foi um prazer ver os seus projectos a crescer, acompanhar ... · livros de artista são livros ou...

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A sala 5 é a sala onde todas as obras presentes nesta exposição começaram. É a sala onde me reuni com todos estes alunos entre Março e Junho deste ano para esta nova disciplina do plano curricular da ESAD-CR chamada de Livros de Artista. Além de esta ser uma área ainda pouco explorada em Portugal, como qualquer categoria artística é difícil de definir. Por isso adiciono aqui algumas ideias sobre Livros de Artista que partilhei com os alunos no início do semestre. Estas definições vêm de teóricos, artistas, bibliotecas e museus: Livros de artista são livros ou objec- tos em forma de livro; sobre os quais, na aparência, final o artista tem um grande controle. O livro é entendido nele mesmo como uma obra de arte. Estes não são livros com reproduções de obras de artistas, ou apenas um texto ilustrado por um artista. Na prática, esta definição quebra-se quando o artista a desafia, puxando o formato livro em direcções inesperadas. Artists’ books – the book as a work of art, 1963-1995, Stephen Bury * Embora ansiando evitar uma definição demasiado restritiva, o nosso largo entendimento de um livro de artista no contexto desta colecção é: um todo livro (i.e. normalmente um número de páginas ligadas umas às outras de alguma forma), ou concebido por (não necessariamente feito/impresso por) um artista, e normalmente de produção barata, em edição de múltiplo para grande circulação. Politica de aquisição de livros de artista. Biblioteca da Tate Gallery* ... livros que são eles próprios obras de arte e que experimentam com o formato tradicional de livro... Uma politica para o desenvolvimento das colecções, National Art Library* ... o livro de artista é por si só uma obra de arte, concebido especificamente na forma de livro e frequentemente publicado pelo próprio artista. Pode ser visual, verbal, ou visual/verbal. Com algumas excepções, é um todo como peça, consistindo num trabalho em série ou série de ideias e/ou ima- gens – uma exposição portátil. Mas, ao contrário de uma exposição, o livro de artista não reflecte as opiniões exteri- ores e permite ao artista contornar o sistema comercial da galeria, assim como evitar más interpretações por críticos e outros intermediários. Habitualmente não é caro, modesto no formato, e ambicioso no alcance, o livro de artista é também um vei- culo frágil para pesadas cargas de crenças e ideias: é considerado por muitos a maneira mais fácil, fora do mundo artístico, em direcção ao coração de uma maior audiência. The artist’s book goes public, Lucy Lippard* Conceptualmente, consideram-se livros de artista aquelas obras cujo suporte físico ou de inspiração remete para a forma física de um livro, ou cuja utilização implica uma aproxi- mação à utilização de um livro. 16/60 –contextos e margens, Ana Gonçalves, Rita Castelo-Branco, Sara Matos, José Caissoti É fácil afirmar que um livro de artista é um livro criado como uma obra de arte original, em vez de uma reprodução de uma obra pré-existente. E também, que é um livro quando integra os meios formais, da sua realização e produção, com os conteú- dos temáticos e estéticos. De qualquer modo esta definição levanta mais questões que respostas: o que é uma obra de arte “original”? Tem que ser um trabalho único? Pode ser uma edição? Um múltiplo? Quem é o faze- dor? É o artista que tem a ideia? Ou só se ele/ela fizer todo o trabalho envolvido na produção – imprimir, pintar, encadernar, fotografia, ou tudo o mais que estiver envolvido? The century of artists books, Johanna Drucker* Pode-se sempre cair na definição duchampiana: “É um livro de artista se um artista o fez, ou se um artista diz que é”. New artists’ books, Lucy Lippard* ... obras de artistas em forma de livros. Newark Public Library, W. Dane * Livros de artista são 1. Portáteis, 2. Duráveis, 3. Baratos, 4. Íntimos, 5. Não-preciosos, 6. Reproduzíveis, 7. Históricos, e 8. Universais. New artists’ books, Pat Steir* ...Book art pode ser vista como uma arte de acção, uma espécie de hap- pening ou teatro, considerando a situ- ação em que o trabalho é experien- ciado, e que exige a participação do leitor. O livro fica no centro de tal situação, mas a experiência da situa- ção é controlada pelo leitor. Turning over the pages: books in contemporary art, P. Buchler* * tradução de Ana João Romana Como professora acompanhei a maioria destes alunos durante os três anos de licenciatura. Foi um prazer ver os seus projectos a crescer, acompanhar o corpo de trabalho a que estes finalistas de Artes Plásticas chegaram. E como responderam a esta proposta de tomar o livro como um veiculo para a criação artística, assim o empenho e a qualidade destes trabalhos tinha de ser partilhada para lá da nossa sala 5. Ana João Romana Agosto 2010 Agradecimentos: CCC - direcção e equipa ESAD-CR - direcção, staff e alunos envolvidos nesta exposição E um agradecimento especial a Eduardo Ribeiro, Pedro Moreira e Vera Gomes Este catálogo foi publicado por ocasião da exposição Sala 5 no CCC – Caldas da Rainha, Setembro 2010

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A sala 5 é a sala onde todas as obras presentes nesta exposição começaram. É a sala onde me reuni com todos estes alunos entre Março e Junho deste ano para esta nova disciplina do plano curricular da ESAD-CR chamada de Livros de Artista.Além de esta ser uma área ainda pouco explorada em Portugal, como

qualquer categoria artística é difícil de definir. Por isso adiciono aqui algumas ideias sobre Livros de Artista que partilhei com os alunos no início do semestre. Estas definições vêm de teóricos, artistas, bibliotecas e museus:

Livros de artista são livros ou objec-tos em forma de livro; sobre os quais, na aparência, final o artista tem um grande controle. O livro é entendido nele mesmo como uma obra de arte. Estes não são livros com reproduções de obras de artistas, ou apenas um texto ilustrado por um artista. Na prática, esta definição quebra-se quando o artista a desafia, puxando o formato livro em direcções inesperadas.

Artists’ books – the book as a work of art, 1963-1995, Stephen Bury *

Embora ansiando evitar uma definição demasiado restritiva, o nosso largo entendimento de um livro de artista no contexto desta colecção é: um todo livro (i.e. normalmente um número de páginas ligadas umas às outras de alguma forma), ou concebido por (não necessariamente feito/impresso por) um artista, e normalmente de produção barata, em edição de múltiplo para grande circulação.

Politica de aquisição de livros de artista. Biblioteca da Tate Gallery*

... livros que são eles próprios obras de arte e que experimentam com o formato tradicional de livro...

Uma politica para o desenvolvimento das colecções, National Art Library*

... o livro de artista é por si só uma obra de arte, concebido especificamente na forma de livro e frequentemente publicado pelo próprio artista. Pode ser visual, verbal, ou visual/verbal. Com algumas excepções, é um todo como peça, consistindo num trabalho em série ou série de ideias e/ou ima-gens – uma exposição portátil. Mas, ao contrário de uma exposição, o livro de artista não reflecte as opiniões exteri-ores e permite ao artista contornar o sistema comercial da galeria, assim como evitar más interpretações por críticos e outros intermediários. Habitualmente não é caro, modesto no formato, e ambicioso no alcance, o livro de artista é também um vei-culo frágil para pesadas cargas de crenças e ideias: é considerado por muitos a maneira mais fácil, fora do mundo artístico, em direcção ao coração de uma maior audiência.

The artist’s book goes public, Lucy Lippard*

Conceptualmente, consideram-se livros de artista aquelas obras cujo suporte físico ou de inspiração remete para a forma física de um livro, ou cuja utilização implica uma aproxi-mação à utilização de um livro.

16/60 –contextos e margens, Ana Gonçalves, Rita Castelo-Branco, Sara Matos, José Caissoti

É fácil afirmar que um livro de artista é um livro criado como uma obra de arte original, em vez de uma reprodução de uma obra pré-existente. E também, que é um livro quando integra os meios formais, da sua realização e produção, com os conteú-dos temáticos e estéticos. De qualquer modo esta definição levanta mais questões que respostas: o que é uma obra de arte “original”? Tem que ser um trabalho único? Pode ser uma edição? Um múltiplo? Quem é o faze-dor? É o artista que tem a ideia? Ou só se ele/ela fizer todo o trabalho envolvido na produção – imprimir, pintar, encadernar, fotografia, ou tudo o mais que estiver envolvido?

The century of artists books, Johanna Drucker*

Pode-se sempre cair na definição duchampiana:“É um livro de artista se um artista

o fez, ou se um artista diz que é”.

New artists’ books, Lucy Lippard*

... obras de artistas em forma de livros.

Newark Public Library, W. Dane *

Livros de artista são 1. Portáteis, 2. Duráveis, 3. Baratos, 4. Íntimos, 5. Não-preciosos, 6. Reproduzíveis, 7. Históricos, e 8. Universais.

New artists’ books, Pat Steir*

...Book art pode ser vista como uma arte de acção, uma espécie de hap-pening ou teatro, considerando a situ-ação em que o trabalho é experien-ciado, e que exige a participação do leitor. O livro fica no centro de tal situação, mas a experiência da situa-ção é controlada pelo leitor.

Turning over the pages: books in contemporary art, P. Buchler*

* tradução de Ana João Romana

Como professora acompanhei a maioria destes alunos durante os três anos de licenciatura.Foi um prazer ver os seus projectos a crescer, acompanhar o corpo de

trabalho a que estes finalistas de Artes Plásticas chegaram. E como responderam a esta proposta de tomar o livro como um veiculo para a criação artística, assim o empenho e a qualidade destes trabalhos tinha de ser partilhada para lá da nossa sala 5.

Ana João RomanaAgosto 2010

Agradecimentos:

CCC - direcção e equipa

ESAD-CR - direcção, staff e alunos envolvidos nesta exposição

E um agradecimento especial a Eduardo Ribeiro, Pedro Moreira e Vera Gomes

Este catálogo foi publicado por ocasião da exposição Sala 5 no CCC – Caldas da Rainha,

Setembro 2010