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OBRA DO AUTOR PUBLICADA PELA BRASILIENSE— A Igreja e a Política no Brasil

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A Força do PovoDemocracia participativa em Lages

Prefácio: Maurício Tragtenberg

1ª edição 19808ª Edição

Márcio Moreira Alves

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editora brasiliense s.a.1223 – r. general jardim, 160são paulo - brasil

Copyright © Márcio Moreira Alves

Capa: Roberto Strauss

Revisão: José E. Andrade Nelson Nicolai

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Índice

A luz vem de Lages — Maurício Tragtenberg ......................... 7Introdução ......................................................................... 13A força do povo .................................................................. 19O funcionamento ................................................................ 32O mutirão da vida nova ... .................................................. 48Ensinar e aprender ............................................................. 63Transformar o lixo em riqueza ............................................ 77Bem-estar social ................................................................. 91A gente dá um sopro... ...................................................... 104A economia ...................................................................... 112A questão política ............................................................. 116Leis populares .................................................................. 123Anexo — Código Tributário de Lages ............................... 145

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A Luz Vem de Lages

Maurício Tragtenberg

A Força do Povo é o relato de práticas populares, onde o povo “tomou a palavra”. Onde Dirceu Carneiro (eleito pre-feito de Lages (SC) em 1976, pelo MDB) e sua equipe atuam como “animadores sociais”, procurando conscientizar o povo da força que tem e não conhece, de sua capacidade construti-va, afinal, da idéia de que tudo é construído pelo trabalho.

Num país acostumado à bajulação dos tecnocratas que detêm o poder sobre a população e a ela não prestam conta dos desmandos cometidos em seu nome; onde a História é a história das elites ou de seus homens representativos, onde é cultivada a ideologia da “nulidade popular”, base da domina-ção tecnocrática, Lages aponta uma alternativa.

Não se pode fazer pelo povo sem o povo, da mesma for-ma prega no vazio quem utiliza o conceito povo em épocas

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rituais, nas datas nacionais, em inaugurações de obras públi-cas por politiqueiros ávidos de poder, que falam de povo mas badalam a elite.

Em Lages a democracia deixou de ser um ritual com co-nivência popular, uma frase oca onde políticos profissionais procuram suporte para suas ambições pessoais e de classe.

Lages realiza uma prática democrática fundada num es-tilo administrativo em que a mobilização popular e a partici-pação direta do povo, dos diretamente interessados nas deci-sões, constituem a característica fundamental.

Nosso país cultivou nesses últimos 16 anos a “ditadura científica” de economistas tecnocratas, que viabilizaram uma inflação de 110% ao ano, e privilegiou as decisões de gabinete como as mais “sábias” (veja-se Jari, Ponte Rio-Niterói, Tran-samazônica, ações da Vale do Rio Doce). A Equipe Dirceu Carneiro em Lages, Santa Catarina, rompeu com essa misti-ficação, ao estimular A Força do Povo como a base da ação social.

A auto-organização popular é o fundamento dessa prá-tica administrativa, social e política. Ela reverteu o centro de decisões: não são burocratas mordômicos que decidem sem o povo o que é melhor para ele, é o povo organizado que “toma a palavra” através do trabalho e de suas associações de mora-dores de bairros urbanos, de núcleos agrícolas e de distritos.

Lages desenvolve uma democracia participativa e uma economia ecológica.

O animador dessa prática, Dirceu Carneiro, antigo lí-der secundarista, ex-presidente do Centro Acadêmico da Fa-culdade de Arquitetura de Porto Alegre, fora vice-prefeito de Juarez Furtado, um prefeito preocupado com a zona ur-bana e obras que dessem na vista, além de freqüentar bailes e batizados.

Dirceu Carneiro e sua equipe preocuparam-se com alter-nativas para a agricultura, fora do esquema tradicional das variedades de trigo e arroz que as multinacionais inventaram para vender seus adubos e promover o processo de concentra-ção da propriedade da terra.

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Promoveu um programa agrícola fundado no aproveita-mento intensivo da mão-de-obra e da terra. Valorizou a pe-quena propriedade, incentivando a formação de cooperativas e a utilização de recursos locais, como fatores de produção. Incentiva o associativismo, isto é, a associação de moradores de bairros urbanos; a formação de núcleos agrícolas e núcleos de distrito.

No âmbito da rede escolar municipal, incentivou a parti-cipação dos pais de alunos nas escolas.

Em lugar do individualismo, promoveu o comunitarismo social; em Lages, quem não está organizado em associação, núcleo ou distrito não tem acesso aos serviços e equipamentos coletivos.

O povo” toma a palavra”, quando se trata de calçamen-to de ruas. Após discussão e votação, a população do bairro define as prioridades a que deve obedecer o calçamento, que é feito com lajotas de cimento em vez de asfalto, fugindo assim à dependência do petróleo.

Como os bons exemplos vêm “de cima”, a equipe Dirceu Carneiro definiu um nível salarial que abrange todos os funcio-nários da Prefeitura, num leque de 1 para 6 salários, enquanto na URSS, 63 anos após a Revolução, o leque é de 1 para 12 salários e no Brasil de Figueiredo e Delfim o leque é de 1 para 100 salários, a diferença entre o menor e o maior salário.

Para agilizar a prática administrativa municipal, criou-se a figura do “intendente de distrito”, uma espécie de subpre-feito da cidade que atende o público diretamente.

VIVA SEU BAIRRO é a base da atuação das Associa-ções de Moradores de Bairros; logicamente, são os bairros mais pobres — onde falta calçamento, luz e água — que criam Associações, pois os bairros ricos já nascem urbanizados na planta.

As Associações de Bairros, Associações de Pais e Pro-fessores das escolas municipais aprendem como prevenir doenças, até a confeccionar cestas. A Associação de Pais de Alunos assume a construção escolar e a ampliação das escolas existentes.

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O Núcleo Agrícola é o equivalente rural da Associação de Bairros, ele funciona em torno da utilização do trator da pre-feitura. Só pertence ao Núcleo quem tem menos de 300 hecta-res de terra: o cidadão recebe o trator, distribui o serviço, paga o tratorista, a hora/trabalho, o óleo diesel. A hora/trabalho do trator a Prefeitura fixa em Cr$ 90,00, o que é menos de um terço do preço em vigor no mercado. Com assessoria de técni-cos da equipe Dirceu Carneiro a área arável de terra em Lages foi quintuplicada.

A Habitação Popular é outro capítulo dessa epopéia. Ela se constitui num dos maiores problemas do mundo subdesen-volvido, eis que, Relatório da ONU mostra que até o ano 2000 precisarão ser construídas casas no montante às existentes atualmente e 80% dessas necessidades estão nas áreas subde-senvolvidas do globo.

A ocupação capitalista do espaço tende a jogar cada vez mais o povo fora da cidade, tende a confiná-lo em favelas, obriga-o a fixar moradia sob os viadutos e pontes de São Pau-lo, Rio de Janeiro ou Porto Alegre. A favela nada mais é do que a forma moderna do cortiço em ritmo de Pátria Grande. No início do século, em São Paulo e Rio de Janeiro, paralela-lente ao arranco industrial dava-se o confinamento do povo em cortiços, substituídos pouco a pouco por vilas operárias, após as operações de saneamento e desinfecção. As operações arrasa-cortiço foram as precursoras das atuais operações de “desfavelamento” praticadas pelos administradores a serviço do capital.

Diferentemente dos esquemas expoliativos à economia popular do BNH, que só favorecem a rotação do capital das grandes empreiteiras e construtoras, o Projeto Lageano de Habitação é construído pela Força do Povo com assessoria da equipe Dirceu Carneiro.

O Projeto Lageano de Habitação possui um “Banco de Materiais” constituído de tijolos, telhas e madeiras oriun-das de demolições urbanas, não reaproveitados. A argila é transformada em tijolo e telhas numa olaria experimental da Prefeitura, movida a gasogênio. Os caibros de pinho serrado

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— fundamentais na construção da casa — que custam Cr$ 350,00 o metro, foram substituídos pela madeira escura deno-minada bracatinga, que custa Cr$ 15,00 o metro. O cimento só é usado para rebocar paredes, as pedras e tijolos são assen-tados sobre argamassa de argila, como faziam os antigos.

Diferentemente do resto do país, onde os que detêm po-der e não liderança beneficiam-se das “mordomias” palacianas, em Lages paga-se uma “taxa de liderança” — ser líder implica mais encargos ante a comunidade; a taxa consiste num dia de trabalho voluntário dos líderes em benefício da comunidade.

Em nível de associação, os moradores elegem a direção da Associação dos Bairros, as meninas elegem as diretoras de seu clube e os meninos os que dirigem a área esportiva.

Retomando o trabalho como elemento fundante da vida social, em Lages desenvolve-se a cultura de legumes e frutas em fundos de quintal; nas escolas cultivam-se hortas; educa-ção e trabalho andam juntos; é a realização prática dos gran-des ideários dos educadores como Rousseau, Pistrak, Celestin Freinet e Francisco Ferrer.

Há hortas coletivas e o chamado “Hortão Comunitário”, utiliza adubos orgânicos no lugar dos petroquímicos que es-tragam o solo e implicam pagamento de royalties às multina-cionais. A fruticultura é desenvolvida, assim como a piscicul-tura com a criação de trutas, carpas, rãs, além de coelhos. No Hortão há lotes familiares de 500 m2: durante a semana tra-balham crianças e mulheres e os homens nos fins de semana. Cultivam batatas, cenouras, couves, repolho, rabanetes para consumo e alho e cebola para venda. Velhos, viúvas, mulheres abandonadas trabalham no Hortão recebendo ajuda de cus-to de Cr$ 1.000,00 mensais, dentro das possibilidades de uma Prefeitura pobre.

O fruticultor aduba a terra com adubo orgânico, com capim picado, regado com bactérias compradas de indústria ecológica, isso custa quinze vezes menos que o adubo petro-químico.

Há 100 escolas municipais, o ensino enfatiza o concre-to, parte das “situações de vida” e realça o comunitário no

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lugar da competição. Os alunos aprendem as três operações medindo a dimensão da casa, aprendem a noção de teoria dos conjuntos através de objetos e carteiras escolares, princípios de física e química através do fogão da casa, além disso, vin-culam o saber ao trabalho, cuidam das hortas das escolas.

Há uma política de saúde, onde os Postos de Saúde fun-cionam na forma de mutirão. A política sanitária consiste em prevenir do que curar, isso numa cidade que possuía uma taxa de mortalidade de 150 para cada 1.000 habitantes nascidos vivos, o dobro da taxa de mortalidade de São Paulo. As As-sociações de Bairro constroem os Postos de Saúde, realizam atendimento de emergência, diagnosticam doenças simples e ocupam-se dos partos. Constroem fossas, esterilizam a água, desenvolvem uma medicina com base em ervas, que aliás tem aproveitamento universal, haja visto a utilização do quinino dos índios mexicanos e do curare dos indígenas brasileiros. Há o estímulo às artes plásticas locais, aos trovadores; há um Centro de Cultura Negra no Bairro de Brusque e há um teatro de bonecos para reforço de campanhas escolares. É tudo isso que Márcio Moreira Alves mostra em A Força do Povo, que afirma a capacidade construtiva popular e é a negação de sua pretensa “nulidade”, tão alardeada pelos donos do poder, o antipovo.

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Introdução

Tomei conhecimento da existência de uma administra-ção inovadora na Prefeitura de Lages através de uma conver-sa com o diretor da Editora Brasiliense, que me pôs em con-tato com o prof. Maurício Tragtenberg que acabava de voltar de Lages, fascinado com o que vira por lá. Fazemos parte de um grupo de pessoas que sofre muito no Brasil de hoje — os que se preocupam com o futuro e que andam sempre à bus-ca de soluções para tornar essa nossa terra mais democrática e menos dependente do capitalismo multinacional. Acontece que somos, em geral, gente que se informa do grande e, em conseqüência, que tem a ilusão de poder avançar as coisas dis-cutindo os problemas a nível macro. Recebemos informações do que acontece na Europa e nos Estados Unidos, acompa-nhamos acontecimentos em lugares estranhos como a Namí-bia, a África do Sul, Angola, Moçambique, e até é possível encontrar entre nós quem esteja a par dos progressos da Fren-te de Libertação do Polisário. Quanto ao Brasil, somos umas feras para dissecar em cima da hora os gatos que o dr. Delfim Neto quer que comamos por lebre, quando fala na televisão. Não há estatística geral que não sejamos capazes de citar com exatidão, por vezes até antes de ser publicada pela Fundação Getúlio Vargas ou pelo IBGE. Em resumo: somos internacio-

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nais e federais. Por vezes, condescendemos em nos tornar es-taduais, mas só em relação aos Estados onde pensamos que o eixo da história pode passar, ou seja, São Paulo, Rio, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco e Bahia, olhe lá, e com boa vontade. Mas municipais é o que realmente não cos-tumamos ser. Onde já se viu resolver os problemas de uma ter-ra de oito milhões e meio de quilômetros quadrados a partir das receitazinhas aplicáveis aos munícipes de uma prefeitura qualquer?

A conversa que Caio e eu tivemos, por cima de um fo-gão de restaurante japonês no centro de São Paulo, partiu das informações que recebera e enveredou pela autocrítica, um outro hábito que temos, aliás bastante saudável. Concluí-mos que dificilmente poderíamos superar os obstáculos ao de-senvolvimento do povo brasileiro, no geral, se não déssemos importância à maneira como esses obstáculos se erguem, são reforçados ou são superados, nas menores unidades políticas que temos, que são os municípios. Se os prefeitos não funcio-nam, como poderemos esperar que funcionem os governado-res e o Presidente da República? Se a democracia não é assu-mida como uma tarefa do dia-a-dia, rente à vida dos menores núcleos populacionais, como poderemos contribuir para que seja uma bandeira tão firmemente empunhada pela maioria que o seu assassinato por grupelhos ditatoriais ou fascistas se torne impraticável?

Reviramos a conversa. A partir da certeza de ser a ad-ministração municipal de importância fundamental para o futuro, sob todos os pontos de vista, como é que se pode administrar corretamente um município? As possibilidades materiais são, realmente, mínimas. O governo federal, princi-palmente a partir da reforma tributária Roberto Campos, de 1966, acelerou a concentração de recursos nas suas próprias mãos, da mesma maneira como acelerou a concentração de renda nas mãos de um grupo reduzido de empresas e de pesso-as. Em teoria, a participação dos municípios na renda nacio-nal não diminuiu percentualmente muito — diminuiu menos, por exemplo, que a participação dos Estados. No entanto, a

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realidade é outra. Hoje em dia, os recursos orçamentários da União, que fazem parte do projeto de lei que é anualmente mandado ao Congresso, representam apenas um décimo do total. O grosso do dinheiro está no que se chama administra-ção indireta”. Só a Petrobrás tem um orçamento mais de seis vezes superior à soma dos orçamentos de todas as prefeitu-ras do país. Por outro lado, a capacidade das prefeituras de arrecadar impostos diretamente diminuiu muito, o que cria dependências de instâncias fora da esfera de influência dos prefeitos e dos seus governados. E, para agravar ainda mais a situação, o governo federal habituou-se a fazer favores com o dinheiro alheio, quer dizer, a dar incentivos fiscais à custa da arrecadação dos Estados e municípios, sem ouvir nem chei-rar os interessados. Acresce que o nível de competência, de preparo educacional, de capacidade administrativa da maio-ria dos prefeitos deixa bastante a desejar. Eles são, norma ge-ral, a reprodução das classes dominantes locais. Quanto mais subdesenvolvido o lugar, mais atrasada é a classe dominante, maior é a possibilidade de se ter um prefeito despreparado. Essa realidade fortalece o círculo vicioso da miséria: é muito mais provável uma boa administração municipal em São Ber-nardo ou em Americana que em Quixeramobim ou em Pau d’Alho. Os efeitos só podem ser imaginados por comparação: se o coronel César Cals faz o que faz no Ministério das Minas e Energia, imaginem mil César Cals espalhados pelos municí-pios do Nordeste!

Caio Graco e eu tínhamos informações sobre uma série de administrações municipais de possível exemplaridade. Nos meus arquivos, havia informes sobre um interessante traba-lho de acolhimento de migrantes e de informação social em Camaçari, que é pólo petroquímico e município de seguran-ça nacional, logo administrado por nomeação do governo da Bahia. O IBAM, Instituto Brasileiro de Administração Mu-nicipal, faz todos os anos listas de lugares considerados mais desenvolvidos, levando-se em conta o equipamento social de que dispõem. O Jornal do Brasil publicara uma reportagem sobre um lugarejo de 14 mil habitantes — Boa Esperança no

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Espírito Santo — onde um prefeito do PDS, influenciado pe-las comunidades eclesiais da Igreja, conseguira nuclear de tal forma a população que talvez tenha inventado o modo de pro-dução comunitário, a famosa terceira via entre o capitalismo e o socialismo, a qual tanta gente busca inutilmente, como os zoólogos buscam o elo perdido na cadeia da evolução das espécies.

A maioria dos municípios considerados desenvolvidos pelo IBAM está em São Paulo. São Paulo concentra uma tal proporção da renda nacional que dificilmente o que lá se con-siga fazer pode servir de exemplo reproduzível no resto do país. Camaçari recebeu, nos últimos anos, a maior parte dos investimentos industriais feitos com incentivos da SUDENE. Logo, tendo sugado uma massa desproporcional de dinheiro, também seria pouco exemplar, mesmo que fosse o caso raro de um município com prefeito nomeado bem administrado. So-braram Lages e Boa Esperança. Em princípio, esse trabalho deveria abranger a ambos. No entanto, tantas são as iniciati-vas inovadoras da prefeitura de Lages que elas acabaram por monopolizá-lo, com risco de termos cometido uma tremenda injustiça com o prefeito Amaro Covre, o pequeno proprietário rural que conseguiu fazer com que a sua terra, em três anos, saísse do último lugar na arrecadação do ICM no Espírito Santo para ocupar o vigésimo segundo posto.

Os objetivos deste trabalho são singelos:1) demonstrar a possibilidade de se administrar uma pre-

feitura brasileira, dentro das limitações econômicas e políticas atualmente impostas ao país;

2) demonstrar a importância da integração da população nas decisões administrativas, tanto para a busca de alternati-vas econômicas como para a construção de um regime demo-crático e participativo. Em outras palavras: a importância da criação de uma democracia participativa;

3) demonstrar que existem possibilidades de se reprodu-zirem muitas das experiências de Lages, mesmo fora do Sul-Maravilha. Neste sentido, o propósito de relatá-las em deta-lhe, tanto nos seus acertos como nos seus erros, é pedagógico.

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Gostaríamos que os acertos fossem imitados e que o relato dos erros evitasse a sua reprodução em outros lugares. É esse o sentido de se publicar, em anexo, o código tributário munici-pal, que pode servir de guia a outros.

Caso tenhamos conseguido isso, Caio Graco Prado e eu nos daremos por muito satisfeitos. Caso contrário, boa noite, vamos para o Liechtenstein, que este país não tem mesmo jeito.

M.M.A.

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Quem atravessa a ponte sobre o rio Pelotas, que separa o Rio Grande do Sul de Santa Catarina, pode levar um susto. No alto do morro há um imenso painel que proclama: “Bem-Vindo. Lages, a Força do Povo. Terra: 7 094 km2. Gente: 180 000” . Que história será essa de força do povo, neste país que há tantos anos tem um regime militar autoritário, onde o povo só tem lugar no formalismo dos discursos oficiais e nas sinistras estatísticas da mortalidade infantil, da miséria ab-soluta e do recorde mundial de acidentes do trabalho? E essa linguagem estranha, destoante do linguajar do IBGE, que chama de terra a superfície e de gente a população?

Em um cantinho do painel há a chave do mistério: “equi-pe Dirceu Carneiro”. Mas é uma chave que só se descobre aden-trando-se no território deste município singular, indagando da sua história, conversando com a sua gente, esmiuçando os múltiplos projetos que a sua administração municipal põe em prática, fazendo, com muitos acertos e alguns erros, uma experiência-pilôto de democracia participativa e econo-mia ecológica.

Quem vem pelo ar, sacolejando em um Bandeirante, que parte de Florianópolis rumo aos sertões do Chapecó, tem surpresa também. Primeiro, o perfil urbano, espalhado pelo

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Planalto, pontilhado de edifícios como São José dos Campos ou Campinas. Espera-se um arraial, descobre-se uma cidade. Depois, são os arrumados canteiros de verdura que cercam o aeroporto, chegando quase à pista. É a terra do Hortão — um projeto de agricultura coletiva destinado a melhorar a alimentação das famílias mais pobres e a lhes fornecer alguma receita em dinheiro — instalado em terrenos cedidos pelo Mi-nistério da Aeronáutica. Onde já se teria visto antes um ramo das Forças Armadas colaborarem em um processo de traba-lho coletivo em benefício dos elementos mais abandonados da sociedade, projeto que algum caçador de bruxas vermelhas poderia confundir com um kibutz israelense ou uma unidade coletiva de produção do Alentejo? E logo a Aeronáutica, que já foi chefiada pelo ex-integralista Márcio Melo e expulsou o capitão Sérgio Macaco por haver denunciado o terrorismo da “Operação Parasar”, imaginada pelo brigadeiro Burnier. Re-almente, ou os tempos estão mudando ou há no ar frio destas montanhas alguma milagrosa partícula de LSD democrático, que faz as pessoas sonharem os sonhos proibidos de um Brasil como ele deveria ser.

Lages, descobre-se mais tarde, é insólita há muito tem-po, já foi território do Rei de Espanha, conquistado a pon-ta de punhal por feros portugueses dos tempos de Dom João V. Já foi república independente duas vezes, quando o Sul farroupilha buscava com sangue e lanças a sua sobrevivên-cia econômica. Viu passar com entusiasmo as tropas de Da-vid Canabarro. A nossa única guerreira universal nasceu de uma família lageana, estendida até Laguna. Chamava-se Ana de Jesus Ribeiro, mas entrou para a História com o nome do aventureiro literário que amando, seguiu nos seus comba-tes — Giuseppe Garibaldi. Aliás, deve-se a Anita o apelido que os lageanos têm até hoje: bois de botas. Canabarro tra-zia com as suas tropas dois canhões. Um dia, atolaram em atoleiro tão profundo que não havia mula ou boi que dele os arrancasse. Anita, que comandava um grupo de lageanos, resolveu enfrentar a empreitada. Os seus homens apearam, meteram os ombros às rodas, laçaram as bocas dos canhões e

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os arrancaram do lamaçal. Espantado, o general farroupilha exclamou:

— Anita, esses teus lageanos são verdadeiros bois de botas.

Ficou o nome, mas não é o único. O outro apelido dos lageanos é menos edificante: “ladrão de cincerro”. Durante todo o ciclo do ouro Lages deveu a sua prosperidade à pas-sagem das tropas que se juntavam em Vacaria e iam vender o charque, o gado e o couro nas feiras de Sorocaba. O pou-so, o arroz de carreteiro e o pasto que os donos de ranchos cobravam não devia ser dos mais baratos. Tanto assim, que muitos tropeiros preferiam forçar a marcha e acampar adian-te. No entanto, quando os lageanos descobriam a intenção de queimar a etapa, tratavam de roubar o cincerro da mula ma-drinha. Sem o tilintar do sininho-guia, a tropa se dispersava pelos matos, obrigando os peões a uma parada forçada, para juntarem os animais de novo.

A estrada de ferro dos ingleses, Brazilian Railways, abriu o Oeste catarinense à exploração madeireira. Parte do paga-mento que recebia pela construção era uma faixa de quinze quilômetros de terras dos dois lados dos trilhos. Alguns desses latifúndios foram passados, no início do século, para um con-sórcio americano-canadense, a Lumber Company, que fez com os posseiros o que as multinacionais fazem hoje na Amazônia — expulsou-os. Essas famílias, juntamente com os operários que, terminada a construção, ficaram desempregados, e com os catadores de erva-mate, formaram a base do movimento messiânico do monge José Maria, uma espécie de Antônio Conselheiro do Sul. Tal como a gente de Canudos, a do monge José Maria foi também dizimada por expedições militares, de-pois de vários anos de luta.

Até o fim da II Guerra Mundial, Lages ficou afastada da economia madeireira. Muitos fazendeiros chegavam a cortar uma roda da casca dos pinheiros para secá-los e preservar os seus pastos dos galhos espinhentos. As árvores eram abatidas apenas para a construção de casas e consumo doméstico, Com o fim da guerra, chegou ao município um grande contingen-

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te de filhos de imigrantes italianos, vindos do Rio Grande. Foram eles — os gringos, como lá se diz — que iniciaram a exploração da araucária em grande escala.

Desde fins do século XIX a cidade era dominada politi-camente pelos Ramos, gente honrada e conservadora, dona de muitos milhões de terras. Em Lages, os campos são me-didos em milhões de metros quadrados, e não em léguas ou alqueires. Os Ramos geriam a vida da vila paternalmente, como se o tempo não passasse. O rebento mais bem sucedido da família foi Nereu, interventor, governador de Santa Ca-tarina, presidente maneirosamente enérgico da Câmara dos Deputados, que chegou a Presidente da República quando Carlos Luz teve de ser afastado do cargo por um golpe mi-litar preventivo, para que a eleição de Juscelino Kubitschek fosse respeitada pelos eternos conspiradores da UDN. A sua estátua de corpo inteiro, mão direita erguida em um gesto muito pouco do seu feitio antiteatral, domina o calçadão da praça principal. Mas o Ramos poderoso, o que fazia a ligação com a base e agüentava a barra das disputas do poder local, não era ele, mas o velho Vidal Ramos, prefeito duas vezes. As portas da sua casa não tinham trancas e todas as manhãs formavam-se na calçada filas de pessoas carregando mar-mitas, para buscar comida na cozinha. Eram, sobretudo, os negros do bairro de Brusque, construído em terrenos doados pela família. Até hoje há resquícios do prestígio do “Tio Vida” e, em homenagem à sua lembrança, muitos negros de Brusque andaram votando na ARENA.

A escalada aos postos do governo do Estado, a ida para a Câmara Federal, instalada no Rio de Janeiro, as dificulda-des de comunicações com Lages, onde as estradas só chega-ram com a abertura, no governo Kubitschek, da BR-2, que vai de Curitiba a Porto Alegre e hoje mudou de número para BR-116, tudo isso foi afastando os Ramos do poder local. O último a ocupar a Prefeitura foi Áureo Vidal Ramos, casado com uma filha do Tio Vida. Joaquim Ramos, o caçula e úl-timo representante político da família, lá não pisa há uma boa dezena de anos. No tempo em que era deputado do PSD,

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elegia-se sobretudo por Criciúma. Seu irmão Celso foi sur-preendido pelo golpe militar de 64 no governo de Santa Ca-tarina. Os udenistas vitoriosos toleraram que completasse o mandato, mas a nível federal, optaram por favorecer os seus correligionários da oligarquia concorrente, os Konder e os Bornhausen, gente da quebrada de baixo da serra, do Vale do Itajaí.

O tempo, a industrialização da madeira, que criou um operariado local, as partilhas sucessivas, foram empobrecendo e enfraquecendo a velha oligarquia Ramos, criada na escola antiga, quando os homens públicos não costumavam receber comissões de empreiteiros, não se vendiam a especuladores ou a empresas multinacionais. Enquanto isso, os gringos, a ita-lianada gaúcha, tratava de cuidar das suas terras, das suas árvores e dos seus bois. Pouco a pouco foram ascendendo, che-gando ao poder local, mesmo que não destoassem do conser-vadorismo dos seus antecessores.

Contou-me Al Neto, ex-jornalista da TV Tupi reciclado em eficiente criador de gado de raça, senhor de baraço e cutelo da velha herdade familiar, onde mescla tradições gauchescas com fumaças de lorde inglês exilado nos trópicos, uma anedo-ta exemplar.

O velho Tito Bianchini, avô do atual presidente do PDS municipal, era um carpinteiro que montava em égua. Naquele tempo, entre as duas guerras, machão que se pre-zava só montava em bagual, quer dizer, em cavalo inteiro. Um dia, ao chegar a uma roda de mate na sua égua de esti-mação, serrote atravessado no arreio, o gringo foi saudado por chacotas e gargalhadas. Serenada a zoeira, um Ribeiro ter-ratenente, machão desses que só se lavam com pedra-sabão, perguntou-lhe:

— Então, seu Tito, o senhor não se avexa de montarem fêmea ?— Coronel, pode ser que seja vergonha, mas essa mi-

nha egüinha ainda há de me dar uns poldrinhos. O seu bagual, quando cansar, vai ser só um cavalo velho, sem ser-ventia para nada.

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O neto, Laélio, dono de um dos melhores rebanhos de charolês do Sul, mais fazendeiro que político, comentou a história:

— Pode ser que seja verdade. Tem jeito. O meu avô aca-bou comprando fazendas onde tinha entrado para construir a casa do dono.

Apesar desses contos edificantes, a reputação que o ve-lho Tito deixou não tem esse imaculado caráter calvinista. Há muitas lendas a respeito da sua fortuna, a maioria malé-volas. Há quem afirme que enricou quando foi cortar a rija madeira de um cambará, árvore de cerne muito duro, e achou na raiz um pote de onças de ouro, enterrado por um fazen-deiro d’antanho. Outros dizem que recebeu da Itália barricas de farinha, recheadas de notas falsas. O certo é que lucrava mais com uma charqueada que montou e com os juros do dinheiro que emprestava do que com as suas atividades de marceneiro. Terá, talvez, se redimido da usura pelos montes de patacas que deixou para obras de caridade locais, inclusive um hospital.

As araucárias foram sumindo e, com elas, as serrarias e o domínio econômico dos madeireiros. Hoje, funcionam em Lages cerca de noventa serrarias apenas e o grosso da ma-deira que se planta e corta é de pinus elliottis, uma varieda-de de crescimento precoce utilizada nas fábricas de papel da Olinkraft e da PCC, Papel e Celulose Catarinense, do grupo Klabin. Esse pinheiro desprende umas agulhas fininhas que cobrem o chão como um colchão e é tal qual o cavalo de Átila, que matava a grama por onde passava. Onde é plantado não nasce mais nada.

O eixo econômico da cidade passaram a ser as duas em-presas gigantes que, por serem de fora, não influem decisiva-mente nas disputas de poder local. As camadas intermediá-rias, sobretudo os criadores de gado e os médios industriais, é que tiveram o seu peso aumentado. Acontece que, ao desapa-recerem, as serrarias deixaram em Lages, além de montalhas de serragem, os seus empregados. Entre 1960 e 1970 a po-pulação dobrou. Entre 1970 e 1980, segundo as projeções do

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Gabinete de Assessoria e Planejamento da Prefeitura, ela deve ter aumentado em 56 %. Com isso, criou-se um excedente de mão-de-obra, parte do qual foi absorvida pelas 290 pequenas indústrias que foram aparecendo, ficando o resto desempre-gado, a viver de biscates e de trabalhos eventuais. Uma das conseqüências desta crise localizada é ter Lages a maior zona de meretrício do Sul. Outra, é terem surgido pelos banhados as favelas. Hoje, estima-se que a percentagem da população em idade de trabalhar que não tem ocupação — incluindo-se no cálculo os estudantes e as mulheres que ficam em casa — é de 56,27 % do total.

Favela, em Lages, é muito diferente dos trágicos amon-toados palafíticos da orla da Baía de Guanabara ou dos Ala-gados de Salvador. São bairros muito pobres, mas com casas razoavelmente alinhadas, quintal à volta, a madeira bem cortada imitando a arquitetura trazida da Alemanha pelos colonos do Itajaí. Todas têm um fogão a lenha, que serve de aquecedor nas geadas do inverno e transforma a cozinha no centro de reunião da família e das visitas. No entanto, as ruas de barro viram lamaçais com as chuvas, não há água corrente nem, por vezes, uma fossa séptica. O cadastro municipal de 1979 revelou que 54,68% das unidades habitacionais urbanas não estavam ligadas à rede de água.

As mudanças na economia da cidade, o brutal aumen-to da sua população, o absenteísmo, o exercício do poder por pessoas interpostas — clientes, aliados — foi erodindo a influ-ência da oligarquia dos Ramos. Finalmente, após ocuparem a Prefeitura durante 42 anos seguidos, foram derrotados nas eleições de 1972.

A oposição elegeu Juarez Furtado, bacharel formado em Curitiba, populista dinâmico, filho de um vereador tra-dicional, o seu Dorvalino, antigo cabo eleitoral do Tio Vida e compadre de Nereu Ramos. Sobre o Dorvalino, aliás, correm em Lages as mesmas histórias que antigamente se contavam em Minas Gerais sobre o Benedito Valadares. Por exemplo: quando a pecuária de Lages entrou em crise por falta de sal, o vereador tomou logo a providência de telegrafar ao “com-

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padre Nereu”, governador do Estado. Dois ou três dias de-pois, chegou um caminhão e começou a descarregar sacos de cal na frente da Prefeitura. Seu Dorvalino, consternado, exclamou:

— Barbaridade! Não é que esqueci de colocar a cedilha no c de sal!

Em Belo Horizonte há quem garanta que o verdadeiro título do último livro de memórias de Benedito deveria ter sido: E a Lua Saiu. Saiu E a Lua Caiu também por esqueci-mento de cedilha.

O fato é que Juarez elegeu-se deputado estadual, am-pliou as bases eleitorais familiares e acabou ganhando a Pre-feitura, contra os candidatos da ARENA. O vice-prefeito que com ele se elegeu era o secretário municipal do MDB, antigo líder secundarista e ex-presidente do centro acadêmico da Fa-culdade de Arquitetura de Porto Alegre.

Juarez fez uma administração criativa e modernizante, embora clássica. Clássica, no sentido de que se preocupou es-sencialmente com a zona urbana, onde é maior a concentração eleitoral, e com obras que saltam à vista. Um pouco na linha do presidente Washington Luís, que achava que governar é abrir estradas”. Abriu avenidas, fez um calçadão, iluminou o estádio, fundou um distrito industrial, na tentativa de com-petir com Blumenau e Joinville. Afável, homem de entrar em qualquer casebre e birosca e se sentir à vontade, memória de elefante para nomes e caras, freqüentador de bailes, batismos e batizados, conquistou o povinho da poeira, gente de arriba-ção que nunca tinha ouvido falar no “Tio Vida”. Bom táti-co, fez uma aliança com os antigos udenistas e elegeu Laerte Vieira para a Câmara Federal. Ganhou a Prefeitura apertado, mas ganhou. Como governou de portas abertas, acessível a qualquer um, tratado de Juarez tanto pelo engraxate da es-quina como pelos membros da Associação Rural, consolidou o seu prestígio e o do seu partido. Modestamente, proclamou-se “o maior prefeito de Lages em todos os tempos”. Houve quem concordasse.

Dirceu Carneiro, provido de um carro oficial e colaboran-

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do na administração de Juarez, teve quatro anos para fazer a sua campanha. Assegura não haver uma só casa em Lages onde não tenha entrado. Ao mesmo tempo, articulava uma equipe cheia de idéias para elaborar um programa e lia desa-bridamente relatórios da ONU e da FAO sobre a carência de habitações no Terceiro Mundo, sobre a crise de energia, os de-bates dos ecologistas franceses e americanos, as alternativas para a agricultura fora do esquema das variedades de arroz e de trigo “milagrosas”, que as multinacionais inventaram para vender os seus adubos e concentrar a propriedade da terra. Hoje, é um homem capaz de, no meio de uma conversa, sair com uma observação como esta:

— Até o ano 2000 será preciso construir mais casas do que todas as que existem hoje, e 80 % dessas casas terão de ser construídas nos países subdesenvolvidos.

Quando saiu candidato, já estava eleito. Mais eleito fi-cou quando, 72 horas antes das eleições, um dos candidatos na sub-legenda do MDB, o ex-udenista Nenê Melo, bandeou-se para o governo. Resultado: teve sozinho mais votos que a soma dos seus quatro adversários, mais os votos em brancos e nulos. Uma enxurrada.

Contrariamente a Juarez, o homem do asfalto, Dirceu é um homem da terra. Nascido em Caçador, onde o pai ti-nha uma fazenda, desde cedo apaixonou-se pela agricultura. Essa paixão, que o faz experimentar na sua propriedade do município de Campos Novos, todas as novidades que procu-ra promover como prefeito, aliou-se a uma análise técnica da crise da indústria madeireira, para resultar em uma decidida opção agrícola na sua administração. Só que não é uma opção comum, gênero tecnocrata-de-Brasília, que privilegia os ma-cro projetos despovoadores do campo e grandes consumidores de máquinas e petróleo. É a preferência pelo pequeno, pelo aproveitamento intensivo da mão-de-obra e da terra. Impli-ca na organização dos pequenos e médios proprietários, em fazê-los discutir, com os técnicos agrícolas para aprimorar os seus conhecimentos profissionais, abrindo-os às experiências com culturas novas, e implica na formação de cooperativas,

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tanto para a compra do que necessitam como para a venda do produto do seu trabalho. E, sobretudo, é uma opção pela utilização dos recursos locais e pela utilização da natureza com respeito pelo seu equilíbrio.

— O principal problema da cidade de Lages, diz ele, é o inchamento da sua população. Essa gente vem para a cidade porque não consegue no campo recursos suficientes para ter uma vida decente. Então, não adianta nada falar em estan-car o êxodo rural se não se constroem alternativas econômicas para o peão e o agricultor. É isso que nós estamos procurando fazer, mesmo sabendo que vai demorar muito tempo e que não é possível resolver os problemas do nosso município sem que os municípios vizinhos resolvam também os seus.

O estudo de alternativas para a Prefeitura levou a equipe de Dirceu Carneiro a esbarrar com o problema que quebra a espinha da maioria dos prefeitos do Brasil: a falta de recur-sos. Há muito tempo, provavelmente desde a implantação do Estado Novo, em 1937, o governo federal vem absorvendo fa-tias cada vez maiores dos recursos públicos disponíveis. Com a reforma tributária promovida por Roberto Campos em 1966 e consolidada em 1967, essa concentração tornou-se avassala-dora. Da mesma forma como o golpe militar de 1964 acabou com a federação política, voltando ao sistema do Império de nomear os governadores dos Estados, acabou também com a federação econômica, sugando todo o dinheiro disponível para Brasília. O orçamento da Prefeitura de Lages em 1980, depois de terem sido aumentados os impostos territorial ur-bano e de serviços, é de apenas 300 milhões de cruzeiros, ou seja, a metade do orçamento de um município como Petró-polis, que tem a mesma população. Por outro lado, a soma dos orçamentos dos quatro mil municípios brasileiros é de 120 bilhões de cruzeiros, mais de seis vezes inferior ao orçamento da Petrobrás. Acresce que esses recursos são muito desigual-mente distribuídos, de vez que os vinte municípios mais ricos de São Paulo ficam com metade do total. Em conseqüência, uma coisa é administrar São Bernardo e outra, muito dife-rente, é administrar Lages ou Criciúma. Já administrar um

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pequeno município do Vale do Jequitinhonha, em Minas Ge-rais, a região mais pobre do Brasil, é inteiramente impossível. Só seguindo a receita do general Figueiredo para quem ganha salário mínimo: dando um tiro na cuca.

Face a essa situação, a equipe buscou a mesma solução que, no passado, já fora adotada por outros prefeitos compro-metidos com a melhoria das condições de vida do povo mais pobre, como Miguel Arraes, em Recife, e Djalma Maranhão, em Natal: mobilizar recursos extraordinários da própria po-pulação. A solução, no entanto, implica na organização do povo, o que não é fácil. O nosso povo, mesmo em uma cida-dezinha remota do Planalto Catarinense, desacostumou-se de trabalhar comunitariamente. Está cansado de ser engana-do por promessas de demagogos, massacrado por um mode-lo econômico que concentra riquezas e poder de decisão nas mãos de poucos, idiotizado pelas novelas de televisão e por um sistema educacional que ensina a fazer cruzinhas e a não pensar, dividido pelo parcelamento do trabalho das modernas técnicas de produção industrial, pela filosofia do consumismo, pelo isolamento da vida nas cidades. Mobilizá-lo requer, em primeiro lugar, a recuperação da crença na sua própria capa-cidade de fazer as coisas, em vez de esperar a intervenção mi-lagrosa de algum setor do poder público ou de algum patrão benevolente.

— Em um país subdesenvolvido como o nosso, em uma cidade pobre como Lages, não há recursos para se resolver os problemas básicos da população se não se consegue fazer com que a própria população participe da solução desses proble-mas, diz Dirceu Carneiro. Sozinhas, as prefeituras mal têm di-nheiro suficiente para pagar os salários dos seus funcionários. Obras, só com o dinheiro do governo federal ou do Estado. E o governo do Estado vai buscar dinheiro em Brasília. Como nós queríamos ser independentes, tivemos de abrir os nossos próprios caminhos. Não pedimos nada a ninguém. Aliás, há por aí quem me acuse de ser mau político porque não vou a Florianópolis, de chapéu na mão, pedir dinheiro ao governa-dor nomeado. Não vou por princípio e porque não adianta.

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Por exemplo: a Prefeitura gastará este ano mais de 34 milhões de cruzeiros em educação. É onze por cento do orçamento, vinte vezes mais do que o que gasta o governo federal. Pois bem, assinei um convênio de ajuda com o governo do Estado. Sabe de quanto foi? De 600 mil cruzeiros. Então você acha que os lageanos vão se vender por um prato de lentilhas?

É pouco provável que alguém, em Lages, tenha lido Mao Tsé Tung. Aliás, a informação teórica dos componentes da equipe Dirceu Carneiro não era, no início, muito abundante. Muitas vezes, depois de terem pensado um programa e come-çado a colocá-lo em prática é que aparecia um visitante com um livro onde se sistematizavam as teses que haviam aplicado por intuição. Foi assim, por exemplo, no campo da educação. O secretário Manuel Nunes da Silva Neto e os seus colabora-dores aplicaram idéias de Paulo Freire e de Freinet antes de lerem os seus trabalhos. A falta de leitura do famoso livrinho vermelho dos pensamentos do ex-Grande Timoneiro não im-pediu que todo o grupo da Prefeitura tivesse, desde o início, seguido uma das suas recomendações básicas: caminhar com as suas próprias pernas.

Para que uma pequena prefeitura de interior possa fun-cionar eficientemente com base apenas nos recursos locais, é preciso que promova antes um alto grau de organização da população. A equipe Dirceu Carneiro começou a fazer isso por intermédio do MDB, criando núcleos e subnúcleos do partido nos bairros e nos distritos. Uma vez no poder, conquistado através da discussão de um programa concreto, passou a pro-mover o associativismo pelo incentivo à criação de associações de moradores, nos bairros urbanos, e de núcleos agrírolas, nos distritos. Foi importante para a dinamização de ambos a par-ticipação dos pais dos alunos das escolas municipais, promo-vida pela secretaria de Educação.

Em Lages a regra é: quem não está organizado não tem acesso aos serviços da municipalidade. Não se trata, no caso, de uma imposição arbitrária, mas sim de uma decorrência dos métodos de trabalho empregados. Por exemplo: como a Prefeitura tem muito pouco dinheiro para fazer o calçamento

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das ruas, só calça as ruas depois que a população do bairro se reuniu, discutiu e escolheu pelo voto as que devem ser cal-çadas. A razão é que o preço do calçamento, feito com lajotas de cimento em vez de asfalto, para fugir à dependência do petróleo, irá ser cobrado em doze prestações aos que dele se beneficiam, proporcionalmente à testada do terreno de cada um. Em conseqüência, a participação de todos na tomada de decisão é indispensável para que todos se sintam igualmente comprometidos com os encargos financeiros decorrentes da obra de melhoria. O mesmo acontece com a criação de postos médicos, com a reconstrução e a ampliação de escolas, com a distribuição do serviço dos tratores que são mandados para o interior para arar as terras dos pequenos agricultores.

A presença da comunidade se impõe, é solicitada e, as-sim, o próprio sentimento de comunidade é desenvolvido. Ali-ás, a palavra comunidade aparece nas conversas dos lageanos com muito mais freqüência que em outras partes do Brasil. E é essa articulação entre as pessoas que formam um grupo so-cial que está presente no lema escrito por toda parte: “Lages, a Força do Povo”.

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O funcionamento

A Prefeitura de Lages funciona como qualquer outra de um município razoavelmente organizado. A sede é um casa-rão do princípio do século, construído com uma pedra ama-relada que lembra as de algumas igrejas românicas do centro da França, como a de Conques. Em cima da sacada principal há um emblema onde o compasso do construtor denuncia as influências maçônicas na gente daquele tempo. Fica na praça central, como de regra, ao lado de uma catedral igualmente de pedra, estilo gótico indeciso, mas muito mais agradável de olhar que, por exemplo, a Sé de São Paulo. Dentro, há as re-partições habituais: o gabinete do prefeito, salas de reunião, salas de espera, balcão de informação. Um puxado abriga al-gumas secretarias: a da Fazenda, a de Obras, a de Agricultu-ra. As instalações são modestas, mas limpas e confortáveis. Com um pouco de sorte, é geralmente possível encontrarem-se todos os funcionários a postos às nove da manhã, horário de abertura do expediente. Mais freqüente é estarem os cola-boradores diretos de Dirceu Carneiro trabalhando depois do encerramento do expediente da Prefeitura, às cinco da tarde. Embora o acesso ao prefeito e aos secretários seja franco, não lá aglomerações de pessoas solicitando favores ou providên-cias, o que talvez indique o funcionamento regular dos canais

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burocráticos e a eficiência da descentralização administrativa. Em outras palavras, à primeira vista o ministro Hélio Bel-trão, da desburocratização, pouco teria a fazer em Lages. Nas proximidadcs da Prefeitura funcionam secretarias cujas res-ponsabilidades requerem maior espaço. A secretaria de Bem-Estar Social, quc acumula os serviços de saúde e os de cons-trução de casas populares, fica no prédio do Pronto Socorro. Simbolismo? A secretaria da Educação tem um sobradinho no canto da praça principal. Os técnicos do GAPLAN, Gabinete de Assessoria e Planejamento, acusados de serem horrendos tecnocratas, esconderam-se mais longe, quem sabe para não deixar que os colegas que lidam com gente interfiram nos seus números, gráficos e plantas.

O inusitado começa a aparecer na medida em que se conversa com os funcionários ou que se visitam os bairros e os distritos. Os funcionários são, em grande parte, motiva-dos pelo trabalho que fazem. “Você vai ver que aqui há um espírito de equipe muito forte e que as pessoas têm a sensa-ção de estar contribuindo para um esforço coletivo que vale a pena”, avisou-me Evilásio, o secretário de Finanças, um dos “velhos” do governo, logo na primeira conversa que tive, na minha primeira manhã em Lages. No decorrer dos dias e dos contatos, verifiquei que tinha razão. Aliás, era só ouvir a história da política salarial da Prefeitura para checar a informação.

A política salarial da Prefeitura tem como objetivo dimi-nuir as diferenças entre os funcionários melhor remunerados, os secretários e os quadros técnicos, e os que recebem menos, ou seja, a grande maioria dos seus 1.710 empregados. Segun-do uma nota distribuída no 1º de maio, a evolução desta po-lítica foi a seguinte: a partir de 1977, começou-se a praticar um sistema de reajustes maiores para quem ganhava menos, o que reduziu o leque salarial de 12 para 10, além de estender as gratificações por qüinqüênio de serviço, antes restritas aos antigos funcionários, chamados de “estatutários”, aos contra-tados pela CLT. Em 1979, depois de muita discussão sobre a necessidade de viver na prática — ou no bolso — as propostas

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de justiça social que defendiam, os membros da equipe resol-veram pegar o montante global previsto no orçamento para o aumento do funcionalismo e dividi-lo em partes iguais en-tre todos. Isso significaria que um engenheiro teria o mesmo aumento que um gari. A decisão não foi pacífica. Passou por inúmeras reuniões, discussões, discursos, argumentos e con-tra-argumentos. No final do processo, restrito aos mais bem pagos, colocou-se a proposta em votação, sendo aprovada por grande maioria. Só que grande maioria não significa unanimi-dade, e alguns dos que foram vencidos ficaram insatisfeitos. Afinal, não há nada que a classe média deteste mais que des-cer de status. No entanto, ninguém pediu demissão por causa disso e a sugestão foi levada a todos os funcionários, reunidos no estádio. É claro que a maioria mal remunerada lavou-se em água de rosas, votando a medida por aclamação, braço no ar. Em conseqüência, o salário mínimo do servidor municipal de Lages, que era igual ao do resto dos trabalhadores do Estado, supera-o hoje em Cr$ 1.262,00.

Evidentemente, a equipe tem consciência de que não po-derá aplicar indefinidamente esse método. Um leque salarial e um para seis, como o que têm agora, é um pouco mais aperta-do que o da Holanda e o da Suécia, que têm leques de um para sete, bastante mais que o de um para doze da União Soviética e um pouco menos que o de Cuba, que é de um para cinco. Em um país onde há salários mil vezes maiores que o salário mínimo — em outras palavras, onde há assalariados que ga-nham mil vezes aquilo que o Governo diz ser insuficiente para alimentar, vestir e dar casa a uma faniília de quatro pessoas —, manter indefinidamente o sistema de aumentos igualitá-rios seria acabar por perder os quadros técnicos da Prefeitura. No entanto, a intenção é de, tanto quanto possível, conservar limitadas as diferenças.

Outra originalidade do sistema administrativo de Lages são os “intendentes dos distritos”. Intendente é um título ad-ministrativo arcaico, revivido não sei como. No Brasil Colônia, existiam os Intendentes das Câmaras, ou seja, os presidentes das câmaras de vereadores, que faziam as vezes de prefeitos.

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Depois, o título caiu em desuso, da mesma forma como padre nenhum se arrisca hoje a intitular-se “Protonotário Apostóli-co”, como faziam no tempo de Machado de Assis.

Em Lages, os intendentes são como subprefeitos dos sete distritos em que o município se subdivide. Alguns são tam-bém vereadores e todos são eleitos pelas suas comunidades e confirmados através de uma nomeação do prefeito. Têm sob a sua responsabilidade as obras públicas do distrito e a solu-ção de problemas que surgem em outras áreas, como saúde e educação. Como o município é muito grande, tratam também de muita papelada que antes obrigava o interessado a fazer uma viagem à sede. A vantagem da descentralização adminis-trativa pode ser avaliada se lembrarmos que, de uma ponta a outra, a distância entre as fronteiras municipais é maior que a largura máxima de Portugal.

Finalmente, há a rede associativa, que exerce importan-tes funções na administração.

Cada bairro da cidade tem a sua associação de mora-dores. É claro que algumas são mais dinâmicas que outras, umas mobilizam uma parcela maior dos moradores que ou-tras, mas em toda parte elas existem. Regra geral, os bairros mais abastados têm associações menos participativas: a razão está menos no individualismo arraigado na classe média e na alta burguesia que na falta de problemas concretos a resolver. Como em toda parte, com o correr dos tempos a Prefeitura foi dando aos bairros residenciais mais ricos os serviços públi-cos de que careciam sem que, para isso, fosse necessário um esforço particular dos seus habitantes. Já nos bairros pobres, mais novos, falta quase tudo, o que incentiva os seus morado-res a juntarem as suas forças para conseguir melhores condi-ções de vida.

A mola mobilizadora das associações foi um programa lançado logo no início da gestão de Dirceu Carneiro, chamado “Viva o seu Bairro”. Na verdade, trata-se de executar a sério uma idéia lançada por Jânio Quadros durante o seu curto go-verno — a transferência de todos os órgãos de decisão para um determinado lugar, durante um certo período de tempo,

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acompanhada de debates com a população sobre os proble-mas locais e de algumas iniciativas concretas, como mutirões de desmatamento das beiradas dos caminhos e estradas. Dis-cutem-se também as reivindicações, geralmente um campo de futebol, abertura de bueiros, calçamento, linhas de ônibus.

Coisa simples, que qualquer um pode fazer, como pôr um ovo em pé — é só saber como.

A reunião de um grupo de pessoas que vivem em más condições e enfrentam problemas comuns é sempre rica em idéias e sugestões. O hábito de se reunir é que não vem sozi-nho, nasce da experiência. A partir das operações “Viva o seu Bairro”, os vizinhos foram se conhecendo melhor, as lideran-ças espontâneas foram se afirmando, a semente de algo mais orgânico, permanente, com estatutos, objetivos e responsabi-lidades foi germinando.

A primeira Associação de Bairro nasceu em 1978 e puxou a fieira das outras. A Prefeitura, presente através da Secreta-ria de Bem-Estar Social, deu-lhe logo força e colocou em dis-cussão as prioridades da população face aos seus problemas. Chegou-se à conclusão de que a necessidade mais premente era a de um posto médico, que atendesse aos serviços de am-bulatório e aos atendimentos de urgência. Com isso, surgiu um impasse: era possível fornecer um médico duas ou três ve-zes por semana. Era possível treinarem-se voluntários locais para fazerem diagnósticos precoces e corriqueiros, darem va-cinas e atenderem a casos de acidentes. Até remédios talvez se pudesse obter. O que não se podia conseguir era o dinheiro necessário à construção de um posto médico. O mal de sempre — falta de verbas:

O problema foi solucionado com o Mutirão, idéia que já estava na cabeça de muita gente da Prefeitura, mas que a partir de uma primeira experiência tornou-se regra. Os ha-bitantes do bairro dispuseram-se a fornecer a mão-de-obra, ou seja, a metade do preço de uma construção singela. O pos-to foi erguido com material fornecido pela Prefeitura. Mas, o que é de fundamental importância, a responsabilidade da comunidade não acabou com a construção de quatro paredes

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e um telhado. É a Associação que supervisiona o funciona-mento rotineiro do posto e, em caso de necessidade, lhe presta assistência.

Hoje, as Associações de Bairro são também responsáveis pelo encaminhamento de assuntos comunitários, como o da coleta do lixo, da preservação das ruas e calçadas, da orga-nização das festas populares e até mesmo de questões parti-culares, como a busca de empregos, o atendimento a pessoas sem recursos — viúvas, acidentados etc. — e o conserto de habitações insalubres. Muitas vezes resolvem esses assuntos sem recorrer ao poder público.

O relato das experiências que fracassaram pode ser tão elucidativo como a descrição das que deram certo. É o caso da tentativa de se fundar um centro de cultura negra no bairro de Brusque, para estudar a história e valorizar a herança cultural dos africanos. Em outras palavras, o cen-tro se proporia a ter, na comunidade negra, as mesmas fun-ções que têm os centros de cultura alemã no Vale do Itajaí. A idéia nasceu de uma das chefes de divisão da Secretaria da Educação, interessada em diminuir a dupla exploração a que são submetidos os negros — como trabalhadores e como ne-gros. Embora de uma utilidade óbvia, a iniciativa fracassou porque a moça, apesar de toda a sua boa vontade, de tudo o que aprendera nos cursos que freqüentara em Porto Alegre e no México, não conseguiu estabelecer uma linha de comuni-cação mobilizadora com a população e, por conseguinte, não conseguiu fazer com que ela assumisse o projeto. Como por lá o que não conta com a participação do povo tende a ser deixado de lado, o Centro de Cultura Africana ficou no papel, à espera de amadurecer e ser levantado pela própria massa interessada.

* * *

Em conseqüência das responsabilidades que lhes foram atribuídas e do trabalho que passaram a desenvolver indepen-dentemente da Prefeitura, não só as Associações de Bairro

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passaram a fazer parte do quotidiano de uma considerável parcela da população como os seus cargos de direção passa-ram a ser ardentemente disputados. Ao chegar o momento da renovação anual da diretoria, há sempre mais de uma chapa de candidatos e a campanha é feita de porta em porta, voto por voto, como se fossem eleger um vereador ou um deputado. As disputas que, aparentemente, ainda não adquiriram um cunho partidário, fatalmente tenderão a se situar no âmbito de tendências políticas organizadas. São, portanto, as prévias para a constituição de núcleos de base, que tenderão a ser mais democráticos que as tradicionais agremiações políticas do passado, exatamente porque nascem de uma vivência de democracia direta e de um contato estreito com a população e com os seus problemas.

Durante a minha estadia em Lages fui a um bai-le de comemoração da eleição de uma associação de bairro. A disputa tinha sido acirrada, compareceram mais de qui-nhentos eleitores — analfabetos inclusive, pois, para se sen-tir os problemas do dia-a-dia e contribuir para resolvê-los, não é necessário saber ler —, e a chapa eleita tivera dois terços do total.

Os lageanos gostam de baile como os cariocas de futebol. Não há sábado sem dez ou quinze arrasta-pés pela cidade. A demanda é tanta que importam regularmente músicos do Rio Grande do Sul. A música de resistência é uma espécie de rancheira, que se dança bem rápido, chamada “vaneirão”. Os pares volteiam pelo salão no sentido dos ponteiros do relógio, e quem se meter a trapalhão andando na contramão arrisca-se a ser atropelado. Todo mundo de sapato, paletó ou suéter. Havia quem estivesse de bombachas. Umas poucas meninas de blue-jeans, porque a televisão e a indústria paulista unifor-mizaram o vestir por esse Brasil afora. Mas nada de sandália havaiana e camisa de meia. O homenageado era o Juta, vence-dor das eleições. Pensei que para mostrar que em Lages as coi-sas são diferentes, parou a música no aceso da animação para tomar posse e fazer um discurso. Depois me disseram que fa-zer discurso é habitual nas festas por lá. Por via das dúvidas,

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recusei-me a falar. A única vez em que fui vaiado na vida foi por ter feito um discurso longo demais no Paladium de Mi-lão, para um público que estava motivado pela solidariedade às vítimas da ditadura brasileira, tudo bem, mas que queria sobretudo ouvir a música do Manduka. Como enrolei demais o meu italiano macarrônico, correram-me do palco com as-sovios e aprendi a lição. Mas o Juta deitou o verbo, falou da importância da Associação, mencionou um por um os visitan-tes presentes, com digníssimas esposas e tudo, ficou quaren-ta minutos monopolizando um som duvidoso e escapou ileso. Recebeu as palmas dos assistentes mais próximos dos alto-falantes, o baile recomeçou e a animação seguiu como dantes. A festa realizou-se em um galpão de madeira, tipo filme de cow-boy, pertencente a uma igreja. Mas a construção da sua sede própria, em alvenaria, está nos planos da Associação. Na medida em que o conseguir e for imitada por outras, torna-se realmente uma instituição permanente, independentemente de quem ocupe o poder local e do maior ou menor apoio que dele receber.

* * *

A permanência no tempo das iniciativas que incentiva é uma das preocupações constantes da equipe Dirceu Carneiro. Não querem arar as águas do mar. Querem implantar as raízes definitivas de um processo de democracia direta, que vá criando as suas próprias lideranças, gerando os seus próprios recursos e seja, afinal, assumido de tal forma pela população que se torne impossível a sua destruição no futuro. Na verdade, buscam repetir em ponto pequeno a experiência histórica dos cantões suíços. Só que a autonomia dos cantões foi construída ao longo de cinco séculos, muitas vezes de armas nas mãos, lutando contra todas as ameaças, desde o poder feudal dos duques da Borgonha até o dos exércitos libertários de Napoleão.

Paralelamente às Associações de Bairro, mas muitas vezes trabalhando em conjunto, há Conselhos de Pais de

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Alunos das escolas municipais. No papel, essas organizações já existiam há muito tempo, tal como em outras partes do país. Só que não funcionavam. Ainda durante a administra-ção de Juarez Furtado, o grupo da Secretaria da Educação, que transitou para a nova equipe, procurou atrair para dentro das escolas os pais dos alunos. O ponto de partida, como sem-pre, eram os problemas das instalações físicas, as dificuldades das crianças. Mais tarde, evoluíram para a busca de uma co-laboração dos pais no próprio ensino. Em Lages, a educação é encarada como deve ser — um processo global, que não se limita aos livros e ao quadro-negro, mas que envolve o con-junto da comunidade, a sua realidade e as atividades que nela se desenvolvem. Em princípio, todo membro da comunidade tem algo a ensinar e a aprender. Pode ensinar o trabalho que faz — pedreiro, cesteiro, agricultor, etc. — e aprender, por exemplo, medidas de prevenção de doenças.

Com a evolução do processo de organização comunitária, os Conselhos de Pais de Alunos acabaram por assumir mui-tas das tarefas de manutenção, ampliação e até de construção das escolas. Mutirão, como de praxe. No entanto, mais que as Associações de Bairro, parecem defrontar-se com o problema da continuidade da colaboração, da participação rotineira. Em havendo um problema na escola — a restauração de uma sala de aula, por exemplo —, seus membros são facilmente mobilizáveis. Comparecem às reuniões, discutem as soluções propostas, avaliam a disponibilidade de recursos para mate-rializá-las, tomam uma decisão e a executam. No entanto, quando não há problemas a resolver, tendem a se abster das reuniões.

O nível de consciência já atingido pelos Conselhos de Pais é demonstrado por uma historinha exemplar. Em um dos bair-ros da cidade, a professora revelava-se pouco assídua ao tra-balho e, ainda por cima, de grande agressividade em relação às crianças, que tratava de “imbecil” para baixo. O mal-estar, pouco a pouco, transformou-se em conflito. Os pais se reuniram de maneira independente, na Associação do Bairro. Depois de muita discussão, houve alguém que propôs solicitarem a

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transferência da professora para outra escola. Surgiu o contra argumento:

— Se pedirmos para mandarem a moça para outro lugar, nós vamos resolver o nosso problema, mas vamos criar um problema para outra comunidade.

Debateram a questão, optaram por pedir a demissão da professora. A Secretaria da Educação mandou fazer uma sin-dicância, chegou à conclusão de que as acusações eram verda-deiras e determinou a demissão.

Quem me contou esse caso acrescentou:— Nós aprendemos que em uma comunidade pode haver

gente mentirosa e desonesta. Mas, quando a comunidade afir-ma alguma coisa em conjunto, é sempre verdade.

* * *

O equivalente rural da Associação de Bairro é o Núcleo Agrícola. Todos foram criados ao longo dos últimos três anos, a partir de um catalisador principal — a utilização do trator da Prefeitura — e, posteriormente, de um objetivo secundário — a mobilização dos pais para ajudar os filhos nos clubinhos agrícolas das escolas do campo.

A busca de alternativas econômicas para o município levou a equipe Dirceu Carneiro a dar prioridade para a agri-cultura. No entanto, o seu processo de trabalho foi o inver-so do aplicado pelos tecnocratas de Brasília, quando a mes-ma prioridade foi afirmada da boca para fora pelo ministro Delfim Neto. Em vez de dar preferência aos grandes projetos, que requerem imensos financiamentos e geralmente benefi-ciam quem não precisa de ajuda por já ser muito rico, concen-traram os seus esforços nos pequenos e médios agricultores. Em conseqüência, enunciaram a sua regra básica: só pode pertencer ao Núcleo Agrícola quem for proprietário de menos de 300 hectares — três milhões de campo, na língua local. Isso não impede que, eventualmente, os grandes proprietários possam também utilizar os serviços da municipalidade. O que não podem é integrar a organização do Núcleo.

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A história do trator municipal nasceu de um diagnós-tico: muitos pequenos proprietários, donos de menos de 100 hectares, estavam vendendo as suas terras às duas grandes papeleiras e mudando-se para a cidade, onde acabavam por bater na periferia, em situação muito pior que antes. A razão estava no mau aproveitamento das terras, tanto do ponto de vista do que era plantado — as culturas tradicionais de mi-lho, feijão e batatinha — como, sobretudo, da forma como era plantado, sem a utilização de maquinaria para arar, gradear e semear. Evidentemente, o rendimento era muito baixo, inca-paz de fornecer o suporte econômico para a manutenção das famílias.

A partir desta constatação, a Prefeitura resolveu inves-tir grande parte dos seus recursos na compra de tratores que pudessem ser utilizados a um preço mais barato que os de alu-guel. Com isso, seria possível resolver um problema. Só que nascia outro: como dividir entre os agricultores que solicitas-sem o serviço o tempo de trabalho das máquinas. Caso fos-sem os intendentes ou a própria Prefeitura a fazer as escalas de trabalho, fatalmente seriam acusados de favorecer os seus correligionários, de estarem utilizando os recursos públicos para fins político-eleitorais.

A solução encontrada foi o Núcleo Agrícola. Quem não se organiza, não recebe apoio: o lema funcionou outra vez. Pou-co a pouco, os agricultores foram se juntando. O pessoal da Secretaria da Agricultura ali firme, dando força, mas recusan-do-se a tomar as decisões. Quando o primeiro Núcleo já tinha um número suficiente de membros, elegera o seu presidente, a sua diretoria, recebeu o trator, com a responsabilidade de distribuir o serviço, pagar o óleo diesel, resolver as necessi-dades de manutenção rotineiras e complementar o salário do tratorista. Assumiu, sobretudo, a responsabilidade de acer-tar internamente as disputas que pudessem surgir, porque na hora da semeadura e da colheita todo mundo quer a máquina ao mesmo tempo.

O exemplo multiplicou-se. Lages chegou a ter 22 Nú- cleos. Hoje só tem 21. O Núcleo que fracassou era formado na

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sua maioria por proprietários de médio para grande, que não sentiam tanto o sufoco econômico e puderam se dar ao luxo de brigar tanto entre si que dissolveram a sua organização.

A hora de trabalho do trator da Prefeitura está custando por volta de 90 cruzeiros, ou seja, menos de um terço do preço cobrado pelos particulares que alugam os seus. Os Núcleos, na medida em que sentem a necessidade de serviços mais com-plexos, vão-se cotizando para comprar implementos específi-cos, como estrumadeiras e determinados tipos de grades. Há dois Núcleos que, tendo verificado estar esgotada a capaci-dade de atendimento do trator municipal, estão juntando di-nheiro para comprar tratores próprios. Com isso, a área arada do município mais que quintuplicou e, para a próxima safra, deve aumentar ainda uns 50 % .

Seu Libânio, gauchão de poncho largo e fala grossa, os bigodes e as têmporas já prateando, presidente de um Núcleo na remota localidade de Avencal, conta que a princípio des-confiou.

— Eu era dos cabeçudos, como é que ia acreditar em fa-vor de adversário político? A primeira vez que vi o Dirceu, fui logo dizendo: “Homem de vergonha não casa com mulher fa-lada e não vota no MDB”. Depois, foram me chamando para as reuniões, fui indo, fui entrando no negócio, achei que po-dia ser mesmo honesto, para melhorar a vida do povo de lá. Quando me convidaram para ser presidente do Núcleo aceitei e fui eleito. Agora tem uma coisa: a minha terra é sempre a última a ser lavrada. Se não, vão dizer que estou trabalhando no Núcleo para me favorecer.

Além dos serviços dos tratores, os Núcleos Agrícolas oferecem — mais que isso, fazem propaganda cerrada — a possibilidade de diversificação das culturas tradicionais. Os técnicos agrícolas da Prefeitura fazem exposições sobre as me-lhores maneiras de se aproveitar um terreno de até um hectare de terra e se propõem a acompanhar o trabalho. Em geral, recomendam a plantação de alho ou de macieiras, que podem render até 200 mil cruzeiros por ano (ou seja, mais de seis ve-zes o preço atual) em terra boa, que ronda os 30 mil cruzeiros

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por hectare. E, como plantação para o futuro, dinamizam os Clubes “5 L”, onde os jovens aprendem a tratar da terra e do gado de maneira mais eficiente que a rotina tradicional dos seus pais.

Um problema não solucionado é o do escoamento da produção. Em primeiro lugar, porque as estradas para muitos lugares são precárias, mais para o carroção puxado a mulas dos velhos colonos alemães que para os caminhões de hoje. E, fundamentalmente, porque ainda não se conseguiu suficiente acumulação de capital e de associados para a organização de cooperativas de produção. As tentativas de comercialização direta, através de postos no mercado municipal e de uma área de feira livre para venda de produtor para consumidor, podem talvez atender aos pequenos horticultores da cidade, mas são ainda insuficientes para fazer escoar uma massa maior de pro-dutos. Nesse sentido, há contatos entre os Núcleos Agrícolas e a poderosa organização da vizinha Cotrijuí, a Cooperativa Tritícola Serrana, para a obtenção de know-how.

A Cotrijuí, com sede em Ijuí, a 500 quilômetros de La-ges, é, talvez, a única grande cooperativa brasileira que man-tém estreitos contatos com as suas bases, também nucleadas como os produtores lageanos. Começou com um trabalho de organização para acabar com a saúva, mobilizado por um pa-dre, Frei Mathias. Hoje possui o maior terminal graneleiro do Rio Grande, movimenta muitos bilhões de cruzeiros e acio-na os seus associados através das informações que lhes são prestadas pela FIDENE, a fundação universitária que criou. É, portanto, um exemplo de eficiência no campo, criado em bases puramente nacionais e comunitárias — proposta que muito tem a ver com os projetos da equipe Dirceu Carneiro.

* * *

Há, no Brasil, a mitificação do mutirão nordestino. Nas-ceu, creio, da pregação de Francisco Julião, na década dos cin-qüenta, e da imensa publicidade montada pela CIA e pelos mais reacionários setores da imprensa brasileira em torno das

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Ligas Camponesas. Julião opunha as tradições de trabalho em comum, nascidas da necessidade de sobrevivência da mais mi-serável parcela da população, ao cambão, ou seja, uma espécie de corvéia feudal, imposto em dias de trabalho gratuito, que os senhores das terras de cana-de-açúcar costumavam — ou costumam, não sei — extrair dos seus parceiros e meeiros. Se-gundo ele dizia então, se houvesse uma divisão da propriedade da terra mais racional, o mutirão poderia aproveitá-la para as lavouras de cereais indispensáveis a minorar a fome endêmica da região. No entanto, pelo que já vi em andanças por Estân-cia, Palmares e Catende, o mutirão nordestino é mais uma tradição latente que uma prática usual. Mesmo porque por lá não existem as pequenas parcelas individuais que, no Norte de Portugal, deram origem às tarefas de ajuda mútua que im-portamos com a colonização. Na verdade, tanto no Nordeste como na maior parte do Brasil antigo — quer dizer, o terri-tório onde desde há três ou quatro séculos tem havido uma razoável densidade populacional, e que vai de São Paulo para o Norte, — caranguejando pela costa e entrando pelas Minas Gerais —, não há fortes tradições gregárias, experiências de organização social para o trabalho em comum.

A memória histórica do Sul é diferente. Os portugueses e açorianos do Rio Grande desde cedo tiveram de se organi-zar para a guerra. Invasores das terras castelhanas do Tra-tado de Tordesilhas, “traçaram as fronteiras da Pátria com as patas dos seus corcéis e a ponta das suas lanças”, como disse o retumbante João Neves da Fontoura. E, no entretem-po, praticaram muita pilhagem, roubaram muito gado, en-treveraram em muita luta local e guerra civil, atividades que requerem um grau maior de coordenação e de entendimento coletivo que o mourejar no eito de um canavial ou no cascalho de um garimpo. As vagas de alemães, italianos e poloneses, que arribaram a partir de meados do século passado, tiveram de fortalecer as tradições comunitárias que herdaram dos an-tepassados, que nos seus países resistiram à tirania feudal, para enfrentar a hostilidade das terras virgens, abandonados que sempre foram pelos governos do Império e da República.

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Além disso, pelo menos no que concerne aos alemães lutera-nos, a sua prática religiosa, muito mais assumida que a dos portugueses acostumados a confundir a Igreja com o Estado, incentivava reuniões e cultos em comum. Em conseqüência, o hábito associativo parece ser mais arraigado nas terras novas do Sul que no resto do país. Não é por acaso que os partidos políticos só têm raízes populares no Rio Grande, bipolarizado desde as disputas entre chimangos e maragatos.

No campo, os mutirões em Lages se chamam “pichuruns de carpida e roçada”. Quando o agricultor vai fazer uma roça da grande e não dispõe na família de mão-de-obra suficiente, convida os vizinhos para ajudá-lo. No fim do dia. cumprida a tarefa, promove um “baile de gaita” — lá, acordeão se chama gaita — com churrasco e vaneirões corridos. Nas épocas de limpa das lavouras, é hoje comum a utilização dos serviços de utilidade pública da rádio local para lançarem-se os convites para pichuruns. Como diz o Ilson, da Assessoria de Comuni-cações da Prefeitura:

— Nessas bandas onde a geada mata tudo e a vida tem de renascer rápido, com a primavera, a ajuda mútua é um há-bito muito arraigado. É que, se não houver uma boa colheita no fim do verão, o inverno é mais duro.

Essa tradição, vinda da história e dos hábitos do cam-po, facilitou a nucleação do povo de Lages, cujas origens são majoritariamente portuguesas, castelhanas e guaranis, e não alemãs. Ela terá provavelmente influído na extraordinária ra-pidez com que foram montadas as estruturas de participação. No entanto, não creio que as peculiaridades da formação so-cial sulina impeçam a adoção do modelo em outras regiões. É provável que em qualquer lugar, por mais pulverizada que seja a sua população, por mais perdidas que estejam as suas raízes culturais de vida humanizada e em comum, esse tipo de experiência possa ser repetido. Aliás, o fantástico sucesso obtido ao longo dos últimos dez anos, nos confins dos sertões mais longínquos, pelas comunidades eclesiais de base demons-tra não só uma aptidão brasileira à vida comunitária, como também uma desesperada ansiedade do povo em encontrar

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arrimo nos seus vizinhos para sobreviver à sociedade desagre-gadora que aqui se tem construído.

O que realmente diferencia o Sul do Nordeste — diferen-ça que pode dificultar as imitações e transplantes de experiên-cia — são os recursos humanos. Mesmo em Lages, município longamente isolado pela falta de estradas, a quantidade e a qualidade da mão-de-obra qualificada que se encontra é ini-maginável em Mossoró, Campina Grande ou Garanhuns. E não são só os médicos, os engenheiros, os professores, os agrô-nomos e veterinários que aparecem quando necessário, mas também os ferreiros, os carpinteiros, os mestres-de-obras, os técnicos agrícolas, enfim, todas as profissões intermédias que tanto fazem falta em uma classe dominante que, arrimada na escravidão, desprezou o trabalho e desaprendeu o como fazer as coisas. Superar essa desvantagem é problema de tem-po, de modificações no sistema escolar e, sobretudo, de crença na capacidade que o povo tem de construir a sua vida. É só lhe deixarem campo livre. Quem não puder ajudar, que pelo menos não atrapalhe.

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O mutirão da vida nova

A ponta envenenada do êxodo rural é a favela. Antes de ver brotar os seus barracos disformes, a cidade de pedra e cal não se apercebe dos migrantes. São sombras em movi-mento pelas estradas, pelas ruas. Não podem ser segurados, não têm cara nem registro civil. É quando erguem os seus abrigos com os materiais de ocasião que vão descolando dos dejetos da gente estabelecida — a caixa de papelão da fábri-ca ou do supermercado, os pedaços de tábuas das escoras de cimento armado, a folha de zinco comprada Deus sabe com que suor de sangue —, é só depois disso, da demarcação do seu palmo de terra, que os expulsos da terra adquirem a sua personalidade. Essa personalidade é dúbia, feita de rejeição e de relacionamento. A rejeição vem do problema que colocam por existir. Condições de habitação como a que têm ofendem o brio dos administradores, despertam a culpa em quem ainda tem consciência social. O relacionamento é o da exploração, do aproveitar as bordoadas que a vida lhes deu. Que seria da dona-de-casa, que desaprendeu de transformar as verduras, a carne e os cereais em comida, sem a cozinheira que veio de longe? E onde os senhores engenheiros das construtoras de edifícios com fachadas de mármore iriam buscar, pelos sa-lários que oferecem, os ajudantes de pedreiro, se não fosse o

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despejo permanente das gentes dos sertões em direção às cida-des? E, passado o tempo, consolidada a favela, onde iriam os poderes públicos buscar os seus contínuos sub-remunerados, contra quem poderiam extravasar o seu sadismo, fazendo os candidatos a lixeiro passarem por testes de Cooper?

Em Lages, o problema habitacional tem sido enfrentado em dois planos, por duas entidades diferentes. Para as famílias de mais de três salários mínimos de renda, existe a COHAB.

Para as de níveis de renda inferiores, há o Projeto Lage-ano de Habitação, mais conhecido pelo povo como “O Mu-tirão”, escolha de nome significativa da rejeição popular às denominações complicadas que os tecnocratas inventam para que se pense que são gente séria.

A COHAB, financiada pelo BNH, chegou à cidade pela mão de um médico chamado Hortêncio, antigo político do PSP, o partido de Adhemar de Barros. Adquiriu uma área iso-lada, a oeste do centro de uma cidade que, na época, expan-dia-se para o sul, onde os descendentes de italianos instalavam as suas madeireiras e oficinas mecânicas. O único vizinho era o seminário diocesano, em busca de calma. A empreiteira es-colhida para a construção das 1.090 casas do projeto, a Remo Engenharia, tinha como sócio um parente do marechal Cos-ta e Silva. Como era muita casa para pouca empreiteira — a mesma firma recebera empreitadas em muitos outros lugares de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul —, a empresa foi à falência, apesar da péssima qualidade das construções que fazia. Quando Juarez Furtado assumiu a Prefeitura, as ca-sas estavam semi-acabadas e a erosão de algumas das ruas abertas no barro já derrubara algumas. O BNH propôs à Pre-feitura um empréstimo para a abertura e pavimentação de uma avenida de acesso ao núcleo, pavimentação de um anel central, construção de praças e de um centro comunitário. Em outras palavras: o dinheiro do Fundo de Garantia seria repas-sado ao município para que se fizessem as obras necessárias à comercialização pela COHAB da sua mercadoria habitacio-nal de baixa qualidade. Tendo em vista que o problema da moradia era urgente e profundamente sentido pela popula-

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ção, Juarez aceitou, tocou as obras que a atual administração concluiu e está pagando.

A faixa da população que pode ser atendida pela CO-HAB representa 33 % do total. Atualmente, o conjunto está todo urbanizado, muitos moradores ampliaram e melhora-ram consideravelmente o seu núcleo habitacional primitivo e o bairro tem um jeito de subúrbio classe média baixa do Rio ou de São Paulo. As prestações mais altas estão à volta de 850 cruzeiros por mês. Muitos dos moradores são funcionários federais, como os civis e militares que trabalham no Batalhão de Engenharia, ou funcionários estaduais, como os da Polícia de Santa Catarina. Em relação à média da população, esses funcionários são considerados economicamente privilegiados.

A interferência da Prefeitura no conjunto da COHAB li-mita-se a garantir a coleta do lixo e, desde há pouco tempo, a gerir o belo centro comunitário, construído, aliás, com os seus recursos. O salão de festas deste centro havia sido entregue aos jovens do bairro, que o transformaram no que imagina-vam ser uma discoteca prafrentex. Luz negra e tudo. O som que promoviam aos sábados parece ter ultrapassado de mui-tos decibéis a paciência dos pacatos vizinhos, que exigiram uma intervenção, embora argumentassem antes com as bri-gas freqüentes que com o berreiro inusitado. A discoteca foi desativada, resultando no afastamento provisório da moçada com relação ao centro. Em compensação, as salas de aula do edifício anexo, desaproveitadas até há três meses, estão cheias de vida. São cursos de corte e costura, aulas de uma culinária peculiar, que ensina a aproveitar na refeição seguinte os restos da anterior e, como não podia deixar de ser, em uma cidade onde a mentalidade hortigranjeira começa a virar modismo, a cultivar legumes e temperos nos fundos de quintal.

Irmã Hilária, uma franciscana que anda de blue-jeans e tem a cara vermelha e o olhar transparente das moças dos posters que promovem as virtudes da colonização européia no Sul, é a assistente social responsável pelos conjuntos. Assegu-ra que no da COHAB, pelo fato de a população não ter sido consultada sobre a disposição e o projeto das casas que habi-

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ta, há um índice exagerado de depredações da propriedade social. Quebram-se janelas a pedradas, destroem-se lampiões da iluminação pública, roubam-se latões de coleta de lixo. É possível que esse vandalismo seja também provocado pela dis-tância entre o conjunto e a cidade, pelas dificuldades em se conseguir transporte coletivo tarde da noite e por não terem os jovens muito que fazer no seu bairro. Sobretudo depois que a casmurrice dos pais cassou-lhes a luz negra e o rock agressi-vo. De qualquer maneira, a impressão que se tem do conjun-to é que mesmo nas COHABs há uma diferença considerável entre o Sul-maravilha e o resto do país. O que se fez em Lages é incomparavelmente melhor que os depósitos de gente finan-ciados pelo BNH nos conjuntos habitacionais de Nova Iguaçu ou Vila Rosali, na Baixada Fluminense. Lá, pelo menos, as casas não são uma agressão às pretensões dos seus moradores de serem tratados como gente.

* * *

O Mutirão da Habitação é a grande vitrina da equipe Dirceu Carneiro. Quando os visitantes têm pouco tempo, é para lá que são levados. Foi o caso do elenco da Ópera do Ma-landro que, incentivado pelo relatório que lhes fez uma das suas integrantes sobre a experiência-piloto de democracia dos lageanos, resolveu oferecer um espetáculo gratuito em benefí-cio desse projeto. A preferência tem, a meu ver, muita razão de ser, porque é no Mutirão que se concentram amostras de quase todas as experiências inovadoras em curso no município.

A idéia de um mutirão vastíssimo — 690 casas, em um terreno de 287 mil metros quadrados, com uma população prevista de 4.000 pessoas — nasceu da crença do arquiteto Dirceu Carneiro de que qualquer grupo de pessoas, com um mínimo de assistência técnica, é capaz de erguer a sua pró-pria casa. Como faziam antigamente. Outra idéia motivadora, tentativa de resolver o problema que sempre se coloca em ex-periências desse tipo, é o da falta de material de construção; a sociedade moderna joga no lixo uma imensa quantidade de

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coisas que podem ser aproveitadas, e se esqueceu de utilizar materiais simples e baratos, que podem ser buscados na natu-reza, em vez de serem comprados nas lojas.

Há, no Brasil, muitas experiências de mutirões de cons-trução. Até mesmo em Florianópolis já existe um, em parte copiado do de Lages. No próprio município há outro projeto em andamento, no distrito de Otacílio Horta, sede da fábrica de papel de Olinkraft, onde vivem 15.000 pessoas, e muitas experiências em bairros, batizadas pelos engenheiros de “re-cuperação de casas em regime especial”, denominação tecno-prática que não sei como permaneceu na linguagem direta da rapaziada da Assessoria de Comunicações da Prefeitura. No entanto, o Mutirão é singular pelo seu tamanho e pelos seus métodos.

O coração do Mutirão é um depósito chamado “Banco de Materiais”. São encaminhados ‘para esse banco os tijolos, a madeira, as telhas oriundas de demolições feitas na cidade. Para poder fazer isso, Dirceu Carneiro fez um decreto facili-tando os alvarás de demolições e permitindo que elas sejam feitas por funcionários municipais e os materiais transporta-dos em caminhões da Prefeitura, desde que fosse tudo doado ao Mutirão. Desta forma, só com os restos de um grande ar-mazém, derrubado pelo Bradesco para abrir espaço à cons-trução da sua sede, foram construídas 25 casas.

É claro que, mesmo com a onda de novas construções que assola o centro da cidade, só os materiais de demolição não seriam suficientes para erguer as 300 casas já habitadas do Mutirão e as 108 atualmente em construção. Sempre é ne-cessário comprar mais, o que levanta o problema da falta de recursos. Aliás, mesmo com dinheiro é difícil comprar tijolos no inverno, quando a temperatura baixa retrai a argila e pro-voca uma queda de produção nas olarias. Em conseqüência, a falta de materiais com que construir tem retardado o anda-nento das obras.

A necessidade é a mãe da invenção, e o pessoal do Mu-tirão se tem revelado altamente inventivo. Para começar, a Prefeitura descobriu junto ao projeto uma excelente jazida

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de argila e areia de primeira qualidade. A areia passou a ser explorada pelos próprios moradores, sobretudo crianças, que vendem o excedente para fora, ganhando um complemento para o orçamento familiar. A argila é transformada em tijolos e telhas em uma olaria experimental, movida a gasogênio.

Tornar-se independente da crise do petróleo é uma das manias da equipe de Lages. Em uma das reuniões que faz todas as terças-feiras, o consultor jurídico da Prefeitura, um descendente de italianos chamado Melegari, contou que na olaria que fora de seu pai um técnico instalara um sistema de gasogênio em um dos queimadores. A reunião mudou-se pron-tamente para o local e viu-se que funcionava mesmo. Como o time é polivalente, encarregaram o Evilásio de Athaíde, secre-tário de Finanças, de colocar a idéia em execução no Mutirão. Acabaram por descobrir um funileiro que trabalhara com ou-tro italiano em gasogênio e guardava a memória do mecanis-mo, o que é fundamental, por não existir literatura técnica brasileira sobre o assunto. Graças a essa experiência passada, ele recebeu uma casa perto da olaria, desconfio que passando na frente da fila dos candidatos. A caldeira para produzir va-por foi construída sem dificuldades. A coisa emperrou foi na escolha de um motor capaz de colocar em funcionamento, por um sistema de polias, as prensas de fazer telhas e tijolos.

Depois de duas experiências fracassadas, acabaram por acertar com o motor de um caminhão Dodge, comprado no ferro-velho. Tem 210 cavalos, é o mais potente que existe. Funciona. Quer dizer, funciona quando não falta água, o que é freqüente. Andam agora em busca de solução para o proble-ma da água, solução que parece ser um tanque de condensa-ção do vapor, para que a água circule em circuito fechado.

Outra invenção chama-se bracatinga e é uma madeira. Saiu da cabeça de um carpinteiro, quando verificou que os caibros de pinho serrado usados na sustentação dos telhados estavam custando 350 cruzeiros o metro. Lembrou-se da sua infância no campo e da raiva que sua mãe tinha quando lhe traziam achas de bracatinga misturadas com a lenha do fo-gão. É que a bracatinga, por ter um crescimento muito rápido,

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retém bastante água e “chora” quando jogada no fogo, dimi-nuindo o calor. À volta de Lages existe bracatinga a dar com o pé, custa quase que só o trabalho de cortar — 15 cruzeiros o metro. O carpinteiro experimentou usar a madeira nos telha-dos, bruta mesmo, roliça. Deu certo e o exemplo se espalhou.

A última invenção no campo da utilização de materiais de construção no Mutirão teve origem na memória histórica dos lageanos. Antigamente não havia cimento. Apesar disso, as casas que foram construídas vararam os anos, algumas es-tão de pé há dois séculos. Trataram de descobrir como eram erguidas as paredes. Nas cidades de beira-mar do Brasil an-tigo as pedras e os tijolos eram geralmente assentados sobre uma indestrutível argamassa de conchas moídas, ligadas com óleo de baleia. No Planalto Catarinense a técnica era outra: uma argamassa de barro com areia. Estão tentando reviver a técnica para deixar somente para os rebocos externos o ci-mento importado de Itajaí, cujo preço subiu mais de 200% no último ano.

Com esse tipo de atitude, os associados do Mutirão con-seguem um milagre no preço das suas casas. Até julho de 1980, a casa de 36 metros quadrados que tinha custado mais caro à Prefeitura estava em Cr$ 12.800! Isso em uma cidade onde o metro quadrado de construção modesta custa cinco mil cruzeiros.

* * *

A invenção maior do Mutirão acontece dentro da cabeça das pessoas. Em primeiro lugar, na cabeça de quem traba-lha na Prefeitura, esteja ou não ligado diretamente ao pro-jeto. Duas ou três vezes por ano, Dirceu cobra a sua taxa de liderança aos elementos mais conservadores do seu governo, organizando um dia de trabalho voluntário. Os secretários e chefes de departamento, bufando, de boa ou de má vonta-de, vão todos para a obra, fazer aquilo que um intelectual ou um burocrata pode fazer nesses casos: servir de ajudante de

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ajudante de pedreiro, ou seja, carregar tijolos e argamassa. Mas, fora esse voluntariado meio a gancho, há no setor mais engajado da equipe um real entusiasmo pelo Mutirão. É fre-qüente encontrar-se por lá o “velho” Celso, 51 anos, secretá-rio de Bem-Estar Social, médico formado em escola elitista, antigo udenista, cuja cabeça virou no coquetel explosivo de uma honestidade profunda em contato com a criatividade e as carências do povo mais humilde. Anda pelas ruas de barro com a familiaridade de quem está em sua casa, conhece mui-tos dos moradores pelos nomes e é capaz de contar detalhes sobre a vida de cada um. A “Tia Terê”, Terezinha, vereadora e mulher do prefeito, cuida de dinamizar os grupos de crian-ças. Até demais, quem sabe. Quando os moradores elegeram a direção da sua Associação de Bairro, as crianças entraram em estado de manifestação. Por que razão os pais podiam votar e elas não? Chegou-se a uma solução diplomática: as meninas elegeriam as diretoras do seu clube e os meninos os dirigentes do setor de esportes.

Salvador Rogério de Oliveira, funcionário da Secretaria de Bem-Estar Social, é dos que gamaram pelo Mutirão.

— Como é que não vou me emocionar com o projeto?, pergunta. Aquilo lá é um pedaço de mim. Eles ensinam a gen-te a ser gente. Todos os fins de semana vou para lá, com a minha mulher e os meus filhos. Quando ando pelas ruas, as crianças correm e pedem a bênção ao Tio Rogério. É que ter casa é muito importante. Um sujeito que está na sua casinha vira um gigante. E quem mora lá é um pessoal que a única coisa que sabe ter é ter esperança.

No meio dessa conversa, Rogério me deu uma das chaves para o entendimento de Lages. Disse:

—Aqui, as idéias se vaporizam.O que queria dizer é que as idéias entram por dentro

das pessoas como se respirassem vapor. E é verdade. Basta alguém ter uma boa iniciativa, que ela se torna rapida-mente conhecida, é assumida pelos demais como se fosse um bem comum.

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Assumida ao ponto de que depois se esquece quem é que teve a idéia em primeiro lugar.

* * *

As casas do Mutirão, como as das favelas ou da Vila Ken-nedy, no Rio, não ficam muito tempo uniformizadas. Ao se mudar, cada família recebe um núcleo de casa com 36 m2, mais um puxadinho de dois metros por um e meio para o banheiro. É uma sala retangular, com a cozinha ao fundo, e dois quar-tos: coisa que leva 2.500 tijolos dos furadinhos, grandes, para ser erguida. Não tem reboco, assoalho ou forro no teto. Para recebê-la, a família já trabalhou quinze dias em outras casas, no chamado “Teste de Solidariedade”, porque esse é o com-promisso que assina previamente com a Prefeitura. A razão do compromisso é que cedo verificaram que a entrega da casa desmobiliza o Mutirão. Uma vez que a família está instalada, todo o seu tempo e esforços são dedicados aos melhoramentos da própria residência. Desaparece o sentido de solidariedade com os vizinhos.

Recebida a casa, começa o verdadeiro mutirão, que é o espontâneo. Os moradores mobilizam a família inteira: tios, primos, compadres, irmãos, e mais os vizinhos do bairro onde moravam. Juntam o dinheiro que podem para comprar mate-rial e vão colocando o seu toque pessoal, segundo a imagina-ção e os recursos que têm.

Curiosamente, uma das primeiras ampliações que quase todos fazem parece ser completamente inútil: um alpendre ao lado da porta de entrada. Serve de sala de visitas. Só andando pelos bairros tradicionais é que se descobre a razão: a maioria das casas de madeira, imitação tal e qual das antigas casas de camponeses da Baviera, têm também os seus alpendres. Logo, repetem em alvenaria o estilo arquitetônico que em madeira tem muito mais razão de ser. Vem depois o reboco externo, o interno, o forro, que pode ser de ripinhas, de papelão ou até de sacos de supermercado. Mais tarde, segundo o número de filhos, vêm outros quartos. Em uma das casas, situada em

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uma inclinação do terreno, vi a construção de dois quartos apoiados em estacas de concreto, deixando um porão para a oficina que o dono da casa pretende instalar. Garagens são freqüentes, abrigando uma variedade notável de automóveis e caminhões em diferentes estados de desagregação.

A imaginação se exerce também nas idéias de decoração. Há uma casa com uma passarela de entrada forrada de cacos de azulejo multicoloridos, levando à porta principal, emoldu-rada também por azulejos catados em refugos de material. Fica muito kitsch. Se fosse idéia de arquiteto paulista, já teria prosperado no Morumbi, nas mansões da gente que deu taca-das na Bolsa ou nos cofres do Tesouro. Essa tal casa ainda vai ficar mais morumbiana. O dono contou-me que pretende fa-zer uma gruta com estalactites de cimento para abrigar uma imagem da Virgem de Fátima.

— Não vai ficar lindo?, perguntou-me.— Vai, respondi. E pensei no dr. Paulo Maluf, que que-

ria construir a nova capital de São Paulo em estilo colonial brasileiro.

Há idéias que, mesmo vaporizadas, não dão certo. Por exemplo: pensaram em suprir as necessidades de gás de cozi-nha do Mutirão com o metano produzido em recipientes bio-digestivos, para as fezes e os demais detritos orgânicos da co-munidade. Fizeram o primeiro e foi um fracasso. Pensam que o seu não funcionamento se deve a terem feito uma cúpula, estilo túmulo muçulmano. Vão tentar outro, chato. Espero que tenham sucesso.

* * *

Foi nas obras do Mutirão que pela prineira vez ouvi falar na visita do Rei Barbudo. Levaram-me a ver a construção da escola comunitária, que tem um lindo desenho em rosácea e pode ser erguida por módulos de salas com capacidade para 40 alunos cada uma, à medida que as necessidades surgirem. Perguntei ao dr. Celso de Sousa quem tinha feito um projeto tão bom.

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— Foi o Gonçalo, respondeu. E ele fez também todo o projeto dos campos de esporte e do aproveitamento deste ter-reno como centro da comunidade.

— E quem é o Gonçalo?— É um estudante de arquitetura que veio do Rio de

Janeiro e ficou aqui conosco, fazendo um estágio de um mês.— Gonçalo o quê?, indaguei, já na esperança de aliciá-lo

para trabalhar no projeto de habitações populares que Dom Adriano Hipólito quer fazer em Nova Iguaçu.

— Não sei. É só Gonçalo.Mais tarde, fui sabendo a história desse personagem mis-

terioso. Durante um congresso de arquitetura em Brasília, o pessoal da Prefeitura apresentou o esquema do Mutirão. Hou-ve muito interesse, muitas perguntas, e dali a uns dias o pre-feito recebeu do Rio uma carta de um estudante, pedindo que o aceitassem para o estágio de término de curso. Aceitaram. Apareceu um rapaz alto, magérrimo, com um vago cavanha-que e cabelos até os ombros, que por vezes prendia em rabo-de-cavalo. Andava cheio de colares e de pulseiras. Os machões da praça o olhavam arrevesado, mas ele não ligava. Começou logo a trabalhar. Fez o tal projeto da escola, deu alguns ou-tros palpites. Dali a dias, pediu para trabalhar na oficina de manutenção das máquinas. Avisaram que era serviço duro, mas deixaram que fosse. Em menos de uma semana estava amigo dos mecânicos todos e descobriu que um dos problemas que tinham era o de lavar a graxa das mãos, pela falta de água quente.

Desde o início da administração do Dirceu Carneiro fala-va-se muito em captação de energia solar, com materiais aces-síveis e baratos. Tentaram placas de madeira, de metal, placas revestidas de matéria plástica; as serpentinas de ferro foram substituídas por mangueiras de polietileno, usou-se palha de arroz, serragem e lã de vidro para o isolamento da água. Nada deu perfeitamente certo. O Gonçalo pôs mãos à obra. Para começar, fez um pequeno destilador de água para a fabriqueta de baterias da oficina. Animado com o sucesso, construiu um tanque grande, para o banheiro. No chão, parece que a água

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esquentava a 50 graus. Montado no teto, o tanque não funcio-na tão bem, talvez por não estar em uma posição correta ou, quem sabe, devido à fraqueza do sol do inverno. Mas sempre esquenta um pouquinho, o suficiente para quebrar o gelo de dar câimbras da água que jorra das bicas normais.

Resolvido esse problema, Gonçalo foi tratar da irrigação do Hortão, a horta coletiva explorada ao lado do campo de aviação. Fiéis à idéia de energias alternativas, os mecânicos da oficina tinham fabricado um cata-vento para puxar a água. Usaram como eixo um diferencial de jipe, que ficou pesado de-mais. Veio uma ventania e o cata-vento foi abaixo. Os técnicos do Hortão saíram pelo caminho mais fácil e, quando a equi-pe da Prefeitura deu pela coisa, uma motobomba a diesel já estava funcionando. Dava menos trabalho, assim como o uso de defensivos agrícolas e adubos derivados de petróleo. Não é fácil vencer a resistência das pessoas a aceitar tecnologias sim-ples, que não constam do currículo das escolas superiores.

A solução encontrada por Gonçalo saiu de uma revista de ecologistas americanos. Usava um eixo de caminhão e bar-ris de óleo cortados ao meio e soldados de costas uns para os outros. Não garanto que puxe água, mas que gira com a me-nor aragem, na perfeição, isso lá gira.

Passado o mês de estágio, Gonçalo foi-se embora. Vol-tou no carnaval, para sair com a escola de samba dos negros de Brusque. Sambou de se acabar é sumiu de hovo. Ninguém sabe o seu nome inteiro. Ninguém, não. Há uma ruivinha bo-nitinha que trabalha na Secretaria da Educação, que sabe. É a namorada que arrumou na moita. Só que ela não conta para ninguém. Quer guardar para si todas as ligações com o Rei Barbudo.

* * *

Um problema ainda não totalmente resolvido do Muti-rão é o da propriedade da terra e das casas. Verificou-se em experiências anteriores, inclusive no conjunto da COHAB de Lages, que é freqüente os beneficiados por empréstimos habitacionais venderem as suas casas a famílias de maiores

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rendimentos. Procura-se evitar que isso aconteça no Mutirão, através de uma cláusula contratual que dá à Prefeitura di-reito de preferência, durante 30 anos, em qualquer transação imobiliária. Isso quer dizer que, se alguém pretende vender a sua casa e encontra um comprador, tem de oferecer primeiro à Prefeitura, pelo mesmo preço e nas mesmas condições. No entanto, há advogados que duvidam da possibilidade de uma restrição deste tipo ao livre uso da propriedade particular ser mantida nos tribunais, caso venha a ser contestada. Em con-seqüência, não se tomaram decisões definitivas. Os moradores têm a posse e o gozo das casas, mas ainda não têm um título definitivo, certidão passada em cartório. É evidente que a in-definição não poderá ser mantida para sempre. Já começam a surgir alguns casos que reclamam solução. Um dos mais anti-gos moradores do Mutirão, apesar de bom trabalhador, parece ser mau vizinho. Indispôs-se com os vizinhos da sua quadra e quer se mudar. O que fazer da sua casa? Como poderá ser indenizado, e em que prazo? O dilema é abrir ou não abrir o precedente de transações imobiliárias em um lugar que foi pensado para ser uma moradia definitiva para famílias neces-sitadas. Problema é também a falta de recursos da Prefeitura, que não dispõe de verbas para exercer o seu direito de opção.

Em resumo: como fazer as pessoas entrarem no Mutirão foi decidido logo. Faz-se um requerimento ao prefeito, forne-cendo uma série de informações sobre a situação familiar, o número de dependentes, as condições atuais de habitação, a renda familiar. Uma equipe de assistentes sociais averigua a veracidade das informações e faz uma seleção, por ordem de necessidade maior. Os selecionados são convocados a traba-lhar, no fim de quinze dias recebem o seu lote e o embrião da casa. Mas, como sair? Ninguém tinha pensado seriamente no assunto, mas o assunto terá de ser enfrentado.

* * *

Embora o problema da transferência da propriedade já se tenha colocado, é altamente excepcional. As pessoas que

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estão no Mutirão não querem nem pensar em se mudar. A dona de uma das melhores casas contou-me que já teve outra, construída pouco a pouco pelo marido, que é pedreiro. Mal teve tempo de gozá-la. Apareceu um comprador, ofereceu di-nheiro vivo, o marido aceitou. O dinheiro durou pouco, foram passando de casa de aluguel para casa de aluguel, sempre pio-rando. Até que vieram para o Mutirão.

— Até acho bom que não se possam vender as casas aqui, disse-me ela. Se não, o meu marido vendia a casa outra vez e voltávamos ao que era antes. Eu quero essa casa aqui para os meus netos.

Rosângela, uma cabocla miúda, de poucos dentes e mui-tos filhos, vivia em um casebre e foi das primeiras a vir.

— Eu vivia que nem pedra de rio, rolando de um lugar para outro. Agora, graças a Deus, já tenho pouso. Valeu a pena. No princípio, acordava às cinco da manhã e vinha para cá a pé, porque não tinha dinheiro para a condução. Muitas vezes perdia o dia, por falta de material. Mas a minha casinha está pronta e esse sacrifício todo foi recompensado.

* * *

A infra-estrutura de água e esgotos do projeto está sendo feita pelos próprios moradores, sob a supervisão de um enge-nheiro da Prefeitura e de “seu” Tergino, o mestre-de-obras que é uma espécie de faz-tudo de lá. Provisoriamente, há fos-sas sépticas nas casas, de onde se pretende retirar adubo orgâ-nico, segundo o exemplo imemorial dos camponeses da China. Enquanto isso, a abertura de valas e a colocação de manilhas vai caminhando em direção a uma lagoa de estabilização que, provavelmente, terá de ser complementada por outra, ainda a ser construída. As idéias para a utilização do que os técnicos chamam pudicamente de “efluentes”, depositados nessas la-goas, são as mais variadas, por vezes parecendo ficção cientí-fica, embora os ecologistas garantam que não, que são não só factíveis como baratas e práticas. Os “efluentes” alimentarão plantas chamadas “água-pé”, que absorvem acidez e agluti-

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nam nas raízes matérias em suspensão, ao mesmo tempo em que alimentarão peixes, que alimentarão patos, e, depois, se-rão periodicamente retirados, secos e irão alimentar a terra, que alimentará etc., etc., e tal.

As idéias que surgem à volta da utilização dos esgotos representam bem a atitude dos construtores do Mutirão. São por um moto-contínuo de relações entre os homens e a natu-reza, uma transformação permanente que, ao alterar o equilí-brio, segue, no mesmo processo, o caminho para restabelecê-lo adiante. Um pouco como no “Ciclo do Caranguejo”, descrito por Josué de Castro, onde o homem alimenta o caranguejo e é por ele alimentado. Alimenta, não. Em Recife, segundo o céle-bre nutrólogo pernambucano Nélson Chaves, o ciclo do caran-guejo acabou. A especulação imobiliária aterrou os alagados e matou os caranguejos. Em Lages, no rumo em que vai, isso não está arriscado a acontecer.

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Ensinar e aprender

A democracia experimental de Lages é um processo per-manente de ensinar e de aprender, do qual as repartições es-pecíficas, como a Secretaria da Educação e a Secretaria da Cultura, são apenas uma parte, a mais formalizada. O ensino-aprendizado acontece também nas iniciativas da Secretaria da Agricultura, nas reuniões semanais da equipe e até mesmo nas oficinas de manutenção do parque de máquinas e viaturas.

O secretário da Agricultura, Mário Figueiredo, não é agrônomo: é um veterinário formado em Curitiba. Há ano e pouco na equipe, tem sido obrigado a um esforço de recicla-gem para acompanhar a decisão política de procurar no culti-vo da terra a alternativa econômica do município.

Fundamentalmente, esse plano de alternativa se divide em três ramos: a um nível elementar, pretende melhorar a die-ta das populações mais carentes, incentivando o cultivo de le-gumes e frutas em pequenas áreas e em fundos de quintal.

É aí que se inserem projetos como os das hortas nas es-colas, das hortas coletivas, do Hortão comunitário e da pro-dução de mudas e sementes pelo horto municipal. A um nível de escala maior estão os esforços para aumentar as áreas de culturas tradicionais mecanizadas e para utilizar a adubação orgânica, em substituição aos adubos petroquímicos. Final-

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mente, as soluções realmente econômicas que se buscam pas-sam pela adoção de novas culturas, de rentabilidade muito superior às tradicionais, como a fruticultura, a criação de tru-tas, carpas, tilápias e rãs nos riachos e açudes, e a criação de coelhos. Todas essas propostas implicam em uso de mão-de-obra mais numerosa, mais intensiva e mais qualificada que a atual. Fazem parte, portanto, da idéia de que é inútil chorar sobre as conseqüências do êxodo rural, se não se criam condi-ções econômiteas que permitam ao homem viver no campo. Afinal, como diz o Giovanni, presidente do núcleo rural de Santa Terezinha do Salto:

— Lugar onde tem trabalho, não tem marginal.Nas repartições mais técnicas, como as que se responsa-

bilizam por obras, o aprendizado e o ensinamento é sobretudo interno. É o caso, por exemplo, do setor de máquinas, que tem uma oficina onde não se encontram viaturas transformadas em sucata e onde, com magros recursos, se procuram fazer as mais variadas experiências. Até mesmo nas finanças se ex-perimenta: o novo código tributário foi elaborado sobre o co-nhecimento concreto adquirido pela atualização do cadastro municipal e prevê aumentos de imposto predial graduados em relação à capacidade de pagar dos contribuintes.

As atividades culturais, coordenadas por uma secretaria específica, têm uma dupla função didática. A primeira, talvez a mais importante, volta-se para a reconquista da confiança em si e do orgulho dos lageanos nos seus mais variados cam-pos de trabalho. Cobre desde os artistas plásticos locais, que passaram a ser conhecidos e a se conhecerem através de expo-sições periódicas, até os artesãos, os contadores de “causos” e os trovadores do interior. Esses, sobretudo, gente mais humil-de, muitas vezes se espantaram quando lhes disseram da im-portância das suas atividades e quando verificaram o interesse que despertavam entre os habitantes da cidade, os únicos que, por definição elitista, seriam capazes de ter e de fazer cultura. A segunda face do movimento cultural é acoplada aos esforços da Secretaria de Educação. Consiste na utilização de recur-sos extracurriculares, como o teatro de bonecos, para apoiar

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iniciativas e campanhas escolares. Uma das peças do teatro de marionetes Gralha Azul destina-se a induzir as crianças a bochecharem regularmente com flúor, para evitar cáries.

* * *

A educação agrícola começou com a campanha pelo plan-tio de macieiras. Apesar de Lages ser vizinha de São Joaquim, onde a macieira é uma cultura tradicional, os seus pomares tinham, há quatro anos, apenas 56.000 árvores. No entanto, um hectare de terra é capaz de sustentar até mil macieiras, com um rendimento monetário considerável — maior que o do café de sombra, tipo-mole. Em números, isso quer dizer um mínimo de dois salários mínimos por mês, limpos, no bolso do fruticultor. Hoje, já estão plantadas meio milhão de árvores, o suficiente para manter em funcionamento a fábrica em mon-tagem da Frutícola Catarinense, uma empresa japonesa que preferiu instalar-se em Lages a ir para São Joaquim, criando grandes problemas para o coração nacionalista dos membros da equipe.

É provável que a rápida propagação da macieira se deva mais à familiaridade que os lageanos já tinham com essa cul-tura, bem sucedida nas regiões vizinhas, que aos esforços pro-pagandísticos da Prefeitura. Não há nada mais desconfiado que o pequeno agricultor, e a mudança dos seus hábitos de exploração é sempre lenta. Tanto assim que os pessegueiros e as pereiras, cujas loas a Secretaria da Agricultura também canta, ainda não trocaram as beiradas das casas pela escala de plantação comercial. E as tentativas de plantações de mo-rangos de tipo comercial, vendidos à Prefeitura por uma firma de japoneses, resultaram em fracassos. O morango comercial exige fungicidas de aplicação complicada e cuidados meticu-losos para que a fruta não se suje de terra. Esses cuidados não fazem parte da cultura local, são mesmo coisas de japonês. Em conseqüência, apesar da sua alta rentabilidade, é prová-vel que a cultura do morango ainda leve bastante tempo para ser implantada.

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A desconfiança do homem do interior face a novidades vez por outra desponta nas conversas de gente que até é a fa-vor da equipe Dirceu Carneiro. É comum ouvirem-se comen-tários no sentido de que “essa moçada é boa gente, mas é meio maluca. Onde já se viu ganhar dinheiro criando sapo?”. Como era de se esperar, a resistência é menor entre os mais jovens. Nas fotografias que vi de feiras, onde o produtor vende direta-mente ao consumidor, e de mostras do campo, onde aparecem agricultores exibindo orgulhosamente carpas de dois e três quilos, eles são sempre moços.

A idéia de desenvolver a piscicultura surgiu da experiên-cia que Dirceu Carneiro desenvolvera na sua fazenda. Logo que assumiu, colocou dois tratores de esteira da Secretaria de Obras à disposição da Secretaria de Agricultura, para ca-var açudes nas pequenas propriedades do município. Depois, conseguiram matrizes e filhotes de tilápia africana, que foram distribuídos aos interessados. Mais tarde, começaram a tra-balhar com carpas e jundiás, um peixe nativo da região, de grande rusticidade e carne deliciosa. Quanto às trutas, que já existiam em alguns riachos, viraram projeto sistemático depois da visita de um técnico japonês, importado de São Paulo para estudar os rios e riachos de Lages. Esse cientista, chamado Kioschi Koike, constatou na água um PH neutro, temperatura ideal e excelente oxigenação, de vez que os rios geralmente correm sobre pedra e têm inúmeras cachoeiras. Em conseqüência desses estudos, mandaram dois técnicos para Campos de Jordão, onde dois japoneses, associados a um grande restaurante de São Paulo, estão ficando ricos criando trutas. Na volta, eles assumiram a responsabilidade de cons-truir tanques de reprodução. Hoje, os rios estão povoados por quatrocentos mil alevinos, nome dos filhotes de peixes. O Na-neca, secretário da Educação, garante já ter pescado trutas de quilo e meio. Mesmo com o desconto que é prudente dar a histórias de pescador, não há dúvidas de que a truta existe e, enquanto não for dizimada pela poluição de alguma fábrica de papel, prospera. Prospera tanto que a experiência chamou a atenção da SUDEPE, órgão geralmente distraído tanto com

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o seu trabalho quanto com os dinheiros públicos. Foi propos-to um convênio com a Prefeitura e instala-se atualmente em Lages um centro de truticultura, baseado nos conhecimentos técnicos que os funcionários municipais adquiriram.

Apesar do cartaz das trutas, o que realmente parece ser comerciável é a criação de carpas e de tilápias, que são fáceis de criar e de pescar. No entanto, o que é mais importante na experiência é ter introduzido a piscicultura nas conversas e no quotidiano de quem procura melhorar o seu ganho ou a sua mesa. Logo, é do ponto de vista pedagógico que o trabalho pode ser considerado um sucesso indiscutível.

* * *

Igualmente bem sucedida, porque também baseada em um conhecimento preexistente, é a campanha de moderni-zação da apicultura. Embora tradicional, a apicultura tinha sido bastante desleixada depois da introdução da abelha afri-cana no Brasil. Os agricultores passaram a ter medo dessas abelhas, de desmedida agressividade. Parece que hoje elas já se cruzaram com as abelhas nativas, formando uma espécie um pouco mais perigosa que a antiga, mas, em compensação, com uma capacidade de produção de mel muito superior. A intervenção do poder municipal no caso, além da propagan-da sobre as vantagens econômicas de se explorar o mel, que quase não exige investimentos, está na construção de caixas de concreto para colméias. Por incrível que possa parecer, em Lages, terra da araucária, uma caixa custa hoje mais caro se for feita de madeira que de cimento, material cuja fabricação exige um alto consumo de petróleo.

* * *

O secretário de Material e Manutenção da Prefeitura cha-ma-se Vaney Ribeiro. Vem da administração anterior, quando foi uma espécie de interventor nas contas da Prefeitura, cuja confusão ameaçava dar pretexto para um pedido de impeach-ment do Juarez Furtado. É dos “velhos” da equipe e homem

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de sonhar pouco. Pudera. É contador. Com ele é pão, mão, queijo, queijo. “Nosso lema aqui, diz, é não enrolar o contri-buinte.” Aliás, foi da sua boca que pela primeira e única vez ouvi em Lages a palavra “contribuinte”, que tanto aparece nos discursos dos políticos norte-americanos. Todos os outros falam de povo, de membros da comunidade, até de munícipe. De contribuinte, nunca. Mas, apesar da adaptação de Vaney às correlações de força existentes na política da sua cidade, se arranharmos um pouco a sua pele, a pontinha de sonho sempre aparece. Concreta, pouco glamourosa, é verdade, mas presente. O espaço de devaneio desse homem de cabelos ralos, decididamente instalado na meia-idade e na classe média, é parecido com ele. São os mecanismos de compra e de empe-nhos de verbas, que permitem fazer economias e ter crédito na praça, e, sobretudo, o árido retângulo de cimento da oficina de manutenção.

Em relação às compras da Prefeitura, o ideal de Vaney era armar um esquema que permitisse ao poder público ter uma agilidade semelhante à de uma empresa privada, para poder beneficiar-se de descontos e de um bom nome junto aos seus fornecedores. Aprendeu que isso só é possível caso se jun-tem em uma mesma repartição os pedidos e os empenhos das verbas destinados a pagá-los. Essa descoberta elementar cus-tou muito esforço e muita saliva para ser ensinada aos outros, de vez que quebrava uma rotina antiga. Aliás, em terra onde a corrupção é endêmica, a prudência realmente recomenda que o comprador nada tenha a ver com o pagador. Só que a filosofia lageana é de confiar em todo mundo, ou seja, é dia-metralmente oposta à prática que herdamos da burocracia colonial, que sempre favorece a criação de uma polícia para policiar a polícia.

O sistema de contabilidade implantado em Lages faz com que um empenho de uma verba leve menos de cinco minutos para ser feito. Quando, por acaso, consegue-se junto ao for-necedor um prazo de trinta e de sessenta dias, fazem-se dois empenhos diferentes, cada um correspondendo à parcela a ser paga na data acordada. O resultado é que, apesar dos apertos,

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o atraso nos pagamentos da Prefeitura é mínimo, sobretudo se comparado com municípios e Estados vizinhos. Vaney diz, com orgulho:

— O Estado do Rio Grande do Sul já não consegue sequer pagar o seu funcionalismo em dia. E há prefeituras por aí que tiveram de paralisar os seus veículos por falta de combustível. Nós, que sempre compramos da Petrobrás, tanto por motivos de princípios como por uma questão prática, pela necessida-de de tornarmos homogênea a utilização de lubrificantes, não temos esse problema. Até hoje, agüentamos. Mas, com essa inflação, com os aumentos dos preços todos e, especialmente, os do petróleo, não sei quanto tempo vamos poder continuar a pagar corretamente os nossos compromissos. Os rendimentos da Prefeitura não crescem com a mesma velocidade da infla-ção. O que acho que pode acontecer é estagnarmos, termos de parar com os nossos programas.

Menos especulativo, mais mensurável e palpável é o en-gajamento de Vaney e do seu amigo Juarez Vieira, um enge-nheiro vindo de Florianópolis, na organização da oficina me-cânica. Nela, não há carcaças imprestáveis, como em tantas, espalhadas pelas repartições deste Brasil afora. Quando um veículo está na última lona, não tem mais conserto, é despi-do de todas as peças que podem ser reaproveitadas e vendido como ferro-velho. Mas essa é a instância derradeira do proces-so de sugar os motores até o último ronco. Antes, há a planifi-cação para fazê-los durar.

— Nós adotamos aqui o mesmo método do pessoal da saúde pública, explica Juarez: É melhor e mais barato preve-nir do que curar. Estabelecemos para cada caminhão, trator ou automóvel um plano de mecânica preventiva. Ao fim de um número determinado de horas de serviço ou de quilôme-tros rodados, o veículo tem de ser recolhido à oficina para uma revisão. Verificamos tudo e trocamos as peças gastas, mesmo que, aparentemente, a máquina esteja funcionando a conten-to. Com isso, evitamos os enguiços nas estradas, os gastos de reboque. É verdade que acontece termos os nossos problemas para impor a disciplina de manutenção, sobretudo em relação

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aos tratores. Às vezes, em meio à campanha de preparo da terra, enviamos um rádio para um núcleo agrícola do interior mandando recolher o trator para a revisão. O pessoal chia, mas o trator acaba vindo. É que tem muita gente que não vê que estamos até fazendo um favor, que se deixarmos o trator trabalhando por lá ele acaba quebrando e tem de passar mais tempo parado na oficina, para o conserto, que o tempo que gasta em revisão.

É na oficina de manutenção que se está experimentan-do a utilização de um gasogênio para os carros da Prefeitura. Cortaram a carroceria de uma velha Kombi e, na traseira, ins-talaram a caldeira e os tubos de arrefecimento do gás. É uma caldeira de pouco mais de um metro de altura, muito menor que a dos gasogênios das minhas lembranças de menino, do tempo da II Guerra Mundial. O sistema foi desenhado em La-ges mesmo e lá construído. Essa, aliás, é uma das vantagens das zonas de colonização européia do Sul-maravilha: em se precisando de um ferreiro ou de um funileiro, aparecem dez ou vinte. Existe ainda, contra os ventos e as marés da sociedade de consumismo importado, que faz com que desaprendamos a criar as coisas nós mesmos, um reservatório de mão-de-obra artesanal e qualificada.

Os testes do gasogênio estão quase no fim e parecem ser positivos. A vetusta Kombi, uma espécie de Rocinante de qua-tro rodas, cuja capacidade de locomoção parece ser, à prineira vista, extremamente reduzida, já rodou alguns milhares de quilômetros pelas ruas da cidade. Ainda apresenta problemas que, se resolvidos, farão com que outros veículos municipais se livrem também do petróleo.

Experiência já comprovada e coroada de êxito é a da fa-bricação de baterias. Em um clima frio como o da serra cata-rinense, o consumo de baterias pelos tratores e caminhões é muito grande. Dar a partida em um motor a diesel quando a temperatura está a menos um ou dois graus, exige paciência e um sem número de tentativas, que descarregam as baterias. Quando o veículo está na garagem da oficina, o problema é contornado por uma ajuda extra de baterias de suporte, que

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vão de um lado para outro em um carrinho de mão. No cam-po, não há jeito: é forçar o motor de arranque. Ora, uma ba-teria de trator ou de caminhão está custando nas lojas cerca de quinze mil cruzeiros. Para a Prefeitura, custa quatro mil. É que compra apenas as caixas de plástico e as plaquetas de metal. As baterias são montadas em uma fabriqueta artesa-nal em um canto da oficina.

O exemplo pegou — pedagogia na prática. Já existem em Lages outras fabriquetas de baterias, o que provavelmente provocará uma salutar crise nos revendedores das peças ofi-ciais. Que diabo, se a tecnologia de fabricação de baterias é coisa tão simples, por que pagar royalties às multinacionais norte-americanas?

* * *

Um projeto de tecnologia alternativa que não pôde pros-perar por falta de recursos e de apoio oficial foi o de desen-volver um motor movimentado por um gás extremamente rico em hidrogênio, inventado por um sargento do Exército chamado Noel Silveira. Em princípio, o motor serviria para substituir motores a combustível de petróleo, para calderaria, para fornos, etc. Como o sargento Noel mora em Caxias do Sul, foi lá que construiu o seu primeiro protótipo, nas ofici-nas de uma empresa multinacional de controle de qualidade, chamada Robert Shaw. Pronto o motor, a empresa exigiu 400 mil cruzeiros para liberá-lo. O pessoal da Prefeitura de Lages construiu um outro, maior, com cerca de um metro de altura, o que permite examinar bem o funcionamento de todas as suas peças. Pelo que entendi — e dando-se um desconto à mi-nha brutal ignorância em matéria de mecânica —, o princípio do motor consiste em aquecer a mais de mil graus uma caldei-ra a carvão, que utiliza ferro e manganês como catalisadores. Obtida essa temperatura, injeta-se vapor de água. O ferro e o manganês retêm o oxigênio e liberam o hidrogênio, que passa a circular comprimido, produzindo a energia necessária para colocar o motor em movimento. Não garanto cem por cento que as coisas se passem assim, mas as notas que tomei foram

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essas. O que importa é que os engenheiros que estudaram o assunto acham ser perfeitamente viável e comercialmente utilizável a invenção. Acontece que, infelizmente, o sargento Noel não conseguiu ser liberado pelo Exército para aprofun-dar as suas pesquisas e a Prefeitura de Lages, que apoiara o seu pedido de ser colocado em disponibilidade e lhe ofereceu um emprego, não possui laboratórios onde possa desenvolver o seu protótipo. No entanto, o Instituto Militar de Engenha-ria, um dos raros centros de pesquisa que procuram gerar tec-nologia nacional, tem laboratórios excelentes, além de pessoal qualificado. Seria talvez o caso de requisitar o sargento Noel Silveira e tocar o projeto para a frente.

* * *

É propositadamente que incluí as notas sobre o proces-so de educação formal gerido pela Prefeitura de Lages — as escolas primárias — no fim da descrição da dinâmica local de ensinar e aprender. Em Lages, o processo educacional formal é apenas um dos aspectos da pedagogia geral que se desenvolve.

A Secretaria da Educação encara o sistema escolar den-tro do conjunto de práticas de toda uma sociedade em bus-ca de conhecimentos. Neste conjunto, a escola primária é um centro de iniciação das crianças em uma sistemática de co-nhecimentos e de informações ligada às realidades das suas vidas, sistemática da qual participam, juntamente com os seus professores, os seus pais e alguns outros membros da co-munidade.

Essencialmente, a situação educacional do município é a seguinte:

— Há cem escolas municipais, que atendem à quase to-talidade da população em idade escolar. Os problemas que en-frentam são iguais aos do resto do sistema primário no país, sendo os mais importantes a evasão escolar e a falta de recur-sos. Como a rede municipal vai só até o quarto ano e o sistema de ensino de 2º e de 3º graus é insuficiente, muitas crianças,

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que desejariam e poderiam continuar a estudar, têm de deixar de fazê-lo, sobretudo na zona rural.

— A qualidade do professorado pode ser considerada boa, em termos brasileiros. Normalmente, a professora primária é qualificada, não se encontrando o avassalador fenômeno dos “professores leigos” que existe, por exemplo, em Minas Ge-rais, para não falar nas professoras meramente alfabetizadas de muitas partes do Nordeste. Em conseqüência, o trabalho de inovar métodos de ensino, de promover seminários e discus-sões freqüentes é facilitado.

Apesar dessas vantagens relativas, o subdesenvolvimen-to surge a cada esquina. Basta ler os relatórios de encontros de professores da zona rural, onde são arrolados os problemas que encontram. Neles surgem as onipresentes observações so-bre a pobreza, o desemprego, a má alimentação, as doenças, as carências de médico, de dentista, que se encontram um pouco por toda parte no país. Problemas até como os de invasões de piolhos, que acabam por provocar atritos entre as famílias da comunidade, de vez que algumas tentam cuidar dos seus filhos e outras relaxam.

— O material de ensino, que é distribuído pelo Estado ou pelos órgãos do Ministério da Educação, é totalmente des-vinculado da realidade local. Um exemplo é uma cartilha pre-parada por duas professoras mineiras, que fala de barquinhos amarelos e elefantes azuis. Ora, criança alguma de Lages ja-mais viu um elefante em carne e osso, azul ou de outra cor. Os barquinhos amarelos, se acaso existentes, também não povo-am os rios, lagos e riachos da região. Ora, todo o trabalho dos professores locais é voltado para ensinar as crianças a aprende-rem primeiro o concreto, as coisas com as quais se relacionam no seu dia-a-dia, e só depois é que incentivam a abstração e a imaginação poética. Para esse tipo de tarefa as tais cartilhas são imprestáveis.

* * *

— O povo é sempre quem nos ensina e nos disciplina, diz Manuel Nunes da Silva Neto, o secretário da Educação.

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Ju, uma das suas auxiliares, que saiu de São Paulo para se reencontrar em Lages, acrescenta: “Queremos devolver a esse povo a crença de que é possível fazer algo”. Sônia, que hoje está na Secretaria da Cultura, completa o esquema com o terceiro mandamento: “O povo tem sempre a verdade. Isso exige da gente um processo de conversão muito grande”.

A direção do sistema educacional é toda assim: missio-neira. É também, como não poderia deixar de ser, o grupo mais intelectualizado, mais inquieto e letrado da Prefeitura. Anda sempre em busca de textos teóricos que lhes dêem ân-gulos de análise novos e, quando os encontram, passam logo no mimeógrafo, para fazer circular. O material — trechos de livros de Paulo Freire, do francês Freinet, capítulos de um li-vro coletivo intitulado Educación Popular para el Desarrollo, etc. — é um tanto indiscriminado e, por vezes, deixa a desejar em matéria de clareza nas propostas. Mas é lido e discutido. Serve para abrandar algumas dúvidas sobre o caminho que percorrem e para levantar outras.

Na prática, o projeto educacional lageano, além de en-fatizar o concreto, realça o comunitário. Em todas as esco-las, no campo e na cidade, há Conselhos de Pais de Alunos, que participam da direção escolar e colaboram na solução dos problemas que se apresentam. O nível de mobilização desses Conselhos varia de lugar para lugar e de momento para mo-mento. Quando há um problema que a comunidade considera grave e urgente, a participação é maior. Por exemplo: quando é necessário consertar ou ampliar um prédio e se convoca um mutirão de construção. Quando se trata de assuntos de roti-na, ligados ao funcionamento normal das aulas, a participa-ção decresce.

Em relação ao trabalho escolar propriamente dito, o es-forço de adaptação à realidade passa por uma série de inicia-tivas estimulantes. Há tentativas de se elaborarem cartilhas e textos de leitura pelas próprias crianças ou a partir de uma investigação do seu universo vocabular próprio. O elefante azul, é claro, já dançou, e foi substituído por um cavalo, que é o bicho que se vê andando nas ruas todos os dias. Não sei o

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que terá acontecido com o barquinho amarelo. Provavelmen-te virou carroça, um dos meios de transporte até hoje mais usados no município.

As tentativas de ligar o aprendizado à vida fazem com que se procure ensinar a contar, subtrair e somar contando as paredes da sala, os metros do chão. Formam-se conjuntos com os objetos e as carteiras, cadernos e livros mudam de lu-gar. A linguagem local é valorizada de preferência ao texto erudito dos livros escritos para outras regiões e outras classes sociais. O fogão é o mestre das noções de Física e de Química, de vez que o seu calor transforma a água em vapor e, ao serem cozidos, os alimentos se transformam, perdendo e ganhan-do componentes químicos. Boa parte das escolas têm hortas cuidadas pelos próprios alunos. Os produtos, depois de ensi-narem o cultivo da terra, enriquecem a merenda escolar. No entanto, mesmo em um lugar tão trabalhado para a vida co-munitária, há casos de vandalismo. A professora da escola D. Pedro I, em Avencal, disse durante um encontro que o roubo dos legumes da horta comunitária é um dos problemas que tem de enfrentar.

Na cidade, há uma escola cujos alunos ficaram tão mo-tivados pelo tema da habitação que resolveram, durante o ano letivo de 1979, construir uma casa de madeira no quintal. Com a ajuda da professora e dos pais saíram catando peda-ções de tábuas, pregos usados, telhas velhas pelos arredores. Desentortaram os pregos, selecionaram a madeira, escolhe-ram as telhas e acabaram por construir uma casinha que é bem mais que um simples barraco ou uma casa de bonecas.

* * *

O processo escolar é necessariamente repetitivo. Ano após ano, transmitem-se às crianças as mesmas informações básicas, mesmo que a maneira de transmitir varie. Apesar do sopro renovador que iniciativas como a da construção da casinha de madeira representam, tem-se a impressão de uma certa ausência de repetitividade no trabalho da equipe edu-

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cacional de Lages. É um pouco como se buscassem o novo em um laboratório e não renovassem o que já tivesse sido tentado, mesmo com bons resultados. Ou como se o processo de busca se dividisse em duas partes, uma permanente, outra esporádi-ca. A parte permanente seria, por exemplo, a implantação das hortinhas comunitárias, a esporádica a construção. Que fazer no ano seguinte, de vez que o espaço do quintal da escola é inelástico, não permite que todos os anos uma nova casa seja erguida? Ano sim se constrói, ano não se destrói, para cons-truir novamente no ano seguinte? As respostas não parecem nem claras, nem definitivas.

* * *

Não creio que a importância da experiência de democra-cia-piloto de Lages esteja, propriamente, nas suas realizações e vitórias. O aquecimento solar da água da oficina pode es-quentar pouco. O gasogênio da Kombi pode enguiçar ou dei-xar de se espalhar a todos os veículos municipais. A olaria pode ter uma produtividade menor que as movidas por siste-mas clássicos. O processo escolar pode dar voltas, emperrar em problemas para os quais não se encontre imediatamente solução. Nada disso importa muito. O importante é a tenta-tiva de abrir perspectivas inovadoras. É como nos versos do espanhol Antonio Machado:

“Caminhante, não há caminho. Faz-se caminho ao andar.”

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Transformar o lixo em riqueza

As serrarias deixaram montanhas de serragem espalha-das pelos quatro cantos de Lages. Montanhas, no caso, não é imaginação poética, é descrição da realidade. São pirâmi-des cor de areia de três ou quatro andares de altura. Até há pouco tempo, ninguém sabia o que fazer com elas. Eram testemunhos inúteis da devastação das florestas. Quem en-controu a solução, por estranho que pareça, foi o programa “Fantástico”, da TV Globo. Um domingo, apresentou uma reportagem com um plantador de café do Triângulo Minei-ro, escolhido cafeicultor do ano por ter conseguido um ren-dimento por hectare dez vezes superior à média da região. O seu segredo: adubar a terra com adubo orgânico, obtido com sorgo ou capim picado, regado com um coquetel de bac-térias compradas a uma pioneira indústria ecológica de São Paulo chamada Nutri-Humus.

Já havia, em Lages, notícias da Nutri-Humus, trazidas pelo ecólogo José Lutzemberger. Na semana seguinte, um téc-nico da Secretaria da Agricultura tomou o rumo da Vila Ma-riana, com encontro marcado com o dono da tal empresa, o professor Mário Nogueira de Oliveira. Trata-se de um senhor de oitenta anos de idade, que só agora começa a ter recompen-sas por uma vida inteira dedicada a investigar os recursos que

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a natureza nos oferece a baixo preço e a denunciar o alto preço que as multinacionais da petroquímica nos cobram para des-truir os nossos sistemas ecológicos.

Resultado: quando o técnico voltou, com os seus saqui-nhos de bactérias, já tinham destino para o lixo do passado. Começaram a remover alguns montes de serragem para o hor-to da Prefeitura. Compraram não só os saquinhos de bacté-rias, que fazem multiplicar em um caldo de cultura de água, leite e açúcar, como também saquinhos de ovos de minhoca. As minhocas, parece, são as grandes adubadoras da natureza. Cada uma come e digere o seu próprio peso por dia, não só arejando a terra por onde andam como enriquecendo-a com os seus excrementos. É por isso que os holandeses, gente que entende de agricultura como ninguém, importam minhocões gigantes das barrancas do São Francisco.

Os montes de serragem são borrifados com a solução de bactérias e inseminados com os ovos de minhoca. Em quatro meses, 120 dias apenas, ficam decompostos, transformados em terra vegetal, adubo de primeira qualidade. Durante o proces-so, os monturos são visitados pelo Prefeito e pelos secretários, como se fossem algum extraordinário museu dos milagres de Deus. Há tubos de plástico que penetram no cerne, onde prin-cipia a fermentação. Ficam quentes, chegam a ter febre de quarenta e cinco graus.

Fui visitar o lixo-museu com o Cosme Polese, um jovem economista que, por ser o secretário de serviços urbanos, tem de agüentar as reclamações da classe média contra as multas que os guardas aplicam aos seus carros mal estacionados e contra as deficiências da coleta de lixo, aliás melhor que a de Nova Iorque, onde é feita apenas três vezes por semana. Ex-plicou-me pela enésima vez como o processo acontecia. Puxou um dos canos de plástico e me fez sentir a quentura. Depois, meteu o braço na serragem até o cotovelo e trouxe um punha-do de terra já decomposta. Cheirou, deu-me a cheirar.

— Está jóia, disse, mais para reconfortar-se do que para me passar uma informação. Tem cheiro de terra. Na natureza, tudo o que fede não presta.

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Ficou mexendo a terra entre os dedos, examinando-a como um lapidador de Amsterdã examina um diamante bru-to. De repente, exclamou:

— Olha! Olha só que beleza! Está cheia de minhoqui-nhas.

Essa capacidade de extasiar-se diante de uma minhoca impressionou-me como sendo a característica que diferencia os antiburocratas de Lages do resto dos mortais, funcionários públicos ou não. A entrega ao trabalho que realizam é tão completa que pouco se lhes dá se o objeto a ser trabalhado é um monte de adubo, as crianças de uma escola, o gasogênio de uma olaria ou os artesãos de uma comunidade agrícola. Tudo faz parte da tarefa comum de procurar alternativas, de fazer o caminho ao andar.

Há outras maneiras, provavelmente melhores, de se pro-duzir adubo orgânico que a decomposição da serragem. Picar cana, ou sorgo, ou mesmo capim, espalhar diretamente nos campos e regar com a solução de bactérias parece ser mais rentável. Acontece que a serragem está lá mesmo, sem utilida-de, enfeando a paisagem, atrapalhando as empresas. De toda maneira, o propósito da municipalidade é demonstrar a efici-ência da adubação, que calcula custar de dez a quinze vezes menos que o adubo petroquímico vendido pela Shell e pelas outras multinacionais, com a vantagem de precisar ser apli-cado só de três em três anos. Adubo orgânico aduba a terra. Adubo químico aduba a planta e, por isso, tem de ser usado a cada semeadura.

A tentativa de transformar lixo em riqueza não pára na serragem. No matadouro, estão construindo dois tanques para recuperar a “buchada” dos animais aba-tidos. “Buchada”, no Sul, não são as tripas, como no Nordeste, mas sim os restos de comida mal digerida, que ficam nos intestinos dos animais. Segundo o pessoal da equipe, esse adubo é muito melhor que o esterco, a for-ma habitual de utilização dos resíduos de digestão do gado, porque muito mais rico em bactérias e protozoários. Até agora, a buchada vem sendo varrida para os rios pe-

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los jatos das mangueiras dos serventes do matadouro. Desperdício total.

À vista de um funcionário da Prefeitura ninguém joga fora um saquinho de plástico. As suas utilidades são absolu-tamente insuspeitadas. Por exemplo: servem de isolante para os alicerces das construções. Essa aplicação foi descoberta por acaso, um dia que faltou isolante no Mutirão da Habitação. O dono da casa que estava sendo erguida foi ao depósito de lixo, catou centenas de saquinhos de leite, cortou-os ao meio e usou-os como isolante contra a umidade do solo. Outra utili-zação corrente é no horto: os saquinhos servem para conter a terra das mudas de árvores frutíferas e das espécies nativas de madeira, que serão plantadas nas ruas e praças e distribuídas à população.

Para que servem os invólucros de plástico que contêm o soro usado nos hospitais, além de permitir que o remédio go-teje nas veias dos doentes? Servem para ser transformados em adornos de mesa pelas mulheres dos Clubes de Mães. Viram toalhas e isolantes para os pratos quentes. E as radiografias de ossos e de vísceras? Em Lages, elas são transformadas em móbiles que deixariam o velho Calder, inventor do móbile, ro-ído de inveja.

* * *

Um dos “projetos-vitrina” da Prefeitura de Lages é o das hortas comunitárias e, muito especialmente, o do “Hor-tão”, próximo ao aeroporto. Há oito hortas, espalhadas por diversos lugares da cidade e do município, onde se atribuem lotes de cerca de 500 metros quadrados às famílias que não têm nas suas casas terreno suficiente para plantar hortaliças. As terras são da Prefeitura, em virtude de uma antiga postura municipal que determina a entrega ao poder municipal de 6% da área de cada loteamento que se licencie. Em princípio, essa área se destina a praças e jardjns, mas, na verdade, a maior parte tem sido ocupada por pessoas recém-chegadas à cidade, para a construção de barracos. Algumas ficaram novamente

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livres, com a passagem de famílias para o conjunto da CO-HAB e para o Mutirão da Habitação e a conseqüente dimi-nuição do déficit habitacional. Parte dos terrenos recuperados é lavrada, gradeada e adubada pela Prefeitura e entregue às famílias que se inscrevem no projeto.

Nos lotes familiares trabalham, durante a semana, mu-lheres e crianças. Os homens aparecem aos sábados e domin-gos, para fazer os serviços mais pesados. Plantam batatas, cenouras, couves, repolhos, rabanetes, destinados ao seu pró-prio consumo, e cebola e alho para serem vendidos.

Há, em Lages, como na maior parte das regiões sulinas onde existe a influência de camponeses europeus, a tradição de se fazer conservas, o que aumenta a possibilidade de uma horta contribuir para a melhoria permanente da alimentação familiar. Por outro lado, o consumo de legumes é muito ge-neralizado, ao contrário de Minas Gerais, por exemplo, onde se diz que alface é comida de cabrito e o verde na mesa fica restrito à couve refogada que acompanha o feijão e o lombi-nho de porco. Uma pesquisa sobre hábitos alimentares em um bairro pobre, onde apenas 15,3 % das famílias têm recursos suficientes para comer alguma espécie de carne todos os dias, revelou que 72,6% comem verduras diariamente.

Ao entrar em uma casa de favela de uma família, que se mudaria para o Projeto de Habitação reparei, em cima do aparador, num regimento de bocais de vidro, cheios de conser-vas de couve-flor, vagem e cenoura. A dona da casa, um moci-nha de seus vinte anos no máximo, disse que fora ela mesma quem as preparara. Perguntei onde tinha aprendido.

— Foi a minha mãe quem me ensinou, respondeu. E ela aprendeu com a mãe dela.

Sul-maravilha! Quanto mais pobre a região, mais se jo-gam fora coisas que podem ser aproveitadas e que são desper-diçadas pela falta dos rudimentares conhecimentos técnicos necessários à sua transformação ou conservação. O subdesen-volvimento ataca em todas as frentes e nasce na cabeça das pessoas. No Norte de Portugal, de onde veio a maioria dos nossos colonizadores, há uma cozinha de incrível economia.

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Aproveita-se tudo, até as folhas dos nabos, que se chamam nabiças e são cozinhadas como se fossem espinafre. A cabeça dos peixes serve para fazer uma deliciosa sopa que é, ao mes-mo tempo, uma das formas mais baratas de se obter proteína animal que conheço. Acontece que, ao atravessar o Atlântico, o português virou classe dominante e parou de cozinhar. Foi prear um índio, comprou uma escrava negra. O índio, gerado em uma economia de coleta onde a atividade agrícola se limi-tava ao grão do milho e à raiz da mandioca, não tinha por que saber economizar. A floresta e os rios eram as suas geladeiras, os seus bocais de conservas para o inverno. O negro, brutal-mente desenraizado da sua terra, também não dominava as técnicas de preservação de alimentos, inventadas nas regiões frias. Resultado: o português esqueceu o que sabia, o índio e o negro não tinham motivos para aprender. Herdamos o des-perdício pela ignorância.

É pela consciência que tem da onipresença do subdesen-volvimento que a equipe de Lages pensa, com toda a razão, que o processo de busca de alternativas econômicas é essen-cialmente um processo educacional. É por ter seguido essa mesma linha que um país como Cuba, massacrado e coloniza-do como qualquer outro da América Latina, já pode ser consi-derado como humanamente desenvolvido. O seu governo deu educação e comida para todos. Embora muito tenha ainda a fazer para construir uma estrutura de produção desenvol-vida, já tem a gente capacitada para desenvolvê-la. Na ver-dade, Cuba está em um estágio semelhante ao da Alemanha ou do Japão no pós-guerra, onde o aparelho produtivo tinha sido em grande parte destruído, mas existiam os técnicos e os operários especializados capazes de reconstruí-lo. As pesso-as desinformadas ficam achando que as vitórias dos cubanos nas Olimpíadas, a sua capacidade de intervir militarmente em Angola, contra o exército da África do Sul, ou a de mandar técnicos para os quatro cantos do Terceiro Mundo é ou uma espécie de milagre, ou algum misterioso golpe de propaganda. Milagre nada. Se déssemos suficientes proteínas e calorias a todos os brasileiros e lhes oferecêssemos nove anos de estudos

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obrigatórios, em escolas profissionalizantes, poderíamos botar os cubanos no bolso, teríamos muitos Stevensons e Juantore-mas e, quem sabe, alguns gênios em potencial, que hoje não se podem desenvolver por terem nascido no Brasil e carecerem de oportunidades.

* * *

A parte de exploração coletiva, o “Hortão”, que atual-mente incorpora apenas 16 chefes de família, homens e mu-lheres, que não têm outra alternativa econômica, se limita a um terreno de dez hectares à volta do campo de aviação. O terreno, desapropriado pelo Ministério da Aeronáutica para proteger os pousos e decolagens, foi cedido à Prefeitura para a exploração da horta coletiva, com a condição única de nele não se fazerem construções.

Essa contribuição da Aeronáutica é, talvez, um dos mais importantes aspectos do projeto. Infelizmente, nos últimos dezesseis anos, os brasileiros se desacostumaram até de pen-sar na possibilidade de uma colaboração entre o poder civil, legitimado pelas urnas, e o regime militar, legitimado unica-mente pela força. Evidentemente, a base de sustentação desse regime têm sido as Forças Armadas, e causa ao mesmo tem-po surpresa e esperanças encontrar um dos seus ramos favo-recendo uma administração democrática, filiada à oposição, em um trabalho em benefício das camadas mais pobres da população.

No decorrer desses anos de autoritarismo militar houve algumas iniciativas militares de sentido social. É o caso, por exemplo, da intervenção no garimpo de ouro de Serra Pelada, no Pará, ou do apoio logístico prestado a certas atividades estudantis do Projeto Rondon, em si uma bolação de oficiais do Exército. Mas a ação civil-militar conjunta caracterizou-se fundamentalmente por ser repressiva, com o objetivo de acabar com greves, de garantir terras reclamadas de posseiros por pretensos proprietários, e coisas desse gênero. O caso de Lages foge à regra, daí a sua importância. Aliás, note-se que a

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experiência de democracia participativa que lá se desenvolve tampouco tem sido hostilizada pelo Batalhão de Engenharia, embora a unidade já tenha sido comandada pelo então coronel Hélio Ibiapina. Esse oficial, hoje na reserva, notabilizara-se em 1964 pelo tratamento dado aos presos políticos confiados à sua responsabilidade no Recife, como o sr. Waldir Ximenes, parente de Miguel Arraes, que foi hospitalizado com fraturas de costelas, de vértebras e um rim deslocado.

O trabalho coletivo no Hortão é diretamente subsidia-do e dirigido pela Prefeitura. Cada trabalhador — em geral velhos, viúvas ou mulheres abandonadas — recebe um auxí-lio de mil cruzeiros por mês, que lhe assegura um mínimo de recursos para sobreviver, enquanto as plantas crescem e são comercializadas. O resultado da venda é dividido entre todos, em partes iguais. A Secretaria da Agricultura espera que, em alguns meses, os resultados possam assegurar, a cada um, um pouco mais que o salário mínimo, objetivo atualmente longe de ser alcançado. Aliás, pelos meus cálculos, sustentar 16 fa-mílias, em apenas 10 hectares de terra, só plantando orquíde-as ou maconha.

Pelo que pude perceber, há uma certa falta de diálogo entre os técnicos agrícolas da Prefeitura e os trabalhadores. A estrutura mental e operacional clássica — o patrão mandan-do e os empregados obedecendo — é transposta para o proje-to. Em outras palavras, a regra de discussão e de participação a que se procura obedecer em outras partes não é bem seguida no Hortão. Prova de que é tão difícil livrar-se do mandonis-mo, do sentimento de superioridade que entra nas pessoas que têm acesso ao monopólio do saber, quanto, para os pobres, mandados a vida inteira, é difícil habituar-se a participar em pé de igualdade. Comentando o fracasso de uma das planta-ções do Hortão, talvez a de morangos, um velho trabalhador me disse:

— Eu bem que achei que o trabalho não estava sendo feito direito. Mas o homem mandou fazer assim e nós fizemos.

O “homem”, é claro, era o técnico agrícola. E o traba-

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lhador obedeceu porque ainda não meteu na cabeça a idéia de que aquele pedaço de terra é muito mais dele e dos seus companheiros que do técnico. Inclusive porque, se os moran-gos falham, o técnico continua a ganhar a mesma coisa, mas os participantes no trabalho coletivo vão ganhar menos. Per-guntei por que não manifestara ao “homem” a sua opinião, no momento em que o erro podia ser corrigido.

— Ora, ele é quem sabe. Ele é quem manda. Eu sou um velho analfabeto.

Como diz o Paulo Freire, o dominado mete o dominador dentro de si.

* * *

A maior parte das experiências agrícolas da Prefeitura começa ou no Hortão, ou nos dois hortos municipais. Foi no Hortão, por exemplo, que se fez errado a primeira tentativa de transformar serragem em adubo orgânico. O erro foi terem metido a serragem em um buraco, enterrando-a como se faz para conservar o milho ou o sorgo em um silo-trincheira, o que impediu a ação das bactérias que precisam do ar para se desenvolverem. Mas é também no Hortão que primeiro se utilizaram as novas qualidades de adubo, seja o composto pelos excrementos de coelho, seja a serragem decomposta ou os resíduos das “buchadas” do matadouro. E os resultados servem de exemplo e de campo de provas para as correções necessárias.

Nos dois hortos da municipalidade o lado experimental é mais desenvolvido. Afinal, não foram feitos para dar lucro, mesmo se no passado se dedicavam exclusivamente a produ-zir mudas de eucaliptos ou de pinus elliotti para as grandes empresas reflorestadoras, e, em conseqüência, aumentavam-lhes os lucros. Com a entrada da equipe de Dirceu Carneiro em função acabou esse subsídio indireto a quem dele não pre-cisava. Um dos hortos continua a produzir mudas de árvo-res, mas são mudas das espécies nativas, antigamente desde-nhadas e ameaçadas de extinção — acácias, caobas, ipês, e a

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bracatinga, cinderela hoje cortejada por muitos. Destinam-se às ruas e às praças da cidade, bem como a particulares que, para obtê-las, têm só o trabalho de ir buscá-las. As outras ár-vores que se distribuem são frutíferas e têm de ser pagas. A Prefeitura importa macieiras, caquizeiros, pereiras e maciei-ras de produtores especializados, sobretudo do Rio Grande do Sul e São Paulo. Os interessados inscrevem-se em uma lista aberta na Secretaria da Agricultura e, quando avisados da disponibilidade das mudas, recolhem à Secretaria das Finan-ças o seu preço de custo, acrescido do transporte. Munidos de uma guia, vão buscar as suas árvores no horto. A muni-cipalidade funciona como intermediária desinteressada, ba-rateando o preço das fruteiras, e também como uma espécie de fiadora da qualidade das espécies que redistribui, pois tem relações constantes com os produtores, o que faz com que seja melhor servida que um simples particular.

Hoje em dia, a tarefa principal do horto é a produção de mudas de hortigranjeiros, sobretudo mudas de cebola. De janeiro a julho de 1980 haviam sido distribuídas 80 mil mudas de legumes variados e 200 mil mudas de cebola, vendidas a cinco cruzeiros o cento. Para ter acesso a esse serviço, o con-tribuinte tem também de se inscrever na Secretaria da Agri-cultura, e ninguém pode comprar mais de mil mudas de plan-tas. É comum, aos sábados, formarem-se filas de fregueses, no galpão do horto, em busca das mudas para os seus quin-tais e chácaras. A impressão visual que essas filas dão é de ser maior o interesse pelo auto-abastecimento entre os jovens ca-sais de classe média do que entre os pobres ou os agricultores habituais. É possível que as campanhas de divulgação desen-volvidas penetrem com maior facilidade nos meios já habi-tuados a receber informações e utilizá-las, o que explicaria a composição social da freguesia do horto, como também é possível que a menor freqüência dos agricultores seja devida ao fato de já praticarem há muito tempo o auto-abastecimen-to e, em conseqüência, estarem capacitados a produzir as suas próprias mudas.

Em um dos hortos municipais há em curso experiências

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com técnicas de criação de coelhos, supervisionadas pelo Má-rio Figueiredo, secretário da Agricultura, mais à vontade com bichos que com plantas, por ser veterinário.

Essa história de cunicultura, como muitas outras, nasceu por acaso. O dr. Celso de Sousa, preocupado com a dificuldade em conseguir proteínas para a sopa escolar, sugeriu a criação de coelhos. Um técnico compareceu a uma exposição agríco-la em Esteio. Comprou os campeões-reprodutores de raças de coelhos precoces, Nova Zelândia e Califórnia.

Pouco a pouco — e mais uma vez auxiliados pela me-mória camponesa de experiências passadas, do tempo em que havia coelheiras nos fundos das casas — foram disseminan-do a coelhada pelos Núcleos Agrícolas. A princípio, os con-sumidores da cidade torceram o nariz. Boa gente pampeira, estavam acostumados a comer carne bovina. Gaúcho que se preza acha que peixe, coelho e frango é perfumaria. Comida de verdade é churrasco de boi, uma fonte de proteína que o agrônomo e ecólogo francês René Dumont afirma que tende-rá a desaparecer da face da Terra, por ser de todas a mais cara e a que maior superfície e tempo requer para se formar. Com o passar do tempo, incentivados pela diferença de pre-ço, os compradores começaram a aparecer. Gostaram. Hoje, encontra-se carne de coelho nos supermercados e em alguns restaurantes.

Coelho é, realmente, um achado para os consumidores de uma faixa de renda intermédia. A proporção da conversão da ração em carne é de três quilos e meio de ração para um quilo de carne. A ração está custando 390 cruzeiros por saco de 40 quilos, o que quer dizer que, em comida ingerida, cada quilo de coelho custa ao produtor Cr$ 34,12. A pele é vendi-da à um frigorífico local por 15 cruzeiros. Logo, vendendo a carne, como vendem, a 90 cruzeiros por quilo, os produtores têm uma boa margem de lucro e os consumidores fazem uma considerável economia. Paralelamente, a Prefeitura incenti-va a implantação de um artesanato de pele de coelho, atra-vés das mostras da Secretaria da Cultura. Já se fabricam em Lages boinas de tipo russo e casacos parecidos com os dos

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pastores turcos da Anatólia, muito em moda entre os estu-dantes europeus por serem o mais barato agasalho que se pode encontrar. Essa atividade, ainda incipiente em virtu-de dos métodos precários de curtição das peles, tende a se desenvolver.

O aspecto da criação de coelhos que está sendo mais atentamente estudado é a adequação do tipo de gaiola ao ta-manho da criação. Como passar da meia dúzia de animais, no canto do terreiro, criados em gaiolas de madeira ou de cimen-to, consumindo um mínimo de ração e um máximo de folhas e legumes que sobram da cozinha familiar, para uma produção comercializável? A metodologia que está sendo experimenta-da é a criação em galpões cheios de gaiolas de arame, pen-duradas nas vigas do teto. Há regos no cimento do chão que permitem o aproveitamento dos excrementos e da urina para fazer adubo. A coisa funciona bem, permite o controle das doenças, o acompanhamento dos índices de fertilidade das re-produtoras, a seleção dos melhores animais. Só que fere dois dos princípios da busca de alternativas econômicas: exige in-vestimentos razoavelmente altos e utiliza material trazido de fora, de vez que não há em Lages fabricantes de gaiolas deste tipo nem lá se produz o arame grosso que requerem. A alter-nativa — as gaiolas tradicionais, erguidas sobre altas pernas de pau e tapadas com tela de arame — não é tão econômica e a limpeza das gaiolas é mais difícil.

* * *

Boa mesmo, como maneira de produzir proteínas a bai-xo custo e de reforçar o orçamento dos agricultores, é a cria-ção de carpas e de tilápias. O sistema, que complementa os conhecimentos buscados em Campos de Jordão com receitas aprendidas em um livro sobre a China, parece complicado de se montar, mas garantiram-me que funciona. É um complexo de três tanques, o primeiro recebendo esterco, que alimenta uma espécie de alga, a qual, por sua vez, alimenta os peixes. O segundo, onde se criam patos, é purificado por outra espécie

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de algas, e o terceiro tem água limpa. Não garanto a exatidão da seqüência, minhas notas ficaram vagas. O que garanto é que as carpas se multiplicam, crescem e são vendidas na cida-de. A reputação que têm de ficar com gosto de lodo, e que é verdadeira, é vencida por purgas de vinagre ou por um estágio em tanque de água limpa vinte e quatro horas antes de serem mortas.

* * *

Todas essas iniciativas novidadeiras pesam ainda muito pouco na balança da economia lageana, se comparadas com a renda da agricultura tradicional, explorada pelos grandes fa-zendeiros. Lages orgulha-se de ser o município brasileiro com a maior variedade de raças bovinas européias. Nos quintais da cidade vêem-se pequeninas vacas Jersey, cujo leite, rico em gordura, serve ao consumo familiar. Nos arredores há estân-cias — que lá se chamam “cabanas” —, povoadas por negros bois Angus, rubros Devonshires e, sobretudo, pelos imensos e alvos Charoleses. Al Neto, o ex-comentarista de televisão dos anos cinqüenta, filho de tradicional família local e agora reconvertido à pecuária, afirmou-me que o Charolês que pro-duzem é melhor que o da França. “O nosso, afirma, é mais pesado e mais rústico que o francês. E já estamos totalmen-te independentes em matéria de produção de sêmen”. Joga na bravata o peso de ser não só o presidente da associação local de criadores, como também o presidente da Associação Americana de Criadores de Gado Charolês. Para provar que não está contando vantagem, exibe as fotografias dos animais impressionantes, que adornam as paredes do seu escritório. Fotografias que, aos meus olhos de leigo no assunto, parecem realmente ser de bichos no mínimo tão catedralescos como as massas ambulantes de carne que me acostumei a ver pelos campos da Normandia ou do Anjou nos meus anos de exílio.

Além desses bois de filme argentino, alguns fazendeiros entraram no plantio da soja, que ondeia a perder de vista pe-las coxilhas suaves. No entanto, parece que poucos são os que

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realmente tiram proveito integral das suas terras. Os pastos de inverno — a aveia, por exemplo, que pode ser por duas vezes podada pelo gado e ainda dá uma colheita de cereais — são raros. O povoamento médio dos campos é de trinta ca-beças por cem hectares, ou seja, umas três vezes menos que o mínimo aceitável em uma exploração racional. A razão, mais uma vez, está no subdesenvolvimento. Essa doença ataca tan-to os peões sem terra como os senhores de sesmarias.

— A maior parte dos fazendeiros daqui, disse-me um co-merciante, são meros gigolôs de vacas. Ficam tomando uísque no bar do Grande Hotel ou jogando baralho no clube. Quando precisam de dinheiro, vendem duas ou três cabeças e pronto, têm com que viver mais um mês.

Esse tipo de exploração e de atitude é, evidentemente, um fator de despovoamento dos campos. Logo, para que te-nha êxito o plano de contenção do êxodo rural, através da criação de condições econômicas para que as famílias fiquem no interior, terá ele, forçosamente, que passar também pela reeducação dos grandes proprietários. Nesse campo, a Prefei-tura nada faz e nada pode fazer. Os recursos necessários são tão grandes que caem na esfera do governo federal, através da carteira agrícola do Banco do Brasil. E banco, mesmo oficial, age como banco: empresta dinheiro sobretudo a quem dele não precisa. Como esses empréstimos são a juros muito abai-xo da inflação, por vezes acabam por incentivar a ociosidade dos “gigolôs de vacas”. Tomam dinheiro emprestado a pre-texto, por exemplo, de reformar cercas. Não reformam nada, aplicam o dinheiro em cadernetas de poupança e continuam no bem-bom, sem serem incomodados por qualquer tipo de fiscalização.

Que remédio! Tudo no Brasil é difícil de consertar. Mas talvez, o que seja mais difícil é consertar a cabeça de uma das classes dominantes mais retrógradas do mundo, a última a acabar com a escravidão e assim mesmo de péssima vontade, guardando no fundo do seu subconsciente coletivo a saudade dos tempos das senzalas.

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Bem-estar social

Tudo o que, em uma administração clássica, não tem o seu lugar certo nos quadradinhos de um organograma, é lan-çado em Lages para a Secretaria de Saúde e de Bem-Estar Social. Isso faz com que os problemas caiam nas mãos de uma de duas pessoas: ou do dr. Celso Anderson de Sousa ou da irmã Maria Hilária Vailati. Celso é o vice-prefeito. Ginecologista, 51 anos de idade, bigodinho de paulista antigo, próspera clientela entre as senhoras da sociedade, antigamente era da UDN e apoiava a luta sempre inglória de Laerte Vieira con-tra os Ramos. Em princípio, é o que se teria podido chamar de paradigma das virtudes cívicas conservadoras, no tempo em que os conservadores brasileiros ainda não tinham meti-do a mão nos dinheiros públicos e possuíam virtudes cívicas. Um pouco no estilo de João Pinheiro que, como governador de Minas, fez a mudança da capital de Ouro Preto para Belo Horizonte e saiu do governo tão pobre que foi necessária uma subscrição pública para lhe oferecer uma casa onde morar. Celso não fuma, não bebe, participa das atividades da Igre-ja Evangélica, é pai de família exemplar. Em conseqüência, em uma reação muito comum nas pessoas desse estilo, achava que o Brasil deveria ser governado por uma elite, um grupo de homens parecidos com ele, que saberia dirigir o país ho-

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nestamente, escolhendo as linhas políticas que melhor promo-vessem o bem comum e protegessem os pobres. Por isso, era contra Juscelino, detestava o PSD e o PTB, achava que está-vamos entregues a uma corja de ladrões e de rastaqüeras.

“Há mais coisas entre o céu e a terra, meu caro Horácio, que imagina a tua vã filosofia.” Shakespeare tem sempre ra-zão, descobriu o dr. Celso. Quando os seus antigos companhei-ros da UDN aderiram ao PSD que toda a vida denunciaram, dentro do bojo recheado da “revolução”, ele ficou com nojo. Não era homem de se vender por um prato de lentilhas, de aderir a uma ditadura em troca de honrarias, empregos ou empréstimos. Formado o MDB, apoiou-o. Criada uma coliga-ção antioligárquica local, aderiu. Escolhido Dirceu Carneiro para candidato a prefeito, participou da chapa.

Sendo a tática política em Lages não deixar sem partici-pação quem pode contribuir, Celso foi nomeado para a Secreta-ria da Saúde, à qual agregou-se essa área indefinida do “bem-estar social”. Foi então que aconteceu, no contato com a massa e com os seus problemas, a sua revolução interior. Revolução interior de verdade é a substituição de um homem por outro, dentro da mesma pessoa, assim como revolução social verda-deira é a substituição, no poder, de uma classe social por outra.

Mesmo no Sul maravilha são tão gigantescos os proble-mas das camadas populares que plano de elite nenhuma dá certo. De cima para baixo, só se pode mesmo descer o cassete-te nas costas do povo. Com toda a sua tradição das conservas de legumes, apesar das suas casas muito mais salubres que as das megalópoles do Centro, a mortalidade infantil em Lages é de 150 por mil, quase o dobro da de São Paulo, apenas metade da do Recife. Médico há, mas não há dinheiro para comprar remédio. A maior parte da população trata-se com curandei-ros. É corrente jogar-se pó de café para estancar o sangue de feridas, secar o umbigo de recém-nascidos com bosta de vaca.

Pouco a pouco, o dr. Celso Anderson de Sousa foi largan-do os velhos preconceitos. Não é que se tenha transformado em um Robespierre das serras, pregando a guilhotina com o livrinho vermelho do Presidente Mao erguido na mão direita

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e a biblioteca tomada pelas obras completas de Marx, Engels e Lênin. Ao contrário. Até segue com um certo ar cético os debates teóricos dos jovens recém-saídos das universidades do Sul. Mas passou a acreditar, duro como pedra, na capacidade que o povo tem de inventar as saídas para os becos que a so-ciedade ergue nas suas vidas. Em outras palavras: integrou-se no espírito da equipe, temperando-a com o conhecimento que trouxe da banda de lá e com a prudência que os anos vão gerando.

A história da irmã Hilária é linear. Franciscana de uma ordem de Lages mesmo, formou-se como assistente social. Lida com os pobres e é uma excelente organizadora. Cabelo curto, olhos claros, fala mansa, vai em frente, criando clubes de mães, cursos de profissionalização, possibilidades de tra-balho para menores carentes, esse tipo de coisa. Leu e apren-deu com os franciscanos de Petrópolis, os irmãos Boff, Carlos Maister e o grupo da editora Vozes, mas não parece muito dada a indagações teológicas profundas. É mais da ação di-reta, dois-mais-dois-são-quatro e como-é-que-essa-idéia-fun-ciona-no-concreto. A Olinkraft, a maior indústria da região, já tentou comprar o seu passe com a oferta de um salário bem mais alto que o que ganha. Nem te ligo. Não está no mundo para atenuar os conflitos entre patrões e empregados, mas para tentar resolver as agruras dos pobres.

A terceira perna dessa secretaria faz-tudo é o Salvador Rogério de Oliveira, o tal que passa os fins de semana, com a mulher e os filhos, trabalhando no Mutirão da Habitação, do qual é o responsável. Só por isso já se percebe o tipo de pessoa que é. Missioneiro-missionário.

* * *

Saúde não é curar, saúde é prevenir. Essa regra, simples e antiga, é a determinante do esforço da Prefeitura. Não há dinheiro nem para curar: a assistência mais sofisticada é pres-tada no Pronto-socorro, edifício legado à cidade pelo italiano Bianchini, o carpinteiro que enriqueceu com as suas éguas e

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a sua charqueada. Muito menos há dinheiro para construir postos de saúde. Logo, uma grande parte das responsabili-dades é transferida para a própria população. As Associações de Bairro é que constroem os postos, quando decidem ser o atendimento médico a prioridade primeira da comunidade, o que acontece na maioria dos casos. A comunidade forne-ce também duas ou três voluntárias de saúde, por ela mesma selecionadas, que recebem um treinamento de três meses em atendimento de emergência, diagnóstico de doenças comuns e partos. A idéia é que mais de oitenta por cento dos problemas de saúde que surgem não precisam ser examinados por médi-cos. São casos de gripes, bronquites, vermes, feridas leves, etc. Podem muito bem ser solucionados por pessoal paramédico. E, de qualquer maneira, não é mesmo o médico que a popula-ção normalmente procura. Logo, é melhor conformar-se com os hábitos populares, melhorar o nível de conhecimento das voluntárias e das parteiras, do que fingir que o Brasil é a Su-écia, onde uma enfermeira diplomada sequer ousa dar uma injeção antes que um especialista vire o doente pelo avesso e passe a receita.

Basicamente, o esforço do setor saúde é no sentido de esclarecer a população sobre a necessidade de vacinar as crianças, de combater os vermes e outros parasitas — piolhos, sobretudo — e de adotar em casa determinadas normas de higiene. Em cooperação com as Associações de Bairro, promo-vem-se campanhas de construção de fossas sépticas — nesse sentido, o mutirão funciona para a construção das fossas das casas de pessoas idosas ou desprovidas de recursos —, de este-rilização da água usada para beber, e de controle das vacinas distribuídas a crianças de menos de cinco anos de idade. Há a idéia de se desenvolver um programa de diagnóstico precoce do câncer uterino, mas faltam recursos de laboratório para examinar as lâminas citológicas.

Um programa inovador, mas que também não pode ir muito longe por falta de recursos técnicos e de laboratório, é o da valorização da medicina tradicional. A tradição popular é de consulta a curandeiros e pessoas entendidas na flora me-

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dicinal. Há chás e poções para combater lombrigas, baixar a febre, tratar dos rins e do fígado, enfim, quase tudo menos espinhela caída, que só cura com benzedura, e mordida de co-bra, que tem de ser aberta a ponta de faca, na hora, e o sangue chupado com vontade.

Toda a farmacopéia moderna tem origem na química da natureza, coisa que tendemos a esquecer, bombardeados que somos pela propaganda constante dos laboratórios multina-cionais. Disso decorre ser cientificamente correto e cultural-mente adequado procurar-se isolar os ingredientes curativos da flora medicinal e avaliar o seu grau de eficácia. É o que pro-curam fazer por lá, mas ainda de forma incipiente, tratando o assunto com seriedade, valorizando os conhecimentos empíri-cos dos camponeses, indagando com respeito o que há de real nas suas receitas, para separar o real do mágico. No entanto, é evidente que um assunto dessa importância e dessa comple-xidade não pode ser enfrentado com os magros recursos mate-riais e humanos de uma prefeitura do interior, por melhor que seja administrada e por mais imaginação que tenham os seus administradores. A análise científica da flora medicinal e dos remédios caseiros deveria ser uma tarefa prioritária para o Mi-nistério da Saúde e para as grandes faculdades de Medicina e de Farmácia, caso houvesse um real propósito nacional de nos tornar mais independentes da máfia dos remédios e a intenção de prescrever a saúde de todo o nosso povo. Os chineses con-seguiram impor a cientificidade da sua medicina nativa aos ocidentais exatamente a partir de uma atitude assim, de ex-perimentação, de seriedade e de respeito. Hoje, a acupuntura é ensinada na Europa e nos Estados Unidos e ninguém mais discute a sua utilidade como método de anestesia e para o tra-tamento de certas doenças, Aliás, foi o que aconteceu com o curare dos nossos índios, com o quinino dos índios mexicanos e com o ópio dos turcos.

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A definição de saúde em Lages é tão ampla que pratica-

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mente obrigou ao acréscimo da expressão “bem-estar social” ao nome da Secretaria específica. Como combater os vermes das crianças, se a moradia é precária e não tem fossa? Como tomar medidas de prevenção, se as mães não têm um mínimo de conhecimentos de puericultura? Como impedir a prostitui-ção se não há um esforço de qualificação do trabalho feminino que permita a ampliação das oportunidades de emprego? En-fim, ocorreu aos membros da equipe uma série de indagações sobre as causas dos problemas de saúde, que acabaram por jogá-los em campos que, aparentemente, nada tinham a ver com a especificidade da formação de cada um. Com isso, as atribuições da Secretaria foram multiplicadas e o seu organo-grama é surpreendente para quem vem de fora.

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A rede de atendimento médico propriamente dita é com-posta pelos postos de saúde, geridos pelas Associações de Bairro. A participação da municipalidade se resume a for-necer plantões médicos, duas ou três vezes por semana, e a treinar as voluntárias. Vai a palavra no feminino, porque a maior parte das pessoas que se apresentam para esse serviço são mulheres, jovens em sua maioria, mas também senhoras que anteriormente prestavam, sem maiores conhecimentos teóricos, serviços de parteira. Apesar do esforço de nucleação da população, ainda existem muitos lugares no município sem qualquer espécie de recursos médicos. O posto de saúde é sempre a reclamação principal da população quando é essa a sua realidade. No interior mais longínquo, essa reivindica-ção pode tornar-se dramática, de vez que a precariedade das estradas muitas vezes torna difícil ou impossível o acesso das ambulâncias na temporada das chuvas.

Vem, em seguida, o atendimento às necessidades habita-cionais. Em 1976, uma pesquisa calculou em mais de oito mil unidades a carência de moradias decentes em Lages. Desde então, a COHAB terminou o seu conjunto e o Mutirão da Ha-bitação desenvolveu-se. Apesar do crescimento da cidade, é

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provável que, mesmo em números absolutos, as necessidades estejam reduzidas. Em todo caso, a ação da Prefeitura limita-se aos mutirões, tanto o grande, do Projeto Lageano de Ha-bitação, como os mutirões de bairro, destinados a melhorar casas já existentes ou a erguer casas novas em terrenos com-prados a loteadores. Ambas as atividades são supervisionadas pelo departamento do Rogério de Oliveira.

A parte educacional do setor de bem-estar social é diri-gida pela irmã Hilária e por sua principal auxiliar, Santalina Felipe. Desenvolve-se em dois planos: um clássico, tal como ensinado nas escolas de assistentes sociais, e outro um tanto inortodoxo. O modelo clássico inclui os cursos de corte e cos-tura, de puericultura, de culinária, etc., patrocinados pelos clubes de mães que existem nos conjuntos habitacionais e nos bairros pobres. Há, é claro, algumas inovações que seguem o espírito geral da equipe de governo, como a tentativa de se in-ventarem receitas que permitam às donas-de-casa aproveitar na refeição seguinte os restos da refeição anterior. No entanto, a imaginação criadora não chegou ainda ao nível da culinária de emergência cubana dos tempos da grande escassez de ali-mentos, quando se fazia torresmo sem carne de porco, ou se tornava palatável ao gosto latino uma presuntada cheia de orégano chamada” carne russa”.

Uma outra faceta da assistência social clássica é o traba-lho que se desenvolve com menores abandonados ou de famí-lias carentes. Há projetos para meninos engraxates, jardinei-ros, jornaleiros, um pouco na linha do trabalho desenvolvido por Dona Darcy Vargas, na década dos quarenta, através da Casa do Pequeno Jornaleiro. Os meninos recebem uniformes, estudam uma parte do dia e trabalham o resto do tempo, sob a proteção da municipalidade, que lhes dá uma carteirinha de habilitação.

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A parte inortodoxa da pedagogia da equipe da irmã Hi-lána é inortodoxa sobretudo na abordagem educacional e no

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emprego das palavras. Há, por exemplo, cursos de “zeladoras do lar”. Perguntei o significado de “zeladora”, desconfiado de que era uma maneira de camuflar o trabalho que as mulheres sempre fizeram para alimentar os maridos e os filhos e manter em ordem as suas casas. Nada disso. É uma espécie de curso técnico para empregadas domésticas.

— No princípio, conta irmã Hilária, anunciamos cursos para empregadas domésticas. A expressão está tão desmorali-zada, o conceito de empregada é tão baixo, o tratamento que normalmente recebem é tão desrespeitoso, que só nos apare-ceram três candidatas. E isso quando o desemprego é grande em Lages e, como em toda parte, atinge mais as mulheres que os homens. Mudamos o nome e o quadro de candidatas para o primeiro curso ficou logo completo.

Na Europa e nos Estados Unidos há muito tempo que se reconhece a especificidade técnica do trabalho doméstico. As jovens sociólogas, psicólogas e filósofas brasileiras que se exilaram em Paris aprenderam isso na própria pele. Impossi-bilitadas de conseguirem trabalho na sua área intelectual es-pecífica, foram muitas vezes obrigada a aceitar os mais baixos salários domésticos — os que são pagos a baby-sitters e faxi-neiras — porque não tinham qualificações nessa área. Já al-gumas cozinheiras, importadas por diplomatas e tecnocratas das empresas estatais, em pouco tempo mandavam às favas os salários que lhes eram pagos pelos seus patrões brasileiros, exigiam carteira assinada, seguro de saúde, horário fixo e sa-lários franceses. Uma delas, minha amiga, carioca de Oswaldo Cruz, fez cursos de cordon bleu, estágios em restaurantes sofis-ticados e hoje ganha mais que o Celso Furtado, que é profes-sor catedrático da Sorbonne.

Caso as “zeladoras” de Lages recebam, realmente, os en-sinamentos que constam do currículo do seu curso, quem sabe o município não se tornará um exportador de serviços domés-ticos qualificados, ajudando a mudar a mentalidade escravo-crata com que se tratam as empregadas no Brasil? Aliás, até vale a pena transcrever esse currículo, que parece organizado pela Escola Superior de Guerra:

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8. PROGRAMAÇÃO DAS ATIVIDADES

UNIDADE I — CUIDADO COM A COZINHASubunidade I — Limpeza da cozinha e área de serviço a) limpeza de utensílios; cuidado com os diferentes tipos b) limpeza das superfícies de trabalho e pias c) limpeza do fogão d) limpeza de armários e) limpeza de piso f) limpeza da área de serviçoSubunidade II — Uso de equipamentos a)liqüidificador b) batedeira c) geladeira

UNIDADE II — ORGANIZAÇÃO E LIMPEZA DE SALAS, QUARTOS E BANHEIROS

Subunidade I — Limpeza e conservação a) de vidros b) de móveis c) de paredes e pisos d) de lustres e metais e) de tapetesSubunidade II — Uso de equipamentos a) enceradeira b) aspirador de pó

UNIDADE III — LIMPEZA DE ROUPASubunidade I — Lavagem dos diferentes tipos de tecidoSubunidade II — Passagem dos diferentes tipos de tecidoSubunidade III — Uso de equipamentosa) ferro elétrico b) máquina de lavar roupa

UNIDADE IV — ATENDIMENTO A CRIANÇA Subunidade I — Fases do crescimento Subunidade II — Cuidados com o recém-nascido Subunidade III — Alimentação natural e artificial Subunidade IV — Higiene da criança

UNIDADE V — NOÇÕES BÁSICAS DE DECORAÇÃOSubunidade I — Uso da corSubunidade II — Equilíbrio e proporção — colocação de móveis em

relação às paredesSubunidade III — Uso de flores na decoração

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UNIDADE VI — ETIQUETA, BOAS MANEIRAS Subunidade I — Maneira correta de receber Subunidade II — Como servir na sala Subunidade III — Etiqueta à mesa Subunidade IV — Tipos de serviço visitas

UNIDADE VII — ALIMENTAÇÃOSubunidade I — Órgãos da digestão (ap. digestivo) a) boca b) esôfago c) estômago d) fígado e) pâncreas f) intestinos

UNIDADE VIII — ALIMENTOSSubunidade I — Higiene e conservação dos alimentos a) seleção e compra b) higiene e cuidados no armazenamentoSubunidade II — Tipos de alimentos a) energéticos — hidratos de carbono — gorduras b) plásticos — proteínas c) reguladores — vitaminas — sais minerais — águaSubunidade III — Alimentação dos diferentes períodos de vida a) alimentação do recém-nascido b) alimentação do adolescente c) alimentação do adulto d) alimentação do velho e) alimentação da gestante f) alimentação da nutriz

UNIDADE IX — ARTE CULINÁRIASubunidade I — Uso de receitas

UNIDADE X — CONHECIMENTOS GERAISSubunidade I — Relações humanasSubunidade II — Apresentação pessoal, higiene, uso adequado da roupa Subunidade lII — Expressão oralSubunidade IV — Segurança no trabalho Primeiros socorrosSubunidade V — Cuidados com materiais combustíveisSubunidade VI — Constituição legal. da família Casamento,registrodosfilhos(obtençãodecertidões)Subunidade VII — Pagamento de impostos, direito de voto, serviço militar

e de júri

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Subunidade VIII — Obtenção de documentos: carteira profissional, etc. Subunidade IX — Legislação trabalhistaSubunidade X — Esclarecimentos sobre a Constituição brasileira

9. ENTIDADES RESPONSÁVEIS9. 1. Executora e coordenadora — Departamento de Saúde e Assistência Social — DSA — , através da

Divisão de Serviço Social — DSS 9.2. Convenentes — PML, DSA

10. FORMAS DE EXECUÇÃO10. 1 . Recursos necessários10. 1 . 1. Recursos humanos 1 médico 1 assistente social 1 psicólogo 1 enfermeira — colaboradores voluntários 10.1 . 2. Materiais 1 salaparaasreuniõesquadro-negro flanelógrafo recursos audiovisuais10 . 1 .3. Financeiros Pela natureza do projeto e pelos recursos disponíveis é dispensável

uma previsão orçamentária.

11. CONTROLE E AVALIAÇÃOOs meios a serem utilizados no sistema de avaliação obedecerão aos seguintes critérios:— contatos com os empregadores;—reuniõescomasZeladorasdoLar;—relatóriosdasreuniões;— encontros conjuntos para debates.

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Há projetos semelhantes em outros campos, como, por exemplo, para a preparação de babás, de atendentes de enfer-magem, de fabricantes de brinquedos e por aí afora. De vez em quando, como sempre acontece aos abridores de picadas, aparece um obstáculo surpreendente. O projeto de criação de uma lavanderia comunitária em um bairro pobre, onde as

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mulheres lavam a sua roupa no rio poluído, falhou porque não foi possível fazer a ligação da água da rede urbana. Os cur-sos de culinária tiveram de ser reformulados porque estavam criando necessidades novas de consumismo, incentivando a compra de liqüidificadores e outros eletrodomésticos. Em lu-gar nenhum foi ainda possível criarem-se creches para as mães que trabalham, por falta de verbas para a contratação de pes-soal. O trabalho de recuperação de prostitutas, que tanto o dr. Celso como a irmã Hilária consideram de alta prioridade, não pôde ser iniciado por não terem ainda imaginado uma al-ternativa econômica para as mulheres, que lhes garanta uma renda fixa equivalente a, pelo menos, um terço do que ganham mercadejando os seus corpos.

Esses projetos, como os demais que a equipe de Lages procura desenvolver, não representam um caminho definitivo para a superação do subdesenvolvimento, quer do município, quer de Santa Catarina — e muito menos do Brasil. Os pro-blemas que enfrentam a nível local, e que enfrentamos todos a nível nacional, são estruturais. São as estruturas da depen-dência econômica e tecnológica e o tipo de mecanismo de con-centração de riquezas, que socialmente acarretam à maioria da população o impedimento do acesso a uma vida decente. A sua solução requererá modificações profundas nas relações de produção, nas relações sociais e, sobretudo, na supra-estrutu-ra política. O governo brasileiro funciona atualmente quase que em benefício exclusivo de 120 mil super-ricos e das em-presas estrangeiras a que se associaram. No entanto, essas ini-ciativas representam passos concretos que, embora pequenos e imperfeitos, apontam um caminho e podem ter um efeito multiplicador. Silveira Sampaio, médico e teatrólogo que foi o melhor comentarista político que já passou pela televisão, costumava dizer:

— Na Amazônia, o feudalismo é um progresso. O que existe lá é trabalho escravo.

No Brasil de hoje, onde todos os poderes estão concen-trados nas mãos da União e onde os 0,1 por cento mais ricos da população têm uma participação na renda nacional supe-

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rior à dos 60 milhões de brasileiros mais pobres, a aplicação das leis esquecidas que favorecem os enjeitados pelo “milagre econômico” é um progresso. A democracia participativa, vi-vida a nível municipal, é um progresso também, talvez decisi-vo. Quem sabe se o treinamento democrático ao nível político mais próximo da vida de cada um não conseguiria realizar a magia do nascimento que, como diz João Cabral de Melo Neto, “é belo porque corrompe com sangue novo a anemia”?

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A gente dá um sopro

Nem só de pão vive o homem. A geração de riquezas, o sucesso na busca de alternativas econômicas, não são, em si mesmas, a razão da vida — nem das pessoas, nem de uma coletividade. Assumir o seu lugar no mundo, criar e discutir livremente as suas idéias, não se sentir inferior diante de va-lores estranhos, quer dos que têm um nível de conhecimento mais elevado, no mesmo espaço geográfico, quer dos que em outras terras criaram modelos diferentes, é igualmente parte essencial do processo de desenvolvimento. O orgulho pelo seu próprio ego coletivo é uma das características e uma das forças essenciais dos movimentos de libertação dos povos coloniza-dos. O ímã Khomeini não é um líder político. Muito menos um chefe administrativo. É a personificação da cultura repri-mida do seu povo muçulmano. Sem esse componente cultu-ral, a revolução iraniana teria desabado no caos econômico em três meses. Samora Machel, quando interrompe os seus longos discursos pedagógicos para cantar e dançar, está expressando a exuberância dos povos de Moçambique e, ao mesmo tem-po, ensinando que as coisas sérias não precisam ser ditas em linguagem complicada, por homens com cara de sexta-feira santa. Mais do que a identificação da população com Fidel, mais do que a sensação permanente de serem o David que luta

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contra o Golias norte-americano, o que cimenta a revolução cubana é o orgulho que sentem pela sua terra e que, não sendo de hoje, porque vem das guerras contra os espanhóis do século XIX e é cantado nos versos de José Marti, reforçou-se com a revolução. Cubano é como a família Pessoa, da Paraíba. Só quem pode falar mal de Pessoa é Pessoa mesmo. Em Cuba, só quem se tolera que fale mal de Cuba é cubano mesmo, nato, com medalha de combate e dez safras de cana nas costas.

O objetivo da ação dos rapazes e moças da Secretaria da Cultura de Lages é precisamente esse: fazer com que renasçam os valores locais, valorizar as tradições do povo, fazer com que até os mais humildes compreendam que cultura é tudo o que o cérebro e a mão do homem produzem, e não apenas a erudição dos letrados da classe dominante. É, também, utilizar os mé-todos da expressão cultural para promover o desenvolvimento, quer isso signifique a abertura de novas possibilidades de tra-balho material, quer queira dizer aprender noções de higiene ou de medicina preventiva. Neste sentido, o projeto pretende ser uma espécie de fole da libertação, pessoal ou coletiva, da população. Libertação, no sentido de que a liberdade se encon-tra na naturalidade com que cada um assume as suas relações sociais, dentro e fora do processo de produção, de cabeça er-guida. Libertação, também, através da descoberta da criativi-dade de cada um, seja no teatro, seja nas artes plásticas, seja no exercício de um ofício. Finalmente, libertação através da aquisição e da transformação de conhecimentos novos.

O chefe da equipe de cultura chama-se Antônio Muna-rim, tem 27 anos de idade, nasceu no município vizinho de Bom Retiro e formou-se pela Faculdade de Ciências Sociais de Lages. A sua experiência de vida é, portanto, limitada à região serrana de Santa Catarina, o que não o impede de ser o mais eclético e cosmopolita dos membros da administração Dirceu Carneiro. A sua Secretaria tem apenas cinco funcioná-rios que, pelo movimento que fazem, parecem um exército. É verdade que têm tido sorte. A sorte, por exemplo, de terem podido contar, durante um curto e decisivo período, com a colaboração de um organizador de teatros de bonecos, Fer-

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nando Fierro, argentino que morreu de câncer aos 32 anos, responsável pela criação do teatro Gralha Azul. Sorte, tam-bém, de terem explorado o filão da cultura interiorana e de contarem com o apoio de gente voltada para o campo, para desenvolvê-lo. Mas a verdade é que o acaso ajuda a quem o cria. Nos dezesseis anos de ditadura militar passaram vários titulares pelo Ministério da Educação. Nenhum foi capaz de ter um Carlos Drummond de Andrade como chefe de gabi-nete, de criar as oportunidades de realização para um Oscar Niemeyer, um Cândido Portinari ou um Villa-Lobos. Gustavo Capanema, que foi ministro do Estado Novo de Vargas, con-seguiu tudo isso. Era inteligente.

A linha mestra do pessoal da Secretaria da Cultura é uma cega confiança na capacidade do povo organizado de fazer as coisas.

— À medida que as pessoas se libertam, criam muito, diz Munarim. A gente dá um sopro e elas explodem.

— O povo tem sempre a verdade, repete Sônia, a sua principal auxiliar.

Munarim ponteia:— É incrível ver como as pessoas se soltam, como co-

meçam a falar depois que vêem que há quem se interesse por aquilo que antes achavam que não tinha valor. Antes de fa-zermos exposições das gamelas de pau que se fabricam no in-terior, as pessoas escondiam que tinham comido em gamela. Depois, ficaram orgulhosas. E olha que nós começamos pelo duro, sem saber grande coisa, apenas acreditando que o povo era capaz de fazer a sua própria cultura.

* * *

A atividade mais mobilizadora da Secretaria da Cultura são as “Mostras do Campo”, uma espécie de grande feira-fes-ta que se realiza uma vez por ano em cada um dos distritos do município. A origem da iniciativa foi a necessidade de se incorporarem os pais dos alunos das escolas do interior ao tra-balho que os filhos realizavam, tanto nas hortinhas como nas

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salas de aula. As professoras começaram a pedir a assessoria dos adultos sobre como melhor cultivar um terreno, como pre-parar os legumes. Verificaram depressa que havia um grande potencial de artesanato, que se arriscava a perder por falta de continuidade no ensino das suas técnicas e, evidentemente, pela concorrência dos objetos industrializados com os fabri-cados localmente. Começaram a chamar os artesãos para as escolas, ainda que nenhum parentesco tivessem com as crian-ças. Deu certo. Não só as crianças mostraram-se interessa-díssimas em aprender a fazer cestos ou laços de couro, como também os adultos se sentiram reconfortados pela sensação de serem úteis. Gratificados, como hoje se diz nessa língua mes-clada de inglês que os intelectuais da cidade passaram a usar. A experiência chamou a atenção de Munarim, que trabalhava então na Secretaria da Educação. O seu lema, constantemen-te repetido no correr das conversas, é “onde é possível formar um grupo organizado, nós devemos formá-lo. Ainda que de-pois ele se volte contra a Prefeitura”. Trataram de segui-lo e de se organizar.

A Mostra do Campo teve sucesso instantâneo. É que cor-respondia, mais uma vez, à experiência histórica dá popula-ção. No tempo em que os lageanos eram ladrões de cincerros de mulas madrinhas, Lages devia ser uma gigantesca “mostra do campo”, com a sua população vivendo do que pudesse ven-der aos tropeiros de passagem. As festas gaúchas, com chur-rasco, sanfona e danças, são parte tão viva e integrante da vida local como o carnaval é parte da vida dos cariocas.

A estrutura da Mostra do Campo é simples — um arraial de São João melhorado. Começa pelo desfile dos cavaleiros, vestidos com as suas bombachas, botas sanfonadas, chapéus de abas largas, lenço no pescoço, grossos cintos decorados. O desfile não adquire um ar de fantasia porque esse é o tipo de roupa que os homens usam normalmente. A única intromissão do insólito está nas lanças, que arvoram em memória das lu-tas contra o castelhano e das guerras farroupilhas. Segue-se o passear das “prendas”, ou seja, das moças e mulheres vestidas à moda do século passado, com longas saias estampadas. Há

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música, dança e churrasco, como não poderia deixar de ser. Mas há, sobretudo, exposições do artesanato local, com prê-mios e comercialização, e venda de alimentos. Claro está que se aproveita a oportunidade para promover as idéias da Secre-taria da Agricultura. Há concursos para premiar os maiores peixes, os melhores exemplares de coelhos e de porcos. Ainda não chegaram a fazer corridas de rãs, como as do Mississipi antigo, mas provavelmente é porque ninguém deu a idéia.

Munarim explica que o importante da Mostra do Campo não é propriamente o dia da festa. É o antes e o depois. Antes, porque a sua preparação obriga a muitas reuniões, discussão e decisões organizativas. Quem vai ser responsável pelo quê, onde vão erguer as barracas, como vão obter o material para construí-las, o que se vai ou não vai expor ou oferecer à venda. O depois é o comentário sobre os prêmios, a crítica às falhas organizativas, as lições a serem retidas para que a próxima mostra seja melhor.

— Para você ter uma idéia de como a discussão da Mos-tra mobiliza as pessoas, já conseguimos reunir a maioria das mulheres de um lugarejo na hora da novela das oito, conta Munarim.

Resultados práticos já surgiram. Em um lugarzinho cha-mado Campinas, no distrito de Bocaina do Sul, um grupo de 52 jovens agricultores resolveu parar de vender o seu vime in natura para as indústrias de móveis de Caxias do Sul e passou a fabricar cestos, balaios, cadeiras e baús, que lhes rendem muito mais. As manifestações culturais também se dinamiza-ram. Há lugares que já promovem várias festas por ano, além do seu dia de mostra, festas organizadas, sem a assistência da Prefeitura, pelos próprios grupos que lá se criaram. Nes-sas festas apresentam o teatrinho local, chamam os melhores contadores de “causos” e os “trovadores”, nome que lá se dá ao que no Brasil menos renascentista costuma-se chamar de “cantadores”. Lá como cá, muitos desses poetas populares, capazes de improvisar as rimas mais inesperadas e de dar à língua um viço reluzente, são analfabetos. Sônia descobriu por acaso que o melhor deles, o “seu” Bruno era analfabeto.

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Pediu-lhe uma trova para abrir uma Mostra do Campo e Bruno reivindicou uma semana de prazo para apresentar o trabalho por escrito. Mas acrescentou:

— Se quiser só cantado, canto agora mesmo.O prazo era para arranjar alguém que passasse para o

papel as palavras que tinha na cabeça.

* * *

O teatro de bonecos Gralha Azul foi vítima do seu pró-prio sucesso. Ganhou fama, foi convidado para se apresentar em outros Estados, acabou indo fazer uma tournée na Euro-pa. Só três dos seus seis componentes voltaram para Lages. Êxodo cultural. Está hoje em fase de reconstrução, mas ainda privado do seu espetáculo-chave, E a gralha falou, que denun-cia o desmatamento da região.

O sucesso artístico do grupo deveu-se a ter buscado um repertório nas velhas tradições lageanas e nos “causos” reco-lhidos no interior, onde é ainda forte a tradição da literatu-ra oral, comum a todos os povos onde são altos os índices de analfabetismo. Há, perto de Mirandela, em Trás-os-Montes, uma aldeia onde os papéis do auto da Paixão, representa-do durante a Semana Santa, passam há várias gerações aos membros de cada família. Há a família da Madalena, a de Jesus, a da Virgem — e quase todas são analfabetas. Na fei-ra permanente que é a praça principal de Marraquesh, no Marrocos, os narradores berberes têm tanto sucesso como os acrobatas, os cortadores de calos ou os arrancadores de den-tes. O cantador do Nordeste, com os seus a-bê-cês, está na linhagem direta dessa tradição, e se ela permanece viva em Bocaina do Sul ou Santa Terezinha do Salto, em Lages, é que o Sul-maravilha, se raspado um pouco, não é tão maravilhoso assim. É só um pedaço subdesenvolvido do Brasil que avan-çou mais depressa.

O valor político-organizativo maior do teatro de bonecos nada tem a ver com os aplausos que possa recolher nos outros Estados ou no Exterior. Segundo Antônio Munarim, ele está

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no fato de se ter transformado, desde o início, “em um instru-mento de mentalização das propostas da Prefeitura”. Neste sentido, faz-se presente nos Núcleos Agrícolas, nas Associa-ções de Bairro e, sobretudo, nas escolas. Peças curtas divul-gam as vantagens de uma fossa séptica, da plantação de uma horta ou da criação de coelhos. Uma das mais representadas foi encomendada pelo pessoal de saúde, que tinha dificuldades em convencer as crianças a bochecharem com flúor. O flúor tem um gosto ruim, as crianças cuspiam logo a solução que lhes davam. O Gralha Azul montou um espetáculo tendo por vilão o boneco Cárie e o herói Flúor passou a ser muito melhor recebido.

* * *

Lages tem algumas faculdades, pertencentes ao Estado, e uma escola de Veterinária. Há vários colégios secundários, sen-do que o dos Franciscanos possui um auditório de mil lugares, moderno, com equipamentos de som e de projeção. Foi nele que, para escândalo dos frades e delírio dos jovens, o elenco da Ópera do Malandro ofereceu ao Mutirão da Habitação um espetáculo que resultou na coleta de fundos suficientes para construir 16,6 casas. Há alguns cinemas, com filmes geralmen-te ruins. A vida cultural clássica é bastante limitada, apesar de manterem todos contatos constantes com centros maiores, especialmente com Curitiba e Porto Alegre. Para dinamizá-la, a Secretaria da Cultura desenvolve dois tipos de programas urbanos: uns, destinados a mobilizar o potencial criativo local, como as exposições de artes plásticas no quiosque do calçadão da praça principal ou os concursos literários; outros, destina-dos a ampliar a informação cultural da cidade, importando conferencistas e, sobretudo, filmes. Faz isso com muitas difi-culdades, dada a precariedade da circulação de dados culturais pelo interior do país, a tendência dos nossos professores e in-telectuais a desdenhar os centros menores e, evidentemente, à falta de dinheiro. Mas vai fazendo, o que é o principal.

* * *

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A gente dá um sopro e eles explodem. É isso mesmo. Quando se reúnem as condições políticas que permitem a li-vre expressão da criatividade popular, ela sempre surpreende os olhos incrédulos dos universitários, dos elitistas, dos que acreditam que “cultura” é uma elaboração exclusivamente ao alcance dos eruditos saídos da classe dominante. A liberdade faz nascer os hinos de guerra como a Marselhesa, os fantásti-cos murais políticos das paredes de Santiago do Chile ou de Lisboa, mas faz também brotarem as manifestações de cria-tividade mais humilde, que sempre existiram, mas sempre ti-veram vergonha de se mostrar à luz do dia, como os ponchos tecidos em lã grossa e as gamelas de madeira de Lages. Por ve-zes, as duas coisas se combinam. Em maio de 1974, dias após a derrubada do fascismo em Portugal, comprei no Alentejo a alegria de um oleiro: um lindo prato, ornado com o tradicional galo português. Do bico aberto, saía a palavra “Liberdade”. Vivi lá mais cinco anos. Voltei dezenas de vezes a Reguengos e a Redondo, onde se faz esse tipo de cerâmica. Nunca mais encontrei um galo cantando a liberdade.

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A economia

As prefeituras do Brasil estão falidas. A arrecadação da do Rio de Janeiro não é suficiente nem para pagar a sua folha de funcionários. A soma dos orçamentos dos quase quatro mil municípios do país foi, em 1980, de cerca de 120 bilhões de cruzeiros. A soma dos recursos do governo federal, incluin-do as empresas estatais, beirava os dez trilhões. Nos últimos anos, a participação das prefeituras na divisão dos impostos arrecadados não diminuiu proporcionalmente ao que era du-rante os governos Vargas ou Kubitschek — conservou-se uma das mais baixas do mundo. Mas, em compensação, os recursos orçamentários da União são apenas uma pequenina parcela do dinheiro de que pode dispor, enquanto as prefeituras não têm outras fontes de recursos. Além do mais, diminuiu ex-traordinariamente o poder municipal de arrecadação direta. O imposto territorial rural, por exemplo, foi passado para a alçada da União, a pretexto de se fazer a reforma agrária. O argumento usado era a ligação entre os prefeitos e os grandes latifundiários, que usavam da sua influência para não pagar impostos. Hoje, os maiores latifundiários do país, como a Jari e a Volkswagen, continuam a não pagar impostos — têm in-fluência na área federal —, a reforma agrária não se fez e as prefeituras ficaram mais indefesas do ponto de vista fiscal.

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O maior volume de recursos municipais é atualmente “repassa-do”, ou seja, é cobrado pelo Estado ou pela União e posterior-mente entregue às prefeituras. O sistema cria dependências e pode ser um tremendo instrumento de pressão política. Talvez seja ele uma das mais fortes razões para a adesão da maioria dos prefeitos brasileiros ao partido do governo. O de Barreiri-nhas, no Amazonas, lugar onde há vinte e nove anos não há um médico, explicou o caso ao seu munícipe Thiago de Melo, poeta oceânico hoje ancorado na barranca do seu rio natal:

— Seu Thiago, se a gente votando no governo a coisa está ruim desse jeito, imagine só como não estaria se a gente votasse contra.

Em Lages, as coisas não estão tão más quanto no Rio ou em Barreirinhas, mas tendem a piorar. A maioria das merca-dorias que a Prefeitura é obrigada a comprar subiu, no último ano, uma média de 120%. O cimento subiu mais de 200%, o petróleo idem. Enquanto isso, as previsões otimistas calculam em 80% o aumento da arrecadação, as pessimistas vão a 60%. Para fazer face à situação, além das tentativas de se encon-trarem substitutos para o petróleo, tomaram-se em Lages al-gumas iniciativas de organização burocrática, que se revelam eficientes, e uma opção de política econômica que ainda não teve tempo de dar os seus frutos.

As medidas burocráticas principais foram: 1) Atualizar o cadastro municipal, tanto da cidade como

dos distritos. Com isso, o número de propriedades registradas, sobre as quais é possível cobrar-se imposto, passou de 38 para 56 mil. O cadastro foi feito com os próprios funcionários da Prefeitura, dois dos quais passaram vários meses no Rio de Janeiro, em um curso de aperfeiçoamento no IBAM, Instituto Brasileiro de Administração Municipal.

2) Elaborar e fazer aprovar, pela Câmara dos Vereadores, um novo código tributário. Publico-o em anexo, dada a sua importância e a contribuição que pode dar a outras adminis-trações municipais. Essencialmente, esse código permite uma atualização da cobrança do imposto predial e territorial urba-no, IPTU, segundo o valor real dos imóveis. Alguns prédios

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do centro da cidade, mais valorizados, terão os seus tributos aumentados em 500%, e 18,07% do total de imóveis sofre-rá um reajustamento de mais de 200 %. No entanto, muitas casas de bairros pobres pagarão menos do que antes e 22 % do total pagarão um aumento de apenas 38 %, consideravel-mente menor que a taxa da inflação. Apesar disso, a receita aumentará.

3) Estabelecer um rigoroso controle sobre as despesas das diversas secretarias — todas têm uma quota máxima de consumo de petróleo, vigiada inflexivelmente pelo secretário de Compras — e, ao mesmo tempo, agilizar os pagamentos, de forma a permitir que a Prefeitura se beneficie de reduções de preços e de prazos financiados pelos fornecedores.

A iniciativa que ainda não teve tempo de amadurecer é a política de estímulo à criação de cooperativas, não só de produtores agrícolas, como também de pequenos comercian-tes da cidade. Quanto ao campo, é provável que os resultados sejam apenas uma questão de tempo. Afinal, Lages é relati-vamente perto de Ijuí, onde há a maior cooperativa agrícola do Brasil — maior, asseguram, que a de Cotia —, e a Cotrijuí dispõe-se a dar apoio técnico aos vizinhos. A cooperativiza-ção dos comerciantes é mais duvidosa. Difícil achar um grupo social mais individualista que o dos donos de armazéns e de pequenas lojas. No entanto, talvez sejam empurrados para a colaboração através da necessidade de sobrevivência econô-mica. Hoje em dia, muitos armazéns dos bairros estão sendo obrigados a comprar dos atacadistas mantimentos a preços mais caros que os de venda ao-público nos supermercados. A única razão pela qual ainda conservam alguma freguesia é que vendem fiado, abrindo contas que são cobradas no fim do mês, quando os salários são pagos. Acontece que esse sistema de crédito onera ainda mais os quitandeiros, tornando impro-vável a subsistência do pequeno comércio, a não ser que con-siga organizar-se o bastante para comprar quantidades sufi-cientemente grandes que permitam exigir uma rebaixa dos preços dos vendedores. Ou, o que seria melhor, para comprar diretamente dos produtores locais.

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A ligação produtor local-pequeno comerciante seria, se-gundo a equipe, uma solução ideal, porque ambos são explo-rados pelo sistema de concentração de riquezas desenvolvido no país. O exemplo que dão, e que pode ser repetido infinita-mente: no momento da última safra de feijão, o produto esta-va tabelado a Cr$ 22,70 por quilo, ou seja, a Cr$ 1.360,00 por saca. Os produtores que venderam cedo a sua colheita tiveram de aceitar o preço mínimo garantido pelo Banco do Brasil, que era de Cr$ 900,00 por saca. Os que tiveram resistência para esperar um pouco mais venderam a Cr$ 1.200,00. Dois meses mais tarde, os intermediários, que tinham levantado no próprio Banco do Brasil empréstimos para armazenagem e, em conseqüência, puderam provocar uma escassez do pro-duto, viram os preços subir a Cr$ 45,00 por quilo, ou seja, a Cr$ 2.700,00 por saca. Se esperassem mais sessenta dias — como os intermediários realmente poderosos puderam fazer — veriam os preços subir a mais de Cr$ 70,00 por quilo.

O que aconteceu com o feijão este ano, aconteceu no ano passado e retrasado com a soja. O governo sempre espera que a safra fique em mãos dos atravessadores — sobretudo as mul-tinacionais, no caso da soja — para liberar os preços. Talvez seja isso que considere ser a “prioridade para a agricultura”.

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A questão política

Os franceses usam, para a cozinha política parlamentar e partidária, uma expressão absolutamente intraduzível: poli-tique politicienne. Tem um sentido pejorativo, de menosprezo, mas não tanto como seria a expressão “política-politicalha”.

Em todo caso, o conceito serve para definir as manobras e negociações entre partidos e, no interior dos partidos, entre grupos, com o objetivo de negociar questões de posição pesso-al ou coletiva dentro do esquema de poder. Opõe-se ao concei-to de política-política, ou de política com pê maiúsculo, que definiria o debate sobre as medidas que realmente importam para o conjunto da sociedade e o futuro do país.

Seria de se esperar que uma administração que mexe tanto com as estruturas de uma cidade como a da equipe Dirceu Carneiro provocasse, por parte da velha oligarquia e das classes dominantes, uma oposição ferrenha. Ao fim e ao cabo, como diria o Almino Afonso, a experiência de democra-cia participativa que executam significa a ascensão do povo ao processo de decisões da municipalidade. Em conseqüência, reduz enormemente a possibilidade de manipulação, de desin-formação, de compra de votos através de promessas de favores ou, simplesmente, de dinheiro, os instrumentos classicamente usados pelos donos do poder para obter vitórias eleitorais. É

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verdade que a experiência não coloca em discussão o modo de produção capitalista, nem a nível local, nem a nível nacional, e é realizada em um momento de crise econômica no muni-cípio. A crise sempre favorece a abertura dos conservadores mais lúcidos a experiências novas. Mudar para conservar é o lema do Partido Conservador inglês. Traduz a esperança das classes dominantes em reformas que, se lhes levam alguns anéis, deixam os dedos intactos. Acontece que os conserva-dores britânicos, como os norte-americanos que apoiaram o governo de Roosevelt durante a crise dos anos trinta, têm uma perspectiva histórica que geralmente falta aos seus correligio-nários brasileiros. Afinal, fazem parte de um bloco de classes que realizaram revoluções industriais independentes e, a par-tir delas, saíram para a conquista de outras terras, de onde ex-traíram um excedente econômico suficiente para conciliarem a permanência do seu poder com a melhoria das condições de vida dos trabalhadores. No Brasil, a coisa é diferente: a burguesia que aqui vive não é nacional. É, simplesmente, bur-guesia. Trata a força de trabalho da qual extrai a sua riqueza da mesma forma como os portugueses trataram o pau-brasil e como hoje se trata a floresta amazônica: cortando, queiman-do, depredando. Daí a surpresa que tive ao verificar a ausên-cia de reações mais duras por parte das classes dominantes de Lages à atuação do prefeito

Uma única vez afloraram, com mais vigor, as contradi-ções entre a administração popular local e a visão ideológica dos grandes fazendeiros e comerciantes. Foi durante a greve do ABC, em maio de 1980. A equipe Dirceu Carneiro mo-bilizou a população para um abaixo-assinado em favor dos metalúrgicos. Os conservadores, liderados por Al Neto, res-ponderam com manifestações de apoio a pronunciamentos de Dom Vicente Scherer, cardeal de Porto Alegre, que, como de hábito, colocara-se contra os operários e a favor dos patrões. No entanto, o próprio Al Neto fez-me rasgados elogios à ad-ministração da Prefeitura, tanto na gestão de Juarez Furtado como na atual. Olimpicamente, diagnosticou:

— Esses rapazes chegaram no momento histórico exato.

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A razão provável para essa brandura, inusitada nos com-bates municipais brasileiros, deve estar na incapacidade das elites conservadoras locais de imaginar outra maneira de fazer política que não seja a tal politique politicienne dos franceses.

Conversei longamente com o presidente do PDS de La-ges, Laélio Bianchini da Costa Ávila, que é também quem controla as obras e os créditos do governo de Santa Catarina na região. É um homem dos seus quarenta anos, guapo, fala carregada do sonoro sotaque gaúcho-missioneiro, que diz ter aceito representar o governador Jorge Bornhausen somente depois de dele receber garantias de que se fariam investimen-tos importantes em Lages.

— Se fosse no governo do Konder Reis, eu não teria acei-to, afirma. A política dele era de não dar nem água a qualquer cidade que não estivesse sob o controle da ARENA. Eu não podia aceitar isso porque, antes de tudo, sou lageano.

A presença de Laélio na política é conseqüência do fra-casso eleitoral da velha oligarquia Ramos. A surra que leva-ram de Dirceu, que teve mais votos que a soma dos outros quatro candidatos, adicionada aos votos em branco e nulos, fez com que os situacionistas pensassem em renovar os seus quadros. Segundo me afirmaram, Laélio tem mais vocação para fazendeiro que para político. Vi as fotografias do mag-nífico gado Charolês que cria e dos campos que semeia. Bom fazendeiro, parece que é mesmo. Sobre política, con-versamos bastante. Só sobre os problemas locais, é claro, porque a cordialidade e até a caridade cristã recomendam que não se converse sobre os problemas nacionais com os políticos que apóiam o regime. Ou não têm nada a dizer — até por constrangimento — ou mentem, ou só dizem besteira. Tam-bém, coitados, foram transformados em carimbo aprovador do que se decide no Palácio do Planalto, sem serem ouvidos nem cheirados...

Comentamos as obras eternas da estrada que deveria li-gar Florianópolis a Lages — mais uma vez atrasadas pelo cor-te de verbas determinado pelo ministro Delfim Neto. Falamos sobre a vida no campo, criação de gado, crédito rural, uma

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porção de coisas. Até que, finalmente, encaixei a pergunta que me interessava mais:

— O que é que você acha do prefeito Dirceu Carneiro?— Olha, para mim o Dirceu não é político. Político é o

Juarez Furtado, o que foi prefeito antes dele. Esse sim, sabe cavar votos.

— E por que o Dirceu não é político?— Não é político porque é um sonhador. Imagine que ele

quer resolver os problemas que o Brasil vai levar cinqüenta anos para solucionar, em apenas quatro anos, e logo a partir daqui de Lages. É ou não é um sonho?

É possível que o Laélio Bianchini tenha razão. É possível que a equipe Dirceu Carneiro não consiga resolver todos os problemas que está atacando de peito aberto, agarrando pelos chifres, como se fossem um bando de moços forçudos na praça de touros de Lisboa. O estilo que têm de fazer política, organi-zando todo e qualquer grupo que seja passível de organização, ainda que depois ele se volte contra a Prefeitura, como foi o caso de uma das Associações de Bairro, talvez não seja o mais eficiente para ganhar votos. O telegrama de aniversário, a no-meação da filha do cabo eleitoral, o tapinha nas costas, tudo isso ainda tem o seu lugar no processo eleitoral brasileiro. Ali-ás, são aspectos da politique politicienne, que, em França, de-monstrou ter vida mais longa que os projetos de grandeza do general De Gaulle.

A palavra “sonhador”, assim como “idealista”, é, para alguns políticos que se julgam “pragmáticos’, sinônima de loucura. Esses políticos geralmente conseguem: fazer carrei-ra. O que não fazem é História. E não a fazem por carecerem de uma informação extremamente singela: as idéias, quando se apossam de massas suficientemente numerosas, passam a ser uma força material. Essa força, que é a impulsora do futu-ro, é a única capaz de transformar o sonho em realidade. Em conseqüência, a sua mobilização é a razão pela qual pessoas interessadas na construção do futuro da sociedade em que vi-vem deixam de lado os seus afazeres privados e entram na vida pública.

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O município está para a vida política assim como a raiz está para a árvore: é o alicerce da sociedade democrática. A própria palavra “política” nasceu na cidade-estado, não na nação ou no império-estado. A polis ateniense, a cidade de Atenas no tempo de Péricles, era quatro ou cinco vezes menor que Lages. No entanto, as idéias e as instituições que gerou influenciam até hoje o mundo ocidental.

O que é pequeno nem sempre é lindo, como querem os ecologistas americanos. Mas, por ser pequeno, não é neces-sariamente sem importância. Ao contrário. No Brasil, des-de há muito tempo, mas mais acentuadamente depois da implantação do regime militar centralizador, o poder mu-nicipal vem sendo erodido, deixado de lado, como se fos-se uma sobrevivência arcaica da nossa vida administrativa. A União se julga no direito de fazer barretadas com chapéu alheio e concede incentivos fiscais a empresas privadas, à cus-ta das receitas dos Estados e dos municípios. Retira tributos da alçada das prefeituras. Chega até à arrogância de proibir que os cidadãos das capitais e dos lugares que qualifica como tendo “interesse de segurança nacional” elejam os seus ad-ministradores. Como se as populações dessas cidades fossem constituídas ou por débeis mentais, ou por traidores da pá-tria, incapazes de defenderem os seus verdadeiros interesses através do voto. A conseqüência desse comportamento não é apenas dificultar a vida democrática: é, também, tomar in-governáveis os municípios. Faltam-lhes recursos materiais e a colaboração de um povo participante nas decisões sobre os seus destinos.

A segurança nacional só pode ser garantida pelo conjun-to da população. Um povo que é afastado à força das decisões políticas não pode ter um sentimento de adesão aos objetivos que, sem consultá-lo, um grupo pouco numeroso decide defi-nir como sendo os da “segurança nacional”. Essas definições poderão ser as convenientes à segurança do grupo, que delas exclui o povo. Não poderão, jamais, ser as que convêm ao pró-prio povo. Logo, são definições frágeis, promovem uma segu-rança ilusória.

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O que a experiência de democracia participativa de La-ges pretende demonstrar são teses tão elementares que até já não lembramos que possam ser defendidas. Quer demonstrar que os problemas de uma comunidade só podem ser resolvidos através da mobilização da força de trabalho e da capacidade intelectual dos seus próprios membros. Quer demonstrar que, em uma sociedade, não existem problemas isolados — por exemplo, só o problema da saúde pública, desligado do pro-blema da habitação ou do emprego — e, portanto, que o que se deve buscar são as soluções globais, embora se reconheça a evidência de ser a globalidade formada pela soma das soluções setoriais.

No Brasil de hoje, é claro que essa atitude é um sonho. Lages não pode ser uma ilha de prosperidade e de liberdade dentro de um país empobrecido e autoritário. Nada impede no entanto, que o sonho se multiplique, que o exemplo da ten-tativa contamine outras regiões, outros municípios. Afinal, o que fazem é uma exemplificação concreta da possibilidade de se administrar um município, de se ter uma vida comunitária rica e, até mesmo, de se encontrar algumas maneiras de me-lhorar a situação material das pessoas, no bojo da maior crise econômica da história brasileira.

É porque acredito que essa demonstração pode ser repe-tida que fui estudá-la e que escrevi este livrinho.

A crise econômica, mais dia menos dia, obrigará o go-verno a racionar o petróleo que consumimos. O racionamen-to ainda não veio exclusivamente por contrariar os interesses da indústria automobilística e da grande indústria trans-formadora de São Paulo, que tem o seu óleo combustível, a sua nafta e o seu diesel subsidiados pelo Tesouro Nacional, através de um sobreimposto que cobra de quem tem carro a gasolina. Quando vier, o Brasil vai encolher. Um número menor de pessoas e de mercadorias poderá ser transportado a distâncias menores. Só esse aspecto de um futuro próximo já seria bastante para prestarmos mais atenção à vida mu-nicipal. Queiramos ou não, vamos ter de nos municipalizar. É necessário, portanto, que aprendamos a fazê-lo metendo,

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bem no fundo das nossas cabeças, o único método que poderá tornar a transformação não só indolor, como cheia de alegria. É o método de Lages: a Força do Povo.

Petrópolis, agosto de 1980.

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Leis Populares

LEI Nº 95, DE 21 DE DEZEMBRO DE 1978Autoriza o Executivo a proceder a regularização

dos imóveis pertencentes ao patrimônio público munici-pal que se encontrem ocupados irregularmente por ter-ceiros.

Eu, Dirceu Carneiro, Prefeito do Município de Lages, comu-nico a todos os habitantes deste Município que a Câmara de Vere-adores aprovou e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1º Fica o Poder Executivo do Município autorizado a alienar sob qualquer forma e pelos meios legais permitidos todo e qualquer imóvel pertencente ao patrimônio municipal que se en-contre ocupado irregularmente por terceiros.

Art. 2º Na forma da lei, terão preferência de compra aqueles queestiveremocupandoorespectivoimóvelhámaisde5(cinco)anos, contados retroativamente da vigência do presente estatuto.

§ 1º Para os efeitos desta lei, a ocupação do próprio público deve ser cumpridamente provada pelos meios regulares de direito, sendo indispensável a comprovação da boa-fé e a inexistência de qualquer outro imóvel transcrito em nome do interessado.

§2ºOsproprietáriosde imóveiscomdimensões inferioresaospadrõesestabelecidospeloórgãocompetentedamunicipali-dade poderão habilitar-se igualmente à aquisição, desde que esta não ultrapasse os limites necessários para a complementação do lote padrão.

Art. 3º Os terrenos de que trata esta lei, antes da alienação, deverãoserindividualizados,identificadoseinscritosnareparti-ção competente da municipalidade e gozarão de disciplina espe-cíficanoqueconcerneaoseucadastramento;cujoscritériosserãofixadosatravésdeatodoExecutivo,noprazodalei.

Art. 4º Nenhum imóvel será alienado antes da respectiva ava-liaçãopelaComissãoconstituídaparatalfim,atendidasaspecu-

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liaridades de localização de cada terreno e a situação econômico-social do seu ocupante, se for o caso.

Parágrafo único. Os imóveis destinados à venda nos termos da presente lei não serão objeto de especulação imobiliária, seja pelo órgão público ou por terceiros, devendo presidir todas as ope-raçõesointuitosocialcomodeterminantedasuafinalidade.

Art. 5º Não serão, igualmente, alienados os imóveis ocupados sempréviaeexpressanotificaçãodoatoaoseuocupante,afimdeque exerça a sua preferência, sob pena de tornar nula a transação.

§1°Umaveznotificado,oocupantedoimóveldeverámani-festar-senoprazode10(dez)diassobreascondiçõesdavenda,podendo nesta oportunidade oferecer preço, que não será inferior ao da avaliação.

§ 2º Demonstrada expressamente a intenção do ocupante em não adquirir o respectivo imóvel, a Prefeitura do Município pro-moverá a venda do mesmo pela forma autorizada em lei.

§ 3º O pagamento do preço de que trata o § 1° deste artigo poderá ser parcelado mensalmente, na forma estabelecida pelo Executivo,nãopodendo,porém,excederoprazode120(centoevinte) meses.

§4ºFeitaatransação,avendedoraeocompradorfirmarão“termo de promessa de compra e venda”, cujo instrumento deverá conter expressamente a identificaçãodaspartes, do imóvel, dascondiçõesdavendaepagamentoeoutroselementosnecessáriosàcaracterização do negócio.

§ 5º Consumado o pagamento com a quitação, receberá o comprador a competente escritura, cabendo-lhe responder pelas despesas daí decorrentes.

§ 6º A não quitação das parcelas acordadas, por três meses consecutivos, rescindirá o contrato de promessa de compra e ven-da, salvo se o Poder Executivo entender de, compulsados os moti-vos que determinaram a suspensão dos pagamentos, reformular o plano de compra, concedendo novo prazo para o cumprimento das obrigaçõesajustadas.

Art. 6° Esta lei será regulamentada e ajustada à pronta exe-

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cução, através de ato do Executivo a ser baixado no prazo de 180 (centoeoitenta)dias,acontardesuapublicação.

Art. 7º Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadasasdisposiçõesemcontrário.

Prefeitura do Município de Lages, 21 de dezembro de 1978. — Dirceu Carneiro, Prefeito.

LEI Nº 211, DE 17 DE AGOSTO DE 1979

Eu, Dirceu Carneiro, Prefeito do Município de Lages, comu-nico a todos os habitantes deste Município que a Câmara de Vere-adores aprovou e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1º Fica o Poder Executivo do Município autorizado a criar e implantar, em áreas de terras cultiváveis no Município, HortasProfissionalizantesIntegradas.

Parágrafoúnico.Entende-seporHortaProfissionalizanteIn-tegradaumprogramadeprofissionalizaçãopelotrabalhoagrícola,através do qual cidadãos desempregados, residentes e domicilia-dos no Município, reúnem-se em uma atividade de mútua coope-ração, visando à produção de hortifrutigranjeiros, organizando-se, dividindo o trabalho e rateando entre si o resultado da produção.

Art. 2º A Prefeitura do Município de Lages, através da Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento, fornecerá ao Programa a necessária infra-estrutura, bem como a assistên-cia técnica e apoio à comercialização da produção, imprescindí-veisàefetivaçãoefuncionamentodasHortasProfissionalizantes Integradas.

Parágrafo único. A título de apoio à inicial adequação ao Programa, a Prefeitura do Município de Lages subsidia-rá a cada participante, nos primeiros sete meses, com recursos financeirosmensaisquenãoexcedama80%dosaláriomínimoregional, per capita.

Art. 3º As despesas decorrentes desta lei correrão por con-ta do Projeto/atividade 1102.04141121.003, do Orçamento do Município.

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Art. 4º O Poder Executivo, dentro de 180 dias, contados da vigência desta lei, expedirá o competente Regulamento, necessá-rio à execução do Programa instituído pela mesma.

Art. 5º Esta lei terá efeito retroativo, a partir de 19 de junho docorrente,revogadasasdisposiçõesemcontrário.

Prefeitura do Município de Lages, 17 de agosto de 1979. — Dirceu Carneiro, Prefeito.

DECRETO Nº 757, DE 2 DE JUNHO DE 1981

Regulamenta a Lei nº 346, de 11 de agosto de 1980, que autoriza o Poder Executivo a dispor de áreas de ter-ras para fins habitacionais.

Dirceu Carneiro, Prefeito do Município de Lages, no uso de suasatribuiçõeslegais,decreta:

Art. 1º Fica o Poder Executivo do Município autorizado a dispor de áreas de seu patrimônio para aliená-las sob forma de lotes, integradas ou não em loteamentos da municipalidade, às fa-mílias de baixo rendimento econômico, com vistas à construção demoradias,de acordocomasnormasepadrões estabelecidospelalegislaçãoespecíficadoMunicípio.

Art. 2° Será objeto da alienação de que trata o art. 1º todo e qualquer imóvel incorporado ou a incorporar-se no patrimônio fí-sico disponível da municipalidade, desde que, pela sua localização edimensão,possaatenderàfinalidadehabitacionaldevidamentecomprovada pelos órgãos técnicos da municipalidade.

Parágrafo único. A Prefeitura, para tanto, deverá manter em perfeita ordem um cadastro completo, onde estarão relacionados todos os bens imobiliários e patrimoniais do Município, com vis-tasàsuautilizaçãoounãoparaafinalidadehabitacional.

Art. 3º As moradias populares a serem construídas nos lotea-mentosdamunicipalidadedeverãoobedeceraospadrõestécnicose normas técnicas estabelecidas pela Prefeitura, sendo obrigatória a aprovação prévia da planta respectiva, cuja elaboração poderá ficaracargodosórgãostécnicosdaAdministraçãoMunicipal.

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Parágro único, A Prefeitura do Município, por seu órgão res-pectivo, baixará normas específicas e peculiares, observados oscritérios de dimensão e localização, com vistas a disciplinar as edificaçõesdeummodogeral,ebemassimparaadequá-las,noque for possível, aos objetivos urbanísticos e sociais desta lei.

Art. 4º Será considerado, para os efeitos desta lei, “baixo rendimento econômico” o ganho percebido pela unidade familiar cujomontantenãoatingiro limitede2 (dois) saláriosmínimosregionais.

§ 1º Concomitante à condição estabelecida no caput deste artigo, será obrigatória a observância de outras, como:

I — número de dependentes;II — fração de renda familiar por dependente;III — prova da inexistência de outros bens imóveis em nome

do interessado;IV — estado de saúde dos mesmos;V — prova de residência na zona urbana ou sede distrital,

peloprazomínimode1(um)ano;VI — prova de rendimentos da unidade familiar do interes-

sado;VII — prova de bens do interessado;VIII—outrascondiçõesaseremeventualmenteexigidasem

casosespecíficos.§2ºAcomprovaçãodascondiçõessupra-estabelecidaspode-

rá ser exigida na ocasião da entrada do requerimento no protocolo do órgão competente, ou dentro de prazo que não poderá exceder a60(sessenta)diasdoseuencaminhamento.

§ 3º Parafins do § 1º deste artigo, será considerada provaidônea a certidão fornecida por órgão ou autoridade competente; aCarteiradeTrabalhoePrevidênciaSocial;declaraçãofirmadapor médico desta cidade; cópia da Declaração de Rendimentos ou Bens, assim como outros documentos que, a critério da Prefeitura do Município, forem considerados igualmente aptos a produzir os efeitos desejados.

Art. 5º Todos os imóveis postos à venda pela municipali-dade, nos termos desta lei, constarão de Cadastro Técnico e serão

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previamente individualizados e avaliados por Comissão ou órgão daPrefeitura,especialmentenomeadoparatalfim.

§1ºSeráobrigatória,paraosfinsdesteartigo,aobservância,no que se refere ao cadastramento do imóvel, dos seguintes crité-rios:

I — sua localização;II — sua dimensão;III — a existência ou não de infra-estrutura urbana.§ 2° Observados os critérios supra, os imóveis serão inscritos

individualmenteemfichaspróprias,delasdevendoconstar,ainda,quandoforocaso,suasituaçãoquantoàedificação,mencionandootipo, a área, material e mão-de-obra empregados, valor, bem como outroselementosnecessáriosàperfeitaidentificaçãoecadastro.

Art. 6º Será obrigatória, no que concerne à alienação, a obser-vânciadasdisposiçõesconstantesdoart.110eseusincisos,daLeiOrgânica dos Municípios, em especial quanto ao que estabelece o primeiro, sobre a necessidade e o interesse público do Município, que deve presidir o ato da venda.

Art. 7º Nos casos de venda a prestação, o número destas não poderá ultrapassar a 120 (cento e vinte), incidindo no curso deseu desdobramento juros e correção monetária, cuja alíquota será fixadaporatonormativodoChefedoExecutivo,quevigoraráporperíodo determinado.

Parágrafoúnico.Afixaçãodestaalíquotanãoestarávincula-daaosíndicesoficiaisbaixadospeloGovernoFederal,podendo,contudo,manter-seaoparnassuasvariações,desdequeissonãorepresente fator de agravamento da economia dos adquirentes.

Art. 8º A venda dos imóveis, de que se trata esta lei, será rea-lizada em forma de concorrência ou leilão, observados os critérios legais pertinentes deste e de outros diplomas.

§ 1º Segundo a conveniência, os imóveis poderão ser levados à venda em conjunto ou separadamente, sendo, contudo, vedada aos interessados a compra de mais de um lote por unidade familiar.

§ 2° Posto à venda o imóvel e habilitados os concorrentes, na

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forma do art. 29 deste Regulamento, será considerado adquirente aquele quemelhor lanço e condiçõesoferecer, devendo, no atode passar-lhe o comprovante da compra, pagar o correspondente a20%(vinteporcento)dototaldopreçoaoscofrespúblicosdoMunicípio.

§ 3º O exame das propostas de compra será realizado por Comissão especialmente nomeada, devendo ela, para os efeitos de escolha dos vencedores, levar em conta o preço, o prazo e demais condiçõesestabelecidasemlei,principalmenteasquedizemres-peito à situação sócio-econômica dos interessados.

§ 4º O leilão ou concorrência será sempre restrito aos que se habilitarem nos termos do art. 29 do presente Regulamento, os quais serão relacionados em lista prévia, devendo cada inte-ressado manifestar a proposta através de envelope fechado, com endereço completo do proponente, que será aberto no dia e hora designados em edital.

§ 5º À Prefeitura do Município reservar-se-á o direito de pro-mover a venda destes imóveis diretamente aos interessados quan-doverificarquearealizaçãodaconcorrênciaouleilãopossapre-judicar direitos possessórios de legítimos ocupantes, ou desviar a finalidadesocialdalei.

§ 6º Nestes casos, a Prefeitura deverá elaborar relatórios de-talhados da situação dos imóveis, apontando os elementos que justifiquemoprocedimento,sendoafinalsubmetidosaoChefedoExecutivoparaapreciaçãoehomologaçãodefinitiva.

§7º Indemonstrada a hipótese do § 5º, promover-se-á a venda dos lotes pela forma regular desta lei, devendo este procedimento disciplinar também os casos de renúncia ou abandono dos direitos de posse por parte dos legítimos possuidores quanto aos imóveis já ocupados.

Art. 9º O produto da venda destes lotes será contabilizado comoreceitaespecíficanoOrçamentodoMunicípio,podendoserincorporado em conta do “Fundo Especial de Habitação”, a ser criadopeloMunicípio,eserásempredestinadoanovasaplicaçõesno setor habitacional.

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Art. 10. Desde que vencedor o lanço ofertado ou prometida a vendapelaviadireta,nostermosdalei,firmarãoaspartesumcom-promissodecompraevenda,ondeserãoespecificadostodososele-mentosdatransação,comidentificaçãoexpressadoscontratantes,objetoecondiçõesdepagamento,sendoobrigatóriooarquivamen-to de uma das vias na repartição competente desta Prefeitura.

§ 1º Sendo analfabeto o promitente comprador, o instrumento de promessa será lavrado por escritura pública, correndo as despe-sas por conta do adquirente.

§2ºVerificadooatrasodospagamentos,deveráaPrefeitu-ra,antesdequalquermedida,notificarodevedor,concedendo-lheprazopararesgatedodébito,sobpenadeincidirnassançõesdoparágrafo seguinte.

§ 3ºO não pagamento de 6 (seis) prestações consecutivasacarretaráarescisãoautomáticadocompromissodecomprafir-mado, sujeitando o adquirente à perda do imóvel, com direito à indenização das benfeitorias construídas.

§ 4º A indenização de que trata o artigo anterior abrangerá o valor atualizado dos bens existentes sobre o imóvel e deverá ser paga de acordo com o que for pactuado entre as partes, sendo obri-gatória a dedução de eventuais quantias devidas pelo promitente comprador aos cofres da municipalidade.

§ 5º Desde que prometida a aquisição do imóvel, não poderá o promitente comprador abandoná-Io pormais de 180 (cento eoitenta) dias, caso em que será interpretado como renúncia aos direitos decorrentes da lei.

§ 6º Constatado o abandono, lavrará a autoridade responsável pelo setor o termo de cancelamento do compromisso da compra e venda, fundamentando com provas e evidências a ocorrência do fato, devendo,afinal,serhomologadopeloChefedoPoderExecutivo.

§ 7º Cancelado o compromisso de compra e venda e indeni-zado o promitente comprador na forma estatuída nos parágrafos anteriores, o imóvel será posto em leilão ou concorrência, cujo preço nunca poderá ser inferior ao valor da indenização paga ao antigo adquirente.

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§8ºAqueleque,decorridos6 (seis)mesesdacompra,nãotiver iniciadosuaconstrução,semmotivosuficientemente justi-ficado, incorreránasmesmassançõesdosparágrafosanteriores,procedendo a Prefeitura na forma dos casos de abandono.

§ 9º Em qualquer caso terá o interessado direito a recurso junto ao Chefe do Executivo do Município, cujo pronunciamento serádefinitivosobreamatériaargüida.

Art. 11. Quitado integralmente o preço no decurso ou no pra-zo estabelecido em lei, será outorgada ao promitente comprador a competente escritura do imóvel, correndo as despesas de transfe-rência por conta deste.

Art. 12. Os imóveis adquiridos em decorrência desta lei serão gravados com cláusulas de impenhorabilidade e inalienabilidade peloprazode240(duzentosequarenta)mesesacontardaassina-tura do compromisso de compra e venda, excetuados os casos de exigência para garantia de empréstimos junto a estabelecimento decréditooficialcomvistasàmelhoriadahabitação,cujoprojetodeverá ser aprovado expressamente pela municipalidade.

§ 1º A quitação do preço no curso ou no termo do prazo es-tabelecido em lei não revoga as cláusulas restritivas, as quais per-manecerãoemvigormesmonahipótesedaescrituraçãodefinitivado imóvel.

§ 2º Findo o prazo do caput deste artigo, extinguir-se-ão, in-dependentedequalquerprovidência,asrestriçõesincidentesnosimóveis objeto desta lei, podendo, a partir daí, o seu titular deles dispor livremente.

Art. 13. A locação ou a cessão a qualquer título, bem como o desviodafinalidaderesidencial,seráproibidanavigênciadopra-zo estabelecido no artigo anterior, importando sua desobediência na rescisão do negócio com a conseqüente e sumária retomada do imóvel pela vendedora.

§ 1º São ressalvados os casos que, a critério da municipa-lidade, forem considerados como decorrentes de força maior, devidamente comprovados e reconhecidos pelas autoridades municipais.

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§2ºVerificadaahipótesedo§1ºdesteartigo,aspartescom-porãoasobrigaçõesmútuas,atravésdosprocedimentosespecífi-cos previstos neste Regulamento, sendo vetada qualquer transação direta do imóvel entre adquirente e terceiros eventualmente inte-ressados.

§3ºEmquaisquerdoscasos,opronunciamentofinalserádoChefe do Executivo, cuja decisão pode ser passível de reconside-ração, quer de ofício, quer por requerimento da parte interessada.

Art. 14. Falecendo o adquirente, permanecerão em vigência as cláusulas restritivas da propriedade do art. 12 deste Regulamen-to,emrelaçãoaosherdeirosesucessores,ficando-lhesigualmenteproibida a cessão ou locação do imóvel, bem como a oneração antecipada da quota-parte a terceiros estranhos à vocação heredi-tária, ressalvadas as hipóteses do art. 13 e seus parágrafos, deste Regulamento.

Parágrafo único. Em caso de falecimento do promitente com-prador ou do titular do imóvel, computar-se-á em favor de seus sucessores o prazo já decorrido em relação àquele para os efeitos do art. 12 deste Regulamento.

Art. 15. A Prefeitura do Município de Lages poderá fornecer ao promitente comprador, ou ao titular do imóvel, o material ne-cessário à construção da unidade habitacional, desde que existente e à disposição nos depósitos da municipalidade.

§ 1º Todo o material cedido, bem como toda a mão-de-obra dispensadapelamunicipalidade,serádevidamenteanotadanasfi-chas cadastrais de cada imóvel, devendo o promitente comprador resgataroseupreçomediantecondiçõespreviamenteajustadas.

§ 2º No caso de pagamento parcelado dos benefícios recebi-dos, será sempre levada em conta a situação sócio-econômica do interessado, de sorte a garantir aos contratantes o pleno cumpri-mentodasobrigaçõesassumidasmutuamente.

§ 3º A Prefeitura do Município de Lages, sempre que ceder material ou dispender mão-de-obra em unidade habitacional, de-verá estabelecer normas para resgate das despesas respectivas, fixando,paracadacaso,ouumconjunto,omontanteeoprazo

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dos pagamentos, os quais, no entanto, poderão ser quitados pelos beneficiáriossobformadeprestaçãoeventualdeserviçonosetorhabitacional.

Art. 16. Este Regulamento, que terá vigência imediata, alcan-çará também loteamentos concluídos ou em curso, de origem mu-nicipal, e assegurará aos ocupantes dos respectivos imóveis todos os direitos dele decorrentes, desde que observados os critérios ora estabelecidos.

§1ºAusentesoscritériosecondiçõesqueregemelegitimama ocupação dos imóveis, a Prefeitura do Município de Lages, por seu órgão competente, rejeitará o pedido de compra e, se for o caso, promoverá a desocupação da área pelos meios regulares, não semantesnotificarpessoalmenteoseuocupante.

§ 2º Não será tolerada de nenhum modo a ocupação clan-destina ou violenta das áreas habitacionais, devendo a Prefeitura, casovenhaaseverificaraocorrência,agirnaformaestabelecidanoparágrafoanteriorenasdemaisdisposiçõesdelei.

§ 3º Nas hipóteses dos parágrafos anteriores, não estará a Pre-feitura obrigada a indenizar as benfeitorias existentes.

Art. 17. Os casos omissos serão resolvidos pelas demais fon-tes do direito ou por legislação suplementar a ser baixada por atos do Executivo, sendo, no entanto, obrigatório o pronunciamento do Prefeito do Município, no que for pertinente.

Art. 18. Este Regulamento entrará em vigor na data de sua publicação,revogadasasdisposiçõesemcontrário.

Prefeitura do Município de Lages, 2 de junho de 1981. — Dirceu Carneiro, Prefeito.

LEI Nº 550, DE 6 DE AGOSTO DE 1982Estabelece planos de ação para as secretarias a que

se refere, cria institutos e adota medidas práticas de par-ticipação popular na administração do município.

Eu, Celso Anderson de Souza, Prefeito do Município de La-ges, comunico a todos os habitantes deste Município que a Câma-ra de Vereadores aprovou, e eu sanciono, a seguinte lei:

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CAPÍTULO PRIMEIRO Art. 1º Além das atividades inerentes à administração públi-

ca municipal, poderá o Executivo assumir outros encargos, que tenhamporfinalidadeespecíficaestimularodesenvolvimentoeaparticipação democrática nos vários setores em que atuar.

Art. 2° A adoção das medidas respectivas, o uso dos instru-mentos adequados, bem como o disciplinamento para a sua execu-ção,serãoregidosporestaleiepelasinstruçõesnormativasbaixa-das pelo Chefe do Poder Executivo, nos casos que assim o exigir.

Art. 3° Serão considerados, para efeito desta lei, agentes de execução destas medidas as seguintes pessoas:

I — o Prefeito do Município;II — os secretários e/ou titulares das Secretarias Municipais

cujos serviços lhes estiverem afetos;III — os órgãos que direta ou indiretamente estiverem vincu-

lados às atividades administrativas municipais;IV — as pessoas ou órgãos que portarem delegação legal de

poder ou competência;V — as que forem indicadas por reconhecida autoridade mu-

nicipal.Parágrafo único. Todas as medidas ora previstas serão postas

em prática sempre sob a responsabilidade das Secretarias Munici-paisafins,aindaquevenhamaocorrerashipótesesdosincisosIII,IV e V deste artigo.

CAPÍTULO SEGUNDOArt. 4º As medidas a serem adotadas e os instrumentos ora

referidos serão viabilizados basicamente pelas Secretarias adiante indicadas e pela forma que for aqui estabelecido:

Secretaria Municipal do Bem-Estar SocialSecretaria Municipal da EducaçãoSecretaria Municipal de Cultura, Esporte e Turismo Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento Gabinete de Planejamento e CoordenaçãoParágrafo único. Todas as demais unidades administrativas

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municipais serão integradas às atividades das Secretarias execu-toras dos programas de ação ora mencionados, na medida em que haja conveniência e necessidade da participação de cada uma.

SEÇÃO IDa Secretaria Municipal do Bem-Estar Social

Art. 5º Como forma de descentralização dos serviços de aten-dimentomédicoambulatorial-odontológico,ficacriadooProgra-ma de Saúde Comunitária, o qual estará subordinado ao Departa-mento de Saúde desta Secretaria.

Art. 6º O Programa de Saúde Comunitária será implantado e desenvolvido sob a forma de atendimento ao público, através dos Postos de Saúde Comunitária localizados em vários pontos de Zona urbana ou rural do Município, os quais terão por objetivo a prestação gratuita de serviços de primeiros socorros e prevenção das doenças em geral, às comunidades interessadas.

Art. 7º A criação e administração desses Postos de Saúde Co-munitáriaserãoderesponsabilidadedasAssociaçõesdeMorado-resdosBairrosounúcleosbeneficiados,cujainiciativaterátodaacolaboração, assistência e orientação da municipalidade, inclusive noqueconcerneàedificaçãodoprédioondedevamfuncionar.

Art. 8º A Prefeitura do Município porá à disposição desses Postos o pessoal necessário para o seu funcionamento, que con-sistirá em médicos, atendentes ou agentes de saúde, os quais cum-prirãohorárioseturnossegundoasdeterminaçõesbaixadaspeloórgão competente.

§ 1° Denomina-se Atendente a pessoa que, mediante elei-ção prévia da Associação de que participar, venha a freqüentar o aprendizado e tornar-se apta ao exercício remunerado da função, nos Postos de Saúde Comunitária.

§ 2º Por Agente de Saúde entender-se-á a pessoa que, devi-damentehabilitada,venhaaexercerfunçõesnaáreadasaúde,nazona rural do Município, recrutada através de indicação ou eleição pelos órgãos a quem competir.

Art. 9º Além dos encargos aqui referidos, terá a Secretaria

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Municipal do Bem-Estar Social a incumbência de estimular e apoiaracriaçãodasAssociaçõesdeMoradoresdeBairroseou-tras entidades similares, as quais terão por objetivo congregar as pessoas residentes nos vários bairros e localidades e torná-las par-ticipantes do processo administrativo do Município, através de as-sembléias convocadas pelo poder municipal para deliberar sobre matérias de interesse público da comunidade.

Art. 10. Toda e qualquer alteração que houver de ser introdu-zida nos programas ora previstos, para reduzi-Ios ou ampliá-los, deverá ser previamente submetida à apreciação das comunidades interessadas,atravésdasassociações,cujopronunciamentofinalserá acolhido.

SEÇÃO IIDa Secretaria Municipal de Educação

Art.11.Semprejuízodasatribuiçõesquelhesãoconferidaspor lei, a Secretaria Municipal de Educação deverá desenvolver um modelo de ensino ajustado às realidades vigentes na região e àscondiçõesdevidadapopulação,dandoênfaseaosaspectosam-bientais, culturais e familiares na formação educativa da criança.

Art. 12. O currículo básico ministrado levará em conta três elementos fundamentais como forma de obter-se o integral apro-veitamento didático e pedagógico dispensado ao educando, que são: a saúde, a expressão e o trabalho cooperativo.

Art. 13. A toda criança que freqüentar a escola pública mu-nicipal de primeiro grau serão ministrados ensinamentos elemen-taresdesaúde,compreendidascomotaisasnoçõessobreocorpohumanoeas suas funções,osmedicamentose suasfinalidades,nutrição e alimentação natural e não natural, assim como outras informaçõesnecessáriasàboaformaçãodoeducando.

Art. 14. O programa ora estabelecido será ministrado por pes-soas comprovadamente habilitadas, de acordo com as escalas de freqüência elaboradas pelo órgão responsável.

Art. 15. Denomina-se expressão toda a manifestação cultural suscetível de contribuir e aprimorar a educação da criança.

Art. 16. Como forma de expressão, deverá a escola desenvol-

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ver, em benefício do menor, atividades ligadas ao canto, à dança, àmúsica,folguedos,recreações,etc.,dandoespecialrealceàsma-nifestaçõesidentificadascomoscostumesetradiçõesdomeioemque vive o educando, como instrumentos geradores adequados à sua formação e alfabetização regular.

Art. 17. O trabalho cooperativo será desenvolvido nas esco-las, através de aulas práticas, onde a criança, sob a orientação de pessoa habilitada, terá a oportunidade de conhecer, debater e apre-ender os processos de produção de bens de consumo essencial, como alimentos, peças de vestuário, etc., dentro do espírito de co-operação mútua que deve presidir o aprendizado.

Parágrafo único. As aulas serão sempre ministradas em locais apropriados,afimdequepossaoeducandoexecutarpessoalmenteas tarefas que lhe são cometidas, devendo a escola captar, sempre que possível, a vocação de cada um nos trabalhos que lhe forem de peculiar interesse.

Art. 18. Concomitante às atividades ora referidas, desenvol-verá a Secretaria de Educação do Município o trabalho de assistên-cia e orientação educacional de Pré-Escola, destinado ao aprovei-tamento de menores na faixa etária de dois a seis anos, de sorte a poder habilitá-lo plenamente ao aprendizado curricular posterior.

Art. 19. A assistência de Pré-Escola abrangerá os encargos da alimentação adequada até a orientação educacional, e será execu-tada por pessoal capacitado, composto de merendeiras-educado-ras e mães-monitoras, que deverão proporcionar aos menores uma ambientação familiar.

Art. 20. Como órgãos de aconselhamento e assessoria aos po-derescompetentes,naáreadoensinomunicipal,ficamcriadososConselhos de Pais, que serão constituídos pelos pais dos alunos matriculados nas escolas do município e que terão as seguintes atribuições:

a) discutir e deliberar sobre planos, métodos e programas de ensino ministrados, assim como sobre a escolha e indicação do corpo diretivo da escola;

b) reclamar a adoção de medidas, sempre que necessárias,

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quer em relação ao ensino, quer em relação ao pessoal responsável pela sua execução, junto aos poderes competentes do município;

c) reivindicar a implantação de escolas em locais que lhes pareçam convenientes, assim como solicitar dos setores compe-tentes a melhoria das que estiverem em estado precário;

d) promover festividades em benefício da escola. Parágrafo único. A Secretaria Municipal de Educação pro-

moverá periodicamente cursos de orientação e debates junto aos ConselhosdePais,comvistasàtrocadeinformaçõespertinentesàatividade escolar e medidas a serem adotadas para o melhor apro-veitamento do ensino ministrado.

Art. 21. Será assegurada a plena autonomia aos Conselhos de Pais,nasdeliberaçõesquelhescompetir,podendoorganizarsuaestrutura e funcionamento, prover os cargos de sua direção, bem como decidir sobre as providências para a gestão regular dos seus interesses.

Art. 22. Para a efetiva consecução dos objetivos ora previs-tos serão integradas à Secretaria Municipal de Educação todas as demais unidades administrativas do Município, as quais, uma vez convocadas, deverão obrigatoriamente colaborar no que se rela-cione com a sua área de competência.

SEÇÃO IIIDa Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Turismo Art. 23. À Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Turis-

mo,aforaasatribuiçõesquelhesãopeculiares,serãoreservadosos encargos de promover e divulgar a cultura regional do Municí-pio,atravésdecertames,exposições,encontros,feiras,mostraseoutros eventos similares, onde se torne possível expressar as ma-nifestaçõesartísticaseculturaisdopovo,pormeiodostrabalhos,obraserealizaçõesapresentadospeloseusparticipantes.

Art. 24. A organização e promoção dessas atividades serão sempre precedidas de reunião com a comunidade interessada, na qual serão amplamente discutidos e deliberados os assuntos a elas relacionados, com vistas à sua realização e demais detalhes.

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Art. 25. Dentre esses eventos, deverá a Secretaria dar especial enfoque à realização das “Mostras do Campo”, que se constituem na amostragem pública de produtos artesanais do campo, confec-cionados em regime não industrial, as quais serão periodicamente levadas a efeito em locais previamente indicados, na forma aqui estabelecida.

Art. 26. As Mostras do Campo terão caráter de exposição e divulgação de produtos artesanais da zona rural, podendo delas participar qualquer pessoa interessada, desde que sua obra não seja resultado de processo de reprodução industrial, a critério da Comissão Organizadora.

Parágrafo único. Os produtos expostos nas Mostras do Cam-po não sofrerão ônus algum do erário público municipal e poderão ser livremente comercializados pelos interessados.

Art. 27. Durante a realização das Mostras do Campo, serão promovidos jogos, torneios, concursos com apresentação de can-to, músicas, danças populares e folclóricas, bem como outras ma-nifestaçõesdearteeculturadopovoedesuastradições.

Art.28.Comafinalidadedecomplementaracomercializa-çãodosprodutosexpostosnasMostrasdoCampo,ficacriadaaCasa do Artesão, que será mantida inicialmente pela Prefeitura do Município de Lages.

Parágrafo único. Desde que devidamente implantada, a Casa do Artesão passará a reger-se e funcionar por seus próprios estatu-tos, sem qualquer vinculação com órgãos públicos.

Art. 29. A Casa do Artesão reunirá todos os que laborarem no ramo de artesanato em geral e deles receberá os produtos para serem comercializados a preços convencionais, em regime seme-lhanteaodocooperativismoouafim.

Art. 30. A título de estímulo, poderá a Casa do Artesão efetuar umadiantamentopecuniáriodeaté80%dovalorconvencionadodaobraaointeressado,ficandoorestanteparaserquitadoquandoda venda do referido produto.

Art. 31. A Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Turis-mo dispensará especial atenção para a promoção e organização de

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competiçõesesportivasdecunhoamador,fazendorealizar,dentreestas, os Jogos lnterbairros — JIBs e os Jogos lnterdistritais — JIDs,nasquaispoderãoparticipartodasasagremiaçõesesporti-vas existentes nos bairros e distritos, nas modalidades escolhidas, estabelecidasascondiçõesdesuarealizaçãomedianteAssembléiaGeral de todos os interessados.

Art. 32. A Secretaria deverá participar ainda, através de estí-mulosespecíficos,dacriaçãoemanutençãodoCentrodeCulturaEluza Bianchini Araújo, que será destinado à difusão das artes em geral,atravésdeexposições,trabalhos,conferências,reuniões,au-las práticas, etc., aos interessados, ministradas por artistas a ele filiadosounão.

Art.33.Acriação,modificaçãoouextinçãodequalquerenteou entidade aqui referida, assim como qualquer alteração em seu funcionamento e organização, deverá sempre contar com a parti-cipaçãodascomunidadesinteressadas,asquais,cientificadasdosseus objetivos, opinarão sobre sua conveniência e necessidades.

SEÇÃO IVDa Secretaria Municipal de Agricultura e AbastecimentoArt.34.Dentrodaatividadequelheédefinidaemlei,aSe-

cretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento deverá promo-ver programas visando dar melhor aproveitamento ao trabalho do homem do campo, através de medidas de cooperação mútua, que resultemnamaioreficáciadaatividadedeexploraçãodosolo.

Art. 35. Além da assistência técnica e da prestação, através da patrulha mecanizada, de serviços, deverá a Secretaria assegurar o fornecimento dos seguintes recursos ao interessado:

De natureza animal:a) alevinos de várias espécies de peixe, como truta-arco-íris,

carpa,jundiáeoutrascompatíveiscomascondiçõesdaregião;b) girinos de rã;c) coelhos e caprinos para a reprodução.d) material apícola e assistência técnica.De natureza vegetal:a) mudas de hortaliça de todas as espécies;

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b)essênciasflorestaisnativaseexóticas;c) sementes várias, que houver em disponibilidade.Art. 36. Como órgãos de apoio às tarefas inerentes à Secreta-

ria serão criados, nas zonas rurais, os Núcleos Agrícolas, que terão suaorganizaçãoefuncionamentodefinidosemleiespecífica.

Art. 37. Os Núcleos Agrícolas serão formados a partir da ini-ciativa da comunidade interessada, congregando pequenos e mé-dios agricultores que deles participarão em regime cooperativo.

Art. 38. Após a criação, os Núcleos Agrícolas terão autono-mia plena na gestão de seus negócios e decidirão, pelo seu órgão diretivo, sobre os serviços e atividades que deverão ser executados pelo Município e outros encargos de seu interesse.

Parágrafo único. Compete ainda aos Núcleos Agrícolas rei-vindicar a execução de obras públicas à administração municipal, especificamentenoquedizrespeitoàconstruçãodeaçudes,estra-das, vias de acesso, barragens, etc., de interesse da comunidade que representam.

Art. 39. A Secretaria coordenará e prestará auxílio na constru-ção de armazéns em regime de mutirão, para a guarda e conserva-ção de cereais, cuja administração estará a cargo de um colegiado do qual farão parte membros da administração municipal e repre-sentantes dosNúcleosAgrícolas beneficiados pelos serviços ouparticipantes da implantação da obra.

Art. 40. Nas zonas urbanas, a Secretaria estimulará, organi-zaráeporáempráticaoProgramadeCriaçãodeHortõeseHortasComunitárias, como proposta de aproveitamento de mão-de-obra de pessoas carentes, na produção de bens de consumo de primeira necessidade de origem agrícola.

Art.41.OsHortõesserãoimplantadosemterrenosdisponí-veis degrandesdimensões, públicos ouprivados, ondepessoasdesempregadas, oriundas, na sua maioria, das zonas rurais, pode-rão deles se utilizar para produzir bens de natureza agropecuária, em regime comunitário.

Art.42.OsparticipantesdosHortõesserãodistribuídosporgrupos ou tarefas e o resultado da produção será rateado na pro-porção do trabalho de cada um.

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Art. 43. Além da assistência técnica e fornecimento de recur-sos regulares a essesHortões, amunicipalidade concederáumaajudadecustoaosparticipantes,naordemdeaté80%dovalordosaláriomínimoregional,atéooitavomêsdeatividade,findooqual cessará a contribuição.

Parágrafo único. Por não constituir vinculação trabalhista, a participação do interessado no Hortão não gerará a seu favor qual-quer direito previsto em lei.

Art. 44. Desde que devidamente implantados e organizados, osHortõespassarãoaserregidospelasdisposiçõesquelhessãopróprias, podendo como tal fazer-se representar perante a admi-nistraçãopúblicamunicipalereivindicarosserviçosquesefize-rem necessários para o bom andamento da instituição.

Art.45.AsHortasComunitáriasserãocriadascomafinali-dade de utilizar terrenos vagos na zona urbana do Município para finsdeproduçãoeobtençãodealimentosdenaturezaagrícola,emregime de exploração exclusiva.

Art. 46. As pessoas interessadas em participar dessas ati-vidades receberão um pedaço de terra, de dimensão compatível com a sua necessidade, devendo dela se utilizar para produzir alimentos que representem um reforço do consumo de sua alimen-tação diária.

Art. 47. Os participantes dessas Hortas Comunitárias deverão zelar pela área que recebem, evitando o abandono por tempo que possacomprometernãosóolocalquelheéconfiadocomotam-bém os demais de outros interessados.

Art. 48. As Hortas Comunitárias, após sua efetiva implanta-ção, serão autogeridas, através de corpo diretivo escolhido em As-sembléia, o qual assumirá os encargos de coordenar as atividades que lhe são inerentes, opinando, decidindo e reivindicando junto ao órgão municipal as providências que devam ser aviadas em seu benefício.

Art. 49. A Secretaria prestará assistência técnica necessária, assim como fornecerá material orgânico, corretivos, etc., de sorte a estimular e garantir a obtenção de bons resultados.

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SEÇÃO VDo Gabinete de Planejamento e Coordenação

Art. 50. O Gabinete de Planejamento e Coordenação será o órgão incumbido de planejar e prover os meios necessários para a execução prática dos programas de ação e medidas ora estabeleci-das, sendo de sua competência a coordenação geral entre as diver-sas unidades administrativas do Município, que tenha por objetivo oalcancedosfinsoracolimados.

Art. 51. Na implantação e execução das medidas e progra-mas cuja competência lhe é atribuída, deverá o Gaplan, nos termos desta lei, submeter à consulta popular e democrática os projetos dasobrasaexecutar,atravésdaassembléiadasassociaçõeseor-ganizaçõesdevidamenteconstituídasdopovo,especialmentenoque respeita ao Orçamento Público do Município, Plano Diretor e legislaçõescodificadasdeinteressesocial,ondeserãodeliberadasmatériassobreinvestimentos,gastoseaplicaçõesdoeráriopúbli-co, receitas e outros assuntos de ordem municipal.

CAPÍTULO TERCEIROArt. 52. A Prefeitura do Município poderá estimular ativi-

dades ligadas à descoberta de fontes de produção de bens consi-deradas essenciais, assim como pesquisar e desenvolver planos e projetos, através de seus órgãos, que possibilitem utilização destas fontes de forma econômica e proveitosa pelas camadas mais ca-rentes da população.

Art. 53. No setor de comercialização, a administração pública poderá atuar através da criação de Centros de Abastecimento, os quais adquirirão, por compra ou intermediação, os produtos des-tinados ao consumo ou comércio diretamente das fontes produto-ras,desorteaeliminarsucessivastransaçõesqueoneremopreçofinaldasmercadorias.

Art.54.Estescentrosdeabastecimento,quenão terãofinslucrativos, deverão congregar pequenos e médios comerciantes e, desde que devidamente criados, passarão a ter existência regular, geridospordisposiçõeslegaisquelhessejampertinentes.

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Art. 55. No âmbito da administração pública será assegura-do a todo servidor remuneração adequada, de modo a proporcio-nar-lhe a satisfação das necessidades mais elementares da vida humana.

§ 1° Em nenhuma hipótese a remuneração do servidor muni-cipal será igual ou inferior ao salário mínimo regional.

§ 2º A maior remuneração paga ao servidor do Município não poderáexcedera6(seis)vezesamenor,excluídososqüinqüêniose outras vantagens adicionais previstas em lei.

CAPÍTULO QUARTOArt. 56. O Executivo deverá regulamentar esta lei no prazo de

6(seis)mesesacontardadatadesuapublicação.Art. 57. Todas as providências necessárias à viabilização das

medidas ora apontadas serão determinadas pelos agentes de exe-cução, segundo a ordem estabelecida no Capítulo Primeiro desta lei, através de atos que lhes sejam próprios.

Art. 58. Independentemente de qualquer autorização, poderá o Executivo cometer às outras unidades administrativas tarefas, encargos, criar outros institutos e adotar novas medidas que visem a completar o desempenho das Secretarias ora mencionadas.

Art. 59. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadasasdisposiçõesemcontrário.

Prefeitura do Município de Lages, 6 de agosto de 1982. — Celso Anderson de Souza, Prefeito.

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ANEXO

CÓDIGO TRIBUTÁRIO DE LAGES

A P R E S E N T A Ç Ã O

A administração do Prefeito Dirceu Carneiro tem se mostrado, desde o seu início, bastante sensível aos programas de treinamento de seu pessoal.

O presente Código Tributário Municipal, pode se dizer, em sua grande parte, é fruto desse constante estímulo ao aperfeiçoamento e estudo, fomen-tado pelo Chefe do Executivo lageano entre os seus colaboradores.

O anteprojeto desta lei tributária, cujo conteúdo essencial, basicamen-te foi mantido no seu sentido original, ao longo de intensos debates a nível dos membros do Executivo, antes do envio do Projeto à Câmara, e posterior-mente, no âmbito das discussões legislativas, se originou de um desses cursos de aperfeiçoamento que tivemos a oportunidade de participar.

É resultado, também, de valiosas contribuições dos professores e co-legas do Curso de Administração Municipal, bem como dos companheiros de trabalho desta Prefeitura, e da mesma forma, dos nobres vereadores das duas bancadas.

Reflete ele, em toda a sua extensão, a preocupação do Executivo Mu-nicipal, em promover a mais ampla justiça tributária e social no âmbito municipal, com vistas a uma melhor distribuição de renda, através de uma eficiente política fiscal possível de ser praticada a nível local.

Esperamos que, com a correta aplicação deste instrumento legal, e com a colaboração de todos os munícipes, possa o governador municipal al-cançar aqueles objetivos almejados, que em última análise, é o de construir uma cidade, onde todos vivam melhor.

Lages (SC), 29 de dezembro de 1977

Econ. Satomi Iura Assessor Econômico

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L E I nº 047 de 29 de Dezembro de 1977

EMENTA: Institui o Código Tributário do Município de Lages.

Eu, Dirceu Carneiro, Prefeito do Município de Lages, comunico a todos os habitantes deste Município, que a Câmara de Vereadores aprovou e eu san-ciono a seguinte LEI:

TÍTULO I

PARTE GERAL DE NORMAS TRIBUTÁRIAS

Capitulo I

Disposições Preliminares Art. 1º — Esta Lei regula, com fundamento na Constituição Federal,

o sistema tributário do Município de Lages, e estabelece as normas de direito tributário aplicáveis ao Município.

Parágrafo único — Esta Lei tem a denominação de “Código Tributário do Município de Lages”.

Art. 2° — O sistema tributário do Município de Lages é regido pelo disposto na Constituição Federal; em Leis Complementares à Constituição Federal, entre as quais, o Código Tributário Nacional; em Resoluções do Se-nado Federal; e, nos limites das respectivas competências, em leis federais; na Constituição e leis do Estado de Santa Catarina; e neste Código, com a sua regulamentação, e demais normas complementares.

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Art. 3º — Ficam incorporadas neste Código, todas as normas gerais de Direito Tributário aplicáveis ao Município, contidas no Livro Se-gundo do Código Tributário Nacional, além das expressamente dispostas nesta Lei.

Art. 4º — Fica instituída, para os efeitos deste Código e demais dispo-sições da legislação tributária do Município, a Unidade Fiscal do Município de Lages (UFML), equivalente a 10 (dez) vezes o valor base de uma Obriga-ção Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN), vigente no primeiro mês de cada exercício financeiro.

§ 1º — Os tributos calculados em função da UFML, têm a sua base de cálculo monetariamente corrigida apenas uma vez em cada ano no 1º (primeiro) mês do exercício.

§ 2° — O serviço de iluminação pública a que se refere a Taxa de Ser-viços Urbanos, quando conveniado com empresas de energia elétrica, tem como base de cálculo o maior Valor de Referência vigente no País.

Capitulo II

Da Imunidade e das Isenções

Art. 5° — É vedado ao Município instituir imposto sobre:I — o patrimônio ou serviços da União, do Estado, e de outros Muni-

cípios;II — os templos de qualquer culto;III — o patrimônio das autarquias e os serviços vinculados às suas

finalidades essenciais ou delas decorrentes;IV — O patrimônio dos partidos políticos e de instituições de educação

ou de assistência social, e os serviços diretamente relacionados com os objeti-vos institucionais dessas entidades previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos, desde que satisfeitos pelas mesmas, os seguintes requisitos:

a) não distribuírem qualquer parcela do seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação no seu resultado;

b) aplicarem integralmente no país, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

c) manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revesti-dos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

§ 1º — O disposto neste artigo não exclui a atribuição que tiverem as entidades nele referidas, da condição de responsáveis pelos tributos munici-pais que lhes caiba reter na fonte, e não as dispensa da prática de atos asse-curatórios do cumprimento das obrigações tributárias por terceiros.

§ 2º — As entidades referidas neste artigo estão sujeitas ao pagamento de taxas e de contribuição de melhoria instituídas pelo Município, salvo dis-posições em contrário, expressas em lei.

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Art. 6° — A lei que conceder isenção deve observar necessariamente, o princípio da generalidade, e fundamentar-se em razões de ordem pública, ou de interesse social, ou do Município.

Parágrafo único — As isenções são reconhecidas por Decreto Execu-tivo às pessoas físicas ou jurídicas que em requerimento, façam prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei para a sua concessão.

Capítulo III

Do Recolhimento do Tributo

Art. 7° — O recolhimento dos tributos municipais é feito na forma e nos prazos fixados neste Código, e no Regulamento, bem como em normas complementares.

Parágrafo único — Em razão de peculiaridade de cada tributo, pode a autoridade administrativa estabelecer novos prazos de pagamento.

Art. 8° — Quando não recolhido na época estabelecida na legislação tributária do Município, o débito fica sujeito aos seguintes acréscimos:

I — multa de mora;II — juros de mora; eIII — correção monetária.§ 1° — A multa de mora é calculada sobre o valor do débito e corres-

ponde a 10% (dez por cento) do seu montante, sendo exigida a partir do dia seguinte à data em que o recolhimento do tributo deveria ter sido efetuado.

§ 2° — Juros de mora são calculados e cobrados a partir do 31.° (tri-gésimo primeiro) dia, contados da data em que o recolhimento do tributo deveria ter sido efetuado, e corresponde a 1 % (hum por cento) ao mês ou fração, do montante do débito, e não são capitalizáveis.

§ 3° — A correção monetária, cujo percentual é baseado em índices oficiais, incide sobre o valor do débito, e a este acrescida para todos os efeitos legais e é devida a partir do trimestre civil seguinte ao do mês em que o reco-lhimento do tributo deveria ter sido efetuado.

Art. 9° — O recolhimento dos tributos municipais pode ser efetua-do através de entidades públicas ou privadas, devidamente autorizadas pela municipalidade.

Capítulo IV

Da Restituição do Tributo

Art. 10 — O contribuinte tem direito, mediante processo administrati-vo, à restituição total ou parcial do tributo pago, nos seguintes casos:

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I — pagamento de tributo indevido ou a maior que o devido, em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II — erro na identificação do contribuinte, na determinação da alí-quota aplicável, no cálculo do montante do débito, ou na elaboração ou con-ferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

III — reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

Capítulo V

Da Transação e da Compensação de Crédito Tributário

Art. 11 — É permitida a celebração entre o Município e o sujeito passivo da obrigação tributária, de transação para o término ou prevenção de litígio, e conseqüente extinção de crédito tributário, mediante concessões mútuas.

Parágrafo único — A transação, em cada caso, é autorizada pelo Chefe do Executivo, e procedida na forma disposta em Regulamento.

Art. 12 — O Prefeito do Município pode autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos do sujeito passivo contra a Fazenda Municipal.

Capítulo VI

Da Remissão

Art. 13 — É autorizado o Prefeito do Município a conceder, por des-pacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, aten-dendo:

I — à situação econômica do sujeito passivo;II — ao erro ou ignorância escusáveis do contribuinte, quanto à ma-

téria de fato;III — a considerações de eqüidade, em relação com as características

pessoais ou materiais do caso;IV— a diminuta importância do crédito tributário;V — a condições peculiares a determinada região do território do Mu-

nicípio.§ 1° — O despacho referido neste artigo não cria direito adquirido e é

revogado de ofício, sempre que se apure que o beneficiado não satisfazia ou deixou de satisfazer as condições, ou não cumpria ou deixou de cumprir os requisitos para a concessão do benefício previsto neste artigo.

§ 2° — Regulamento disciplinará o disposto neste artigo.

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Capítulo VI

Das Infrações e das Penalidades

Art. 14 — Constitui infração toda ação ou omissão que importe em inobservância às disposições da legislação tributária do Município, e é puni-da com as seguintes cominações, aplicadas isolada ou cumulativamente:

I — multa de infração;II — proibição de transacionar com as repartições municipais;III — suspensão ou cancelamento de benefícios, assim entendidas as

concessões dadas aos contribuintes para se eximirem do pagamento total ou parcial dos tributos municipais.

§ 1° — A aplicação de quaisquer das penalidades previstas neste artigo não exime o infrator do pagamento do tributo devido, bem como dos acrés-cimos referidos no artigo 8.°, se for o caso.

§ 2° — A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos acréscimos cabíveis, ou do depósito da importância estimada pela autorida-de administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.

Art. 15 — São passíveis de multa de infração, os seguintes casos:I — a falta de inscrição ou de comunicação de ocorrência de qualquer

ato ou fato que venha a modificar os dados da inscrição, dentro do prazo de 30 (trinta) dias do ocorrido, é multada em 20% (vinte por cento) da UFML;

II — negar-se a apresentar, no prazo de 8 (oito) dias a contar da data da intimação formal, livros e documentos fiscais ou contábeis, ou por qualquer modo, tentar embaraçar, elidir ou dificultar a ação da fiscalização municipal, caso em que, é aplicada a penalidade de 100% (cem por cento) da UFML;

III — a falta de recolhimento no prazo devido, do imposto sobre ser-viço de qualquer natureza incidente sobre operações escrituradas nos livros fiscais ou contábeis, cuja multa é de 50% (cinqüenta por cento) do valor do tributo não recolhido, sem prejuízo da imputação dos acréscimos a que se refere o artigo 8.° desta Lei;

IV — a não escrituração das operações sujeitas ao pagamento do im-posto sobre serviço de qualquer natureza em livros próprios, com ou sem expedição de documentos fiscais respectivos, é punida com uma multa de 100% (cem por cento) do valor do tributo devido sobre a operação não es-criturada;

V — a falta de comunicação da construção, de reformas, de ampliação ou modificação de edificações; da aquisição de imóveis ou de quaisquer atos ou circunstâncias que possam afetar a incidência do imposto predial e terri-torial urbano é multada em 10% (dez por cento) do valor da UFML;

VI — a venda de imóveis em loteamento sem a prévia e definitiva aprovação ou a expressa autorização pela municipalidade, é punida com a multa de 100% (cem por cento) da UFML, para cada caso de transação;

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VII — às infrações cuja penalidade não esteja especificamente previs-ta neste Código, são aplicadas multas de 50% (cinqüenta por cento) do valor da UFML.

§ 1° — As multas previstas nos incisos III, e IV deste artigo podem ser reduzidas a 50% (cinqüenta por cento) do seu valor, no caso em que o contribuinte proceda o recolhimento do total do tributo devido, no prazo de 15 (quinze) dias a contar da data da notificação.

§ 2° — As multas calculadas sobre o valor do tributo não recolhido são acrescidas a este, cumulativamente com o disposto no art. 8.°, para todos os efeitos legais.

TÍTULO II

PARTE ESPECIAL DOS TRIBUTOS MUNICIPAIS

Capítulo I

Disposições Preliminares

Art. 16 — Ficam instituídos no Município de Lages, os seguintes tributos:I — Imposto sobre:

a) a propriedade predial e territorial urbana;b) serviços de qualquer natureza;

II — taxas cobradas em decorrência de:a) exercício regular de poder de polícia pela Municipalidade;b) prestação, pela Municipalidade, de serviços públicos específicos

e divisíveis, ou colocação à disponibilidade desses serviços aos contribuintes, haja ou não a utilização efetiva pelos mesmos;

III — contribuição de melhoria.Parágrafo único — A contribuição de melhoria de que trata o inciso III

do caput deste artigo será disciplinada através de lei municipal específica.

Capítulo II

Dos Impostos

Seção I

DO IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO

Art. 17 — O imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, denominado neste Código de Imposto Predial e Territorial Urbano (lPTU) tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imó-

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MÁRCIO MOREIRA ALVES152

vel por natureza ou por acessão física, como definido em lei civil, localizado na zona urbana ou urbanizável do Município, e sobre os imóveis previstos no § 3º deste artigo.

§ 1° — Para os efeitos deste Imposto, considera-se zona urbana do Mu-nicípio, aquela compreendida na área territorial do Município de Lages, em que existam, no mínimo, 2 (dois) dos melhoramentos indicados nos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo poder público, seja federal, estadual ou municipal:

I — meio-fio ou calçamento, ou canalização de águas pluviais;II — abastecimento de água;III — sistema de esgotos sanitários;IV — rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para dis-

tribuição domiciliar;V — escola de primeiro grau, ou posto de saúde a uma distância máxi-

ma de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.§ 2° — É considerada igualmente urbana, para os efeitos deste artigo,

a zona de áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de lotea-mentos aprovados pela Municipalidade, destinados à habitação, à indústria, ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior.

§ 3° — Estão sob a incidência deste Imposto, os imóveis com área superior a 1 (hum) hectare, independentemente de sua localização, não desti-nados à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou agro-industrial.

Art. 18 — A base de cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel.§ 1° — Entende-se por valor venal, o preço do mercado imobiliário do

terreno, juntamente com o das construções nele edificadas.§ 2° — Na determinação da base de cálculo do IPTU não se considera

o valor dos bens móveis mantidos em caráter permanente ou temporário no imóvel, para efeito de utilização, exploração, decoração ou conforto.

§ 3° — Sem prejuízo da valorização decorrente das obras de melhora-mento, o valor venal dos imóveis é automaticamente corrigido, anualmente, pelo índice oficial de correção monetária.

Art. 19 — O contribuinte do IPTU é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.

§ 1° — No imóvel que for objeto de venda, o IPTU incidente sobre o mesmo, referente ao exercício em que se efetivar a operação, deve ser, na sua totalidade, quitado pelo vendedor, antes da lavra da Escritura Pública de Compra e Venda respectiva.

§ 2° — É de responsabilidade do promitente vendedor, o IPTU inci-dente sobre o imóvel que for objeto de promessa de compra e venda.

Art. 20 — O Imposto Predial e Territorial Urbano, cobrado anualmente nos prazos fixados em Regulamento, de cada unidade imobiliária, é calculado mediante a aplicação sobre o valor venal dos imóveis, as seguintes alíquotas:

I — terrenos edificados em pelo menos 15% (quinze por cento) da sua área: 0,5% (meio por cento);

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II — terrenos não edificados, ou cuja área construída não alcança o percentual referido no inciso anterior: 1,0% (hum por cento);

III — terrenos não edificados, ou cuja área construída não alcança o percentual referido no inciso I, mas possui muro de alvenaria em toda a sua extensão divisória ou pelo menos em 80% (oitenta por cento), e calçada na parte frontal: 0,8% (oito décimos por cento).

§ 1° — Fica instituído no Município, o sistema de alíquotas progressi-vas do IPTU, aplicáveis sobre terrenos não edificados ou cuja área constru-ída não alcança o percentual referido no inciso I deste artigo, considerados pela Municipalidade, de fins especulativos.

§ 2º — A alíquota progressiva a que se refere o parágrafo anterior é majorada, anualmente em 0,1 % (hum décimo por cento), a partir do exer-cício subseqüente ao da vigência desta Lei, até atingir a alíquota máxima de 5% (cinco por cento).

§ 3° — Os imóveis sujeitos à aplicação da alíquota progressiva passam a ser tributados na forma do inciso I deste artigo, a partir do exercício se-guinte ao da expedição do HABITE-SE da edificação que tenha sido cons-truída no terreno.

§ 4º — Fica excluído da incidência da alíquota progressiva o imóvel, ainda que não edificado, que não possua área superior a 500 (quinhentos) metros quadrados, e cujo proprietário faça prova de que é possuidor deste único imóvel no Município.

§ 5º — É concedido um abatimento de 5% (cinco por cento) sobre o valor do IPTU lançado, ao contribuinte que efetivar o pagamento do total devido, até a data do vencimento da 1ª (primeira) parcela.

Seção II

DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA

Art. 21 — O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (lSQN), tem como fato gerador a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviços de qualquer natureza, não compreendidos na competência tributária da União ou dos Estados.

§ 1° — Incluem-se dentre outros, os serviços constantes da lista abai-xo, como sujeitos ao Imposto de que trata este artigo.

LISTA DE SERVIÇOSServiços de:

1 — médicos, dentistas e veterinários;2 — enfermeiros, protéticos (prótese dentária), obstetras, ortopédicos, fono-audiólogos, psicólogos;3 — laboratórios de análises clínicas e eletricidade médica;

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4 — hospitais, sanatórios, ambulatórios, pronto-socorros, bancos de sangue, casas de saúde, casas de recuperação ou repouso sob orientação médica;

5 — advogados ou provisionados; 6 — agentes de propriedade artística ou literária; 7 — agentes de propriedade industrial; 8 — peritos e avaliadores; 9 — tradutores e intérpretes;10 — despachantes;11 — economistas;12 — contadores, auditores, guarda-livros e técnicos em contabilidade;13 — organização, programação, planejamento, assessoria, processamento

de dados, consultoria técnica, financeira ou administrativa (exceto os serviços de assistência técnica prestada a terceiros e concernentes a ramo de indústria ou comércio explorado pelo prestador do serviço);

14 — datilografia, estenografia, secretária e expediente;15 — administração de bens ou negócios, inclusive consórcios ou fundos mú-

tuos para aquisição de bens (não abrangidos os serviços executados por instituições financeiras);

16 — recrutamento, colocação ou fornecimento de mão-de-obra, inclusive por empregados do prestador de serviços ou por trabalhadores avulsos por ele contratados;

17 — engenheiros, arquitetos, urbanistas;18 — projetistas, calculistas, desenhistas técnicos;19 — execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de cons-

trução civil, de obras hidráulicas e outras semelhantes, inclusive servi-ços auxiliares ou complementares (exceto o fornecimento de mercado-rias produzidas pelo prestador dos serviços fora do local da prestação de serviços, que ficam sujeitas ao ICM);

20 — demolição, conservação e reparação de edifícios (inclusive elevadores nele instalados), estradas, pontes e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da

prestação dos serviços, que ficam sujeitas ao ICM);21 — limpeza de imóveis;22 — raspagem e lustração de assoalhos;23 — desinfecção e higienização;24 — lustração de bens móveis (quando o serviço for prestado ao usuário final do objeto lustrado);25 — barbeiros, cabeleireiros, manicures, pedicures, tratamento de pele e

ou tros serviços de salões de beleza;26 — banhos, duchas, massagens, ginástica e congêneres; 27 — transportes e comunicações, de natureza estritamente municipal; 28 — diversões públicas; a) teatros, cinemas, circos, auditórios, parques de diversões, taxi-dan-

cings e congêneres; b) exposições com cobrança de ingressos;

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A FORÇA DO POVO 155

c) bilhares, boliches e outros jogos permitidos; d) bailes, shows, festivais, recitais e congêneres; e) competições esportivas ou destreza física ou intelectual, com ou sem

participação do espectador, inclusive as realizadas em auditórios de estações de rádio, ou de televisão;

f) execução de música mediante transmissão por qualquer processo;29 — organização de festas, buffet (exceto o fornecimento de alimentos e

bebidas que ficam sujeitos ao ICM); 30 — agências de turismo, passeios e excursões, guias de turismo; 31 — intermediação, inclusive corretagem, de bens móveis e imóveis, exceto os serviços mencionados nos itens 58 e 59;32 — agenciamento e representação de qualquer natureza, não incluído no

item anterior, e nos itens 58 e 59;33 — análises técnicas;34 — organização de feiras de amostras, congressos e congêneres;35 — propaganda e publicidade, inclusive planejamento de campanhas ou

sistemas de publicidade; elaboração de desenhos, textos e demais ma-teriais publicitários; divulgação de textos, desenhos e outros materiais de publicidade por qualquer meio;

36 — armazéns gerais, armazéns frigoríficos e silos, carga e descarga, arru-mação e guarda de bens, inclusive guarda-móveis e serviços correla-tos;

37 — depósitos de qualquer natureza (exceto depósitos feitos em bancos ou outras instituições financeiras);

38 — guarda e estacionamento de veículos;39 — hospedagem em hotéis, pensões e congêneres (o valor quando incluído no

preço da diária ou mensalidade fica sujeito ao imposto sobre serviços);40 — lubrificação, limpeza e revisão de máquinas, aparelhos, e equipamen-

tos (quando a revisão implicar em consertos, ou substituição de peças, aplica-se o disposto no item seguinte);

41 — conserto e restauração de quaisquer objetos (exclusive, em qualquer caso, o fornecimento de peças e partes de máquinas e aparelhos, cujo valor fica sujeito ao ICM);

42 — recondicionamento de motores (o valor das peças fornecidas pelo pres-tador de serviços fica sujeito ao ICM);

43 — pintura (exceto em serviços relacionados com imóveis) de objetos não destinados à comercialização ou industrialização;

44 — ensino de qualquer grau ou natureza; 45 — alfaiates, modistas, costureiros, prestados ao usuário final, quando o

material, salvo o de aviamento, seja fornecido pelo usuário; 46 — tinturaria e lavanderia;47 — beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, acon-

dicionamento e operações similares, de objetos não destinados à co-mercialização ou industrialização;

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48 — instalação e montagem de aparelhos, máquinas e equipamentos pres-tados ao usuário final do serviço, exclusivamente com material por ele fornecido (excetua-se a prestação do serviço ao poder público, às au-tarquias, às empresas concessionárias de produção de energia elétrica);

49 — colocação de tapetes ou cortinas com material fornecido pelo usuário final de serviços;50 — estúdios fotográficos e cinematográficos, inclusive revelação, amplia-

ção, cópia e reprodução; estúdios de gravação de video-tape para tele-visão; estúdios fonográficos e de gravações de sons ou ruídos, inclusive dublagem e “mixagem” sonora;

51 — cópia de documentos e outros papéis, plantas e desenhos por qualquer processo não incluído no item anterior;

52 — locação de bens móveis;53 — composição gráfica, clicheria, zincografia, litografia, e fotolitografia;54 — guarda, tratamento e adestramento de animais;55 — florestamento e reflorestamento;56 — paisagismo e decoração (exceto o material fornecido para execução,

que fica sujeito ao ICM);57 — recauchutagem ou regeneração de pneumáticos;58 — agenciamento, corretagem ou intermediação de câmbio e de seguros;59 — agenciamento, corretagem ou intermediação de títulos quaisquer (ex-

ceto os serviços executados por instituições financeiras, sociedades distribuidoras de títulos e valores, e sociedades de corretores, regular-mente autorizadas a funcionar);

60 — encadernação de livros e revistas;61 — aerofotogrametria;62 — cobranças, inclusive de direitos autorais;63 — distribuição de filmes cinematográficos e de “video-tapes”;64 — distribuição e vendas de bilhetes de loteria;65 — empresas funerárias;66 — taxidermistas;67 — demais serviços não especificados nos itens anteriores.

§ 2° — Os serviços incluídos na lista do parágrafo anterior ficam su-jeitos apenas ao ISQN, ainda que sua prestação envolva fornecimento de materiais, observadas as exceções previstas nos itens.

§ 3° — O fornecimento de mercadorias com prestação de serviço não especificado na lista, fica sujeito ao ICM, de competência estadual.

§ 4º — Se o serviço não estiver compreendido na competência tributária da União ou do Estado, e não envolver o fornecimento de mercadorias, fica sujeito ao ISQN, ainda que não conste da lista referida no § 1.° deste artigo.

Art. 22 — O contribuinte do ISQN é o prestador do serviço, podendo ser uma empresa ou um profissional autônomo, ou ainda, sociedade de pro-fissionais.

Parágrafo único — Não são contribuintes os que prestam serviços com vínculo de emprego; os trabalhadores avulsos, assim entendidos os que não

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A FORÇA DO POVO 157

exercem a atividade em caráter habitual; e os diretores e membros de conse-lhos consultivo ou fiscal de sociedades.

Art. 23 — A base de cálculo do ISQN é o preço do serviço.§ 1° — Considera-se preço do serviço dos profissionais autônomos, o

montante auferido pelo contribuinte a título de remuneração de serviços não assalariados.

§ 2° — Quando o serviço for prestado por empresa, assim entendida toda e qualquer pessoa jurídica de direito privado, sujeita ao pagamento do ISQN, o preço do serviço é o registrado em documentos fiscais e contábeis, sob a rubrica própria.

§ 3° — O preço do serviço pode ser arbitrado pelo fisco municipal, na forma disposta em Regulamento, sem prejuízo das penalidades cabíveis, nos seguintes casos:

I — quando o contribuinte não exibir à fiscalização, os elementos ne-cessários à comprovação da receita apurada, inclusive nos casos de inexistên-cia, perda ou extravio dos livros ou documentos fiscais nas empresas;

II — quando houver fundadas suspeitas de que os documentos fiscais não refletem o preço real dos serviços ou quando o declarado for notoriamen-te inferior ao corrente na praça;

III — quando o contribuinte não estiver inscrito junto à repartição competente do Município.

Art. 24 — Quando os serviços forem prestados por sociedades de pro-fissionais, que para o exercício de sua respectiva profissão dependam de ha-bilitação legal, o ISQN é devido por estas sociedades.

Parágrafo único — O imposto devido pelas sociedades referidas neste artigo é calculado em relação a cada profissional habilitado, que preste serviço em nome da sociedade, independente da natureza do seu vínculo com a mesma.

Art. 25 — Na prestação dos serviços a que se referem os itens 19 e 20 da lista de que trata o § 1.°, do artigo 21, o ISQN é calculado sobre o preço, deduzido das parcelas correspondentes:

I — ao valor dos matetriais fornecidos pelo prestadpr dos serviços;II — ao valor das subempreitadas já tributadas pelo ISQN.Art. 26 — Considera-se o local da prestação dos serviços:I — o do estabelecimento do prestador ou, na falta deste, o seu domicílio;II — no caso de construção civil, o local onde se efetuar a obra.Art. 27 — Todo o usuário de serviço prestado por empresa, sob a for-

ma de trabalho remunerado, deve exigir, na ocasião do pagamento, a ex-tração da nota fiscal de serviços correspondente, ou a exibição do Cartão de Inscrição Municipal, no caso de o serviço for prestado por profissionais autônomos, hipótese em que, deve anotar no recibo, ou em qualquer outro documento que comprove a efetivação do pagamento, o respectivo número da inscrição municipal.

§ 1° — No caso em que a empresa prestadora não possuir ou não ex-trair, a Nota Fiscal de Serviços, ou o profissional autônomo não possuir ou

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MÁRCIO MOREIRA ALVES158

não exibir o seu Cartão de Inscrição Municipal, o usuário do serviço deve descontar, no ato do pagamento, o valor do tributo correspondente à alíquo-ta prevista para a respectiva atividade.

§ 2º — Em caso de constatação pelo fisco, da não observância pelos usuários de serviços, do disposto no caput deste artigo e no parágrafo ante-rior, são estes notificados ao pagamento do valor correspondente ao tributo não descontado.

§ 3º — O recolhimento do Imposto descontado na fonte ou, em sendo o caso, a importância que deveria ter sido descontada, é feito em nome do prestador do serviço, com a indicação do responsável pela retenção, nos se-guintes prazos:

I — até o último dia do mês subseqüente em que se efetuou a retenção;II — dentro de 5 (cinco) dias, a contar da data da notificação, no caso

da falta de retenção, conforme dispõe o § 2.° deste artigo.§ 4º — Fica sujeito à multa de:I — 100% (cem por cento) do valor do tributo devido, aquele que não

efetuar o recolhimento do imposto retido, sem prejuízo da responsabilidade penal decorrente;

II — 50% (cinqüenta por cento) do valor do tributo devido, cumula-tivamente à aplicação do disposto no § 2º, deste artigo, aquele que deixar de cumprir o que determina o inciso II, do parágrafo anterior.

§ 5º — As pessoas físicas ou jurídicas que gozam de imunidade ou isen-ção tributária, sujeitam-se às obrigações referidas neste artigo, sob a pena de incorrer nas sanções nele previstas.

Art. 28 — O recolhimento do ISQN é efetuado até o último dia do mês subseqüente em que tenha ocorrido o fato gerador.

Parágrafo único — Equipara-se à empresa, para os efeitos do disposto no § 2º, do artigo 23, sociedades de profissionais que utilizem mais de 2 (dois) empregados na execução direta ou indireta dos serviços por elas prestados.

Art. 29 — São as seguintes as alíquotas aplicáveis sobre a base de cálculo:I — profissionais autônomos e sociedades de profissionais: 1,0% (hum

por cento) sobre o preço do serviço apurado na forma do § 1º, do artigo 23, e parágrafo único do artigo 24;

II — itens 3, 4, 19, 20, 27 e 44, da lista de serviços a que se refere o § 1º, do artigo 21: 2,0% (dois por cento);

III — item 28, da lista de serviços: 10,0% (dez por cento);IV — demais serviços não especificados nos incisos anteriores: 4,0%

(quatro por cento).

Capítulo III

Das Taxas

Art. 30 — Ficam instituídas no Município, taxas cobradas em decor-rência de:

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A FORÇA DO POVO 159

I — exercício regular de poder de polícia administrativa, pela Muni-cipalidade:

II — prestação, pela Municipalidade, de serviços públicos específicos e divisíveis, ou a colocação à disponibilidade desses serviços aos contribuintes, independentemente de sua efetiva utilização pelos mesmos.

Art: 31 — As taxas aqui instituídas são cobradas de acordo com as tabelas anexas que fazem parte integrante desta Lei, exceto as Taxas de Serviços que têm sua forma específica de cálculo.

Parágrafo único — Os serviços públicos, cujas receitas não compor-tam disciplinamento neste Código, são reguladas e cobradas na forma esta-belecida em Decreto baixado pelo Executivo.

Seção I

DAS TAXAS DE POLÍCIA

Art. 32 — Pelo exercício regular de poder de polícia, é cobrada a Taxa de Licença, que compreende as seguintes espécies: I — Taxa de Licença de Localização (TLL): II — Taxa de Licença de Horários Especiais (THE): III — Taxa de Licença de Publicidade (TLP); IV — Taxa de Licença de Execução de Obras (TEO); V — Taxa de Licença de Execução de Loteamento e Desmembramentos (TEL); VI — Taxa de Licença de Comércio Eventual (TCE); VII — Taxa de Licença de Ocupação de Vias e Logradouros Públicos (TOS).

Art. 33 — A Taxa de Licença de Localização (TLL) é devida por pesso-as físicas ou jurídicas, de direito privado ou público que mantenham estabe-lecimentos comerciais, industriais, ou de prestação de serviços, no Município, em razão do poder de polícia administrativa exercido pela Municipalidade, ao vistoriar as condições das instalações e localização desses estabelecimentos.

§ 1º — A Taxa de Licença de Localização (TLL) de que trata este arti-go, é devida anualmente, pelos contribuintes aqui definidos, no início de cada ano fiscal, pela renovação da vistoria.

§ 2º — Estabelecimentos de prestação de serviços em que exerçam ati-vidade dois ou mais profissionais autônomos, a Taxa referida neste artigo é devida somente pelo responsável pelo mesmo.

§ 3º — A licença pode ser cassada e fechado o estabelecimento a qual-quer tempo, desde que passem a inexistir quaisquer das condições que le-gitimaram a sua concessão, ou quando o responsável pelo estabelecimento, mesmo após a aplicação das penalidades cabíveis, não cumprir as intimações expedidas pela Municipalidade.

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Art. 34 — A Taxa de Licença de Horários Especiais (THE) tem como fato gerador a autorização prévia, pela Municipalidade, para o funciona-mento de estabelecimentos comerciais, industriais e de prestação de serviços, além ou fora do horário normal, regulamentado em legislação municipal.

§ 1° — São contribuintes desta Taxa os estabelecimentos que preten-dam estender o horário de seu funcionamento além ou fora daquele regula-mentado em legislação municipal.

§ 2° — São excluídos da exigência desta Taxa, os estabelecimentos, que, dada a sua essencialidade ou por se tratar de interesse público, necessi-tem funcionar além ou fora do horário comercial regulamentado.

§ 3° — Os estabelecimentos que requerem a licença para funcionamen-to em horários especiais podem fazê-lo para uma determinada data ou, por mês ou ano, de acordo com a Tabela II, anexa.

Art. 35 — A exploração ou utilização de quaisquer meios de publicida-de, em locais de acesso público, em vias e logradouros públicos, ou que destes possam ser visíveis, com ou sem cobrança de ingressos, é sujeita à prévia licença da Prefeitura e ao pagamento de Licença de Publicidade (TLP).

§ 1° — A Taxa de Licença de Publicidade é devida anualmente na implantação, se fixa; ou a cada renovação ou modificação, pelo contribuinte que tenha interesse em publicidade própria ou de terceiros, de acordo com a Tabela III, anexa.

§ 2° — Os termos publicidade, anúncio, propaganda, promoção e di-vulgação são equivalentes para os efeitos de incidência da Taxa de Licença de Publicidade (TLP).

§ 3° — Ficam isentas do pagamento desta Taxa, as publicidades consi-deradas de interesse público, definidas em Regulamento.

Art. 36 — A Taxa de Licença de Execução de Obras (TEO) é devida pelos proprietários de obras em construção, reconstrução, reparo, reforma ou acréscimo, demolição de edificações e quaisquer outras obras, alcançando ainda, os casos de prorrogação de prazos para a execução da obra e revali-dação da licença, localizadas no Município, em decorrência do policiamento administrativo exercido pela Municipalidade, com respeito ao alinhamento, nivelamento, vistorias, recuo, observância de gabaritos nas obras e demais normas e disposições do Código de Obras e Lei de Zoneamento do Município.

§ 1° — A Taxa a que se refere este artigo é devida independentemen-te da aprovação ou não dos projetos pela Municipalidade, e será recolhida na ocasião em que os mesmos sejam encaminhados à apreciação dos órgãos competentes da Municipalidade, observadas as demais disposições estabele-cidas em Regulamento.

§ 2° — Ficam isentas da Taxa de Execução de Obras (TEO), todas as edificações e atividades relacionadas no caput deste artigo, que integrem projetos de habitação popular, desde que assim sejam compreendidas, atra-vés de ato do Executivo.

Art. 37 — A Taxa de Licença de Execução de Loteamentos e Desmem-

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A FORÇA DO POVO 161

bramentos (TEL) é devida pelos titulares de terrenos a serem loteados ou desmembrados, pela apreciação, por órgãos competentes da Municipalidade, dos respectivos planos e projetos de loteamentos ou desmembramentos, tra-çado de vias de conexão e eixos viários principais, de acordo com as normas de zoneamento e planos urbanísticos do Município.

Parágrafo único — A Taxa de Licença de Execução de Loteamentos e Desmembramentos (TEL) é devida na forma da Tabela V, anexa, indepen-dentemente de terem ou não sido aprovados os planos e projetos, e recolhida na ocasião em que os mesmos forem encaminhados à apreciação e exame pelos órgãos competentes da Municipalidade.

Art. 38 — A Taxa de Licença de Comércio Eventual (TCE) tem como fato gerador a autorização prévia, pela Municipalidade, mediante indicação e delimitação de locais para o exercício de atividades comerciais e de presta-ção de serviços.

§ 1° — Considera-se comércio eventual o que é exercido em determina-das épocas do ano, em locais previamente autorizados pela Prefeitura.

§ 2° — É considerado, também, como comércio eventual, o que é exer-cido em instalações removíveis, colocadas em vias públicas, como balcões, barracas, mesas, tabuleiros e semelhantes.

§ 3° — A Taxa de Licença de que trata este artigo é exigível por ano. mês ou dia, de acordo com a Tabela VI, anexa, na conformidade do respecti-vo Regulamento e recolhida previamente.

§ 4° — O pagamento da Taxa de Licença de Comércio Eventual, nas vias e logradouros públicos não dispensa a cobrança da Taxa de Ocupação de Vias e Logradouros Públicos (TOS), quando cabível.

§ 5° — O não cumprimento dos dispositivos deste artigo pelos comer-ciantes eventuais, autoriza à Municipalidade proceder a apreensão das mer-cadorias em poder dos mesmos, sendo liberadas tão logo sejam cumpridas as exigências.

§ 6° — As atividades de comércio eventual promovidas por entidades de fins assistenciais ou filantrópicas ficam excluídas da exigência do paga-mento da Taxa a que se refere este artigo, sujeitando-se, no entanto, à au-torização prévia pela Municipalidade, mediante indicação e delimitação de locais adequados e permitidos, em vias e logradouros públicos.

Art. 39 — A Taxa de Licença de Ocupação de Vias e Logradouros Públicos (TOS) é devida por quem se utiliza de áreas em vias e logradouros públicos, mediante prévia autorização da Municipalidade, e calculada na forma da Tabela VII, anexa.

Parágrafo único — Entende-se por ocupação de vias e logradouros pú-blicos aquela feita mediante instalação provisória de balcões, barracas, me-sas, tabuleiros, quiosques e qualquer outro móvel ou utensílio, depósito de materiais para fins comerciais ou de prestação de serviços, e estacionamento privativo de veículos em locais permitidos.

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Seção II

DAS TAXAS DE SERVIÇOS

Art. 40 — Pela prestação de serviços públicos específicos e divisíveis pela Municipalidade, ou a colocação à disponibilidade desses serviços aos contribuintes, independentemente da sua utilização efetiva pelos mesmos, são cobradas as seguintes Taxas: I — Taxa de Serviços Urbanos (TSU); II — Taxa de Construção, Conservação e Melhoramento de Estradas Municipais (TEM).

Art. 41 — A Taxa de Serviços Urbanos (TSU) tem como fato gerador a utilização efetiva ou potencial dos serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição, tais como: I — serviços de conservação de vias e logradouros públicos; II — serviços de coleta de lixo; III — serviços de limpeza pública; IV — serviços de iluminação pública;

Art. 42 — São contribuintes da Taxa de Serviços Urbanos os proprie-tários, titulares do domínio útil, ou os possuidores a qualquer título, de imó-veis edificados ou não, que se situem em logradouros onde a Municipalidade tenha colocado à disposição esses serviços.

Art. 43 — A Taxa de que trata esta Seção, artigo 41, incisos I, II e III, incide sobre cada economia autônoma ou unidade distinta, de acordo com a Tabela VIII, que será cobrada juntamente com os impostos imobiliários, nos mesmos prazos.

Parágrafo único — O serviço de iluminação pública, prestado por in-termédio da Prefeitura, referido no inciso IV, do artigo 41, será cobrado de acordo com a Tabela IX e/ou IX/A, e poderá ser arrecadado:

I — mensalmente, através de convênio com empresa concessionária dos serviços de eletricidade, na forma da Tabela IX, anexa;

II — nos prazos fixados para a arrecadação dos impostos imobiliários para os imóveis constituídos por lotes não edificados e para as demais econo-mias, quando, por qualquer motivo, não for utilizado o critério previsto no inciso I deste artigo, conforme a Tabela IX/A, anexa.

Art. 44 — A forma de lançamento, notificação, prazos de pagamento, bem como as demais normas relativas a este Capítulo são disciplinadas em Regulamento.

Art. 45 — A taxa de Construção, Conservação e Melhoramento de Es-tradas Municipais (TEM) tem como fato gerador a construção, a prestação de serviços de conservação e melhoramento das estradas municipais, manti-das regularmente, pela Prefeitura.

Parágrafo único — A Taxa referida neste artigo tem como base de cálculo o custeio ou o montante total das despesas realizadas pela Prefeitura para a efetivação dos serviços distribuídos proporcionalmente às áreas dos

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imóveis que estão direta ou indiretamente ligados às estradas e caminhos municipais, na forma do Regulamento.

Art. 46 — Para efeito do cálculo desta Taxa, será rateado o valor cor-rigido do custo da obra do ano anterior, deduzidas as aplicações do Fundo Rodoviário Nacional (FRN) e da Taxa Rodoviária Única (TRU), entre as propriedades que integram a área, zona ou região rural beneficiada pela re-ferida obra.

Parágrafo único — Consideram-se serviços de conservação de estradas: I — conservação de leito de estradas, através de: a) patrolagem; b) ensaibramento; II — abertura de valas coletadoras de águas pluviais; III — capinação das vias e limpeza de valas; IV — colocação de tubos; V — outras despesas para a realização destes serviços.

Capítulo IV

Da Contribuição de Melhoria

Art. 47 — A Contribuição de Melhoria tem como fato gerador a exe-cução, pela Municipalidade, em regime de administração própria ou emprei-tada, dos serviços de pavimentação e calçamento das vias e logradouros pú-blicos do Município.

Parágrafo único — Para os efeitos de cobrança desta Contribuição, entendem-se como serviços de pavimentação e calçamento: I — estudos e projetos; II — abertura, alargamento, nivelamento, demarcação de vias a serem pavimentadas e outros serviços preliminares; III — limpeza, aterro, escavação de bases e sub-bases e serviços correlatos; IV — colocação ou substituição de paralelepípedos, pedra cic1ópica, asfalto, lajota ou qualquer outro tipo de material utilizável no revestimento ou calçamento de vias e logradouros públicos; V — colocação de meio-fios, guias de sarjetas, caixas de ralo, rede pluvial e demais equipamentos e instalações complementares; VI — administração e custos indiretos; VII — indenizações.

Art. 48 — São contribuintes da Contribuição de Melhoria os proprie-tários, titulares do domínio útil ou os possuidores a qualquer título, de imó-veis localizados à margem das vias e logradouros públicos em que forem exe-cutados serviços de pavimentação ou calçamento.

Parágrafo único — Respondem solidariamente pelo pagamento des-ta Contribuição, o titular do uso ou habitação, os promitentes compradores imitidos na posse, os concessionários e os ocupantes a qualquer título, dos imóveis.

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Art. 49 — A base de cálculo da Contribuição de Melhoria é o custo total dos serviços referidos no parágrafo único do artigo 47, sendo a impor-tância devida por cada contribuinte determinada através de rateio entre os mesmos, observados os seguintes critérios:

I — apura-se o total do custo dos serviços e divide-se pela área total pavimentada, excluindo-se desta as áreas neutras de interseção de vias, sen-do que, o quociente é o custo unitário por metro quadrado dos serviços;

II — a largura do logradouro pavimentado é dividida por 2 (dois), de-terminando-se para cada imóvel marginal a área correspondente ao produto da extensão da sua testada pela metade da largura da via pavimentada;

III — na hipótese de logradouros e vias com duas ou mais faixas ou pistas, contíguas ou não, entende-se como metade a largura constituída por uma faixa ou a largura da via total, dividida por dois;

IV — o valor da Contribuição de Melhoria a ser paga relativamente a cada imóvel marginal é calculado multiplicando-se o custo unitário por metro quadrado dos serviços pela área determinada na forma do inciso II deste artigo.

Art. 50 — Antes do início dos serviços previstos no artigo 47, a Prefei-tura divulgará aviso em forma de Edital, pelo Boletim Oficial ou em jornal de circulação local, especificando:

I — os logradouros, trechos ou áreas que serão calçados ou pavimen-tados;

II — o custo orçado da obra e o prazo de execução;III — o total da área a ser calçada ou pavimentada e o custo por metro

quadrado;IV — o tipo de calçamento ou pavimentação e outros serviços, bem

como demais detalhes para a sua perfeita identificação.Art. 51 — O contribuinte tem prazo de 30 (trinta) dias, contados da

data da publicação do edital, para a impugnação, que poderá versar sobre:I — erro na localização e dimensões do imóvel;II — o valor da obra referente aos imóveis.Parágrafo único — Cabe ao impugnante o ônus da prova.Art. 52 — A impugnação é dirigida ao Prefeito mediante requerimento. Art. 53 — O requerimento de impugnação, como também quaisquer

recursos administrativos, não suspende a execução das obras e nem terá o efeito de obstar a Municipalidade da prática dos atos necessários ao lança-mento e cobrança da Contribuição a que se refere este Capítulo.

Art. 54 — A falta de manifestação dos interessados para tratarem dos procedimentos estabelecidos no artigo 51, desta Lei, é interpretada como aceitação tácita das condições apresentadas pela Prefeitura.

Art. 55 — O pagamento da Contribuição pode ser feito de uma só vez ou em parcelas.

§ 1° — O pagamento feito de uma só vez gozará dos descontos seguintes:I — 30% (trinta por cento) do valor da Contribuição, se efetuado den-

tro de 30 (trinta) dias, contados da data da publicação do Edital;

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A FORÇA DO POVO 165

II — 20% (vinte por cento), se efetuado no prazo de 60 (sessenta) dias contados da data da publicação do Edital;

III — 10% (dez por cento), se efetuado dentro de 90 (noventa) dias contados da data da publicação do Edital.

§ 2º — Os pagamentos parcelados da Contribuição devem ser requeri-dos dentro de 90 (noventa) dias, contados da data do Edital, e são onerados com juros de 1,0% (hum por cento) ao mês, e a correção monetária pré-fixa-da de 1,0% (hum por cento) ao mês, ambos não capitalizáveis.

§ 3° — Decorridos os 90 (noventa) dias da data do Edital, o débito é considerado vencido, para todos os efeitos, sendo-lhe aplicado o disposto no artigo 8°, deste Código.

Art. 56 — O número de parcelas não poderá ser superior a 36 (trinta e seis), e serão pagas mensalmente.

Parágrafo único — A primeira prestação deverá ser paga até 30 (trinta) dias após o término do prazo de que trata o artigo anterior § 1.°, inciso II, vencendo-se as demais prestações sucessivas e mensalmente no mesmo dia.

Art. 57 — Em casos excepcionais, e atendendo razões de relevante interesse público e social, devidamente comprovados, o Prefeito poderá au-torizar, mediante requerimento, que o valor da obra de calçamento do reque-rente seja dividido em maior número de prestações que o previsto no artigo 56, mercê dos seguintes requisitos:

I — apresentação da declaração de bens ou renda;II — apresentação de certidão dos cartórios de registro de imóveis, de

que não possua nenhum outro imóvel.

TÍTULO III

DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS E FINAIS

Art. 58 — As isenções concedidas anteriormente à vigência desta Lei, que não satisfaçam as condições previstas no artigo 6.°, ficam revogadas a partir da vigência desta Lei, salvo as concedidas por prazos determinados.

Art. 59 — O Poder Executivo baixará Decreto regulamentando o pre-sente Código.

Art. 60 — Esta Lei entrará em vigor a 1.° (primeiro) de janeiro de 1978, data em que ficam revogadas as disposições em contrário, especialmen-te as Leis nos 148, de 11 de dezembro de 1970 e 082, de 26 de agosto de 1974.

Prefeitura do Município de Lages, em 29 de Dezembro de 1977 Dirceu Carneiro Prefeito do Município

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TABELA I — Alíquotas da Taxa de Licença de Localização (TLL)

Especificação %s/UFMLmais

SomatórioFixo 144 p/empregado %s/UFML

1 — Estabelecimentos Industriais

— com menos de 3 empregados ...... — — 7,0% — de 3 a 20 empregados ................ 2,0% mais 3,0% — de 21 a 40 empregados............... 1,0% mais 23,0% — de 41 a 80 empregados............... 0,7% mais 43,0% — de 81 a 160 empregados ............. 0,6% mais 61,0% — de 161 a 320 empregados ........... 0,5% mais 79,0% — de 321 a 640 empregados ........... 0,4% mais 99,0% — com mais de 640 empregados ..... 0,3% mais 163,0%

2 — Estabelecimentos Comerciais

— sem empregados ........................ — — 7,0% — de 1 a 5 empregados .................. 4,0% mais 3,5% — de 6 a 10 empregados ................ 2,5% mais 11,0% — de 11 a 20 empregados............... 1,0% mais 26,0% — de 21 a 40 empregados............... 0,9% mais 38,0% — de 41 a 80 empregados............... 0,8% mais 61,0% — com mais de 80 empregados ...... 0,7% mais 89,0%

3 — Estabelecimentos de Serviço

— com menos de 3 empregados, inclusive estabelecimentos de

profissionais autônomos............ — — 7,0% — de 3 a 10 empregados ................ 3,0% mais 1,0% — de 11 a 20 empregados............... 1,5% mais 16,0% — de 21 a 40 empregados............... 1,0% mais 26,0% — de 41 a 80 empregados............... 0,7% mais 38,0% — com mais de 80 empregados ...... 0.5% mais 54,0%

4 — Diversões Públicas

Boates, Dancings, Cinemas e Congêneres: — em caráter permanente ............. — — 100,0% — em caráter eventual, p/dia ......... — — 5,0% — em caráter eventual, p/mês ........ — — 10,0%

OBS.: No caso de atividade mista, aplica-se a Tabela acima, baseando-se na atividade principal.

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A FORÇA DO POVO 167

TABELA II — Alíquota da Taxa de Licença de Horários Especiais (THE) (paraestabelecimentosdeaté5empregados)

Especificação por dia por mês por ano

%s/UFML %s/UFML %s/UFML

1 — Estabelecimentos Comerciais

— antecipação de horários ............ 1,0% 20,0% 120,0%

— prorrogação de horário, até ...... às 22:00 horas .......................... 2,0% 30,0% 150,0%

— prorrogação de horário, após .... as 22:00 horas .......................... 3,0% 40,0% 180,0%

2 — Estabelecimentos Industriais e de Prestação de Serviços

— antecipação de horário ............. 0,5% 10,0% 60,0%

— prorrogação de horário, até ...... às 22:00 horas .......................... 1,0% 15,0% 80,0%

— prorrogação de horário, após as 22:0.0. horas ........................ 1,5% 20,0% 100,0%

0BS.: 1) No caso de atividades mistas, aplica-se a Tabela acima, baseando-se na atividade principal.

2) Nos estabelecimentos com mais de 5 empregados, utiliza-se a mesma Tabela, acrescida de 50%.

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MÁRCIO MOREIRA ALVES168

TABELA III — Alíquotas da Taxa de Licença de Publicidade (TLP)

Especificação %s/UFML

1 — Painéis:

— até 2,00 m2 (dois metros quadrados), por ano, ou renovação........................................................... 20,0%

— mais de 2,00 m2 (dois metros quadrados), por ano, ou renovação ...................................................... 25,0%

2— Letreirose/oudesenhospintadosnaparteexterna dos edifícios ou muros:

— até 6,00 m2 (seis metros quadrados), por ano.. .... 50,0% — mais de 6,00 m2 (seis metros quadrados), por ano 100,0%

3— Letreirose/oudesenhospintadosemveículos:

— por unidade ........................................................ 5,0%

4 —Propagandapormeiodealto-falantes:

— por unidade, por dia ........................................... 10,0%

5 — Audiovisuais:

— por dia, e por unidade ......................................... 0,5%

6—Folhetoseboletins:

— por milheiro ....................................................... 1,0%

7 — Cartazes e faixas:

— por unidade ......................................................... 1,0%

OBS.: Anúncios publicitários não mencionados nesta Tabela serão taxados por similaridade e analogia, segundo as fontes naturais do direito, através do disposto em Regulamento.

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A FORÇA DO POVO 169

TABELA IV — Alíquota da Taxa de Licença de Execução de Obras (TEO)

Especificação %s/UFML

1 — Residenciais:

— alvenaria, até 2 (dois) pavimentos, para cada 10,00 m2 (dez metros quadrados), ou fração ................. 2,0%

— alvenaria, com mais de 2 (dois) pavimentos, para cada 10,00 m2 (dez metros quadrados), ou fração 3,0%

— construção tipo misto, para cada 10,00 m2 (dez metros quadrados), ou fração ............................. 1,5%

— madeira, para cada 10,00 m2 (dez metros quadra- dos), ou fração ................................................... 1,0%

2 — Comerciais (inclusive de uso misto):

— alvenaria, até 2 (dois) pavimentos, para cada 10,00 m2 (dez metros quadrados), ou fração ................. 2,5%

— construção em alvenaria, com mais de 2 (dois) pavimentos, para cada 10,00 m2 ou fração ......... 3,5%

— construção tipo misto, para cada ...10,00 m2 (dez metros quadrados), ou fração ............................. 2,0%

— madeira, para cada 10,00 m2 ou fração .............. 1,5%

3 — Industriais:

— alvenaria, madeira ou mista, para cada 10,00 m2 (dez metros quadrados), ou fração ...................... 1,0%

4 — Reformas, reparos, restaurações, demolições, ta- pumes, andaimes, marquises, toldos e outros aces- sórios, bem como os serviços e obras afins, para cada 10,00 m2 (dez metros quadrados), ou fração 1,0%

5 — Alinhamento fornecido, por metro linear ............ 0,3%

6 — Nivelamento fornecido, por metro linear ............ 0,5%

7 — Vistoria, por unidade habitacional ..................... 5,0%

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MÁRCIO MOREIRA ALVES170

TABELA V — Alíquota da Taxa de Licença de Execução de Loteamentos e Desmembramentos (TEL)

Especificação %s/UFML

1 — Loteamentos:

— para cada 1.000 m2 (hum mil metros quadrados) de área a lotear, ou fração .................................. 8,0%

2 — Desmembramentos (área máxima: 20.000 m2)

— para cada 1.000 m2 (hum mil metros quadrados) de área a desmembrar, ou fração ........................ 6,0%

TABELA VI — Alíquota da Taxa de Licença de Comércio Eventual (TCE)

Especificação por dia por mês por ano

%s/UFML %s/UFML %s/UFML

1 — Comércio de fazendas, con- fecções, armarinhos, bijoute- rias, louças, massas e outros artigos congêneres ........ ........... 2,0% 50,0%

2 — Sorvetes, gelados de qual- quer espécie, bebidas em geral, pipocas, doces e demais produtos afins, por unidade

de venda .................................. 0,2% 1,7% 10,0%

3 — Trailers, por unidade ................ 0,5% 1,7% 15,0%

4 — Manufaturados e artesanatos ... 0,2% 1,2% 8,0%

Page 171: Força do Povo

A FORÇA DO POVO 171

TABELA VII — Alíquotas da Taxa de Licença de Ocupação deViaseLogradourosPúblicos(TOS)

Especificação por dia por mês por ano

%s/UFML %s/UFML %s/UFML

1 — Espaço ocupado por balcões, etc., conforme Parágrafo único artigo 39, por m2

(metro quadrado) ..................... 0,2% 5,0% 50,0%

TABELAVIII—AlíquotasdaTaxadeServiçosUrbanos(TSU)

Especificação %s/UFML

1 — Serviços de conservação de vias e logradouros públicos por ano.............................. 0,5%

2 — Serviços de coleta de lixo, por ano:

a) residenciais ............................... 5,0%

b) comerciais e industriais ........ 10,0%

3 — Serviço de limpeza pública, por ano 2,0%

TABELAIX/A—AlíquotasdaTaxadeServiçosUrbanos(TSU)(serviços de iluminação pública)

Especificação %s/UFML

— imóvel não edificado, por ano ........ 2,0%

— imóvel edificado, por unidade autônoma por ano 5,0%

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MÁRCIO MOREIRA ALVES172

TABELAIX—AlíquotasdaTaxadeServiçosUrbanos(TSU) (serviços de iluminação públíca)

Faixae/ouClassedeConsumo

%sobre Valor de Referência

— Residencial monofásico com consumo próprio de O a 30 kWh ............................................... 0,35%

— Residencial monofásico com consumo próprio de 31 a 50 k Wh ............................................. 0,70%

— Residencial monofásico com consumo próprio de 51 a 100 kWh ............................................ 1,30%

— Residencial monofásico com consumo próprio acima de 100 kWh ......................................... 2,0%

— Residencial bifásico e trifásico ........................ 2,5%

— Comercial, Industrial, Empresas de Serviços Públicos, monofásico ..................................... 4,0%

— Comercial, Industrial, Empresas de Serviços Públicos, bifásico e trifásico ........................... 5,5%

— Primários ....................................................... 6,5%

OBS.: Esta Tabela é utilizada de acordo com o inciso I, Parágrafo único do artigo 43.

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Sobre o Autor

Márcio Moreira Alves nasceu no Rio de Janeiro, em 1936, de uma mistura da velha oligarquia fluminense com políticos mineiros. Aos 17 anos começou a trabalhar no Correio da Ma-nhã, fazendo reportagem geral, correspondência de guerra em Suez e, sobretudo, reportagens políticas. Em 1957 ganhou o Prêmio Esso com um telegrama de 20 linhas sobre o tiroteio na Assembléia de Alagoas, redigido depois de ter a coxa fratu-rada por uma bala de metralhadora. Cobriu os conflitos raciais de Little Rock, no Alabama, foi a Cuba com Jânio Quadros, fez reportagens na Índia, no Senegal e em Ghana, mas, sobre-tudo, pelo interior do Brasil. Em 1964, como editorialista do jornal carioca, foi o primeiro a denunciar torturas de presos políticos e o seu livro Torturas e Torturados teve a sua 1ª edição apreendida pela polícia, sendo posteriormente liberado pelo Tribunal Federal de Recursos. Eleito deputado em 1966, foi cassado em dezembro de 1968 depois de ter a Câmara recusado o pedido dos ministros militares para processá-lo em virtude de um discurso no “pinga-fogo”. Exilou-se no Chile, fez deze-nas de conferências sobre o Brasil nas principais universida-des norte-americanas, doutourou-se em Ciências Políticas pela Sorbonne. A versão atualizada da sua tese, publicada na Fran-ça, foi editada pela Brasiliense: A Igreja e a Política no Brasil. Em 1972 ganhou o Prêmio Casa de las Américas, de Havana, com o livro Um Grão de Mostarda, que teve edições em nove idiomas. O seu O Cristo do Povo é o único livro sobre a Igreja brasileira publicado em polonês, na época em que o cardeal de Cracóvia chamava-se Wojtyla, hoje João Paulo II. A partir de 1974 viveu em Lisboa, como professor do Instituto Superior de Economia. O trabalho que escreveu para a editora Gallimard sobre o processo político português, Les Soldats Socialistes du Portugal, teve edições simultâneas em francês, português, espa-nhol e holandês. Com a anistia, voltou ao Brasil em setembro de 1979 e atualmente mantém uma coluna diária na Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro.