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Forma e Função Danilo Arruda Furtado I Convite II Ambientação III Visão de mundo IV Evolução morfofuncional do Universo V Heterocronia VI Um exemplo de evolução heterocrônica VII Homologia e homoplasia VIII Alometria XIX Referências 1

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Page 1: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

Forma e Função

Danilo Arruda Furtado

I Convite

II Ambientação

III Visão de mundo

IV Evolução morfofuncional do Universo

V Heterocronia

VI Um exemplo de evolução heterocrônica

VII Homologia e homoplasia

VIII Alometria

XIX Referências

1

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I Convite

Todos nós temos a impressão de que forma e função são, de

certo modo, complementares, e no campo da biologia percebe-se isto de

modo muito evidente. Basta que contemplemos a nós mesmos, ou o

ambiente que nos rodeia.

É a forma da sua mão que segura este livro. É a forma de cada

letra ou palavra que simboliza seu significado, sua função. Cada forma

em nosso Universo, seja um átomo, uma molécula, um organismo, uma

comunidade, um bioma, uma galáxia, possui uma função, ainda que seja,

somente, a de ser/estar.

Nesta unidade serão apresentados argumentos que sustentam

uma interpretação integrativa (sistêmica), na qual forma e função são

aspectos complementares. Esta concepção difere de outras que concebem

a forma e a função como sendo manifestações distintas e independentes.

Procuraremos confrontar também a idéia de que forma e função são

aspectos que se manifestam por todo o Universo com a visão que

considera a forma e função na biologia como conceitos distintos de forma

e função em outras áreas do saber. Muito embora possa haver uma

multiplicidade de interpretações acerca do que se entende por forma e

função, procuraremos nesta unidade apresentar argumentos em favor do

conceito que considera forma e função como manifestações

interdependentes e recíprocas em todas as escalas da natureza

(microcósmica e macrocósmica) Os argumentos em favor desta

interpretação estarão acompanhados de alguns exemplos morfofuncionais

encontrados em diferentes escalas espaço-temporais (níveis de

organização).

Aproveite, reflita, medite. Desenvolve tua visão do mundo

(cosmovisão).

II Ambientação

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Seria interessante familiarizarmo-nos com o tema da forma e da

função tentando responder mentalmente perguntas a seguir:

1- O que é forma e o que é função?

2- Quando e como se originam novas formas e novas funções?

3- Como se relacionam a forma e a função nas diferentes

escalas espaço-temporais?

Por favor, não se precipite. Procure, realmente, formular

respostas às perguntas acima. Não tenha pressa, não receie, você

conseguirá, tenho certeza. Leia-as novamente e então, viaje...

Veja que não foi difícil pensar em algo. Agora que construímos

algo em mente será proveitoso conhecermos outras respostas possíveis.

Um começo simples é comparar nossas concepções às definições

encontradas no bom e velho dicionário da língua portuguesa:

1- Forma: limites exteriores da matéria de que é constituído um

corpo, e que conferem a este um feitio, uma configuração, um aspecto

particular.

2- Morfologia: tratado das formas que a matéria pode tomar; o

estudo das formas.

3- Estrutura: conjunto formado, natural ou artificialmente, pela

reunião de partes ou elementos, em determinada ordem ou organização.

4- Função: Ação própria ou natural de uma forma ou de uma

estrutura. Notem que a função é aqui definida como sendo uma

propriedade que emana das partes (formas) ou do conjunto das partes

(estrutura). Mas podem haver interpretações alternativas.

5- Fisiologia: parte da biologia que investiga as funções

orgânicas, processos ou atividades vitais, como o crescimento, a nutrição

ou a respiração.

Refletindo sobre estes conceitos, procure identificar as funções

das partes que lhe compõe o corpo. Olhe o mundo ao seu redor. Perceba

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que ele é composto por uma incalculável diversidade de formas, e que

cada forma possui uma função correspondente, mesmo que seja

simplesmente a de existir. Repare que toda forma ocupa um espaço-

tempo, desempenhando, assim, funções características e peculiares. Algo

muito semelhante ao verbo ser/estar, ou seja, aquilo que está em algum

lugar (forma), é, necessariamente, algo (função). A função é a interação

entre as formas do ser. A interação depende de estar, isto é, de quais seres

estão interagindo.

Essa percepção poderia levar-nos a desconfiar que a função de

cada estrutura emerge de sua forma. Mas será sempre a forma a

determinar a função? Possivelmente não. As funções também podem

determinar, moldar ou transformar. Assim, podemos identificar três

possibilidades: 1) da forma emerge a função; 2) da função emerge a

forma; ou 3) tanto a forma quanto a função emergem de suas relações

interdependentes. Forma e função são, portanto, aspectos

complementares e interdependentes de uma mesma coisa: algo que seja

ao mesmo tempo morfológico e funcional.

Aprofundando nossa análise, verificamos que apesar de serem

conceitos diferentes, não podemos considerar separadamente a forma de

sua função sem prejuízo para sua compreensão. Podemos, todavia,

conceber o mundo sob um ponto de vista morfofuncional. Isto é, onde a

forma e a função são aspectos complementares e indissociáveis: uma

unidade morfofuncional. Procure assimilar esse importante conceito. 1

Mas como as formas e as funções se manifestam em nosso

Universo?

As formas e suas funções interagem em todos os níveis de

organização do Universo e essa inter-relação é sempre recíproca, isto é, a

forma modifica a função, que modifica a forma, que modifica a função, e

assim por diante... Das interações entre as formas e as funções surgem

novas formas e novas funções, que também passam a se inter-relacionar,

gerando novamente outras formas e funções, e assim sucessivamente.

Note que as formas e funções se modificam com o tempo! A própria

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evolução do Universo se manifesta por intermédio dessa relação

recíproca e entre as formas e suas funções!

Estamos diante, meus amigos, de um ponto central do

conhecimento humano. Suponha que as coisas no Universo sejam elas

materiais, mentais ou morais, se manifestam por meio das relações

recíprocas entre a forma e a função. Seria o Universo, morfofuncional?

Fecha o livro, por favor. Contemple o Cosmos...

III Visão de mundo (Capítulo retirado)

IV Evolução morfofuncional do Universo

A seguir, exemplificaremos algumas inter-relações

morfofuncionais em níveis da organização distintos.

Partículas e Galáxias

Vejamos primeiramente, a forma e a função na escala

subatômica. Existem 4 forças fundamentais na natureza: gravitacional,

eletromagnética, fraca e nuclear forte. Todas as forças da Natureza

pretendem ser descritas por uma única teoria: a teoria da unificação.

Segundo essa teoria, as forças poderiam ser combinadas em um estado

onde as energias fossem altíssimas. Inicialmente as forças universais

eram indistintas, havendo simetria entre elas. Somente após a energia

diminuir a ponto de Unificação é que as forças começaram a se

diferenciar, tendo sua simetria quebrada. (Weinberg, 1987).7

Primeiro separam-se a força gravitacional das demais, que

continuam unificadas em uma grande força. Em seguida, diferencia-se a

força nuclear forte da força eletrofraca. Essa quebra de simetria possibilita

a formação da matéria, na forma dos pares quarks/antiquarks e dos pares

léptons/antiléptons - na medida em que o Universo se expande e resfria a

energia se condensa em matéria.8 (figura 2) Quando, por exemplo,

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colidem dois fótons de altíssima energia (raios-gama), um par

elétron/pósitron é produzido.

Todas as partículas elementares possuem antipartículas

complementares, que possuem a mesma massa e carga elétrica contrária.

Quando a matéria e a antimatéria entram em contato elas se aniquilam

instantaneamente, convertendo suas massas em energia (aniquilação). Se

o número de partículas e antipartículas fosse igual, o resultado seria a

aniquilação de toda a matéria. Todavia existe uma assimetria no

Universo: mais matéria do que antimatéria.

Os quarks que sobreviveram à aniquilação se juntaram para

formar os Bárions (Prótons e Nêutrons), compostos por 3 quarks e os

Mésons (Píons e Káons), formados por somente 2 quarks. A função

manifestada por cada partícula sub-atômica depende de sua estrutura.

Com a expansão e esfriamento do Universo, os prótons e nêutrons se

combinam para formar os núcleos atômicos. Este processo é chamado de

Nucleossíntese e ocorreu quando o Universo tinha apenas 30 segundos de

existência.

Com um minuto após o Big bang, os núcleos atômicos (prótons

e nêutrons) e os elétrons se combinam para formar os primeiros átomos.

Foram eles, o átomo de hidrogênio, o elemento mais abundante,

perfazendo 74% da matéria do Universo e o átomo de hélio, compondo

24% da matéria. Formaram-se também, em bem menor número, átomos

de lítio, e hidrogênio pesado (deutério e trítio). Este processo de

combinação entre bárions e léptons é chamado de Recombinação.9

Com a recombinação, o estado da matéria no Universo se

transforma de plasma para a forma de um gás neutro de hidrogênio e

hélio. Antes desse momento, o espaço era muito denso e opaco, pois

todas as partículas do Universo, inclusive os fótons, colidiam

freqüentemente, desviando sua trajetória. Esta curta trajetória é

denominada: caminho livre médio. Com a recombinação, o caminho livre

médio dos fótons aumenta consideravelmente, pois passa a ser do

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tamanho do próprio Universo, tornando-o transparente. Essa é a chamada

época do último espalhamento ou do desacoplamento dos fótons.

Durante a Recombinação, formam-se regiões onde a densidade

de matéria é maior. São esstas flutuações na densidade da matéria que

irão determinar a formação dos superaglomerados de matéria e das

futuras galáxias. As flutuações na densidade de matéria após a

recombinação geram um padrão heterogêneo na quantidade de radiação

cósmica de fundo. A flutuação na radiação cósmica de fundo é o evento

observável mais antigo do Universo, já que a opacidade do Universo de

plasma ionizado de antes da recombinação impede observações diretas.

A distribuição assimétrica das subpartículas, os movimentos de rotação e

de translação bem como a ação das forças universais levaram à

aglomeração da matéria em torno de regiões atratoras, formando assim os

superaglomerados de matéria. Com a aglomeração da matéria e a

formação das galáxias em certas regiões surgiram os superaglomerados

de matéria.10 (figura 3)

Figura 3. (slide 10) Formação das galáxias e aglomerados de

galáxias.

Nos superaglomerados de matéria formaram-se inúmeros

vórtices gravitacionais, isto é, buracos negros super massivos em torno

dos quais a matéria passou a ser atraída. Formaram-se, assim, as galáxias,

cujo centro é composto por um desses buracos negros11 (Silk, 1988; para

revisão veja: The ilustrated encyclopedia of the universe, 2001).

As propriedades funcionais das partículas subatômicas (função)

e sua distribuição espacial (forma) governaram a gênese do Universo

como o conhecemos. Também a forma dos super-aglomerados de matéria

e das galáxias que os constituem contribuíram para o desenvolvimento de

suas propriedades funcionais. Desde os primórdios a evolução do

Universo decorre, fundamentalmente, da inter-relação morfofuncional

entre seus constituintes.

Átomos e Estrelas

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Os átomos de hidrogênio, hélio, lítio, deutério e trítio, formados

durante a era da recombinação, se juntaram por força da gravidade

formando os aglomerados de matéria, as galáxias, e em uma escala

menor, as primeiras estrelas.

Átomos e estrelas; e um imenso intervalo de tempo de

existência: 13,7 bilhões de anos. Durante todos esses bilhões de anos,

incontáveis estrelas “nasceram, cresceram, morreram e se reproduziram”.

Nascem e crescem pela condensação da matéria das nebulosas que se

encontram espalhadas no interior das galáxias. Durante sua existência, de

cerca de bilhões de anos, as estrelas forjam em suas entranhas, por

intermédio da fusão nuclear, a diversidade de átomos que podemos

agrupar na tabela periódica.12

As estrelas se mantém em equilíbrio dinâmico. Um jogo de

forças entre a implosão da estrela, determinada pela força da gravidade, e

a sua explosão, derivada da enorme energia liberada pela fusão dos

átomos nas entranhas estelares. A morte da estrela chega quando

consomem todo seu combustível, isto é, quando param de realizar a fusão

nuclear e quando seu núcleo se torna muito denso e estável, formado por

átomos de ferro. Seu destino depende de sua massa: grandes estrelas

implodem, sucumbindo finalmente ao seu enorme peso, formando uma

estrela de nêutrons ou um pequeno buraco negro; estrelas menores

explodem na forma de supernovas, espalhando pelo espaço a pletora de

átomos que criou.

Essa semeadura átomos pode, porventura, levar à condensação

da matéria em uma nova estrela ou mesmo em um sistema planetário,

como por exemplo, o da nossa estrela, o Sol, cujo séquito de planetas e

asteróides integra um grande sistema orbital, cujos componentes pulsam

ondas de eletromagnetismo e de gravidade.13

Essas ondas eletromagnéticas e gravitacionais são muito

importantes, pois estabelecem os movimentos de rotação e translação dos

corpos celestes. As ondas que aqui chegam determinam tempo na Terra.

A gravidade e o eletromagnetismo são ondas de duplo sentido:

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manifestam-se tanto no sentido do próprio corpo, quanto no sentido do

outro corpo.

Os corpos celestes que orbitam a Terra (e vice-versa) compõe

vinte ondas (ou seriam 18?) eletromagnéticas e gravitacionais; já os seis

braços da galáxia, outras doze ondas; enquanto o buraco-negro central,

mais uma, pois a gravidade e o eletromagnetismo fluem somente no

sentido do seu centro. Assim, os ciclos de tempo na Terra se estabelecem

pela permuta das 13 ondas eletromagnéticas e gravitacionais advindas da

galáxia, com as 20 ondas geradas pelos corpos celestes do sistema solar.

O eletromagnetismo do Sol determina os meses de 28 dias, enquanto o

par orbital Terra-Lua estabelece os dias e as semanas. Repare que a

própria estrutura espacial do sistema solar determina quais são suas

funções temporais.14

Moléculas e Planetas

A formação dos sistemas planetários e dos planetas

propriamente ditos se opera pela ação da força gravitacional e rotacional

às quais estão submetidas a matéria. A formação dos planetas se dá pelo

fenômeno da acreação, que é a aglutinação da matéria em um corpo

celeste. O tamanho do planeta depende das condições iniciais do sistema

planetário: sua massa inicial e sua distância da proto-estrela que está se

formando no centro do sistema.

Todavia, algo muito importante começa a acontecer na formação

dos sistemas planetários. As condições de temperatura não são tão

severas como nos arredores da proto-estrela, o que possibilita uma

interação morfofuncional entre os átomos mais estável. Estabelecem-se

as ligações químicas entre os átomos, levando à formação de uma

diversidade de pequenas moléculas. Surgem algumas moléculas simples

e pequenas. Algumas gasosas, outras líquidas e outras sólidas. A título

de exemplo, podemos citar os elementos hidrogênio, o metano, o dióxido

de carbono, a amônia e a água. É possível que moléculas maiores, como

aminoácidos, carboidratos, lipídeos e ácidos nucléicos, também possam

ser sintetizadas durante a formação de sistemas planetários, quer na

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superfície dos planetas ou em suas entranhas, quer na superfície de

meteoros, meteoritos, cometas ou asteróides, que naqueles primórdios,

bombardeavam incessante e impiedosamente os planetas contribuindo

para sua formação.

Meteoros meteoritos e cometas. Milhões de blocos de matéria

colidindo e se agregando na formação dos planetas, combinando

morfofuncionalmente átomos e moléculas, originando sistemas

planetários como o nosso sistema solar.15 (figura 4)

Figura 4. (slide 15) Formação do sistema solar.

Vida e Biosfera

...E foi neste pequeno planeta aqui que algo raro e maravilhoso

aconteceu! Originou-se, da geoquímica da Terra, porventura também

semeada por moléculas orgânicas dos meteoros e dos asteróides.

Formou-se aqui uma rica composição de moléculas orgânicas e

inorgânicas, um oceânico coalhado de moléculas, cujas formas, ao

interagir funcionalmente, possibilitaram o surgimento (emergência) da

vida. Desde sua origem, a aproximadamente 3,8 bilhões de anos vida

evolui em uma espantosa diversidade e abundância de seres, com

características estruturais e funcionais conspícuas.16

Com as interações morfofuncionais estabelecidas entre os

átomos e as moléculas; com a sustentabilidade (autopoiese) do sistema e

com o estabelecimento da auto-replicação das moléculas e

macromoléculas que constituíam a vida, estes seres coacervados

proliferaram e permaneceram. E o planeta se locupletou de vida! Da

organização morfofuncional de inumeráveis átomos e moléculas a vida

emergiu, formando concomitantemente a Biosfera! Sistemas ecológicos

mantenedores da vida. E com o tempo de evolução da vida surgiram

novos e mais complexos níveis de organização.16

E como se originou a organização da matéria viva? Sem

determinadas funções vitais a vida não pode acontecer. Os coacervados

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Page 11: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

foram os primeiros seres vivos. Eram seres microscópicos constituídos

por determinadas estruturas moleculares capazes de desempenhar as

funções vitais: A proteção era dada pela bicamada lipoprotéica; a

sensibilidade ao ambiente pelas proteínas transmembrana; o transporte e

o movimento pela água e pelas proteínas transportadoras; a respiração

pelas vias catabólicas, como a glicólise; a nutrição pelas vias anabólicas e

catabólicas. Por nutrição aqui, entende-se a obtenção de moléculas que

possam ser quebradas dentro da célula, como, por exemplo, pela

glicólise., que levam em última instância à síntese de proteínas; a

sustentação pelas formas de suas moléculas e a reprodução por

cissiparidade.17 (figura 5).

Figura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais.

Os coacervados eram vesículas de gordura (bicamadas lipídicas

semi-permeáveis) em cujo interior se encontram moléculas e

macromoléculas organizadas em um sistema morfofuncional cooperativo

e integrado, capaz de manter um metabolismo vital. Os coacervados eram

vesículas lipoprotéicas capazes de armazenar e utilizar a energia na

forma da molécula de glicose e de ATP. Eram “saquinhos de gordura”

em cuja superfície e em seu interior se encontravam diversas formas de

proteínas, cuja atividade morfofuncional estava atrelada a uma

organização metabólica formada por vias bioquímicas. Essas vias

bioquímicas eram muito simples nos coacervados, e uma das primeiras

vias a ter sido selecionada pela natureza foi a glicólise. Essa seleção

ocorreu naturalmente, pois a glicólise é a via bioquímica responsável por

transportar a energia presente nas ligações químicas da molécula de

glicose para a ligação trifosfato da molécula de ATP.

Os coacervados, portanto, eram capazes de catabolizar (quebrar)

açúcares, armazenando a energia resultante dessa quebra na forma de

nucleotídeos de adenosina trifosfato, o ATP, a “moeda” energética

utilizada para ceder energia aos processos anabólicos de síntese dos seus

próprios constituintes, cuja estrutura passou, com o tempo, a ser

codificada na forma de macromoléculas auto-replicantes de ácidos

nucléicos.

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Page 12: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

Essas vesículas coacervadas podiam facilmente fusionar umas às

outras, misturando seu conteúdo bioquímico. Também podiam se dividir

por fissão, multiplicando o número de seres, que se dispersavam pelo

planeta. Era o primórdio da reprodução, geradora da abundância, da

riqueza e da diversidade da vida. O que se seguiu desde então, foi a

evolução dos coacervados em seres cada vez mais complexos.18 Os

coacervados transformaram-se nos procariotos heterotróficos

anaeróbicos, dependentes, assim como seus ancestrais, da nutrição via

carboidratos e outras moléculas que obtinham do ambiente

(fermentação)19.. As pressões de seleção natural pela obtenção eficaz e

eficiente do alimento provedor da energia essencial para a manutenção

dos processos metabólicos possibilitou o sucesso adaptativo daqueles

seres que haviam desenvolvido a capacidade de produzir seu próprio

alimento. Estes eram procariotos autotróficos, que faziam, e ainda hoje f

usam a energia da luz solar, para quebrar a molécula de água e permitir a

fixação de da molécula de dióxido de carbono, sintetizando carboidratos,

ou seja seu próprio alimento. Os seres fotossintetizantes sintetizam seu

próprio alimento a partir da energia eletromagnética oriunda do sol.20 Os

quimiossintetizantes também produzem seu próprio alimento, e eles são

muito antigos. O interessante é que existem muitas bactérias

fotossintetizantes cujo pigmento não é a clorofila, e todos esses

fotossintetizantes são anaeróbicos. Já os quimiossintetizantes são

aeróbicos. Então, parece que a questão por trás de qual grupo de

organismos se tornou dominante, ao longo do tempo, tem a ver com a

eficiência na forma de obtenção de energia. Os organismos aeróbicos,

autotróficos ou heterotróficos, são mais eficientes na obtenção de energia

do que os anaeróbicos.

Também evoluíram outros seres, no que diz respeito

principalmente à sua complexidade interna. Foram os protoeucariotos,

cujo maior tamanho, o desenvolvimento de organelas e de

compartimentos intracelulares, e a maior eficiência na decomposição de

nutrientes possibilitou-os a ocupação de um novo nicho ecológico: o de

predadores dos seres procarióticos e dos coacervados de menor tamanho.

12

Page 13: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

Estabeleceram-se as primeiras interações ecológicas. Estava montada a

base da teia trófica dos ecossistemas: decompositores, produtores e

consumidores. Foram os representantes do Reino Monera, seres

unicelulares e procariotos, que deram inicio à maravilha da ecologia!

Os procariotos autotróficos, ao realizar a fotossíntese,

convertiam gás carbônico e água em moléculas de glicose e de oxigênio

(O2). Ocorre que o oxigênio reage facilmente com os radicais livres das

moléculas de proteína, o que muitas vezes resultava em

comprometimento ou inativação de suas propriedades funcionais. O

oxigênio era, portanto, muito tóxico para todos aqueles seres procariotos

anaeróbicos, que dependiam da via glicolítica para o seu sustento, e isso

incluía tanto os procariotos, pequenos, quanto os protoeucariotos,

maiores.21

As interações ecológicas que se estabeleceram entre os

protoeucariotos e os procariotos eram de natureza competitiva.22 Isto é, os

protoeucariotos consumiam os procariotos, acumulando dentro de si os

nutrientes, principalmente na forma de moléculas de glicogênio (via

bioquímica da neoglicogênese). Custava aos procariotos menores obter a

glicose, a matéria prima para a produção do ATP, e a glicose eram mais

facilmente encontrada em grandes concentrações no interior dos

protoeucariotos. Assim, em contrapartida, os procariotos infectavam os

protoeucariotos, já que além destes serem como que um “reservatório” de

nutrientes, também podiam ter sua estrutura morfofuncional utilizada

pelos procariotos para otimizar a sua própria reprodução.22

Neste contexto surgiram pequenos procariotos aeróbicos que

utilizavam o oxigênio como aceptor dos elétrons de sua cadeia

fosforilativa. Esstes seres, que possuíam uma dupla bicamada lipídica,

produziam ATP a partir da geração de um gradiente de prótons entre o

espaço intra-membranas e seu interior.23 Em verdade, podiam produzir

muitos ATPs, bem mais do que necessitavam. E de modo muito mais

eficiente que seus competidores, os seres anaeróbicos.

13

Page 14: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

Com o acúmulo O2 na atmosfera instaurou-se a primeira grande

extinção em massa, a dos seres anaeróbicos, cuja base da produção de

ATP dá-se pela fermentação.24 Com estas pressões de seleção natural,

desenvolveram-se novas interações ecológicas. Algo muito bonito

ocorreu em seguida com a evolução dos seres procariotos.

Interações mais harmônicas e estabeleceram entre os procariotos

aeróbicos e os protoeucariotos: o mutualismo, ou simbiose, onde os

procariotos aeróbicos passaram a viver em harmonia no interior dos

protoeucariotos. Desta endossimbiose surgiram os eucariotos. Em um

destes eventos de endossimbiose os protoeucariotos puderam oferecer a

proteção e a glicose em abundância para os procariotos aeróbicos, que

em contrapartida metabolizavam o oxigênio nocivo e produziam ATP em

demasia. A endossimbiose voltou a ocorrer na natureza quando uma

linhagem de eucariotos se associou à procariotos autotróficos

fotossintetizantes, originando, assim, os eucariotos autotróficos.25

Notem nestes exemplos a existência de sistemas

morfofuncionais operando tanto no exterior como no interior dos seres

unicelulares! São as trocas recíprocas entre o ser e o não-ser; entre os

seres vivos e seu ambiente! Estabeleceu-se um sistema ecológico auto-

sustentável, capaz de manter a vida em equilíbrio dinâmico na fronteira

entre a ordem e o caos! (GLEICK, 1990; GELL-MANN, 1994; DE

DUVE, 1997).26

As propriedades biofísicas (funções) das proteínas e das outras

macromoléculas derivam de suas estruturas (formas). Não obstante,

também a forma de cada proteína pode ser afetada pelas propriedades

morfofuncionais das outras moléculas com as quais interage.27 (figura 6).

Figura 6. (slides 27 + 30) Forma e função no nível molecular.

A enzima é um exemplo típico. A morfologia da enzima

apresenta um sítio complementar à forma da sua molécula-substrato, a

qual se acopla estruturalmente e funcionalmente (ligações químicas),

catalisando a reação, que pode ser exotérmica, quando libera energia, ou

endotérmica quando a absorve. 28

14

Saiba mais

Como você viu no M3U11, simbiose é uma relação mutuamente vantajosa entre dois ou mais organismos vivos de espécies diferentes. Na simbiose os dois organismos agem ativamente em conjunto para o proveito mútuo.

Page 15: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

Do metabolismo celular, isto é, o catabolismo e o anabolismo

que a célula realiza, emerge morfofisiologia de diversas e distintas

moléculas e macromoléculas. O metabolismo celular emerge da

diversidade morfológica das proteínas assim como a síntese e a

degradação das proteínas que constituem a célula são coordenadas pelo

metabolismo. É a forma-função atuando reciprocamente no nível

molecular, possibilitando a manutenção da vida!29

Mas quais são as formas e funções vitais?

Células e Populações

Desde a origem da vida até os dias de hoje, qualquer célula, seja

ela procariótica, eucariótica ou integrante dos organismos multicelulares,

somente pode se manter viva caso desempenhe certas funções vitais.

Assim como tudo no universo, tais funções emanam de alguma estrutura.

As funções básicas da vida são, portanto, desempenhadas por

componentes distintos e característicos da célula (DE DUVE, 1997).

Vejamos, então, quais as funções vitais e suas estruturas

morfofuncionais necessárias ao seu desempenho:

1) Uma célula deve ser capaz de separar o seu conteúdo interior

(organelas, moléculas e íons) do meio exterior, valendo-se, para isto, de

uma membrana plasmática semi-permeável (bicamada lipídica), que lhe

confere o atributo vital da proteção.30

2 e 3) Uma célula, no entanto, não pode se isolar completamente

do seu meio externo, ela também necessita ser sensível ao ambiente, para

que se realizem adequadamente a nutrição (absorção), excreção de

substâncias que seriam tóxicas a ela caso se acumulassem em seu interior

e o movimento. As proteínas transmembrana, canais iônicos,

transportadores, carreadores, receptores, e outros tipos de proteínas ,

conferem à membrana plasmática uma permeabilidade seletiva,

proporcionando as funções vitais da sensibilidade ao ambiente e da

nutrição. A nutrição elaborou-se nos eucariotos sem parede celular por

meio do movimento de endomembranas: endocitose e exocitose.31 a 33

15

Saiba mais

Metabolismo (do grego metabolismos, que significa "mudança", troca) é o conjunto de transformações que as substâncias químicas sofrem

Page 16: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

4) Uma célula precisa manter a homeostase do seu metabolismo,

regulando, para tanto, o funcionamento da via bioquímica da respiração

celular. Toda célula precisa de energia para se manter viva, o que faz da

respiração uma função vital.34 e 35 (figura 7).

Lembre-se que a respiração, ao contrário do que

frequentemente imaginamos não é o inspirar ar e expirá-lo para nossos

pulmões. A respiração ocorre no interior de cada célula e é a via

metabólica de quebra do açúcar para obtenção de energia. Como nesta

via metabólica o oxigênio é o aceptor final de elétrons, nós pulmonados

(e todos os outros organismos aeróbicos) precisamos transportar, de

alguma forma, o oxigênio que está no ambiente externo aos nossos

corpos, para o interior das nossas células (cada uma delas). No caso dos

organismos pulmonados, o oxigênio é inspirado até os pulmões e

distribuído para todas as células de nosso corpo através da circulação

sanguínea. E é também o sangue que leva para os pulmões o dióxido de

carbono que é tóxico para nós e que é eliminado na expiração.

Figura 7. (slide 35) Forma e função no nível celular.

5 e 6) Para se manter em um estado de equilíbrio dinâmico a

célula também precisa movimentar seus componentes internos (moléculas

e organelas) e posicioná-los em regiões específicas. O movimento não

direcionado advém da água (movimento browniano), pois tanto a osmose

da água quanto a difusão de solutos gera movimento interno. Moléculas

específicas, como proteínas ou ácidos nucléicos, podem servir de

carreadores, e auxiliar no transporte de certas moléculas para regiões

específicas da célula. O transporte ativo, por sua vez, é dependente de

energia. Uma elaboração do movimento interno é o movimento da célula

como um todo, seja por meio de flagelos (também chamados de

undulipódios nos eucariotos, para diferenciar dos flagelos de eucariotos),

cílios, pseudópodos ou de proteínas contráteis. Nos eucariotos a forma da

célula e a posição de seus componentes estruturais é determinada pela

organização de proteínas de citoesqueleto, como a actina, os filamentos

intermediários ou a tubulina. A organização estrutural dos componentes

16

Page 17: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

celulares e a forma de seus componentes permitem o desempenho das

funções vitais de sustentação e de mobilidade.36 e 37

7) A célula deve ser capaz de se reproduzir, pois a variabilidade

morfofuncional gerada no processo da reprodução possibilita a ação dos

mecanismos evolutivos sobre os indivíduos da população. As estruturas

moleculares envolvidas no processo de divisão celular possibilitam o

desempenho da função vital da reprodução.38 Perceba que qualquer tipo

de célula, para permanecer viva, mantendo sua estrutura morfofuncional,

precisa desempenhar todas as funções vitais. Cada função vital é realizada

por um conjunto específico e organizado de estruturas (moléculas ou

organelas) atuando em sinergia.

Durante os primeiros três bilhões de anos de vida na Terra, a

natureza selecionou, nos seres unicelulares, uma estrutura celular e um

metabolismo eficaz e cada vez mais eficiente. As transformações

evolutivas nos seres unicelulares manifestam-se na compartimentalização

das tarefas vitais da célula. Surgiram as organelas e estruturas celulares

especializadas; capazes de organizar as tarefas vitais da célula de modo

mais eficiente.39 e 40 (figura 8).

Figura 8. (slides 39 + 40) Forma e função no nível de organelas.

Evoluíram e se diversificaram as vias bioquímicas, o

metabolismo, o controle da expressão gênica, os compartimentos

celulares e endomembranas e, em última instância, o fenótipo celular.

Formaram-se as populações e sua dinâmica morfofuncional se

estabeleceu.41

O resultado dessa evolução foi uma incrível diversidade e uma

incalculável quantidade de seres unicelulares vivendo no planeta por

quase três bilhões de anos ininterruptos.42

Multicelularidade e Comunidades

Nos seres multicelulares, a diferenciação celular em tipos

morfofisiológicos distintos, e o conseqüente desenvolvimento dos tecidos,

17

Atenção

Page 18: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

órgãos e sistemas, permite a cada tipo celular a especialização no

desempenho funcional de uma ou mais funções vitais.43

A organização tissular, orgânica e sistêmica, otimiza o

desempenho das funções celulares, que passam a ocorrer de modo mais

eficiente e/ou com um menor custo energético para se desenvolver e para

se manter. A multicelularidade pode ser compreendida, de certa maneira,

como um tipo de “simbiose” que se estabelece entre populações de

células distintas do organismo, mais especializadas no desempenho de

certas tarefas vitais. Essa concepção dos organismos, seus sistemas,

órgãos e tecidos, implica em reconhecer que as interações estabelecidas

entre as células do corpo são, de certa forma, análogas às interações

ecológicas que se estabelecem em uma população de uma espécie (no

caso de células de um mesmo tecido ou órgão) ou em uma comunidade

ecológica (no caso das interações entre órgãos e tecidos distintos).

Atividade complementar: Enumere quais analogias você poderia

perceber entre as relações existentes em populações de organismos e

aquelas entre células de um mesmo tecido. Você concorda que seja

possível estabelecer este tipo de analogia? Tente discutir os pontos fortes

e fracos deste argumento. Tente o mesmo pensando em termos das

interações entre espécies de uma comunidade ecológica. Será que

poderíamos imaginar, em relação à biosfera como um todo, que cada ser

vivo é análogo a uma célula de um organismo pluricelular? Você

concorda? Discorda? Que argumentos você pode apresentar, a favor e

contra esta concepção?

Nos organismos, os tecidos, os órgãos e os sistemas são

especializados em desempenhar, com maior eficiência e especificidade,

algum ou alguns dos atributos vitais. Isto significa que cada tipo celular

possui estruturas (formas) que desempenham uma fisiologia (função)

específica. A morfofisiologia dos tecidos, dos órgãos e dos sistemas deve

necessariamente continuar a desempenhar as funções vitais para que o

organismo sobreviva.44(figura 9).

18

Page 19: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

Figura 9. (slides 43 + 44) Forma e função no nível de tecido, de

órgão e de sistema.

O sistema respiratório, por exemplo, está relacionado com a

manutenção da homeostase do metabolismo celular. O ritmo metabólico

se modifica com as alterações na concentração de ATP disponível. A

respiração celular é a conversão da energia presente nas ligações

químicas na molécula de glicose em energia, armazenável em moléculas

de ATP para que possa ser utilizada nos processos metabólicos da célula.

A formação de moléculas de ATP depende da oxigenação das células,

pois, como já vimos, o oxigênio é o aceptor final dos elétrons da cadeia

fosforilativa da respiração celular. Ao receber os elétrons, cada uma das

duas moléculas do oxigênio molecular se liga a duas moléculas de

hidrogênio, formando, ao final da reação, duas moléculas de água. O

sistema respiratório se encarrega da captação do oxigênio da atmosfera e

da excreção do gás carbônico, que, como sabemos é um dos produtos da

respiração celular, cujo excesso a célula rejeita por se tornar nocivo.

O sistema tegumentar e o sistema imune se encarregam da

função vital da proteção. A diversidade morfológica do revestimento

externo dos seres vivos possibilita o desempenho de funções variadas,

como por exemplo, a proteção contra predação e contra patógenos a

proteção contra a desidratação, a regulação da temperatura corpórea, a

secreção de substâncias repelentes e/ou atrativas, bem como a captura de

alimento (por exemplo, boca, dentes, probócides, etc). Atividade

complementar – Pesquise de que maneira e em que grupos de

organismos, o sistema tegumentar, está envolvido na proteção contra

desidratação, regulação da temperatura e produção de substâncias

repelentes.

O sistema nervoso, e também o sistema imune são

especializados na função vital de sensibilidade ao ambiente. Células

receptoras sensoriais transduzem o sinal físico ou químico do ambiente

em uma atividade eletrofisiológica das células, que conduzem então a

informação entre seus neurônios interconectados, integrando-a e

(orientando-a ?) a pelo menos dois destinos: aos centros de seleção das

19

Page 20: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

informações que deverão ser memorizadas (hipocampo, por exemplo) e

aos motoneurônios que irão coordenar a atividade do aparelho locomotor.

Assim sendo, podemos identificar uma natureza sensório-integrativa-

motora no sistema nervoso. A sensibilidade ao ambiente, portanto,

possibilita a coordenação do movimento, do comportamento e portanto

do desempenho ecológico do organismo, isto é, seu comportamento e

suas interações com outros seres vivos e com o ambiente..

O sistema digestivo e o sistema excretor desempenham, com

mais eficiência, a tarefa de nutrição e de excreção. A transformação, a

quebra do alimento em unidades menores e a absorção dos nutrientes se

efetua no sistema digestivo. A absorção do alimento pelos intestinos

transfere os nutrientes para a corrente sanguínea. Não só os nutrientes

mas também o refugo do metabolismo é conduzido pelo sistema

circulatório. O refugo metabólico na circulação passa pelos rins e destes

para o restante do sistema excretor, onde é processado e finalmente

excretado.

O aparelho locomotor, composto pelos sistemas muscular,

esquelético e articular, atuam em sinergia para efetivar a sustentação e o

movimento do corpo. É a morfofisiologia integrada desses sistemas que

efetiva o comportamento.

O sistema circulatório e o sistema linfático, por sua vez,

otimizam o movimento da matéria e do aporte de energia pelo interior do

corpo. Conduzem o oxigênio e os nutrientes para as células, recebendo

em troca o refugo de seu metabolismo, que é então destinado aos órgãos

do sistema excretor È bom lembrar que o sistema circulatório também

conduz os macrófagos, relacionados ao sistema de defesa do organismo,

rapidamente, para qualquer parte do corpo.

Já o sistema reprodutor, é claro, se encarrega da função vital da

reprodução. Como veremos logo a seguir, foi justamente essa a primeira

função vital a se especializar com o aparecimento da diferenciação

celular nos organismos multicelulares que primeiro surgiram na Terra

(colônias).

20

Page 21: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

A especialização nas tarefas vitais revela-se vantajosa sob o

ponto de vista evolutivo, pois está implicada à economia de energia

expansiva45, que é a energia necessária para o desenvolvimento do

organismo e para a sua reprodução (VAN VALEN, 1976). A energia

economizada pode, porventura, ser realocada tanto para a reprodução de

mais descendentes, quanto para o crescimento exuberante (aumento em

tamanho) do corpo ou de parte dele ou ainda, promovendo o

desenvolvimento de corpos com formas diferentes e muitas vezes mais

complexas. Cada tipo celular tem seu padrão morfofuncional

característico, sejam eles seres unicelulares ou células de um organismo.

Essas características não são “invenções” totalmente novas e originais. A

natureza está constantemente reorganizando e remodelando as estruturas

preexistentes46, ou seja, gerando novas possibilidades de interação

entre as formas e permitindo a emergência de novas funções

(GOULD, 1977, 2002; DAVIDSON, 2001). Esse potencial de cooptar

caracteres para que passem a desempenhar novas funções em um novo

contexto foi amplamente explorado durante a evolução dos seres

multicelulares. Assim, as pressões de seleção natural sobre o desempenho

das funções vitais da célula passaram a atuar também sobre a

morfofisiologia dos tecidos, órgãos e sistemas, bem como do organismo

como um todo.

A vida multicelular, portanto, deslocou o alvo da seleção natural,

que passou a atuar não somente sobre a célula, mas sobre o organismo

como um todo. Nos organismos multicelulares, a fisiologia dos tecidos,

dos órgãos e dos sistemas emerge da organização interativa entre os

diferentes tipos morfológicos de células que os compõe. De modo

complementar, a fisiologia manifestada é capaz de transformar a

morfologia das células, modificando tanto a quantidade quanto a

diversidade de seus constituintes, controlando o ciclo celular, a

proliferação e também a morte natural das células. Ou seja, a gênese

morfofuncional dos tecidos, órgãos e sistemas deriva de três eventos: a

diferenciação fenotípica; a velocidade de proliferação celular (ciclo

celular); e a morte celular programada.

21

Reflexão

Saiba mais

Fitness é uma palavra de origem inglesa que denota a capacidade dos indivíduos em deixar descendentes em comparação com outros indivíduos. Em português usa-se o termo aptidão.

Page 22: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

A vida unicelular apareceu muito cedo na história do planeta

Terra, há cerca de 3,8 bilhões de anos. A vida multicelular, por sua vez,

só veio a ocorrer há aproximadamente 700 milhões de anos

(NARBONNE et al., 1997; CONWAY-MORRIS, 1998; JENSEN et al.,

1998).

É provável que a multicelularidade47 tenha se originado a partir

de microrganismos unicelulares coloniais, mas também é possível ter

evoluído com a associação de seres unicelulares distintos. Mas como? As

proteínas de adesão, presentes nas membranas das células, e o

conseqüente desenvolvimento de uma matriz extracelular foram

selecionados pela natureza, permitindo que as células permanecessem

aderidas após a divisão celular. (figura 10).

Figura 10. (slide 47) Forma e função no nível de tecido. O

aparecimento da multicelularidade.

O coletivismo celular proporcionou alguns benefícios, vejamos:

1) a diferenciação celular. Células geneticamente idênticas de

um mesmo organismo expressam diferencialmente seus genes, permitindo

assim a especialização em certas tarefas vitais. Mutações nos programas

genéticos de desenvolvimento das células precursoras resultam em

modificações no fenótipo celular final;

2) a associação e a cooperação na aquisição e distribuição dos

nutrientes;

3) a diversidade biológica, fruto de modificações na regulação

dos programas de desenvolvimento morfofisiológico dos tecidos, órgãos e

sistemas do organismo;

4) as implicações evolutivas resultantes do fato de que todas as

células do organismo descendem de uma única célula progenitora. Em

primeiro lugar, apenas as mutações que afetam as células progenitoras são

relevantes para o destino evolutivo dos organismos. Isto é verdadeiro

apenas para os organismos não modulares e aqueles que não apresentam

crescimento vegetativo. Em plantas, mutações somáticas podem sim, ser

22

Saiba mais

Totipotência é a capacidade de uma única célula, o zigoto, por exemplo, de originar todas as células diferenciadas no organismo, incluindo os tecidos extra-embrionários.

Page 23: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

herdadas. Depende de em que célula ela ocorre e que tecido é gerado a

partir desta célula. Se for o tecido responsável pela produção de uma flor,

então a mutação somática pode sim ser herdada. O mesmo vale para

animais modulares. Veja a unidade de organismos modulares neste

mesmo Módulo. Como o programa genético de desenvolvimento,

responsável pela organização dos tecidos do corpo, está presente no

genoma de cada célula progenitora, as mutações que afetam os genes

reguladores dessas células participam efetivamente da evolução e da

diversificação das formas e funções dos seres e de suas estruturas

internas. Em segundo lugar, a seleção natural passa a atuar, não somente

sobre as células, mas também, e principalmente, sobre o organismo como

um todo! Assim sendo, a evolução dos seres multicelulares acontece

dentro dos limites estabelecidos pelo programa genético do

desenvolvimento preexistente e pelas contingências históricas, isto é,

depende dos genes herdados, do controle do desenvolvimento e do

contexto ambiental em que se encontra o ser. Percebemos, aqui, a íntima

relação entre a evolução e o desenvolvimento. Essa relação é concebida

como algo integrado e interdependente: evo-devo (GOULD e

ELDREDGE, 1977; GOULD, 1977, 2002; DE DUVE, 1997;

DAVIDSON, 2001).

Nos seres coloniais, a reprodução foi a primeira propriedade

vital a ser especializada por um tipo celular específico: a célula

totipotente. Exemplos atuais dessa antiga forma de vida são as algas

verdes do gênero Volvox, que possuem células somáticas, cujas filhas são

sempre células somáticas, e células totipotentes, especializadas na

reprodução, pois podem originar ambos os tipos celulares (KIRK, 2001).

Inicialmente, dois tipos de células resultam da proliferação

celular, células somáticas e células reprodutivas, contudo, ambas

possuíam o mesmo número de cromossomos. Isso significa que a

reprodução era assexuada por partenogênese. Nos animais, o

aparecimento das células reprodutivas com metade dos cromossomos

implicou, por sua vez, na separação dos sexos, ou seja, na reprodução

sexuada. A maioria das algas, fungos e plantas não funcionam assim. A

23

Page 24: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

meiose é um tipo de divisão celular associada à redução do número de

cromossomos, à recombinação e, portanto ao aumento e manutenção de

novas combinações de genes em populações de organismos. Mas, não

necessariamente associada à reprodução sexuada. Nos organismos

haplobiontes haplontes e nos diplobiontes a meiose ocorre na formação de

esporos, não de gametas. Os esporos nunca se fusionam com outros

esporos e, assim, não produzem células diplóides. Portanto não há

fecundação, não há sexo. Contudo, os esporos germinam e formam

organismos multicelulares haplóides. Quando você vê um musgo (ou

aquilo que a gente reconhece como musgo) o que a gente vê é um

organismo pluricelular, macroscópico haplóide. Este indivíduo haplóide

produz gametas por mitose (todos os gametas são idênticos entre si. É a

dispersão dos esporos (que são geneticamente diferentes) e a distribuição

dos indivíduos haplóides na população que garantem a variabilidade

genética da população.) Feita esta distinção, nos seres com reprodução

sexuada, formaram-se os gametas femininos, que possuem a estrutura

necessária para iniciar o desenvolvimento do organismo, e os gametas

masculinos, capazes de desencadear o desenvolvimento. A reprodução

sexuada se efetua por intermédio da fecundação, ou seja, a união do

gameta masculino com o feminino, gerando uma célula totipotente, cujo

fenótipo é chamado de zigoto. Todo organismo animal se desenvolve a

partir desta única célula, o zigoto (exceto os fungos – haplobiontes

haplontes – boa parte das algas – haplobiontes haplontes ou diplobiontes

– e todos os organismos haplóides do ciclo de vida diplobionte,

característico de todas as plantas).

Durante o desenvolvimento, o fenótipo das células que ainda não

atingiram o estágio de maturação, as chamadas células precursoras ou

células-tronco, diferenciam-se várias vezes.48 A diferenciação ocorre por

meio de modificações na expressão gênica em resposta às mudanças no

metabolismo celular, induzidas por fatores intrínsecos e extrínsecos.

Modificações metabólicas alteram a expressão gênica e,

conseqüentemente, o programa genético do desenvolvimento da célula,

que passa a assumir formas e funções distintas, até assumir um fenótipo

24

Page 25: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

estável, o chamado fenótipo terminal. As células precursoras assumem

diversos fenótipos transitórios até assumirem características morfológicas

e funcionais do fenótipo final. Exemplos de fenótipos terminais são as

células já diferenciadas do corpo, como os miócitos cardíacos (células do

músculo cardíaco), os adipócitos (células adiposas) ou os neurônios. No

caso do sistema nervoso, os neurônios se diferenciam a partir da

modificação fenotípica das células precursoras chamadas de neuroblastos.

Modificações no programa genético do desenvolvimento geram

variedade morfofisiológica nos indivíduos de uma população,

influenciando diretamente o curso da evolução das espécies!49 A

alterações evolutivas na regulação da expressão gênica podem derivar,

por exemplo, de mutações pontuais que codificam certos aminoácidos dos

domínios dos fatores de transcrição, que passam a interagir com outros

segmentos do DNA; ou mais freqüentemente, dos rearranjos de

fragmentos de DNA, através de translocações, inserções, duplicações,

deleções, transposições fusões e fissões (DAVIDSON, 2001; GOULD,

2002).

As modificações nos sistemas de regulação da expressão gênica

de células precursoras podem desviar o desenvolvimento fenotípico antes

que se atinja o fenótipo terminal, ou estender o programa de diferenciação

terminal, desenvolvendo um novo fenótipo celular. Essas modificações

espaço-temporais no programa genético do desenvolvimento são

chamadas de heterocronia, que estudaremos mais adiante.

Seres vivos e Ecologia.

Os seres vivos interagem com seu ambiente. As interações

ecológicas se estabelecem entre os seres de uma mesma espécie

(interações intraespecíficas), entre seres de diferentes espécies

(interespecíficas) e também com o meio abiótico. Uma das

conseqüências dessas interações é a seleção natural dos organismos mais

bem adaptados. A seleção natural depende de três processos (Darwin,

1859; Dobzhansky, 1968; Gould e Eldredge, 1977; Mayr, 1998): (1) a

variabilidade de indivíduos em uma população, cujos códigos genéticos

25

Page 26: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

são distintos; (2) a herança dos caracteres dos progenitores; e (3) o

sucesso diferencial das progênies dos diferentes indivíduos, efetivado

pelas proporções de descendentes também aptos nas sucessivas gerações.

Os diferentes resultados de sucesso da prole selecionam indivíduos com

diferenças genéticas, direcionando a evolução da população. Esse

movimento gera especiação, se por ventura uma população sofrer algum

tipo de isolamento reprodutivo em relação a outras populações, ou se

ocorrerem fenômenos de vicariância ou dispersão (Rosen, 1978). Muito

desse sucesso diferencial resulta das adaptações e interações

morfofuncionais, comportamentais e ecológicas que os indivíduos

realizam com o seu meio ambiente. A seleção natural dos organismos

bem adaptados possibilita que as estruturas morfofisiológicas e os genes

permaneçam no tempo.

Vejamos agora um exemplo mais específico. No suceder das

gerações, submetido às pressões da seleção natural, e demais mecanismos

evolutivos, o tecido nervoso tem seu desenvolvimento modificado em

sua organização morfofisiológica, possibilitando o desempenho

fisiológico e comportamental adequado à sobrevivência dos indivíduos

portadores de tais modificações e à conseqüente perpetuação de

populações de determinadas linhagens Tais modificações evolutivas na

estrutura do sistema nervoso se efetuam, no nível molecular, através da

preservação das mutações vantajosas nas regiões promotoras e estruturais

dos genes que codificam proteínas estruturais, enzimas e fatores de

transcrição, que participam tanto dos programas genéticos de

desenvolvimento das células precursoras, quanto do fenótipo maduro,

isto é claro, caso o indivíduo portador dessa mutação sobreviva até a vida

adulta e deixe descendentes que também sejam portadores dessa

mutação. Mais ainda, para que a mutação possa se fixar na população ou

os portadores dessa mutação têm maior capacidade de se reproduzir do

que os demais ou, a população é pequena o suficiente para que essa

mutação possa ser fixada por deriva gênica, isto é, ao acaso. Todavia,

além da determinação genética, a morfologia e a fisiologia do sistema

nervoso dos indivíduos também são influenciadas pelo meio-ambiente,

26

Page 27: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

interno ou externo. Essa potencialidade dos neurônios é definida pelo

termo plasticidade. Embora a plasticidade resultante se esgote no

indivíduo, uma vez que não é transmitida às gerações posteriores, pois

não está codificado nos genes, o potencial plástico do sistema nervoso é

uma característica hereditária (Furtado, 2003; Rocha et al., 2003).

Por outro lado, o potencial que se manifesta no desenvolvimento

inicialmente exuberante dos componentes do sistema nervoso

(células e conexões em quantidade extranumerária), seguido de

eventos regressivos (diminuição do número de células e

conexões) determinados pelo ambiente, permite que o sistema

nervoso se ajuste tanto às variáveis que o meio ambiente

apresenta, quanto às alterações evolutivas em outros tecidos do

corpo, como as ocorridas em músculos, ossos, vísceras ou

receptores sensoriais. Em outras palavras, muitas das

modificações ocorridas ao longo da evolução do desenvolvimento

do sistema nervoso estão atreladas às modificações ocorridas em

outras estruturas corporais. Algo semelhante a uma coevolução,

mas só que manifesta em partes de um mesmo organismo. É

plausível supor que esta plasticidade, que o sistema nervoso de

organismos complexos possui, contribua para a manifestação

individual dos comportamentos estereotipados, bem como para a

capacidade de aprendizado e memorização de novos e complexos

comportamentos. Presume-se que a ontogenia (desenvolvimento)

do sistema nervoso depende de mecanismos genéticos e também

das interações que as células realizam com o ambiente

contingente, isto é, de influências epigenéticas.

Homem e humanidade

O Homem é o mais claro exemplo de que as variações

comportamentais expõem diferencialmente os indivíduos de uma

população à diferentes pressões de seleção natural. Basta que observemos

a história evolutiva dos hominídeos para percebermos o quanto o

27

Page 28: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

comportamento e também o desenvolvimento da cultura e da tecnologia

contribuíram para o sucesso adaptativo de nossa espécie. A humanidade

possibilitou a emergência novos níveis de organização, tanto de natureza

material quanto de natureza mental. Desenvolvemos as aldeias, as

cidades, os estados e, depois, as nações; organizamos-nos, no início de

nossa evolução em famílias e clãs, depois em tribos, povos, e finalmente,

em sociedades modernas. Podemos identificar facilmente o resultado da

imensa complexidade morfofuncional de nossa vida diária e em nossa

estrutura sócio-cultural.

Universo morfofuncional

Como justificado anteriormente, toda forma possui a função de

ser-estar, pois isto, simplesmente causa efeito. Não há aqui uma

conotação teleológica da função. O serve para é uma interpretação

antropocêntrica, embora, muitas vezes, na natureza, uma estrutura

morfofuncional acabe servindo para alguma coisa, mas isso sempre de

maneira relativa à com o que ou quem se está associando tal função.

Conforme vimos, o Universo manifesta-se pela emergência e

evolução de propriedades morfofuncionais nas diferentes escalas do

espaço-tempo, desde sua gênese. Passando da organização subatômica

inicial da matéria até a emergência da vida no caldo coacervado, o

Universo evoluiu. Organizou-se de modo cada vez mais complexo,

mantendo-se em equilíbrio, sobrevivendo, permanecendo no tempo,

como ainda hoje fazem a enguia, as estrelas, os observadores e os

observatórios astronômicos (Cortázar, 1972).

É a ordenação do espaço e sua permanência no tempo que

potencia e alimenta a tendência oposta à desordem entrópica. A evolução

gerou uma diversidade incrível de seres vivos com adaptações e ecologia

particulares, onde os animais se comportam e interagem

morfofuncionalmente. Qualquer interação ecológica é uma modificação

do espaço e do tempo. A modificação do espaço, a morte de uma presa,

no caso da predação, por exemplo é a morfologia da interação ecológica

da predação. O mesmo raciocínio pode ser extendido para qualquer das

28

Page 29: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

demais interações.) com a natureza, como o fazem as enguias em seu

movimento ondulatório, pois durante os anos de sua vida, e à milhões de

anos, em um movimento instantâneo, capturam a presa e sobrevivem...

Suponho ser também algo semelhante a este diálogo, que é escrito. Para

que distantes possamos, eu e você, admirar que haja vida nos seres vivos!

E que ela está verdadeiramente viva! Desde sua aurora!

Mas antes de prosseguir pergunte-se sobre o que você entendeu

até agora. Por favor, não insista em prosseguir, repasse mentalmente as

principais idéias expostas até aqui e certifique-se que as compreendeu.

Caso você ainda não se sinta seguro (a), não vacile, reveja o conteúdo

para assimilá-las plenamente, pois elas são indispensáveis para a

compreensão do que vem a seguir...

V Heterocronia

Vimos que a forma e sua funcionalidade são interdependentes, e

que se manifestam em todos os níveis de organização do Universo.

Vimos também que a evolução do Cosmos resulta das relações recíprocas

entre forma e função, que geram diversidade e complexidade.

Mas como se manifestam as relações entre forma e função nos

seres vivos? A resposta é simples: tais relações se manifestam no

desenvolvimento e na evolução dos seres!

A idéia de evolução, ou filogenia, e de desenvolvimento, ou

ontogenia, são semelhantes, porém, com uma diferença substancial. O

desenvolvimento se refere ao tempo relativo à vida dos organismos,

enquanto a evolução se refere a um tempo supra-individual, que

inclui a vida de gerações de indivíduos.

Compreendida essa diferença, repare algo muito interessante e

surpreendente! Após a divisão celular, as células desenvolvem um

fenótipo Os tecidos e os órgãos, sejam eles de plantas ou de animais têm

um desenvolvimento e um crescimento. Os organismos também crescem

e se desenvolvem. Os indivíduos aprendem e ensinam. As populações

aumentam e diminuem. As comunidades se sucedem. Os ecossistemas e

29

Reflexão

Reflexão

Reflexão

Page 30: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

biomas evoluem. Os sistemas solares se formam e as galáxias se

desenvolvem. Todas as coisas no Universo estão em desenvolvimento

e em evolução!50 Nós inclusive, agora e sempre!(figura 11 ou tabela 1).

Figura 11. ou Tabela 1. (slide 50) A atuação da evolução nos

diferentes níveis de organização do Universo.

Conforme exposto, o desenvolvimento e a evolução manifestam-

se espaço-temporalmente. No tempo, a manifestação do desenvolvimento

e da evolução refere-se à sucessão e à duração dos eventos. No espaço,

revela-se por meio das modificações no tamanho e/ou na forma das

estruturas. A combinação desses parâmetros nos permite classificar o

desenvolvimento do organismo, ou de suas estruturas, em diferentes tipos.

Em relação ao espaço, o desenvolvimento pode ocorrer de modo

progressivo ou regressivo. Em relação ao tempo, o desenvolvimento dos

caracteres ou dos indivíduos pode ser retardado ou acelerado. A

combinação dessas quatro possibilidades resulta no tipo de

desenvolvimento observado. Essa mesma classificação também pode ser

adotada para se categorizar a evolução.

Para identificarmos o tipo de evolução, é preciso que sejam

comparadas as características morfológicas e/ou fisiológicas atuais com

aquelas do ancestral. As modificações evolutivas ocorridas pela mudança

nos padrões de desenvolvimento são as chamadas heterocronias. As

heterocronias promovem diferenças morfofisiológicas nos indivíduos

(hetero), em virtude de modificações no ritmo de desenvolvimento

(cronos). São seis as possibilidades de evolução heterocrônica.51 e 52

(figura 12).

Figura 12. (slides 51 + 52 + 53). Heterocronia.

Dos seis tipos de mutações heterocrônicas, duas delas se

caracterizam por um retardo no desenvolvimento, outras duas por uma

aceleração no desenvolvimento, enquanto as duas restantes manifestam

um desenvolvimento simultaneamente acelerado e retardado no que se

refere ora à forma, ora ao tamanho do caractere em questão.53 e 54

30

Page 31: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

Em resumo, a heterocronia no desenvolvimento possibilita que

distintas partes do corpo ou os órgãos reprodutivos possam se

desenvolver em diferentes velocidades, seja mais rapidamente

(aceleração), seja mais lentamente (retardo), em relação ao

desenvolvimento de seu ancestral. (HAECKEL, 1866; VON BAER,

1828, apud GOULD, 1977; NORTHCUTT, 1990; DAVIDSON, 2001).

Mas como as formas e os tamanhos das partes dos corpos podem

ter seu desenvolvimento alterado?

O desenvolvimento do corpo ocorre por meio do

estabelecimento de territórios morfogenéticos. Cada território

morfogenético possui o potencial de desenvolver uma parte específica do

corpo55 (figura 13). Isso ocorre por conta do comprometimento fenotípico

que cada célula precursora tem em se diferenciar em outra(s) célula(s)

com morfofisiologias específicas. Esste comprometimento na

diferenciação celular resulta na formação dos diferentes tecidos, órgãos e

sistemas.

Figura 13. (slides 55 + 56 + 69) Territórios morfogenéticos.

O comprometimento fenotípico é estabelecido pelo programa

genético do desenvolvimento. Cada indivíduo, de cada espécie manifesta

um programa genético do desenvolvimento diferente. A evolução

ocorre com as modificações na duração dos eventos do desenvolvimento;

as modificações na intensidade (velocidade, quantidade, concentração)

em que eles ocorrem; ou ainda com as alterações na seqüência em que os

eventos de diferenciação ocorrem.

Quanto mais precoce for o desvio no programa do

desenvolvimento, maiores são as chances de os organismos apresentarem

diferenças morfofisiológicas significativas. Nos seres sexuados, a

evolução ocorre por meio de mutações nas células da linhagem

reprodutiva do ancestral que modificam (heterocronia) o controle do

programa genético de desenvolvimento dos descendentes56

Alterações no programa genético do desenvolvimento podem

ocorrer de modo independente em diferentes regiões do embrião, isto é,

31

Atenção

Saiba mais:

Territórios morfogenéticos são regiões morfofuncionais do embrião que têm o potencial de desenvolver partes específicas do corpo. Modificações na especificação dos territórios morfogenéticos alteram o desenvolvimento do corpo, promovendo a evolução.

Atenção

Page 32: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

em diferentes territórios morfogenéticos. Essas alterações

independentes resultam em crescimento diferencial das partes do corpo

(heterocronia). Se as alterações podem ser mensuradas, consequentemente

pode-se medir também a taxa de crescimento de determinadas estruturas

comparando suas medidas com as do corpo (alometria). Essas taxas de

crescimento alométrico podem ser obtidas tanto durante o

desenvolvimento, comparando-se diferentes idades de uma mesma

espécie, quanto na evolução, comparando a espécie com seus ancestrais.

Mais adiante retomaremos a discussão sobre a alometria. Por ora vamo-

nos ater ao tema da heterocronia.

A alteração do padrão de desenvolvimento conduz a alterações

morfofisiológicas no corpo dos indivíduos, submetendo-os,

conseqüentemente, a distintas pressões de seleção natural.

Vejam que a evolução e o desenvolvimento são eventos

morfofuncionais muito semelhantes. Mais do que isso, a evolução e o

desenvolvimento são fenômenos interdependentes.57 (figura 14).Mas qual

é essta relação de interdependência entre a evolução e o

desenvolvimento? A resposta é simples: a evolução (filogenia) resulta das

modificações morfofuncionais no programa do desenvolvimento

(ontogenia) sofridas ao longo das gerações. Ou seja, a filogenia resulta da

evolução do desenvolvimento! 58

Figura 14. (slide 57) Evolução do programa genético do

desenvolvimento gera a diversidade morfofisiológica nos seres

multicelulares.

Essa evolução do desenvolvimento também é conhecida pela sua

abreviação: evo-devo. Se compararmos o desenvolvimento das diferentes

espécies, a primeira impressão é que a ontogenia recapitula a filogenia,

mas não se trata de uma recapitulação propriamente dita como veremos

mais adiante nesta unidade.

Você já se perguntou por que um determinado órgão do corpo

tem a morfologia e a fisiologia que tem? Ou por que quanto mais

aparentados são os organismos do ponto de vista filogenético, mais

32

Atenção

Reflexão

Page 33: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

parecidos são sua anatomia e seu desempenho comportamental? Ou

ainda, como puderam ter surgido novos tecidos, novos órgãos e sistemas

durante o processo evolutivo? São questionamentos que têm tudo a ver

com a heterocronia no desenvolvimento.

Mas por ora é melhor que voltemos ao desenvolvimento

heterocrônico. Os seis tipos de heterocronia, podem resultar da mudança

na intensidade (aumento, diminuição ou supressão) da expressão de certos

genes reguladores, ou ainda, da expressão de novos genes reguladores, o

que possibilita o desenvolvimento de um fenótipo terminal diferente.52

Qualquer tipo celular, qualquer tecido, órgão ou sistema, teve

necessariamente, uma origem evolutiva!

Os três principais fatores que contribuem para a histogênese e a

organogênese dos seres multicelulares são: a proliferação celular, a

diferenciação fenotípica e a morte celular programada (apoptose) (VON

BAER, 1828, apud GOULD 1977; GOULD, 1977, 2002; DAVID, 2001;

ZELDITCH e FINK, 1996).

Assim sendo, a evolução morfofisiológica dos tecidos, órgãos e

sistemas, depende de modificações nos padrões de desenvolvimento

desses mesmos três fatores: 1) modificações na velocidade de proliferação

celular; 2) desvios no programa genético do desenvolvimento das células

precursoras que resultam no desenvolvimento de um novo tipo celular;

e/ou 3) modificações na indução espaço-temporal de morte celular

programada. Lembre-se que as modificações heterocrônicas podem se

manifestar em territórios morfogenéticos específicos, possibilitando que

partes específicas do corpo tenham regulado seu desenvolvimento de

modo relativamente independente.

Repare a semelhança entre desenvolvimento e evolução. A

forma, o tamanho e as funções das células, dos tecidos, dos órgãos e dos

sistemas estão sujeitos a alterações em seus padrões de desenvolvimento.

Podemos concluir que a grande parte da evolução da diversidade

morfofisiológica/comportamental/ecológica que os seres multicelulares

apresentam, e apresentaram nestes quase oitocentos milhões de anos de

33

Page 34: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

existência, resultam da evolução da heterocronia do desenvolvimento.

Um exemplo claro é a modificação heterocrônica sofrida na proporção

entre o tamanho da mandíbula e o tamanho do crânio (e cérebro) ao logo

da evolução da cabeça dos hominídeos.

Agora note algo surpreendente: a heterocronia também ocorre,

de certo modo, na escala da célula!50 Depois que a célula nasce tem início

o ciclo celular, um desenvolvimento morfofuncional que se estabelece até

o fim do ciclo, quando ocorre uma nova mitose ou a morte da célula.

Cada tipo de célula tem um ciclo celular padronizado e esse

ciclo pode ser entendido como o desenvolvimento da célula. O fenótipo

que a célula desenvolve depende do ritmo de modificações na quantidade

e/ou tipos de proteínas presentes no início do ciclo celular e depende da

interação com o seu meio ambiente. O surgimento de novos fenótipos

celulares pode ocorrer pela supressão/modificação na quantidade de genes

expressos pela célula e/ou pela expressão de genes diferentes. Esse padrão

“heterocrônico” da expressão das proteínas que determinam o fenótipo

celular permite-nos fazer uma analogia com a evolução por heterocronia

que ocorre com os tecidos, órgãos e sistemas dos organismos. Vejamos

isto um pouco mais a fundo, concentrando-nos em identificar os padrões

morfofuncionais envolvidos.

A associação entre as proteínas fatores de transcrição e seus

sítios complementares específicos na espiral genética orquestram os

padrões de expressão gênica, e esse padrões se modificam durante o ciclo

celular59. A quantidade e os tipos de fatores de transcrição que se

encontram associados às regiões reguladoras e promotoras da transcrição

no DNA, determinam não só a expressão dos genes60, como também sua

intensidade61-64. Essta composição morfofuncional enovela e desenovela o

cromossomo, permitindo a separação das fitas de DNA pelo complexo

RNA-polimerase, e consequentemente sua transcrição em uma sequência

de nucleotídeos que formam a fita de ácido ribonucléico, o RNA

mensageiro.

34

Page 35: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

Estabelece-se, um movimento de forças atômicas e mecânicas à

medida que as moléculas se associam morfofuncionalmente, milhares,

simultaneamente, o tempo todo, em em sítios específicos em regiões

reguladoras do DNA, como em um frenesi de rapidez milesimal capaz de

gerar uma miríade de ácidos nucléicos, mensageiros codificantes da

estrutura das proteínas que constituem a célula. Transcritos os RNAs, as

proteínas e as enzimas contribuem para a homeostase metabólica da

célula.

Assim, a cada momento do ciclo celular, determina-se o

desenvolvimento das características morfofuncionais da célula. As

características morfofuncionais das células precursoras determinam, por

sua vez, o destino fenotípico das gerações de suas células filhas e, por

conseguinte, o desenvolvimento morfofisiológico de todo o organismo.65-

68

A expressão gênica, você se lembra, é coordenada pela atividade

de fatores de transcrição que regulam a expressão de outros fatores de

transcrição, em uma cascata de regulação que culmina na expressão de

um grande conjunto de genes que determinam o fenótipo da célula. Os

genes que regulam a expressão de outros genes reguladores do

desenvolvimento são chamados de genes homeóticos69 (figura 13), e

existem muitas famílias deles (CARROLL, 1995; DE ROSA et al., 1999;

GREER et al., 2000; KAPPEN, 2000; MILLER et al., 2000;

MANZANARES et al., 2000; DAVIDSON, 2001). Você ouviu falar

desses genes homeóticos na unidade “Desenvolvimento e Crescimento”.

Estes genes são os mesmos do kit de ferramentas discutido naquela

unidade.

Mutações, permutas ou translocações nas regiões reguladoras

dos genes homeóticos ou nos domínios protéicos de associação com o

DNA, podem influenciar o desenvolvimento morfológico do animal. Uma

vez que esses genes são expressos muito cedo na ontogênese é possível

que as mutações possam resultar em conseqüências funestas70, mas por

outro lado, podem resultar em inovações benéficas para os animais,

35

Page 36: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

sendo, portanto, passíveis de serem selecionados positivamente.71 (figura

15).

Figura 15. (slides 70 + 71). Modificações no programa genético do

desenvolvimento.

Atividade complementar

A) Cite ao menos um exemplo no reino animal para cada um dos

seis tipos de heterocronia.

B) Faça o mesmo exercício, agora com exemplos de tecidos,

órgãos ou sistemas. Se preferir, resolva-os na forma de tabela.

VI Um exemplo de evolução heterocrônica

Durante a evolução houve uma tendência a uma maior

complexidade dos tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos. Por exemplo, no

sistema nervoso se observa um aumento da massa encefálica em relação

à massa corporal, quando comparados peixes, anfíbios, répteis, aves e

mamíferos. Vejamos esta evolução mais a fundo.

Será que a Marella era menos complexa que os artrópodos

atuais? Acho que não podemos dizer isto da evolução.

Por outro lado, os organismos que conhecemos hoje em dia,

como pertencentes ao Reino Monera (cianobactérias, por ex), têm uma

história evolutiva mais antiga que a nossa (independente do nível

hierárquico ao qual estejamos nos referindo: animal, mamífero,

hominídeo), entretanto, são organismos tão atuais e, portanto, tão

evoluídos quanto nós. A biosfera, até hoje é dominada pelas bactérias.

Este é um grupo tão bem sucedido que existe desde há 2,8 bilhões de

anos e continua a dominar a Terra em termos de número de espécies e

mesmo de grupos chave. Sem cianobactérias não haveria vida, mas elas

existiriam sem nós.

36

Pratique

Page 37: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

Nadar com auxílio de um cílio ou flagelo é possível apenas se o

organismo for muito pequeno. Neste caso este mecanismo é eficiente. Se

você tivesse uma célula do tamanho de um peixe (ou com a mesma

massa corpórea) o sistema teria de ser outro. Você já imaginou o

tamanho e a espessura do flagelo para movimentar, na água, uma euglena

de 30 cm de comprimento com a mesma eficiência e velocidade relativa

de deslocamento que sua parenta (real) microscópica?

O cérebro aumentou porque nos tornamos mais complexos ou

porque nos tornamos maiores e organismos maiores acabam sendo mais

complexos para serem mais eficientes? E uma vez maiores outras

funções puderam se estabelecer com o tempo!?

Nossos pulmões são como são para poder empacotar uma

enorme superfície de contato com o ar atmosférico para sermos capazes

de sustentar nossa massa corpórea. Se fossemos do tamanho de besouros

não precisaríamos de pulmões. Poderíamos carrear o oxigênio por

difusão com eficiência.

Durante o desenvolvimento, o tubo neural sofre uma série de

especificações morfogenéticas nos eixos antero-posterior, dorso-ventral e

interno-externo. Essas mudanças nos padrões de expressão gênica no

epitélio germinativo concorrem para a definição do fenótipo das distintas

populações celulares do sistema nervoso. Tal fenômeno continua a

ocorrer, em certas ocasiões, também nos locais onde determinadas

células iniciam sua diferenciação. São populações de células

desempenhando um metabolismo capaz de influenciar o destino

fenotípico de suas circunstantes, especificando territórios

morfogenéticos, influenciando a proliferação e a também diferenciação

celular.

A ontogenia do sistema nervoso se manifesta inicialmente,

formando conjuntos exuberantes de neurônios interconectados . Durante

a especificação do neuroepitélio, o plano antero-posterior do tubo neural

se diferencia nas distintas populações de células do prosencéfalo, do

mesencéfalo, do rombencéfalo e da medula.72

37

Saiba mais

Durante o desenvolvimento embrionário, o encéfalo é originário a partir de uma vesícula única que se divide em três partes: o prosencéfalo (ou encéfalo anterior), o mesencéfalo (ou encéfalo médio) e o rombencéfalo (ou encéfalo posterior).Para relembrar sobre o Sistema Nervoso Central e suas funções volte a Unidade 9 do Módulo 3.

Page 38: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

O prosencéfalo, prosseguindo seu desenvolvimento, se segmenta

em dois grandes territórios morfogenéticos, à frente o telencéfalo e atrás

o diencéfalo. Concomitantemente, o rombencéfalo se divide nas

populações do metencéfalo e do mielencéfalo. No plano dorso-ventral

três regiões morfofuncionais podem ser identificadas ao longo de toda a

longitude do sistema nervoso: a região dorsal, de natureza sensorial, a

região intermediária, de natureza integrativa e a região ventral, de

natureza motora.

Em todos os cordados, o mielencéfalo e metencéfalo

(rombencéfalo) contêm os centros moduladores de funções vitais básicas,

como a respiração, nutrição, circulação, reprodução, locomoção etc.

Essas regiões estão presentes nos cordados vivos e, provavelmente,

também nos mais antigos ancestrais.

O restante do cérebro, excetuando o sistema olfativo, são

aquisições evolutivas dos vertebrados, como sugere o estudo do sistema

nervoso dos anfioxos (Holland e Holland, 1999). Foi justamente nesstas

novas estruturas que mais modificações evolutivas continuaram a

aparecer, em conseqüência, principalmente, do desenvolvimento

heterocrônico do sistema nervoso, cuja velocidade de crescimento das

estruturas pôde ser modificada diferencialmente. Na filogênese dos

vertebrados houve uma tendência de crescimento e de aumento de

complexidade morfofuncional, proporcionada pelo prolongamento do

período de desenvolvimento. Embora esse prolongamento signifique

também um aumento na energia investida na proliferação, as

potencialidades de desenvolvimento do corpo e de seus tecidos são, em

contrapartida, também incrementadas.

No plano antero-posterior, podem ser identificadas no sistema

nervoso dezessete regiões, ao serem caracterizadas de acordo com a

foram e a função que apresentam, ainda que as funções desempenhadas

não lhes sejam exclusivas. Trata-se de divisões classificadas segundo as

generalidades nas formas e nas funções destas grandes regiões. Se

observadas minuciosamente, tais divisões apresentam uma miríade de

sub-regiões morfofuncionais. Todavia, tanto o número de células e áreas

38

Page 39: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

quanto a complexidade dos circuitos morfofuncionais variam muito mais

entre os animais pertencentes a diferentes classes ou ordens (grandes

táxons) do que entre animais de uma mesma família ou gênero (pequenos

táxons).

VII Homologia e homoplasia

O termo homologia, introduzido por Owen em 1843, portanto

antes do livro Origem das espécies, de Charles Darwin (1859), referia-se

à idéia de semelhança de um mesmo órgão em diferentes animais, sob

uma variedade de formas e funções. Desde então, várias definições de

homologia foram apresentadas e discutidas: (Simpson, 1944; Campbell e

Hodos, 1970; Mayr, 1988; Striedter, 1998; Striedter e Northcutt, 1991;

Striedter, 2002) e todas elas salientam que, para serem homólogos, as

estruturas que se comparam devem estar, de alguma forma, presentes na

condição ancestral.

Assim, um caráter presente em dois ou mais táxons é homólogo

se esse caractere é também encontrado no ancestral comum desses

táxons. Respeitada a condição de ancestralidade comum, os caracteres

que se compara são considerados homólogos, ainda que sejam muito

diferentes (Striedter e Northcutt, 1991; Striedter, 1998, 2002).

Identificam-se alguns tipos de homologia (figura 26): 1- a

homologia transformacional, que implica a conservação da

característica ancestral em apenas um dos táxons descendentes, enquanto

no (s) outro (s) táxon (s) o caractere se transforma em uma forma

diferente -; e 2- a homologia estática, que implica a conservação do

caráter nas distintas linhagens. Os caracteres homólogos são chamados

plesiomórficos, caso os caracteres do ancestral tenham sido conservados

nas linhagens subseqüentes; ou apomórficos (sinapomórficos), caso

sejam caracteres derivados.73 a 75

Figura 16. (slides 73 + 74 + 75). Homologias e homoplasias.

39

Page 40: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

Dependendo do contexto, além desse conceito de homologia

filogenética, outros dois conceitos podem ser adotados: 1- a homologia

seriada, que significa a correspondência entre estruturas que ocupam

posições espaciais distintas em uma sequência de estruturas

semelhantes, como exemplo, as diferenças entre as vértebras cervicais e

lombares ao longo da coluna vertebral de um mamífero; 2- a homologia

sexual, que é a correspondência entre estruturas do macho e da

fêmea, que se desenvolvem a partir de primórdios embrionários

idênticos. O ovário é homólogo sexual dos testículos, e o clitóris é um

homólogo sexual do pênis. A homoplasia, por sua vez, é o termo que

define caracteres semelhantes em sua forma ou função, sem que tenham

derivado de um ancestral comum (caracteres análogos). Três tipos de

homoplasia são reconhecidos: 1- a homoplasia paralela (paralelismo),

que nomeia a evolução independente de caracteres semelhantes a partir

de um mesmo caráter ancestral distante; 2- a homoplasia convergente

(convergência), que define a evolução independente de caracteres

semelhantes a partir de diferentes caracteres ancestrais, envolvendo

adaptação a condições ecológicas similares; 3- a homoplasia casual

(similaridade casual), onde caracteres semelhantes evoluem de forma

independente, sem relação de ancestralidade e sem envolver adaptações a

condições ecológicas similares.76

Uma vez que as modificações evolutivas advém das

modificações no programa genético do desenvolvimento, não só os

caracteres manifestados pelos organismos adultos, mas principalmente as

etapas do desenvolvimento ontogenético devem ser comparadas para

uma apreciação mais verossímil das condições de homologias e

homoplasias entre os caracteres.

O estudo da ontogenia é uma ferramenta poderosa na

caracterização da evolução dos tecidos do corpo, porque a grande

maioria, senão todas as mudanças morfofuncionais que se evidenciam

nos seres, resultam de modificações nos padrões genéticos do

desenvolvimento (Duboule, 1994; Mayr, 1998; Davidson, 2001; Gould,

2002).

40

Page 41: Forma e Funçãonead.uesc.br/.../material_apoio/texto_forma_e_funcao.doc · Web viewFigura 5. (slides 17 + 18) Coacervados e os atributos vitais. Os coacervados eram vesículas de

Uma mutação no programa genético de desenvolvimento desvia a

morfogênese do organismo em algum momento específico do

desenvolvimento. O desenvolvimento, até então, recapitula o padrão de

desenvolvimento que ocorria com seu ancestral (von Baer, 1828, apud

Gould, 1977). Por esste motivo, parece apropriado reconhecer homologia

entre estruturas de dois organismos caso elas se desenvolvam em

territórios morfogenéticos comuns. Esste tipo de homologia é chamada

de homologia de campo (field homology), (Puelles e Medina, 2002).

A modificação ou a conservação do programas genéticos de

desenvolvimento se reflete na proliferação, na diferenciação e na morte

celular. Modificações na proliferação tendem a alterar o tamanho da

estrutura. Mudanças nos padrões de diferenciação celular, por sua vez,

tendem a alterar a forma do caractere, enquanto a morte celular pode

modificar tanto a forma quanto o tamanho da estrutura.

Portanto, são homólogas as estruturas de diferentes organismos

que possuem a mesma origem ontogenética e filogenética. Estruturas

homólogas podem ou não manifestar as mesmas funções.

A análise cladística moderna infere as características dos corpos

dos animais ancestrais através da identificação de caracteres presentes

dentro e entre os grupos filogenéticos atuais, usando o grau de

semelhança e a parcimônia na tentativa de distinguir caracteres ancestrais

homólogos de caracteres semelhantes homoplásicos (Willey, 1981,

Butler,1994a, 1994b; Kaas, 2002).

Mas como podemos discernir se os caracteres comparados são

homólogos ou homoplásicos?

Vejamos as possibilidades com um exemplo. Várias evidências

podem ser utilizadas na busca por homologias e homoplasias no sistema

nervoso dos animais. As evidências podem ser reconhecidas em

diferentes níveis da organização biológica, por exemplo: na ecologia e no

comportamento do organismo, na morfofisiologia das regiões do cérebro

e das células, no programa de expressão gênica, na estrutura do genoma e

na atividade das macromoléculas orgânicas.

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É possível individualizar alguns critérios de homologias

estruturais e funcionais, nos distintos níveis de organização biológica,

comparando-se: (1) as seqüências de nucleotídeos do DNA; (2) os

padrões de expressão gênica durante o desenvolvimento e no organismo

já maduro; (3) a diversidade de proteínas específicas e macromoléculas

características de determinadas populações celulares, ou seja, a

comparação do fenótipo molecular; (4) a atividade dessas proteínas e do

metabolismo celular; (5) o fenótipo celular, isto é, a posição do corpo

celular, a morfologia da célula e o padrão de estabelecimento e

distribuição de suas conexões; (6) a topografia, a morfologia e a

fisiologia das regiões, áreas e núcleos do cérebro em desenvolvimento e

do cérebro amadurecido; (7) a topologia, ou anatomia macroscópica do

cérebro; (8) o comportamento dos animais e (9) a ecologia dos seres. Não

obstante, para uma apreciação criteriosa das relações de homologia,

deve-se, sempre que possível, tomar vários ou todos esses critérios em

conjunto.

Além dos referidos critérios de homologia, derivados da análise

comparativa dos diversos tipos de sistema nervoso nos animais atuais,

também contribuem para a imaginação da organização dos cérebros dos

animais extintos, a reconstituição do corpo dos animais a partir do

registro fóssil, o estudo paleontológico das filogenias e o estudo da

paleoecologia. A observação da morfologia das caixas cranianas e as

relações entre área ou volume que as regiões de diferentes modalidades

sensoriais apresentam, bem como o provável desempenho ecológico dos

animais ancestrais, podem ser obtidas a partir da análise de fósseis.

O fenótipo bioquímico e estrutural (morfofuncional), as

interações que estabelecem, e os territórios morfogenéticos onde nascem

as células são considerados excelentes critérios de homologia entre tipos

celulares, porque se baseiam na conservação dos genes que controlam o

desenvolvimento de estruturas que desempenhavam funções importantes

no organismo ancestral, e que freqüentemente, tendem a continuar

desempenhando nas gerações subseqüentes.

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VIII Alometria

Já vimos durante o desenvolvimento, as modificações

morfofuncionais ocorridas com o corpo e suas partes resultam de

alterações no programa de desenvolvimento. Vimos também que a

descendência comum e a heterocronia determinam as relações de

homologia e homoplasia entre caracteres de diferentes organismos.

Agora veremos como podemos quantificar a taxa de modificação

morfofisiológica ocorrida no desenvolvimento do organismo ou durante

sua história evolutiva.

As modificações morfofisiológicas (forma, tamanho, peso,

atividade, velocidade, temperatura...) podem ser quantificadas por

intermédio de uma relação alométrica, isto é uma comparação entre as

propriedades mensuráveis das partes em comparação com o corpo todo.

A alometria é a mensuração do crescimento relativo de uma parte em

relação ao organismo por inteiro, ou a algum outro padrão. Essa medida

pode ser utilizada na interpretação da evolução da forma, do tamanho e,

conseqüentemente, de suas funções. As alterações no tamanho ou a

mudança na forma são adaptativas, tanto do ponto de vista ontogenético,

como do filogenético (Hildebrand & Goslow, 2006).

Se duas estruturas corporais crescem a taxas distintas, então,

conforme o tamanho é alterado as proporções corpóreas também o são. A

alometria pode ser aplicada tanto ao estudo da ontogenia como da

filogenia, pois ela deriva do desenvolvimento heterocrônico.

Um exemplo de alometria no desenvolvimento é a mudança na

proporção do tamanho do crânio e da mandíbula nos humanos. Quando

comparados bebês e adultos humano, nota-se claramente que a proporção

entre o crânio (grande) e a mandíbula (pequena) dos bebês se inverte com

o desenvolvimento. Todavia, quando esstes mesmos caracteres são

comparados do ponto de vista evolutivo, percebe-se o contrário. Na

evolução dos hominídeos, houve um pronunciado aumento no tamanho

relativo do crânio em relação ao tamanho da mandíbula. Mostrando que

do ponto de vista evolutivo, a cabeça dos hominídeos tendeu a manter

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seu aspecto juvenil na fase adulta. Esse tipo de heterocronia é chamada

de neotenia.

Mas como podemos medir a taxa de crescimento? A medida da

alometria se baseia na correlação entre duas variáveis. O coeficiente

alométrico (a) refere-se à diferença de crescimento entre duas

características mesuráveis de um organismo, sendo uma delas a variável

independente (x) e outra a variável dependente (y). Na escolha da

variável independente deve-se dar preferência às características que

melhor expressam a totalidade do organismo. Já a variável dependente é

aquela que se pretende estudar.

A medida da alometria pode ser quantificada aplicando-se a

fórmula:

a = y / x.b

Onde: a é o coeficiente alométrico; x é a medida de uma

característica; b é uma constante; y é a outra característica.

Ao se estudar o desenvolvimento ou a evolução do tamanho ou

do peso de alguma parte do corpo, é comum utilizar o tamanho ou o peso

do corpo como variáveis independentes.

Podemos, por exemplo, avaliar o crescimento relativo do peso

ou do volume do cérebro durante o desenvolvimento do organismo bem

como a evolução do desenvolvimento, isto é, sua história evolutiva;

Também podemos estudar o crescimento das plantas, avaliando, por

exemplo, a proporção entre a biomassa subterrânea e a biomassa aérea de

uma planta. É possível medir o coeficiente alométrico durante o

desenvolvimento ou na evolução, de praticamente qualquer parte do

organismo, seja um tecido, um órgão ou todo um sistema.

Vejamos agora um exemplo bem específico de comparação

entre as taxas alométricas de diferentes espécies.77 (figura 17).

Figura 17. (slides 77). Alometria.

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Na figura 17, as seis linhas de regressão representam equações

alométricas para seis populações distintas quanto à idade ou a

ancestralidade. Essas linhas representam neste exemplo, as relações

alométricas entre o crescimento das patas e da coluna de seis espécies ou

populações de uma espécie. Observe atentamente a figura e tenho certeza

que irá compreender este exemplo.

As espécies A e C possuem a mesma relação alométrica (mesma

inclinação de reta) em relação ao tamanho corporal e ao comprimento

relativo do membro. Porém, na espécie C os membros e a coluna crescem

em uma taxa equivalente, enquanto na espécie A, os membros têm uma

taxa de crescimento maior que a da coluna. A análise dessa situação

indica que asa espécies A e C são mais distintas do que aparentam.

O mesmo pode ser verificado com a comparação das espécies D

e E. Ambos são maiores que A e C, mas apresentam as mesmas

proporções. Todavia, a espécie C difere mais da espécie E do que da

espécie D, uma vez que, tanto C quanto E diferem não somente na taxa

de crescimento corporal como também na taxa de crescimento relativo

dos membros e da coluna.

Na espécie B os membros crescem mais rapidamente que a

coluna, enquanto a espécie F a coluna cresce proporcionalmente mais

rápido que os membros.

As modificações heterocrônicas no programa de

desenvolvimento resultam nas diferentes taxas de crescimento.

Assim, podemos concluir que as modificações heterocrônicas no

programa de desenvolvimento modificam as taxas de crescimento das

partes do corpo resultando em modificações morfofuncionais nos

fenótipos. Essa variabilidade é um componente indispensável para a

evolução das espécies.

XIX Agradecimento

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Agradeço tua companhia. Agora continua... Desenvolve tua

visão de mundo...

X Referências e sugestão de leitura

Senhores editores a lista de referências ainda está incompleta.

Winthers, PC. Comparative Animal Physiology. Copyright. 1992.

Hildebrand, M; Goslow, G. Análise e estrutura dos vertebrados. 2ed.

São Paulo Editora Atheneu. 2006.

Randall, DJ; Burggren, W; French, K. Animal Physiology. Mechanisms

and adaptations – Eckert. 4ed. Copyright. 1998.

Schmidt-Nielsen K. Fisiologia Animal. Adaptação e meio ambiente.

5ed. Santos Livraria Editora. 1996.

Para saber mais sobre a aplicação do método alométrico na

correlação entre forma, tamanho e proporcionalidade, visite os

endereços eletrônicos:

http://oficina.cienciaviva.pt/~pw011/jazidas/

alometria_teropodes_osteologico.html, para ler o artigo: Crescimento

alométrico para teropodes, inferido a partir do seu registro

osteológico.

http://oficina.cienciaviva.pt/~pw011/jazidas/

grallator_anchisauripus_eubrontes_crescimento_alometrico.html, para ler

o artigo: Grallator, anchisauripus, eubrontes - crescimento

alométrico, isométrico ou outra situação?

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