formação de policiais deve priorizar direitos humanos_24_11_2010
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Mastéria publicada na página A4, do jornal A Tarde, do dia 24/11/2010. Arivaldo Silva e Meire Oliveira. Fotos: Arestides Baptista, Haroldo Abrantes e Xando Pereira. Para que seja reduzido o número de mortes em ações de segurança, é essencial que os policiais tenham acesso a uma formação elaborada, a partir de conceitos erigidos sobre os alicerces dos direitos humanos. É o que dizem especialistas em Segurança Pública. Entre eles, é unânime a afirmação de que a desmilitarização e a intervenção contínua e integrada entre as polícias Civil e Militar – além do investimento em qualificação e valorização profissional –são cruciais para a criaçãode uma polícia cidadã.TRANSCRIPT
SALVADORSALVADOR QUARTA-FEIRA 24/11/2010A4
REGIÃO METROPOLITANA
Editor-coordenadorCláudio Bandeira
EMOÇÃO Familiares de menino assassinadopedem justiça. Assista a vídeo www.atarde.com.br
VIOLÊNCIA Para especialistas, integrar as polícias Civil e Militar e investir emqualificação são fatores fundamentais para se formar uma polícia cidadã
Formação de policiais devepriorizar direitos humanos
ARIVALDO SILVA EMEIRE OLIVEIRA
Para que seja reduzido o nú-mero de mortes em ações desegurança, é essencial que ospoliciais tenham acesso auma formação elaborada, apartir de conceitos erigidossobre os alicerces dos direitoshumanos. É o que dizem es-pecialistas em Segurança Pú-blica. Entre eles, é unânime aafirmação de que a desmili-tarização e a intervenção con-tínua e integrada entre as po-lícias Civil e Militar – além doinvestimento em qualifica-ção e valorização profissional–sãocruciaisparaacriaçãodeuma polícia cidadã.
O coordenador da Associa-çãodosPraçaseBombeirosdaBahia (Aspra), Marcos Prisco,acredita que o curso de for-mação de soldados da PM nãoé realizado num períodoideal. “Em sete ou nove me-ses, não é possível capacitarum policial para lidar com asociedade civil. Essa forma-ção é puramente militar, sembase de direitos humanos.Depois da formação, não háqualificação ou reciclagem”.
Prisco fundamenta seus ar-gumentos em um exemploda má utilização dos policiais.“Cerca de mil homens que es-tão no curso de formação daPM se formam em dezembroe irão trabalhar como alunosno Carnaval de 2011, com umacarga horária excessiva e semdireito ao salário do PM(R$ 1.890), recebendo apenasum salário mínimo (R$ 510),referente à bolsa-formação”.O coordenador da Aspra frisaque a valorização do profis-sional está ligada a um saláriodigno e a uma carga horáriaequilibrada. “Outra questãocrucial é a desmilitarizaçãodacorporação.Oidealéqueaspolícias sejam unificadas ebaseadas em princípios de di-reitos humanos”.
Ivone Freire Costa, coorde-nadora-geral do Programa deEstudos, Pesquisa e Formaçãoem Políticas e Gestão de Se-gurança Pública (Progesp) daUfba, defende o uso da re-pressão qualificada. “Resquí-cio da ditadura militar, a rea-lidade violenta que vivemoshoje, entre outros fatores, le-va a atitudes policiais agres-sivas e desrespeitosas. É ur-gente um preparo qualitativoassociado à valorização doprofissional”, adverte.
PressãoSegundo o deputado estadualCapitão Tadeu, a situação temmelhorado, mas não é ideal.“As qualificações oferecidassão poucas em quantidade evariedade. A formação poli-cial é genérica, mas cada si-tuação exige uma abordagemespecífica. O policial é obri-gado a tomar decisões sobpressão,quasesempre.Naho-ra de agir, quanto mais pre-paro e conhecimento, menorserá o risco de ele errar”, ava-lia.
Sem vagas para todo o efe-tivo, poucos viajam para pre-paração em outros estados.“Muitas vezes o policialaprende convivendo comquem fez especializações.Mas a Bahia pode oferecerseus cursos de qualificação”,contou o parlamentar, aolembrar que, quando foitransferido para os Bombei-ros, assumiu o comando sempreparo por ter formação empoliciamento ostensivo.
“A formação e os direitos edeveres das polícias Civil eMilitar são diferentes e criamrivalidades entre os profissio-nais”, revela o deputado. “Háuma rusga entre as corpora-ções”, ratifica o coordenadordo Observatório de Seguran-ça Pública da Bahia, CarlosCosta Gomes. O especialistaalega também que falta casaras ações policiais com a fun-ção de prestar auxílio. “Osmoradores das comunidadesque concentram pontos e bri-gas de tráfico não são inimi-gos. Mas os policiais acabamreproduzindo a percepção danossa sociedade. Eles fazemparte dela”, explicou CostaGomes.
Arestides Baptista / Ag. A TARDE
Para especialistas, em sete ou nove meses não é possível capacitar um policial para lidar com a sociedade civil
Léia foi abordada bruscamente há uma semana por PMs Secretário Nunes diz que a capacitação é uma das metas
Maioria dos PMs tem curso básicoPoliciais de companhias debairro, como os nove PMs da40ª CIPM do Nordeste deAmaralina, que foram afas-tados das ruas após a mortedo garoto Joel Castro, pos-suem em sua maioria apenaso curso básico de formação daPolícia Militar. Na maior par-te dos casos, a formação com-plementar é oferecida apenasquando eles ingressam emcompanhias especiais, comoo Batalhão de Choque ou gru-pos como Rondas Especiais(Rondesp).
Mas para o secretário daSegurança Pública César Nu-nes, episódios como o quemotivou a morte do garoto
Joel não podem ser atribuídosà falta de treinamento. “É la-mentável, mas sempre podeacontecer. Não acredito queseja por falta de capacitação.Até porque, a gente não estáafirmando que foi nenhumpolicial. Ainda estamos inves-tigando e o autor do disparovai responder dentro da lei”,promete Nunes.
ModeloO secretário reforça que a ca-pacitação é uma das metas eque mais de 16 mil policiais,entre civis e militares, pas-saram por treinamento emdiversas áreas, como opera-çõesdepoliciamento,direitos
humanos e corregedoria.Criado para atuar em situa-
ções críticas, o Batalhão deOperações Policiais Especiais(Bope), da Polícia Militar doRio de Janeiro, reduziu asmortes em intervenções. Amudança veio com as Açõesde Imposição de Paz. “Ocu-pamos comunidades domi-nadas pelo tráfico, mas tive-mos preparo anterior para li-dar com a comunidade quecriou um elo de confiabilida-de. Como isso o número deapreensões aumentou e asmortes diminuíram”, contouo capitão Ivan Blaz, porta-vozdo Bope.
O efetivo de 400 homens
do grupo tem, pelo menos,dois anos na PM e passa pordois cursos para integrar oBope. Os cursos de especia-lização, alguns em outros paí-ses, continuam ao longo dacarreira..
“Os grupos especiais agemcom mais vigor e preparam olocal para atuação da PolíciaComunitária e ações estrutu-rais do município ou Estadocomo em alguns locais do Riode Janeiro. Aqui essa conti-nuidade depois da primeiraação depende de quem estáno comando”, ressalta CostaGomes.
FELIPE AMORIM E MEIRE OLIVEIRA
“Abordagemdos policiais édesrespeitosa”,diz moradora
Ontem, os moradores da RuaAurelino Silva, onde moramos familiares do garoto Joelda Conceição, demonstravamrevolta e perplexidade diantedo assassinato da criança.
Uma das vizinhas da famí-lia, a secretária-executivaLéia Bitencourt, 40 anos, afir-ma que a abordagem da Po-lícia Militar é desrespeitosacom todos os moradores dobairro Nordeste de Amarali-na, onde ela vive desde quenasceu. “Estamos consterna-dos com a violência usada pa-ra tirar a vida dele. Joel vaideixar saudades”, lamenta.
Léia lembra que foi abor-dada, bruscamente, há umasemana por um grupo dePMs, quando voltava de umafesta com a filha adolescente.“Somos tratados pela políciade forma desrespeitosa. Ou-tro dia me pararam com mi-nha filha e perguntaram ‘ca-dê a droga?’. Quando proveique era trabalhadora, eles pe-diram desculpas”.
A secretária-executiva con-testa a declaração dos poli-ciais que consta no boletim deocorrência. “A versão deles deque houve troca de tiros namorte do garoto é enganosa.Não iríamos comprometernossas famílias sustentandouma mentira. Nós não que-remos enterrar outra crian-ça”, desabafa Léia.
Abuso de poderO pai do menino, o mestre decapoeira Joel Castro, falou aoA TARDE sobre a angústia deperder um filho. Castro disseque a truculência da operaçãopolicial é inadmissível. “Acre-dito que os comandantes des-ses policiais não orientaramessa ação truculenta. Tudo oque aconteceu aqui com mi-nha família está ligado aoabuso de poder desses poli-ciais”, pontuou.
ARIVALDO SILVA
“Perguntaram‘cadê a droga?’.Provei que eratrabalhadora ese desculparam”LÉIA BITENCOURT, secretária
“Não creio quefoi falta decapacitação. Nósainda estamosinvestigando”CÉSAR NUNES, sec. da Segurança
PROGESP OFERECECURSOS EM SEGURANÇA
O Progesp ofereceespecializações aprofissionais de segurançapública. São temas doscursos: atuação em açõespoliciais, cidadania edireitos humanos
71,5%é a taxa de mortes poragressão em Salvador, quetem 2,480 milhões dehabitantes, pelo DataSUS(2008). Já São Paulo, com10,659 milhões de hab.,tem taxa de 15,4%
ENTREVISTASEBASTIÃO SANTOS, coordenador daONG Viva Rio e integrante doConselho Nacional de SegurançaPública
Como é feito otreinamento dos policiaisno Rio de Janeiro?A formação de um policialmilitar no Rio de Janeirodura seis meses. Este tempoé insuficiente para o bomdesempenho da função.Sabemos que, de maneirageral, no Brasil, a políciatem pouco treinamento.
Há curso complementarpara capacitar os policiais?Nós, do Viva Rio, iniciamosem 2002 um cursocomplementar para auxiliara formação dos policiais.Hoje, os PMs que foramdesignados para trabalharnas Unidades de PolíciaPacificadora (UPPs) passampelo nosso Curso deAperfeiçoamento da PráticaPolicial Cidadã (CAPPC).Estamos capacitando cercade cinco mil policiais combase nas perspectivas deDireitos Humanos.
Quais são os resultados dacooperação da ONG VivaRio com a Secretaria daSegurança?Tentamos quebrar oparadigma de que o policialdeve atirar primeiro eperguntar depois. Osresultados são bastantepositivos porquetrabalhamos com policiaisnovos, que ainda não estãoviciados em uma lógicaperversa do cotidianopolicial. O que possibilitou ahumanização dasabordagens e do contatocom a população.
Xando Pereira / Ag. A TARDEHaroldo Abrantes / Ag. A TARDE