (System-

affecting states) sugerida por Keohane corresponde aos estados que não esperam afetar o

sistema agindo sozinhos, mas que podem ter um impacto significativo no sistema ao trabalhar

em pequenos grupos ou alianças, ou ainda por organizações internacionais regionais ou

1 O termo BRIC foi criado em 2001 e se era um acrônimo que fazia referência aos países cujos respectivos PIB

se tornavam significativamente maiores ao serem corrigidos pelo poder de paridade de compra (O’NEILL,

2001). Eram eles Brasil, Rússia, Índia e China (Indonésia também foi cogitada, mas foi excluída por seu pequeno

tamanho em relação aos demais). Em 2006 a sigla ganha caráter político com o início de uma série de reuniões

ministeriais e em 2009 se torna um verdadeiro agrupamento político com cúpulas anuais de líderes de Estado.

Em 2011 a África do Sul é convidada, por iniciativa chinesa, a fazer parte do grupo, modificando assim o nome do grupo para BRICS. 2 A pesquisa na literatura em inglês, português e espanhol levou ao entendimento que os termos, ao serem

traduzidos, nem sempre possuem o mesmo conceito. Desta maneira, deixaremos os conceitos de definição dos

Estados sempre na língua original para evitar possíveis confusões.

16

universais. Por fim, a última categoria (System-ineffectual states) corresponderia aos países

que, tendo tão pouca influência nas forças sistêmicas, só conseguiriam algum impacto ao agir

em grupos muito grandes. Keohane nomeia então estas categorias de países como potências

“great” (grandes), “secondary” (secundários), “middle” (médios) e “small” (pequenas).

Dado o nosso foco em um grupo intermediário de países que estão atuando de maneira

conjunta (pela coalizão BRICS), destaca-se a definição de Keohane, na qual

“um middle power é um estado cujos líderes consideram que não podem agir

sozinhos de maneira efetiva, mas podem ter um impacto sistêmico significativo em

pequenos grupos ou através de uma instituição internacional” (KEOHANE, 1969, p.

296, tradução nossa)3.

Keohane escreveu em um contexto de Guerra Fria, onde era clara a bipolaridade do

sistema. Um sistema unipolar sem uma potência imperial (como fora a Inglaterra) era uma

novidade, o que leva a novas perspectivas para se pensar o sistema internacional. Entre estas,

destacam-se Buzan e Wæver (2003) que propõem um entendimento da polaridade Pós-guerra

Fria baseado em um esquema formado por “super power” e “great power” no nível sistêmico

e “regional powers” no nível regional. No contexto atual, para os autores a Superpotência

seriam os Estados Unidos, seguida por quatro grandes potências

(Inglaterra/França/Alemanha-União Europeia, Japão, China e Rússia). Os autores destacam a

possibilidade de a Índia ser considerada uma grande potência, mas faltariam suficientes

capabilities, reconhecimento formal e presença nos cálculos para qualificação dos outros

atores. Após estes atores de nível sistêmico, Buzan e Wæver apresentam as potências

regionais, que são aquelas que definem a polaridade do respectivo complexo de segurança

regional4. Neste sentido, teríamos complexos de segurança regionais unipolares (Sul da

África), bipolares (Sul da Ásia) e multipolares (Oriente Médio, América do Sul e Sudeste

Asiático). Estas potências regionais possuem capabilities relevantes a nível regional, mas não

a nível global.

Nolte (2006) apresenta algumas tentativas de conceituação destes países, focando-se,

como Buzan e Wæver (2003), na dimensão regional. O primeiro conceito que sobressai no

seu trabalho é o trabalhado pelo National Council of Intelligence (NIC apud NOLTE, 2006)

de rising power (potência emergente), que teria como critérios determinantes para

3 A middle power is a state whose leaders consider that it cannot act alone effectively but may be able to have a systemic impact in a small group or through an international institution. 4O complexo de segurança regional é um conjunto de unidades cujos processos de securitização,

dessecuritização ou ambos estão tão interligados que seus problemas de segurança não podem ser razoavelmente

analisados ou resolvidos separadamente (BUZAN; WÆVER, 2003, p. 491).

17

classificação a) Crescimento econômico; b) Número de habitantes; c) Acesso a tecnologias

avançadas e d) Recursos militares (NOLTE, 2006, p. 7). Desta maneira Nolte considera como

potências emergentes China, Índia, Brasil, Indonésia, Rússia e África do Sul5.

Outro conceito apresentado por Nolte (2006) é o elaborado por Chase, Hill e Kennedy,

de Pivotal State (Estado Pivô), que se refere ao “país-chave cujo futuro pode não somente

determinar o sucesso ou fracasso da sua região, mas também afetar significativamente a

estabilidade internacional” (CHASE; HILL; KENNEDY apud NOLTE, 2006, p. 7, tradução

nossa)6. São países que possuíam grande relevância para a política externa dos Estados

Unidos, ao lado de grandes potências, clientes especiais (Como Israel, Arábia Saudita, Kuwait

e Coreia do Sul) e estados párias (como Coreia do Norte, Iraque, Irã, Líbia e Cuba). Para os

autores, enquanto Rússia e China configuram-se como grandes potências, Índia, África do Sul

e Brasil seriam Pivotal States. Entretanto, Nolte destaca que, da perspectiva dos Estados

Unidos, o conceito para estes países foi substituído pelo conceito de rising powers.

Nolte prossegue sua exposição dizendo que, apesar de existir um relativo consenso em

relação ao papel dos Estados Unidos como única superpotência sobrevivente, o mesmo não

ocorre em relação aos outros países e à estruturação da hierarquia internacional de poder,

assim como também não há consenso para terminologia dos atores, havendo na literatura

várias sugestões: secondary powers, second-Tier states, great powers, intermediate states,

middle powers, middle-tier states, regional (great) powers (NOLTE, 2006, p. 10). O autor,

porém, busca se limitar a três conceitos principais para tentar explicar esses atores, de algum

modo, intermediários: middle power, regional power, regional middle power. Ele elogia a

Enciclopédia Wikipédia que, na sua versão inglesa, conceitua middle power e regional power

e apresenta a confusão entre os termos. A Wikipédia coloca que

Middle power é o termo no campo das Relações Internacionais para descrever os

Estados que não são superpotências ou grandes potências, mas que de algum modo

possuem alguma influência internacionalmente. (...) Alguns middle powers podem

ser considerados potências regionais e vice versa; Por isso os dois termos são,

algumas vezes, usados de maneira intercambiável, embora suas definições não sejam

necessariamente as mesmas. (...) Middle powers são caracterizados por fidelidade a

grupos, mas não a liderança dos mesmos. (...) Middle powers são constantemente os

Estados mais comprometidos com o multilateralismo. (...) Uma potência regional é

um termo usado no campo das Relações Internacionais para descrever o Estado com poder e influência que é de alguma maneira limitado para sua região no mundo.

5 A presença da Indonésia é interessante na medida em que também O’Neill (2001) quase a considerou parte dos BRIC e é um país constantemente cogitado como um potencial membro da coalizão BRICS, o que seria

interessante na medida em que poderia ser o representante do mundo islâmico na coalizão. 6 A key country whose future may not only determine the success or failure of its region but also siginificantly

affect international stabilility.

18

Uma potência regional é similar às grandes potências, mas em escala regional e não

em escala global. Muitas potências regionais podem ser consideradas middle powers

e vice versa. (...) Não há clara delineação entre uma “potência regional” e uma

“grande potência”. Diferentes teóricos discordarão quanto ao fato de alguns Estados

poderem ser classificados como potências regionais ou grandes. Também, alguns

Estados que são considerados potências regionais são, potencialmente, futuras

grandes potências. (WIKIPEDIA apud NOLTE, 2006, p. 14, tradução nossa)7

Esta definição é bem próxima daquela de Keohane (1969), apesar deste não destacar a

dimensão regional na qual um middle power pode exercer seu poder.

Nolte (2006) apresenta o conceito de Osterud de regional great power, que poderia ser

traduzido como grande potência regional, que se define por:

a) ser parte de uma região geográfica bem delimitada;

b) ter a capacidade de enfrentar a qualquer coalizão de Estados na região;

c) ter grande influência em assuntos de relevância regional;

d) exercer um papel importante não somente no âmbito regional mas também no

âmbito global, diferentemente de um middle power.

Este último aspecto, porém, para Nolte, diminuiria de maneira considerável o número

de potências regionais, além de gerar problemas de definição, dado que, como visto, um

middle power é definido como tal por outros critérios (NOLTE, 2006, p. 13-14). De fato,

vários países figuram como candidatos a ambas as definições, como Índia, Brasil e África do

Sul (COOPER; VAN DER WESTHUIZEN; HURRELL; SCHOEMAN apud NOLTE, 2006).

Outra diferença conceitual feita por Nolte é entre, de um lado, traditional middle

powers e, de outro, emerging regional powers e emerging middle powers. Por potências

médias tradicionais Nolte sugere Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Países Baixos e países

escandinavos e como potências emergentes regionais e/ou médias África do Sul, Índia e

Brasil (SCHOEMAN apud NOLTE, 2006, p. 14). Para a distinção emergente/tradicional,

Nolte coloca que

7 Middle power is a term in the field of international relations to describe states that are not superpowers or great

powers, but still have some influence internationally. … Some middle powers can be regarded as regional

powers and vice versa; hence, the two terms are sometimes used interchangeably, though their definitions are not

strictly the same. … Middle powers are characterized by allegiance to groups, but not leadership of them. …

Middle powers are often the states most committed to multilateralism.” “A regional power is a term used in the

field of international relations to describe a state with power and influence that is to some extent limited to its

region of the world. A regional power is similar to a great power, but on a regional rather than a global scale. Many regional powers can be regarded as middle powers and vice versa … There is no clear delineation between

a ‘regional power’ and a ‘great power’. Different theorists will disagree as to whether some states should be

classified as regional or great powers. Also, some states that are regarded as regional powers are potentially

future great powers.

19

Enquanto as potências médias tradicionais se definem principalmente pelo papel

executado na política internacional, as novas potências médias são em primeiro lugar potências regionais e também potências médias no âmbito global (NOLTE,

2006, p. 14, tradução nossa)8.

Já para evidenciar a dimensão regional, Nolte enumera como requisitos de uma

potência regional apontados por Schoeman:

a) dinâmica institucional interna dos Estados correspondentes que permite executar

papel destacado e estabilizador na região;

b) vontade de exercer este papel e contar com recursos necessários para uma política

d estabilização, para garantir a paz e, em caso extremo, impor a paz na região e;

c) aceitação por parte dos outros Estados da região do papel preponderante da

potência regional em todos os temas que afetam a segurança regional

(SCHOEMAN apud NOLTE, 2006, p. 16).

O construtivismo pode dar uma útil contribuição neste debate, como destaca Hurrell

citado por Nolte (2006, p. 16). Hurrell escreve que o status de grande potência não é algo

somente oriundo de grandes quantidades de recursos materiais, mas é uma categoria social

cuja participação no clube de grandes potências depende do reconhecimento por outros – seja

pelos pares no clube, seja por Estados menores e mais fracos que aceitam a legitimidade e

autoridade daqueles que estão no topo da hierarquia internacional – e Nolte conclui que a

mesma lógica vale para potências médias e para potências regionais. Nolte, enfim, conclui

que a definição de uma potência regional vai depender de uma lista de requerimentos,

oriundos das contribuições destes diversos autores: base regional, poder de exclusão, vontade

e percepção do papel, recursos, inserção, atividades e resultados, estruturar a governança

regional, existência de um complexo de segurança regional, aceitação, representação e

definição de interesses regionais (NOLTE, 2006, p.18).

Ao discutir as estratégias destes atores, Nolte apresenta mais um conceito, o de

Second-tier major power, de Paul (PAUL apud NOLTE, 2006, p. 22). Para Paul, a política

tradicional recorria principalmente a recursos militares, mas com o período de domínio dos

Estados Unidos, os second-tier major powers (algo como Grandes potências de segundo

8Mientras las potencias medianas tradicionales se definieron principalmente por su papel en la política

internacional, las nuevas potencias medianas son en primer lugar potencias regionales y además potencias

medianas en el ámbito global.

20

escalão) recorrem ao soft balancing, o que inclui coalizões diplomáticas limitadas (no tempo e

nas matérias) e processos de sintonização nas organizações internacionais para contrapor e

restringir a influência dos Estados Unidos, para ampliar a própria influência e para garantir a

própria segurança. Seriam exemplos China, França, Alemanha, Índia e Rússia, assim como

provavelmente podem ser também outras potências regionais emergentes ou tradicionais,

como Brasil e África do Sul.

A tese de doutorado de Huelsz, ao discutir a aplicação de teorias de middle powers

para estes novos atores (em oposição aos atores tradicionais), busca sintetizar a definição de

emerging power em cinco hipóteses. A primeira é que potências emergentes possuem uma

forte identidade internacional, baseada em uma clara visão da ordem mundial e em um

entendimento da posição atual e potencial do país nesta ordem. A segunda é que potências

emergentes são aqueles países que estão tradicionalmente situados em diferentes contextos

estruturais em relação às economias industrializadas, mas cujas capabilities materiais foram

desenvolvidas de modo a viabilizar um grau de influência na economia global. A terceira

hipótese é que o comportamento das potências emergentes tende a ser influenciado por uma

agenda global diferente daquela das potências médias tradicionais, o que significa que

potências emergentes não necessariamente enfatizam o envolvimento em questões que

requerem um senso de responsabilidade infundido moral ou eticamente pela comunidade

internacional. A quarta hipótese é que potências emergentes são aqueles estados cujas

estratégias possuem um caráter reformista. Por fim, Huelsz escreve que potências emergentes

são também potências regionais (HUELSZ, 2009, p. 67-70). Estas características nos levam a

concluir que Brasil, Índia, China e África do Sul são potências emergentes. Entretanto,

MacFarlane (2006) questiona a classificação de Rússia como potências emergente. Segundo

ele, a Rússia não é uma potência emergente no sentido convencional do termo, dado que sua

política externa busca reverter o declínio dos anos 1980 e 1990 quando era uma grande

potência e restaurar a influência sobre os antigos territórios soviéticos. Diferentemente dos

outros países, a Rússia não está num caminho de ascensão, mas de recuperação após uma

queda de status. Como escreve o próprio MacFarlane, a Rússia é um Estado que recentemente

foi ferido de maneira grave e ainda tenta parar de sangrar. Assim, a exclusão da Rússia do

conceito de emerging power impede o uso deste conceito para descrevermos os países

membros dos BRICS.

A última proposição que consideraremos é aquela de Hurrell (2006). Ele introduz a

edição 82 da revista International Affairs, voltada para entender os BRIC (África do Sul ainda

não fazia parte do grupo). Ao contrário dos autores anteriores, em que buscavam conceitos

21

para explicar o ordenamento internacional, aqui Hurrell se foca especificamente nos países

BRIC para entender o papel deles no sistema internacional. De maneira semelhante aos outros

autores, temos um sistema unipolar (ou ainda unipolar) dominado pelos Estados Unidos. Os

BRIC, segundo o autor, mereceriam uma atenção particular por quatro razões. Primeiro

porque todos parecem dispor de recursos de poder militar, político e econômico e alguma

capacidade de contribuir para a gestão da ordem internacional em termos regionais e globais,

além de algum grau de coesão interna e capacidade de ação estatal efetiva. Segundo porque

todos esses países compartilham uma crença no direito a um papel mais influente em assuntos

mundiais. Terceiro porque estudar os quatro países em conjunto deriva do desenvolvimento

das relações entre eles. Podemos citar para ilustração a Organização da Cooperação de Xangai

(OCX), o G20 na Organização Mundial do Comércio (OMC), o G20 financeiro, o Fórum

IBAS, dentre outros. Finalmente porque estes países possuem algo que os distingue de outros

países de segunda ordem e potências médias. Hurrell, para este último item, explica que estes

(Brasil, Rússia, Índia e China) são países que se encontraram à margem da formação política

liberal tecida pelos Estados Unidos no pós-Segunda Guerra, ao contrário de países como

Japão, Coreia do Sul, Canadá, Austrália e os principais países europeus. Não bastasse a

exclusão, Hurrell aponta ainda que os países que formam os BRIC ainda desafiavam o

Ocidente liberal com concepções próprias, como o revolucionismo soviético e chinês, o

revisionismo terceiro-mundista extremado da Índia pós-1948 e o revisionismo terceiro-

mundista moderado brasileiro entre o início da década de 1970 e o final da década de 1980

(HURRELL, 2006). Neste sentido, Hurrell faz uma distinção entre os países BRIC e as

potências médias liberais: para ele, as últimas possuem políticas externas que se voltam para a

promoção e exploração de mudanças no sistema internacional em temas como direitos

humanos, democracia, autodeterminação, limites do uso da força, sustentabilidade ambiental e

maior efetividade das normas internacionais envolvendo enforcement coletivo, ou seja,

agendas secundárias para as grandes potências. Já os BRIC, como veremos, possuem um

discurso de reforma do ordenamento internacional para um sistema multipolar, buscam maior

voz nos principais fóruns políticos e econômicos e evitam discutir temas secundários

sensíveis a seus membros, como direitos humanos, autodeterminação e promoção da

democracia.

Não obstante as diferenças substanciais entre os países BRIC destacadas pelo próprio

Hurrell (como poder e importância geopolítica, peso econômico e grau de integração à

economia global, trajetórias culturais e históricas e sistemas políticos domésticos), ele

enquadra estes países no conceito de would-be great powers, que apesar de ter sido traduzido

22

para o português como “potências emergentes”, talvez seja entendido melhor no sentido de

aspirantes a grande potência. Esta nova proposição de tradução é relevante dado que ressalta a

implicação que a emergência destes países gera no ordenamento internacional, da

unipolaridade dos anos 1990 para um provável cenário de multipolaridade, com várias

grandes potências.

Sempre no mesmo trabalho, Hurrell apresenta a perspectiva liberal institucionalista, na

qual “globalização e redes cada vez mais densas de trocas e comunicação transnacional geram

crescente demanda por instituições internacionais e novas formas de governança”

(HURRELL, 2006, p. 6, tradução de Dani Kaufmann Nedal). Neste sentido, para Hurrell o

BRICS pode ser visto como um fórum de trocas através do qual os atores envolvidos buscam

uma visão liberal de bandwagoning ao invés de um balanceamento tradicional em termos de

hard power9. Ou seja, apesar de possuir um discurso sobre superação da ordem unipolar, na

qual os Estados Unidos são hegemônicos, os BRICS não resistem à ordem liberal, mas se

inserem na mesma através de reformas que aumentam o poder relativo de seus membros10

.

Hurrell, neste sentido, destaca três dimensões pelas quais podem ser analisados estes países: a

dimensão regional, que pode tanto evidenciar a preponderância de um país quanto pode expor

uma fraqueza; as instituições internacionais, que são espaços de poder e negociação,

importantes para potências secundárias e médias como lembrou Keohane (1969); e finalmente

as relações com os Estados Unidos. No último caso, Hurrell apresenta duas possibilidades de

práticas pelos países dos BRIC: bandwagoning e soft balancing. Em ambos os casos, porém,

é evidente o fato que tais países buscam evitar um conflito, ou gerar inimizades, com os

Estados Unidos. Entretanto, enquanto no bandwagoning os países buscam se aliar ao Estado

mais forte, no soft balancing há uma tentativa sutil de restringir o poder das grandes potências

estabelecidas por meios não militares.

É justamente esta questão deixada por Hurrell que guiará este trabalho: buscaremos

entender qual é a estratégia usada pelos países BRICS para atingirem seus objetivos sempre

repetidos nas declarações conjuntas (ordem global multipolar, instituições com maior

representatividade, dentre outros). Hurrell cita como middle power Canadá e Austrália e usa

mais constantemente o termo emerging power para designar países como Brasil, Índia e

China. O termo would-be great power, no título, não é usado ao longo do texto, de modo que

9 Segundo nota da tradução para o português do artigo de Hurrell (2006), “Bandwagoning é um termo utilizado para indicar o ato de se aliar ao país ou coalizão mais forte, comportamento oposto ao balanceamento; isto é, ao

ato de unir forças contra os mais poderosos”. 10 Exemplo seria a demanda por reformas nos pesos dos votos no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no

Banco Mundial.

23

acaba por servir mais como uma provocação inicial, propondo uma direção para a qual os

emerging powers estão caminhando. Destarte, usaremos neste trabalho a tradução “potências

emergentes” para designar os BRICS, países estes que estão se destacando pelo crescente

impacto no sistema internacional nos últimos anos, especialmente através de formação de

coalizões e atuação multilateral em instituições internacionais.

Uma vez apresentadas algumas das principais tentativas de classificação dos Estados e

ordenamentos do sistema, temos a seguinte tabela que sintetiza como cada autor vê os países

BRICS:

Quadro 1 – Classificação conceitual dos países dos BRICS

Autor Conceito(s)

intermediário(s) Classificação dos países dos BRICS

Keohane, 1969

Secondary power

Middle power

União Soviética como great power, China

comunista e talvez Índia como secondary

power, Brasil como middle power, África

do Sul provavelmente como small power.

Buzan e

Wæver, 2003

Regional power Rússia e China como great power, Brasil,

África do Sul e Índia como regional

power.

NIC, citado por

Nolte, 2006

Rising power Brasil, Rússia, Índia, China e África do

Sul como rising powers.

Chase, Hill e

Kennedy, citado

por Nolte, 2006

Pivotal state China e Rússia como Grandes potências.

Brasil, Índia e África do Sul como pivotal

states.

Wikipédia,

citado por

Nolte, 2006

Middle power

Regional power

Brasil, Rússia, Índia, China e África do

Sul tanto como middle power quanto como

regional power.

Osterud citado

por Nolte, 2006

Regional great power Não especificado. Provavelmente China e

Rússia.

Nolte, 2006

Potencia regional (em

espanhol)

Índia, Brasil e África do Sul como

regional middle power. China e Rússia

não especificados.

Schoeman,

2003, citado por

Nolte, 2006

Emerging regional power

Emerging middle power

Traditional middle power

Índia, Brasil e África do Sul como

Potências regional e média emergentes.

24

Autor Conceito(s)

intermediário(s) Classificação dos países dos BRICS

Paul, 2005 ,

citado por

Nolte, 2006

Second-tier major powers China, Índia e Rússia como second-tier

major powers, talvez também Brasil e

África do Sul.

Huelsz, 2009

Emerging power Brasil, Índia, China e África do Sul como

potências emergentes. Rússia é alvo de

discussão (MACFARLANE, 2006).

Hurrell (2006)

Would-be great power Brasil, Rússia, Índia e China como would-

be great power. África do Sul ainda não

fazia parte da sigla.

Fonte: Elaboração do autor

25

3. A COALIZÃO BRICS: DEFINIÇÃO E FORMAÇÃO

Após o primeiro capítulo, no qual analisamos como conceituar os países componentes

do BRICS enquanto atores do sistema internacional, analisaremos agora o BRICS enquanto

arranjo cooperativo entre potências emergentes.

3.1. Identificação do BRICS enquanto coalizão

Como visto anteriormente, as potências emergentes não são fortes o suficiente para

tomarem decisões de grande impacto a nível internacional, nem fracas a ponto de podermos

desconsiderar o impacto das decisões tomadas. Portanto a atuação conjunta destes países é

relevante na medida em que potencializa a influência de tais países sobre o sistema

internacional. Neste sentido temos, como apresenta Flemes (2010), uma série de arranjos

cooperativos ou coalizões entre países emergentes no contexto atual, como o IBAS, OCX,

BASIC, G20 agrícola e, claro, o BRICS. Estes grupos se diferenciam de casos como o G77 e

o Movimento dos Não-Alinhados (MNA), já que o contexto, a forma e a quantidade de

membros nestes grupos diferem dos exemplos atuais. Tanto no G77 quando no Movimento

dos Não-Alinhados, se tratava de países fracos e economicamente pobres, em um sistema

bipolar, que buscavam ganhar importância pela quantidade de membros ao recusar tanto o

bloco dos Estados Unidos quanto o da União Soviética. No caso do BRICS, temos menos

países, que estão entre as maiores economias globais, mas que não são potências econômicas

estabilizadas como os países do G7.

Dado que potências emergentes se arranjam em grupos para cooperar e se reforçar no

ambiente internacional, se faz necessário entender, na literatura de Relações Internacionais,

qual conceito é mais adequado para o caso dos BRICS. Nota-se que nem mesmo entre os

membros há um consenso: enquanto o site do Ministério das Relações Exteriores do Brasil

trata o BRICS como “agrupamento político” e “mecanismo de integração”, o equivalente

indiano usa o conceito de “instituição”, o chinês “mecanismo” e “grupo”, o russo “Estados

BRICS” e “países BRICS” e o sul-africano chama o BRICS de “agrupamento” 11

. Entretanto,

é claro que todas estas alternativas podem ser consideradas arranjos cooperativos.

11 Os termos listados são traduções livres das páginas em inglês de todos os ministérios, exceto no caso

brasileiro, no qual a página consultado estava em português. Em todos os casos, os termos foram facilmente

encontrados após uma pesquisa por páginas com o termo “BRICS” no sistema de busca de cada página.

26

Para entender melhor a possibilidade de cooperação entre os países, é importante

considerar o que foi desenvolvido por Keohane (1984), que explica a cooperação pelo

surgimento de instituições que permitam superar o Dilema do Prisioneiro. Na lógica do

Dilema do Prisioneiro, atores racionais possuem baixa propensão à cooperação por causa da

impossibilidade de trocas de informações que poderiam viabilizar uma estratégia conjunta que

gere um resultado positivo para ambos. Além disso, no Dilema os atores não têm a

possibilidade de se assegurarem que o outro fará a escolha combinada, fato este que corrobora

para a importância do desenvolvimento de mecanismos de enforcement. Desta maneira,

Keohane identifica a necessidade dos atores em criar instituições que viabilizem a

cooperação.

De acordo com a literatura, instituições não são somente arranjos cooperativos ou

agrupamentos de atores. Instituições são um conjunto de regras que orientam o

comportamento dos atores que compõem este grupo, constrangendo-os a tomar decisões que

sejam benéficas a todos os outros membros e que aumentem o nível de segurança no sistema

internacional, além de aumentar o fluxo de informações e reduzir os custos de transação entre

eles, de maneira formal ou informal (KEOHANE, 1988). De acordo com Keohane (1984), “a

cooperação ocorre quando os atores ajustam seus comportamentos para as preferências atuais

ou antecipadas dos outros, através de um processo de coordenação política”12

.

Entretanto, ainda que o BRICS funcione como um fórum de cooperação multilateral,

não é possível categorizá-lo enquanto instituição, uma vez que remete ao conceito

desenvolvido por Keohane (1984), que entende como instituição internacional um conjunto de

regras, explícitas ou implícitas que prescreve papéis comportamentais, inibe atividades e

molda expectativas. O BRICS não se encaixa nesta ideia, dado que não possui documento

constitutivo, não funciona com um secretariado fixo nem tem fundos destinados a financiar

qualquer uma de suas atividades13

. No limite, como se encontra no próprio site do Ministério

das Relações Exteriores (MRE) brasileiro, “o que sustenta o mecanismo é a vontade política

de seus membros”14

.

Como alternativa, (LIMA, 2010) apresenta o conceito de coalizão, que “implica na

articulação de posições comuns em arenas de negociação no plano global ou regional”.

12Cooperation occurs when actors adjust their behavior to the actual or anticipated preferences of others, through

a process of policy coordination. 13 Em relação ao fundo, veremos no capítulo 3 que está em discussão a criação de um fundo chamado “Arranjo Contingente de Reservas, destinado a ajudar os países BRICS a evitar pressões de liquidez no curto prazo,

fornecer apoio mútuo e reforçar a estabilidade financeira. 14 Fonte: http://www.itamaraty.gov.br/temas/mecanismos-inter-regionais/agrupamento-brics. Acesso em 9 jun.

2011

27

Especificamente no caso de coalizões entre potências emergentes, Lima (2010) destaca que as

mesmas tendem a ter geometria variável, de acordo com o tema e regime internacional em

questão. Oliveira, Onuki e Oliveira (2009) destacam duas características deste tipo de

coalizão: a primeira é a heterogeneidade entre os membros e a segunda é a baixa

interdependência econômica. Para a segunda característica, porém, Lima (2010) faz uma

exceção: a relação de todos os países em questão com a China. Não obstante, ela escreve que

estas duas características principais geram duas consequências: a primeira é que fatores

políticos se tornam mais relevantes na explicação da formação da coalizão e a própria

heterogeneidade, que num primeiro momento pode ser visto como algo que dificulta a

cooperação, cria incentivos para que países com maiores capacidades relativas desenvolvam

um papel de empreendedores políticos na coordenação da ação coletiva, de acordo com a

lógica Olsoniana da superação de problemas da ação coletiva em contextos de diferentes

interesses. Olson (1965) escreve que a motivação da ação coletiva poderia ser baseada no

cálculo utilitário de custo e benefício, no qual a propensão do agente em cooperar pela ação

coletiva pressupõe a percepção de que haverá um ganho líquido marginal derivado da ação.

Neste sentido, Oliveira, Onuki e Oliveira (2009) destacam duas dimensões chave: o tamanho

do grupo e a distinção entre benefícios coletivos e benefícios seletivos (ou privados). Em

relação ao tamanho, Olson defende uma relação inversamente proporcional entre a propensão

a cooperar através do grupo e o tamanho do grupo. O BRICS, assim, por ser um grupo

pequeno, pode ser entendido como uma coalizão na qual os países possuem forte propensão a

cooperar. Assim, o risco do free rider é reduzido, dado que a possibilidade deste

comportamento surgir é maior em grupos com muitos atores.

Dada esta discussão teórica, podemos buscar entender de que maneira o BRICS é uma

coalizão. Segundo nossa hipótese fundamentada na literatura (FLEMES, 2010; LIMA, 2010;

HURRELL, 2006), a escolha estratégica dos BRICS vai ser promover o soft-balancing,

Flemes (2010) identifica como elemento em comum entre os países trabalhados a demanda

por uma reforma multilateral por meio de soft balancing em detrimento das grandes potências

estabelecidas. Neste contexto, temos como principal potência os Estados Unidos, que nos

últimos anos vive um processo de enfraquecendo enquanto hegêmona (ZAKARIA, 2008;

PIETERSE, 2009). Ilustra esta estratégia a entrevista do ex-presidente Lula para a Reuters à

época da Cúpula de Ecaterimburgo em 2009, na qual afirmou que os países BRIC deveriam

trabalhar para “mudar a geografia política e comercial do mundo” (FLEMES, 2010). Observa-

se neste contexto que os BRICS não buscam provocar um colapso violento da atual ordem

internacional, mesmo porque, segundo Flemes (2010), não haveria recursos suficientes e

28

interesse de enfrentar militarmente a potência hegemônica. Mas eles buscam seus objetivos

através de instituições internacionais, limitando as tentativas estadunidenses “de promover

novas normas sobre o uso da força, incluindo a guerra preventiva, a soberania condicional, ou

o direito de usar a força para promover mudança de regime” (HURRELL, 2006).

Em relação à estratégia de soft balancing, Pape (2005), citado por Flemes (2010),

afirma ela não desafia de modo direto a preponderância militar dos EUA, mas sim utiliza de

instrumentos não militares para retardar, frustrar e prejudicar as políticas unilaterais do

hegêmona. Pape afirma também que o soft balancing envolve estratégias institucionais como

coalizões ou ententes diplomáticas, como, além do BRICS, o IBAS e o G20.

Paul (2005), também citado por Flemes (2010), enumera três pré-condições para o

comportamento soft balancing:

a) a posição da potência hegemônica e o comportamento militar são de crescente

preocupação, mas ainda não representam uma séria ameaça à soberania dos

poderes secundários;

b) o Estado dominante é uma importante fonte de bens públicos nas áreas de

economia e segurança, que não podem ser simplesmente substituídas;

c) o Estado dominante não pode simplesmente retaliar, porque os esforços de

equilíbrio dos outros não são evidentes ou porque não desafiam diretamente a sua

posição de poder por meios militares.

Hurrell (2006), ao trabalhar a questão da busca por ser grandes potências, destaca que

não é somente uma questão de poder material bruto que é relevante, mas também noções de

legitimidade e autoridade, dependentes do reconhecimento de outros países. Essa

consideração vai ser útil futuramente, quando se observará esta busca por legitimidade através

das declarações conjuntas dos BRICS.

Após termos enquadrado teoricamente o grupo BRICS enquanto coalizão de potências

emergentes que agem pela estratégia do soft balancing, buscaremos a seguir apresentar um

breve histórico que permita entender o surgimento do grupo e sua estrutura.

3.2. As origens da coalizão

O termo BRIC surgiu pela primeira vez em 2001, através do proposto pelo economista

Jim O’Neill, da Goldman Sachs. No seu artigo, O’Neill defendeu a ideia de que, nos dez anos

29

seguintes, o peso relativo das economias dos BRIC, e em particular da China, no PIB mundial

aumentaria consideravelmente, sendo que já em 2001 o PIB conjunto dos mesmos, corrigido

pelo Poder de Paridade de Compra (PPC), representava 23,3% do PIB global (O’NEILL,

2001). O’Neill destacou que o uso do PPC para corrigir o PIB das maiores economias

revelava distorções que prejudicavam os países que estavam crescendo. Ele observou que o

PIB dos países do G7, ao ser corrigido pelo PPC, não mudava muito. A exceção era o Japão,

cujo PIB corrigido pelo PPC era menor do que o PIB corrente. Por outro lado, Brasil, Rússia,

Índia e China possuíam um PIB corrigido pelo PPC muito maior do que o PIB até então

usado, fato este que os colocava entre as maiores economias globais. Também a Indonésia

teve o PIB corrigido pelo PPC maior que o PIB não corrigido, mas O’Neill escolheu excluí-la

do acrônimo por ser uma economia pequena em comparação aos outros quatro países.

Portanto, quando O’Neill criou o termo BRIC, não o fez por uma razão política, mas sim para

criar um conjunto de países cujo PIB corrente era muito menor do que o PIB corrigido pelo

Poder de Paridade de Compra e, portanto, subestimado por economistas e analistas

(O’NEILL, 2001). Em suma, para O’Neill, os BRIC são aqueles países entre as 20 maiores

economias globais que apresentam um PIB corrigido pelo PPC muito maior do que o PIB

trabalhado pelos economistas até então. E, por isso, ele destacava que estes países mereciam

uma atenção particular, uma vez que as prospecções indicavam um ritmo de forte crescimento

econômico. Neste sentido, O’Neill sugeriu que os fóruns de ação política mundiais (em

particular o G7) deveriam se reorganizar para incorporar os representantes do BRIC.

Em 2003, outro artigo da Goldman Sachs reforça a importância dos BRIC. Wilson e

Purushothaman (2003) afirmavam que, nos próximos 50 anos, as economias dos países BRIC

poderiam estar entre as maiores na economia global. Seus estudos prospectivos indicavam que

em menos de 40 anos, as economias dos quatro países dos BRIC conjuntamente poderiam ser

maiores que as economias das então seis maiores potências (Estados Unidos, Japão,

Alemanha, Reino Unido, França e Itália, chamados de G6 pelos autores). As prospecções de

Wilson e Purushothaman indicavam também que, até 2050, somente Estados Unidos e Japão

permaneceriam entre as seis maiores economias, sendo que a Rússia (menor economia dos

BRIC) superaria a Itália em 2017, a França em 2020 e a Alemanha em 2030. Entretanto, o

estudo também indica que as populações brasileira, chinesa e indiana continuariam mais

pobres do que as populações do G6 de 2003, sendo que somente a Rússia conseguiria atingir o

mesmo nível. Eles destacaram, assim, que as maiores economias não seriam, necessariamente,

as de populações mais ricas.

30

Em 2006, a partir de uma iniciativa da diplomacia russa na Assembleia Geral da

Organização das Nações Unidas (ONU), um encontro entre os chanceleres desses países

ocorreu de modo marginal ao evento principal (SEATON, 2012). Esta reunião é considerada

como o primeiro evento público político entre tais países, que passavam a demonstrar

interesse em dar um sentido político à sigla. Nos anos seguintes as reuniões se repetiram, além

de outras que surgiram a partir dela, como encontros de ministros de diversas áreas (como

Saúde e Finanças), encontros de empresários, seminários de think tanks, encontro entre

cidades e, o evento mais importante, as Cúpulas anuais entre os líderes dos países. Seaton

(2012) lembra que O’Neill criou o acrônimo BRIC, mas é a diplomacia russa do então

presidente Vladimir Putin, junto com o Ministro das Relações Exteriores Sergei Lavrov, que

cria o primeiro encontro em 2006. Seaton defende que esta jogada geopolítica e geoestratégia

russa indiretamente criou a aliança econômica com mais potencial para o futuro.

A primeira Cúpula dos BRIC, ocorrida em 2009 em Ecaterimburgo, na Rússia, marcou

a fundação oficial do BRIC enquanto agrupamento político. Foi estabelecida a presidência

rotativa, de modo que a cada ano a Cúpula ocorresse em um dos países. Assim, o Brasil

sediou a Cúpula de 2010 e a China a Cúpula de 2011. Nesta última, a África do Sul foi

convidada oficialmente a fazer parte da coalizão, acrescentando um S maiúsculo ao final do

nome (BRICS), em referência ao nome inglês do país africano (South Africa). Em 2012 os

cinco países tiveram sua Cúpula na Índia e em 2013 o primeiro ciclo foi encerrado na África

do Sul. O próximo ciclo de Cúpulas já foi definido, de modo que o Brasil sediará a sexta

Cúpula em 2014 e as subsequentes serão de acordo com a ordem da sigla (Rússia em 2015,

Índia em 2016, China em 2017 e África do Sul em 2018). A rotina de realizar cúpulas anuais

entre os líderes dos países é algo que merece atenção, uma vez que revela a importância que

os países dão à coalizão.

Através das declarações conjuntas dos BRICS é possível traçar alguns valores

compartilhados entre os cinco países, o que pode colaborar para identificar a direção da

cooperação entre eles. O quadro a seguir faz uma síntese dos principais valores encontrados

nas declarações:

31

Quadro 2 – Valores dos BRICS

Declaração Principais valores

Reunião de

Ministros das

Relações

Exteriores 2008

Sistema internacional fundado sob o estado de direito e a

diplomacia multilateral;

Segurança e estabilidade internacionais;

Iguais oportunidades de desenvolvimento para todos os países;

Resolução pacífica de disputas no âmbito das relações

internacionais;

Desarmamento e não proliferação devem se reforçar mutuamente;

Evitar corrida armamentista no espaço sideral;

Cooperação Sul-Sul como complemento às formas tradicionais de

ajuda ao desenvolvimento.

Cúpula de

Ecaterimburgo,

2009

Diálogo e cooperação de maneira crescente, proativa, pragmática,

aberta e transparente;

Construção de um mundo harmonioso de paz duradoura e

prosperidade comum.

Cúpula de

Brasília, 2010

Diálogo e cooperação de maneira crescente, proativa, pragmática,

aberta e transparente;

Construção de um mundo harmonioso de paz duradoura e

prosperidade comum.

Paz, segurança, desenvolvimento e cooperação;

Cúpula de

Sanya, 2011

Mundo mais justo e equânime;

Paz, harmonia, cooperação e desenvolvimento científico.

Cúpula de Nova

Délhi, 2012

Paz, segurança e desenvolvimento em um mundo multipolar,

interdependente e cada vez mais complexo e globalizado.

Cúpula de

eThekwini, 2013

Promoção do direito internacional, do multilateralismo e do papel

central da ONU;

Solidariedade entre BRICS;

Paz, estabilidade, desenvolvimento e cooperação globais;

Abordagem inclusiva de solidariedade compartilhada e

cooperação com todos os povos e nações;

Mundo harmonioso com paz duradoura e prosperidade

compartilhada;

Paz, segurança, desenvolvimento e cooperação.

Fonte: Elaboração do autor

À primeira vista, pode parecer que estes valores são genéricos e superficiais, mas é

interessante notar a ausência de questões como democracia, liberdade e direitos humanos, tão

defendidos pelos países europeus e pelos Estados Unidos. Por outro lado, as constantes

referências à paz, à harmonia, ao direito internacional e à resolução por meios pacíficos

32

sugere uma crítica ao caráter intervencionista das grandes potências, como nos casos da Líbia,

Síria, Iraque e Afeganistão.

Além das reuniões de Cúpula, os BRICS aumentam suas possibilidades de cooperação

através de diversos eventos, que trabalham temas de interesse comum aos membros em

diversos níveis (entre os líderes dos países, entre ministros, entre Cortes etc). O quadro

seguinte mostra a evolução cronológica dos principais eventos realizados.

Quadro 3 – Eventos entre os BRICS

Evento 9

2006

3

2007

3

2008

3

2009

3

2010

3

2011

3

2012

2

2013

Reunião de Chanceleres à margem da

Assembleia Geral da ONU

Cúpula dos BRICS

Reunião dos líderes dos BRICS por

ocasião da Cúpula do G20

Reunião de Vice-Ministros

Encontro de Ministros de Finanças

Reunião de Ministros da Fazenda

Reunião de Ministros da Agricultura

Reunião dos Ministros de Comércio

Encontro de Ministros da Saúde

Reunião de Altos Funcionários

Responsáveis por Temas de Segurança

Reunião de Altos Funcionários na área

de ciência, tecnologia e inovação

Reunião de “sherpas financeiros”

Reunião dos Chefes dos Institutos

Estatísticos

Intercâmbio de Magistrados

Encontro de Bancos de

Desenvolvimento

Seminário de Think Tanks

Fórum Empresarial

33

Evento 9

2006

3

2007

3

2008

3

2009

3

2010

3

2011

3

2012

2

2013

Encontro de Cooperativas

Reunião de Cidades-Parceiras

GT Especialistas em Agricultura

Conferência Internacional sobre

Concorrência do BRICS

Grupo de Contato para Assuntos

Econômicos e Comerciais

GT sobre acesso a medicamentos

Encontro dos chefes de delegação à

margem da Cúpula do G20

Fórum Acadêmico dos BRICS

Encontro do Grupo de Contato sobre

Temas Econômicos e Sociais

(CGTEC)

GT sobre Banco de Desenvolvimento

dos BRICS e sobre o Mecanismo

Contingente de Reservas (CRA)

Reunião sobre Propriedade Intelectual

Fórum de Urbanização

Fonte: Elaboração do autor

Percebe-se, neste contexto, que o BRICS enquanto grupo de ação política se distancia

do BRIC acrônimo. E reforça este distanciamento entrevista dada por O’Neill, na qual ele se

diz cético à possibilidade de institucionalização da sigla e não vê sentido no fato de se

convidar um país como a África do Sul, bem menor economicamente (WASSERMANN,

2011). Na mesma entrevista, O’Neill destaca algumas as diferenças dos BRICS que limitam a

possibilidade de cooperação entre eles, como a democracia (presente na Índia, África do Sul e

Brasil, mas não na Rússia e na China) e o nível de renda per capita (maior na Rússia e Brasil,

menor nos outros). Outras diferenças entre os países, aprofundadas com a entrada da África

do Sul, destacas por Hurrell (2006), são o poder e importância geopolítica, peso econômico e

grau de integração à economia global, trajetórias culturais e históricas distintivas e sistemas

políticos domésticos profundamente diferentes.

34

Por outro lado, de acordo com Paulo Roberto de Almeida:

(...) se bem sucedido em seus mecanismos de consulta e de cooperação política, bem

como na coordenação quatripartite das posições de seus integrantes em foros

multilaterais e nos de governança mais restrita, pode representar maior potencial

transformador, maior impacto econômico e maior capacidade de influência no

ordenamento global. (ALMEIDA, 2008)

Os BRICS, então, possuem um grande potencial para trazer mudanças no sistema

internacional, potencial este que vai ser melhor explorado na medida em que os países

conseguirem aprofundar o entendimento entre eles em objetivos comuns, não obstante as

profundas diferenças de cada um. Assim, para entender melhor como os BRICS conseguem,

em cada agenda trabalhada, promover o entendimento comum e a cooperação entre eles,

faremos no capítulo seguinte uma análise das agendas trabalhadas.

35

4. AS AGENDAS TRABALHADAS PELOS BRICS

Após a definição conceitual dos países do BRICS no capítulo 1 e da apresentação mais

detalhada do histórico e formação do agrupamento no capítulo 2, analisaremos agora o

posicionamento dos BRICS nos temas tratados nas reuniões anuais de Cúpulas e em reuniões

entre altas autoridades com declarações conjuntas disponíveis. Para melhor análise,

escolhemos dividir os temas em três blocos: agenda de segurança, agenda econômica e outras

agendas. O quadro a seguir apresenta os principais temas encontrados.

Quadro 4 – Principais temas das agendas trabalhadas pelos BRICS

Agenda Tema

Agenda de Segurança

Ordem do sistema internacional

Terrorismo

Reforma da ONU

Primavera Árabe

Guerra no Afeganistão

Papel da União Africana

Reconhecimento da Palestina

Questão nuclear do Irã

Conflitos africanos (Mali, República Centro-Africana e

República Democrática do Congo)

Agenda econômica

Papel do G20

Reforma das Instituições Financeiras Internacionais

Comércio Internacional e Rodada de Doha

Preocupação com os países mais pobres (crise, Objetivos do

Milênio, cooperação para o desenvolvimento)

Desenvolvimento Sustentável

Crise econômica e crescimento

Cooperação monetária e Regulação do mercado financeiro

Agricultura e Segurança Alimentar

Infraestrutura e industrialização na África

Banco de Desenvolvimento dos BRICS

Comércio intra-BRICS

Outros

Energia

Assistência humanitária

Diversidade Cultural (Aliança das Civilizações)

Mudança climática e meio ambiente

Internet, Cyberespaço e Tecnologias de Informação e

Comunicação

Saúde Pública e Reforma da OMS Fonte: Dados da pesquisa

36

Os documentos analisados no nível de Cúpula foram as declarações dos BRIC de 2009

e 2010, as declarações dos BRICS em 2011, 2012 e 2013. A nível de altas autoridades, será

trabalhado o Comunicado dos Ministros das Relações Exteriores de 2008, a Declaração

Conjunta sobre Segurança Alimentar Global de 2009, o Memorando de Cooperação entre

Bancos de Desenvolvimento dos BRIC de 2010, as Declarações dos Ministros de Agricultura

de 2010 e 2011, as Declarações dos Ministros da Saúde de 2011 e 2012, o Comunicado

Conjunto dos Ministros das Finanças dos BRICS em 2011, o Comunicado dos Vice-Ministros

de Relações Exteriores sobre o Oriente Médio e Norte da África em 2011, a Declaração dos

Ministros de Comércio dos BRICS de 2011, a Declaração Conjunta dos Representantes dos

BRICS no FMI em 2011, a Declaração da Reunião de Ministros das Relações Exteriores às

Margens da Assembleia Geral da ONU em 2013 e a Declaração Conjunta da Reunião

Informal dos líderes dos BRICS às margens da Cúpula do G20 em 2013.

Seguirão, a seguir, análises de cada um destes grandes temas, de modo a entender as

possíveis colaborações dos BRICS para o sistema internacional. Buscaremos identificar se os

temas das agendas trabalhadas evoluíram, congelaram ou regrediram com o avanço das

relações entre os países da coalizão.

4.1.Agenda de segurança

Nesta primeira parte sobre segurança, analisaremos as ocasiões em que os BRICS se

manifestam sobre conflitos, ameaças à paz, papel de organizações internacionais e ordem do

sistema internacional.

4.1.1 Ordem do sistema internacional

Este parece ser um tema que guia a necessidade de cooperação entre os países BRICS.

Todos eles veem a hegemonia dos Estados Unidos de maneira negativa e, portanto, buscam se

tornar novos polos de poder no sistema internacional. Esta mudança da estrutura de poder

relativo se dá tanto pelo declínio dos Estados Unidos quanto pelo crescimento dos aspirantes a

grandes potências (would-be great powers). Entretanto, as diferenças de poder entre os

BRICS levam a potenciais diferentes para se tornarem polos de poder. Neste sentido, é

37

interessante notar como a China predomina como principal aposta de nova grande potência15

.

Por outro lado, como destacado no capítulo anterior, os BRICS não querem acabar com esta

ordem, mas apenas dela obter reformas, como será visto a seguir.

Nas Cúpulas de 2009, 2010, 2011 e 2012 a questão do apoio a uma ordem multipolar

sempre esteve presente. Os países defendem que tal ordem seja baseada no respeito ao direito

internacional, igualdade, respeito mútuo, cooperação, ação coordenada e tomada de decisões

coletiva por todos os Estados. Em 2011 e 2012 buscou-se ressaltar a importância de dar

ressonância à voz dos países emergentes e em desenvolvimento nas relações internacionais.

Em 2013, porém, é curioso notar como o assunto não apareceu, ou apareceu indiretamente

através do apoio ao papel dos países emergentes para a promoção do desenvolvimento no

continente africano, o que pode ser entendido como uma tentativa de projetar poder para

outras regiões.

4.1.2 Terrorismo

Em relação ao terrorismo, todas as Cúpulas anuais os países BRICS condenam a

prática, por qualquer razão. É interessante notar neste tema que há um constante pedido para

que a Convenção Abrangente contra o Terrorismo Internacional seja adotada. Tal convenção,

porém, está sempre sob consideração da Assembleia Geral da ONU. Em 2013, surge pela

primeira vez o apoio à implementação da Estratégia Global contra o Terrorismo.

Por um lado, é notável a importância enfática que o BRICS dá ao tema, uma vez que

condena o terrorismo em toda ocasião de reunião entre Chefes de Estado. Por outro lado, a

dificuldade do direito internacional em relação ao terrorismo dificulta o avanço no tema

(CERQUEIRA, 2013).

4.1.3 Reforma da ONU

Este tema possui uma complexidade grande para os BRICS, já que eles não possuem

uma proposta clara para suas intenções. Entretanto, observa-se uma tentativa de buscar chegar

15 É ilustrativa a mesa redonda que presenciei na reunião anual da International Studies Association, em abril de

2013. O nome da mesa era “Rising Powers and Global Order: Is Peaceful Status Accomodation Possible?” e

estavam presentes T. V. Paul, Amitav Acharya, Wililam Wohlforth, Joseph Nye, John Mearsheimer e Deborah Larson. A discussão se centrou durante praticamente todo o tempo na ameaça chinesa aos Estados Unidos. Ao

abrir para perguntas, um professor questionou o que os autores pensavam sobre os outros países do BRICS.

Tirando risadas da plateia, Mearsheimer respondeu que a Índia é um país muito bonito e o Brasil é um ótimo

lugar para se tirar férias.

38

a uma proposta comum para os cinco países do que seria bom como reforma. Em 2009 foi

afirmada a necessidade de reforma abrangente e China e Rússia “entenderam e apoiaram” as

aspirações de Índia e Brasil no sentido de desempenhar papel mais relevante na ONU, sem,

entretanto, precisar quais aspirações são estas. A Cúpula de 2010 não trouxe nenhuma

novidade. Já a Cúpula de 2011, pela primeira vez, citou claramente a necessidade de reforma

no Conselho de Segurança, mas as aspirações brasileiras e indianas (agora somadas às sul-

africanas) na ONU continuam sendo apresentadas de modo vago. As Cúpulas de 2012 e 2013

também não trouxeram nada de novo ao tema. Tal lentidão na busca por maiores

entendimentos é compreensível na medida em que vemos que os países BRICS estão em

grupos diferentes no tema da reforma do Conselho de Segurança, principal estrutura da ONU.

Enquanto Brasil e Índia se aliaram a Japão e Alemanha no G4, a África do Sul se aliou à

proposta da União Africana e Rússia e China, que já são membros permanentes, buscam se

posicionar sobre a proposta mais interessante. Entretanto, a China expressa forte oposição à

proposta do G4, por colocar como membros permanentes com direito de veto dois fortes

vizinhos (Japão e Índia), o que seria uma ameaça à força chinesa no contexto do Leste e Sul

asiático (BITTENCOURT, 2011).

4.1.4 Primavera Árabe

Os protestos ocorridos em diversos países do Norte da África e Oriente Médio que

começaram no inverno de 2010 para 2011 ficaram conhecidos como Primavera Árabe. Os

BRICS, desde então se manifestaram em suas reuniões de Cúpula (2011, 2012 e 2013) e ainda

fizeram uma reunião de vice-ministros de Relações Exteriores para discutir o tema, em

novembro de 2011.

A primeira ocasião de posicionamento foi a Cúpula de 2011, na qual os BRICS

destacaram a potencial contribuição dos mesmos, dada a presença de todos no Conselho de

Segurança (na ocasião, Brasil, Índia e África do Sul eram membros temporários como

representantes de suas respectivas regiões). É interessante notar que eles desejam aos países

com turbulências a paz, a estabilidade, a prosperidade e o progresso, mas não a democracia ou

a liberdade. Este detalhe os distancia dos Estados Unidos, que se aproveitaram da ocasião

para difundir estes valores caros para o modelo capitalista liberal. Esta diferença valorativa é

importante na medida em que vemos a diversidade política e econômica dos BRICS, já que há

países democráticos como o Brasil e países não (ou menos) democráticos, como a China - ou

como eles mesmos afirmam, democráticos a partir de um modelo próprio, que não segue os

39

padrões ocidentais (ZHIYUE, 2010). Outra diferença substancial é a forte resistência ao uso

da força, em nome da defesa da soberania e da integridade territorial dos países afetados.

Pouco depois desta reunião ocorreu a bloqueio ao espaço aéreo líbio, que levou à queda e

morte de Muamar Kadafi. Tal bloqueio foi possível somente graças à abstenção de China e

Rússia no Conselho de Segurança, que se sentiram enganados com a ofensiva militar

subsequente. À frente outra tentativa de intervenção na Síria seria vetada pelos mesmos, o que

leva a um travamento do Conselho de Segurança até a retomada da tensão em setembro de

2013.

Na reunião de vice-ministros, em novembro de 2011, os cinco países se posicionaram

sobre a situação em muitos dos países da região. Eles reconhecem como legítimas as

aspirações populares por maiores direitos políticos e sociais e defenderam novamente a

resolução das crises sem recurso à força, além de definir como “inadmissível” a imposição de

soluções por meio de intervenções externas. Esta insistência na não intervenção em questões

internas é uma característica forte da diplomacia chinesa, que estabelece relações comerciais e

políticas com diversos países sem considerar como condição mudanças na situação interna

dos mesmos. Ao cooperar nestes termos, a China é acusada de se aliar a ditadores, mas, por

outro lado, permite alcançar populações que nada têm a ver com os regimes polít icos de seus

países. Este comportamento é oposto ao europeu em países africanos, que antes de cooperar

exigem que sejam cumpridos certos requerimentos, considerados neoliberais pelos críticos, o

que seria uma ofensa à soberania dos países (HARRISON, 2010).

No caso sírio, os BRICS repetem a importância da negociação pacífica, mas o que se

evidencia é o forte posicionamento russo pró-Assad, mais evidente após os ataques químicos

em agosto de 2013. Percebe-se, assim, que a posição não é necessariamente uma prioridade

para todos os BRICS, mas para um deles de modo particular.

Para a Líbia, os BRICS defendem as aspirações democráticas, em um momento no

qual Kadafi já havia sido morto pelos rebeldes. Eles defendem que a ONU e o Conselho de

Segurança tenham papel central na reconstrução pós-conflito. Falam de “consequências

devastadoras da guerra civil”, que contou com o apoio da Organização do Tratado do

Atlântico Norte (OTAN) aos rebeldes.

Em relação ao Iêmen, eles aprovaram as iniciativas de transição de poder pacífica no

país. Já em relação ao conflito Árabe-Israelense, os BRICS defenderam um Estado palestino

independente, viável e com um território contíguo, com plena soberania, de acordo com as

fronteiras de 1967, com trocas territoriais acordadas e com Jerusalém Oriental como sua

40

capital. Também apoiaram os esforços palestinos para admissão na ONU (em 2012 a

Palestina foi admitida como Estado Observador, mesmo status da Cidade do Vaticano).

Na Cúpula de 2012, foi novamente expressa preocupação pelo adiamento de

resoluções para o conflito árabe-israelense. Para a Síria, se disseram preocupados pela

situação de violência e de violações de direitos humanos. A recomendação, neste contexto,

permanece o uso de meios pacíficos para o diálogo e negociação, solução esta que começa a

ser vista pelos Estados Unidos como ineficiente. Finalmente, a Cúpula de 2013 condena

novamente o aumento das violações de direitos humanos e reafirmam oposição a qualquer

militarização do conflito.

Em relação às recomendações, críticas e defesas dos BRICS para o Oriente Médio, é

interessante notar como a oposição ao uso da violência atende aos países da coalizão por

motivações diferentes. O Brasil é um país que tradicionalmente rejeita conflitos bélicos e

defende a negociação e o respeito ao direito internacional como soluções adequadas. A China

possui uma diplomacia não intervencionista e pragmática. Já a Rússia, geograficamente mais

próxima, tem interesse em manter aliados como Assad, importante para a balança de poder

regional. A Índia carrega uma visão Nehruviana de não alinhamento cooperativa que rejeita a

lógica realista (BERI, 2007). Por fim, a política externa sul-africana fora da África valoriza

muito parcerias Sul-Sul em detrimento de uma atuação individual, o que leva o país a se

alinhar aos parceiros do IBAS e do BRICS (LANDBERG, 2007).

4.1.5 Guerra no Afeganistão

A Guerra no Afeganistão veio em consequência dos ataques terroristas de 11 de

setembro de 2001, nos Estados Unidos, mas nunca havia levado os BRICS a se manifestarem

juntos. Somente na Cúpula em Nova Délhi, que o país foi pela primeira vez citado. Os países

evidenciaram a necessidade afegã de tempo, assistência ao desenvolvimento e cooperação,

acesso preferencial a mercados internacionais, investimentos estrangeiros e clara estratégia

nacional para paz duradoura e estabilidade. Defenderam também o Pacto de Paris, que visa

combater o tráfico de ópio que se origina no país. Em 2013 o posicionamento foi repetido.

Percebe-se um distanciamento dos países sobre o tema, sem propostas e compromisso mais

evidente, ainda que três dos BRICS (Índia, Rússia e China) estejam muito próximos

geograficamente do Afeganistão.

41

4.1.6 Papel da União Africana

Apesar de ser crescente a presença dos países BRICS no continente africano, através

de assistência e cooperação para o desenvolvimento, mas principalmente através de

investimentos diretos externos, a União Africana é colocada na agenda pela primeira vez

somente em 2013, na Cúpula de eThekwini, na África do Sul. Os países instam o Conselho de

Segurança da ONU a cooperar com o Conselho de Paz e Segurança da União Africana e

reconhecem o papel central da organização na resolução de conflitos em África. Em

particular, expressam preocupação com instabilidades no Sahel e no Golfo da Guiné.

Observa-se que, para falar dos conflitos, os BRICS não falam de países específicos, mas de

regiões do continente africano. Uma hipótese para isto é a dimensão regional dos conflitos e o

baixo controle fronteiriço, o que faz com que grupos armados possam se deslocar com

facilidade entre os países.

4.1.7 Reconhecimento da Palestina

Os BRICS defenderam o reconhecimento da Palestina enquanto Estado independente

na reunião de novembro de 2011 sobre o Oriente Médio e Norte da África e na Cúpula de

2012, como visto acima. A Cúpula de 2013 trouxe já a saudação pela admissão como Estado

observador nas Nações Unidas, mas nenhuma novidade em relação ao posicionamento dos

países, que defendem a solução com dois Estados, com um Estado palestino contíguo e

economicamente viável, existindo lado a lado e em paz com Israel, dentro de fronteiras

internacionalmente reconhecidas, baseadas naquelas existentes em 4 de junho de 1967, com

Jerusalém Oriental como sua capital.

4.1.8 Questão nuclear do Irã

Em relação ao Irã, os BRICS defenderam uma resolução somente por meios políticos e

diplomáticos, definiram como contraproducente o uso de sanções adicionais unilaterais ao

país e apoiaram o estabelecimento de um acordo para um Oriente Médio livre de armas

nucleares e de outras armas de destruição em massa. Eles também manifestaram o direito do

uso da energia nuclear para fins pacíficos, posição esta que incomoda as grandes potências

pela ameaça que o país representa para Israel.

42

4.1.9 Conflitos africanos (Mali, República Centro-Africana e República Democrática do

Congo)

Conflitos na África Subsaariana só tornaram-se assunto na Cúpula de eThekwini, o

que demonstra uma preocupação sul-africana com a estabilidade do continente. Para o Mali,

os BRICS mostram preocupação com a situação humanitária e instam os outros países à

cooperação não só com Mali, mas também com os vizinhos. Eles declaram apoio ao Governo

malinês em seus esforços civis para implantação do programa de transição que conduzirá às

eleições presidenciais e legislativas. Já para a República Centro-Africana, os BRICS

condenam os atos de violência, instam as partes a retomarem as negociações e se oferecem

para ajudar a construir uma resolução pacífica do conflito. Neste país, África do Sul e Índia

têm um interesse particular no fim da violência, dado que cidadãos dos mesmos morreram no

conflito. Por fim, em relação à República Democrática do Congo, os BRICS saúdam a

assinatura do Marco para a Paz, Segurança e Cooperação para o país e região, declaram apoio

à independência, integridade territorial e soberania do país e apoiam também os esforços da

ONU e a União Africana para a paz, segurança e estabilidade.

Destes três casos, nota-se ao mesmo tempo, por um lado, uma preocupação com o

clima de instabilidade e fragilidade da soberania, independência e integralidade territorial,

mas por outro, um distanciamento das questões, dizendo-se prontos se solicitados a ajudar,

mas sem nenhuma ação concreta. Este comportamento mais uma vez reflete a característica

chinesa de não intervencionismo em questões internas, assim como vimos anteriormente para

a Síria, Líbia e Palestina, para citar três exemplos. Ao compararmos as situações com as

potências tradicionais, é interessante notar como a postura é diferente, já que a França invadiu

militarmente o Mali para combater os rebeldes tuaregs e na República Democrática do Congo,

o conflito atual é consequência do conflito entre hutus e tutsis, que abrange toda a região dos

Grandes Lagos. Tal tensão entre as etnias foi criada pelos belgas ainda no período colonial,

foi ignorada pelas grandes potências no momento mais crítico em vistas de proteger as tropas

internacionais e, em seguida, foi neutralizada em Ruanda por tropas francesas. Enquanto as

grandes potências possuem uma estreita relação com os conflitos africanos, os BRICS

parecem observar de longe, obedecendo à lógica de não intervenção e proteção da soberania e

integridade.

43

4.2 Agenda econômica

Esta segunda parte do capítulo se encarrega dos temas relacionado à economia. É

interessante notar como aqui, diferentemente da agenda de segurança, os BRICS conseguem

evoluir mais em suas posições, chegando inclusive a propor a criação de um banco de

desenvolvimento e um fundo comum de reservas monetárias.

4.2.1 Papel do G20

O G20 é um grupo composto pelas vinte maiores economias do mundo, incluindo a

União Europeia. Sua agenda, desde sua criação, é focada nos problemas econômicos e

financeiros que podem afetar o mundo inteiro. Assim como os BRICS, o G20 não é um grupo

com características formais ou mecanismos que coagem seus membros a seguir o que é

estabelecido nas reuniões ou que punem aqueles que desobedecem aos acordos. Entretanto, as

Cúpulas do G20 se tornaram um importante fórum para discutir e tomar decisões sobre

problemas globais. Muitas das conclusões e declarações dos BRICS em suas Cúpulas

coincidem com as conclusões e declarações das Cúpulas do G20, embora não haja

necessariamente um comportamento de agenda-setting por parte dos países BRICS (SOUTO,

LOPES, 2013).

O interesse dos BRICS no G20 é um dos temas mais antigos e importantes defendidos

pelo grupo. Na reunião ministerial de 2008, o G20 ainda não existia formalmente e quem

ocupava o espaço de principal fórum de cooperação em temas econômicos e financeiros era o

G8, que convidavam alguns parceiros para suas reuniões. Os BRIC, nesta época,

manifestavam interesse em manter esta cooperação. O G20 realizou sua primeira reunião de

cúpula meses antes da primeira Cúpula do BRICS, em 2009, na qual os países enfatizavam o

papel central das Cúpulas do G20 para lidar com a crise financeira e apelavam a todos os

Estados e organismos internacionais a agir. Este destaque ao papel do G20 torna-se uma

constante nas declarações dos BRICS, que com a mudança do G8 para o G20 passaram a

desempenhar um papel mais importante na governança global. A declaração de 2010 confirma

esta satisfação, ao argumentarem que o G20 é mais amplo, mais inclusivo, diversificado,

representativo e eficaz. Em 2011 os BRICS declararam apoio ao G20 nos campos da

economia, finanças, comércio e desenvolvimento. Defenderam a estabilidade dos mercados

financeiros internacionais, em vistas de um crescimento forte, sustentável e equilibrado. Em

2012, os BRICS declaram também acreditar que o papel do G20 é facilitar a ampla

44

coordenação de políticas macroeconômicas, de forma a permitir a recuperação econômica

internacional e assegurar a estabilidade financeira. Já em 2013, ano no qual a Rússia exerce a

Presidência do G20, saúdam os esforços para aumentar o financiamento do investimento e

para assegurar a sustentabilidade da dívida pública. Além disso, declararam priorizar a agenda

de desenvolvimento do G20.

Além das declarações das cúpulas, os BRICS também apresentaram declarações

conjuntas em outros âmbitos que falassem sobre o G20. Em setembro de 2011, os ministros

das Finanças dos BRICS se comprometeram a seguir o plano de ação estabelecido pela

Cúpula do G20 em Cannes, na França. Em outubro do mesmo ano, os ministros da

Agricultura e Desenvolvimento Agrário dos BRICS se reuniram em Chengdu, na China e

declararam estar comprometidos com organizações regionais e internacionais como o G20

com o objetivo de concertar opiniões sobre segurança alimentar, mudança climática, proteção

ao meio-ambiente, promoção do comércio, dentre outros.

Por fim, na reunião informal dos líderes dos BRICS à margem da Cúpula do G20 de

São Petersburgo, na Rússia, em setembro de 2013, os cinco países se alinharam em relação

aos seus principais interesses, como a reforma do Fundo Monetário Internacional, tema este

que já havia sido acordado entre os membros do G20 na Cúpula de Seul, em 2010. Além

disso, os BRICS se pronunciaram sobre os avanços de seus dois mais importantes projetos, o

Novo Banco de Desenvolvimento e o Arranjo Contingente de Reservas (CRA na sigla em

inglês).

4.2.2 Reforma das Instituições Financeiras Internacionais

O desejo de reformas, principalmente do FMI e do Banco Mundial é uma das

principais demandas dos BRICS, repetida em todas as Cúpulas anuais. Em 2009 se

pronunciaram pela primeira vez, conjuntamente, sobre o tema, demandando reformas que

reflitam as mudanças ocorridas na economia mundial, dando, portanto, voz mais ativa e maior

representatividade às economias emergentes e em desenvolvimento. Outra demanda é que a

designação dos diretores e lideranças sênior das IFI (Instituições Financeiras Internacionais)

seja feita através de um processo de seleção aberto, transparente e baseado no mérito, em

oposição ao atual que, por costume, elege um europeu para o FMI e um estadunidense para o

Banco Mundial.

Em 2010, a declaração de Cúpula destacou que os BRIC haviam aumentado muito os

recursos disponíveis ao FMI. Então, as negociações para reformas estavam em curso e os

45

BRIC defenderam uma mudança substancial no poder de voto, a favor das economias

emergentes e dos países em desenvolvimento, a fim de resolver déficits de legitimidade. Em

2011 os BRICS foram breves ao falar sobre o tema e somente repetiram o que já diziam antes.

Em 2012, destacaram a importância do expressivo crescimento das economias emergentes e

em desenvolvimento para a recuperação da economia global, argumento a favor de maior

poder para os mesmos nas reformas das IFI. No ponto seguinte os BRICS apresentam

preocupação com a lenta velocidade das reformas das cotas e a governança do FMI. Os cinco

países ainda demandam ampliação de recursos para financiamento do desenvolvimento de

economias emergentes e em desenvolvimento por parte do Banco Mundial e acolhem

positivamente as candidaturas de países em desenvolvimento para o cargo de Presidente do

Banco Mundial, algo que rompe com o costume de ser sempre um cidadão dos Estados

Unidos. Este apoio, entretanto, não foi suficiente para eleger algum candidato, tendo vencido

Jim Yong Kim, antropólogo e físico de nacionalidade coreana e estadunidense. Por fim, os

BRICS criticam a natureza do Banco Mundial como intermediadora da cooperação Norte-Sul,

por se tratar de uma dicotomia doador-receptor considerada ultrapassada pelos mesmos. Os

países BRICS são alguns dos principais atores da modalidade Sul-Sul de cooperação para o

desenvolvimento, que possui um discurso de relações horizontais e de ganho mútuo (ALDEN,

2007, p. 15).

Além das declarações de Cúpula, outras três declarações conjuntas dos BRICS

retomaram o tema da reforma das IFI. Em maio de 2011, os Diretores Executivos

representantes dos cinco países no FMI se reuniram para publicar entendimentos em comum

em relação à escolha de um novo diretor para o FMI em substituição a Dominique Strauss-

Kahn, que havia renunciado por denúncias de escândalos sexuais. Eles criticaram o costume

de se escolher somente europeus para o cargo, e destacaram que, além do perfil de técnico de

destaque, o sucessor (não europeu) deveria estar comprometido com as reformas do FMI a

favor das economias emergentes e em desenvolvimento. Entretanto, eles não conseguiram

chegar a um consenso em torno de um nome específico e a candidata francesa Christine

Lagarde venceu. Em setembro de 2011, os ministros das finanças dos cinco países alinharam

o que seria dito na Cúpula de 2012, não havendo nenhuma novidade substancial. No início de

setembro de 2013, os BRICS voltam a tocar o tema, em uma reunião às margens do G20 entre

os líderes dos países, pedindo urgência na implementação da reforma de quotas e governança

do FMI.

Algumas concessões já foram realizadas às potências emergentes nas quotas de votos,

como o aumento em 3,13% do poder de voto do grupo de países emergente no Banco Mundial

46

(CORRÊA, 2013a). Para o FMI, foi decidido em 2010 no G20 que a mudança na divisão de

cotas transferiria 5% de países ricos para países emergentes sub-representados, mudança esta,

porém, que ainda não foi efetuada (CORRÊA, 2013b).

4.2.3 Comércio Internacional e Rodada de Doha

A busca por uma resolução da Rodada de Doha é outra importante e constante

demanda da agenda dos BRICS. Na Cúpula de 2009, eles exortaram a comunidade

internacional a manter estável o sistema multilateral de comércio, a refrear o protecionismo

comercial e a impulsionar resultados abrangentes e equilibrados para a Agenda de

Desenvolvimento de Doha da OMC. No mesmo dia, em uma declaração conjunta sobre

segurança alimentar global, eles destacaram a importância de acelerar as negociações da

Rodada de Doha para encontrar soluções para reduções radicais de multibilionários subsídios

no setor agrícola, que distorcem os termos de comércio e impedem os países em

desenvolvimento de aumentar suas produções agrícolas. Nesta declaração eles também se

comprometeram em se opor ao protecionismo, estabelecendo um regime para o comércio

internacional “justo e razoável” para os produtos agrícolas e dando aos agricultores dos países

em desenvolvimento incentivos para se empenharem na produção agrícola.

Em março de 2010, os ministros da agricultura dos BRIC declararam que é de suma

importância que as rodada de Doha se acelere para garantir a segurança alimentar, já que ela

demanda um mercado mundial e um sistema de comércio para alimentação e agricultura

baseados na justiça e na não discriminação. Já em junho, na Cúpula anual, os BRIC se

comprometeram e instaram os Estados a “resistir a todas as formas de protecionismo

comercial e a lutar contra restrições disfarçadas ao comércio”. Além disso, declararam apoio à

candidatura de adesão da Rússia à OMC.

Na Cúpula de Sanya em 2011 os BRICS mais uma vez se colocaram contra medidas

protecionistas, defenderam a conclusão da Rodada de Doha a partir dos progressos já

alcançados e apoiaram a adesão da Rússia na OMC. No final de 2011, os ministros de

Comércio se encontraram em Genebra às vésperas da 8ª Conferência Ministerial da OMC.

Naquele momento a Rússia acabara de concluir o processo para entrada na OMC, acesso que

foi expressamente apoiado pela coalizão. Os ministros do Comércio destacaram a importância

da OMC para conter o protecionismo, disseram-se contra todas as formas de protecionismo e

criticaram explicitamente os subsídios distorcivos ao comércio concedidos pelas economias

desenvolvidas, particularmente em agricultura, por gerar insegurança alimentar e anular o

47

“potencial de desenvolvimento de um setor fundamental em países que já enfrentam enormes

desafios para participar dos fluxos globais de comércio”. Em relação à Rodada de Doha, os

ministros se mostraram preocupados com o impasse e declararam estar engajados nas

negociações para concluir o “single undertaking” rapidamente16

. Em seguida, os ministros

dizem que os impasses não devem desencorajar os membros na busca por entendimentos, mas

ressaltam que não pode se perder de vista a centralidade do tema do desenvolvimento, de

modo que os temas de interesse para os países em desenvolvimento devem ter prioridade e

não estar vinculado a outras áreas. Nesse sentido, destacam a prioridade para temas como

algodão e agricultura. Ainda defenderam negociações abertas e transparentes, fazendo

oposição, portanto a reuniões fechadas entre poucos atores, que podem comprometer a

natureza multilateral das negociações.

Na Cúpula de 2012 em Nova Délhi, os BRICS trataram em três tópicos sobre o tema,

sendo que nos dois primeiros praticamente repetiram o que os ministros de comércio haviam

declarado em 2011. No terceiro ponto, falaram brevemente sobre o desejo de manter a

cooperação com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento

(UNCTAD), agência da ONU para comércio e desenvolvimento.

Em eThekwini, em março de 2013, os BRICS destacaram o tema do comércio em três

pontos: no primeiro, sobre a Rodada de Doha, não trouxeram nenhuma novidade, repetindo as

últimas declarações. No segundo, sobre a seleção para Diretor-Geral da OMC, defenderam a

possibilidade de que o próximo Diretor-Geral seja de um país em desenvolvimento, o que de

fato aconteceu semanas depois com a eleição do brasileiro Roberto Azevêdo. No último

ponto, sobre a UNCTAD, os BRICS destacaram a importância da UNCTAD como

construtora de consensos, diálogo sobre políticas, pesquisa, cooperação técnica e capacitação

em vistas de um melhor executado mandato sobre desenvolvimento. Por fim, os BRICS se

manifestaram em reunião informal às margens da reunião do G20 em setembro de 2013, de

forma mais breve, reafirmando o desejo pela conclusão da Rodada de Doha para o

Desenvolvimento.

É relevante notar que o constante rechaço dos BRICS ao protecionismo, em particular

agrícola, possui dois efeitos: por um lado, realmente o protecionismo dos mercados

desenvolvidos dificulta o desenvolvimento do setor agrícola em países em desenvolvimento.

Por outro lado, a rejeição aos subsídios é sempre dita como uma norma universal

16 Single undertaking: Cada idem da negociação é parte de um pacote indivisível e inteiro e não pode ser

negociado separadamente. Tal princípio é resumido na frase “Nothing is agreed until everything is agreed”.

(WTO, 2013)

48

(enfaticamente rejeitam “toda forma de protecionismo” em diversas ocasiões supracitadas).

Os países em desenvolvimento, porém, precisam deste artifício para aumentar a

competitividade de seus produtos. E parece contraditório que os BRICS defendam incentivos

para agricultores de países pobres, já que eles são tão enfáticos ao se declarar contra o

protecionismo. Um bloqueio universal ao subsídio beneficiaria principalmente os próprios

países BRICS, principalmente o Brasil, que por ser grande produtor agrícola ganharia

mercados tanto nos países desenvolvidos quanto naqueles em desenvolvimento. Em relação

ao benefício para os próprios BRICS, é válida a crítica de Wise (2009), que destaca que a

liberalização agrícola é benéfica em países em desenvolvimento somente nos casos em que

possuem extensas e férteis terras, nível significativo de industrialização agrícola, que tenham

modernizado a produção agrícola e que tenham desenvolvido infraestrutura adequada para

responder às demandas do mercado global, ou seja, justamente países como Brasil e Índia.

4.2.4 Preocupação com os países mais pobres (crise, Objetivos do Milênio, cooperação

para o desenvolvimento)

A preocupação com o desenvolvimento nos países mais pobres é uma das principais

questões trabalhadas pelos BRICS, sendo abordada em quase todas as declarações dos países.

Isso se deve em parte ao papel de liderança que os BRICS buscam assumir para si em suas

regiões e em regiões onde promovem cooperação para o desenvolvimento e ajuda

humanitária, em particular na África Subsaariana.

Já em 2008, na primeira declaração do BRIC, ocorrida às margens da Assembleia

Geral da ONU daquele ano, os ministros colocaram o tema em pauta, ao colocarem a

importância de considerar os interesses de todas as nações para iniciativas de combate à

pobreza, fome e doenças. Além disso, apoiaram a intensificação do diálogo com vistas a

alcançar as Metas de Desenvolvimento do Milênio, também conhecidas como Objetivos de

Desenvolvimento do Milênio (ODM).

Na primeira Cúpula dos BRIC, em 2009, eles declararam que os países mais pobres

foram os mais afetados pela crise financeira e, nesse contexto, defenderam que a comunidade

internacional necessita intensificar os esforços para prover liquidez nestes países e para

minimizar o impacto da crise sobre o desenvolvimento. Eles destacam também que os países

desenvolvidos deveriam cumprir o compromisso de destinar 0,7% dos respectivos Produtos

Nacionais Brutos (PNB) para Assistência Oficial para o Desenvolvimento, além de esforços

adicionais para aumentar a assistência, o alívio de dívidas, o acesso a mercados e a

49

transferência de tecnologia para países em desenvolvimento. No mesmo dia os BRIC deram

uma declaração conjunta sobre segurança alimentar, na qual eles demonstraram a

preocupação pelo aumento dos preços dos alimentos, que afeta diretamente as populações

mais pobres dos países em desenvolvimento.

Na Cúpula de Brasília em 2010, os BRIC falam em reduzir os desequilíbrios no

desenvolvimento econômico global e em promover inclusão social, através de um papel maior

e mais ativo das economias emergentes e países em desenvolvimento. Os BRIC também

reiteraram a importância da Declaração do Milênio das Nações Unidas e a necessidade de

alcançar os Objetivos do Milênio, ressaltam a importância de prevenir um potencial revés

devido aos efeitos da crise econômica e financeira e destacam a importância da cooperação

técnica e do apoio financeiro aos países pobres na execução das políticas de desenvolvimento

social para suas populações. Também em relação ao combate à pobreza, os BRIC destacam a

cooperação técnica e financeira como forma de contribuir para o desenvolvimento social

sustentável, com proteção social, pleno emprego e políticas e programas de trabalho digno,

principalmente para grupos vulneráveis como os pobres, as mulheres, os jovens, os migrantes

e as pessoas com deficiência. É interessante notar como a questão da democracia não entra, na

perspectiva dos BRIC, como elemento importante a ser defendido na promoção do

desenvolvimento.

A Cúpula de 2011 em Sanya destacou a necessidade de acelerar o crescimento

sustentável dos países em desenvolvimento que, junto com o desenvolvimento, permite

enfrentar a pobreza e alcançar as Metas do Milênio. Os BRICS colocam a erradicação da

pobreza extrema e da fome como um imperativo moral, social, político e econômico da

humanidade, o que ajuda a entender a importância que os cinco países dão ao tema. Por fim,

eles reafirmam o compromisso em cooperar nos domínios da proteção social, trabalho

decente, igualdade de gênero, juventude e saúde pública e luta contra a Síndrome de

Imunodeficiência Adquirida (AIDS).

Ainda em 2011, os BRICS se pronunciaram sobre o tema em três ocasiões no nível de

altas autoridades após a Cúpula de Sanya. Na primeira, os ministros da Saúde dos BRICS

expressaram o compromisso em ajudar os países mais pobres na promoção de um sistema de

saúde acessível a todos e sustentável, em particular para combater doenças como AIDS,

tuberculose, hepatites virais e malária. Na segunda, os ministros das finanças e representantes

dos respectivos Bancos Centrais afirmaram que os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento

devem mobilizar mais recursos para expandir a capacidade de financiamento, de modo que o

desenvolvimento financeiro nos países em desenvolvimento não fique negligenciado. Enfim,

50

na terceira, os ministros da Agricultura reiteraram a cooperação entre os BRICS de modo a

ajudar também outros países no campo da agricultura, em vistas de reduzir a pobreza de

maneira alinhada aos ODM e à promoção de estabilidade, prosperidade e desenvolvimento

global.

Em 2012, os BRICS se manifestaram novamente na Cúpula, em Nova Délhi.

Destacaram a necessidade de ampliar a disponibilidade de recursos para financiamento do

desenvolvimento nas economias emergentes e em desenvolvimento. Destacaram também

elementos importantes para a promoção do desenvolvimento, como a aceleração do

crescimento, a segurança alimentar e energética, a criação de empregos e o desenvolvimento

sustentável. Por fim, reforçaram os Objetivos do Milênio como marco fundamental na agenda

de desenvolvimento, que permite um crescimento inclusivo, justo e sustentável. No mesmo

ano, os Ministros da Saúde se reuniram para reafirmar a declaração do ano anterior e a

declaração de Cúpula em Sanya no que tange à preocupação com os países mais pobres.

A Cúpula de eThekwini, em 2013, a primeira na África do Sul, deu uma importância

especial para o continente africano de modo ainda não visto anteriormente nas declarações

dos BRICS. A primeira novidade é o apoio aos processos de integração regional na África

para o crescimento sustentável, o desenvolvimento e a erradicação da pobreza. O segundo

destaque de posicionamento dos BRICS em relação aos países em desenvolvimento (esta não

exclusivamente para os países africanos) é em relação à importância de acesso contínuo,

adequado e previsível a financiamentos de longo prazo, para infraestrutura e investimento,

com fontes diversificadas de fundos. A terceira questão revela a dependência dos países mais

pobres (em especial na África) dos países desenvolvidos para atingirem os Objetivos do

Milênio, para enfrentarem a crise econômica e financeira e seus choques exógenos e para

viabilizar a ação do Estado em um contexto de redução dos volumes de ajuda dos países

desenvolvidos em crise. Por fim, os BRICS passam a falar da agenda para o desenvolvimento

pós-ODM, ou seja, após 2015. Para eles, o foco na erradicação da pobreza e no

desenvolvimento humano deve ser mantido.

Este tema é muito trabalhado pelos BRICS e uma das razões é pelo papel de lideranças

que estes países buscam assumir nas regiões em que se encontram, dominadas por países em

desenvolvimento, ou seja, América do Sul, África Subsaariana, e Sul, Centro e Leste da Ásia.

51

4.2.5 Desenvolvimento Sustentável

O tema do Desenvolvimento Sustentável é presente em quase todas as Cúpulas dos

BRICS, sendo a Cúpula de 2010, em Brasília, a exceção. Em 2009, os BRICS defendem a

mudança de paradigma de desenvolvimento econômico para desenvolvimento sustentável,

tendo como vetores documentos como a Declaração do Rio e a Agenda para o Século XXI.

Em 2011, os BRICS também incluem como referência o Plano de Implementação de

Joanesburgo e manifestam apoio para que Brasil e Índia sediem eventos multilaterais

relacionados ao tema.

Em Nova Délhi (2012) os BRICS reafirmam a perspectiva de desenvolvimento

sustentável das declarações anteriores e destacam a importância da Economia Verde.

Entretanto, ressaltam que tal conceito, que seria definido meses depois na Rio+20, deve “ser

entendido no contexto mais abrangente de desenvolvimento sustentável e erradicação da

pobreza, como um meio para se alcançar essas prioridades de maior hierarquia e não um fim

em si mesmo”. Defenderam também flexibilidade e espaço político para que as autoridades

nacionais possam ter um leque de opções para a tomada de decisões, de modo que o

desenvolvimento sustentável de cada país considere o estágio de desenvolvimento, as

estratégias nacionais, as circunstâncias e as prioridades. Por fim, declaram resistir à

introdução de barreiras de comércio e investimento que sejam vinculadas ao desenvolvimento

da economia verde.

A Cúpula de 2013 foi a primeira após a Rio+20, que gerou o documento “O Futuro

que Queremos”. Ao parabenizar o Brasil por ter sido país-sede, os BRICS reafirmam o

compromisso político para o desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza. Os cinco

países também saúdam a criação do Grupo de Trabalho Aberto sobre os Objetivos de

Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Apesar de terem declarado apoiar o conceito de Desenvolvimento Sustentável, os

BRICS avançaram pouco na área, em grande medida devido à dificuldade encontrada também

pelo sistema internacional em obter novas resoluções acerca do tema.

52

4.2.6 Crise econômica e crescimento

A preocupação com a resolução da crise econômica nos BRICS cresce na medida em

que eles começam a sofrer com a redução de mercados para seus produtos. Mas por outro

lado, a crise na Europa e Estados Unidos acabou por fortalecer os BRICS, que passaram a

estar entre as principais economias globais.

Na Cúpula de Ecaterimburgo em 2010, os BRICS reconheceram um contexto de

melhora da situação econômica mundial, com retomada do crescimento e pediram reforço da

cooperação macroeconômica para um crescimento forte, sustentável e equilibrado.

Destacaram também a importância de manter a estabilidade relativa das principais moedas de

reserva e sustentabilidade das políticas fiscais. Em 2011, endossaram a declaração anterior e

destacaram o empenho dos cinco BRICS, apoiado pela crescente cooperação entre eles nas

áreas econômica, financeira e comercial. Os Ministros de Finanças no mesmo ano destacaram

que os países BRICS recuperaram rapidamente da crise, mas sofreram com pressões

inflacionárias vindas da instabilidade do mercado global. Criticaram também as políticas

adotadas por Bancos Centrais dos países desenvolvidos, que geraram excessiva liquidez para

estabilizar as economias a nível doméstico, gerando excessivos fluxos de capital e preços

voláteis de commodities a nível global. Os BRICS também sugerem que as economias

desenvolvidas adotem políticas macroeconômicas e financeiras responsáveis e façam

reformas estruturais para recuperar o crescimento e criar empregos. Por fim, os Ministros

ainda reforçam a importância dos bancos multilaterais de desenvolvimento como parceiros

para necessidades financeiras de desenvolvimento em longo prazo. As Cúpulas de 2012 e

2013 não trouxeram novidades ao tema, somente reafirmando as declarações anteriores. Da

mesma maneira, a reunião informal dos líderes do BRICS à margem da Cúpula do G20 em

São Petersburgo em setembro de 2013 somente endossou a Declaração de eThekwini.

É interessante notar como, em um primeiro momento no qual os BRICS crescem

mesmo em um contexto de crise, eles criticam as economias centrais tendo como fonte de

legitimidade o crescimento e, em um segundo momento no qual os BRICS tem o ritmo de

crescimento reduzido, eles mantêm as críticas, justificando que as dificuldades que enfrentam

é consequência das políticas macroeconômicas e financeiras dos países desenvolvidos ao

buscarem resolver a crise a nível doméstico.

Dentro da questão do crescimento internacional, em particular em países em

desenvolvimento, está a discussão sobre agricultura e Segurança Alimentar. A primeira vez

que os BRIC falaram sobre segurança alimentar foi em uma declaração específica para o tema

53

em 2009. Na ocasião, os países BRIC alertaram sobre as flutuações nos preços globais dos

alimentos associada à crise financeira, que ameaçam a segurança alimentar global, o que leva

ao aumento de pessoas que sofrem com a fome e desnutrição, indo na contramão, portanto, do

que foi acertado como Meta de Desenvolvimento do Milênio. Os BRIC defendem que a

questão da segurança alimentar deve ser enfrentada pelo princípio da responsabilidade

comum, mas diferenciada, isto é, países desenvolvidos devem prover suporte financeiro e

tecnológico aos países em desenvolvimento para melhorar a capacidade de produção

alimentar. Na declaração, eles afirmam que a alta global do preço dos alimentos se deve a

questões que vão além do aumento do consumo nos países em desenvolvimento. Em uma

argumentação multifacetada, eles apontam como causas a mudança climática global, desastres

naturais, crises econômica e financeira acesso restrito a mercados, subsídios de países

desenvolvidos que distorcem o comércio, além da falta de incentivos adequados para a

expansão da produção agrícola em países em desenvolvimento que se tornaram importantes

importadores de produtos agrícolas.

Em 2010, os Ministros da Agricultura dos BRIC se reuniram com o objetivo de definir

contornos para a cooperação entre os então quatro membros do grupo no tema, em particular

no que tange a agricultura familiar e à segurança alimentar global. Meses depois, na Cúpula

de Brasília, os BRIC decidem criar um sistema de base de dados agrícolas que ajude a

desenvolver uma estratégia para garantir acesso aos alimentos pelas populações mais

vulneráveis, além de reduzir impacto da mudança climática na segurança alimentar e reforçar

a cooperação em agricultura, tecnologia e inovação.

Em abril de 2011, a Cúpula de Sanya trouxe como preocupação dos BRICS o preço

das commodities. De acordo com a declaração a volatilidade excessiva apresenta novos riscos

para a recuperação da economia, o que demanda, portanto, cooperação para garantir

estabilidade, fortalecimento dos mercados físicos, regulação do mercado financeiro, aumento

da produção e fortalecimento do diálogo entre produtores e consumidores para reduzir o

problema da escassez de informação confiável e atualizada. Em outubro do mesmo ano, os

Ministros da Agricultura se reuniram pela segunda vez e destacaram a preocupação dos países

africanos em relação a segurança alimentar, em particular no Chifre da África, região que

estava enfrentando o pior período de seca e déficit de comida das últimas seis décadas. Os

ministros destacaram, por fim, o compromisso dos BRICS em ajudar os países africanos a

aumentar a produção de alimentos para atingir a segurança alimentar, em particular através

entre pequenos fazendeiros, de técnicas de cooperação, diálogo político, demonstração e

transferência de tecnologia agrícola, treinamento de pessoal, construção de infraestrutura

54

agrícola e ajuda alimentar. A Cúpula de 2012 em Nova Délhi não trouxe novidade no tema,

mas reafirmou os avanços conseguidos na reunião de ministros da agricultura de 2011.

Destaca-se a preocupação dos BRICS em promover a segurança alimentar através de

infraestrutura que torne os países mais independentes, ao contrário da tradicional cooperação

Norte-Sul paternalista que não traz reais melhorias no desenvolvimento e também não

promove a liberdade dos vínculos coloniais (MOYO, 2009).

A preocupação com o meio ambiente e, principalmente, com a mudança climática e

também discutida pelos BRICS dentro do contexto do crescimento econômico. Na reunião de

Ministros das Relações Exteriores de 2008, os ministros apoiaram o fortalecimento da

cooperação internacional para o tema no contexto da Convenção-Quadro sobre Mudança

Climática da ONU e de seu Protocolo de Quioto. Em 2009, no comunicado conjunto sobre

Segurança Alimentar os BRIC lembraram que o fenômeno da mudança climática global tem

implicações diretas na segurança alimentar através de condições agroecológicas. Tal

percepção levou os Ministros da Agricultura, em reunião conjunta em 2010, a colocar como

prioridades na cooperação a redução do impacto negativo da mudança climática na segurança

alimentar. A Cúpula de Brasília, no mês seguinte, também reconheceu a mudança climática

como ameaça e defende que as negociações internacionais devem ser mais inclusivas e

transparentes, refletindo o princípio da equidade e responsabilidades comuns, mas

diferenciadas. Também a Cúpula de Sanya tratou o tema, mas sem novidades, assim como a

reunião de Ministros de Agricultura em outubro de 2011. A Cúpula de Nova Délhi em 2012,

além de reforçar as declarações anteriores, destacou que os países desenvolvidos que são parte

da Conferência da ONU sobre Mudança Climática devem prover apoio financeiro,

tecnológico e capacitação para a preparação e implementação, por parte dos países em

desenvolvimento, de ações nacionalmente apropriadas de mitigação. Por fim, na Cúpula de

2013 em eThekwini, os BRICS conclamam por uma conclusão, em 2015, de um novo

protocolo para a questão da mudança climática.

Para além das questões relacionadas à mudança climática recém-apresentados, os

BRICS na Cúpula de 2012 declararam manter os esforços para a implementação da

Convenção sobre Diversidade Biológica, com especial atenção ao Protocolo de Nagoya sobre

o Acesso a Recursos Genéticos e Repartição Justa e Equitativa de Benefícios Derivados de

Sua Utilização, ao Plano Estratégico para a Biodiversidade 2011-2010 e à Estratégia para a

Mobilização de Recursos.

55

4.2.7 Cooperação monetária e CRA

O tema da cooperação monetária é um dos mais recentes nas declarações dos BRICS.

Na Cúpula de 2010, eles declararam haver necessidade de um sistema monetário internacional

estável, previsível e diversificado. Em 2011, a Cúpula trouxe o apoio a uma reforma do

sistema monetário internacional por meio de um sistema de reservas internacionais. Neste

contexto, eles apoiaram o debate sobre os Direitos Especiais de Saque (SDR na sigla em

inglês). As dificuldades encontradas pela dependência principalmente do dólar levou o

BRICS a, na Cúpula de 2013, anunciar o Arranjo Contingente de Reservas (CRA na sigla em

inglês), que ajudará os países do BRICS a evitar pressões de liquidez no curto prazo,

fornecerá apoio mútuo e reforçará a estabilidade financeira. O CRA é estabelecido com o

tamanho inicial de 100 bilhões de dólares.

Na reunião à margem do G20 em setembro de 2013, mais detalhes acerca do CRA são

revelados. Do valor total, a China se comprometeu com 41 bilhões de dólares. Brasil, Rússia e

Índia com 18 bilhões de dólares cada. Finalmente, a África do Sul, consideravelmente menor

que seus pares, contribuirá com 5 bilhões de dólares.

O anúncio do CRA surpreendeu à época que foi anunciado, uma vez que a expectativa

dos analistas se focava na possível criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS, que

havia sido anunciado na Cúpula anterior e que, entretanto, teve um avanço menor em termos

de negociação em comparação ao CRA.

A preocupação em promover a cooperação monetária se dá dentro de um contexto no

qual o BRICS demanda maior regulação do mercado financeiro. Na Cúpula de 2010, os

BRICS criticam a crença na natureza de autorregulação dos mercados financeiros e defendem

a cooperação em regulação e supervisão das instituições e instrumentos dos mercados

financeiros. Na Cúpula de 2012 e na reunião dos líderes dos BRICS às margens do G20 em

2013, foi reforçada a necessidade de reforma com maior supervisão financeira internacional.

Em particular, a preocupação dos BRICS se manifesta pela volatilidade dos preços dos

produtos de base, como alimentos e energia, que representam parcelas consideráveis das

exportações dos BRICS.

56

4.2.8 Infraestrutura e industrialização na África

A questão da industrialização na África está crescendo na agenda dos BRICS dentro

de suas cúpulas. Na Cúpula de 2011, os países apoiaram o desenvolvimento de infraestruturas

e industrialização do continente no quadro da Nova Parceria para o Desenvolvimento da

África (NEPAD)17

. A Cúpula de 2012 destacou a importância do crescimento econômico que

apoie o desenvolvimento e estabilidade, uma vez que muitos países africanos não realizaram

ainda completamente o potencial econômico. Nesse sentido, os BRICS dizem levar adiante a

cooperação em apoio aos esforços de aceleração da diversificação e modernização das

economias africanas, através do desenvolvimento de infraestrutura, intercâmbio de

conhecimento e apoio à ampliação de acesso à tecnologia, aumento da capacitação com

investimento em capital humano, inclusive (reforçando a declaração do ano anterior) no

contexto da NEPAD.

A Cúpula de 2013, na África do Sul, colocou o tema com importância até então não

vista. No primeiro ponto relativo ao tema, os BRICS se colocam abertos ao engajamento e

cooperação com países não membros da coalizão, em particular emergentes e em

desenvolvimento. Os BRICS também realizaram um encontro com líderes africanos com o

tema “Liberando o potencial da África: Cooperação entre BRICS e África em Infraestrutura”,

o que reforça o interesse do grupo em aprofundar esta cooperação. No segundo ponto, dentro

do âmbito da NEPAD, os BRICS afirmam apoiar o processo de industrialização dos países

africanos através de estímulo ao investimento direto externo (IDE), ao intercâmbio de

conhecimento, à capacitação e à diversificação das importações provenientes da África.

Destaca-se que a base deste estímulo dos BRICS é o benefício mútuo (o que a diplomacia

chinesa constantemente chama de win-win), em vistas de apoiar o desenvolvimento industrial,

a criação de emprego, o desenvolvimento de competências, segurança alimentar e nutricional,

erradicação da pobreza e desenvolvimento sustentável na África. Por fim, o terceiro ponto do

tema na Cúpula de eThekwini saúda o Acordo Multilateral sobre Cooperação e co-

financiamento para o Desenvolvimento Sustentável entre os Bancos de Exportação-

Importação e Bancos de Desenvolvimento dos BRICS. Este acordo é fundamental, dadas as

17 O NEPAD é um programa de desenvolvimento da União Africana que visa dar aos países africanos controle pleno das suas agendas de desenvolvimento, em destaque a seis temas centrais: agricultura e segurança

alimentar, mudança climática e gestão dos recursos naturais, integração regional e infraestrutura,

desenvolvimento humano, governança econômica e corporativa e questões transversais como gênero,

desenvolvimento de capacidades e tecnologias de informação e comunicação.

57

necessidades de financiamento de infraestrutura no continente africano, para a criação de um

Banco de Desenvolvimento dos BRICS, como será visto na a seguir.

4.2.9 Banco de Desenvolvimento dos BRICS

A criação de um Banco de Desenvolvimento dos BRICS é uma das principais

promessas da coalizão, além de uma importante etapa em direção à institucionalização do

grupo. A possibilidade foi anunciada na Cúpula de Nova Délhi em 2012. Na declaração, os

BRICS disseram que consideravam a possibilidade de estabelecer este banco, que mobilizará

recursos principalmente para projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável, não

somente entre os BRICS, mas também em outros países emergentes e em desenvolvimento.

Eles destacaram que esta iniciativa não visa competir com outras formas de mobilização de

recursos já existentes, mas servirá como suplemento para tais as outras instituições

financeiras.

Assim, os Ministros de Finanças ficaram responsáveis por examinar a viabilidade da

iniciativa. No ano seguinte, na Cúpula de 2013 em eThekwini, os BRICS introduziram o tema

lembrando que os países em desenvolvimento enfrentam desafios para o desenvolvimento da

infraestrutura devido à insuficiência de financiamento de longo prazo e de investimento

externo direto, especialmente do investimento em capital. E então eles confirmam que a

criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS é factível e viável, com contribuição inicial

dos países substancial e suficiente para funcionamento efetivo do mesmo. Novamente os

líderes dos cinco países deixam a cargo dos ministros das Finanças e presidentes dos Bancos

Centrais o trabalho de negociar e concluir os acordos que estabelecem o novo banco.

Por fim, em setembro de 2013 os líderes dos BRICS, à margem da reunião do G20 em

São Petersburgo, deram o mais recente parecer em relação ao Banco de Desenvolvimento dos

BRICS. Eles declararam que houve avanços nas negociações relativas à estrutura de capital,

composição, participação acionária e governança. É também publicado o valor do capital

inicial, de 50 bilhões de dólares.

Por ser uma das mais recentes novidades do BRICS, as informações concretas e não

especulativas sobre o Banco de Desenvolvimento dos BRICS se resumem ao que foi apenas

apresentado. É provavelmente a principal promessa dos BRICS, assim como um grande

mecanismo para aumentar a cooperação com os países emergentes e em desenvolvimento,

além de um instrumento útil de poder para diminuir a dependência de organizações

dominadas pelas grandes potências, como o Banco Mundial.

58

4.2.10 Comércio intra-BRICS

Os BRICS praticamente não se pronunciaram em suas Cúpulas anuais para tratar da

intensificação do comércio entre eles. Entretanto, em três ocasiões o tema foi tratado em

declarações conjuntas. A primeira foi em 2010, em um memorando de cooperação entre os

bancos de desenvolvimento de Brasil (BNDES), Rússia (Vnescheconombank), Índia (Exim

Bank of India) e China (CDB). Na ocasião, os países apresentam o desejo de desenvolver

cooperação a longo prazo entre os quatro países para facilitar e apoiar transações e projetos

transfronteiriços de comum interesse, fortalecer e aumentar as relações comerciais e

econômicas entre os BRIC e suas empresas, estabelecer um esquema para prover serviços

financeiros e bancários para projetos de investimentos para promoção do desenvolvimento

econômico e estudar a viabilidade de estabelecer uma entidade entre os bancos para ajudar a

atingir os outros objetivos. Ainda no mesmo memorando, foram identificadas como áreas

majoritárias para a cooperação pelo alto potencial: troca de informações em projetos de

infraestrutura, energia, indústrias chave, indústria de alta tecnologia, setores orientados para a

exportação; assistência mútua na troca de informações e experiências em investimentos em

projetos de comum interesse na exportação de bens e serviços entre os países BRIC;

treinamentos de equipe, visitas de delegações, simpósios para negócios, workshops dentre

outros; conduzir estudos e iniciativas que busquem o fortalecimento e crescimento das

relações econômicas e comerciais entre os BRIC.

A segunda ocasião foi em 2011, na reunião dos Ministros de Comércio dos BRICS em

em Genebra, na Suíça. Os ministros lembram-se da importância da reunião feita entre os

Bancos de Desenvolvimento e destacam o papel de liderança que os países BRICS devem

desempenhar na cooperação Sul-Sul, em vistas do grande potencial de crescimento dos fluxos

de comércio e da cooperação em investimentos.

A terceira ocasião foi na reunião informal dos líderes dos BRICS em 2013. Em duas

curtas frases, eles saudaram a primeira reunião do Conselho Empresarial do BRICS que busca

incentivar a comunidade empresarial a incrementar contatos e cooperação e enfatizaram a

necessidade de cooperação econômica entre os cinco países.

Nota-se que o interesse em reforçar os laços de cooperação econômica e comercial

entre os países não é um objetivo político forte, dada a pouca atenção dada ao tema, mas é um

tema que está se institucionalizando através da cooperação entre os Bancos de

Desenvolvimento nacionais e pelas iniciativas da própria comunidade empresarial.

59

4.3 Outras agendas

Após análise das declarações dos BRICS nas agendas política e econômica,

analisaremos outros temas relevantes trabalhados pela coalizão.

4.3.1 Energia

A questão energética é um dos temas mais trabalhados entre os BRICS, sendo um dos

poucos que está presente em todas as declarações de Cúpula. A primeira ocasião entre as

declarações analisadas foi na reunião de Ministros das Relações Exteriores em 2008, quando

eles ressaltaram a conexão entre segurança energética, desenvolvimento socioeconômico e

proteção ambiental, apoiaram a cooperação entre produtores de energia, Estados de trânsito e

consumidores e enfatizaram a necessidade de apoiar programas que ampliem o acesso à

energia, eficiência energética, desenvolvimento e uso de fontes de energia novas, renováveis e

que sejam compatíveis com o desenvolvimento sustentável, como os biocombustíveis.

Em 2009, o tema foi tratado na Cúpula de Ecaterimburgo e na declaração conjunta

sobre Segurança Alimentar, que aconteceu contemporaneamente. Na declaração da Cúpula, os

BRIC retomam o afirmado em 2008 e apoiam a cooperação internacional no campo da

eficiência energética, dentro do princípio de responsabilidades comuns, mas diferenciadas, a

necessidade de proteção do clima e as medidas necessárias para o desenvolvimento

socioeconômico. Na declaração sobre Segurança Alimentar, é tratada a questão dos desafios e

oportunidades relacionados à produção de biocombustíveis, produção esta que deve estar

conectada à segurança alimentar, à segurança energética e às necessidades do

desenvolvimento sustentável18

. Os BRIC também defendem o estabelecimento de

mecanismos de cooperação internacional para revisar e reavaliar as implicações de longo

prazo do desenvolvimento de energia pela biomassa. Os países mostram-se interessados pela

troca de experiências relacionada aos biocombustíveis para comprovar a sustentabilidade da

produção e uso dos mesmos (daí a preocupação em não afetar a segurança alimentar).

18Vale destacar que o aumento na produção de biocombustíveis implica diretamente na agenda agrícola e de

alimentos, uma vez que terras férteis deixam de ser usadas na produção de alimentos para gerar energia, além do

possível aumento do land grabbing, prática na qual estrangeiros passam a adquirir grandes extensões de terra em países em desenvolvimento para produzir commodities, o que pode prejudicar a agricultura familiar, a segurança

alimentar de países em desenvolvimento e provocar impactos ambientais pela inserção em larga escala de

espécies não necessariamente típicas da região, ou não presentes em tão larga escala (SAUER, 2010; HALL,

2011).

60

Em 2010, na Cúpula de Brasília, os BRIC declaram que buscarão desenvolver

sistemas energéticos mais limpos, mais acessíveis e sustentáveis, promover o acesso a energia

e tecnologias mais eficientes, além de procurarem também diversificar as respectivas matrizes

energéticas. Eles reconhecem o potencial de tecnologias novas e ambientalmente sustentáveis,

que permitem diversificar a matriz energética e gerar empregos. É interessante o cuidado com

as palavras nesta declaração. Os BRIC não se “comprometem” a nada, mas dizem que vão

“buscar desenvolver”. Eles não vão “diversificar” as matrizes, mas vão “buscar diversificar”.

Eles não vão “aumentar” a contribuição de energias renováveis, mas vão trazer estas

contribuições “quando apropriado”. Este detalhe na redação da declaração esvazia a agenda,

uma vez que evidencia o baixo comprometimento com o tema, ainda que haja interesse em

buscar alternativas.

Em 2011, a Cúpula de Sanya destacou o papel das energias renováveis como meio

para combater a mudança climática e se dizem convencidos da importância da cooperação e

da troca de informações na área do desenvolvimento de fontes de energia renováveis. Sanya

insere, também, outra fonte de energia, a nuclear, ao defender que a energia nuclear deverá ser

elemento importante na matriz energética dos BRICS e ao defender a continuidade da

cooperação internacional no desenvolvimento seguro da energia nuclear para fins pacíficos.

Ainda em 2011, os Ministros da Agricultura também trabalharam questões relacionadas a

energia. Entretanto, o aumento da produção de alimentos para produção de biocombustível é

apontado como um problema que causa aumento no preço dos alimentos, o que agrava o

problema da fome em vários países, especialmente naqueles de baixa renda e com déficit na

produção de alimentos. Por outro lado, na mesma declaração os ministros afirmam que a

bioenergia é ambientalmente correta (environmental-friendly) e renovável na natureza. Mas

destacam que o apoio ao desenvolvimento da bioenergia deve existir somente com a garantia

da segurança alimentar. Os ministros declaram, ainda que as políticas nacionais para

desenvolvimento da bioenergia devem ser compatíveis com estratégias para redução da

pobreza, desenvolvimento rural e segurança alimentar e energética. Reconhecem, também, a

importância de pesquisa e desenvolvimento de alternativas para biocombustíveis que usam de

plantações que não servem como alimentos.

A Cúpula de 2012 em Nova Délhi trouxe dois pontos relacionados à energia. No

primeiro, sobre a questão nuclear iraniana, os BRICS defendem o direito de uso pacífico da

energia nuclear, inclusive pelo Irã. No segundo ponto, os BRICS admitem que a energia

baseada em combustíveis fósseis será ainda a dominante das matrizes energéticas e, como em

ocasiões anteriores, afirmam expandir as fontes de energia limpa e renovável e uso de outras

61

tecnologias eficientes para atender a demanda crescente das respectivas economias e para

responder às preocupações com o clima. Os BRICS, porém, destacam a energia nuclear como

limpa e de baixo impacto ambiental. Em eThekwini, na Cúpula de 2013, os BRICS mais uma

vez tratam a questão iraniana em defesa do uso pacífico da energia nuclear. Curiosamente,

nada foi declarado a respeito de alternativas às fontes fósseis de produção de energia.

4.3.2 Assistência humanitária

A questão da assistência humanitária nas Cúpulas dos BRICS surgem tanto em

contexto de desastres ambientais quanto em contextos críticos de pobreza e fome. Na Cúpula

de 2009, reiteram o compromisso de elevar a cooperação entre países em áreas socialmente

vitais e a aumentar os esforços para a provisão de assistência humanitária internacional e para

a redução de riscos de desastres naturais. Em 2010, a Cúpula relembrou o terremoto haitiano

de janeiro de 2010 e reiteraram o compromisso de reunir esforços com a comunidade

internacional para ajudar a reconstruir o país. Também em 2010 eles reafirmam esforços para

aumentar a cooperação e assistência entre os BRIC para redução de desastres naturais, como

no terremoto de Yushu (China) e no deslizamento de terra no Rio de Janeiro. Em 2011, a

Cúpula de Sanya presta condolências ao Japão em decorrência da catástrofe iniciada por um

terremoto em março de 2011 e declaram continuar o apoio ao país para superar as

consequências da catástrofe. Em Nova Délhi, a Cúpula de 2012 lembrou a crise humanitária

no Chifre da África e os BRICS expressaram compromisso com o alívio da crise.

Sobre o tema, é interessante notar que é um caso no qual os países aceitam cooperar

automaticamente, dispensando assim necessidade de mecanismos institucionais que

incentivem a cooperação, mas somente que organize e que torne mais eficiente a ajuda.

4.3.3 Diversidade Cultural (Aliança das Civilizações)

Os BRICS incentivaram uma única vez o diálogo entre civilizações, culturas, religiões

e povos através da Aliança de Civilizações, iniciativa da ONU importante para a promoção da

diversidade cultural. Entretanto, o tema não voltou de maneira relevante na agenda dos

BRICS, o que surpreende ao observar que os BRICS são um exemplo de cooperação na

diversidade, uma vez que são países de histórias e culturas muito diferentes que se unem em

busca de encontrar agendas comuns em um mundo cada vez mais multilateral. A foto oficial

dos líderes dos países BRICS é interessante neste sentido: se tomarmos, por exemplo, a foto

62

de 2011, teremos a Rússia representada por um caucasiano (Dmitri Medvedev), a China por

um biótipo oriental (Hu Jintao), a África do Sul por um negro (Jacob Zuma), a Índia por um

sikh, sempre com turbante (Manmohan Singh) e o Brasil por uma mulher (Dilma Rousseff).

Não obstante, a diversidade cultural dos BRICS não é tomada em consideração nas suas

declarações conjuntas.

4.3.4 Internet, Cyberespaço e Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC)

Na Cúpula de eThekwini em 2013 os BRICS falaram pela primeira vez sobre o papel

da internet na promoção do desenvolvimento econômico, social e cultural. E defenderam a

importância de um ciberespaço pacífico, seguro e aberto, cuja segurança no uso das

Tecnologias de Informação e Comunicação se dê por normas, padrões e práticas

universalmente aceitos.

4.3.5 Saúde Pública e Reforma da OMS

A Saúde Pública nunca foi tratada pelos BRICS em suas Cúpulas anuais, mas foi tema

de declaração conjunta dos respectivos ministros da Saúde em 2011 em Beijing e em 2012 em

Genebra, na Suíça.

Em 2011, os ministros declararam que a saúde pública é um elemento essencial para o

desenvolvimento social e econômico e, portanto, deve ser tratado por políticas nacionais e

internacionais. Para eles, o fortalecimento dos sistemas de saúde e seu financiamento nos

países em desenvolvimento deve ser o objetivo central da comunidade global de saúde. Nessa

perspectiva, a Organização Mundial da Saúde (OMS) deve ter um papal majoritário na

promoção do acesso a medicamentos, transferência de tecnologias e capacitação para

promover universalmente um acesso à saúde mais igual. Eles ainda reconhecem desafios

comuns aos BRICS, como promover assistência médica a um volume de milhões de pessoas,

em particular nos segmentos mais vulneráveis da população, em particular em doenças

infecciosas como a AIDS e a tuberculose. Destaca-se na declaração a reafirmação do

compromisso de promover os BRICS como fórum de coordenação, cooperação e consulta em

relevantes questões relacionadas à saúde pública global, o que levou os ministros a concordar

em institucionalizar uma base permanente de diálogo entre Ministros da Saúde e entre os

respectivos representantes permanentes em Genebra. Esta decisão se destaca por ser uma das

raras ocasiões em que os BRICS caminham concretamente em direção a uma maior

63

institucionalização da coalizão, apesar de não ser em um tema considerado prioritário. Os

ministros de saúde dos BRICS também concordaram em estabelecer uma agenda de saúde

global para acesso universal a medicamentos e produtos de saúde. Outro ponto tratado foi o

apoio à Declaração de Doha no sobre saúde pública, inovação e propriedade intelectual. Por

fim, ainda foi estabelecido um grupo técnico para discutir propostas específicas, entre elas a

ideia de criação de uma rede de cooperação tecnológica dos BRICS.

Na reunião de 2012, os Ministros da Saúde dos BRICS reafirmaram o que haviam

declarado no ano anterior, destacando a importância da transferência de tecnologia como meio

de empoderar os países em desenvolvimento na promoção da saúde pública, os medicamentos

genéricos ao garantirem o direito à saúde, o estabelecimento de prioridades na pesquisa e

desenvolvimento e a cooperação entre os países BRICS. Os ministros também destacaram a

necessidade da ação unificada dos BRICS para garantir que a OMS permaneça comprometida

com o fortalecimento dos mecanismos regulatórios de drogas e que evite envolver-se em

questões relacionadas a direitos de propriedade intelectual. Eles também expressaram

preocupação com a falta de pesquisas de doenças como a tuberculose, a malária e outras

doenças negligenciadas.

Alguns pontos se destacam nesta agenda. Em primeiro lugar, a notável velocidade com

a qual a agenda da saúde pública se institucionaliza mais velozmente do que outras entre os

BRICS. Isso se dá em grande medida pelo fato de serem países em condições semelhantes,

com forte interesse em viabilizar o acesso universal a medicamentos para milhões de

habitantes. Em segundo lugar, destaca-se o interesse dos países na quebra de patentes de

medicamentos (como os antirretrovirais), que é negociada no âmbito da OMC, na discussão

sobre propriedade intelectual. Neste sentido, é válido lembrar das já conquistadas licenças

compulsórias para medicamentos no tratamento da AIDS (MARTINS, 2013).

Em relação à reforma da Organização Mundial da Saúde, os BRICS se manifestaram

nas duas declarações de ministros da Saúde de 2011 e 2012. Na primeira ocasião, em Pequim,

os cinco países se colocaram determinados a fortalecer a saúde pública a nível global ao

aumentar a liderança e papel coordenador da OMS em relação à cooperação internacional

para a saúde. Eles pedem também maior apoio dos países desenvolvidos diante dos desafios

financeiros impostos pela crise econômica e apoiam mecanismos de financiamento

inovadores para a saúde como meios para mobilizar recursos adicionais. E é neste contexto

que apresentam a necessidade e importância de reforma da OMS, que inclua maior foco na

atividade principal, fortalecimento do financiamento, mobilização de recursos e comunicação

64

estratégica e fortalecimento do papel da OMS na governança da saúde global, cuja liderança

se dê com transparência, eficiência e responsabilidade (accountability).

Já na segunda reunião, em Genebra (Suíça), os BRICS reiteraram a relevância do

processo de reforma e destacaram a necessidade de um processo de tomada de decisões

transparente e inclusivo dentro da OMS, de maneira a valorizar o multilateralismo como

princípio fundamental que fortalece e legitimiza a organização enquanto autoridade

coordenadora das questões relacionadas à cooperação e saúde global.

Em relação a este processo, os BRICS se mostram satisfeitos com o caminho que está

sendo percorrido para a reforma pela Diretora Geral Margaret Chan, chinesa que foi,

inclusive, apoiada pelos BRICS para um novo mandato adiante da organização. A insatisfação

parece, novamente, estar na relação com os países desenvolvidos, que não estariam

colaborando financeiramente de modo suficiente para permitir que a OMS desenvolva seu

potencial de autoridade em saúde global.

65

5. ANÁLISE DO PAPEL E DAS DEMANDAS DO BRICS

O capítulo anterior é de grande valia para uma análise sobre o papel e as demandas do

BRICS enquanto coalizão de potências emergentes. Nos cinco anos de reuniões de Cúpula

dos BRICS não é possível observar relevantes mudanças no conteúdo das agendas, mas houve

o aumento do número de temas discutidos, como pode ser observado no capítulo anterior. Os

quadros a seguir fazem síntese dos pontos nos quais os cinco países chegaram a

entendimentos comuns.

Quadro 5 – Síntese da “Política Externa” dos BRICS na Agenda de Segurança

Tema Posição

AGENDA DE SEGURANÇA

Ordem do sistema

internacional

Não querem uma nova ordem, mas querem maior poder relativo, de

modo que o sistema passe a ser multipolar, mas ainda com os EUA

assumindo os custos da liderança.

Terrorismo Condenam enfaticamente o terrorismo

Reforma da ONU Desejam uma reforma que dê maior representatividade aos países

emergentes e em desenvolvimento, mas não possuem uma proposta

comum.

Primavera Árabe Evitam interferir em questões internas, defendem resoluções

pacíficas.

Guerra no

Afeganistão

Pouco envolvimento com o tema

Papel da União

Africana

Apoiam a atuação e incentivam a cooperação com o Conselho de

Segurança da ONU.

Reconhecimento da

Palestina

Mantém o apoio à solução de dois Estados na questão Israel-Palestina.

Questão nuclear do

Irã

Defendem a resolução pacífica da questão e o uso da energia nuclear

para fins pacíficos.

Conflitos africanos Evitam interferir em questões internas, se oferecem para cooperar,

defendem a resolução pacífica da questão.

Fonte: Dados da pesquisa

66

Como principais características relacionadas à agenda de segurança dos BRICS,

destaca-se a busca por maior poder relativo dentro da ordem atual, de modo que ela passe a se

tornar multipolar, mas mantendo os Estados Unidos enquanto ator responsável pelos custos da

liderança e segurança do sistema. Além disso, os BRICS desejam resoluções pacíficas de

conflitos na África e Ásia e demandam reformas das organizações internacionais do regime de

segurança internacional, em particular o Conselho de Segurança, ainda que não consigam

chegar em uma proposta comum.

Quadro 6 – Síntese da “Política Externa” dos BRICS na Agenda Econômica

Tema Posição

AGENDA ECONÔMICA

Papel do G20 Defendem o G20 como fórum principal para lidar com a crise

financeira e outras questões econômicas.

Reforma do FMI e

Banco Mundial

Demandam reformas que tornem as instituições mais representativas,

ou seja, com mais espaço para emergentes e países em

desenvolvimento.

Comércio e Rodada

de Doha

Criticam veementemente o protecionismo comercial, mas defendem

que agricultores de países pobre possam ter incentivos. Para a Rodada

de Doha, defendem o single undertaking por viabilizar a barganha.

Defendem também maior importância para a UNCTAD, que dá mais

espaço para países emergentes e em desenvolvimento.

Preocupação com os

países mais pobres

Demandam maior ajuda dos países desenvolvidos e se comprometem

a cooperar com benefícios mútuos. Prioridade no combate à pobreza.

Urgência para os Objetivos do Milênio. Destacam necessidade de

financiamento para construção de infraestrutura.

Desenvolvimento

Sustentável

Defendem a economia verde como meio para promover o

desenvolvimento sustentável e combater a pobreza, não como um fim

em si mesmo.

Crise econômica e

crescimento

Culpam os países desenvolvidos pela crise econômica, criticam as

políticas domésticas que geram excesso de liquidez e exigem políticas

macroeconômicas que retomem o crescimento e gerem empregos.

Cooperação

monetária e CRA

Não pretendem abandonar o FMI, mas criam o CRA como alternativa

para evitar pressões de liquidez no curto prazo.

67

Regulação do

mercado financeiro

Crítica à crença de autorregulação dos mercados financeiros.

Defendem regulação e supervisão.

Agricultura

e Segurança

Alimentar

Preocupação com a volatilidade dos preços globais de alimentos.

Defesa do princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada.

Compromisso em ajudar países em escassez alimentar a aumentar a

produção para atingir a segurança alimentar, principalmente com

pequenos fazendeiros.

Infraestrutura e

Industrialização na

África

Forte interesse em apoiar o desenvolvimento de infraestrutura e

industrialização, coerente com o pensamento de cooperação com

benefícios mútuos. Apoio ao NEPAD. Apoio à industrialização

através de investimento externo direto dos BRICS.

Banco de

Desenvolvimento

Vai ser criado para mobilizar recursos em projetos de infraestrutura e

desenvolvimento sustentável, para suplementar as instituições

financeiras já existentes.

Comércio entre os

BRICS

Pouca atenção diplomática para o tema, mas forte interesse dos

Bancos de Desenvolvimento de cada país e das comunidades

empresariais.

Fonte: Dados da pesquisa

A agenda econômica acima revela, assim como na agenda de segurança, a aspiração

do BRICS por maior poder relativo, mas sem comprometer a ordem liberal. Outra questão que

emerge com força nesta agenda é a preocupação dos BRICS com os países emergentes e em

desenvolvimento, preocupação esta que os leva a criar novas iniciativas como o Banco de

Desenvolvimento e a propor um novo paradigma de cooperação, no qual a ajuda internacional

e o investimento direto externo são os dois mecanismos para viabilizar o ganho mútuo entre

os países.

Quadro 7 – Síntese da “Política Externa” dos BRICS em Outras Agendas

Tema Posição

OUTRAS AGENDAS

Energia Apoio a fontes alternativas de energia desde que sejam compatíveis

com o desenvolvimento sustentável, mas comprometimento baixo.

68

Assistência

humanitária

Compromisso para ajudar em desastres baseado no princípio da

solidariedade.

Diversidade

Cultural

Pouco envolvimento com o tema.

Mudança climática

e meio ambiente

Preocupação com mudança climática vem da ameaça à segurança

alimentar. Defesa do princípio das responsabilidades comuns, mas

diferenciadas. Exigem mais recursos dos países desenvolvidos para

ajudar os países em desenvolvimento a mitigar o impacto da mudança

climática.

Internet,

Cyberespaço e TIC

Pouco envolvimento com o tema.

Saúde Pública Criação de base permanente de diálogo em Genebra dos BRICS vindo

do reconhecimento que possuem problemas em comum. Defendem

acesso universal a medicamentos e produtos de saúde.

Reforma da OMS Pedem maior apoio financeiro dos países desenvolvidos. Apoiam

reforma que valorize o multilateralismo, que dá mais espaço para

emergentes e países em desenvolvimento.

Fonte: Dados da pesquisa

Estas outras agendas apresentadas no Quadro 7 mantêm o discurso por reformas de

organizações internacionais em prol da multipolaridade e a demanda por promoção do

desenvolvimento em países emergentes e em desenvolvimento. É relevante notar a

preocupação dos BRICS em esclarecer, nas agendas relacionadas ao meio-ambiente, que o

pensamento sustentável e de interesse deles, mas não é prioritário quando for obstáculo para o

desenvolvimento dos países em desenvolvimento.

Após entender quem são os países membros, o tipo de agrupamento formado e os

posicionamentos em diversos temas das agendas política e econômica, é possível entender

melhor de que maneira o BRICS está presente no sistema internacional, viabilizando a

presença das cinco potências emergentes da coalizão.

Ao buscar um conceito capaz de incorporar adequadamente os cinco países BRICS,

temos que eles estão insatisfeitos com a ordem unipolar, mas não exigem ou buscam

mudanças radicais na ordem. A estratégia de soft-balancing no relacionamento com os

Estados Unidos permite uma oposição suave à potência hegemônica, de modo a diminuir o

69

poder estadunidense e aumentar em termos relativos o poder dos BRICS. Esta dinâmica se dá

através de instituições internacionais e coalizões, mecanismos que viabilizam e potencializam

a participação e peso de países que não são capazes de pressionaram de maneira eficiente

sozinhos, como defendeu Keohane (1969) e Hurrell (2006). Em relação às instituições

internacionais, comprova-se este comprometimento quando se observa a preocupação que o

BRICS tem em trazer reformas que promovam maior representação dos países emergentes e

em desenvolvimento, assim como quando defendem o direito internacional e o

multilateralismo. As declarações analisadas mostram que isso acontece com o Conselho de

Segurança da ONU, com o FMI, com o Banco Mundial, com a OMC e com a OMS, o que

comprova a tese acima, que países emergentes buscam atuar através de instituições

internacionais. A atuação em grupos de pressão e coalizões também destacada por Hurrell

(2006) é também forte quando o autor enumera algumas destas iniciativas, como o G20

financeiro, o G20 da OMC, o IBAS, Organização da Cooperação de Xangai e, claro, o

BRICS. A ausência de demandas radicais, mas este intenso trabalho de coordenar posições

políticas, evidencia a ideia de que os países BRICS não buscam mudar a ordem liberal

vigente, mas buscam maior presença e poder na mesma, se opondo à preponderância dos

Estados Unidos. É interessante notar a delicadeza desta oposição: por um lado, como ressalta

Pape (2005), os BRICS se beneficiam dos custos da liderança que são assumidos pelos

Estados Unidos, em especial ao fornecer bens públicos nas áreas de segurança e economia.

Por outro lado, eles se opõem de maneira cuidadosa à concentração de poder típica desta

ordem liberal e, portanto, demandam por reformas que dê a eles maior poder de decisão em

instituições internacionais.

Ainda sobre as demandas por mudanças dentro da ordem, é interessante notar o

constante apelo dos BRICS pela paz e a repulsa por intervenções militares. Como elementos

relevantes que ajudam a formar esta posição é possível apontar, em primeiro lugar, uma

preocupação geopolítica dos países asiáticos dos BRICS (Rússia, Índia e China) que se

encontram muito próximos de países que os Estados Unidos invadiram ou ameaçam invadir,

como Afeganistão, Iraque e Irã. Entretanto, é relevante notar que a preocupação está mais em

limitar a presença militar dos Estados Unidos na região do que, de fato, evitar ações

militarizadas, uma vez que todos os três países possuem histórico bélico conturbado.

É possível questionar, neste contexto de mudança da distribuição de poder da ordem

internacional, se o sistema vai continuar unipolar. Quando o BRICS demanda em suas

declarações um sistema multipolar não está, necessariamente, desafiando a ordem

internacional surgida com o final da Segunda Grande Guerra que permanece até hoje, mas

70

busca corrigir o anacronismo institucional, decorrente da falta de reformas que ajustassem as

organizações a novos contextos internacionais. O interesse dos BRICS por tais reformas é

movido pelo fato de que são justamente eles os países que mais se beneficiariam de eventuais

reformas, por serem as novas potências políticas e econômicas, o que faz sentido em uma

análise racionalista como a deste trabalho, que entende o ator racional como aquele que busca

evitar custos e maximizar os ganhos.

A possibilidade de institucionalização dos BRICS é uma questão que emerge desta

análise de coalizão. Pelas agendas analisadas, é possível afirmar que eles são muito diferentes

entre si, uma vez que concordam com pontos demasiado genéricos, sem apresentar propostas

concretas, como temos na discussão de reforma do Conselho de Segurança e na Rodada de

Doha. Dado que maior institucionalização significa maior comprometimento e menor

flexibilidade, pode não ser tão interessante para os países a institucionalização, pelo menos

não enquanto tamanhas diferenças permanecerem. O formato atual, de coalizão, é interessante

na medida em que permite que os países cooperem nos temas que julgarem adequados e que

os permita discutir e negociar temas mais delicados sem implicar em um compromisso

formal. É interessante notar como que o surgimento do Banco de Desenvolvimento dos

BRICS se institucionaliza enquanto o BRICS continua como fórum: de outra maneira, o

Banco de Desenvolvimento teria maiores dificuldades em ser criado, dada a ausência de

espaços de negociação com baixo comprometimento institucional.

Neste sentido, vale notar a importância de um comportamento pragmático entre os

BRICS, voltado à cooperação entre eles, ainda que haja pouca convergência de valores

comuns e grandes diferenças em termos políticos, econômicos e culturais. Se os cinco países

tivessem um comportamento restritivo em relação a tais diferenças, o potencial de cooperação

do BRICS seria fortemente reduzido. O diálogo pragmático permite que várias questões

pontuais de comum acordo sejam levadas adiante, ainda que defendidas por motivações

diferentes. Um bom exemplo que demonstra este fato é na agenda de meio-ambiente, na qual

foi formada uma outra coalizão chamada BASIC, que agrupa praticamente os mesmos países,

mas exclui a Rússia. Isso não significa que o BRICS não tem na sua agenda a questão

ambiental, mas as diferenças de posicionamento político levam a declarações genéricas, o que

passa a ser contornado pela lógica das coalizões de geometria variável, ou seja, o BASIC para

este exemplo.

Além da atuação em instituições multilaterais, Hurrell (2006) apontou as regiões como

espaço para atuação das potências emergentes. É interessante notar, todavia, que somente a

África do Sul trouxe a respectiva região para a agenda do BRICS na Cúpula de eThekwini. A

71

África Subsaariana, porém, possui um contexto no qual potências estrangeiras disputam

mercado, influência e poder. E nesta disputa, os países BRICS, inclusive a África do Sul,

rivalizam e cooperam simultaneamente.

O convite feito à África do Sul para participar da coalizão é relevante neste contexto: o

interesse dos outros quatro países do então BRIC pelo país africano está na possibilidade que

a África do Sul fosse o ator que legitimiza a presença dos BRICS na África, por ser também

africano. Esta confiança que a África do Sul transmite a outros países africanos é importante

também na perspectiva do Banco de Desenvolvimento dos BRICS, que tem como objetivo

cooperar no desenvolvimento de infraestrutura principalmente em países da região. Assim, é

possível concluir que o convite não se deu por semelhanças políticas e econômicas, mas sim

pelo legitimidade que traz às presença chinesa, indiana, brasileira e russa na África

Subsaariana.

Ao considerar o Sul Global, ou os países em desenvolvimento localizados

principalmente na América Latina, África Subsaariana e Sul da Ásia, é interessante notar

como os BRICS se posicionam como líderes, dada a força econômica deles e o potencial para

ajuda e cooperação para o desenvolvimento diferenciada destes países. Em declarações

conjuntas, eles se colocam como defensores dos países em desenvolvimento e fazem

demandas em prol do desenvolvimento destes países e pela maior cooperação Norte-Sul e

Sul-Sul. Já entre os países desenvolvidos, os BRICS se posicionam demandando recursos

também para eles porque ainda estão se desenvolvendo. Ou seja, entre os mais pobres eles se

colocam como líderes e entre os ricos eles se colocam como pobres, criando assim uma

espécie de presença intermediária que encontra no conceito de Hurrell de potência emergente

uma explicação adequada, como visto anteriormente.

Em relação à Cooperação para o Desenvolvimento, é interessante notar o esforço do

BRICS em mostrar como este processo é diferente da Cooperação tradicional Norte-Sul e, de

alguma maneira, complementar. O BRICS afirma que a Cooperação Sul-Sul é uma relação

win-win (jogo de soma positiva, na qual todos ganham) com outros países em

desenvolvimento, mas não querem que estas relações diminuam os recursos vindos da

cooperação Norte-Sul. Lógica sempre racional, em que buscam aumentar os ganhos através

de ambas as modalidades de cooperação, ganho não somente no sentido de recursos

financeiros, mas também no sentido de promoção do desenvolvimento.

A agenda de desenvolvimento está no centro da preocupação dos BRICS ao lado das

demandas por maior participação na ordem internacional. Mas esta preocupação não é

colocada de maneira altruísta. Na verdade, a lógica defendida pelos países BRICS de

72

cooperação win-win se baseia em uma noção de cooperação de benefício mútuo, no qual os

BRICS também ganham ao serem solidários (por exemplo, com investimento externo direto).

Ou seja, os BRICS colocam ajuda internacional e investimento externo direto como inciativas

de cooperação. Os BRICS apresentam esta noção nova de cooperação, mas não parecem

propor uma noção alternativa de desenvolvimento, uma vez que apoiam sem restrições os

Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, atuam comercialmente dentro da lógica capitalista

do sistema e se mostram dispostos a cooperar para a agenda de desenvolvimento pós-2015 das

Nações Unidas. Isto é mais uma evidência de que os BRICS não almejam uma nova ordem,

mas sim uma mudança na distribuição de poder dentro da ordem vigente.

Dada a centralidade do tema do desenvolvimento, para os BRICS é muito importante

que FMI e Banco Mundial se reformem. Eles conseguiram mudanças pequenas (no percentual

dos votos), mas seguem exigindo mudanças efetivas na distribuição de poder nas instituições

financeiras. E, dentro da perspectiva da Cooperação Sul-Sul que complementa a Cooperação

Norte-Sul, é importante notar a criação do Arranjo Contingente de Moedas entre os BRICS

que pode servir como um complemento do FMI e o Banco de Desenvolvimento dos BRICS

que pode complementar o trabalho feito pelo Banco Mundial. A criação destas instituições

BRICS não significa que eles vão abandonar as instituições de Bretton Woods, já que nas

próprias declarações eles se comprometem a colocar mais recursos e sempre pedem por

mudanças nestas organizações. Entretanto, criar mecanismos alternativos é um meio de os

cinco países conseguirem mais poder sem sair da ordem unipolar vigente. Os custos que os

países BRICS estão assumindo, tanto na criação destas instituições quanto no

comprometimento com as instituições de Bretton Woods é um indicador considerável da

importância que o BRICS dá para a agenda de desenvolvimento.

Por fim, é interessante notar como que as diversas agendas trabalhadas, direta ou

indiretamente, colaboram na demanda dos BRICS pela promoção do desenvolvimento ou pela

maior presença relativa em instituições internacionais multilaterais. É assim na agenda de

saúde, em que há tanto apoio a reformas na OMS quanto o apoio a acesso universal a

medicamentos e produtos de saúde, derrubando assim limitações oriundas da defesa da

propriedade intelectual que eram obstáculos para combate de doenças como AIDS e malária

nos países em desenvolvimento.

73

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a apresentação de dados e análises feitas nos capítulos anteriores, retomaremos

aqui os elementos que guiaram este trabalho para sua devida conclusão.

A pergunta de partida deste trabalho foi “Por que o BRICS tornou-se um agrupamento

político?”. O objetivo geral foi compreender o processo de articulações entre os BRICS de

modo a identificar os limites e potencialidades do grupo através da análise da estratégia de

soft-balancing usada por tais países conjuntamente. Deste objetivo surgiram três objetivos

específicos: analisar a discussão de como classificar os países componentes dos BRICS em

relação à posição dos mesmos no sistema internacional, analisar o processo de formação dos

BRICS enquanto agrupamento político, entendendo a partir do conceito de coalizão este

processo e, finalmente, analisar as agendas trabalhadas pelos BRICS e apresentadas nas

declarações conjuntas de reuniões ministeriais e Cúpulas entre os Chefes de Estado e

Governo. Nossa hipótese foi que Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, em uma busca

por balanceamento sem desafiar diretamente a preponderância militar dos Estados Unidos,

usam como estratégia o soft-balancing. Como será melhor explicado nos parágrafos seguintes,

nossa hipótese foi confirmada através da execução deste trabalho monográfico.

No capítulo introdutório, foi apresentado o interesse em compreender o processo de

articulações entre os BRICS, o que foi viabilizado através dos três capítulos seguintes. No

capítulo conceitual, foi possível entender que os países constituintes do BRICS são potências

emergentes, aspirantes a grandes potências, limitadas quando agem isoladamente, mas de

impacto considerável quando agem coordenadamente e através de instituições multilaterais.

No capítulo histórico sobre a coalizão, vimos os passos que foram dados pelas diplomacias

dos cinco países que levaram à situação atual do BRICS, que pode ser entendido como uma

coalizão, dado seu baixo nível de formalização e seu alto potencial para viabilizar discussões

e negociações em um contexto de alta heterogeneidade. No capítulo seguinte, foram

apresentadas as principais agendas trabalhadas pelos países BRICS, de modo que foi possível

entender como se posicionam nos principais temas contemporâneos das relações

internacionais, ou como se ausentam de certas discussões, em particular relacionadas à

promoção da democracia, à defesa dos direitos humanos e à defesa de autodeterminação dos

povos. Enfim, o capítulo analítico permitiu que as considerações, dados e hipóteses anteriores

se encontrassem em uma análise qualitativa do processo de cooperação entre os cinco países,

que levou ao entendimento do papel dos BRICS no sistema internacional e permitiu

identificar as aspirações que guiarão o processo de continuidade da coalizão no futuro.

74

Neste sentido, a pergunta de partida “por que o BRICS tornou-se um agrupamento

político?” foi respondida ao longo do trabalho, em particular quando se buscou evidenciar a

necessidade que potências emergentes possuem de coordenar posições para agir

conjuntamente, ganhando maior relevância no cenário político internacional. Nossa hipótese,

que postula que os países BRICS, em uma busca por balanceamento sem desafiar diretamente

a preponderância militar dos Estados Unidos, escolhem a estratégia de soft-balancing, foi

confirmada, já que foi mostrado que eles se opõem à hegemonia, mas sem usar de meios

militares para balancear e sem demandar uma nova ordem.

A pergunta feita logo no início da introdução pode retornar aqui para concluir nosso

trabalho. O que é o BRICS? Em suma, é possível dizer que o papel da coalizão BRICS é

viabilizar e potencializar a ação política das cinco potências emergentes envolvidas, que se

posicionam no sistema internacional de maneira a se opor à concentração hegemônica de

poder, mas sem se opor à ordem liberal, dado o alto custo que esta oposição implicaria.

Assim, este balanceamento brando se manifesta em duas questões principais: a primeira

questão são as reformas de instituições internacionais de modo que se tornem mais

multilaterais e deem mais poder e voz aos países emergentes e em desenvolvimento e a

segunda é a defesa da promoção do desenvolvimento principalmente nos países e regiões mais

necessitados, através de cooperação tradicional, com recursos vindos dos países

desenvolvidos e complementada pela cooperação de ganhos mútuos, entre países em

desenvolvimento, cooperação esta que pode ocorrer tanto através de ajuda internacional

quanto através de investimento externo direto. Nestes dois grandes temas (reformas de

instituições e cooperação para o desenvolvimento), os países BRICS mantém as

características de atores racionais, orientados aos ganhos relativos, através da redução de

custos e maximização de ganhos. Estas dinâmicas, em um contexto de crise nos Estados

Unidos, levam a um cenário no qual a potência hegemônica mantém os custos da liderança,

mas divide o poder com outros polos de poder, sejam as tradicionais potências da União

Europeia, sejam as potências aspirantes do BRICS.

75

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APÊNDICE A – LISTA DE DECLARAÇÕES DOS BRICS ANALISADAS

Declarações de Cúpula

Comunicado Conjunto dos Líderes dos Países BRIC. Ecaterimburgo, Rússia, 16 de

junho de 2009.

Declaração Conjunta da II Cúpula de Chefes de Estado/Governo dos BRIC. Brasília,

Brasil, 15 de abril de 2010.

Declaração de Sanya do Encontro de Líderes BRICS. Sanya, Hainan, China, 14 de

abril de 2011.

Declaração de Nova Delhi da IV Cúpula dos BRICS. Nova Delhi, Índia, 29 de março

de 2012.

Declaração de eThekwini da V Cúpula do BRICS. Durban, África do Sul, 27 de março

de 2013.

Outras Declarações

Comunicado conjunto da reunião de Ministros das Relações Exteriores.

Ecaterimburgo, Rússia, 16 de maio de 2008.

Declaração Conjunta dos BRIC sobre Segurança Alimentar Global. Ecaterimburgo,

Rússia, 16 de junho de 2009.

Memorando de Cooperação entre Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e

Social – BNDES, China Development Bank Cooperation, Export-Import Bank of

India e State Corporation Bank for Development and Foreign Economic Affairs

(Vnesheconombank). Brasília, Brasil, 15 de abril de 2010.

Declaração de Moscou dos Ministros de Agricultura do BRIC. Moscou, Rússia, 25 de

março de 2010.

Declaração de Pequim do Primeiro Encontro dos Ministros da Saúde dos BRICS.

Pequim, China, 11 de julho de 2011.

Comunicado Conjunto dos Ministros das Finanças dos BRICS emitido ao final do

Encontro em Washington. Washington, Estados Unidos da América, 22 de setembro

de 2011.

Comunicado Conjunto por ocasião da Reunião de Vice-Ministros de Relações

Exteriores do BRICS sobre a situação no Oriente Médio e no Norte da África.

Moscou, Rússia, 24 de novembro de 2011.

Declaração dos Ministros de Comércio do BRICS. Genebra, Suíça, 14 de dezembro de

2011.

80

Declaração dos Diretores Executivos representantes do Brasil, Rússia, Índia, China e

África do Sul no FMI sobre o Processo Seletivo para apontar o novo Diretor

Executivo do FMI. 24 de maio de 2011.

Declaração Conjunta do Segundo Encontro dos Ministros de Agricultura e

Desenvolvimento Agrário do BRICS. Chengdu, China, 30 de outubro de 2011.

Comunicado conjunto dos países membros do BRICS sobre Saúde. Genebra, Suíça, 22

de maio de 2012.

Reunião de Ministros das Relações Exteriores do BRICS à margem da 68ª

Assembleia-Geral das Nações Unidas. Nova York, Estados Unidos da América, 26 de

setembro de 2013.

Reunião informal dos Líderes do BRICS à margem da Cúpula do G20 em São

Petersburgo. São Petersburgo, Rússia, 5 de setembro de 2013.